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04 de agosto de 2007 – aula 01 Bibliografia - Luiz Emygdio – mais completo - Ricardo Negrão – 2º volume [ainda não saiu] - Fábio Ulhôa Coelho – vol. 1 [Manual, nem pensar!] problema: ele não informa quando ou se alguém fale diferente. (*) Ricardo Negrão vai ter uma coleção completa sobre Direito Empresarial, como o livro de Processo Civil do Alexandre Câmara – os volumes 01 e 03 são muito bons. - Fran Martins – não é bom para concurso. Ele é muito estudioso - Waldírio Bulgarelli – é muito bom, mas ele vai direto às controvérsias. Se você for bom em títulos de crédito aí você pode ficar com ele. O Título de Crédito, como todo instituto jurídico que eu já há algum tempo me proponho a passar para os outros, especialmente a partir de quando eu comecei a fazer mestrado e a ver umas coisas surreais, e nem sempre tudo que parece ser surreal é tão surreal assim, eu comecei a pensar: Títulos de Crédito: o que é isso? Para que isso serve? E a partir do momento em que eu vi para que isso serve, as coisas começaram a ficar mais fáceis. Por que é fácil estudar Direito Penal? Estudar a nova Lei de Armas, então, é facílimo! Se você é carioca, então você conhece todos os calibres de arma, você conhece todo o armamento: sabe o que é de uso restrito, o que é de uso exclusivo, o que pode e o que não pode. Se você vai estudar furto, então, infelizmente todo mundo já foi ou furtado ou roubado. Todo mundo conhece de perto um caso de seqüestro [rectius, extorsão mediante seqüestro]. Dá para visualizar. E qual é o problema da nossa matéria [Direito Empresarial/Comercial]? Para a maioria das pessoas, ela é surreal. Tem gente nesta sala que eu posso afirmar: nunca tocou em um Título de Crédito que não seja cheque. Então a dificuldade parte daí: o que é um Título de Crédito? Primeiro você tem que visualizar o que é para depois você ir adiante, a atual diretriz do atual PGJ, a diretriz de sua administração é assim e a próxima banca terá essa diretriz é: ele quer bons promotores de justiça, ele não quer promotores que decorem o livro e as controvérsias. Não adianta nada perguntar sobre a evolução francesa, italiana e alemã do Título de Crédito na prova oral. Para quê você precisa saber disso? Para que você precisa saber que só depois da Revolução Alemã que os Títulos de Crédito se firmaram no mundo? Você precisa saber o seguinte: factoring. Em uma operação de factoring, o sujeito manda você emitir uma nota promissória lastreando a operação. Essa nota promissória que lastreou a operação de factoring pode instruir um requerimento de falência? Para saber isso você tem que saber o que é um título de crédito e ele nada mais é do que um bem móvel. É essa a sua natureza jurídica: bem móvel. É um bem móvel como um automóvel, um gravador, uma ação, uma debênture, quotas de sociedade. Portanto, um bem móvel que faz parte do seu patrimônio. Uma jóia. Esse bem móvel surge para a substituir a circulação de CEPAD CENTRO 2007 – Títulos de Crédito – Márcio S. Guimarães (Promotor de Justiça -MP/RJ)

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04 de agosto de 2007 – aula 01

Bibliografia- Luiz Emygdio – mais completo- Ricardo Negrão – 2º volume [ainda não saiu]- Fábio Ulhôa Coelho – vol. 1 [Manual, nem pensar!] problema: ele não

informa quando ou se alguém fale diferente.

(*) Ricardo Negrão vai ter uma coleção completa sobre Direito Empresarial, como o livro de Processo Civil do Alexandre Câmara – os volumes 01 e 03 são muito bons.

- Fran Martins – não é bom para concurso. Ele é muito estudioso- Waldírio Bulgarelli – é muito bom, mas ele vai direto às controvérsias. Se

você for bom em títulos de crédito aí você pode ficar com ele.

O Título de Crédito, como todo instituto jurídico que eu já há algum tempo me proponho a passar para os outros, especialmente a partir de quando eu comecei a fazer mestrado e a ver umas coisas surreais, e nem sempre tudo que parece ser surreal é tão surreal assim, eu comecei a pensar: Títulos de Crédito: o que é isso? Para que isso serve? E a partir do momento em que eu vi para que isso serve, as coisas começaram a ficar mais fáceis. Por que é fácil estudar Direito Penal? Estudar a nova Lei de Armas, então, é facílimo! Se você é carioca, então você conhece todos os calibres de arma, você conhece todo o armamento: sabe o que é de uso restrito, o que é de uso exclusivo, o que pode e o que não pode. Se você vai estudar furto, então, infelizmente todo mundo já foi ou furtado ou roubado. Todo mundo conhece de perto um caso de seqüestro [rectius, extorsão mediante seqüestro]. Dá para visualizar. E qual é o problema da nossa matéria [Direito Empresarial/Comercial]? Para a maioria das pessoas, ela é surreal. Tem gente nesta sala que eu posso afirmar: nunca tocou em um Título de Crédito que não seja cheque. Então a dificuldade parte daí: o que é um Título de Crédito? Primeiro você tem que visualizar o que é para depois você ir adiante, a atual diretriz do atual PGJ, a diretriz de sua administração é assim e a próxima banca terá essa diretriz é: ele quer bons promotores de justiça, ele não quer promotores que decorem o livro e as controvérsias. Não adianta nada perguntar sobre a evolução francesa, italiana e alemã do Título de Crédito na prova oral. Para quê você precisa saber disso? Para que você precisa saber que só depois da Revolução Alemã que os Títulos de Crédito se firmaram no mundo? Você precisa saber o seguinte: factoring. Em uma operação de factoring, o sujeito manda você emitir uma nota promissória lastreando a operação. Essa nota promissória que lastreou a operação de factoring pode instruir um requerimento de falência? Para saber isso você tem que saber o que é um título de crédito e ele nada mais é do que um bem móvel. É essa a sua natureza jurídica: bem móvel. É um bem móvel como um automóvel, um gravador, uma ação, uma debênture, quotas de sociedade. Portanto, um bem móvel que faz parte do seu patrimônio. Uma jóia. Esse bem móvel surge para a substituir a circulação de

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dinheiro, para a segurança na circulação de dinheiro. Surge também, tem como fundamento não só evitar a circulação de grandes quantias, mas também para circular, e essa é a razão efetiva, o crédito serve para fazer circular o crédito.

E aí você começa a pensar: “Espera aí, Márcio, por que circular crédito se eu tenho um instituto para fazer circular crédito normalmente, que no Direito Civil é a cessão civil de crédito? Para que um título de crédito se eu já tenho a cessão civil de crédito? Para que criar um instituto diferente para fazer circular o crédito?”. Aí eu responderei. Mas aqui é diferente. A circulação desse crédito tem que ser, outrora chamada comercial, hoje chamada empresarial. Circulação empresarial de crédito esta que de manhã surge um problema, no almoço está resolvido, na sobremesa do almoço ele ressurge e pelo lanche da tarde ele tem que estar resolvido de novo. Problemas empresariais, atividade empresarial, elas giram com muita rapidez. Eu preciso receber dela de manhã para poder pagar a ele, que tem que pagar a ela, que tem que pagar a um outro o seu crédito. E como isso [o crédito] circula rápido? Com a cessão de crédito, isso não acontece porque uma vez que ela for circular esse título, o cessionário desse crédito vai querer ler o contrato e discutir todas as cláusulas. No título de crédito nós vamos ter um documento, que é um bem móvel que rapidamente ele possa dar segurança a esse crédito. Daí vem a sua segunda natureza jurídica: título executivo extrajudicial. O título de crédito é um título executivo extrajudicial.

É exatamente em razão dessa primeira análise, dessa primeira parte da nossa conversa, que o professor Pontes de Miranda passou a identificar títulos cambiários e cambiariformes. Dizia ele: título cambiário é aquele que nasce para circular, aquele que tem como fundamento a circulação; título cambiariforme é título de crédito também, mas que já foi desfigurado, já perdeu um pouco dessa essência de que falamos [fundamento a circulação]. Um exemplo de título cambiariforme é o cheque, porque em regra você não emite cheques para circulação. Eu percebi isso recentemente quando o meu sogro, que lida com cheques, ele é dentista, e ele recebeu uns cheques e me perguntou como ia fazer para pagar uns negócios lá, e eu sugeri a ele que endossasse alguns cheques. E ele disse com toda veemência: não pode, cheque não se endossa atrás, só se não tiver o nome do beneficiário, porque aí eu poderia preencher com o nome de outra pessoa. Vejam que no próprio dia-a-dia as pessoas esquecem que o cheque é um título de crédito. Você emite um cheque para alguém e você fica indignado se esse alguém não depositar o cheque. Se esse cheque “demorar para bater”, como as pessoas dizem, a pessoa liga para perguntar cadê aquele cheque. Se a pessoa disser que passou para frente, o sujeito fica indignado porque tinha que ter depositado, não tinha nada que endossar o cheque. Mas é título de crédito!!! Isso só denota o que Pontes de Miranda tinha identificado lá atrás: o cheque é um título cambiariforme.

O Ministério Público certa vez perguntou: defina o que são e quais são sos título de crédito e os títulos cambiariformes no direito brasileiro. Já caiu também na prova da Magistratura de forma bem direta: diferencie quais são os títulos de crédito e os títulos cambiariformes. Essa definição foi talhada por Pontes de Miranda.

Sendo o título de crédito um bem móvel, ele será passível de penhora, arresto, seqüestro, caução. Isso tudo porque o título de crédito é um bem móvel. Tem que entender bem a base para conseguir alcançar as controvérsias. Se não entender que

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o título de crédito é bem móvel, não vai entender endosso-caução nem endosso-pignoratício, que são modalidades de garantia. E se título de crédito é bem móvel, se eu for dá-lo em garantia, eu não posso simplesmente entregá-lo para você [porque bens móveis se transmitem pela tradição]. Eu tenho que endossá-lo com ressalva, que é o endosso-caução. Assim, quando eu entregar o título, ele continuará a ser meu; o crédito continuará a ser meu. O título estará com outrem a título de garantia de caução.

Visto esse ponto, podemos passar ao conceito de Cesare Vivante, hoje disposto no art. 887, NCC, com modificação da parte final, em que o título de crédito será o documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele mencionado. Esta é a definição de Cesare Vivante. Este é o conceito mais tradicional de título de crédito até hoje disposto.

Mas o NCC tratará de título de crédito? Eu ouvi outro dia que o NCC não terá aplicabilidade alguma. É verdade. Em regra, pelo art. 903, o NCC não será aplicável porque:

Art. 903: Salvo disposição diversa em lei especial, regem-se os títulos de crédito pelo disposto neste código.

Ora, todos os títulos estão dispostos em lei especial: Lei Uniforme de Genebra, Decreto n.º 2.044/1908, Lei das Duplicatas, Lei do Cheque e assim por diante. Há títulos novos, títulos modernos na Lei nº 10.931/04, criando a Cédula de Crédito Bancário. A Letra de Crédito Imobiliário, a Cédula de Crédito Imobiliário. Então, todos os títulos de crédito especiais vêm disciplinados em leis especiais. Nós não vamos usar o NCC. Mas quando as leis especiais não cuidarem da matéria, nós certamente vamos utilizar o NCC. Como exemplo, a definição de título de crédito, que já era usada doutrinariamente e foi positivada no art. 887, NCC. Então o art. 887 terá aplicabilidade, como também o terá o art. 889, § 3º, sobre o título de crédito virtual.

Partindo da definição de título de crédito, de Cesare Vivante, podemos começar a extrair os princípios e os atributos dos títulos de crédito.

Princípios e atributos dos títulos de crédito não são a mesma coisa. A Magistratura perguntou: defina os atributos dos títulos de crédito. Todo mundo respondeu: literalidade, cartularidade e autonomia. Mas não é! Os atributos dos títulos de crédito são: celeridade, circulabilidade, negociabilidade, exeqüibilidade, segurança. Vocês têm aí elencados [no art. 887, NCC] os atributos da circulabilidade e da segurança. E o resto? A circulabilidade está ligada à celeridade, que está ligada à negociabilidade, a segurança está ligada à exeqüibilidade.

Vamos então colocar aqui no canto a exeqüibilidade e a segurança porque esses atributos aqui servirão para sustentar todo o estudo do Direito Cambiário. Eu vou voltar várias vezes a eles para mostrar a vocês que, em uma monografia, o professor italiano Túlio Ascarelli escreveu que ele veio para o Brasil depois da Segunda Guerra e se instalou em São Paulo e lecionou na USP durante muito tempo e escreveu uma monografia entitulada Teoria Geral dos Títulos de Crédito. Nessa monografia ele tenta, e consegue com maestria, demonstrar que tudo está atrelado à

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segurança e à celeridade. Isso tudo porque o que não é célere não é seguro. É até um jargão popular...

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Os princípios do Direito Cambiário denotarão muito bem esses dois atributos. E aí, como você iria responder corretamente à pergunta sobre os atributos do Direito Cambiário? Você falaria sobre cada um deles [celeridade, negociabilidade, circulabilidade, exeqüibilidade e segurança], que são denotados por vários institutos do Direito Cambiário, notadamente, os princípios de Direito Cambiário: cartularidade, literalidade, autonomia. Mas quem escreveu direto: “cartularidade, literalidade, autonomia”, pecou porque não fez a ligação que é extremamente importante porque os atributos são esses e nós vamos entendê-los melhor ao longo do curso.

Princípio da Cartularidade. O que é cartularidade? Cartularidade vem de “cártula”, e como diz Cesare Vivante, no art 887, NCC, é o documento necessário, isto é, o documento é imprescindível. Pontes de Miranda diz: “é a coisificação do crédito”. “Crédito coisificado”, um termo feio. Ele gostava de inventar termos. Foi ele quem inventou o “presentante” para o atual administrador, antigo sócio-gerente das sociedades, para o MP, porque o promotor ‘presenta’ a instituição. Na prova não escreva “representante” [representante é para incapaz].

A cartularidade é a “coisificação” do crédito. Por quê? Pense numa jóia. A jóia está aqui. Adianta uma foto da jóia? Não! Então não adianta falar que cópia do título de crédito pode instruir execução. Se você tem a jóia, tem que ser a jóia, só serve a própria jóia. Isso é óbvio? É, mas há vários julgados do STJ desautorizando execução com mera fotocópia de nota promissória. E esse julgado bem demonstra que você precisa juntar a cártula para certificar a autenticidade do título, para evitar a circulação. Se um sujeito se afirma credor e apresenta uma cópia autenticada do título. Há validade? Ah! Mas o tabelião tem fé pública... Lá na Lei n.º 8.935/94, que é a lei que trata da atividade notarial e registral, há entre as principais funções é dar autenticidade. O tabelião certificou da autenticidade. É. Mas para nós isso só não basta, isso só não vale. E o professor Túlio Ascarelli demonstra isso. Se uma pessoa se apresenta a mim se dizendo minha credora, eu posso confirmar a existência de uma nota promissória minha circulando na praça. Mas se eu pagar a essa pessoa e ela me devolver uma cópia colorida dessa nota promissória, autenticada, por mais que essa cópia pareça com o original, não é a mesma coisa exatamente porque a jóia não está com ele. Eu só vou pagar para quem me apresentar o título.

Em cima disso você extrai várias coisas. Por exemplo, qual o termo que se usa para pagar um título de crédito? Resgate. Veja o termo usado: “resgate”. Você resgata um sujeito que está se afogando no mar, “resgate”, para reaver a pessoa que está seqüestrada... Então você vai resgatar o título. Como se paga o título de crédito? Com uma mão você dá o dinheiro e com outra segura o título. Assim nunca mais você esquece a cartularidade. Só entrega o dinheiro quando estiver com o título na mão. Muita gente é “passada para trás” dessa forma: ao entregar o dinheiro, não coloca o título imediatamente na pasta e aí, quando vai ver, o título sumiu, ou deixou com o

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credor. E vai ter que pagar de novo? Vai, porque com esse título eu comprarei o carro dela e ela vai cobrar do devedor, e o recibo que o devedor apresentar não valerá de nada.

Uma questão de prova que pode vir e que acontece todo dia na praça: você é o devedor de um título vencido. Chega na sua casa um boleto bancário que você paga tempestivamente, crente que estava em dia com a sua obrigação. Dias depois chega uma notificação do cartório para que você pague aquele título, que foi protestado. Você vai ficar louco da vida, querendo matar um, se sentido injustiçado porque já pagou aquela dívida e tem o comprovante. A culpa é sua! Por que pagou via boleto bancário, sem o título? Argumentar que o banco não devolve o título não cola. Vai lá e manda ele carimbar “quitado” no título. Vai no gerente e manda ele carimbar “quitado” se ele não quiser te devolver o título. Se alguém pegar esse título, ele não tirará proveito nenhum porque a cartularidade impedirá, de uma forma muito barata e segura.

Em razão da cártula, que é uma jóia, título de crédito fica no cofre.Mas a regra não é tão absoluta como na jóia. As mulheres sabem muito bem

que, na beirada da praia, se o brinco cair, se a pulseira cair ali na arrebentação, se perder a jóia, não adianta procurar porque ali é um buraco negro. O título de crédito admite algumas exceções à cartularidade.

A primeira exceção à cartularidade é que você poderá demonstrar que é o credor daquele título sem a presença daquela cártula. O primeiro caso é a hipótese de perda ou extravio, em que você se valerá do mecanismo do CPC, um procedimento de jurisdição voluntária chamada de Ação de Anulação e Substituição de Título ao Portador. É uma ação demorada e tem que ser demorada senão qualquer maluco que chegue se dizendo credor de R$ 100 mil conseguiria uma sentença e sairia de lá credor de R$ 100 mil. O autor tem que comprovar a origem do título, a dinâmica da origem do título, vai haver vários editais, vai se tentar convocar todas as pessoas que participaram da formação e circulação do título para se ter certeza da existência e titularidade daquele título de crédito.

A segunda exceção é a certidão de inteiro teor. Como está na moda: busca e apreensão. Há uma busca e apreensão na casa de A, onde se apreende um título de B. B tinha ido à casa de A, e confiou o título a A porque ia sair muito tarde de lá e ficou com medo de assalto, por exemplo. No dia seguinte, quando B vai buscar o título confiado, o título havia sido apreendido e agora está nos autos de um inquérito ou de uma ação judicial. Se o título está retido e seu titular quer exercer o direito nele expresso, dirige-se ao escrivão e requer uma certidão de inteiro teor. Aí, o escrivão certificará e dará fé que nos autos do processo nº ... encontra-se retido um título de crédito chamado nota promissória, emitido na data tal por fulano, em favor de beltrano, no valor tal, vencendo-se no dia tal. Vai contar toda a história do título. Com essa certidão, o credor vai cob rr do devedor. O devedor não pode simplesmente pagar e resgatar a certidão de inteiro teor porque não vai ter certeza de que será cobrada novamente. Qualquer um pode ter uma certidão de inteiro teor, apesar de ninguém falar isso. O devedor tem que ir lá naquele processo e conferir a certidão dos autos, de que a certidão de inteiro teor foi extraída a pedido de alguém. O credor tem que exigir que a certidão de que extração de certidão de inteiro teor foi solicitada por

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alguém conste também do título retido. Porque só assim se atendem à segurança e à negociabilidade. Se a certidão não for exarada no próprio título, se o devedor paga a quem apresenta certidão e, posteriormente, o título desaparece dos autos em que estava retido, o credor pode ser instado outra vez a resgatá-lo, porque pela negociabilidade, celeridade e segurança, o devedor não terá como se eximir de tanto. Então, a certidão tem que constar do próprio título e de uma folha do processo, já que mais cedo ou mais tarde esse título vai sair dali. Estando o título certificado, se ele for subtraído, quando se for tentar fazê-lo circular, ninguém vai querer. A cartularidade e a literalidade servem para isso: para conferir segurança sobre o crédito. A certidão significa que alguém pode já ter resgatado o título.

Pergunta de aluno: então a certidão substitui o título?Sim. É uma exceção ao princípio da cartularidade.

Pergunta de aluno: e se a pessoa perder a certidão ela pode tirar outra?Pode, com certeza. Com a certidão você tem que ir necessariamente aos autos

conferir se é aquilo mesmo. De qualquer forma o devedor, quando for pagar, terá de ir ao processo mesmo para ver se a certidão condiz ou não com a realidade.

Pergunta de aluno: a certidão pode circular?Sim, mediante endosso.

Outra exceção à cartularidade, ou seja, exercerá o direito cambiário sem a cártula, sem a presença do título de crédito: certidão exarada por protesto por indicação (art. 13, §1º, Lei n.º 5474/68).

Quando ocorre protesto por indicação: retenção indevida do título. O protesto por indicação tem previsão para as duplicatas quando houver retenção do título. Como e quando isso vai acontecer? O sujeito só foi à 1ª aula sobre título de crédito, ouviu falar sobre a cartularidade, e nunca mais voltou. Aí, chegou uma duplicata na casa dele e ele lembrou que, sem cártula, sem direito a crédito. Então ele rasgou aquela duplicata, ou a queimou, ou então, a engoliu, como na hipótese de uma determinada prova de Direito Penal, que o sujeito, em um cartório, engoliu o título. Quem conta essa história é o professor Nagib, afirmando-a como verídica. E o credor vai ficar no prejuízo? A própria Lei de Duplicatas cuida da matéria: nos casos de retenção indevida do título cabe protesto por indicação. E como é isso? Ele indica a existência do título ao cartório: cartório, eu tinha um título, que era uma duplicata, no seguinte valor, sacador tal, sacado tal, data de emissão, nº da nota fiscal, nº da fatura. Na maioria das vezes, ele envia para o cartório a cópia do título que foi enviado ao devedor. E o cartório intima o devedor a pagar o título indevidamente retido. Não pagando, o cartório emitirá uma certidão de protesto por indicação e, com essa certidão o credor poderá exercer o seu direito creditício. Poderá mover ação cambial, executar, com base nessa certidão de protesto por indicação.

Pergunta de aluno: o devedor pode impugnar isso? Administrativa ou judicialmente?

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Pode. Ele pode se valer de um contra-protesto, que não vai adiantar nada porque o contra-protesto não suspende o protesto. Mas já é um mecanismo de fazer prova. Aí, quando a certidão de protesto for exarada, ela mencionará o contra-protesto. Nessa hipótese [do contra-protesto], o devedor tem duas alternativas: ou ele espera a certidão de protesto, com a ressalva, e aguarda o que o credor vai fazer, ou antes mesmo da certidão de protesto exarada ele ingressa em juízo com uma ação de conhecimento com pedido de antecipação de tutela [rectius: antecipação dos efeitos da tutela] para sustar o procedimento do protesto ou cancelado o registro do protesto, dependendo da fase em que estiver.

Por último, não é a última exceção, mas a última exceção no tópico da cartularidade, vem o título virtual.

Título virtual é uma exceção ao princípio da cartularidade?Vá ao art. 889, § 3º: “o título poderá ser emitido a partir de caracteres criados

em computador ou em meio técnico equivalente e que constem da escrituração do emitente, observados os requisitos mínimos deste artigo.”.

Observem o raciocínio: o professor Fábio Ulhôa Coelho e professor Luiz Emygdio sempre disseram que o título virtual não é novidade alguma. O título virtual sempre existiu: eu crio um título virtual, te mando via internet e depois te emito um boleto bancário. Você não paga e eu protesto por indicação, em que eu obterei a certidão de protesto. Diziam eles: está vendo? Está resolvido o problema. A execução é com base na certidão de protesto.

Mas será que pode ser assim? Quando você pode realizar protesto por indicação? Quando houver retenção indevida. Aí, eu estou sendo executado com base em um protesto por indicação cujo pressuposto é a retenção indevida por mim. A minha defesa será: eu não recebi título algum, e se eu não recebi título algum, eu não preciso fazer prova negativa. E aí, retorna o ônus para o exeqüente de que enviou o título para mim. Só que ele não enviou título algum! Em conversa informal com o professor Luiz Emygdio sobre esse tema, ele parou para pensar e chegou à conclusão que a defesa para essa execução é forte. Ele não publicou alteração de posicionamento, mas já ficou sensível ao questionamento. Ontem, na banca de professores da UFRJ, estávamos eu, o professor Theofilo de Azevedo, o professor Alexandre Assumpção e Maurício Menezes, da UERJ, essa questão foi levantada por um dos candidatos, e a gente começou a suscitar isso e eu vi que todo mundo pensava do mesmo jeito, o que me deixou muito tranqüilo: título de crédito não é exceção à cartularidade. Isso que os professores Fábio Ulhôa Coelho e Luiz Emygdio falavam não era título de crédito virtual; era uma praxe que se colar, colou. É como se eu dissesse: “me paga, aí?!”, “não”. Aí eu ia no cartório dizendo que o título era assim, assim, assado, mas não havia título nenhum! Aí o cartório te interpelava e você pagava. Ótimo para mim. Mas se você pensasse bem, em embargos de executado você se negava a pagar pela inexistência de título. O protesto por indicação é uma exceção à cartularidade, não à inexistência de título. Essa certidão de protesto [por indicação] só é cabível quando o título foi enviado. Esse é o primeiro pressuposto: envio de título. O embargante se insurge contra esse pressuposto: se não houve envio do título, ele não recebe nada. Aí, a execução cai por terra porque não houve título que pudesse ser enviado e indevidamente retido.

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Então o que seria título virtual, se nós já sabemos que ele não é aquilo que Fábio Ulhôa Coelho e Luiz Emygdio diziam? O que é título virtual? O que é documento virtual? O nome já diz “documento”. Existe? Existe. Existe cártula? Existe. Todas as vezes que vocês forem falar de qualquer documento virtual, de Direito Eletrônico, guardem o seguinte: uma das obras que eu li e que elucidou tudo para mim é a do Marco Aurélio Greco (?): Do átomo ao byte. Tudo que você for pensar sobre Direito Eletrônico está aqui. Do átomo, que é a menor partícula de matéria, ao byte, na verdade é o bit que forma o byte (binary tecnology) – cada byte tem 8 bits. Tudo é formado através do binary tecnology. Tudo virtual é formado do 0 – 1. Documento não existe? Sim. Só que ele não é “atomizado”, ele não é papel, a cártula não é materializada, ela é virtual. Por exemplo, se você visualizar bem: o Ponto Frio tem loja? Sim. Submarino.com tem loja? Mas tem endereço, senão você não chega nele. E qual é o endereço? www.submarino.com.br. E loja, tem? Tem sim. Às vezes está até fechada, quando o site fica fora do ar. Você entra nela, percorre as galerias. Você fala com o vendedor: há um ícone “fale conosco”. Tem caixa, tem o setor de caixa para o qual você é direcionado, onde o seu crédito é aprovado ou não. Você virtualmente toca nos produtos e tem acesso a todas as informações sobre eles. É isso, gente: o submarino.com é uma loja, ele tem um estabelecimento, só que virtual, binário, não atomizado.

Portanto duplicata virtual estará na tela do computador, e não no cofre. Tudo o que você viu na tela do computador é, por trás, o quê? Quem não souber disso hoje em dia está perdido porque os processos estão chegando ao Judiciário assim aos montes. Cada vez mais as operações que você faz são virtuais: matrícula de faculdade, aquisição de passagem aérea. A maioria das duplicatas hoje são virtuais. O problema qual é? Quando eu pego uma duplicata em cártula, eu sei que essa é a duplicata. A assinatura está nela, eu olho para ela e atesto que ninguém rasurou. E quanto à duplicata virtual? Você tem como atestar que esse documento é o verdadeiro, o original? Tem. Como? Infra-estrutura de chaves públicas, certificação digital. O código binário pode ser modificado por qualquer um. E lá no disco rígido você pode periciar e não achar. Basta fazer uma operação simples de defragma [Nota da transcritora: Defragma, ou defragmentação de disco é um processo de reorganização das informações no disco rígido, otimizando o espaço disponível], reescreve as coisas, reinsere os dados sem deixar riscos. No papel, deixa riscos. Quem já fez um curso de perícia criminal sabe quão interessante é a falsificação de documentos, as formas de falsificação, dá para alcançar tudo. Quem assiste o Investigador do Futuro, no Discovery Channel vê que não existe fraude perfeita em documento [de papel]. E aqui [no documento virtual], como é que eu vou saber?

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... números “pri” (?) e algoritmos. Só para você saber que existe. É uma primeira cifra, vamos dizer assim, uma primeira codificação, criptografia, deste binary tecnology que mostra isso na tela. Essa primeira criptografia aqui é chamada de chave privada. Só você terá a senha, a chave privada, para abrir esse código. Só que sendo sua, você pode estar mancumunado com alguém, vai lá, abre, muda e fecha.

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Então o que é feito? Uma segunda criptografia chamada de chave pública. Essa segunda criptografia é a criptografia da criptografia. Só com a chave pública ele não chega aqui; só com a chave privada ele não chega aqui. Com as duas, como se fosse um cofre que só abre com duas chaves, mostra-se que o documento é verdadeiro. Isso se chama ICP, Infraestrutura de Chave Pública e Certificação Digital, Medida Provisória n.º 2200. Em São Paulo os cartórios já estão trabalhando com certificação digital. No Rio de Janeiro, ainda não. Não que eu saiba. Você faz uma escritura pública de um imóvel e o cartório te entrega um CD-ROM. Eles imprimem, porque isso tudo ainda é muito novo e as pessoas ainda não se adaptaram. É. O CD é o que vale. A certidão está ali: chave pública e chave privada. Você leva o CD ao RGI. E não o papel. Leva a escritura, um CD, ao RGI, lá eles abrem e lêem o CD e lhe dão uma certidão de ônus reais em CD, com certificação digital. Só nós é que ainda trabalhamos com papel, sujo, que traz doença, um monte de gente passa a mão. Daqui a um tempo, ninguém acha mais nada. Olha que coisa arcaica! Se tivesse isso digitalizado seria tudo mais fácil com ”CTRL” + “L” [nota da transcritora: comando do teclado no Word para localizar uma palavra ou expressão] se acha tudo.

Então, duplicata virtual é exceção ao princípio da cartularidade? Não! Tem cártula, só que a cártula é virtual, não é atomizada. Ontem, lá na banca de professores da UFRJ, o professor Alexandre Assumpção perguntou como se endossa uma duplicata virtual. Via assinatura eletrônica, CPF digital. Talvez alguns de vocês já tenham CPF e assinatura digital. No site da Receita, por exemplo, se você entrar com o seu CPF digital e com a sua assinatura digital, que é uma senha, é você quem está ali. Não tem como argumentar diferente. O máximo que você pode fazer em juízo é se alegar a falsidade da duplicata virtual, requerer uma perícia. O perito vai pegar as duas chaves [a chave pública e a chave privada] e ver qual documento surge. O documento que aparecer é o verdadeiro. É só imprimir e confrontar com o que está nos autos.

Pode executar uma duplicata virtual? Como? Pode requerer falência com duplicata virtual? Como? O que se junta com a Inicial? O processo é arcaico. Para mostrar que é o titular daquele crédito, não vai ter jeito. Vai ter que imprimir e juntar a certificação digital. Tanto na execução quanto no requerimento de falência, o devedor, para impugnar, vai ter que reclamar perícia. Vão ter que se apresentar as duas chaves, a pública e a privada, e apurar a certificação.

Pergunta de aluno: a certificação digital é a segurança?É. A certificação digital é a segurança. Certificação digital é quando você

certifica digitalmente as informações. Existem duas no mundo, a Very Signing (?) e a Cert Signing (?). Elas são privadas e trabalham para a submarino.com, bancos, para os contratos em geral. Não existe no mundo, ainda, e isso está sendo estudado, um protocolo mundial em que haja uma certificação digital mundial. Os EUA foram os pioneiros em certificação digital. Hoje, no Brasil, nós já temos o CERFURUM (?) é a certificadora raiz e ela credencia os ARs (?), os agentes certificadores. Muitos são cartórios, são tabeliães digitais. Muito em breve não vai ter mais isso de autenticar documento, tirar cópia. Daqui a pouco tudo vai estar digitalizado, como alguns estados já tem. O Mato Grosso e Mato Grosso do Sul estão na frente na questão

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empresarial, societária, notarial, de documentação, inclusive dos sócios. Em Campo Grande e em Cuiabá não se precisa ir à Junta Comercial, à Secretaria Estadual, à Receita. Lá, você dá entrada na Junta e ela, digitalmente, já faz tudo. Emite o CNPJ para a Receita Federal, para a Secretaria Estadual, emite alvará para o Corpo de Bombeiros, se for o caso, ou à autoridade ambiental, se for o caso, tudo ali. E para saber se você é sócio, nem vai precisar de cópia de seu documento, porque você tem CPF digital. Basta o sujeito atestas que a pessoa inseriu o CPF digital e era realmente ela. Não tem como dizer que não era dele. Com o tempo, os cartórios passarão a ser certificadores digitais. E isso demanda muito investimento. Mas tem outra pessoa no páreo. A Microsoft, por exemplo, quer ser a maior certificadora dos países. Só que as pessoas resistem muito a outorgar ao particular função tão relevante.

Pergunta de aluno: tem como haver protesto por indicação de duplicata virtual?Se você faz uma duplicata virtual, me manda e eu não devolvo para você, o

protesto é por indicação. Mas veja, você tem que ter a duplicata nos moldes digitais. Se você manda essa duplicata para mim, você fica sem a duplicata. Então vai ter que protestar por indicação. Você vai me executar ou requerer a minha falência com base nesse protesto por indicação. A diferença é que quando eu embargar dizendo que você não me encaminhou nada e por isso eu não retive duplicata nenhuma, você vai poder dizer que encaminhou, sim, e comprovará tal encaminho com a certificação digital. Entendeu a diferença? Antes, não tinha nada disso aqui [certificações e chaves digitais]. Aí, um afirmava ter encaminhado e não ter sido restituído e com apenas isso ia ao cartório fazer o protesto por indicação. Aí o cartório protestava e em juízo o sujeito tinha como provar que havia encaminhado, sim, a duplicata.

Muita gente que não conhece Direito Eletrônico sai por aí dizendo que a duplicata virtual é exceção ao princípio da cartularidade, mas não é mesmo. O contrato que você assina com o seu banco é um documento, um documento escrito. Ele só não é material, atomizado. Ele é virtual, em byte. Lembre-se disso: do átomo ao byte.

Pergunta de aluno: quando eu imprimo, esse impresso é a cártula ou é a cópia?A cártula é virtual. Na verdade, ela não é nem uma cópia, mas uma impressão

do documento. Pensem o seguinte: quando você faz uma transação pela internet, o que vocês imprimem é o comprovante de pagamento? Ou o que você imprime é a impressão do comprovante de pagamento? É uma mera impressão do comprovante de pagamento. O comprovante de pagamento está virtualmente armazenado no banco de dados virtual do banco. A tente só imprime porque a gente precisa de papel para ir ao Judiciário. Quer coisa mais arcaica e mais trabalhosa que Protocolo Judicial? É tanta energia que se gasta, tanto dinheiro desperdiçado. Em breve o seu escritório vai mandar as petições on line e o cartório da própria vara vai organizar tudo. E cada processo será uma pasta [na memória do computador].

Pergunta de aluno: qual é o objeto da certificação digital?A certidão digital serve para certificar tudo o que for realizado em meio digital,

seja o documento digital, seja a remessa digital... Então se eu enviei, a pessoa

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recebeu. Se a pessoa não recebeu, volta. Não vem com essa conversa de que não recebeu o e-mail. Se não recebeu, ou está travado no servidor, ou então voltou [e aí o emitente sabe]. Não há possibilidade de o e-mail cair em um buraco negro.

Se formos um dia regulamentar a questão da duplicata virtual, poderá se exigir a certificação de envio e o de retorno, através de um mecanismo qualquer. Isso será um aprimoramento. Hoje isso é feito na marreta: o sujeito envia a duplicata virtual e o devedor não pagou. Aí ele emite a duplicata material. Se o devedor não pagou, vejam, não é caso de emissão de triplicata.

Protesto digital é possível? Sim! Art. 8º, parágrafo único, Lei de Protestos (Lei n.º 9.492/97): “Poderão ser recepcionados as indicações e protestos das Duplicatas Mercantis e de Prestação de Serviços, por dados, sendo de inteira responsabilidade do apresentante dos dados fornecidos, ficando a cargo dos Tabelionatos a mera instrumentalização das mesmas”.

O art. 8º, parágrafo único, cuida do protesto digital, em que o cartório recebe as indicações do título por via eletrônica. O cartório recepciona essas informações para a intimação do protesto. Isso foi idealizado para os bancos, na qualidade, na maioria das vezes, de endossatário-mandatário. O maior cliente dos cartórios de protesto é o banco. A cobrança bancária nada mais é do que a transferência do título ao banco, para que o banco efetue a cobrança, isto é, endosso-mandato. O banco, na qualidade de endossatário-mandatário, ele gera uma listagem diária e encaminha on line, para o cartório de protestos. O cartório de protesto recebe essa listagem, processa automaticamente e gera a intimação do protesto. Esta intimação é encaminhada para a casa das pessoas; há três dias úteis para a conclusão do procedimento do protesto, não conta o dia do início, então são quatro dias, e ao final, o próprio computador lê ali se houve resposta ou não, o próprio computador já gera a certidão de protesto e o próprio computador já registra o protesto no Livro de Registro de Protestos. Isso na lei hoje já é digital. Por isso, meus amigos, que os melhores cartórios hoje são os de protesto digital porque você não precisa de funcionário, o computador faz tudo. São máquinas caras, elas custam por volta de R$ 30 mil, e quando você recepciona esses dados elas já geram a intimação, imprimem, envelopam e etiquetam com o endereço. E elas já separam por região, por bairro.

Isso é o protesto digital, que hoje é feito sem segurança. Hoje, na prática, ta na Escola Nacional de Notários e Registradores vários tabeliães dizem se está na lei, a responsabilidade é de quem? Do representante [dos dados]. Então se eu recebi do banco para gerar um protesto de R$ 100 mil. Aí, mais na frente, eu venho a ser processado porque eu sou o tabelião e o título não era de R$ 100 mil, mas de R$ 10 mil. Alguém botou um zero a mais. Eu vou lá, apuro e vejo que foi o banco que colocou o zero a mais. Está resolvido: art. 8º, parágrafo único, a responsabilidade é dele [o banco, apresentante dos dados]. Aí o banco nega e apresenta uma listagem com o valor correto. E como é que se vai conseguir provar no processo que o banco mandou a listagem errada? Só se tiver certificação digital. Ocorre que isso hoje ainda é muito caro. Imagina se for certificar digitalmente cada remessa que o banco faz todos os dias? Vai ficar muito caro. Então, o que muitos fazem por cautela. Banco manda on line, mas no final do dia, o banco manda um caixote de papel com a impressão de tudo o que ele mandou em papel timbrado. Para não ficar com esse

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monte de papel, eles microfilmam tudo e armazenam. Fora isso, não tem como [o cartório] se eximir da responsabilidade. É uma outra forma virtual de o documento circular, de a informação circular, que não é exceção à cartularidade.

Ainda temos que falar sobre a L.C.I.. - Letra de Crédito Imobiliária - criada por uma medida provisória, hoje, Lei n.º 10.931/04, em que há expressamente a possibilidade de emissão por meio eletrônico.

Vamos falar agora sobre o princípio da literalidade, que é o segundo princípio que se extrai da definição de Cesare Vivante. É ele quem vai indicar que vale o que está escrito. Não existem assinaturas em vão em título de crédito. Essa é uma frase muito comum. Tudo o que for feito em um título de crédito tem uma razão de ser, um risco, um traço, um “x”... Por exemplo, você tem lá um título e nele há a expressão: “ou à sua ordem”. Se você coloca um “não” na frente, ou então risca, o que isso quer dizer? O título é não à ordem, o que é uma conseqüência muito grave. Se você tem um cheque para descontar no caixa do banco para viajar com a família, se a criancinha traçou duas retas paralelas no anverso do cheque porque aprendeu a mexer com a régua na escola, adeus fim-de-semana, porque esse cheque terá de ser depositado. Ninguém, nem o presidente do banco, vai descontar esse cheque para você. Com o “x”, a mesma coisa. Uma assinatura no verso é endosso, no anverso, aceite. Uma assinatura no rosto pode ser endosso? Pode, desde que esteja escrito “endosso para”. Pode aceitar no verso? Sim, desde que informe, ou seja, tudo tem uma razão de ser, voltando mais uma vez para a rapidez e para a segurança. Para eu aceitar receber um título de crédito de R$ 1,5 milhão, eu só preciso conferir a regularidade da cadeia de endossos. Nada mais. É ela quem assegura o recebimento do crédito. Imaginem os civilistas para aceitar uma cessão de crédito nesse valor. No mínimo, uma semana vai ter que celebrar contrato, consultoria de advogado e ainda pode ser que não se consiga receber o crédito. Vai que um vício foi ocultado e depois se manifesta. Vai que a obrigação adjacente não é adimplida. Há muitas variáveis para eu não receber. Mas se for uma nota promissória, aí não tem jeito, eu vou receber. Eu não quero nem saber se a origem do título de crédito é tráfico internacional de entorpecentes. A não ser que tenha como eu saber dessa origem porque a nota promissória foi impressa em papel timbrado da organização criminosa. É o princípio da literalidade.

Podemos cobrar juros em título de crédito? O art. 5º, L.U.G., dirá que é possível. Estamos falando de juros pactuados, desde que estejam dispostos no título.

Uma pergunta que durante muito tempo foi tradicional em prova oral: aval prestado em contrato bancário. Qual a sua natureza jurídica? Fiança. Por que essa pergunta existiu e é pertinente até hoje? Porque os bancos insistem. Quando você vai fazer um empréstimo, eles exigem um avalista. Você apresenta um avalista. Eles emitem uma nota promissória e o avalista assina a promissória. Só que esse avalista assina também um contrato na qualidade de avalista. Ele é avalista? Lá na promissória é, mas aqui no contrato bancário não. E não é a mesma coisa. Lá, a obrigação cambiária prescreve muito antes, só para mostrar a primeira diferença. Lá, se o título de crédito for extraviado, aqui quando ele for demandado ele o será como fiador. E fiador só paga o que o afiançado tiver que pagar. Olha a autonomia indo por terra. Isso denota a literalidade: está escrito no título que ele é avalista, então ele é

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avalista. Se não estiver no título, não adianta dizer que há um contrato em que o sujeito se afirma avalista. Não existe nenhum instituto cambial fora da cártula.

Pergunta de aluno: essa pessoa [que assinou a nota promissória e o contrato bancário] poderia ser demandada duas vezes?

Sim. Há uma grande execução em andamento, que já soma R$ 50 milhões, em que o escritório que está promovendo os embargos teve uma informação de bastidor que obstou essa execução e vem daí. Essa execução tem por base um contrato de R$ 50 milhões. Eles [nos embargos] vêm alegando que querem pagar, mas acontece que, com base nesse contrato, foram emitidos títulos que somam R$ 50 milhões. E isso consta do próprio contrato. A informação de bastidor que o escritório tinha era do extravio desses títulos. Eles requereram a juntada desses títulos à Inicial que o embargante paga. E a execução está parada há três anos.

É o que acontece quando você celebra contrato de alienação fiduciária em garantia para comprar um automóvel. Eles mandam você assinar um monte de nota promissória. Mas quando você paga e parcela no carnê, eles não te devolvem a promissória. Olha o perigo que todos correm. Se ele repassar essa nota promissória para alguém, você vai ter que pagar de novo, sim. Para depois ir discutir o reembolso. Então eu nem sei porque as pessoas atrelam nota promissória a contrato. Tem até advogado que faz isso, ao celebrar contrato de prestação de serviços advocatícios. É só para correr o risco de a promissória circular.

Como se cancela um endosso? Em direito Civil, as pessoas têm mania de edital. Para anular qualquer coisa, elas mandam publicar edital três vezes, espaçadamente, e acham que está anulado. Um endosso se cancela com um risco em cima. Embora se possa, também, escrever ao lado “cancelado”. E isso é absolutamente seguro. Pense na sistemática: quem cancela um endosso? Materialmente, uem cancela um endosso é quem tem o título nas mãos. E só se faz isso com a anuência do endossatário. Se o endossatário quiser devolver o título ao endossante, por qualquer motivo, ele chama o endossante, risca o endosso e devolve o título. É rápido e seguro: quando a pessoa vai receber o título, ela consegue identificar, pela cadeia de endosso, se quem se apresenta é o regular titular daquele crédito.

Uma questão muito interessante caiu na Defensoria. Ela é mais ou menos assim. Zezinho está sendo executado por um banco por dever R$ 200 mil. Zezinho reconhece dever só R$ 20 mil porque esse é o valor do título. O banco contra-argumenta no sentido de que na hora da emissão do título ficou faltando um zero, e o extenso também saiu errado. Quanto Zezinho deve? Ele deve R$ 200 mil, mas cambialmente, Zezinho só deve R$ 20 mil. Se o banco conseguir provar que creditou a Zezinho os R$ 200 mil, o restante ele haverá pelo rito cabível que não o cambial.

Essa questão faz o link dos princípios da literalidade e da autonomia. A autonomia faz com que a obrigação cambiária seja absolutamente autônoma, desligada, da obrigação subjacente [que deu causa à emissão do título de crédito].

Pergunta de aluno: e se estiver escrito que essa nota promissória vincula-se ao contrato tal e nesse caso, ainda assim ela é autônoma?

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Se a nota promissória for vinculada ao contrato de R$ 200 mil e ela só for de R$ 20 mil, a pendência é que cambialmente ele continue a dever só R$ 20 mil. A não ser que se faça uma interpretação extensiva, conforme faz o STJ, que tem conferido vinculação de promissórias a contratos. A não ser que se faça esse caminho. Esse é um item que também pode ser suscitado e que mostra conhecimento, o que também é interessante.

Pergunta de aluno: e se fosse o contrário: R$ 20 mil no contrato e R$ 200 mil na nota promissória?

E aí, com base no princípio da autonomia, você vai ter que ver se esse título circulou ou não. Pela autonomia, ele tem que pagar, ante a impossibilidade de se alegar exceção pessoal. Mas se não circulou, a relação é pessoal. Aí vai ter que verificar boa-fé e má-fé, que decorre do princípio da autonomia, que nos veremos na próxima aula.

11 de agosto de 2007 – aula 02

Muitos estão me perguntando sobre bibliografia para todo o Direito Empresarial. Infelizmente não temos um Curso inteiro que possa alcançar toda a matéria. Muito em breve eu acredito que nós alcancemos isso com a obra do professor Ricardo Negrão, em três volumes. Estamos esperando o segundo volume.

Para Parte Geral, nós podemos ficar com o vol. I do Ricardo Negrão. É da editora Saraiva e se chama Curso de Direito Comercial e de Empresa.

Para Direito Societário, há dois livros que você pode optar: o primeiro, em que se tem todo o Direito Societário é o de José Edwaldo Tavares Borba. Nele tem S/A e Limitadas. Mas sobre Limitadas e NCC, o melhor é o livro do professor Sérgio Campinho, que é mais didático e mais aprofundado. Até porque muito cuidado com o conceito de Teoria de Empresa impresso pelo professor Tavares Borba. O conceito de Teoria de Empresa impresso por ele, a questão da organização econômica, vocês sabem que quem produz ou circula bens ou serviços de forma economicamente organizada, esse “economicamente organizado” vem a ser o mínimo de uma organização econômica, tem muito o que falar. O professor Tavares Borba e o Fábio Ulhôa Coelho elaboraram dois pareceres a pedido dos Registradores Civis de Pessoas Jurídicas, tabeliães do RCPJ, com um posicionamento completamente vencido. Não é simplesmente vencido, mas completamente vencido. O candidato foi reprovado semana passada na banca para professores da UFRJ porque ele defendeu essa posição. Nós ainda demos a possibilidade a ele de demonstrar que conhecia a outra posição, porque como ele ia dar aula para a graduação ele teria de expor todas as posições que existem. E ele insistiu que aquela era a melhor posição. É uma posição bastante rechaçada, embora conste de pareceres [encomendados] elaborados por renomados doutrinadores, como pareceristas e advogados. Vejam que isso é muito louvável: cada um tem que exercer o seu múnus. Só que em sala de aula o mundo é outro e o seu exercício é outro. Não adianta reclamar: diz uma coisa

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na sala e faz outra na prática. Nem sempre o múnus dá a ele o benefício da imparcialidade. Se você é Procurador do Estado, você tem que defender o Estado. Senão você estará violando o seu múnus público. Não é defender o ilegal, mas exercer a defesa. Até o pior dos criminosos, um estuprador, tem direito à defesa e tem o direito de não ser esculhambado na prisão. O criminoso tem tanto direito à defesa quanto a sociedade tem direito à acusação. Então, quando vocês lerem alguma coisa, prestem atenção na qualidade com que essa pessoa defende as suas teses: como professor, doutrinador que estuda, ou como profissional.

Para Título de Crédito, com já dissemos anteriormente, o mais recomendável é o do professor Luiz Emygdio. Ele é grande sim, mas vocês verão que na parte geral lê esmiúça bastante. E quando ele for falar, mais lá na frente, de nota promissória, por exemplo, ele repetirá o que disse na parte geral sobre aval. O outro livro seria o do Fábio Ulhôa Coelho, mas, como eu já salientei na outra aula, ele tem uns posicionamentos isolados sem consignar isso, não tem nota de rodapé, não cita atores e hoje em dia as pessoas na toleram mais esse tipo de obra.

Falências e Recuperações, hoje em dia, há um problema: ausência de um livro didático. Em breve vocês terão o vol. III do livro do Ricardo Negrão atualizado. E isso eu posso assegurar porque eu tive acesso a vários capítulos. A gente escreve uma obra coletiva pela editora Forense e ele é uma pessoa muito estudiosa e com muita experiência nessa área: ele trabalhou mais de dez anos em São Paulo quando ainda no MP, hoje ele é desembargador lá. O Manoel Justino Bezerra Filho é um livro de comentários e, por enquanto, é o melhor. Há obras coletivas, mas há artigos bons e artigos ruins.

Contratos é a maior dificuldade. Não há nenhum livro em que você possa achar aquilo que você precisa. Fran Martins é a base, é didático. Só que Fran Martins tem aquele problema: ele é pensador. E o livro já está desatualizado, ainda que conste da capa: “atualizado”. Não está atualizado porque na última edição, Fran Martins diz que na alienação fiduciária em garantia de bem móvel, só pode ser de bem móvel, porque de bem imóvel está vedada. E desde 1997 tem a Lei n.º 9.514 sobre alienação fiduciária em garantia de bem imóvel. Waldírio Bulgarelli trata direito das controvérsias. Contratos não tem jeito: tem que garimpar.

Continuemos com a nossa matéria.Vimos que Cesare Vivante, ao delinear o conceito de título de crédito, tratou a

cartularidade, a literalidade, a autonomia.Falamos sobre a cartularidade, sobre a cártula, a necessidade do título, sobre a

literalidade, sobre o que está nele disposto, o que está escrito no título. E encerramos a nossa conversa com o Zezinho e o título dele e quanto ele devia. E chegamos à conclusão de que ele não devia 20, nem 200. Ele devia cambialmente 20, e o restante (180), ele devia extra-cambialmente. E aí nós abrimos a possibilidade de falarmos sobre a autonomia, porque Zezinho, quando emitiu a nota promissória em favor do banco no valor de R$ 20 mil, o fez com a assunção da dívida sob o ponto de vista cambial. Só que a sua dívida, isto é, a relação jurídica subjacente que deu margem à emissão daquela promissória foi de R$ 200 mil. Vai pagar R$ 20 mil agora [cambialmente] e o restante, depois, porque a relação subjacente é autônoma da

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cambial. Há autonomia. É importante você vislumbrar isso porque os títulos são emitidos para a realização de algum negócio. Ninguém acorda de manhã e, porque viu um passarinho azul, emite títulos e os joga pela janela. Se alguém acorda feliz, preenche cheques e os joga pela janela para fazer a alegria dos outros, muito bem, a causa debendi está delineada: doação. Sempre tem uma razão de ser: não só a emissão, como também a transmissão do título. Ninguém tira o título do bolso e transfere para alguém sem uma razão de ser. E esta razão de ser, essa causa, que dá margem não só à emissão do título como à sua transferência, é que será autônoma em relação à obrigação cambial. Então quando A emitir um título a B, uma nota promissória, para a compra de um automóvel, no valor de R$ 10 mil, com data de vencimento em 10 de dezembro de 2007, isso quer dizer que a obrigação cambial assumida por A, qual seja, prometo pagar R$ 30 mil aos 10 de dezembro de 2007, em favor de B ou à sua ordem, data e assinatura, sendo certo que a expressão “nota promissória” deve constar por escrito no corpo do título. Essa nota promissória não precisa ser amarelinha ou azul claro. Isso que vende em papelaria é só para facilitar, no tempo em que não havia computador. Hoje, é só digitar esses dizeres aí, imprimir e assinar. Mas se você quiser fazer isso em um papel de enxugar a mão, daqueles que têm em banheiro, se constarem todas aquelas informações, é igualmente nota promissória, com cartularidade, literalidade e autonomia. É obrigação cambial. E no nosso exemplo, a compra e venda do automóvel, que é o negócio jurídico subjacente, é a causa debendi, é a causa da emissão do título. Essa causa é autônoma. B tem que entregar o automóvel a A.

B não entrega o automóvel a A Mas resolve cobrar a nota promissória. B afirma que A deve pagar a nota promissória porque a obrigação cambial é autônoma. A tem que pagar os R$ 30 mil? Aqui o título não circulou. Então A não tem que pagar. Ora, e cadê a autonomia? Só há autonomia quando o título circula. [NOTA DA TRANSCRITORA – há uma corrente, minoritaríssima que entende que a autonomia independe da circulação do título] Se B tivesse endossado a nota promissória a C, e vejam: B só pode endossar o título a C se houver uma outra razão. B não vai tirar R$ 30 mil do seu patrimônio e passar para C a troco de nada. Por exemplo, C é quem vende carros a B, C é a montadora. Então B é devedor de C, tendo decidido pagar sua dívida com a nota promissória emitida por A. C vem cobrar de A. Notem que a situação fática não mudou [B não entregou o veículo a A]. C cobra de A, A não recebeu o automóvel, A tem que pagar? Sem falar em vinculação do título, porque vinculação do título é a exceção da exceção... Se B chegou para C contando da história: C, toma esse título e cobra de A. Aí C pergunta por que B mesmo não cobra. Quando B responde que se ele mesmo cobrar, A não pagará porque B não entregou o carro, e haverá essa relação pessoal [rectius: exceção pessoal], B insiste que C receba e cobre e título, oferecendo 10% como remuneração, A trem que pagar? Só se A conseguir provar que houve má-fé é que A conseguirá se eximir do pagamento.

Aqui nós conseguimos ver as duas situações em que a autonomia não surtirá efeitos. A autonomia só produz efeitos quando o título tiver circulado e, mesmo assim, quando não houver relação pessoal, seja de emissão, seja de permeio. Quem primeiramente traçou essa terminologia [relação de emissão e relação de permeio] foi o professor Rubens Requião. Então, se houver relação pessoal, não haverá

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autonomia. A autonomia só existirá quando houver relação interpessoal. Quando houver relação pessoal, não há autonomia. Todas as exceções pessoais vão ser suscitadas. Daí vem a expressão “inoponibilidade das exceções pessoais”. A autonomia denota que as exceções pessoais são inoponíveis.

Mas o que nós estamos falando é exatamente da exceção da inoponibilidade das exceções pessoais. E isso não é estranho porque a palavra “exceção” tem duas traduções, dois significados: primeiro, exceção é excepcionar; segundo, exceção é defesa. Então você excepciona o princípio de que as defesas pessoais não podem ser opostas. E quando houver relação pessoal, seja de emissão, seja de permeio, você pode opor as exceções pessoais. Todos aqueles princípios da exceptio non adimplenti contractus ou então a comprovação de má-fé. O título circulou e há comprovação de má-fé, então pode haver oponibilidade das exceções pessoais.

Pergunta de aluno: E quando essa exceção pessoal decorrer de uma obrigação? Por exemplo, A emite um título em favor de B, que o endossa para C, que o endossa para D. Só que A é credor de D, por outro motivo.

Não pode. Quando D for cobrar de A, A não poderá opor exceção pessoal em relação a D porque essa relação é alheia à relação cambial. A não é credor de D nessa relação cambial, mas em relação de Direito Civil não subjacente à emissão daquele título de crédito. A tem que pagar a D.

Portanto, só existem essas duas exceções [à incidência do princípio da autonomia]. E elas estão estampadas no art. 51, do Decreto n.º 2.044/1908, a chamada Lei Saraiva, que ainda está em vigor, em conjunto com a LUG e com o NCC:

“Na ação cambial, somente é admissível a defesa fundada no direito pessoal do réu contra o autor, em defeito de forma do título e na falta de requisito necessário ao exercício da ação.”

Então, aí no art. 51, está estampada somente a hipótese de relação pessoal, seja na relação de emissão, seja na relação de permeio.

Vamos ao art. 17, LUG (Decreto n.º 57.663/66):

“As pessoas acionadas em virtude de uma letra não podem opor ao portador exceções fundadas sobre as relações pessoais delas com o sacador ou com os portadores anteriores, a menos que o portador ao adquirir a letra tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor.”

Então, agora, “em detrimento do devedor”, está adicionada a outra hipótese, a má-fé. A má-fé surge aí, com a LUG.

Temos, ainda, o art. 25, da Lei n.º 7.357/85, também tratará da mesma questão:

“Quem for demandado por obrigação resultante de cheque não pode opor ao portador exceções fundadas em relações pessoais com o emitente, ou com os

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portadores anteriores, salvo se o portador o adquiriu conscientemente em detrimento do devedor.”

Veja que o art. 25, da Lei n.º 7.357/85, já condensa as duas possibilidades.O NCC, no art. 916, também vai dizer:

“As exceções fundadas em relação do devedor com os portadores precedentes, somente poderão ser por eles opostas ao portador, se este, ao adquirir o título, tiver agido de má-fé.”

Então aí o NCC tratou somente da má-fé. Mas isso não afasta a outra hipótese, especialmente porque o art. 903, NCC, diz que as leis especiais tratam da matéria, nós concluímos que aqui está todo o respaldo legal para o princípio da autonomia.

Pergunta de aluno: A falta grave também excepciona o princípio da autonomia? Por exemplo, na hipótese de B não ter entregue o automóvel a A e C recebesse essa nota promissória sabendo que B [seu fornecedor] sequer recebeu aquele bem que vendeu a A. Não houve qualquer combinação entre B e C, mas C recebeu a nota promissória. A má-fé não estava explícita.

- virada de fita -

... macular a relação cambial. C está no regular exercício do seu direito. C é credor também. Senão a gente vai ter que pensar da seguinte forma: toda vez que alguém me pagar, se essa pessoa estiver em dificuldade financeira, e essa pessoa me pagar em detrimento de outrem, então esse ato estaria maculado. Ainda mais em relação aqui à autonomia. Nós sempre temos que ter em mente aqueles dois atributos: celeridade e segurança. As questões muitas vezes serão injustas em uma primeira análise. Pense, por exemplo, em um familiar seu que não tem noção de Direito, um pai ou uma mãe. E eles assinam todos os papéis que deram para ele assinar para comprar um carro. Só que dentre esses papéis, há notas promissórias. Só que o carro não está lá na concessionária, ele está vindo na ‘cegonha’. Só que a loja fechou antes da entrega do automóvel. E na cabeça dele, ele está tranqüilo: não recebeu o automóvel, mas também não pagou nada. E ele nem te perguntou nada. Daqui a três meses vem alguém com aquele bolo de notas promissórias que ele emitiu, cujas datas tinham o mesmo vencimento, cobrando dele. Aí é que o seu pai vem falar com você e você vai dizer: “Pai, você tem que pagar todas essas notas promissórias.” Ele vai achar isso tudo um absurdo, vai xingar a Justiça. Mas isso tudo se chama ignorância. E no Brasil só se procura advogado quando a mesa está podre. E o pai vai ter que pagar todo o valor do automóvel. E receber o automóvel é outra história: vai ter que mover uma ação de conhecimento, pelo rito ordinário, demonstrando que pagou pelo carro e não recebeu e ainda pedindo indenização pelos danos causados. Essa ação vai demorar uns cinco anos para transitar em julgado a decisão dizendo que você tem direito ao automóvel ou ao valor equivalente, acrescido de perdas e danos. E agora não vai receber o carro. Tem que executar a

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sentença. Aí, no curso da execução vem um ofício da Vara Empresarial noticiando a decretação da falência. O efeito imediato é a suspensão da execução. Aí tem que se habilitar e integrar o Quadro Geral de Credores como credor quirografário e aí o seu pai não vai ver mesmo a cor do carro e vai ter certeza que todo o dinheiro que ele investiu na sua formação jurídica não serviu para nada. Você pode ser quem for: chefe do escritório, promotor, juiz, professor. Você pode enganar os outros, mas a ele não.

Realmente, você vai ver situações muito injustas, mas em prol da celeridade, negociabilidade e segurança é que se estabelece a autonomia. Se você tiver que analisar de onde vem o título, como ele foi emitido, aí, já era. Esqueça título de crédito e estude só cessão civil de crédito. As pessoas nem pensam nisso, mas se você compra uma mercadoria e manda entregar na sua casa e você emitiu um cheque, você corre o risco de não receber a mercadoria e ainda ter que pagar o cheque. Trata-se de um título de crédito e quem emite título de crédito sabe que isso pode acontecer. Trata-se do princípio da autonomia.

Visto bem o princípio da autonomia, é formulada uma questão de prova pelo MP: A emitiu uma nota promissória e, favor de B. B endossou essa nota promissória a C. Só que esse endosso era sem garantia. E normalmente endosso sem garantia caracteriza factoring. Então C era faturizador e D, faturizado. Se A não pagar a C, C não pode cobrar de B. Então C exige de B uma nota promissória, para não correr o risco de ficar no prejuízo. Se A pagar, C devolve a nota promissória. Se A não pagar, C executa B, ou protesta essa nota promissória e requer a falência de B. Essa falência pode ser decretada? Não, porque essa nota promissória é usada como garantia de uma operação de factoring, e operação de factoring não admite garantia.

NOTA DA TRANSCRITORA – Para Waldírio Bulgarelli, minoritariamente, como o factoring é um contrato atípico, nada obsta que a autonomia da vontade exclua essa álea do negócio.

E qual será o instrumento que poderá suscitar essa questão? Exceção ao princípio da inoponibilidade das exceções pessoais. Entre C e B há relação pessoal, não há autonomia. B vai alegar que C o obrigou a emitir aquela nota promissória para lastrear aquele factoring. E se isso não pode, está viciada a relação cambial.

Essa questão podia até ser um pouco mais difícil: C endossa essa nota promissória para D. E D requer a falência de B. E agora: B terá a falência decretada? Em regra, sim, Vislumbra-se aqui o princípio da autonomia [porque o título circulou e não está caracterizada a má-fé], não podendo B invocar de forma eficaz as exceções pessoais que tinha em relação a C. B não tem relação pessoal com D. Salvo se B provar a má-fé de C e D.

Então essas são as duas exceções ao princípio da autonomia: existência de relação pessoal, seja de permeio, seja de emissão. E comprovação de má-fé, ainda que o título tenha circulado.

Pergunta de aluno: essa operação entre B e C não poderia ter sido operação de depósito bancário?

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Não. É factoring.

Pergunta de aluno: Mesmo quando C pede a garantia?Quando B quer dinheiro vivo, mas só tem em mãos título de crédito vincendo,

ele tem das possibilidades: ou factoring ou desconto bancário. Se B opta por factoring, ele procura um faturizador, que pode ser instituição financeira ou não, e se sujeita a um deságio alto, por volta de 5%. A vantagem é que com esse deságio alto, ele se desvincula daquele crédito e não deve mais nada. O recebimento do título integra o risco do negócio. Se B opta por desconto bancário, o deságio é bem menor. Chega a menos da metade do deságio do factoring. Só que a grande desvantagem é que o endosso é o ordinário e o banco pode cobrar de B.

É uma prática muito comum o faturizador exigir nota promissória em garantia. Ele faz isso de forma a estrangular o faturizado. Se na falência o faturizado argüi que a nota promissória é em garantia, o faturizador perde aquele crédito, mas se o faturizado se reerguer, ninguém trocará cheques para ele. Nem aquele faturizador [que requereu a falência], nem qualquer outro que esse faturizador conheça. Ele não terá crédito em nenhum outro faturizador da praça. Isso denota que esse comportamento é por demais corriqueiro na praça. Quando C protesta o título de B, B o chama e fala: ”C, não proteste esse título porque o meu cliente não pagou, não. Ou melhor, vamos resolver isso aqui, eu te pago com uma outra operação e você abate o crédito.” Então C vai no cartório e desiste do protesto e fica por isso mesmo. E todo dia tem pedido de falência de faturizado feito por faturizador, com título para lastrear operação que não admite lastro.

Com isso a gente verifica que o princípio da autonomia, quando bem percebido, quando bem apreendido, ele pode ser utilizado em várias questões do dia-a-dia, que se refletem em várias questões de prova. Porque não adianta perguntar o conceito de princípio da autonomia. Tem que aferir se sabe como ele funciona na prática.

Pergunta de aluno: Se há essa relação, e a causa debendi for nula, a autonomia vale do mesmo jeito?

Sim, ela vale do mesmo jeito. E você pode ir até adiante: se ela [a causa debendi] for ilícita [a autonomia resta preservada]. Ex. tráfico ilícito de entorpecentes. Se a pessoa emite um título para custear o tráfico, se o título não tem referência a isso, se o título circulou, incide a autonomia. Autonomia é autonomia. Se um for cobrar do outro, aí não é autonomia, é relação pessoal. Imaginem o maluco que recebe uma nota promissória para entregar um caminhão de tóxico. Não entrega a droga e ainda vem cobrar a nota promissória. Citado o réu em Bangu V ou em Presidente Bernardes, ele alega que o título não circulou, logo a disciplina é a do Direito Civil, não a Cambiária. Cabe exceção pessoal: a causa debendi é ilícita, é de tráfico. Então, se o negócio jurídico subjacente é nulo, nula é essa relação cambiária que se extrai dessa nota promissória. Mas se o credor dessa nota promissória a endossou para um terceiro de boa-fé, por exemplo, a uma agência de automóveis, esse terceiro pode cobrar tanto do endossante da nota promissória quanto do obrigado direto da nota promissória. Se o portador da nota promissória decide cobrar

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do obrigado direto, se este alegar que a causa debendi daquele título de crédito é um negócio ilícito, é o tráfico, o portador responderá que a negociabilidade e a segurança estão a seu favor. Garante-se a negociabilidade e a segurança com três movimentos: o primeiro é tirar o título da pasta – cartularidade; o segundo é lendo – literalidade; o terceiro, a autonomia: ele transferiu para mim [de forma regular], então tem que pagar.

Pergunta de aluno: E se você realiza um negócio qualquer e vincula esse negócio a uma nota promissória?

Se o vínculo constar da nota promissória, aí mudou tudo. Aí é uma questão excepcional porque na hora em que o sujeito for ler, ele sabe.

Gente, para um título de crédito ficar vinculado ao negócio subjacente, nesse título de crédito tem que ficar consignada tal vinculação. Tem gente que vem a juízo afirmando que consta do contato que dez notas promissórias serão emitidas. Essas notas promissórias não estão vinculadas porque na hora em que o “candidato a“ endossatário analisar, ele não vai constatar nenhuma vinculação. Se na nota promissória constar que o crédito nela representado depende da entrega do veículo na semana seguinte, quem estiver com ela na mão vai devolvê-la porque quando a gente for estudar nota promissória, nós vamos ver que, para a autonomia, essa vinculação de nada vale. Tanto que os autores mais clássicos não admitiam vinculação. O professor Rubens Requião o professor João Eunápio Borges não admitiam. O professor João Eunápio Borges era tão cético que ele dizia que quando um título era apresentado a você, você tinha que pagar “sem tossir nem mugir”. Não tem como correr. Mas o STJ, modernamente, e isso nós veremos em nota promissória, ele teve que dar validade à vinculação da nota promissória ao contrato, como exceção da exceção. A regra é essa: a autonomia sempre é válida.

Pergunta de aluno: E se a pessoa estava coagida no momento em que assinou a nota promissória, com uma arma na cabeça, por exemplo?Aí você tem que ver: essa circunstância constou do título? O título circulou? Se não constou do título e o título circulou, vai ter que pagar.

Se isso aconteceu, busque imediatamente o Judiciário e postule a busca e apreensão desse título de crédito, seja na casa, seja no trabalho do sujeito. Se esse título de crédito circulou, vai ter que pagar. É a mesma coisa do que você entregar um relógio sob coação. Se você entregou o relógio, como é que você vai trazê-lo de volta?

Por mais que haja injustiça, há negociabilidade e segurança. Você tem quem dar uma ênfase maior às negociações empresariais: rapidez e segurança. Se o Judiciário começar a dizer que se a nota foi emitida por esta ou aquela razão, se a nota não tiver isso ou aquilo [fora daquilo que a lei exige], isso porá por terra a agilidade da negociação, que é muito importante. E segurança. É claro que em alguns casos haverá uma ou outra injustiça.

Pergunta de aluno: Mas não houve negociação [no caso da emissão da nota promissória mediante coação]!

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Não, não houve negociação, mas houve circulação.

Pergunta de aluno: Mas o sujeito foi coagido!É. Só que se o título circulou, há autonomia. Dependendo da conduta fática, o

sujeito pode até se enquadrar em algum tipo penal. É tão injusto quanto arrancarem seu relógio ou seu celular no centro da cidade. Mas pode acontecer. Pode-se até dizer que não haveria chancela da legalidade, mas é o caso de se pesar o que é mais importante. E essa hipótese é uma hipótese muito rara de ocorrer na prática: um sujeito emitir uma nota promissória coagido pura e simplesmente.

Pergunta de aluno: E se for o caso de um outro vício da vontade?Lesão, estado de perigo... O que se deve fazer? Procurar um advogado antes.

Não adianta procurar um advogado depois e achar que o problema vai se resolver no Judiciário. Restrição de recursos, reforma do Judiciário, isso não vai resolver nada. Os advogados estão preparados para resolver antes. Resolver o problema antes é muito mais difícil que depois. Depois é fácil: tampa o Judiciário com processo, e se não der certo, o problema ou é do cartório, ou do funcionário do cartório, ou do juiz, ou do promotor, ou sei lá de quem. O problema é de qualquer um, menos seu. E quando você procura o advogado antes e ele te diz como fazer e assina embaixo, nos EUA, se a orientação não der certo, eles caçam a OAB. São os chamados sharks: advogados que processam advogados. Mas como você tem faculdade igual a farmácia e nem brincando você tem professor para essa demanda, você não pode esperar que a nossa advocacia seja preventiva, ele é repressiva. Se a nossa advocacia fosse preventiva, o sujeito iria se consultar com você porque o negócio dele estava mal e ele estaria precisando de crédito. Só que a factoring que ele procurou estava exigindo uma nota promissória como garantia. Como bom advogado preventivo, você o aconselharia a continuar pegando crédito com aquela factoring, sem medo de assinar qualquer promissória. Só que no verso da nota promissória, você aconselharia a ele escreve: “emitida em favor de ABC Factoring”, ou então, de uma forma mais sutil, escrever: “contrato de factoring n.º tal”. E como a factoring não tem assessoramento jurídico, basta você dizer que aquilo é mera forma de controle do que é feito. Feito isso aí, ninguém recebe esse título. O mesmo vale para a coação. Normalmente quem coloca uma arma na cabeça do outro não te muita noção, muito preparo intelectual. Salvo aqueles que são pagos para isso e detentores do poder público. Então você assina coagido e, ou escreve atrás: referente à dívida tal, ou dá um jeito de colocar isso nas entrelinhas (ex.: “pagarei por essa dívida”). Faça uma redação de forma que ele nem consiga transferir o título. E como ele não conseguiu transferir o título ele cobrará do principal obrigado. Aí a relação será pessoal, não haverá autonomia, alega-se a exceção pessoal de coação e vai direto para a Delegacia instaurar inquérito para apurar se houve estelionato, qual a índole... Torça para que a execução seja judicial...

Pergunta de aluno: Quando a nota promissória está vinculada ao contrato de factoring, se o faturizado conseguir transferir essa nota, o terceiro não vai conseguir cobrar do faturizado, mas dos outros co-obrigados ele vai, né?

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Vai sim. Sobre esses outros há autonomia.

NOTA DA TRANSCRITORA – Se a nota promissória está vinculada ao contrato de factoring, nela consta tal vinculação. Por conta do princípio da literalidade, não haveria um vício que todos poderiam opor, já que ninguém poderia alegar desconhecimento??? Essa dúvida foi submetida ao professor Márcio e ele respondeu que sempre que a vinculação ao negócio jurídico subjacente constar expressamente do título, qualquer um que integre a cadeia cambial poderá suscitar e discutir essa causa. O princípio da literalidade assegura a idoneidade dessa conduta.

Pergunta de aluno: Será que dá para falar mais um pouco sobre a abstração, conforme o professor Fábio Ulhôa Coelho?

Da abstração nós falamos quando tratamos da duplicata porque o sub-princípio da abstração refere-se à abstração da causa debendi. Quando o título tiver causa debendi explicitada na legislação. Todo título de crédito tem uma causa debendi. O que acontece é que alguns títulos só poderão ser emitidos mediante tal ou qual causa debendi. É o caso da duplicata, que só pode ser emitida em razão de compra e venda mercantil (hoje não mais falaremos em compra e venda mercantil, mas somente compra e venda) e prestação de serviço. Na emissão entre A e B está aqui a causa debendi. Circulou para C, aqui está a abstração, isto é, a obrigação cambial agora está abstraída da causa debendi.

Uma perguntinha que pode ser muito capciosa: uma duplicata pode lastrear uma relação que não seja de compra e venda ou de prestação de serviços? A pergunta é capciosa. Você tende a dizer que não, mas a resposta correta é sim. A questão aqui deve ser focada pela abstração. Para a emissão de uma duplicata, é necessário que haja ou uma compra e venda ou uma prestação de serviço. Agora, na transferência, não há necessidade de a causa debendi ser compra e venda ou uma prestação de serviço. Vamos imaginar que D, uma pessoa jurídica, vai fazer uma doação e resolve doar uma duplicata. Não pensem vocês que a doação é coisa de gente boazinha. Doação é negócio, até mesmo sob o prisma empresarial. Doação deduz do Imposto de Renda. Além disso, quando você doa, você incrementa a capacidade econômica do donatário e permite que ele tenha acesso aos bens que você, doador, insere no mercado.

Pergunta de aluno: Mas a duplicata não é título causal?A relevância de ser um título causal ou não causal (ou abstrato) é tão-somente

para fins de emissão do título. A abstração tem a ver com a abstração [desvinculação] da causa debendi. Depois que o título foi [regularmente] emitido, o fato de ele ser causal perde a relevância para fins de transferência dele. Mas a gente vai voltar a esse assunto quando tratarmos da duplicata.

Prosseguindo, então, vamos falar de outros institutos.

Endosso. Sem que nós tivéssemos percebido, já falamos dele várias vezes. Sempre que falamos em transferência de um título, falamos de endosso. O endosso é

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o único ato cambial de transferência. Não há possibilidade de você transferir um título para alguém de qualquer forma que não seja endosso. Se o título, a cártula, como diria Pontes de Miranda, a “coisificação” do crédito, é transferido, isso se dá com a própria entrega do título. Como hoje não existe título ao portador, desde a Lei n.º 8.021/90, a famosa Lei Collor, nós não temos mais título ao portador; os títulos somente se transferem via endosso. Quando há emissão de um título em favor de B, e a ele se entrega o título, não há endosso [porque não existe transferência]. Mas quando B transfere o título a C, há endosso. Quando C endossa a D, B e C ficaram amarrados à cadeia cambial por serem endossantes. A rigor, B e C são livres, não devem nada [não foram eles que se comprometeram a pagar nada a ninguém e por conta disso não emitiram qualquer título]. Vejam: A emite uma nota promissória em favor de B por um motivo qualquer, por exemplo, em razão da compra e venda de um automóvel. B entregou o automóvel direitinho. B é credor dessa promissória. É como se B tivesse no bolso o valor da promissória. B paga a C, que é a montadora. Quando B tira do bolso os R$ 30 mil e entrega à montadora, qual a situação de B? Ele sai da relação, se desvincula. Quando B entrega o dinheiro [o título de crédito equivale a dinheiro] à montadora C, B se desvincula. Se ele [B] recebe outros R$ 50,00, ele não tem que repassar a C porque já deu a C tudo o que C tinha direito. E se der algum problema? E se A não pagar a nota promissória? Em princípio, B não teria nada com isso. Só que como se trata de nota promissória, que é título de crédito, relação cambial, B tem tudo a ver com isso. Se C não conseguir haver seu crédito de A, vai poder havê-lo de B. B fica preso à cadeia cambial por causa da negociabilidade e da segurança. Se não, para C receber a promissória, ele iria investigar o negócio jurídico subjacente, se o carro foi entregue tal qual pactuado, quem é A, se A tem lastro para pagar aquela nota promissória e aí esquece Direito Cambiário e vá para o Direito Civil, cessão civil de crédito. O endosso serve para garantir o título de crédito. Quem vai receber o título conhece quem quer passá-lo adiante, sabe se ele tem condições de arcar com aquele valor. Então ele analisa o título de crédito, notadamente a cadeia de endossos e o aceita ou não. O endossatário assina o verso do título e no anverso escreve: “endosso para D”. A transmissão é segura e houve celeridade: o título passou rapidamente para D, sem que D perquirisse nada mais aprofundado sobre o título. O endosso serve para o sujeito ficar cambialmente vinculado.

Então, gente, não basta saber o conceito de endosso. Tem que visualisá-lo para entender o instituto: transfere a terceiro, tornando-se com isso devedor solidário. Isso ocorre para dar ênfase àqueles dois atributos [celeridade e segurança].

Que solidariedade é essa? É a solidariedade cambial, que é tratada pelo professor Luiz Emygdio diferentemente dos outros autores. É ele quem indica essa solidariedade, dando a diferença para a solidariedade civil. E onde está essa diferença? Essa diferença é marcante porque, no Direito Civil, se A, B e C são devedores solidários do credor D, D pode cobrar a integridade do seu crédito de qualquer um (A, B ou C). Se D cobra de A, A paga tudo e depois cobra de B e de C o valor do quinhão correspondente a cada um. No Direito Civil, todos os devedores solidários são devedores. Cada um deve alguma coisa. No Direito Cambiário, não. No Direito Cambiário, D pode cobrar a integridade de seu crédito tanto de A, de B, quanto de C. Se ele escolher cobrar tudo de C, C tem que pagar, mas poderá cobrar

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tudo o que pagou de B. Não há parcela de dívida. Não é como no Direito Civil em que todos são devedores de parte do todos, embora o todo possa ser exigido de cada um. Aqui, eles devem sob o ponto de vista da responsabilidade, do débito, de obligatio, de shuld e de haftung. Ele é obrigado ao pagamento. Ele tem que pagar, mas não tem responsabilidade nenhuma. E como C não tem responsabilidade nenhuma, ele pode cobrar tudo de B. assim como B pode cobrar tudo de A. É por isso que a LUG diz que a cadeia cambial anda sempre da esquerda para a direita. E se surgirem avalistas, também. É como uma onda: sempre em direção de quem deve de verdade, que o A, neste nosso exemplo de nota promissória, o chamado devedor principal, ou devedor originário, ou obrigado principal, ou obrigado originário. Este é aquele que realmente deve e quando pagar, não poderá buscar ressarcimento com ninguém.

NOTA DA TRANSCRITORA – Acho que o professor se confundiu. Na verdade, o co-devedor cambiário não tem débito, shuld, mas tem responsabilidade, haftung. Segundo Caio Mário: “na falha da realização da atividade em benefício do credor (shuld) se concretiza a faculdade de perseguir aqueles bens pertencentes a terceiros (haftung)” (Instituições de Direito Civil, vol. II, 20ª ed., pág. 26). Assim, débito decorre da obrigação assumida e que deu causa à emissão do título de crédito; já a responsabilidade é o dever de satisfazer o direito do credor quando instado para tanto, independentemente de ser o titular do débito ou não. Diferentemente do Direito Civil, o Direito Cambiário permite que o credor persiga seu crédito contra os co-devedores independentemente de ter procurado satisfazer seu crédito primeiramente com o devedor principal, ainda que não haja renúncia expressa ao benefício de ordem. Importante consignar a importância do protesto tempestivo e regular para o alcance dos devedores indiretos, sob pena de o credor só poder opor seu crédito ao devedor principal.

Então esta é a base do endosso, esta é a sua razão de ser. Em regra, aquele que endossa se responsabiliza pelo pagamento. A exceção é o endosso sem garantia (que não se presume, tem que estar expresso). Como no caso do endosso do factoring.

Como vamos saber se um título é ou não endossável? Em regra, todo título é endossável (art. 11, LUG). Todo título é à ordem mesmo sem que haja cláusula expressa nesse sentido. Isso é aquilo que a gente viu na primeira aula, quando vimos a distinção feita por Pontes de Miranda entre título cambiais e título cambiariformes. Os títulos cambiais nascem para circular. A circulação é a razão de ser dos títulos de crédito. Nós até esquecemos disso quando emitimos uma nota promissória e alguém faz ela circular, quando emitimos um cheque e alguém circula com esse cheque. Nós ficamos até indignados com essa pessoa porque ela circulou com esse cheque. Mas o título é para circular. Por isso que, em regra, o título é à ordem. Deve [o endosso] sempre ser prestado no título. Não adianta criar um instrumento à parte de transferência do título. O endosso tem que ser prestado no título. Ou, se não tiver espaço, o que é muito comum porque os títulos são pequenos, você precisa de uma folha de alongamento [Atenção! Folha de alongamento se considera parte do título para todos os efeitos, e não documento a parte].

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Como se materializa essa folha de alongamento? Pega uma folha em branco e cola atrás do título. E aí como é que eu vou assegurar a negociabilidade e a segurança que tanto se fala? Essa folha não pode cair? Alguém não pode arrancar? Eu conheço um produto que tira cola sem deixar vestígios... Então vai violar a segurança e a negociabilidade? Alguém pode arrancar esse papel daí sem deixar vestígios, sim. E essa pessoa é o credor. Porque é o credor que tem o título nas mãos; A única pessoa que pode materialmente passar um produto no título e remover a cola é o credor. E aí o problema é só dele. Ele não vai afetar ninguém com esse ato porque quando ele arranca a folha de alongamento, ele retira o vínculo entre um endossante e a relação cambial. Mas isso não faz diferença porque aquele endossante não era devedor principal; se ele pagasse o valor do título. Ele teria direito de regresso.

NOTA DA TRANSCRITORA – O único problema em destruir a folha de alongamento é comprometer a cadeia de endossos e legitimar a posse do título pelo credor.

O endosso parcial é nulo (art. 12, LUG). Por que o endosso parcial é nulo? Porque ele viola o princípio da cartularidade. E se você responde uma pergunta dessa forma, você demonstra ao examinador que conhece Direito Empresarial que você sabe tudo o que falamos até aqui.

Ora, se C endossa 50% a D, não se viola o princípio da literalidade porque basta escrever isso no título. Mas para C transferir 50% do crédito do título para D, C não poderia nem reter nem entregar totalmente o título, sob pena de não poder provar ao devedor que o seu crédito agora corresponde a 50% do valor inicial. Então como ambos teriam que ter o título, a saída seria rasgar o título. Só que isso não é possível. Por isso é que o endosso parcial é nulo.

Então qual é a interpretação ara o endosso parcial? Há no título um endosso parcial de C para D. D tem o título. D tem direito a todo o crédito. Quando o art. 12, LUG, diz que o endosso parcial é nulo, não é o endosso que é nulo. É a parcialidade do endosso que se considera não escrita. Logo o endosso parcial se considera endosso integral. O endosso é existente, válido e eficaz. A invalidade é da cláusula de parcialidade. E não em venha dizer que é injusto considerar nula a parcialidade. Injusto nada! Está na lei a vedação do endosso parcial. Se C só deve a D metade do valor daquela nota promissória, C tem que pagar de outro jeito. Eles têm que negociar! Emita um título no valor da metade daquela nota promissória com vencimento coincidente. Aí quando C receber o seu crédito, pagará a D.

Quantos endossos um título pode admitir? Quantos quiser. Se não couber no título, vai colando folhas de alongamento.

Após o vencimento pode endossar? Pode. Os efeitos serão diferentes, mas é possível o endosso póstumo ou tardio.

Inclusive, as pessoas adoram inventar termos que não servem para nada. O que é endosso de retorno? Ninguém vai te perguntar em um processo o que é endosso de retorno, mas há examinador que pergunta isso... Endosso de retorno é aquele que retorna para o devedor, antes da data do vencimento. Quando uma pessoa vai receber um crédito, ela pode aceitar dinheiro vivo ou título de crédito. Se o

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emitente do título concorda em recebê-lo de volta como forma de pagamento antes do vencimento desse título, há endosso de retorno. Observe que ninguém é obrigado a aceitar título de crédito. O próprio emitente de uma nota promissória pode recusá-la porque ele só teria de arcar com aquele valor três meses depois, por exemplo, mas pode aceitá-lo. Aí ele pode endossá-lo de novo, recolocando o título no mercado, ou pode também rasgá-lo e jogá-lo fora. Geralmente, ele escreve “pago” ou “quitado” antes de jogar o título fora, para evitar que algum engraçadinho o subtraia e o recoloque em circulação.

Mas como alguém iria subtrair esse título e recolocá-lo em circulação? Tem um caso decidido pela Segunda Seção do STJ, referente a endosso. O caso foi o seguinte: um banco descontou um cheque. E esse cheque chegou ao banco por meio de um funcionário de uma loja que pegou um cheque já endossado (antes da vedação a mais de um endosso – o cheque é o único título de crédito que só admite um único endosso) e o endossou falsamente à sua pessoa ou a um terceiro laranja, para não aparecer o seu nome. A loja em que esse sujeito trabalhava (e de onde ele subtraiu o cheque) deu falta desse cheque e se informa com o emitente de que o cheque já havia sido compensado, requer a microfilmagem e chega ao funcionário, e tenta responsabilizar o banco porque o banco pagou o cheque a pessoa não autorizada. Aí surgiu a divergência entre as duas Turmas do STJ: o banco tem que conferir a autenticidadde da assinatura do endosso ou o banco tem que conferir apenas a regularidade da cadeia cambial? Vejam que o julgado se refere a um fato, mas tem um alcance muito maior, para todas as hipóteses de endosso. Quando A endossa para B, e B endossa para C, como C vai saber se a assinatura do endosso de A é válida? Será que tem que ter reconhecimento de firma de cada endosso? Se você disser que sim, você quebra a celeridade. O julgado afirma e conclui que o banco, como qualquer um, tem que conferir apenas a regularidade da cadeia cambial. Ele não tem como conferir a autenticidade das assinaturas. O banco não teve que indenizar ninguém porque houve regularidade na cadeia de endossos. Ninguém precisa perquirir da autenticidade de qualquer assinatura.

Chega-se ao ponto, agora, do título ao portador. Vamos falar de endosso em preto e do endosso em branco.

No endosso em preto, o endosso é para uma pessoa determinada: Fulano de Tal. No endosso em branco, só se lança a assinatura.

Quando o endosso é em branco, o título circula ao portador. Aí vem o problema: a Lei n.º 8.021/90, também chamada de Lei Collor, por incrível que pareça, foi uma das leis mais moralizadoras dos últimos tempos. Ela acabou com a sonegação. Quando você recebe uma mala de dinheiro, é muito difícil ‘esquentar’ esse dinheiro todo. Como é que você vai explicar um apartamento de R$ 4 milhões? Se fosse R$ 4 mil, era fácil: você gasta em uma viagem. Mas muito dinheiro não dá nem para guardar no armário, porque é muito arriscado. Os títulos ao portador eram a melhor forma de esquentar dinheiro. Era só comprar título ao portador que esquentava o dinheiro. Depois, é só transferir esse título ao portador a uma terceira pessoa, essa operação se dá através de uma transferência externa, via all trade company ou via off shore e aí eu trago esse dinheiro de volta via CC5 ou através de outra via regulamentada pelo Governo e aqui esse dinheiro se tornava lícito. Alguém soube que

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esse título passou pelas minhas mãos? Não, ele é ao portador. Eu não indiquei meu CPF a ninguém. Era um título ao portador.

Só que a Lei n.º 8.021/90 acabou com isso. Ela determinou que todo o título fosse nominal. Ações não podem ser ao portador. E ações eram a maior maravilha do mundo. Pagava por elas R$ 1 milhão e dizia que tinha pago R$ 50 mil. E elas valorizavam que era uma beleza. Eu pagava R$ 100 mil nas ações e elas viravam R$ 1 milhão. É igual a gado. Se vocês virem alguém com muitas cabeças de gado, cuidado. Ainda mais se essa pessoa for funcionário público. O gado é comprado a R$ 10 mil. Está magro, doente. Você o trata com veterinário e vitaminas e depois vende ele no leilão por R$ 1,5 milhão, cada cabeça. E assim você lavou um montão de dinheiro. Ação e título ao portador, a mesma coisa. A pessoa montava uma S/A só para isso: montava a S/A para lançar só título ao portador. Ele mesmo manipulava o valor e pronto: o dinheiro ficava todo limpinho. Hoje isso não pode mais. Se eu comprar uma ação, tenho que lançar o meu CPF no Livro de Registro de Ações, ou no Registro Eletrônico de Ações. E os títulos de crédito? No nosso exemplo (endosso em branco), a Lei n.º 8.021/90 tem aplicabilidade? A doutrina diz que não. O professor Luiz Emygdio diz que não. O professor Fábio Ulhôa Coelho lança a divergência. Eles dizem que a Lei n.º 8.021/90 é uma lei geral para a circulação de títulos em geral. E a LUG trata de endosso em branco. E se a LUG trata do endosso em branco, o endosso em branco é possível. Ora, se alguém colocar em circulação ao portador, nada pode ser feito. Isso decorre da previsão de endosso em branco pela lei especial.

Pergunta de aluno: inaudível.Não, você está confundindo. A lei do CPMF (Lei n.º 9.311/96), em seu art. 17, I,

restringe a quantidade de endosso em cheque. Essa lei de que estamos tratando (Lei n.º 8.021/90) veda tão-somente a circulação de título a portador. A lei do CPMF restringiu a quantidade de endossos no cheque para que as pessoas recolhessem o CPMF, logo, evitando que o cheque ficasse no bolso circulando por diversas pessoas sem recolher CPMF.

Pergunta de aluno: O que exatamente diz o professor Fábio Ulhôa Coelho? Qual a posição dele?

O professor Fábio Ulhôa Coelho traz apenas a divergência. Ele não se posiciona claramente. Ele dá a entender pela impossibilidade de circulação de títulos de crédito ao portador. Já o professor Luiz Emygdio é enfático: não há aplicabilidade da Lei n.º 8.021/90 porque ela é lei geral, que não afasta a disciplina especial da LUG.

Qual a diferença entre cláusula não à ordem, cláusula proibitiva de endosso e endosso sem garantia?

Primeiramente, cláusula não à ordem. O art. 11, 2ª alínea, LUG diz que:

“Quando o sacador tiver inserido na letra as palavras “não à ordem”, ou uma expressão equivalente, a letra só é transmissível pela forma e com os efeitos de cessão ordinária de créditos.”

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Quando o sacador A emitir um título e apor a cláusula não à ordem, ou qualquer outra expressão equivalente, como “não endossável”, B pode transferir o título a C pela forma de cessão civil de crédito. Não esqueçamos que se a cessão é civil, cabem todas as defesas, desde os vícios do negócio jurídico, como a coação, a lesão, estado de perigo... Tudo pode ser suscitado se a cessão for civil.

Segunda hipótese: cláusula proibitiva de endosso. Vamos ao art. 15, segundo parágrafo [rectius: segunda alínea], LUG:

“O endossante pode proibir um novo endosso, e, neste caso, não garante o pagamento às pessoas a quem a letra for posteriormente endossada.”

Cláusula proibitiva de endosso é diferente de cláusula não à ordem. A cláusula é aposta por um endossante. A emite um título em favor de B. O título está limpinho, sem nenhuma restrição. Quando B vai transferir o título a C, como endossante, B insere a cláusula proibitiva de endosso. C pode transferir a D o título, sob a forma de endosso. Só que B só garante o pagamento em relação a C. B só pode ser cobrado por C. Se C endossar a D, D pode cobrar tanto de C quanto de A, mas nunca de B.

Terceira hipótese: endosso sem garantia: art. 15, primeiro parágrafo [rectius: primeira alínea]:

“O endossante, salvo cláusula em contrário, é garante tanto da aceitação quanto do pagamento da letra.”

O endosso sem garantia está no aposto: “salvo cláusula em contrário”. Exemplo: A emite um título em favor de B (aqui não há endosso!). B, ao endossar o título a C, escreve: ‘endosso sem garantia’. É o endosso do factoring. C pode transferir o título a D? Pode, sob a forma de endosso. Então qual é a diferença para a cláusula proibitiva de endosso? Na cláusula proibitiva de endosso, D podia cobrar de C e de A. Mas C podia cobrar de B. Já na cláusula sem garantia, ninguém pode cobrar de B: nem C, nem D. D só pode cobrar ou de A ou de C, mas C só pode cobrar de A.

Essa é uma diferenciação muito importante, e ela tem que constar da sua remição. Na primeira hipótese, você vai sublinhar “cessão civil”. Nas segunda e terceira hipóteses, você vai sublinhar algo referente ao endosso. E puxar as setas indicando que é diferente (≠). Depois, traçará as diferenças sobre quem pode e quem não pode ser cobrado.

Pode ser perfeitamente elaborada uma questão de prova sobre essas diferenças, claro, numa questão mais elaborada. Faz uma volta lá ao começo da aula, sobre o exemplo do automóvel, fazendo crer que a não entrega do carro, e a pessoa tendo que pagar, e no meio da história, como o título continha uma cláusula não à ordem, você vai dizer que apesar de o princípio da autonomia indicar que o título deva ser pago independentemente da entrega do automóvel, como há a cláusula não à ordem, o efeito é de cessão civil de crédito, e o devedor pode sim suscitar a exceção pessoal Vou mostrar a vocês como isso pode ser elaborado em uma questão de prova.

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Dentre as espécies de endosso, temos o endosso norma, chamado de endosso translatício, ou ordinário. Temos o endosso sem garantia, indicado no art. 15, LUG, e na Lei n.º 10.931/2004, quando ela fala de Cédula de Crédito Bancário e da Letra de Crédito Imobiliário, aduzindo que esses títulos são sempre endossados sem garantia.

Fora essas, as outras hipóteses são: endosso-mandato, endosso póstumo ou tardio e endosso caução, vocês também já conhecem.

O endosso-mandato ou por procuração é aquele em que se transfere o título sem transferir o crédito. É aquele endosso que se faz para cobrança, que se faz para o banco.

O endosso-caução ou pignoratício é aquele que serve para a garantia de uma dívida qualquer.

O que nos interessa mesmo é o endosso póstumo ou tardio. Esse, sim, traduz um itenzinho que não se encontra claramente nos livros e que já foi objeto de pergunta no MP. Vamos ao art. 20, 1ª alínea, LUG:

“O endosso posterior ao vencimento tem os mesmos efeitos que o endosso anterior. Todavia, o endosso posterior ao protesto por falta de pagamento, ou feito depois de expirado o prazo fixado para se fazer o protesto, produz apenas os efeitos de uma cessão ordinária de créditos.”

Saibam desde já que a parte inicial (“tem os mesmos efeitos que o endosso anterior”) não é verdade. É ela que confunde todo o mundo. Aqui está o vencimento...

- virada de fita -

...depende. Depende de que: após o vencimento e até o prazo para protesto ou a sua efetiva realização, o que ocorrer primeiro: ou a efetivação do protesto, ou o transcurso in albis desse prazo. Se transfere dentro desse prazo, o efeito é de endosso. Após esse prazo, o efeito e de cessão civil de crédito.

Temos que abrir o dispositivo.Vocês podem observar que questão de Direito Empresarial não pede oito

correntes. Uma questão que foi do penúltimo concurso: A emite um cheque em favor de B

no valor de R$ 10 mil. B endossa o cheque para C.C deposita o cheque após 30 dias, sendo certo que o cheque foi emitido na mesma praça, logo o cheque foi depositado fora do prazo de apresentação de 30 dias de cheque da mesma praça. C vai cobrar de A, mas A diz que só vai pagar R$ 5 mil porque o restante já pagou a B. A está certo ou está errado? A está certo porque o endosso foi póstumo, foi feito após o prazo de apresentação. E no cheque, o prazo para o protesto é o mesmo prazo de apresentação: 30 ou 60 dias [conforme seja da mesma praça ou de praças diferentes]. O endosso em questão foi feito antes do prazo de apresentação, que no cheque coincide com o prazo para o protesto. Então o efeito é o de cessão civil de crédito e A pode alegar tudo o que tiver como matéria de defesa no Direito Civil

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NOTA DA TRANSCRITORA – O enunciado não deixou claro essa questão do momento do endosso.

É por isso que você tem que entender bem os institutos para conseguir visualizá-los . As questões formuladas têm sido cada vez mais práticas. Tem que se aprender a lidar com os conceitos. Não basta memorizá-los.

16 de agosto de 2007 – aula 03

Na última aula nós encerramos endosso, mas há um ponto sobre endosso-mandato que eu gostaria de ressaltar: quanto à responsabilidade do endossante e do endossatário.

Nós sabemos que o endosso-mandato se perfaz apenas para outorgar poderes. É um endosso por procuração. O endossatário exercerá apenas o direito creditício, ele não é o credor, vai apenas cobrar o crédito. O endossatário-mandatário, na maioria esmagadora das vezes, é um banco, mas nada impede que seja um de vocês, só que isso não é comum. Como todos nós sabemos, um banco trabalha com um número muito grande de informações. Ele comumente erra. É tudo digital. Quando o banco recebe um título para cobrar, ele o insere no sistema de computador, emite um boleto que vai para o endereço do sujeito, na data do vencimento, o computador afere se houve pagamento ou não. Identificado o pagamento, o sistema bloqueia e o banco não faz mais nada. Quando o banco não identifica o pagamento, apesar de ter havido pagamento, o computador gera uma listagem que na própria madrugada já é enviada para o cartório, lógico, nos locais em que há mais de um cartório de protesto, vai para o cartório distribuidor. O Distribuidor recepciona isso e distribui, aqui na capital, entre os quatro cartórios de protesto. Então o que acontece e: você paga o título e mesmo assim o título é protestado. E aí o nome vai para o SPC, SERASA, etc. e a vida do sujeito vira um inferno. E aí? A responsabilidade é de quem? Do endossante ou do endossatário-mandatário? O banco, neste caso, tem responsabilidade sim, porque ele excedeu os poderes conferidos pelo endosso-mandato, que eram os poderes atinentes à regular cobrança. Se ele recebeu e mesmo assim protestou o título, ele errou e não o endossante-mandante. O endossante não tinha domínio do fato. E essa expressão comum no Direito Penal e que se utiliza também para fins de responsabilidade civil. Não se pode responsabilizar alguém que não tenha domínio do fato, até porque o nexo causal vai por água abaixo. Portanto, quem terá responsabilidade será o banco.

Se, por outro lado, eu emito um título para você, por exemplo, uma duplicata (que é a campeã das fraudes, tanto que o Código Penal cuidou de um tipo penal especial de estelionato). A duplicata é um título muito fácil de se falsificar. Por exemplo: A está precisando de dinheiro. Então emite uma duplicata contra B, no valor de R$ 10 mil, com vencimento para 30 dias. Entrega esse título para o banco, que paga por ele R$ 9.500. No 29º dia, A vai ao banco querendo o título de volta. O banco aceita, na condição de A pagar o valor integral do título. A concorda. Já teve o

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dinheiro que precisava na mão (R$ 9.500), girou com esse dinheiro e já fez desses R$ 9.500, R$ 12 mil. Resgata o título, rasga e joga fora. Por isso que duplicata é um título que dá muita vontade de fraudar: você faz dinheiro do nada. O banco recebe o título e A não resgata o título. B não paga a duplicata e o título é protestado, ficando B com o nome sujo. B processa o banco porque o banco agiu de forma leviana: o título é falso, é fraudulento, nunca houve compra e venda ou prestação de serviço. E aí? Quem vai ser responsabilizado? O banco? Ou o endossante? Essa hipótese é hipótese de endosso-mandato? Não . Quando se entrega o título ao banco em razão de desconto bancário, não há que se falar em endosso-mandato porque o banco não recebeu o título para fins de cobrança. Quando o banco vai cobrar o título e o título é fraudulento, simulado, o banco vai responder:? O banco teve as cautelas mínimas quando ele recebeu um título fraudulento, simulado? Como é que você recebe uma duplicata via endosso, tendo cautela de que aquele título não é simulado? No caso de duplicata, tem que exigir o comprovante de entrega das mercadorias ou da prestação de serviços. Se o título foi acompanhado de comprovante de entrega das mercadorias ou do comprovante da prestação do serviço, o banco não será responsabilizado. Mas se o banco recebeu a duplicata sem aceite e sem o comprovante da prestação do serviço ou da entrega da mercadoria, aí ele será responsabilizado porque ele não adotou o mínimo de cautela exigida para o recebimento de duplicata. Isso é tão importante que os cartórios de protesto estão sendo obrigados a exigir esses comprovantes quando o sujeito vai lá apresentar o título para protesto. Dependendo do Estado, a Corregedoria estabelece isso no Código de Normas. No Estado de São Paulo há norma nesse sentido. Quando o sujeito apresenta uma duplicata para protesto, e a duplicata quase nunca tem aceite, o cartório exige a apresentação do comprovante de entrega da mercadoria ou de prestação de serviço. Se o sujeito não apresentar, há a possibilidade de ele assinar um termo afirmando que está de posse desse comprovante.

Então, a questão do endosso tem esses detalhes: da responsabilidade no endosso mandato.

Seguindo, então, vamos tratar do aceite.O aceite quer dizer, na acepção da palavra, que se está aceitando a ordem

cambial proferida contra si. Então, o aceite só tem lugar naqueles títulos cuja acepção seja de ordem de pagamento. Título que não seja ordem de pagamento não admite aceite.

A partir do momento em que há o aceite, o sujeito fica cambialmente vinculado ao título. É por isso que o aceite não é obrigatório. O sujeito nunca está obrigado a aceitar a ordem de pagamento. O sujeito só aceita se a ordem for coerente, se realmente for devedor.

“Ué ... mas a duplicata não é titulo de aceite obrigatório?” Não. Nenhum título é de aceite obrigatório. Senão, eu poderia sair por aí emitindo duplicatas contra qualquer um e eles teriam de pagar, mesmo sem causa debendi, porque a duplicata é titulo de aceite obrigatório. O que há em relação à duplicata é a existência de mecanismos de vinculação do sujeito ao título, mesmo que ele não tenha se vinculado formalmente. E o mecanismo é esse que a gente acabou de ver: título,

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certidão de protesto e comprovante de entrega de mercadorias ou de prestação de serviço.

Então, gente, nenhum título é de aceite obrigatório, nem mesmo a duplicata. É por isso que se não se está obrigado a aceitar, por ex.: A emite um título contra B nos seguintes termos: B, pague a A ou à sua ordem a quantia tal no dia tal. B pode se negar a aceitar apesar de estar demonstrado que B é devedor. B não está cambialmente obrigado a aceitar. E como B não está obrigado a aceitar, pode aceitar parte da ordem de pagamento.

O aceite parcial é possível, ao contrário do endosso parcial (art. 12, LUG), porque não há violação de nenhum princípio cambial.

Se B só aceita 50% do valor da cártula e escreve isso no título, não se ofende o princípio da literalidade. Quando A endossa o título a C, A transfere a integralidade do valor do título. Isso não ofende a autonomia porque C sabe que pode cobrar 100% de A mas cambialmente só pode cobrar 50% de B. lembre-se do exemplo do Zezinho. Quando C recebe o título ele sabe e concorda com isso. Na realidade fática, C vai cobrar a integralidade do crédito de A. Por que iria cobrar só a metade de B? Depois A que resolva como vai haver os 50% de forma não cambial.

Decorre daqui que o aceite parcial e até mesmo a recusa ao aceite importa em vencimento antecipado da obrigação. Vamos falar em vencimento antecipado da obrigação, e não vencimento antecipado do título, porque é mais técnico. Os processualistas já diziam: não é o título que é certo, líquido e exigível, mas a obrigação.

Neste caso, B disse que aceita uma parte; implicitamente, B rejeitou a outra parte. Então haverá vencimento antecipado só de parte da obrigação. Então, se o vencimento dessa duplicata era 10 de dezembro de 2007, 50% continua vencendo em 10 de dezembro de 2007, mas os outros 50% vencem hoje, na data do repúdio do aceite.

Mas como eu vou aferir que B aceitou apenas a metade? Se estiver escrito, isso já restou evidenciado. E se não está escrito? E vocês têm que saber que dificilmente alguém manda um título para aceite. É através do protesto que se leva o título ao sacado. E é ao próprio cartório que se informa da parcialidade do aceite. Aí o protesto vai se referir apenas a parte da obrigação. Nesse momento metade vence antecipadamente e já pode ser executada. A outra metade só vence em 10 de dezembro de 2007.

Um título pode ser protestado mais de uma vez? Quando você vai a um cartório de protestos, a primeira coisa que fazem é olhar se o título já foi protestado. Quando o título é protestado, o cartório identifica isso no verso do título. Em regra, há a “uniprotestabilidade” do título. Mas aqui nós acabamos de ver que isso pode não ser verdade. A “uniprotestabilidade” não é do título, mas da obrigação. Só que parte da obrigação não foi protestada, porque ela só é exigível em 10 de dezembro de 2007. eu não posso protestar uma obrigação que não é exigível. Então, neste caso, o título terá duas etiquetas de protesto.

Em decorrência da antecipação do vencimento pela recusa do aceite é que o sacador A pode evitar que isso aconteça. E por que ele pode querer que isso não aconteça? Quando você emite uma duplicata com vencimento para 10 de dezembro

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de 2007, você sabe que na pior das hipóteses, o sacado não vai pagar e quem vai ter que arcar com esse valor é você. Por exemplo:A vende cimento para B. B afirma estar fazendo uma obra grande e negocia para pagar só em 10 de dezembro de 2007. Quando A fixa o preço, ele considera a demora para receber esse crédito e emite uma duplicata contra B. A só aceita postergar o vencimento da obrigação porque sabe que vai poder negociar esse título, e sabe que esse título vai virar dinheiro antes do final do ano. A sabe também que, na pior das hipóteses, se B não pagar, A vai ter que ter esse dinheiro provisionado em 10 de dezembro de 2007. Mas se há o risco de o título ser apresentado para aceite a B, e se B não aceitar, essa obrigação vai vencer imediatamente. Para não correr nenhum risco [de ter de cumprir a obrigação antes de 10 de dezembro de 2007], A pode se valer do aceite por intervenção (arts. 56/58, LUG, na forma do art. 25, da Lei n.º 5.474/68. No próprio título, o sacador indica João para aceitar o título caso B não o faça. Assim, se F apresentar o título a B para aceite e B não aceita, F ainda pode cobrar o título sem antes apresentá-lo para aceite a João. É claro que João pode aceitar ou não, mas normalmente João aceitará por ser pessoa próxima a A . Por exemplo, A é uma sociedade e João é um dos seus sócios. Quando João aceita, João substitui B apenas para manter o vencimento.

Pergunta de aluno: Esse aceite por intervenção vem mencionado no título?Sim (arts 56/58, LUG, na forma do art. 25, da Lei n.º 5. 74/68). O título já indica

isso. João aceitará para fins de aceite por intervenção.A outra estratégia para o vencimento não se antecipar é indicar prazo para

apresentação para aceite. A, quando emite o título, consigna como vencimento 10 de dezembro de 2007. Prazo para aceite: o título deve ser apresentado para aceite na data do vencimento. Com isso se evita o vencimento antecipado.

Pergunta de aluno: inaudívelVira sacado. A não vai cobrar de João. Se alguém cobrar de João, muito

provavelmente A vai pagar. O que A quer fazer é manter o vencimento.E B? B não vai pagar? B não recebeu o cimento? É, recebeu. A vai ter que

procurar documentos que provem o seu crédito. Tem que achar o que B assinou. Se for uma duplicata, fica mais fácil. Não se precisa de assinatura de B, que estará suprida com o comprovante de entrega do cimento, aquela lingüetinha da nota fiscal.

Essa questão [aceite] acaba se tornando teórica. Só existem dois títulos que comportam aceite: duplicata e letra de câmbio. Só que não se emite letra de câmbio. E o aceite em duplicata é raro e suprível.

Pergunta de aluno: Quem pode repudiar o cumprimento da obrigação?Só o sacado. Os demais, não, porque são endossantes.

Pergunta de aluno: E se B aceitou? F pode cobrar dos outros [endossantes] ou só de B?

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Se B aceita a obrigação, todos são co-devedores. Se B está falido ou prestes a apresentar o Plano de Recuperação Judicial, basta que F procure qualquer outro integrante da cadeia cambial para haver seu crédito.

Pergunta de aluno: Só letra de câmbio e duplicata estão sujeitas a aceite, né? Na letra de câmbio também pode haver aceite por intervenção?

Pode. Isso está previsto na LUG. E essa disciplina da LUG é subsidiária aos demais títulos de crédito.

Você também pode encontrar a figura do aceite em algumas letras decorrentes da letra de câmbio, por exemplo, Letra de Crédito Imobiliário, Título do Governo... pode-se ter a figura do aceite nesses títulos assim. Mas, classicamente, só na duplicata e na letra de câmbio.

Aval é o ato cambial de garantia. É a única forma de garantir obrigação cambial. Não há aval fora de relação cambiária. Isso resolve muita coisa! Resolve todos os contratos bancários.

Em contratos bancários vocês vão ver que a garantia é sempre “aval”. Mas eles fazem uma confusão. Eles te dão um contrato de mútuo feneratício, empréstimo em dinheiro, para assinar e atrelados a esses contratos eles te dão uma nota promissória. Aí eles te pedem uma garantia. A garantia pessoal prestada na nota promissória é aval. Mas no contrato de mútuo, apesar de a cláusula constar como “Do Aval”, o sujeito é fiador. É claro que faz diferença. Se a execução for da nota promissória, o instituto é aval; se a execução for do contrato, o instituto é fiança. O fiador tem direito à proteção do bem de família? A Lei 8.009/90 diz que não; o STF está começando a dizer, em sede de Recurso Extraordinário, não em controle concentrado, que sim, que há proteção do bem de família. Com base na Emenda Constitucional n.º 26/2000 que inseriu o direito à moradia no caput do art. 6º, CF, o dispositivo da L 8.009/90 deixou de estar em consonância com a ordem constitucional. Mas outras diferenças/conseqüências existem: a fiança é obrigação acessória; o aval, principal. Há outras questões que veremos também, como a da outorga conjugal, que antes era diferente.

Pergunta de aluno: Então essa pessoa presta duas garantias, uma no contrato, como fiador, e outra na nota promissória, como avalista?

É. Aí, quando o banco executar o contrato, o fiador alegará preliminarmente que, se ele tiver de pagar, ele quer que o banco junte a promissória ao processo, senão ele correrá o risco de pagar duas vezes, porque a nota promissória pode ter circulado. E a probabilidade de o banco ter perdido essa promissória é grande.

Pergunta de aluno: Nesse caso em que o contrato bancário está garantido pela fiança, enquanto a parte estiver discutindo o valor do débito o banco não pode executar o fiador?

Em tese, a fiança admite benefício de ordem [salvo renúncia expressa]. Ao contrário do aval, em que a obrigação é autônoma e, em princípio, não há benefício de ordem. Normalmente, nos contratos de fiança há renúncia ao benefício de ordem. E o banco executa primeiro o fiador, como forma de coação. O fiador normalmente

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tem uma relação muito próxima com o afiançado. E executando o fiador, há uma pressão psicológica para que o afiançado pague.

Mas tem que ver também a questão da acessoriedade: a fiança é acessória. O fiador pode discutir tudo que o afiançado possa discutir. Se o afiançado pode discutir o quantum debeatur, o fiador também pode.

Veja. Quanto ao aval na nota promissória. Se o credor [banco] estiver cobrando do avalisado, ele credor não poderá cobrar do avalista. Se o credor não está cobrando do avalisado, mas o avalisado ingressou em juízo discutindo cláusula contratual que repercutirá no quantum debeatur, nada impede que o credor, sorrateiramente, no dia do vencimento, cobre do avalista. E o avalista vai ter que pagar e depois regressar em face do avalisado, o que não ocorreria com a fiança, por causa da acessoriedade. Na verdade, o credor poderia até cobrar do fiador, só que ele poderia alegar em defesa tudo o que o afiançado poderia alegar.

O aval é autônomo. Vamos ao art. 32, LUG:

“O dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada”.

Risquem “afiançada”. Isso foi um erro de tradução porque o texto original era em francês e na versão para o português, o tradutor não encontrou o verbo “avalisar”. É claro, é um “juridiquês”, digamos assim. O termo correto é “avalisado”. Então, risca aí o “afiançado”, mas risca de uma forma que dê para ler o que está escrito embaixo. Não passe um pilot preto em cima, não. Puxa uma seta para cima de “aval”. É uma remição dessa que vale uns pontinhos a mais numa prova específica: “Ressalte-se, entretanto, que o “afiançada” tal qual disposto na lei, decorre de um erro de tradução. Devemos chamá-lo e tratá-lo de avalisado, sendo certo que o instituto da fiança é completamente diferente do instituto do aval” e aí prossegue na resposta. Parece que isso é besteira, mas a redação jurídica é muito importante.

É autônomo em relação ao avalisado, como vemos na 2ª alínea do art. 32, LUG:

“A sua obrigação mantém-se, mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja vício de forma.”

Portanto, no aval de um título de crédito, a obrigação do avalista persiste até em caso de nulidade do negócio jurídico subjacente à emissão daquele título; só não persiste em caso de vício de forma. Então: A quer comprar um carro de B. B anuí em receber o preço de forma parcelada, em 10 vezes, por exemplo. Cada parcela se representa por uma nota promissória. Só que B quer garantia de pagamento, então exige aval. A consegue que seu pai X, avalise as notas promissórias. Ocorre que B não entrega o carro a A. B sabe que se cobrar de A, B não vai receber nada porque entre eles há relação pessoal e A oporá exceção pessoal. Só que B instruído, não cobrará de A, mas de X. X argumenta que não vai pagar porque sabe que B não entregou o carro ao seu filho A . Mas X, em razão da autonomia do aval, vai ter que pagar.

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NOTA DA TRANSCRITORA – existe entendimento, minoritário, de que X não teria de pagar nada a B em razão da 1ª alínea do art. 32, LUG, pelo que o avalista é devedor mesma forma que o avalisado. Aí, considerando esta exceção pessoal da não entrega do automóvel, X se furtaria do pagamento.

A está falido, mas o automóvel foi entregue. A relação jurídica subjacente, a causa debendi está certinha. B pode cobrar de X, e X tem que pagar. X – tem que se habilitar na falência como credor quirografário, isto é, não vai receber. É uma questão fácil que caiu na prova da magistratura, envolvendo princípio da autonomia e um pouquinho de falência: execução movida contra sociedade e dos sócios avalistas. Decretada a falência dessa sociedade, o que acontece com a execução que corre na Vara Cível? Suspende-se a execução em face da sociedade e prossegue-se em face dos sócios avalistas. Suspende-se a execução em face da sociedade porque quando se decreta a falência, instala-se o juízo universal e há a atração dos credores. E se o sujeito está executando, é porque ele já é credor. E se ele é credor, ele tem que se habilitar. Só que esse credor aqui não vai se habilitar. Ele vai prosseguir a execução contra os sócios avalistas. É por isso que você entende que banco não perde na falência, nunca perdeu. Não existe habilitação de vulto em falência. Valor pequeno (R$ 5 mil, R$ 10 mil) você até encontra. Mas a partir de um determinado valor (alguns bancos fixam em R$ 50 mil), há uma “plataforma de crédito”. Para emprestar o dinheiro, só prestando garantia. E normalmente a garantia é na pessoa dos sócios, que serão avalistas. Depois eles que cobrem da sociedade. Para evitar a esperteza de o sócio prestar uma garantia real, e aí o sócio seria cobrado e na falência o sócio teria seu crédito lá em cima, com a garantia real, a NLF estabeleceu que se o credor for sócio, independentemente da qualidade do seu crédito, ele receberá a título de credor subordinado, abaixo do subquirografário.

Esta é a regra absoluta quanto ao aval que prevalece na maioria esmagadora dos casos. E por que eu estou dizendo isso? Porque Pontes de Miranda tem um posicionamento, no seu Tratado de Direito Cambiário, em quatro volumes, de que o avalista não pode ser responsabilizado por algo superior que o avalisado. Ele diz: o avalista tem a mesma responsabilidade do avalisado. Ele não pode responder por mais que o avalisado seria, interpretando o art. 32, LUG. Então nesse nosso caso, Pontes de Miranda diria que se B não entregou o carro a A, B, ao cobrar de X, avalista, X não pagaria em razão da não entrega do automóvel. Esse posicionamento de Pontes de Miranda é isolado, mas volta e meia ele aparece na jurisprudência para evitar situações de extrema injustiça. Um caso é citado pelo professor Luiz Emygdio. Uma seguradora em que o automóvel tinha sido utilizado em um crime muito conhecido naquela cidade, como aconteceu com aquela Pajero do Celso Daniel, todo mundo sabia que aquele carro estava na porta da delegacia e que aquele carro estava se deteriorando, e a seguradora também sabia disso, passado mais de um ano, quando o carro já estava todo estragado, a seguradora cobra do avalista a integralidade do crédito. O TJ/SP decidiu da seguinte forma: neste caso o avalista responde na medida em que responde o avalisado porque o credor sabia onde estava o carro e não foi recuperar o automóvel. Deixou ele apodrecer para poder cobrar do

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avalista e isso não vai acontecer porque ele responde na mesma medida do avalisado. Ele [avalista] não responde.

Mas isso é excepcional. Normalmente a obrigação do avalista é autônoma.

O endosso, como falamos hoje, não pode ser parcial, o aceite pode. O aval também pode ser parcial, apesar de o NCC vedar o aval parcial.

Pergunta de aluno: inaudívelMas está prescrita. A obrigação cambial prescreve em 3 anos.Você paga o carro que você comprou parceladamente via boleto bancário.

Agora um espertinho aparece com um bolo de notas promissórias de 1999. Essas notas promissórias têm força cambial? Não. Essas notas promissórias estão prescritas. Essas notas promissórias podem ser protestadas? Elas podem ser protestadas. O cartório não pode recusar o protesto. Por quê?

Vamos lá! Você passou na Magistratura. O primeiro processo que chega às suas mãos é uma execução de uma nota promissória de 1966. O que você faz? “Cite-se em execução”. Prescrição pode ser argüida ex officio? Em regra, não. Ressalvado o posicionamento do Alexandre Câmara no sentido de que prescrição é conhecível ex officio. E se o executado embarga mas silencia quanto à prescrição?

É por isso que não se pode negar o protesto. Se nem em juízo, em regra, a prescrição é conhecida de ofício, como o cartório de protesto vai declarar a prescrição? A própria lei de protesto (Lei n.º 9.492/97) diz isso no art. 9º, caput;

“Todos os títulos e documentos de dívida protocolizados serão examinados em seus caracteres formais e terão curso se não apresentarem vícios, não cabendo ao Tabelião de Protesto investigar a ocorrência de prescrição ou caducidade”.

Cabe ao Tabelião tão-somente a análise dos elementos formais. Não lhe cabe a análise do mérito. E prescrição é mérito. Atenção!!! Barbosa Moreira desenvolveu um estudo sobre isso: prescrição não é preliminar processual. Você pode até dizer que ela é preliminar do mérito. No mérito, a primeira coisa que você analisa é a prescrição. E se você reconhece a prescrição, pode parar a análise por aí.

Então essas promissórias de 1999 [vencidas e exigíveis em 1999] serão protestadas e o sujeito terá direito a uma boa indenização, não do tabelião do cartório de protestos, mas contra aquele que levou um título de 1999 a protesto. Um título de 1999 não pode ser levado a protesto porque ele vai ocasionar um dano a que você não deveria estar submetido. A não ser que ele prove que você não pagou. Se você mostra que pagou e que o sujeito, sorrateiramente, está cobrando as notas promissórias, ele terá de te indenizar. E onde fica a autonomia se quem estiver cobrando a promissória for um endossatário? Como é que eu vou opor a ele as exceções pessoais de pagamento?

- virada de fita -

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... de Direito Civil. E aí eu posso opor a ele qualquer matéria de defesa, como numa cessão civil de crédito.

Pois bem: o endosso não pode ser parcial, mas o aceite e o aval podem.Está previsto no art. 30, LUG, que o aval pode ser parcial. Apesar de o NCC

dizer que o aval não pode ser parcial [art. 897, parágrafo único], nós sabemos que o art. 903, NCC, permite que a legislação especial incida. A emite um título em favor de B. Na hora que A for procurar o avalista, A pode se deparar com um problema: “Olha, A, eu avaliso, mas eu não tenho condição de avalisar tudo, só posso avalisar 1/3”. Então X avalisa 1/3. Pode ser que B, desde já, se dê por satisfeito. Mas B pode exigir a complementação da garantia. E isso é muito comum em sociedades. A sociedade tem quatro sócios. A sociedade precisa de dinheiro, mas o futuro credor exige avalista. E a sociedade indica os quatro sócios. Esse será o chamado aval simultâneo.

Pergunta de aluno: E eles vão responder por parte ou pela totalidade?Pela totalidade, o que é mais comum. quando não se diz o que cada um está

avalisando, cada um é responsável pelo todo.

B endossa a C, C endossa a D e quando D vai endossar a E, E exige 3 avalistas. Mas D só consegue um avalista. E não se contenta e fala para D conseguir avalistas para o seu avalista. E isso é possível! Esse aval é chamado de sucessivo.

Nenhuma dessas hipóteses vêm contempladas na LUG [aval simultâneo e aval sucessivo], mas ambas são possíveis.

E aqui, como é que fica? D é avalisado por D1. D1 é avalisado por D2 e D3. se E cobrar de D2, D3 está excluído. D2 pode cobrar de D1. de D. de C e de A.

Veja a súmula 189, STF: “Avais em branco e superpostos consideram-se simultâneos e não sucessivos”. Então o próprio STF reconhece a existência dos avais simultâneo e sucessivo. O primeiro decorre da possibilidade de o aval ser parcial; e o segundo decorre naturalmente do instituto do aval: um pode avalisar a obrigação do outro. Isso é comum nas operações de resseguro. A seguradora tem sempre alguém por trás até chegar no IRB – Instituto de Resseguros do Brasil – que está ligado, no cenário internacional a um sistema parecido de resseguros, cuja sede é em Nova Iorque. Senão a seguradora que tivesse segurado o World Trade Center estaria quebrada hoje; senão uma seguradora de navios, quando um navio afundasse, estaria quebrada. Aquele que tivesse na sua carta de clientes três companhias aéreas e duas companhias marítimas, ela não teria condições de suportar nenhum sinistro. É claro que para essas companhias o risco é muito pequeno, mas os danos são altíssimos caso o sinistro ocorra. E é por isso que serve o resseguro, que é um caixa maior a que todos estão obrigados a contribuir.

Pergunta de aluno: Voltando um pouco à súmula, 189, STF, esses avais simultâneos, cada avalista responde por quanto?

Se cada avalista mencionar quanto está avalisando, cada um bloqueia a sua parte e só responde por aquele valor, à sua parte da obrigação. Se o avalista silenciar

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sobre a parte da obrigação que ele está avalisando, o professor Luiz Emygdio indica que aqui haveria uma solidariedade de Direito Civil e cada um teria o valor de sua quota-parte dividido por igual. Mas os professores João Eunápio Borges, Pontes de Miranda dizem o seguinte: se o avalista está sozinho, ele responde por tudo. [Então, no silêncio, cada avalista do aval simultâneo responde pela totalidade da obrigação], no sentido de dar a maior garantia possível à obrigação.

Chegamos àquela questão tradicional: diferença entre aval e fiança. É uma questão que examinador gosta porque através dela se analisa todo o Direito Cambiário. Essas diferenças você tem que decorar.

A primeira é que o aval é instituto de Direito Cambiário enquanto a fiança é instituto de Direito Civil. Essa primeira diferença parece tola, mas ela resolve muitos problemas, como o da nota promissória de 1999. Assim como aquele exemplo da última aula em que o sujeito pagou ao outro parte do valor constante do cheque, estão lembrados? Foi uma questão que caiu no MP: A emitiu um cheque em favor de B . B endossou o cheque a C. A paga parte do valor do cheque diretamente a B. C vem cobrar o valor do cheque de A. Aí tem que ver se o endosso foi ou não póstumo. Se o endosso teve lugar após o protesto, ou após o transcurso in albis do prazo para o protesto, o endosso foi póstumo, ou seja, com efeitos de cessão civil de crédito. Tendo sido póstumo o endosso, cabem alegações de toda e qualquer matéria de defesa. Muda tudo. Se o endosso foi o regular, foi o cambiário, tudo muda de figura: incide o princípio da autonomia e A teria de pagar a integralidade do valor do cheque a C.

Você pode criar uma questão envolvendo vício formal, vício referente à capacidade da pessoa que assinou, macularia a obrigação desde o início. Por exemplo, nota promissória emitida por incapaz tem validade? Circulando tem. Como é que um endossatário vai saber que aquela assinatura é assinatura de um incapaz? Não tem como!

Você avalisa essa nota promissória pós o vencimento e após o prazo para protesto. Esse aval estará garantindo uma obrigação subjacente que terá efeitos de cessão civil. Então não é aval. Não pode ser considerado como aval. O aval póstumo ou tardio, aposto após o protesto ou após o transcurso in albis do prazo para o protesto, terá efeitos de fiança e aí você poderá alegar tudo quanto é matéria de defesa. O aval tardio é aquele prestado para endossos póstumos ou tardios. Ele não precisa ser prestado necessariamente por endosso póstumo ou tardio, mas em momento em que o endosso seria póstumo ou tardio.

A segunda diferença é aquela em que um depende e o outro independe de outorga conjugal. Essa sempre foi uma diferença marcante. A fiança sempre dependeu de outorga conjugal (não mais outorga uxória ou marital). Se não houvesse a outorga, a fiança já estaria maculada na sua essência. E o aval sempre foi autônomo e nunca dependeu de qualquer outorga. Esse sempre foi um tema muito debatido na prática. Havia até um item: “aval prestado por pessoa casada”. Uma pessoa casada podia avalisar independentemente de outorga. E o patrimônio do casal poderia ser alcançado até o limite da meação, em regra. Mas você tem que considerar a posição do STJ que exige proveito para a família. Sabedores que hoje

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aposição do STJ é ainda mais aprimorada porque o ônus de provar que não houve benefício da família é de quem está se defendendo. Ex.: Ela presta aval sozinha [sem outorga]. Eu executo o meu crédito em face dela. Na mesma hora o marido dela opõe embargos de terceiro afirmando que a parte dele na meação estaria garantida. Mas o STJ caminhou no sentido de que se tivesse havido benefício para a família, a metade do marido seria alcançada. Só que na prática do foro era muito difícil o embargado provar que tinha havido benefício para a família. Como é que o embargado ia conseguir provar que no dia-a-dia daquela família houve benéfico? Salvo naquelas hipóteses gritantes, em que a família tinha um automóvel e agora tem três? Então o STJ aprimorou a sua opinião, estabelecendo que toda pessoa casada, quando contrai dívidas, presume-se que ela o faz em benefício da família. E se trata de uma presunção, ao marido dela, em sede de embargos, caberá elidir essa presunção. Hoje então a coisa fica mais fácil. O que o STJ tem feito é muito interessante e, no nosso país, e nos demais países de direito romano, não de direito consuetudinário, criar uma terceira forma de solução das demandas: não é o positivismo, nem o direito consuetudinário. É uma terceira hipótese. E mais, se você for prestar atenção, o direito consuetudinário norte-americano e inglês, onde é a origem, é o direito mais positivo e pautado que existe. Para cederem o caso de 1928 entre o cidadão não sei quem versus o Estado tal até hoje aquele caso é aplicado sem mexer, ninguém admite mudar aquele caso. É muito difícil de mudar. E o que é isso? É direito positivado. Nós somos muito mais maleáveis. E o que o STJ faz nisso? É aplicar a equidade. Quem é casado, quem tem filhos, contrai dívidas em benefício da família. Essa é a questão do aval prestado por pessoa casada.

Mas os bancos já exigiam aval do cônjuge, se a pessoa fosse casada. E aí, quando os dois assinavam havia aval simultâneo, e não outorga conjugal. Algumas vezes vinha escrito: “outorga conjugal”, “autorizo o aval” e a interpretação que se dava era de co-aval, ou aval simultâneo.

Hoje, com o NCC, artigo 1647, III, NCC:

Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem a autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:[...]III – prestar fiança ou aval

Então hoje, quem não for casado pelo regime da separação absoluta de bens terá de buscar a outorga conjugal para dar aval.

A questão que se instala aqui e parece estar resolvida, embora eu não me convença, eu acho que o STJ ainda vai tratar muito disso, e eu digo isso porque na I e na III Jornadas de Direito Civil, em que tratamos desse dispositivo, foi muito debatido. É o seguinte. Nós conhecemos o art. 2.039, NCC, das Disposições Transitórias. Resumidamente, ele diz assim: quem já era casado continua casado no regime anterior.

A primeira “batata” foi: eu já sou casado. Posso mudar de regime? Hoje pode. Se eu já era casado, o novo código não pode vir bagunçar a minha vida. Em Direito, cada vez mais, a gente tem que pensar de forma prática. Então já está quase pacífico

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que pode trocar de regime. Inclusive foi aprovado um enunciado lá na Comissão de Direito de Família do STJ, um quórum de votação de 27 a 1, eles me chamaram para ser esmagado nessa hora, eu estava na Comissão de Direito de Empresa e eu apresentei o enunciado 1647.3. Eles reprovaram o meu enunciado. O que eu vislumbro ainda no art. 1647, III, NCC? Está certo que o meu enunciado foi rejeitado, mas eu continuo achando que o STJ ainda vai enfrentar muito isso. O sujeito está casado há 48 anos. Há 48 anos o sujeito não precisa de outorga conjugal para conceder aval. Agora o NCC vem e diz para essa pessoa casada há 48 anos que ela precisa de outorga conjugal para conceder aval. Será que agora o sujeito vai precisar de outorga conjugal para conceder aval? Eu não consigo imaginar isso. Isso acaba com a profissão do sujeito. Eu [Márcio Guimarães] tenho alguns casos desses de laboratório lá na oficina da FGV. Pessoas que moram no Rio de Janeiro, no Paraná: moram lá e vivem aqui. Na segunda-feira vão para o Paraná e na sexta-feira voltam. Está cheio de gente assim pelo Brasil. Tente viajar na sexta-feira, às 18 horas para você ver que desgraça que é. É todo mundo voltando para casa. Esse sujeito, se ele for sócio de uma sociedade lá no Paraná que lide com muito volume de negociação, ele vai ter que todo dia dar aval. Ele vai ter que buscar dinheiro no banco e vai ter que dar aval. Como é que ele vai obter outorga conjugal da esposa? E não é questão de problema em casa, não é isso. Como é que vai fazer? Vai ter que mandar Sedex 10. Demora um dia. E aí perdeu a negociação. Como é que o novo código vai impor ao cara que está casado há 48 anos e nunca precisou de outorga conjugal e agora vai precisar? Então me parece que o art. 2.039 vai ter aplicabilidade ao artigo 1.647, III. Só para os novos casamentos é que haverá a exigência. Este era o enunciado que eu levei. E por que eles rejeitaram esse enunciado no Direito de Família? Eles disseram que entendiam, que compreendiam, mas eles haviam mudado de entendimento quanto à questão da modificação do regime de bens. Essa pessoa que há 48 anos não precisava de outorga conjugal agora tem que alterar o regime de bens para o regime da separação absoluta. E não é tão simples assim na prática porque essa alteração de regime importa em alteração sucessória. Se você foi casado três vezes, teve dois filhos em cada casamento, pode fazer a conta: alterar o regime de bens importa alterar o regime sucessório se você alterar o regime de bens. Não é tão simples assim. É por isso que eu acho que isso vai ser decidido pelo STJ muito mais rápido do que estávamos imaginando porque vários contratos estão sendo celebrados, sem a outorga conjugal.

Imaginando que o art. 1647, III, valha para todos ou só para aqueles que casaram sob o NCC. Quando o banco exigir a outorga, ele vai te dar o título para você pegar a assinatura do seu cônjuge. Atrás, no título, vai ter um espaço escrito: “cônjuge” com espaço para assinatura? É isso que o art. 1647, III, NCC, quer. O banco não vai fazer isso. Ele vai acabar exigindo assinatura de “co-avalista”, ou então “cônjuge avalista”, ou apenas “avalista”. Haverá uma outorga implícita e o que o banco vai conseguir é que ambos sejam avalistas. Isso é importante para saber se na hora dos embargos de terceiro, se a meação estará ou não resguardada. O outro cônjuge também assinou o título. Olha uma bela questão de prova: o avalista obtém a assinatura de seu cônjuge no título. Em execução, a pergunta é: o cônjuge que assinou o título oferece embargo de terceiro. Como se resolvem esses embargos?

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Você tem que saber se a assinatura é como outorga conjugal ou como co-avalista, porque a solução será completamente distinta, conforme o que está no título. Cuidado com isso porque pode dar confusão. A assinatura do cônjuge pode não ser de outorga conjugal. E se é outorga, conforme o art. 1647, III, NCC, a meação se resguarda. Mencionando sempre a posição do STJ, sobre o proveito do outro cônjuge ou da família ou não. Agora, se o cônjuge assinou como avalista, ele também será avalista, sem problema nenhum.

A outra diferença, já falamos, é que uma obrigação é autônoma [aval] enquanto a outra [fiança] é acessória.

Por último, está atrelada ao princípio da cartularidade e da literalidade: só pode ser prestado no título, não pode ser prestado em documento apartado. É claro que o aval pode ser prestado na folha de alongamento, na folha de along [atenção! Folha de alongamento não constitui novo título ou novo documento], ao passo que a fiança pode ser prestada em qualquer documento apartado.

Vamos prosseguir com o protesto.

Pergunta de aluno: E se não tiver nada escrito?:Se não tiver nada escrito, o aval não é válido.

Pergunta de aluno: Não, o que eu estou dizendo é: se ao lado da assinatura do avalista tem uma outra assinatura, sem nada escrito.

Bom, aí tem que interpretar, mas parece ser atendimento à exigência da outorga.

Pergunta de aluno: Por que uma assinatura sozinha significa ...Se for no verso, significa endosso. Se for no anverso, significa aval. Mas a

tendência parece que é essa [de entender como outorga], parece que aquele cônjuge só assinou ali em razão da exigência do art. 1.647, III, CC/02, para conferir validade ao ato. E isso é o mais coerente e nós estamos caminhando nesse sentido para a realização da justiça, no sentido do que é mais coerente.

Protesto é o seguinte: você vai ter uma página do livro do professor Fábio Ulhôa Coelho. O professor Luiz Emygdio fala um pouco mais... Mas é um instituto a que tem sido dedicada pouca atenção pelos manuais. É um instituto que tem tido um pouco de resistência, como o Direito Registral e Notarial. Você aprende Direito Civil inteiro na faculdade mas ninguém nunca falou sobre registro com você, salvo o RGI. É um tema que não é muito tratado.

Eu vou buscar tratar aqui com vocês questões reais sobre protesto, que normalmente não vêm nos Manuais, tudo o que existe no Cartório de Protesto, trâmite do protesto, aproveitando um pouco da experiência lá da Escola Nacional de Notários e Registradores.

Até 1997, não tínhamos uma lei de protestos e realmente era difícil trabalhar com protesto. Até que surge a Lei n.º 9.492/97.

E o que é o protesto, dentro da nossa linha metodológica de entender o que estamos falando? Eu estou falando e ela levanta a mão e diz: “protesto”.. o que

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significa esse ato? É apenas para atestar, aferir, certificar algo: que ela não concorda com o que eu estou falando. Daí até mudar a minha posição e a posição de outras pessoas é outra coisa. E o protesto serve para isso. Para aferir, atestar, comprovar. Você indo lá na lei de protestos, na Lei nº 9.492/97, você vai ver logo no art. 1º o conceito de protesto. E a L 9492/97 é uma boa lei. O melhor conceito de protesto está no art. 1º:

“Protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento da obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida”.

Então você comprova, atesta fato. E quais fatos? São três: falta de pagamento, falta de aceite, falta/recusa indevida de devolução do título. Por isso que o STF tinha um posicionamento firme em enunciado de súmula 153 de que o protesto não interrompia a prescrição. Hoje esse entendimento está prejudicado. Não podemos dizer que a súmula foi revogada porque não houve manifestação nesse sentido, mas esse entendimento está prejudicado em razão do NCC, que em seu art. 202, III – faça uma remição no próprio enunciado – acaba fazendo com que o enunciado perca força. Isso não quer dizer que o protesto tenha perdido aquela característica. O CC/02 é que andou mal aí: foi o CC que fez com que o protesto cambial interrompesse a prescrição o que é errado. O protesto não deveria interromper a prescrição porque ele não cria direitos, ele apenas atesta um fato e interrompendo a prescrição ela volta a correr de novo. E o problema é que você protestou e não precisa cobrar imediatamente. Pode ficar esperando mais não sei quanto tempo para exercer o seu direito creditício.

E a cláusula sem protesto que é sinônimo de cláusula sem despesa? Vamos ao art. 46, 1ª alínea, LUG:

“O sacador, um endossante ou um avalista pode, pela cláusula “se despesas”, “sem protesto”, ou outra cláusula equivalente, dispensar o portador de fazer o protesto por falta de aceite ou por falta de pagamento, para poder exercer os seu direito de ação.”

Sempre que constar do título essa cláusula, o título poderá ser cobrado de qualquer pessoa da cadeia cambial independentemente de protesto. E o que isso quer dizer? Há dois tipos de protesto: o obrigatório e o facultativo. Quando você tem uma cadeia cambial A – B – C – D – E

C1 D1Se E quiser cobrar de A, ele não precisa protestar. Esse é o chamado protesto

facultativo. Mas se E quiser cobrar de qualquer outro, E tem que protestar o título, a obrigação, é o chamado protesto obrigatório porque E tem que dar ciência, tem que protestar, atestar, comprovar, que o pagamento não foi realizado ou que um outro fato se deu que os outros têm que ter ciência. E aqui há uma coisa que muita gente confunde: E quer cobrar o título do avalista de C. E tem que protestar o título contra A

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porque o que você protesta é a obrigação e não pessoa, e quem deve de verdade é o obrigado principal, devedor originário, que é A. E na linguagem corriqueira, é o nome de A que vai ficar sujo com o protesto, ainda que o credor queira cobrar de outro integrante da cadeia cambial porque A é obrigado principal. Quando se protesta a obrigação, é o nome de A que vai indicado. Com a certidão de protesto, com a realização do protesto, o fato se tornou público. Todos, em tese, tomaram conhecimento de que a obrigação não foi paga. Se A não pagou, os demais integrantes da cadeia cambial têm que ficar cautelosos porque eles podem, a qualquer momento, serem demandados. Então esse é o chamado protesto obrigatório. Muita gente acha que tem que protestar os endossantes, mas não. Tem que protestar o obrigado principal. Se quiser cobrar do obrigado principal, não precisa protestar. Se quiser cobrar dos demais obrigados, tem que protestar, salvo nessa hipótese de cláusula sem despesas, cláusula sem protesto.

Qual o prazo para o protesto obrigatório ser realizado? 1 dia útil. Esse é o prazo adotado. É o prazo que a jurisprudência aceita.

Pergunta de aluno: Se C coloca a cláusula sem despesas, essa cláusula foi aposta depois que B transferiu o título. B também estará sujeito a essa cláusula?

Vamos ao art. 46, 1ª alínea, da LUG:

“O sacador, um endossante ou um avalista pode, pela cláusula “se despesas”, “sem protesto”, ou outra cláusula equivalente, dispensar o portador de fazer o protesto por falta de aceite ou por falta de pagamento, para poder exercer os seu direito de ação.”

Diz : “dispensar o portador do protesto”. Então ele vai ter que indicar quem está dispensando. Essa preocupação é relevante para saber quem pode ser demandado sem protesto. E se essa cláusula tiver sido inserida sem data? Você quando endossa um título, você sempre guarda uma cópia, autenticada ou não, do título. E é com essa cópia que você vai fazer a prova da sujeição ou não à cláusula sem despesas.

Pergunta de aluno: qual a e aplicação prática dessa cláusula?É só para dispensar a ida ao Cartório de Protestos. Geralmente ela não é

inserida.

Pois bem: o prazo para a realização do protesto obrigatório é de um dia útil. Isso também é uma coisa que pouca gente visualisa. Uma nota promissória com vencimento para 10 de janeiro de 2007. E tem até o dia 11 de janeiro de 2007 ou para receber ou para protestar. Se passar do dia 11 de janeiro de 2007, E joga fora D, seu avalista, C, seu avalista e B. se não protestar dentro do prazo de um dia útil, todos aqueles que integram a cadeia cambial se desobrigam. O prazo é muito curto. E é por isso que muita gente é enrolada. Por exemplo: E liga para C em 10 de janeiro de 2007. Aí C pede um prazo de dois dias para levantar o dinheiro. E quando E liga de novo para C, em 12 de janeiro de 2007, C diz que já se passaram dois dias, e que sem o protesto, C não tem que pagar nada. Azar o seu! E como E não protestou, E só

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pode cobrar de A . Só que A faliu, ou morreu e está tudo enrolado no inventário. A questão é simples e incisiva: o prazo é de um dia útil. Art. 44, 3ª alínea, LUG:

“O protesto por falta de pagamento de uma letra pagável em dia fixo ou a certo termo de vista deve ser feito num dos dois dias úteis seguintes àquele em que a letra é pagável. Se se trata de uma letra pagável a vista, o protesto deve ser feito nas condições indicadas na alínea precedente para o protesto por falta de aceite.”

A LUG falou em dois dias úteis. Vamos ao artigo 9º do Anexo II. É uma ressalva no tratado:

“Por derrogação da alínea terceira do art. 44 da Lei Uniforme, qualquer das Altas Partes Contratantes tem a faculdade de determinar que o protesto por falta de pagamento deve ser feito no dia em que a letra é pagável ou num dos dois dias úteis seguintes.”

O Brasil optou. Na verdade, o Brasil já havia optado no art. 28, do 2.044/1908:

“A letra que houver de ser protestada por falta de aceite ou de pagamento deve ser entregue ao oficial competente no primeiro dia útil que se seguir a da recusa do aceite ou ao do vencimento, e o respectivo protesto tirado dentro de três dias úteis.”

O prazo é um dia útil após o vencimento. Cuidado com esses três dias úteis ao final, aí! Esses três dias úteis exposto ao final representa o prazo que o cartório tem para ultimar o protesto do título. Então, se hoje é terça-feira, sexta-feira o problema tem que estar resolvido e o protesto ultimado. Na segunda-feira você pode ir lá no cartório buscar a certidão e, se tiver havido pagamento, pode levantá-lo na segunda-feira. Sendo certo que esse prazo de três dias úteis para a realização do protesto pelo cartório foi mantido pela Lei n.º 9.492/97. Mas não é esse o prazo que nos importa, mas o de um dia útil. Então, hoje, o prazo qual é? De um dia útil.

-virada de fita -

... cheque e duplicata não têm. Duplicata art. 13, § 4º, da Lei n.º 5.474/68: 30 dias. Para a duplicata você tem o prazo de 30 dias. Então durante o prazo de 30 dias fica todo mundo amarrado, os co-obrigados, os co-devedores não se eximem do pagamento, eles não saem da cadeia cambial. Então, 30 dias corridos e não 30 dias úteis.

Cheque é outra exceção. Vamos no art. 47, II, da Lei n.º 7.357/85 dirá que o prazo para o protesto do cheque será de 30 ou 60 dias, que é o prazo para o pagamento. O art. 47, II, da Lei n.º 7.357/85 vai dizer sobre os prazos para a cobrança. Se for cobrar do emitente, não precisa de protesto, porque para o obrigado principal o protesto é facultativo:

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“Pode o portador promover a execução do cheque:[...]II – contra os endossantes e seus avalistas, se o cheque apresentado em tempo hábil e as recusa de pagamento é comprovada pelo protesto ou por declaração do sacado, escrita e datada sobre o cheque, com indicação do dia de apresentação, ou, ainda, por declaração escrita e datada por câmara de compensação.”

Então você tem aí a indicação que para cobrar dos co-devedores, você precisa ou do protesto, ou da declaração do banco sacado ou da câmara de compensação, com o dia de apresentação. Então o prazo aqui indicado para a apresentação, nós sabemos, é o prazo de 30 ou de 60 dias, de acordo com o art. 33, da Lei do Cheque: se o cheque for da mesma praça, o prazo é de 30 dias, se o cheque for de praça diferente, o prazo é de 60 dias. E por praça entende-se o quê? Município.

Mais uma exceção é o art. 44, da Lei n.º 10.931/04, ao tratar da Cédula de Crédito Bancário, vai indicar que o título será passível de cobrança contra qualquer um da cadeia sem que seja necessário o protesto. O art. 44 excepciona por completo o instituto do protesto obrigatório. Ele diz: para a cédula de crédito bancário, um título muito cobiçado pelas instituições financeiras, esse título tem nele embutido, por força de lei, a cláusula sem protesto. Então o credor protesta se quiser. E normalmente quem tem esse título é o banco. Então se ele quiser cobrar do avalista, por exemplo, ele não precisa protestar. Ele pode executar direto. Deixando claro que se quiser cobrar do avalista de A [que é o devedor principal] não precisa protestar mesmo. O protesto, neste caso, é na modalidade facultativa.

Pergunta de aluno: o protesto facultativo, no caso de falência ...Vamos ver. Vamos ver se esse protesto especial existe mesmo, se é

obrigatório... Mas na falência, se E quiser pedir a falência de D, de C ou do seu avalista, aí é tudo igual. Precisa do protesto tanto para cá (para poder cobrar desses co-devedores) quanto para lá (para poder requerer a falência). Agora, para requerer a falência de A ou de seu avalista, o protesto será necessário porque exige-se sempre o protesto do título para fins de requerimento de falência. O que nós vamos enfrentar é se o protesto cambial supre o protesto para fins falimentares, se é que existe este protesto para fins falimentares.

Pergunta de aluno: Protesto de um dia só para letra de câmbio ou para nota promissória?

É. Só para nota promissória ou para letra de câmbio.

18 de agosto de 2007 – aula 04

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Na nossa última conversa, nós encerramos falando sobre protesto. Falamos sobre protesto obrigatório e facultativo, qual era a razão de ser do protesto e vimos o conceito legal de protesto logo no art. 1º, Lei n.º 9.492/97.

Vamos prosseguir no próprio art. 1º, Lei n.º 9.492, vendo quais são os títulos protestáveis, quais títulos podem ser levados ao cartório de protestos: títulos e documentos.

Essa é uma discussão que não está assentada porque a lei de protestos, logo no seu art. 1º, diz quais são os títulos que podem ser protestados. E ele diz que título e outros documentos de dívidas. E vocês coloquem aspas na expressão “títulos e outros documentos de dívida” porque ela aparece por 14 vezes na Lei de Protestos. Essa expressão não aparece à toa. Quando você pergunta qual é o título, quais espécies de título que podem ser levadas ao cartório de protestos você cai nessa expressão. Só os títulos executivos ou qualquer título que denote alguma espécie de dívida podem ser levados à protesto?

Protesto é algo coercitivo. Ele gera restrição ao crédito. A própria Lei n.º 9.492/97 diz em seu art. 29:

“Os cartórios fornecerão às entidades representativas da indústria e do comércio ou àquelas vinculadas à proteção do crédito, quando solicitada, certidão diária, em forma de relação, dos protestos tirados e dos cancelamentos efetuados, com a nota de se cuidar de informação reservada da qual não se poderá dar publicidade pela imprensa, nem mesmo parcialmente.”

E com o envio dessa listagem aos cadastros de proteção ao crédito você já tem um problema de crédito, um problema junto ao banco, se for uma pessoa jurídica, você terá problema para participar de licitação...

Fazendo o protesto parte de um sistema de cobrança, é uma forma coercitiva de alta coercibilidade, no nosso ordenamento jurídico você só pode ser coagido a pagar quando você deve. E no nosso ordenamento jurídico você deve quando você tem contra você um título executivo. E apenas um título dá margem efetivamente à realização da coercibilidade. Então, apenas quando o título for executivo, por essa acepção mais ampla, é que ele poderá ser levado a protesto. Só o título executivo. Isso é o que predomina na doutrina e na jurisprudência com uma pequena vantagem apenas: somente pode ser protestado título executivo.

Mas o argumento muito utilizado pelos tabeliães de protesto, e não é um argumento vazio. Ele tem até bastante força: a lei não fala, por 14 vezes, em título e outros documentos de dívida por 14 vezes é porque outros documentos de dívida podem ser levados a protesto.

Como é que se rebate esse argumento? Como vamos dizer que predomina na doutrina e na jurisprudência a protestabilidade só dos títulos executivos? Rebate-se esse argumento da seguinte forma: quando a Lei n.º 9.492/97 fala em título, ela está falando em título de crédito. Quando fala em “outros documentos de dívida”, ela está falando nos demais títulos executivos. Resumindo: seja título, seja outros documentos de dívida, estaremos falando sempre em título executivo. Já para aqueles autores,.e

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são autores de livros de protesto e na última aula eu falei para vocês sobre a escassez de doutrina sobre protesto. Muitos que escrevem sobre protesto são tabeliães de cartórios de protestos. Eles defendem veementemente que “título” são títulos executivos e que “outros documentos de dívida” são quaisquer documentos que denotem dívida, mas que não seriam título executivo, como, por exemplo, todos aqueles que possam instruir ação de conhecimento pelo rito monitório, um escrito particular de dívida, art. 1102-A, CPC. Cada um tem a sua forma de colocar isso no código, mas onde está escrito “título”: coloque art. 585, I, CPC, porque é o art. 585, I, CPC que fala dos títulos de crédito, e quase todos os títulos de crédito estão ali, é claro que existem outros em leis esparsas; onde está “outros documentos de dívida”, art. 585, II, CPC. assim, como uma primeira idéia, em título, você saberia que são os títulos de crédito, em outros documentos, você saberia que são outros títulos executivos. E você saberia que só os títulos executíveis são protestáveis. Aí, para demonstrar a segunda corrente, onde está “título”, você colocar art. 585, CPC, isto é, título quer dizer título executivo; onde está “outros documentos de dívida”, você faz remição do art. 1102-A, CPC. Com isso coloca no código a divergência sobre o que pode e o que não pode ser protestado. Cada um tem o seu jeito de fazer a remição.

Os julgados normalmente enfrentam essa questão quando enfrentam a responsabilização civil. A quer indenização de B porque B protestou um título que não era executivo. A jurisprudência tende a admitir o protesto só de título executivo; se não for título executivo, não pode ser protestado. E aí surgem as questões mais polêmicas: sentença judicial pode ser protestada? Claro que pode: a sentença é título executivo. E não é só para fins de falência, não. A sentença pode ser protestada sempre. É que as pessoas tem mania de executar a sentença. Quando há o trânsito em julgado da sentença. Quando há o trânsito em julgado da sentença, o sujeito instintivamente vai promover a execução. Eu não sei para quê. Se o réu for empresário ou sociedade empresária, o protesto é a melhor coisa porque você gera uma restrição a ele. Execução não leva a nada. Execução faz com que ele diga a qualquer um que a matéria está sub judice. Está sendo executado, mas já ofereceu embargos: a matéria está sub judice. A execução não gera nenhuma restrição. E esse sistema gera a angústia em que vivemos. O processo nunca chega ao fim. Na fase de penhora o sujeito oferece o que ele tem de mais velho no seu patrimônio. Ele percorre o quintal da casa, ou o galpão da indústria para ver o que tiver de mais velho: uma betoneira que não funciona, uma máquina velha, ou como no caso célebre da Justiça Federal, em que foi oferecido um lápis à penhora. Aí tem que discutir se foi ou se não foi garantido o juízo. E quando veio a decisão de que o juízo não estava garantido, ele ofereceu um outro bem à penhora e havia nova discussão sob a garantia da penhora até que um belo dia a garantia estava satisfeita. Aí é que se vai conhecer os embargos. Então vem o sujeito e requer a realização de audiência em embargos, já que é processo de conhecimento, art. 745, CPC. O juiz indefere porque não há necessidade e o embargante recorre. E toda vez que o Tribunal ouve a palavra “cercear defesa” ele anula a decisão. É até uma técnica: se tem um chato na audiência querendo ouvir 12 testemunhas, deixe-o ouvir. Deixe o advogado mal na frente do cliente e do outro advogado: “não é o senhor quem quer ouvir essa testemunha, então pergunte o senhor. Eu estou satisfeito com as declarações

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existentes, mas se o senhor insiste na prova testemunhal...”. Deixe o sujeito perguntar. Se o juiz indefere, a parte recorre e o Tribunal anula por cerceamento de defesa. Aí depois da audiência, levam-se a betoneira velha e o lápis à hasta pública e ninguém quer comprar. Aí quando for procurar os outros bens, descobre-se que eles foram vendidos. Fraude à execução. E aí são mais três anos para alcançar outro bem. Como vocês estão vendo, a execução não é uma boa solução. As pessoas deveriam pensar mais nisso e protestar as sentenças. Quando alguém recebe uma sentença favorável de indenização em face de um banco, eu não sei por quê as pessoas executam... Banco não pode ter nenhum título protestado, senão o BACEN vai direto no pescoço dele e decreta RAET ou intervenção. É quase que imediato. É um fato muito grave um banco ter um título protestado contra ele. Ah, não quer gastar o dinheiro dos emolumentos do protesto? Manda uma cartinha para o Departamento do banco dando 24 horas para pagar ou depositar, sob pena de levar o título a protesto. Se você for executar, ele vai deixar rolar e se o Banco Central vier, ele dirá que a questão está sub judice e nada de mal acontecerá.

Pergunta de aluno: o prazo para o protesto da sentença é também de um dia?Não, porque não tem preocupação nenhuma com co-obrigado. Aquele prazo do

protesto obrigatório tem razão em que: em não perder o direito contra os co-obrigados. E sentença não tem endossante, endossatário, avalista... O prazo é o mesmo prazo obrigacional.

Pergunta de aluno: e pode entrar com as duas medidas ao mesmo tempo: protesto e execução?

Nada impede, só que você dá margem ao cara argumentar que para pagar no protesto o credor tem que desistir da execução. E dentro do prazo de três dias para o cartório processar o protesto não dá tempo de suspender a execução e mais: o banco não vai pagar justificadamente e sem conseguir sobrestar a execução, o credor está impedindo o banco de pagar. Aí o credor vai ter que indenizar o banco por isso. Então é melhor protestar primeiro e se ele não pagar, executar. E se ele não pagar nem um, nem outro, aí o prejuízo é outro.

Muito bem: a sentença não tem peculiaridade alguma, você pode protestá-la à vontade, não tem problema algum. Inclusive, para fins de requerimento de falência ela deve estar protestada sempre... Estamos falando, claro, da sentença exeqüível, da sentença líquida, sentença que não demande liquidação de sentença, seja por arbitramento, seja por artigos.

Boleto bancário pode ser protestado? Depende da corrente: para os tabeliães de protesto, cabe protesto, porque eles não exigem que o título seja executivo para ser protestado. Para a outra corrente, ligeiramente predominante, ao cabe o protesto bancário porque não é título executivo. Mesmo para a corrente dos tabeliães de cartório de protesto que defendem a protestabilidade de documento de dívida que não seja título executivo, o boleto bancário não se afigura como “outro documento de dívida”. E isso é tranqüilo na jurisprudência. Boleto bancário é um documento particular em que alguém diz: “você me deve, então me paga.” Enquanto no art.

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1.102-A, CPC, o escrito particular de dívida surge, ele é manifestado e criado pelo devedor. Não é do devedor que reconhece que tem que pagar, mas o credor que escreve que o devedor tem que pagar. Não é aquele exemplo em que A dá um cartão de visita a B, escrevendo no verso: “te devo R$ 10,00”. Não é isso. Um documento em que A demonstra que há uma dívida, mas não é título executivo. O boleto bancário é protestado. Todo dia tem protesto de boleto bancário. Mas não pode. Está errado. E se protestar e houver prejuízo, cabe indenização. O que ocorre muitas das vezes é o seguinte: diz-se que foi protestado um boleto bancário. O cartório de protestos recebe no sistema a identificação de um boleto bancário. Na certidão de protesto ele faz alusão à identificação do boleto bancário. Mas ele não protestou o boleto bancário. Que protesto foi esse que o banco encaminhou e que o cartório fez alusão somente ao boleto bancário? É o protesto por indicação. E o protesto por indicação é aquele em que se envia o título ao devedor e o devedor retém esse título. O banco desprovido do título, ele manda ao cartório a indicação, ou seja, as informações do título: data de vencimento, valor, data de emissão... tudo direitinho. Só que ele faz essa comunicação através do boleto porque no boleto constavam todas as informações necessárias. Então essa é uma cautela que deve ser tomada: se o que foi efetivamente protestado foi o boleto bancário ou se tratou de um protesto por indicação.

Outra questão que volta e meia é suscitada: contrato de locação pode ser protestado? Isso tem total relevância para o requerimento de falência porque no requerimento de falência, quase todas as questões suscitadas na primeira fase [da falência, antes da sentença de decretação] são referentes a protesto ou ao título. E se tem uma matéria que está intimamente ligada à matéria falimentar é o Direito Cambiário porque você instrui o requerimento de falência com um título, normalmente um título de crédito, e com uma certidão de protesto. E na certidão de protesto é que você vai discutir isso tudo. Então: um contrato de locação pode instruir requerimento de falência? Ele pode ser protestado? Contrato de locação é título executivo, logo pode ser protestado. E quanto ao valor? O valor da locação é de R$ 500,00. Com quanto você vai poder protestar para não causar prejuízo ao terceiro? E qual será o valor certo para fins de falência, por exemplo, para o depósito elisivo, ou para a demonstração, como a lei nova determina, de que você alcançou o valor correspondente a 40 salários mínimos para requerimento de falência, que hoje são R$ 12 mil, no art. 94, I, NLF? Como vai protestar? Vai levar ao cartório o contrato de locação, dizendo que o locatário está devendo quatro meses? É assim que se faz. Mas isso não está certo. O valor de R$ 500,00 é o valor da locação mensal. Como é que vai demonstrar a mora sem que haja a menor possibilidade de o locador ser responsabilizado? Antes de levar o contrato a protesto, deve o locador constituir o locatário em mora, através de uma notificação extrajudicial ou judicial, se ele quiser. E notificando extrajudicialmente, que é mais fácil, constituindo o sujeito em mora dizendo: “você não está pagando. A partir de hoje, eu te dou o prazo para pagar ou para se comunicar comigo, seja lá o que for, e leva esse documento de notificação junto com o contrato de locação, junto com o contrato de locação, junto com uma planilha indicando os valores do principal, da multa, etc., e o total do valor a ser protestado”. E o mesmo vale para a falência: você já está com a certidão nesse valor

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e aí no requerimento da falência você indicará a quantia. Isso alcança uma relevância maior ainda quando você chega na discussão dos 40 salários-mínimos da falência. 40 salários mínimos no requerimento ou 40 salários mínimos em face do título. Se é uma nota promissória, não tem problema, porque a face do título diz R$ 15 mil. A única coisa que eu vou discutir é a incidência de juros e correção ou o valor de face. O valor de face nesse contrato é de R$ 500. Mas será que são só R$ 500? Ou são vários meses em atraso? Como é que o credor vai demonstrar na falência que são vários meses em atraso? Pode o devedor constituído em mora pela notificação ter sua falência decretada com base nesse contrato de locação. Olha que questão boa! Você faz um contrato de locação em que o aluguel é de R$ 5 mil. O locatário fica em atraso três meses. Pode ser requerida a falência do devedor? Quais os requisitos que devem ser demonstrados em caso positivo? Ele, no caso de uma prestação, não pode ter a falência decretada – é só R$ 5 mil.

Mas com três meses em atraso, o crédito soma R$ 15 mil e aí já pode. O sujeito tem que notificar o locatário, constituindo a mora, protestar o montante equivalente a R$ 15 mil e aí sim buscar a falência com base nesse valor alcançado desde a notificação e estampado na certidão de protesto. Poderá sim ser requerida a falência porque o valor da dívida original ultrapassa os R$ 12 mil, os 40 salários mínimos.

Essas questões vocês não acham em livros, só em decisões judiciais. Isso está na jurisprudência. Eles falam de tudo de Direito Empresarial na doutrina, mas deixam de lado o protesto. Só tabelião de cartório de protesto escreve sobre o tema. É ele que lida com o tema, que estuda a matéria. É claro que com toda a razão se eu fosse Tabelião de Protesto, eu puxaria a sardinha para o meu lado. Quanto mais títulos protestáveis, melhor, porque mais dinheiro eu vou ganhar. Se não, vai restringir muito o número de títulos protestáveis.

Certidão da Dívida Ativa pode ser protestada? Eu não estou falando da possibilidade de se instruir requerimento de falência com a CDA. Isso é uma outra controvérsia que está embutida na possibilidade de a Fazenda requerer a falência dae seu contribuinte. Quando o sujeito pergunta se CDA pode instruir requerimento de falência, o que ele quer saber é se a Fazenda pode requerer a falência do contribuinte. Mas aqui não. Não é essa controvérsia que se busca com o questionamento da protestabilidade da CDA. A CDA é título executivo que instrui a execução fiscal. Haveria algum problema no protesto desse título? Parece que não, também acho que não. Acho que a CDA pode perfeitamente ser levada a protesto. Aliás é uma alternativa muito interessante para pequenos municípios. Existem Municípios cuja Dívida Ativa é representada da seguinte forma: dívidas até R$ 5 mil. E 80% da Dívida Ativa do município está concentrada nessa faixa. Mas como? Aí você tem que abrir a sua cabeça por que o Brasil não é só Rio de Janeiro e São Paulo. O Brasil é muito maior que isso e são mais de 5 mil municípios. Então há IPTUs, em Mangaratiba mesmo eu vi, numa investigação em que me mandaram toda a listagem de IPTU, tem IPTU de R$ 80; de R$ 230, de R$ 480. Esse é o IPTU da maioria dos imóveis lá existentes. Então a dívida ativa de quem não pagou esse IPTU será isso aí: R$ 80,00, R$ 230,00 ... Para cobrar essa dívida, em qualquer lugar do país, é caro. É caro até para o Fisco. Alguns municípios se valem até de escritório de advocacia. Não têm nem Procuradoria própria. Contratam um escritório de advocacia

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para fazer as vezes de Procuradoria. E não tem problema, aliás, é uma alternativa eficiente e até economicamente interessante. Para você ter uma Procuradoria boa, tem que ter no mínimo dois procuradores, um estagiário, uma secretária ... Olha que troço pesado! Com um escritório, você dá uma quantia por mês e eles têm que se virar, senão você rescinde o contrato. Já o procurador é aquele cargo estável, de carreira, vai dar aquela confusão toda. Determinados municípios, especialmente no interior do estado de São Paulo, que têm um volume grande, eles estão se valendo do protesto de CDAs. Essa questão chegou à Corregedoria Geral de São Paulo e a Corregedoria Geral de São Paulo disse que é possível o protesto de CDA. No Rio de Janeiro, capital, a gente não vê isso porque o Município do Rio de Janeiro e alguns outros municípios do Brasil, aqueles mais fortes em suas Procuradorias, que tradicionalmente é de excelência, os procuradores do município do Rio de Janeiro são muito bons, ao contrário de outros municípios, até mesmo em decorrência do apoio que lhes é dato, até mesmo na questão dos subsídios, organização, eles não admitem encaminhamento da CDA ao Cartório de Protesto porque eles dizem que o município já tem mecanismos muito coercitivos para a cobrança. Lembrando que o professor Humberto Theodoro Júnior, ao escrever uma monografia sobre CDA, disse: “trata-se de um poço de privilégios para a Fazenda Pública”. Em razão desses mecanismos coercitivos ao extremo, alguns procuradores de municípios entendem pela impossibilidade de protesto da CDA. Não seria razoável, se ofenderia os princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade. Na verdade, os argumentos daqueles que vêem a impossibilidade de a Fazenda requerer a falência de seu contribuinte. Nós sabemos que a Fazenda pode ser credora de uma sociedade empresária. Se é sociedade empresária, há legitimidade passiva. Se há o título executivo, que é a CDA, esse título pode ser protestado. Aí é só verificar se o valor do título alcança o mínimo exigido pela lei – 40 salários mínimos. E se atendidos todos esses itens, qual seria o óbice para o requerimento da falência do contribuinte? Legalmente, não há óbice nenhum. O STJ certa vez até já caminhou nesse sentido. Mas, recentemente, há julgado do STJ contrário a esse posicionamento. Hoje o STJ não entende mais pela possibilidade de a Fazenda requerer a falência do seu contribuinte.

Mas a Fazenda pode protestar a CDA? Protestar, pode. O protesto é muito mais tênue, muito mais leve, muito mais tranqüilo para a vida do devedor. Falência, não. Falência é muito grave e a falência tem um dado suscitado pelo professor Paulo Penalva Santos em um artigo publicado sobre a matéria que virou referência. A falência extingue, acaba, com a atividade. A Fazenda tem por preceito primordial o fomento econômico.

- virada de fita -

Então para o protesto é perfeitamente aceitável.E por último: duplicata sem aceite nós até já antecipamos um pouco esse item

na última aula. Ela pode ser protestada. Pela lei, o tabelionato de protestos não deve exigir o comprovante de entrega de mercadorias ou de prestação de serviços, isso não está disposto, mas como já havíamos antecipado, há um julgado mostrando uma

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tendência jurisprudencial, que se reflete nas corregedorias espalhadas por todo o País, porque são as Corregedorias Gerais de Justiça que cuidam dos tabelionatos de protesto. Então, como eu já havia dito a vocês, a Corregedoria de São Paulo, vem lá no código de normas dela [da Corregedoria], no capítulo referente ao protesto: o tabelião tem que exigir do apresentante da duplicata sem aceite a apresentação do comprovante de entrega das mercadorias ou da prestação de serviços. Se o sujeito não quiser entregar o comprovante ou estiver sem ele no momento, não tem problema: é só entregar a ele um documento em que ele afirme ser possuidor daquele comprovante. É um requisito para apresentação do título para protesto. A tendência do Rio de Janeiro é aqui demonstrada: “os bancos que protestam duplicata sem aceite, sem verificar se o saque é legítimo, agem com extrema leviandade, isto é, culposamente” [o trecho refere-se a um julgado que o professor não deu o número]. Então está enfrentando a questão da duplicata sem aceite e desacompanhada do comprovante de entrega das mercadorias ou da prestação do serviço. Além desse julgado, que é ilustrativo, nós podemos chegar à mesma conclusão porque no concurso para notários aqui no Estado do Rio de Janeiro, há três anos mais ou menos, uma das questões de múltipla escolha tratava exatamente desse item: títulos que não podem ser recepcionados em tabelionato de protestos. E estavam lá: duplicata sem aceite desacompanhada do comprovante de entrega de mercadorias. E aí essa questão foi objeto de vários recursos mas o gabarito não foi alterado. Aqui no Estado do Rio de Janeiro se entendeu que duplicata sem aceite e desacompanhada do comprovante não se submete a protesto.

Muito bem. Prosseguindo, então, vamos tratar do protesto especial para fins de falência.

Nós sabemos e falamos logo no início que o protesto serve para aferir, comprovar e certificar. E ele se presta para três fatos: falta de pagamento, falta de aceite e recusa injustificada para a devolução do título. Só essas três hipóteses. Todos sabem que após o vencimento, o protesto sempre será por falta de pagamento. Resta aqui a análise do chamado protesto especial para fins de falência. E o que vem a ser isso? O art. 10, DL 7.661/45, dizia:

“Os títulos não sujeitos a protesto obrigatório devem ser protestados, para o fim da presente Lei, nos cartórios de protesto de letras e títulos, onde haverá um livro especial para seu registro”.

O art. 10, hoje revogado, mas que ainda vale para as falências anteriores à NLF. Durante muito tempo nós conviveremos com a lei anterior e com a lei nova, porque as falências iniciadas sob a égide do DL 7.661/45 continuarão regidas por ele. No Rio de Janeiro nós tivemos uma média de 30 pedidos de falência desde a vigência da L 11.101/04, nas 8 Varas Empresariais foram 30 apenas. Isso não é nada perto do que existia. Hoje chega tipo um por semana. Quem é que tem um título de 40 salários mínimos? Não existe, na prática, a união de um credor a outro. Está na lei, mas ninguém vai fazer isso. E por conta disso estão todos festejando como a NLF é boa e eficiente. E a NLF não é nem boa nem eficiente: erraram na medida, erraram na mão. Em São Paulo, capital, que é uma potência que nem se compara ao Rio, desde 9 de

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junho de 2005, só houve 325 pedidos de falência, mostrando que a lei foi feita para grandes companhias. Só que o Brasil não é feito de Varigs e Parmalats. E o problema virá quando alcançarem os 40 salários mínimos na questão do protesto especial. A lei anterior será aplicada quanto ao art. 10. Ele falava em protesto especial para fins de protesto. Havia alguma especialidade no protesto? Havia algo de diferente? Vamos ao art. 10, DL 7.661/45:

“Os títulos não sujeitos a protesto obrigatório devem ser protestados, para o fim da presente Lei, nos cartórios de protesto de letras e títulos, onde haverá um livro especial para seu registro”.

Muitos de vocês devem ter a parte final do art. 10 riscada. Por quê? Vamos ver de que vale uma remição .. Está riscado com uma seta para o art. 23, Lei n.º 9.492/97 porque o art. 23 diz, em essência, que todos os protestos serão feitos em um único livro. Qual é a especialidade do artigo 10 e que lá atrás criava um problema procedimental, criava um vício no procedimento do protesto até 1997? Você está instruindo um pedido de falência com um protesto. Quando você foi lá no Cartório de Protestos você disse que esse protesto era para fins de falência? Não? Então havia um vício procedimental porque a lei dizia que o livro para fins de protestos falimentares tinha que ser separado. Então, ante esse vício procedimental, a falência não era decretada. Desde 1997 a parte final do art. 10 está riscada em razão do art. 23, L 9.492/97, porque esse dispositivo indica a ausência do livro especial, denotando que de um único livro apenas constarão todos os registros de protestos.

No procedimento do cartório, se o protesto for para fins de falência, há alguma peculiaridade? Não. É tudo igual, não muda nada.

Então a célebre pergunta formulada em prova oral é, embora ela possa cair em um provão de uma forma mais rebuscada: o simples protesto cambiário substitui o protesto para fins de falência? A preocupação de vocês, que já vimos aqui, é o prazo de um dia útil para a realização do protesto. Se o sujeito chega no cartório dizendo que quer protestar um título, o cartório vai proceder ao protesto normalmente. Protestado o título, o credor o guarda na gaveta para ver se o devedor paga. O devedor não paga e o credor resolve requerer a falência. Esse credor pode instruir o requerimento dessa falência só com esse protesto? Ou ele tem que ir novamente ao cartório para realizar um protesto para fins de falência? O STJ já chancelou o posicionamento de que o protesto é indispensável para o requerimento da falência com base na impontualidade, e não com base em atos de falência, porque se a falência é requerida com base na impontualidade, o credor precisa demonstrar de forma cabal que o devedor sabia da existência da dívida e que o credor havia protestado contra esse ato. O devedor não pagou e teve ciência do protesto. Tanto que a partir do ato de protesto é que se abre a possibilidade do requerimento de falência. E isso foi alcançado com o protesto cambial. E é por isso que o STJ chancelou que basta o protesto cambial. Se a finalidade já foi alcançada pelo protesto cambial, você não precisa protestar de novo.

Mas aí você vai lá na Lei n.º 9.492/97 e vai ver o art. 23, parágrafo único:

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“Somente poderão ser protestados, para fins falimentares, os títulos ou documentos de dívida de responsabilidade das pessoas sujeitas às conseqüências da legislação falimentar”

Esse parágrafo único do art. 23 é aplicável? Esse parágrafo único diz: “senhor tabelião, quando alguém chegar no seu cartório para protestar um título dizendo que é para fins de falência, primeiro o senhor vai perguntar ao sujeito se ele sabe que não há diferença nenhuma entre protesto cambial e protesto para fins de falência. Então se o devedor sabe, o tabelião deve julgar se aquele devedor está ou não submetido à legislação falimentar.” É possível o tabelião de protesto julgar se a pessoa, natural ou jurídica, é empresária ou sociedade empresária? Se você está no art. 966, caput, NCC? Ou no parágrafo único? E se você estiver no parágrafo único, no início você desenvolve uma atividade intelectual de natureza científica, literária ou artística, e isso constitui elemento da empresa, e ele, tabelião, vai fazer esse julgamento da maior dificuldade? De jeito nenhum! E nem ele quer isso! Ele não quer porque, ao contrário do julgador, a responsabilidade dele é pessoal. O tabelião se entender que você não é empresário, ele responderá por isso. Ao passo que o Juiz não responde por nada. Ele só responde por dolo ou por fraude. O tabelião não quer nem saber disso. Se tiver algum problema a indenização vai sair do bolso dele. Ele tem essa espada o dia inteiro sobre a sua cabeça. Ele não vai olhar nada. Esse parágrafo único do art. 23 é vazio, não tem aplicabilidade. Ele viola o princípio constitucional de que é o Judiciário é quem julga. Só o Poder Judiciário pode julgar, não o tabelionato.

Fora o parágrafo único do art. 23, e se você só ler o parágrafo único do art. 23, você vai ter a seguinte idéia: que o parágrafo único do art. 23 denota que há um protesto especial para fins de falência. Se você ler o restante da Lei inteira, você não vai achar nada. Só no parágrafo único do art. 23 é que se faz alusão a protesto especial para fins de falência. Fora isso não existe nenhuma outra alusão. Portanto permanece a idéia de que protesto para fins de falência existe, mas nós vamos interpretá-lo no sentido de que a especialidade do protesto para fins de falência refere-se à falência. Se você for requerer a falência de alguém, o seu título tem que estar protestado. Por exemplo, se você quiser protestar contrato de honorários advocatícios, você pode? Pode, mesmo que não haja a assinatura de duas testemunhas. O próprio estatuto da OAB diz que esse contrato é título executivo. Isso é uma questão boa: contrato de honorários advocatícios, sem duas testemunhas, pode instruir pedido de falência? O Estatuto da OAB dispensa as duas testemunhas para que o contrato de honorários seja título executivo. Pode protestar e pode instruir o requerimento de falência, desde que, é claro, o contrato diga quantos reais o sujeito deve. Se o valor for ilíquido, não tem como protestar.

Surge a NLF que, sinceramente, eu não vejo modificação nenhuma neste cenário, mas já se começa a ouvir, com base no art. 94, § 3º, NLF, que com o advento do artigo 94, § 3º, NLF, o protesto, para fins de falência é diferente. O art. 94, § 3º, diz:

“Na hipótese do inciso I do caput deste artigo, o pedido de falência será instruído com os títulos executivos na forma do parágrafo único do art. 9o desta Lei, acompanhados, em qualquer caso, dos

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respectivos instrumentos de protesto para fim falimentar nos termos da legislação específica.“

“o respectivo protesto para fins falimentares, nos termos da lei específica”. E a lei específica é a Lei n.º 9.492/97, a Lei de Protesto, art. 23. Pode até fazer essa remição (art. 94, § 3º, NLF, c/c 23, L 9.492/97). E aí a gente cai na mesma: existe protesto especial para fins de falência? Não. Se um dia a Lei n.º 9.492/97 for modificada e for criado para ela um capítulo “protesto para fins de falência”, aí mudou tudo. O que eles querem é que haja uma diferença no conteúdo da certidão: “protesto cambial da nota promissória” e “protesto para fins de falência da nota promissória”. A diferença é só essa. Então eu não poderia instruir o requerimento de falência com certidão de protesto cambial porque não está escrito “protesto para fins de falência”? Mesmo sendo o procedimento igualzinho? Não pode ser assim! Então me parece que a posição do STJ quanto ao protesto permanecerá intacta. Não muda nada. E esta tem sido a posição da maioria das pessoas que cuidam do assunto nos congressos e eventos de que tenho participado.

Pergunta de aluno: Então o art. 94, § 3º, NLF, nada alterou?Nada alterou. A gente vai ter que fazer alusão ao art. 23, Lei n.º 9.492/97, onde

você vai traçar todo o desenvolvimento desde o art. 10, DL 7.661/45: o protesto, com o art. 10, LF/45, era especial por causa do registro em livro especial, que não existe mais. Para fins de falência a exigência é o protesto, mas o rito não é especial, é o mesmo. A Lei de Protestos até fala em protesto especial [para fins falimentares], mas não fala o que é. Então não há especialidade nenhuma. É meramente uma terminologia que não se presta para viciar qualquer pedido de falência. A única peculiaridade, e não é para o protesto para fins de falência, como muitos se confundem, é: hoje o protesto só é admitido para fins falimentares ou não, para fins cambiais também, se o devedor for claramente chamado, se o devedor claramente sabe do protesto. O que estou dizendo é que o procedimento do protesto envolve notificação pessoal. Não é protesto para fins falimentares, mas para qualquer finalidade. A notificação pessoal é a regra para o protesto falimentar ou não. Essa é a regra é para evitar o protesto por edital. O protesto por edital é possível? Sim, está na lei. Mas o protesto por edital é a exceção. Assim como para a citação, em que a citação por edital é a exceção. Evita-se ao máximo a citação por edital porque ela vai gerar um problema mais a frente. Muito comumente vai aparecer mais a frente e dizer que ninguém foi procurá-lo. O sujeito que foi citado por edital normalmente não comparece, mas acompanha o processo de longe. E depois de três anos vem postular a anulação de todo o processo. Ou pior, espera o processo ir lá para o Supremo para que o Supremo anule tudo porque a citação foi por edital e o sujeito não foi procurado. Nós sabemos que aqui é a mesma idéia: tem que chamar o sujeito e dizer: você não pagou, você não devolveu o título como deveria ter devolvido, você não aceitou. São as três espécies de protesto. E aí a jurisprudência é muito clara: para você protestar, para você dizer que o título foi protestado, seja para requerimento de falência ou não, tem que deixar certificado que a pessoa foi procurada. Porque muitas vezes o protesto feito via AR (aviso de recebimento) volta

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com a assinatura do porteiro, ou de quem estava lá na hora... E esse tipo de ciência não confere ciência nenhuma do devedor. Tem que alcançar o diretor ou o administrador da pessoa jurídica? Não, não é necessário isso. O próprio setor de correspondência, a secretaria, a recepção poderá receber o protesto [numa companhia grande até existe setor de correspondência] e estará cientificado o devedor do protesto.

Este item é uma questão que já estava resolvida, já estava decidida e que está voltando à baila. Muita gente está voltando a tratar: protesto para fins falimentares não existe. O protesto para fins falimentares quer dizer o seguinte: para fins falimentares, o título tem que estar protestado.

Aí, aquela coisa: no treinamento dos 58 novos promotores em falência, eu falei o seguinte: 98% dos pedidos de falência são baseados na impontualidade. Então a primeira coisa que tem que fazer é procurar a certidão de protesto. Não precisa nem ler a inicial. Se o requerimento é com base na impontualidade, tem que ter certidão de protesto. E se não houver a certidão de protesto, é só colocar uma promoção padrão: pugna pela juntada da certidão de protesto sob pena de indeferimento da inicial.

Procedimento do protesto: primeiro - apresentação do título. Haverá distribuição quando na comarca houver mais de um cartório de protestos. Quem mantém o distribuidor? Os próprios tabelionatos de protestos mantêm o distribuidor.

Primeiro, apresentação; segundo, distribuição; terceiro, recepção do título.Quando o cartório recepciona o título, ele procede apenas a análise formal do

título (art. 9º).Falamos na última aula: título emitido em 1966. Chegando o título a

vencimento, com base no art. 9º, Lei n.º 9.492/97, você sabe que não cabe a você, tabelião do cartório de protesto, analisar da prescrição, da decadência. Então você vai ver que título é e se presentes os requisitos formais. Nota promissória. Valor a pagar, está escrito “nota promissória” por extenso, data de emissão, a quem será pago, assinatura do emitente, tudo perfeito, dá-se seguimento.

Dado seguimento, o cartório recebeu hoje o título, sem contar o dia de hoje, ele tem três dias para terminar todo o procedimento. Recebido hoje o título, ele será encaminhado à notificação. Esta notificação, como já falamos, deve ser pessoal. E excepcionalmente ela será por edital.

Recebida a notificação, o devedor poderá tomar uma de três decisões: primeira: pagar. Essa é a mais almejada pelo credor. E para o cartório não muda nada porque ele vai receber a sua remuneração de qualquer forma. Segunda: realizar o contra-protesto. Terceira: inércia, que é a mais comum.

Com o pagamento, o protesto não será lavrado, tampouco registrado.Contra-protesto. O que significa o contra-protesto? O contra-protesto não está

contemplado na Lei de Protestos. É uma praxe, sempre foi utilizado e continua a ser admissível. O sujeito se dirige ao cartório se dizendo não devedor, que não vai pagar e declina o motivo: não vou pagar porque o título está prescrito, não vou pagar porque não me entregou a mercadoria, diz o que quiser ao cartório. Mas o protesto será lavrado e registrado. O tabelião não vai julgar as razões do contra-protesto. Então para que serve o contra-protesto? Serve para, quando o cartório lavrar o protesto, constarem da certidão do protesto os motivos por que não houve pagamento. E para

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que serve isso? Para indenização futura porque quando “credor” recebe a certidão com as razões do contra-protesto, se ele sabe que o “devedor” está certo, que o “credor” não entregou a mercadoria...

- virada da fita -

... se ele não fizer, já pode ter criado aquele problema todo lá.Realizado o protesto com a indicação lá do contra-protesto. Para que serve

essa certidão? Para que você quando for lá ingressar em juízo em face do “credor” com a ação de conhecimento, buscando a responsabilidade civil, vai dizer: “você me causou prejuízo intencionalmente, você sabia que estava fazendo errado, e tanto sabia que eu tornei público o fato do meu não pagamento por essas razões. Você sabia que eu não tinha feito o pagamento por essas razões e mesmo assim você insistiu no erro. Então você tem que pagar pelo seu erro.” Ou, em cautelar, falaremos já, ou conhecimento para cancelamento do protesto.

Lavrado o protesto, o protesto é registrado. E registrado o protesto, ele pode ser requerido por qualquer um. E aí muito cuidado, porque o credor de R$ 5 mil que protestou o título, o protesto desse título pode acarretar a falência do credor. Como? Um outro credor de, por exemplo, R$ 8 mil, que isoladamente não pode requerer a falência, protesta o próprio título e vai ao cartório em que aquele título de R$ 5 mil foi protestado, pega a certidão desse protesto, junta com a certidão do protesto do seu crédito de R$ 8 mil e já pode ir ao Judiciário afirmando que aquele sujeite deve mais de 40 salários-mínimos, deve mais de R$ 12 mil. Então o protesto levado a efeito por terceiro, previsto na lei anterior, o art. 4º, §3º, hoje não repetido expressamente, continua possível, implicitamente.

Pergunta de aluno: Você não poderia alegar a necessidade de litisconsórcio, isto é, a necessidade de conjugação da vontade desse dois credores para o requerimento da falência?

Só que o art. 94, § 1º, NLF, diz que podem reunir-se em litisconsórcio. A lei diz “podem”. Então, se eles quiserem se reunir, é lícito. Mas se um quiser requerer a falência e o outro não, aquele pode ir sozinho. Basta que busque o título.

Pergunta de aluno: Mas isso não vai burlar o valor mínimo?Não, porque o valor mínimo não é por credor. E você pode dizer isso com

tranqüilidade porque na tramitação do projeto, muito se discutiu se a análise seria objetiva no valor, isto é, no Brasil, quem deve mais de 40 salários mínimos está mal das pernas e demanda atuação estatal, ou vamos olhar o credor, ou vamos olhar os dois? Existem sistemas, por exemplo, o americano, em que é necessário que se alcance um valor mais três pessoas. Só pode pedir a falência no sistema americano se três credores se unirem. Só se houver três credores. Eles optaram por esse sistema. O sistema espanhol, parece, que há necessidade de um credor com um determinado valor. O nosso se baseou só em valor: quem deve mais de 40 salários mínimos está mal das pernas, pouco importa a quantidade de credores em juízo. Se

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alguém levar ao conhecimento do Estado que aquela pessoa deve mais de R$ 12 mil, a falência pode ser decretada. Essa tem sido a voz corrente.

Pergunta de aluno: Então essa exigência dos 40 salários cai por terra. Se o sujeito possui mais de um título protestado, com as certidões ele pode falir.

É possível que requeira a falência com base em protestos levados a efeito por terceiros.

Pergunta de aluno: a duplicata sem aceite só é título executivo se ela tiver aqueles três requisitos: título, certidão de protesto e comprovante de entrega da mercadoria ou da prestação do serviço... Então o motivo de contra-protesto pode se referir a qualquer um deles?

É, pode ser. Você pode basear o contra-protesto na não comprovação da entrega das mercadorias. Mas não só para o caso de duplicata, não. Naquele nosso exemplo da nota promissória emitida por causa da compra e venda de automóvel. B não entrega o carro e protesta o título. A diz ao cartório [em sede de contra-protesto] que não vai pagar a nota promissória porque o carro não foi entregue. Então, na ação de responsabilidade, A vai dizer que B lhe causou um super-prejuízo; ficou com o dinheiro, não entregou o automóvel e ainda “sujou” o seu nome ao protestar o título. O contra-protesto fica consignado na certidão.

Pois bem, na última hipótese, a da inércia, o protesto é lavrado, registrado no livro de registro de protesto. A atividade do tabelião de protesto é atividade registral ou notarial. A atividade do tabelião é a de registrar no livro. E a certidão nada mais é do que o retrato do que está no livro: “certifico e dou fé que no livro tal, folha tal, consta um protesto assim e assado.” Na inércia a mesma coisa acontecerá.

Título em moeda estrangeira pode ser protestado? Eu não estou falando em valor indexado a moeda estrangeira, porque isso não pode. Mas um título no valor de US$ 100? O art. 10 diz que é possível protestar um título estrangeiro se ele estiver traduzido. Então, pela Lei de Protestos, cabe o protesto de título traduzido juramentado. Mas pela Lei de Registros Públicos, esse título tem que passar antes pelo Registro de Títulos e Documentos – RTD. Agora o título traduzido juramentado que passou pelo Registro de Títulos e Documentos pode ser protestado? Dívida em moeda estrangeira é possível? Sim. Quando? A gente começa a ver o seguinte: moeda estrangeira, só para mostrar para vocês, um sujeito chega no aeroporto com US$ 30 mil e é apreendido. Tem que apreender a mala porque romper divisas é crime. Isso afeta a economia. Por isso é tão grave o ato de romper divisas. Por isso é crime e você apreende o dinheiro. Quando você viaja para o exterior, eles perguntam se você está levando mais de US$ 10 mil. Experimenta colocar que você está trazendo mais de US$ 10 mil para ver o que acontece. Você vai ficar umas seis horas no aeroporto explicando a origem do dinheiro, a autorização do Banco Central do país de origem e a do Banco Central do país de destino, porque a entrada de muito dinheiro afeta a economia interna. Moeda estrangeira e aí vem exportação e importação, tem que ter “braço” estrangeiro. É possível eu firmar com você contrato de locação em dólar? Se o imóvel for no exterior, sim. Sendo nós dois brasileiros, nós dois ganhando em real, se o imóvel for lá fora, posso firmar em português que você me paga US$

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1000 por mês, sem problema algum. Você pode fazer isso porque o imóvel está lá fora. Você pode perfeitamente ir ao Banco do Brasil depositar dólares se você tiver um parente no exterior. São as contas de remessa de dinheiro para o exterior e outras que não têm origem. A melhor forma de lavar dinheiro é mandar dinheiro para fora é CC5: mandar um filho estudar fora, e aí você consegue um endereço lá fora, ele vai estudar qualquer coisa: como se esquia na neve, como aperfeiçoar técnicas de snowboard... Então, o seu filho vai estudar fora e, como ele gasta muito, mensalmente você manda US$ 100 mil. Isso vai e é lá que esse dinheiro se desvia para paraíso fiscal. Depois, esse dinheiro volta via off shore e aqui uma sociedade limitada lava o dinheiro todo e tudo o que você tem está em nome dessa ltda. mas de qualquer forma, há origem no estrangeiro. Então: pode ter um título em moeda estrangeira? Sem problema nenhum, desde que a origem seja estrangeira.

Mas como o tabelião vai saber que US$10 mil valem US$ 10 mil? Ou melhor, quanto vale US$ 10 mil? Ou melhor, você chega no cartório e diz que US$ 1 vale R$ 5,00, portanto você quer que o tabelião proteste R$ 50 mil nesse título. O que o tabelião vai dizer, ou deveria dizer: você tem certeza disso? Você vai se ferrar... US$ 1 não vale R$ 5 em lugar nenhum ... Mas o tabelião não pode recusar o título julgando que US$ 1 não vale R$ 5. O tabelião avisa isso, mas recepciona o título e dá prosseguimento ao protesto. E o sujeito/devedor virá em contra-protesto afirmando o absurdo: que US$ 1 não vale R$ 5. o dólar vale R$ 2,43 mas eu me proponho a pagar R$ 25 mil para não ter problema. O que o tabelião faz? Ele não pode receber. Ele só pode receber aquilo que o apresentante disse que era o valor do crédito. Ele não é foro de consignação em pagamento. E em face dessa situação e de outras situações malucas, o que esse faz? Recorre-se ao Judiciário, neste caso, para consignar os R$ 25 mil. E nos demais casos, por exemplo, de títulos falsos, simulados? Imagina que chega na sua casa uma notificação de protesto de uma nota promissória de R$ 180 mil? E o concursando não pode ter título protestado. Três concursos do MP atrás, um aluno veio me procurar desesperado porque ele tinha três dias para apresentar a documentação e havia mais de 20 títulos protestados contra ele. A maior dívida é de R$ 200, com livreiro. Não tem como ter esses débitos todos... E isso acontece... O que fazer? A cautelar de sustação de protestos. É a famosa cautelar, que nem cautelar é... Você vai ao Judiciário dizendo: “Judiciário, eu estou sofrendo ou estou em vias de sofrer, uma coação indevida. Está sendo protestado um título contra mim que eu nem sei que título é esse.” O Judiciário vai apreciar o fato. E de que forma isso será feito? Via cautelar é que não é! E isso já está alcançando uma certa tranqüilidade hoje, no sentido de que cautelar não é, porque ela não tem função de acautelar nada. Ela não acautela nenhum provimento jurisdicional. Ela seria uma cautelar satisfativa. Mas que no passado não tinha jeito. Várias cautelares eram satisfativas e não tinha jeito. Hoje, quando você tem uma situação dessa você se vale da antecipação dos efeitos da tutela. Portanto, hoje, o correto seria uma ação de conhecimento com pedido de antecipação dos efeitos da tutela. E a história da sustação está errada, também. Eu vou contar uma historinha e vocês vão ver por que está errado: tabelião de protestos de Niterói nos trouxe na Escola de Notários e Registradores o seguinte caso: recebeu uma decisão judicial determinando a sustação dos efeitos do protesto. E ele não sabia o que fazer porque não sabia como

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cumprir a decisão. Ele não sabe quais efeitos esse protesto gerou, porque esses efeitos não estão ao alcance da mão dele. Você sabe se com base naquele protesto alguém requereu a falência do protestado? Se alguém deixou de participar de alguma licitação por causa desse protesto? Então não existe sustação de efeitos de protesto! Ele respondeu ao juiz: “não tenho como suspender os efeitos do protesto porque os efeitos do protesto estão fora do meu domínio”. Aí o juiz respondeu: ‘’cumpra-se sob pena de descumprimento de decisão judicial, prisão etc.”’. Ele me ligou e eu orientei a ele passar um atestado: “cumprindo a decisão do MM Juiz de Direito Fulano de Tal, estou sustando os efeitos do protesto tal”. E no dia seguinte, quando o sujeito tira a decisão, ele lerá: título tal protestado, cujos efeitos estão suspensos por força da decisão tal. Não adiantou nada. Nem o Juiz , nem o tabelião têm como sustar os efeitos do protesto. O sujeito vai ter que ajuizar uma ação específica, com pedido certo. E o pedido certo é a sustação do procedimento do protesto, se você conseguir obter a decisão no célere prazo dos três dias, a liminar obsta o procedimento do protesto. Ou, alternativamente, o cancelamento do registro do protesto. Então esta ação será uma ação de conhecimento, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela, e com pedido principal alternativo de sustação do procedimento do protesto ou cancelamento do registro do protesto.

Pergunta de aluno: Então se ele não tomar essas precauções o tabelião vai protestar o título?

Sim. No valor de R$5,00 o dólar.

Pergunta de aluno: a quem incumbe o cancelamento do protesto?O cancelamento tem que ser promovido pelo credor ou pelo devedor? Essa

questão já caiu na Magistratura. Ao devedor porque quando o credor foi ao cartório de protestos ele agiu no regular exercício de um direito. A restrição ao devedor existiu, mas como exercício regular de um direito. A partir do momento em que o devedor paga a dívida, passa a ser dele o interesse na regularização. É o devedor quem vai ao cartório de posse do título quitado ou de declaração de quitação pelo credor.

Mas se o protesto é indevido, o ônus de cancelá-lo é do credor. E quanto mais demora, maior será o valor do dano moral.

Uma outra questão formulada foi um título prescrito protestado. A simples prescrição dá margem ao cancelamento do protesto? Nós já respondemos essa questão quando falamos da protestabilidade do cheque de 1966. Ele pode ser protestado? Pode. O fato de o título estar prescrito, por si só, não dá margem à impugnação do protesto porque você ainda é devedor.

Pergunta de aluno: Existe alguma disposição de lei sobre a legitimidade do devedor para o cancelamento do protesto?

Não. Isso é uma construção jurisprudencial. E o examinador formulou essa pergunta exatamente porque o leading case na Magistratura foi dele. Tem até posicionamento do STJ sobre isso.

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Efeitos extra-cambiais, nós já vimos. Ele [protesto] pode surtir efeitos quanto ao endosso, tornando-o póstumo ou tardio.Na LF/45, ele impedia a concordata no art. 140. Não achem que isso não tem importância porque se a concordata foi requerida em 11 de maio de 2005, portanto, antes da NLF, o protesto obsta a concordata. Nós sabemos que a lei dispunha que o protesto obstava a concordata, mas a gente sabe que isso não era verdade. O STF disse, através da súmula 190 que “O não pagamento de título vencido há mais de 30 dias, sem protesto, não impede a concordata preventiva.” Você pode ter título protestado, desde que o protesto não ultrapasse 30 dias. O que também não era de todo verdade porque se o sujeito tinha um título protestado há mais de 40 dias, demonstrando condições de se reerguer, acabava sendo deferida a concordata – teoria da preservação da empresa.Outro tema importante é a fixação do termo legal da falência. E aí, no que tange à fixação do termo legal da falência, nós tínhamos a disposição do art. 14, parágrafo único, III, dizendo que um dos marcos para a fixação do termo legal era o do primeiro protesto por falta de pagamento, hoje também na NLF, temos o protesto por falta de pagamento como um dos termos para a fixação do termo legal. Qual protesto por falta de pagamento? Art. 99, II, NLF:

“Art. 99. A sentença que decretar a falência do devedor, dentre outras determinações:[...]II – fixará o termo legal da falência, sem poder retrotraí-lo por mais de 90 (noventa) dias contados do pedido de falência, do pedido de recuperação judicial ou do 1o (primeiro) protesto por falta de pagamento, excluindo-se, para esta finalidade, os protestos que tenham sido cancelados;”

A diferença entre o art. 14, parágrafo único, III, LF/45 e o art. 99, II, NLF, é o prazo, que era de 60 dias, e agora é de 90 dias. O que nos importa aqui é a questão do primeiro protesto. Caso concreto: Casas da Banha. A sentença fixou como termo legal 60 dias a contar do primeiro protesto por falto de pagamento. Trânsito em julgado da sentença. Verificaram que o primeiro protesto foi em 1979. A falência foi em 1994.

O que acarreta o termo legal? O que acontece com o termo legal? Os atos praticados dentro do termo legal são tidos como ineficazes em relação à massa falida. Era assim no art. 52, LF/45 e continua assim no art. 129, NLF. Os atos não produzirão efeitos. O eu faz o síndico? Ingressa ação revocatória contra atos praticados dentro desse longo termo legal... Essa questão ainda não tem solução, mas eu acredito que o STJ vai entender que isso não é razoável. Até mesmo pelo argumento de que a prescrição do ato já foi ultimada. O STJ vai dizer que isso não é razoável.

Mas aqui nós nos deparamos com o mesmo problema: “primeiro protesto por falta de pagamento”. Qual é o primeiro protesto por falta de pagamento a ser interpretado pela lei? Não é o primeiro protesto temporalmente identificado. Não pode ser! O âmago da lei não pode ser esse. É o primeiro protesto denotador do estado de

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insolvência. E esse protesto não é necessariamente o protesto que instruiu o requerimento de falência. Você vai examinar pela relação de protestos fornecidos pelo distribuidor, qual a cronologia dos protestos. A providência nº1 ao receber o requerimento de falência é expedir um ofício para o 7º Distribuidor da Comarca da Capital porque é o 7º Distribuidor que distribui os protestos. Nessa certidão você vai ver protestos isolados, já resolvidos... Normalmente, na praça a falência é decretada num prazo de seis meses a um ano do estado de insolvência. Nem sempre foi aquele primeiro protesto da enxurrada de protestos foi o que deu margem ao requerimento de falência. Mas aquele ali é o protesto que denota a presunção de inocência, sendo assim, o termo legal de falência deve ser fixado com base naquele protesto por falta de pagamento. Então, onde está o “primeiro protesto” você pode colocar aspas porque não é o primeiro absolutamente identificado, mas o primeiro protesto caracterizador da presunção de insolvência.

Por último temos ação cambial. Como o tema é muito extenso, eu deixo para a próxima aula.

23 de agosto de 2007 – aula 05

Hoje nós vamos tratar das ações cambiais. Ações cambiais assim tratadas pela doutrina.

Antes disso, eu gostaria de dar um aviso para vocês: vai abrir agora um concurso para o Ministério Público do Tribunal de Contas do Estado. São dez vagas e cai direito Administrativo, Constitucional, Financeiro e Tributário, Penal, não cai Processo Penal, tem uma banca chamada Direito Privado, que envolve Direito Civil e Empresarial e Processo Civil. Além disso cai Princípios Institucionais do Ministério Público e Ministério Público no Tribunal de Contas do Estado. Então, praticamente as mesmas matérias que todo o mundo já estuda normalmente e a única coisa que está realmente de fora é Direito Financeiro. É a primeira parte do livro do professor Luiz Emygdio. Em Administrativo você tem que olhar a estrutura do TCE: como é o TCE na Constituição, como ele funciona n União, nos Estados e nos Municípios. Direito Civil e Direito empresarial você já sabe; Direito Processual Civil também não muda. Princípios do Ministério Público, se você já estudou, é a mesma coisa. No que concerne ao TCE você tem que saber aquela decisão recente do STF que deu margem à abertura desse concurso: a lei anterior foi julgada inconstitucional e aí a prova será muito em breve, até o final do ano. Eu acho que em novembro, já teremos a prova. O concurso deve acabar em maio. Vai ser um concurso rápido. O concurso será feito por nós, do Ministério Público Estadual. O Presidente do TCE nos chamou para organizar o concurso. Será igualzinho, em três etapas: provão, específica e oral. A única diferença deve ser que o provão não deve ser classificatório. O provão deve ser só eliminatório. Não terá múltipla escolha. É igual ao Ministério Público Militar: quase não trabalha. Tanto que você já ingressa na carreira como procurador do TCE.

O concurso do MP está quase saindo: haverá prova esse ano, ainda. Por volta de setembro, outubro, vamos ver alguma coisa.

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Mas vamos ao que interessa: ação cambial.Ação cambial traduz uma idéia brasileira, uma mania brasileira de dar nome às

ações. Ação não tem nome, mas a gente tem mania de dar nome às ações. As pessoas sempre perguntam: “que ação é essa?” Aí alguém responde: “ação de cobrança” E aí? Resolveu alguma coisa? Não. Porque ação de conhecimento pelo rito monitório cobra, execução cobra, ação de conhecimento elo rito sumário cobra, ação de conhecimento pelo rito ordinário também cobra... Então, dizer que é ação de cobrança não resolve nada. No Direito Tributário, então, essa prática é ainda mais comum: ação declaratória negativa de relação jurídica tributária cumulada com o seu indébito. O nome é desse tamanho e você nem sabe por onde começa a se defender... E aí: que ação é essa? É uma ação de conhecimento.

Os autores tradicionais de Direito Cambiário, embora hoje isso já esteja mudando, normalmente vão abrir um capítulo: “Da Ação Cambial”. E vão escrever 100 páginas sobre ação cambial sem explicar algo que deveria ter sido dito logo no início; e aí tudo fica claro: aço cambial nada mais é que uma ação de execução. Isso vai facilitar sua vida. E aí você já vê que eles estão errados. Quando se diz assim; e todos já ouviram isso: “quais são as defesas cabíveis na ação cambial?”. A pergunta está errada! Está errada porque a ação de execução não admite defesa. Aí você diz: “Ah, Márcio, você está sendo muito técnico! Cabem embargos do executado!” E em embargo do executado o sujeito pode alegar o que quiser. Se os embargos terão lugar por conta de execução com base em título executivo extrajudicial, esses embargos terão como fundamento o art. 745, CPC. E o art. 745, CPC, autoriza que se discuta tudo o que você quiser e mais um pouco: tudo o que você podia discutir na ação de conhecimento. Então a pergunta está toda errada, mas lá no livro você vai ler: Defesas da Ação Cambial: defeito de forma, vício, relação pessoal, má-fé. Quando isso não é verdade: se é uma ação de execução, não é defesa, mas contra-ataque, e você vai se valer dos embargos do executado.

Quando você vai cobrar um título, você vai buscar a satisfação de uma obrigação cambial. Isso é importante de se compreender para que possamos compreender adiante aquilo que se chama de ação direta e ação indireta, e o que é a tal ação de locupletamento, que hoje nos interessa.

Na nossa representação, A emite uma nota promissória em favor de B. B endossa a C. Quando C endossa a D, surge o avalista de C, X. Aqui está uma cadeia cambial, uma cadeia que demonstra a obrigação cambial. Isso porque as relações jurídicas subjacentes, aquelas que são autônomas, elas persistem. Quando eu estiver exercendo o direito cambiário, quando eu estiver buscando a satisfação da obrigação cambial, eu me utilizarei do título executivo. E aí a ação será cambial.

Mas, por exemplo, se A, na hora em que emitiu a nota promissória em favor B, assinou um contrato de mútuo feneratício, por exemplo, e esse contrato de mútuo contou com a assinatura de duas testemunhas, aqui você também poderá ter uma ação de execução. Nada impede, inclusive, que num contrato de locação, o locador e o locatário, ao firmarem o contrato, o locador exija do locatário a emissão de tantas promissórias. Nada impede. E o que pode acontecer? O locador transfere essas notas promissórias e na hora que o locatário for cobrado por D, por exemplo, o

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locatário A afirmará que não deve essa parcela porque já entregou o imóvel. Só que A não poderá alegar isso cambialmente. Extracambialmente, e posteriormente, A poderá exigir indenização de B porque B sabe que aquele valor não é devido e B não deveria ter circulado aquela promissória. A poderá exigir indenização de B porque B sabe que aquele valor não é devido e B não deveria ter circulado aquela promissória. A teve de pagar aquela nota promissória e isso lhe causou um prejuízo danado.

A ação cambial, assim chamada pela doutrina, envolverá apenas a obrigação cambial. E tudo que nós falamos sobre direito cambiário. Tudo o que estiver fora do Direito Cambiário não será alcançado mediante ação cambial, mas via ação própria, seja execução, seja outra forma de cobrança como uma ação de conhecimento pelo rito monitório ou uma ação de conhecimento pelo rito ordinário ou sumário, dependendo da hipótese.

O que chamam de ação cambial direta e ação cambial indireta: É só para a gente saber, como há essa terminologia, vai que alguém resolve perguntar... A gente tem que saber. A ação cambial é direta quando você vai cobrar do devedor principal, do devedor direto, do devedor original. Mas quando o credor resolve cobrar de um devedor indireto, de um co-devedor, a ação cambial será chamada de indireta, exatamente porque ele não estará cobrando do devedor direto. Isso é besteira, mas a terminologia está aí evidenciada sempre lembrando a gente, quando está estudando os itens: tem que pensar sistematicamente. Para a propositura da ação cambial indireta [o sujeito resolve perguntar processo civil, e isso volta e meia acontece: o que você tem que se preocupar é com o examinador, para saber se ele é daquela área ou não, às vezes ele está examinando uma matéria que não é a área dele, então, a forma de responder pode ser outra; às vezes o cara é de processo civil, mas está na banca de direito empresarial]. Qual a condição específica pra a propositura da ação cambial indireta? Condição especial da ação: o que você vai ter que juntar à sua Inicial para propor a ação cambial indireta? A ação cambial indireta é proposta para a cobrança do direito cambiário [exercício do direito cambial, da obrigação cambial] em face de um dos co-obrigados. Para cobrar dos co-obrigados tem que juntar o instrumento de protesto realizado dentro do prazo de realização do protesto, que nós sabemos que, em regra, é de um dia útil: letra de câmbio e nota promissória: um dia útil; duplicata: 30 dias; cheque: 30 ou 60 dias, de acordo com a praça de apresentação. Portanto você não só terá que juntar a certidão de protesto, como também verificar se o prazo para a realização do protesto foi observado. Se a certidão de protesto estiver lá mas se o protesto for intempestivo, processualmente não há legitimidade passiva para aquele sujeito [co-obrigado] estar naquela execução porque se o prazo para o protesto foi extrapolado ele não mais pode ser executado, cambialmente ele está desvinculado. O problema surge quando D esquece de cobrar o título não só dentro do prazo para o protesto, mas não cobra de ninguém; o que é até bem comum, seja por puro esquecimento mesmo, seja por negociação: está esperando o sujeito cumprir com a sua promessa de que vai pagar, até que um dia que D se aborrece e resolve cobrar. A gente já sabe que “cobrar” não significa nada, é um termo muito amplo. D, então, se depara com um título executivo porque ele leu no art. 585, II, CPC, diz que é título executivo [e é sempre a lei quem diz o que é título executivo extrajudicial, seja no CPC, seja na legislação extravagante]: cheque, letra

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de câmbio, nota promissória, duplicata. E D tem um cheque nas mãos e, de acordo com o artigo 585, CPC, o cheque é um título executivo. Só que a força executiva do cheque persiste até o momento em que a obrigação cambial pode ser exercida, isto é, estou falando de prescrição: prescrição da obrigação cambial. Estamos usando o cheque no nosso exemplo porque o cheque é o título que tem o prazo prescricional mais curto. seis meses. Seis meses a contar da data em que o título deveria ter sido apresentado, se não tiver havido apresentação. Se apresentou o cheque, é a partir dali que começa a contar o prazo. Se não apresentou, o prazo de seis meses começa a contar de 30 dias da data de emissão, se da mesma praça, ou começa a contar 60 dias da data de emissão, se de outra praça. Esse é o posicionamento atual do STJ: se o sujeito apresentou o cheque, é a partir dessa apresentação que se começa a contar o prazo prescricional. Na verdade, não será contado a partir da data de apresentação, porque senão vai dar uma diferença, mas a partir da data em que foi devolvido o cheque, que é o momento da efetiva lesão: o momento em que o cheque não foi pago. Acontece que no 10º mês, a pessoa que tem o cheque nas mãos ainda é credora, ao passo que o emitente do cheque ainda é devedor. Como o credor faz para cobrar esse cheque? Como deve o credor proceder para exercer o seu direito de crédito baseado em um título de crédito prescrito, seja qual for esse título de crédito? Vamos, então, caminhar, até para a gente entender a evolução cambiária e os termos utilizados: a magistratura já perguntou o que vem a ser a actio in rem verso? As pessoas chamam também de ação de locupletamento e ação de enriquecimento sem causa e ação de enriquecimento ilícito. A evolução toda, até chegarmos ao enunciado do STJ é a seguinte: o cheque foi o precursor da questão. Nós tínhamos o cheque antes da prescrição. Como qualquer título, antes da prescrição cambial, você manejava a chamada ação cambial, que nada mais era que uma ação de execução. O título prescrito, ou melhor, a obrigação cambial prescrita, a única alternativa era a propositura da chamada ação causal. Ação causal nada mais é que uma ação de conhecimento pelo rito ordinário, em que o sujeito afirmava ter vendido uma mercadoria e aceitado o cheque como forma de pagamento. A obrigação cambial contida no cheque está prescrita, mas eu continuo sendo credor porque está aqui o comprovante de entrega das mercadorias. Então, contava-se a história explicando o por quê de ele ser credor, sendo, por isso, conhecida como ação causal pela doutrina cambial. Nos livros clássicos de Direito Cambial você lê páginas e páginas sobre ação causal até perceber que é uma ação de conhecimento pelo rito ordinário. O cheque foi o precursor a trilhar um caminho mais célere. O cheque foi o primeiro título, e aí nós estamos falando de antes de 1994, cheque, pela Lei n.º 7.357/85, 1985, é importante esta data. O cheque cria um meio-termo: o cheque cria o mecanismo de que a obrigação cambial contida no cheque prescrita em até dois anos, se isso acontecer, o credor não precisa intentar a ação causal. Diz o art. 61:

“A ação de enriquecimento contra o emitente ou outros co-obrigados, que se locupletaram injustamente com o não pagamento do cheque, prescreve em dois anos, contados do dia em que se consumar a prescrição prevista no art. 59 e seu parágrafo desta Lei.”

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Se a obrigação estiver prescrita em até dois anos, o credor não se valerá da ação causal, mas da ação de enriquecimento sem causa, da ação de locupletamento.

Qual a diferença entre a ação de locupletamento e a ação causal? É muito simples. Na Inicial, na ação de locupletamento o credor juntará apenas o título prescrito. Então ele trará somente o cheque prescrito. Não vai explicar a origem, nem nada. Mas sob a ótica do processo civil, ambas as ações de locupletamento e a causal seguirão o rito ordinário, como ação de conhecimento. Isso lá em 1985. Na ação de locupletamento você verifica o germe do rito monitório. Quando você começa a pensar que, tudo bem, o título não tem mais força executiva, mas é um escrito, é um documento que mostra que o sujeito deve claramente. Não tem força executiva por motivos alheios, mas mostra que ele deve. Será que essa situação não merece um rito mais célere que o rito comum ordinário? Só que o tempo passa. Isso sempre valeu para o cheque. Eles chamavam de actio in rem verso. Pra você entender o termo, e entender o termo é muito mais difícil de entender que o resto: o locupletamento é o seguinte: eu vou lá e compro um terno. E vou pagar em 5 vezes. O caixa me dá duas opções: ou assinar cinco cheques ou preencher uns documentos para fazer um crediário. O inconveniente do crediário é ter de ir na loja todo mês pagá-lo. Mas se fizer o crediário a loja oferece um desconto de 5%. E oferece o desconto porque, todo mundo sabe, quem faz crediário fica vinculado o resto da vida àquela loja. Toda a vez que você vai na loja pagar a parcela, o vendedor te empurra mais alguma coisa e refaz o crediário. Eu opto por fazer o crediário enquanto ela, que fez uma compra equivalente, opta pela emissão dos cinco cheques. Só que ninguém me cobra o crediário nem cobra dela os cheques, que ficaram esquecidos atrás do balcão. Se ao cabo de nov ou dez meses ela pudesse alegar que não era mais devedora ante a prescrição da obrigação causal, ela estaria se locupletando. Enquanto eu, que não emiti cheque algum, continuaria devedor enquanto não prescrevesse a obrigação subjacente. Então “locupletamento” serve para isso: para que ela não alegue não ser mais devedora por causa da prescrição da obrigação cambial. Ela é devedora porque pactuou aquela obrigação. Isso, em 1985. Em 1994, com as quatro leis que começaram a tratar da grande reforma do CPC, surge o rito monitório. No início, era chamado de ação monitório; depois, com o grito de toda a doutrina, reconheceu-se tratar-se de processo de conhecimento com rito monitório, lá no art. 1102-A, CPC. Então, quem tivesse um escrito particular de dívida não precisaria ingressar com ação de conhecimento pelo rito comum ordinário. Cria-se para ele um mecanismo um pouco mais célere, o rito monitório.

Aí surgiu um problema com o cheque. Foi o TJ/RJ que suscitou a questão para que o STJ tenha recentemente sumulado a matéria. A questão surgiu com um ex-professor de Direito Processual, que esteve na banca durante muitos anos: o professor Wilson Marques. Ele, de forma muito inteligente, embora às vezes dissociado da maioria, mas sempre com fundamentos louváveis, sustentava [ele agora é desembargador aposentado]: um cheque, ou qualquer título de crédito prescrito, pode instruir ação de conhecimento pelo rito monitório? O que ele suscitava é que o título de crédito prescrito é exeqüível. Vimos isso quando falamos da nota promissória de 1969. Ela pode ser protestada? Pode. E se ela instruir uma execução, o juiz vai despachar o “cite-se”? Vai. E se o executado não argüir prescrição em sede

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de embargos? A execução vai prosseguir, bens serão constritos, haverá hasta pública e o crédito será satisfeito. Então o que ele dizia era: O título de crédito prescrito é exeqüível porque a prescrição não pode ser conhecida ex officio. E para a ação de conhecimento pelo rito monitório, a lei exige que o escrito particular de dívida seja desprovido de força executiva: art. 1102-A, CPC. É pela historinha que eu acabei de contar o título não é desprovido de força executiva. Durante muito tempo o professor Wilson Marques era firme nesse entendimento. Acontece que isso é facilmente superável quando você tacitamente, e depois disso as pessoas passaram a fazer isso expressamente, quando o credor se vale do rito monitório, o credor está tacitamente reconhecendo a prescrição. E se o credor reconhece a prescrição, não há força executiva. Então as pessoas, no primeiro item da Inicial, especialmente no estado do Rio de Janeiro, reconheciam que a emissão do título se deu na data tal e que pelo disposto no art. tal, o prazo prescricional é tanto e hoje o título se encontra prescrito. Agora, segue com os termos da Inicial afastando qualquer problema com relação à exeqüibilidade [e, conseqüentemente, com o interesse de agir na ação pelo rito monitório]. Assim esse item é afastado. Um outro item que é afastado, até mesmo na acepção da palavra, ignorância, ignorar a matéria. Ignorar a matéria, mesmo, porque é um tema de difícil compreensão. Se você for pegar essa matéria nos livros, até você entender isso aqui não é fácil, porque ninguém faz essa correlação da ação cambial, dos problemas cambiários, com o processo civil. Até mesmo o professor Rubens Requião, que tinha o melhor livro de falência e há até hoje algumas opiniões que tem como base os ensinamentos dele, sempre que ele resolvia falar sobre direito processual, o que ele falava estava errado. Antigamente, o sujeito que estudava penal não sabia nada de processo penal. Quem era civilista não conhecia processo civil e o processualista tinha pavor do civilista. E isso aconteceu até pouco tempo atrás. O administrativista não gostava do constitucionalista. E hoje o que mais se vê é gente que dá aula sobre esses dois temas: quem dá aula de constitucional também dá aula de administrativo e vice-versa. Porque tão consoantes as matérias. E quem estudava comercial não estudava mais nada. É um grupo completamente dissociado. Se você for a um evento de Direito de Família no Hotel Glória, você verá sempre rostos conhecidos a mesma coisa se o congresso for de Direito Penal ou de Direito Processual. Mas se o evento for de Direito Empresarial... se tiver 2 ou 3 rostos familiares é muito. [é um grupo muito dissociado. Ontem, numa turma fechada de Direito Societário na FGV, eu não vi um rosto conhecido. E olha que eu já rodei bastante. É um grupo de pessoas que só agora está começando a estudar outras matérias, e, por conta disso, surgiam esses tipos de problema. O TJ/RJ, na acepção da palavra, por ignorar a doutrina dizia, após 1994: cheque, prescrito há menos de dois anos, ao pode instruir ação pelo rito monitório: tem que instruir ação de locupletamento. Como assim? Não é a mesma coisa? É. Mas eles diziam que cheque prescrito há menos de dois anos tem que instruir ação locupletamento e indeferia a inicial caso se tivesse optado por ação de conhecimento pelo rito monitório. Só que a pergunta era onde está a ação de locupletamento do CPC??? Não tem: então a ação de locupletamento correrá pelo rito ordinário, sumário ou monitório? Mas essa questão não era enfrentada. Se o sujeito colocasse “ação de locupletamento”, o Juiz receberia a Inicial, e daria seguimento à ação. Foi necessário, recentemente, que

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alguns julgados tratassem da matéria para que alcançássemos um enunciado de súmula pelo STJ em que se esclarece que título de crédito prescrito deve ser cobrado por processo de conhecimento pelo rito monitório: [súmula 299: “...”]. Isso acaba com a discussão.

Pergunta de aluno: o artigo 61 fica por quê?O art. 61 por quê? Ele não foi revogado. Mas ele está hoje, como muitos outros

estão, vazio. Ele não foi revogado, mas foi esvaziado. Hoje ele não serve mais para nada. E nós temos no nosso ordenamento alguns exemplos desse. Ninguém vai se valer dele para nada. Poderiam até desenvolver uma tese avançada, sofisticada, no sentido de que teria havido revogação tácita dele, mas isso ainda não foi afirmado por ninguém. Nada obste que você afirme que o art. 61 foi tacitamente revogado pela instituição do rito monitório, ainda mais com o entendimento do STJ evidenciado na súmula 299.

Pergunta de aluno: sendo o caso de alguém inovar com uma ação de locupletamento, qual seria o rito?

Quando alguém ajuizava uma ação de locupletamento, ela seguia pelo rito comum ordinário, porque lá não era tratado nenhum rito especial, como o monitório. Outras pessoas intentavam ação pelo rito monitório, e aí se instalava a confusão, que decorria da falta de entrelaçamento entre o direito empresarial e o direito processual. Hoje, isso tudo está resolvido. Existe ação de locupletamento? Existe, só que ela é essa aqui, pelo rito monitório, e não a ação pelo rito ordinário.

Então, sempre o título de crédito estiver prescrito, terá lugar ação de locupletamento, ação de enriquecimento sem causa, ação de enriquecimento ilícito ou actio in rem verso. Mas cabe ação locupletamento em face de co-obrigado? Não, porque é como nós dissemos sobre o endosso. O endossante ao mesmo tempo deve tudo e não deve nada. O endossante é solidário cambialmente, mas não é solidário civilmente. Ser solidário civilmente significa que o sujeito deve alguma coisa. Quando você é solidário cambialmente, você é conhecido como co-devedor ou como devedor indireto. Mas se o credor cobrar tudo do devedor indireto, ele pode cobrar tudo do devedor principal. Ele não deve nada. Mas ao mesmo tempo deve tudo porque ele está amarrado ao título pelos atributos da celeridade, segurança e negociabilidade. Então quando a obrigação cambial está prescrita, não há porque mantermos os co-obrigados porque eles não se locupletaram de nada. Não haverá enriquecimento sem causa deles [dos co-obrigados]. Nem o avalista do devedor principal poderá ser alcançado. Só o devedor principal, o devedor originário pode ser alcançado. Esta, inclusive, foi uma questão do MP: a actio rem in verso pode ser ajuizada contra o avalista ou o endossante de título cambial? O que eles queriam saber é se a ação de locupletamento poderia ser ajuizada em face de um co-obrigado.

Pergunta de aluno: inaudívelNão pode. Na obrigação cambial não pode. Você está pensando: o avalista

como devedor originário lá no protesto. Para você cobrar do avalista do devedor

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principal você não precisa protestar. É nisso que você está pensando. E ele está dispensado do protesto obrigatório. Agora a ação de enriquecimento não pode ser em face do avalista porque ele não se locupleta, ele não vai se enriquecer. Na verdade, o avalista nasce para sofrer. Assim como o fiador.

Pergunta de aluno: e se esse aval tiver sido oneroso?E se o avalista foi remunerado para prestar esse aval?Mas aí essa questão não é cambial. Eu até entendo o que você diz porque no

mercado essa terminologia é empregada: aval oneroso - quando o sujeito recebe uma contra-prestação, mas cambialmente isso pouco importa. Se o sujeito ganhou para ser avalista, essa situação pouco importa. Esse avalista não vai poder ser chamado pelo avalisado para colaborar com o pagamento da obrigação. Ele foi remunerado para o caso de ser acionado. Se o credor perdeu o prazo e não acionou o avalista, problema dele. O avalista não tem que ratear nada nem devolver a remuneração.

Pergunta de aluno: e nos casos em que o avalista é sócio da sociedade avalisada?A mesma coisa. Nada muda. O fato de ele ser sócio em nada altera a sua

condição em relação à obrigação cambial. A prescrição não incidiu porque aquele avalista não atuou, mas porque alguém permitiu que isso acontecesse, alguém não cobrou. São os efeitos deletérios do tempo, como dizia Agnela Amorim: prescrição é isso – efeito deletério do tempo. Os efeitos do tempo não decorreram da vontade dele [sócio-avalista], mas da inércia daqueles que não promoveram a tempestiva cobrança do crédito.

Ingressemos agora nos títulos em espécie.

Letra de Câmbio e Nota Promissória

A Letra de Câmbio, como nós bem sabemos, está disposta na Lei Uniforme de Genebra, a LUG. Ela tem uma estrutura que hoje caiu no vazio. Ela hoje não é comum, as pessoas não utilizam a letra de câmbio. Mas, eventualmente, quando é perguntado em prova, o que você não pode errar é a estrutura: você tem que saber quem é o sacador, o sacado e o tomador. Por exemplo, numa prova que à época era para AGU, hoje a carreira está unificada na carreira de Procurador Federal, tinha uma questão enorme que ao final se perguntava: quem é o credor? A questão era para aferir se o candidato sabia quem era tomador, sacado, sacador, avalistas, endossante...

Para você entender a origem da letra de câmbio, e aí você nunca mais esquece, ela serviu para, no período das navegações, em que se circulava por toda a Europa, tinha-se muito problema com pirataria. Então o sujeito saía com o navio cheio de mercadorias e tinha que levar também dinheiro, moeda, forma de pagamento, o metal precioso. E aí o sujeito ficava vulnerável à pirataria, que se voltava basicamente para os metais preciosos, e não para as mercadorias em si, porque dava muito trabalho para carregar. Então o que eles fizeram? Como normalmente o percurso era o mesmo, eram os mesmos comerciantes, até porque comerciantes eram aqueles

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que faziam parte de determinados grupos fechados, era o início da burguesia, só era comerciante quem era admitidos naqueles guetos fechados, só depois surgiram as corporações de ofício, eles resolveram criar um papel para substituir o dinheiro. Então eles passavam por um local para entregar a mercadoria, e ao invés dele me pagar em dinheiro, ele me entregava um papel.

- virada de fita -

... aí eu chegava em um local, entregava o papel para ele e com isso eu pago a mercadoria que eu compro para trazer de volta. E só para isso. Então a idéia qual é? Ela me deve R$ 1 mil eu devo a ele R$ 1 mil. Ao invés de eu pegar R$ 1 mil, colocar no bolso, tirar do bolso e pagar a ele, eu faço o seguinte: escrevo em um papel: “pague diretamente a ele”. Observe que eu e ela somos devedores, ao passo que ele é credor. Então, quando ele vier cobrar de mim, eu direi: “cobre dela”. Eu sou o sacador, ela o sacado [contra quem o título é emitido] e ele, o tomador [o credor, o tomador do crédito]. E aqui está a estrutura: o sacado só vai pagar se aceita [sacado envolve aceite], e o aceite não é obrigatório, nós sabemos disso. Mas a vantagem para o tomador é que ele já tem um título em mãos. Se o sacado não aceitar, o tomador cobra diretamente do sacador, ele tem um título para tanto. Com o desenvolvimento, e a própria LUG, em seu art. 3º, trata disso, o sacador e o tomador podem ser a mesma pessoa. Antes da duplicata, este era o título utilizado para quê? Eu entregava a mercadoria para uma pessoa e enviava um título para materializar essa venda. Eu então credor, sacador e tomador ao mesmo tempo, eu vendo as mercadorias, sou o vendedor, eu entrego as mercadorias para o sacado, o devedor. E encaminho a ele uma letra de câmbio com essa estrutura, em que o sacador e o tomador são a mesma pessoa. Isso cai por terra, isso praticamente desaparece com o advento da duplicata. A duplicata se presta a tanto e ela traz a enorme vantagem referente ao aceite, isto é, os efeitos do aceite se materializam mesmo sem a assinatura do aceitante no título. É a chamada figura do aceite obrigatório, desde que preenchidos aqueles três requisitos (título, protesto e comprovante de entrega das mercadorias ou da prestação do serviço).

E com isso, então, a figura da letra de câmbio fica completamente esvaziada. Letra de câmbio não é utilizada. Hoje nós até temos letra de câmbio, mas não essa letra de câmbio aqui da LUG. Nós temos a estrutura dela sendo utilizada de forma emprestada por alguns outros títulos, como, por exemplo, LCI – Letra de Crédito Imobiliária. A LCI tratada pela Lei n.º 10.931/04. De resto, a letra de câmbio, de resto, será utilizada para se perguntar o que você quiser sobre parte geral. O que você quiser inventar de perguntar: aval sucessivo, endosso póstumo, princípio da autonomia, princípio da literalidade, princípio da cartularidade. Aí você elege um título e nessa pode ser eleita a letra de câmbio. Às vezes as pessoas vêem na questão a letra de câmbio e entram em desespero. Há uma questão da magistratura em que o item eleito era emissão do título por procuração. Falava-se que determinado magistrado era sócio-administrador de uma sociedade, de uma companhia, não pode, tudo bem, mas na qualidade de administrador ele emitiu um título. E nesse exemplo ele poderia ter eleito qualquer título, uma nota promissória, uma letra de câmbio, um

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cheque, ou qualquer outro título. Isso era perfeitamente viável. Então é só eleger o título e aplicar o instituto.

O que nos interessa de verdade é a nota promissória. A nota promissória, sim, interessa e sobre ela há muita coisa a ser dita.

“Ah, mas já falamos sobre letra de câmbio?” Já. O professor Luiz Emygdio e outros escrevem 100 páginas sobre letra de câmbio, só repetindo o que já escreveu. Eu já falei para vocês que eu gosto muito do livro do professor Luiz Emygdio. Ele fala bastante sobre os institutos. Mas na Letra de Câmbio, ele abre um tópico: “endosso na letra de câmbio”, e repete tudo que já tinha dito antes sobre endosso na parte geral. Repete tudo. O mesmo em “o aval na letra de câmbio”. Repete os princípios... Pode cobrar juros? Pode, desde que pactuados no título. Pode ser emitido por procuração? Pode. É um título abstrato, não causal. É um título cuja estrutura é de ordem de pagamento.

Pergunta de aluno: é uma dúvida sobre nomenclatura. O sacado na letra de câmbio é de aceite facultativo?

Sim.

Pergunta de aluno: e a partir do momento em que ele aceita, ele passa a ser chamado de aceitante ou tanto faz?

Em toda a estrutura de título, o sacado é apontado como devedor. Mesmo após ele ter aceitado o título, a obrigação. Você pode continuar chamando-o de sacado porque ele é a pessoa contra quem o título foi sacado, contra quem o título foi emitido. Agora, ele pode ser sacado aceitante ou não. Você pode se valer dessa terminologia depois, para poder cobrar dele. Para cobrar dele como? Não pode ser cambialmente se ele não aceitou, mas ainda que ele não tenha aceitado, ele pode ser cobrado. Porque se você emitiu um título contra ele, é porque ele é seu devedor. É claro que o aceite não é obrigatório. E se o sacado não aceita, ele não pode ser demandado cambialmente, mas ele pode ser demandado pelo sacador, que é seu credor, com fundamento extra-cambial com base nos documentos que tiver.

Nota Promissória. Ela também está prevista na LUG, só que na própria terminologia indica, ela é uma promessa de pagamento. A nota promissória é uma promessa incondicional de pagamento. Não admite aceite. Apesar de a LUG, no art. 78, explicitar que o vencimento pode se parte final, a partir do art. 75. É um dos títulos mais utilizados e, como a dar a certo termo de vista. E algumas coisas, assim que são ditas, tem que dar um “plim”. Quando se fala em “a ordem”, tem que dar um “plim” para lembrar do endosso. “Vista” tem que dar um “plim” para aceite. “Certo termo de vista” significa que o título tem que ser apresentado para aceite. Então, como é que nós vamos interpretar o art. 78, LUG, que fala “a certo termo de vista”? E “vista” é aceite. Então nota promissória tem aceite? O professor Fran Martins, interpretando esse artigo chegou a dizer que a nota promissória já nasce aceitada, porque quando o subscritor emite a nota promissória, ele já diz que deve àquele credor. Então é como se ela já nascesse “aceitada”, entre aspas. O emitente é o devedor, também chamado de subscritor. O devedor pode ser chamado de devedor originário, devedor principal, obrigado originário ou obrigado principal; pode ser chamado de avalisado,

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se houver avalista; pode ser chamado pelo próprio nome. Cuidado com essas nomenclaturas: ele pode ser chamado por uns seis ou oito nomes, e no meio da questão você não pode confundir sobre quem está se falando. Direito Cambiário é que nem sucessão: para saber quem é quem, quem é comoriente, quem é pré-morto e tal, tem que montar a cadeia. Se montar errado, vai errar a questão. Tem que sinalizar quem já morreu e a data. Em Direito Cambiário, a mesma coisa, tem que montar a cadeia, indicar os avalistas etc. e tal. Quanto à nota promissória, emitida por A em favor de B, quando B endossa essa promissória para C, B passa a ficar conhecido como credor originário, co-obrigado ou co-devedor, endossante, se houver aval, ele também poderá ser chamado de avalisado ... [e aí você precisará saber qual local ele ingressou], ou também pode ser conhecido por um nome qualquer e na hora da prova, o examinador coloca um monte de nome e daqui a pouco você não sabe mais quem é quem. Em cima de cada nome da questão, coloque uma letra. Isso facilita bastante, especialmente se os nomes forem esquisitos: Primus, Secundum, Tertius, Quartum... Aí você enrola o troço todo só pensando na pronúncia... Coloca uma letra na frente, porque aí você não confunde. Nome parecido, tipo João e José, são danados para confundir.Quando A emite uma nota promissória em favor de B, A está prometendo pagar o valor desse título a B na data do vencimento: promessa incondicional, não há aceite. Então como interpretar a “vista” do art. 78, se o vencimento é a certo termo de vista? Como apresentação para pagamento. Vamos interpretar na acepção da palavra: vista o que significa? Vista é ver. Quando eu dou vista, em regra, a vista é para aceitar. Para ver se o sujeito vai ou não aceitar. Na nota promissória, como não há aceite, a vista é apresentação para pagamento, assim afirmam Fran Martins, Luiz Emydgio, João Eunápio Borges. Então o título não tem vencimento certo, pré determinado. Então o título não tem vencimento certo, pré-determinado. Então o vencimento é em 180 dias a contar da apresentação do título ao devedor para fins de pagamento. E quando o credor apresenta o título ao devedor, ele vai exigir que o devedor indique a data em que o título foi apresentado fixando, assim, o termo inicial para a fixação da data de vencimento da obrigação.

Tudo que falamos sobre princípios, atributos, aval, endosso também valem para cá.

O que a nota promissória tem de peculiar? Primeiro: pro soluto e pro solvendo. Ressalve-se, desde já, que pro soluto

e pro solvendo não são características típicas de nota promissória. Nós tratamos disso aqui em nota promissória porque a nota promissória é o título em que isso ocorre com mais freqüência. Pro soluto quer dizer o quê? Soluto – só-luto, está de luto, morreu. Morreu o quê? Morreu a relação jurídica subjacente. A relação jurídica subjacente estará solucionada com a emissão da cambial. E pro solvendo? Solvendo – sol-vendo. Só vendo o quê? A emissão da cambial não solucionará a relação jurídica subjacente. Por isso que se fala “só vendo”, porque com a emissão do título o problema nãop está solucionado, não está quitado o aluguel. Só vendo. Só vendo se o título será adimplido, se o cheque será compensado por ter fundos.

Em regra, os títulos de crédito são emitidos pro solvendo, embora isso não esteja explicitado na LUG. Em todo título está embutida a cláusula pro solvendo. Para

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que o título seja pro soluto, é necessário que contenha a expressão ‘título pro soluto” ou alguma cláusula equivalente a essa, “solucionada está a relação jurídica subjacente”. Um sujeito adqure um apartamento e vai pagar em 100 prestações. Emite 100 notas promissórias em caráter pro soluto. Inadimplida a décima nota promissória, pode o credor buscar o imóvel? Não, porque a emissão foi em caráter pro soluto, e se o carater é pro-soluto, o contrato está resolvido, a COMPRA E VENDA está resolvida e o imóvel já é do emitente das notas promissórias. Inclusive já pode haver transferência do imóvel no RGI. Imaginem que situação interessante a do sujeito que compra um imóvel e emite 100 notas promissórias. Ele paga 10 e não paga mais. Elas foram em caráter pro soluto. O credor vai buscar a satisfação do crédito pretendendo a devolução do imóvel. O emitente das notas promissórias vai se recusar a devolver o imóvel porque já houve quitação e o imóvel já é dele definitivamente. Resta ao credor pleitear a satisfação do crédito executando as notas promissórias. E quando vai tentar satisfazer a pretensão, ele verifica que o devedor só tem aquele único imóvel. É bem de família? Parece que sim, mas se neste caso for suscitada a questão de dívida propter rem, é bem razoável que se executa a proteção. O imóvel até é bem de família, mas a dívida foi contraída em razão da coisa. Eu nunca vi posicionamento neste sentido, nunca vi julgado nesses termos, mas que é uma situação bem interessante, isso é.

Para vermos se entendemos isso, que é um conceito razoavelmente simples, a Procuradoria do Estado certa vez perguntou, a questão era conjunta do professor Sylvio Capanema e do professor Paulo Penalva Santos: ação de despejo. Em audiência foi homologado um acordo em que o devedor emitia um cheque em favor do credor. O cheque é devolvido por insolvência de fundos. Pode ser decretado o despejo? O acordo transitou em julgado ou não? A questão não esclarece. Mas observe: a questão foi formulada pela banca de Direito Empresarial e não de Direito Processual Civil. Cuidado! Quando a gente está estudando, a gente acaba sabendo muito. Aí, na prova oral, se o examinador pergunta o seu nome e você pondera: pré-nome, agnome, patronímico, formas de alteração do nome: adoção e casamento... E o examinador só queria saber o seu nome para conferir na listagem. Concursando acaba ficando maluco. Ele anda pela rua identificando ato administração, corrupção ativa e passiva sendo praticada por PM que recebe um dinheiro do motorista... E os examinadores confidenciaram que a maioria dos candidatos abordaram o prisma processual: se havia trânsito em julgado, se cabia rescisão do acordo, se era necessária nova ação de despejo. Só que a banca era de Direito Civil e Direito Empresarial... o que queriam que fosse enfrentado era se aquele cheque, cujo número constou da assentada, se ele era pro soluto ou se ele era pro solvendo, se ele satisfez, se ele solucionou o débito locatício ou não. Como nada foi dito na questão, o cheque era pro solvendo, logo não foi solucionado o débito referente à questão locatícia. Se o cheque foi devolvido por insuficiência de fundos, não se resolveu a questão locatícia, logo o despejo pode ser decretado. A forma processual é outra questão: se o acordo transitou em julgado ou não, é outra ação? Como é que vai acontecer isso? O acordo constava prazo para cumprimento? O descumprimento do acordo implicaria em execução do acordo ou em decretação do despejo? Processualmente, isso é outra questão. No nosso caso, o que tinha de ser abordado

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é que o cheque, como qualquer outro título de crédito, presume-se pro solvendo. A dívida não foi saldada. E se eles tivessem colocado um detalhe a mais?? Foi emitido um cheque em que constava que o débito locatício estava quitado? No cheque ou expressamente pro soluto. E existem casos em que pessoas bem assessoradas e, claro, de forma desleal, fazem o seguinte: o sujeito deve R$ 20 mil em aluguéis de R$ 500 por mês. Ele faz com o locador um acordo pro soluto. O locador, que não procurou um advogado porque não queria pagar honorários, aceitou o acordo. É claro que o cheque voltou por insuficiência de fundos. E agora ele quer falar com o advogado. As pessoas só procuram advogado quando a mesa já está podre, não quando o leite derramou. Ele procura o advogado achando que advogado é mágico. E o locatário, espertamente, começou a pagar os aluguéis em dia. Os R$ 500 ele pode pagar, mas os R$ 20 mil, não. Só resta ao locador executar o cheque. E isso nada mais tem a ver com a relação locatícia, até porque não há nenhum débito de locação – o título emitido conferiu quitação. E se o locatário não tiver nada de patrimônio? O locador vai ficar no prejuízo. Para retomar o imóvel vai ter que se valer das cláusulas de retomada da locação. E há gente que assessorada de forma desleal age dessa forma. Ocorre que há certos negócios em que a cláusula pro soluto é parte da essência, como por exemplo, eu vendo uma área enorme em Nova Iguaçu para alguém que quer instalar um parque industrial. O sujeito não quer manter aquela área. Ele vai revende-la depois. Mas, enquanto isso, tem que murá-la e vigiá-la. O preço pedido pelo proprietário é de R$ 1 milhão. Só que o adquirente não tem o dinheiro à vista e emite 10 notas promissórias de R$ 100 mil cada. Só que ele precisa, desde já, ser o dono efetivo daquela área para poder desmembrá-la e vender cada parte aos interessados em se estabelecer naquele futuro pólo industrial. Só há uma forma de se fazer isso: conferir as notas promissórias caráter pro soluto. Lavra-se o RGI, mencionando o caráter pro soluto das notas promissórias e o vendedor resolve o problema com notas promissórias pro soluto. Só para vocês vislumbrarem, porque Direito Empresarial tem que ser estudado com casos concretos para ninguém se embananar quando o problema surgir na prática.

Pergunta de aluno: A cláusula pro soluto tem que constar do título?Claro! Princípio da literalidade.

Nota promissória emitida em branco é possível? Vamos ao enunciado 387 da súmula do STF: “A cambial emitida ou aceita com omissões, ou em branco, pode ser completada pelo credor de boa-fé antes da cobrança ou do protesto.”

Cuidado! Muita gente tem dito que nota promissória em branco não é válida, não pode. Cuidado! A regra pela da súmula 387, STF: é lícita e válida a emissão de nota promissória em branco. Para que surge essa súmula 387, STF? E isso é importante que saibamos: quando não havia computador, quando você comprava um bem e pagava em 100 parcelas, você era obrigado a preencher um bloquinho inteiro daqueles que vende em papelaria. É muita nota promissória! Lá para 42ª de 200, você esquecia a data de emissão; na outra você esquecia o valor, numa outra você preenchia o extenso e esquecia do numeral, esquecia a data de vencimento. Mas havia uma cronologia. Então, se na nota promissória de nº 72 a data do vencimento

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estava em branco e todas as demais venciam no dia 05 de cada mês, o credor podia preencher aquela lacuna. E o que chegou ao Judiciário foi isso: o credor preenchia a nota com a própria letra, ou à máquina; seguindo a cronologia. E aí está o enunciado nº 387, STF: boa fé. O STF exige que haja a boa-fé. O que deu margem a toda discussão, e que rendeu ensejo à elaboração da súmula, foi a questão do cheque especial e outros contratos bancários, em que você ia ao banco, celebrava um contrato ou pactuava uma obrigação qualquer e, ao pactuar essa obrigação você assinava uma nota promissória em branco em favor do banco. Lá na frente, o banco via o quanto o sujeito estava devendo, e claro que de acordo com os cálculos que ele bem entendesse, e lançava da promissória e executava. Essa promissória em branco foi rechaçada pela jurisprudência porque faltava a boa-fé. A nota promissória em branco será rechaçada quando faltar a boa-fé. E esse é o caso dessas notas promissórias em favor de banco, atreladas a contratos, quando o credor financeiro lança o valor a seu bel prazer, de acordo com os cálculos que ele mesmo elaborou unilateralmente. Houve uma evolução. Se o banco não podia mais exigir nota promissória em branco atrelada de uma forma ou de outra a contratos seus, ele passa a incluir no bojo de seu contrato uma cláusula chamada de cláusula mandato. Cláusula mandato quer dizer que o devedor concede poderes ao banco para emitir um título como seu procurador. É possível a emissão de título de crédito por procuração? Sim, é possível. Então qual seria o problema? Neste caso há problema porque o devedor está outorgando poderes ao credor para que o credor emita um título em próprio favor contra ele, devedor e outorgante de poderes. Tem alguma coisa errada e a conduta caiu por terra porque o enunciado nº 60, da súmula predominante do STJ resolveu o problema:

“É nula a obrigação cambial assumida por procurador do mutuário vinculado ao mutuante, no exclusivo interesse deste.”

A súmula 60, STJ, dispõe que essa prática não pode ser admitida. Depois vem toda a evolução seguinte, de que trataremos quando cuidarmos do cheque e do contrato de cheque especial e hoje o título chamado de cédula de crédito bancário. Por enquanto, apenas a questão aí da nota promissória em branco e da cláusula mandato.

Falemos agora da nota promissória vinculada a contrato.Nós sabemos que a nota promissória é uma promessa incondicional de

pagamento. Ela não admite qualquer condição. A., quando emite um nota promissória em favor de B, para a compra e venda de um imóvel, se B for cobrar de A e o imóvel não tiver sido entregue, A tem que pagar? Não, A não tem que pagar. Mas não é o caso de a nota promissória estar condicionada à entrega do imóvel. A não vai pagar não porque não houve a entrega do imóvel, mas porque aqui há uma relação pessoal. E nós sabemos que há relação pessoal tanto na emissão quanto no permeio, e quando há relação pessoal, há oponibilidade das exceções pessoais. Da mesma forma que nós sabemos que se o título circula, e que tal circulação é de má-fé, o emitente poderá se furtar de pagamento alegando a exceção pessoal – no caso, a

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não entrega do imóvel – e a má-fé. Mas ele não poderá argumentar tão-somente que não vai pagar porque o imóvel não foi entregue.

Pergunta de aluno: o ônus de provar a má-fé aí é do devedor?Sim, o ônus é do devedor.

Foi aqui que a matéria chegou ao STF, quando ele ainda. Conhecia de tudo. Casas populares foram vendidas mediante emissão de notas promissórias. As promissórias foram cedidas, os imóveis que foram vendidos na planta estavam em um matagal e não foram entregues. É o que hoje acontece com terrenos na região dos lagos: compre seu terreno por R$ 210,00 por mês, tudo loteamento irregular, papéis que não valem nada, faz o sujeito emitir promissórias, transfere essas notas promissórias e daqui a algum tempo todo mundo some, não se acha mais ninguém e surge D cobrando as notas promissórias, de boa-fé [que se presume]. Não adianta nada A argumentar que o terreno não foi entregue, que há inquérito policial contra B. ou que até mesmo já há processo penal correndo ou que B já foi até condenado. Isso não tem nada a ver. A terá de pagar a D por conta da autonomia, não é isso? A diferença é que no título constava um quadradinho em que se lia: vinculado à escritura de compra e venda lavrada no 23º Ofício de Notas, livro tal, folha tal. Isso estava escrito na nota promissória. D recebe a promissória com isso escrito e cobra de A. A tem que pagar? Pelo que nós sabemos, A tem que pagar por causa do princípio da autonomia. D não tem nada a ver com a história da casa popular. O Supremo se deparou, à época, com um problema difícil de ser solucionado porque eram casas populares. Materializem a hipótese: “Judiciário, o senhor vai mandar eu pagar o valor dessa nota promissória, certo? Mas o senhor vai obriga-lo a me entregar a casa?”. Então o Judiciário vai obrigar o sujeito a pagar uma quantia que ele não tem, vai obriga-lo a vender o pouco patrimônio que possui e nunca mais será ressarcido porque B não entregou a casa como pactuado e faliu, e quando A se habilitar no Quadro Geral de Credores, vai fazê-lo como credor quirografário. Olha a dificuldade! O Supremo, à época, e é até interessante que quando vocês verificarem pelo sistema PUSH de informativos, eles tem escaneadas as decisões antigas do STF, e art. 93, IX, CR, existe por causa de extrema necessidade. As decisões do Supremo, no passado, você vê, eram datilografadas à máquina e elas diziam: “é assim porque é assim e acabou”. Os ministros eram todos escolhidos pelo regime militar. Só que nesse caso eles usaram desse artifício, dessa maldade, para o bem. Eles disseram: A não tem que pagar porque não tem que pagar, é casa popular, eu não vou fazer uma injustiça dessas, então ninguém vai pagar. As coisas evoluíram. Hoje existe a obrigatoriedade da fundamentação das decisões judiciais. Nós sabemos que a obrigação é autônoma, surge o STJ e o STJ se depara com o mesmo problema: D vem cobrando de A. D não tem nada a ver com a história. A não recebeu o imóvel A tem que pagar? Existe autonomia nesse título? Se não houver autonomia você estará dizendo que não se trata de título de crédito. Como já dizia Cesare Vivante, no art. 887, NCC, tem que ter literalidade, cartularidade e autonomia para ser título de crédito. O STJ disse, e vocês sabem que a decisão é tomada antes da fundamentação: quando você termina de ler o processo, você sabe quem ganhou e

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quem perdeu. Falta só fundamentar. Quem já fez estágio na EMERJ ou de qualquer outro lugar sabe: a decisão é essa, se vira para fundamentar. E o STJ decidiu que A não tinha que pagar. E ele foi pesquisar como ia fundamentar isso. Ele tem que dar ênfase ao princípio da literalidade: estava escrito no título a vinculação a uma escritura de compra e venda. Essa escritura é pública, logo tanto C quanto D tinham condições de saber se o imóvel tinha sido entregue ou não. Estava escrito no título, havia condições de saber da entrega ou não do imóvel, se não soube ou se soube e mesmo assim promoveu a cobrança, de qualquer forma aqui de má-fé. E se agiu de má-fé, cabe, mesmo que inexista relação pessoal, oponibilidade de exceções pessoais. Como a exceção pessoal é oponível a D, D não conseguirá cobrar de A

- virada de fita -

...o preço direitinho. Muito bem. Posso te pagar em dinheiro e em nota promissória? Pode, sem problema nenhum, depois eu cobro de você se você não pagar a promissória. Então ele vai fazer aquele movimento que nós já conhecemos: tira a nota promissória da pasta – princípio da cartularidade, aí eu vou pegar e ler a promissória – literalidade na hora em que eu vir a vinculação eu vou recusar a nota promissória, porque eu é que vou ter que me informar se a relação jurídica subjacente vinculada foi cumprida ou não... Não adianta o endossante simplesmente afirmar o cumprimento da obrigação. Eu não vou querer entrar na briga do perfeito adimplemento da obrigação. Eu não quero saber das confusões advindas. Se a nota promissória tem alguma vinculação, eu não quero recebê-la. Essa nota promissória não circula porque ela tem a sua autonomia mitigada. O problema que eu vejo, e ao meu sentir é grave, é que o enunciado nº 258, STJ: “A nota promissória vinculada a contrato de abertura de crédito não goza de autonomia em razão da iliquidez do título que a originou”. Ele tem uma redação um tanto difícil de ser compreendida porque ele vai dizer que a nota vinculada a contrato não goza de autonomia. Só que isso não é verdade. Senão não se poderia falar em nota promissória, porque nota promissória é título de crédito e título de crédito tem que ter autonomia. O que o enunciado quer dizer é que a autonomia está mitigada. E está mitigada por uma razão técnica: a literalidade e má-fé. O que há é a oponibilidade da exceção pessoal. O que há é isso. E o segundo problema aqui desse enunciado é: nota promissória vinculada a contrato de abertura de crédito. Que contrato é esse? É o cheque especial. Aqui no nosso problema, nós falamos de uma vinculação pública, onde podemos dizer que C e D estão eivados de má-fé, eles são tratados como pessoas que obraram em má-fé porque o elemento aqui era público. Aqui [no contrato de abertura de crédito] eu estou falando não só em um contrato privado, mas como também de um contrato sigiloso. É um contrato bancário que está alcançado pelo sigilo bancário. E é por isso que na primeira aula se diz que nota promissória vinculada a contrato se perde a autonomia. É por conta desse posicionamento do STJ que a gente tem esse idéia: nota vinculada a contrato? Já era. Aquela vinculação a contrato é válida. Vinculação a contrato terá cabimento em razão desse posicionamento do STJ. E cada vez mais, nota vinculada a contrato não circula porque se você vinculou a nota ao contrato, você fez com que ela quase se tornasse uma cessão civil de crédito. Tudo pode ser alegado e discutido.

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Foi essa a idéia suscitada na questão que caiu no MP: contrato de conta corrente, assinado por duas testemunhas é título hábil a instruir requerimento de falência? Era aquela época em que havia a discussão intensa porque ainda não havia o enunciado 233 do STJ. É o enunciado 233, STJ, que disse que não podia porque esse título não tem força executiva porque faltava liquidez ao cheque especial. E aí posteriormente a pergunta faz alusão à nota promissória a ele vinculada? Você então tinha que enfrentar a questão da vinculação da nota promissória ao contrato. Se o contrato não tem liquidez e a vinculação está disposta no título, a vinculação tem validade e pelos princípios da literalidade e da má-fé, podem ser opostas exceções pessoais e isso hoje já está materializado no enunciado nº 258, que traduz exatamente essa idéia.

Uma outra questão, do 25º concurso do MP: nota promissória pode ser emitida com base em contrato de compra e venda mercantil? Na lei das Duplicatas, Lei n.º 5.474/68, art. 2º diz:

“No ato da emissão da fatura, dela poderá ser extraída uma duplicata para circulação com efeito comercial, não sendo admitida qualquer outra espécie de título de crédito para documentar o saque do vendedor pela importância faturada ao comprador.”

A maioria dos candidatos disse que não, com base no art. 2º, da Lei n.º 5.474/68. Mas a questão é muito simples: quem emite a duplicata é o credor, o vendedor para materializar o saque pelo credor, só a duplicata. Só que a nota promissória é emitida pelo devedor, pelo comprador. Alguém chega para comprar mercadorias e pede para pagar em 30 dias. O credor concorda e afirma que emitirá uma duplicata e a enviará para o endereço do devedor. Mas o devedor não pode, ao invés, pagar em dinheiro, emitir um cheque ou uma nota promissória? Pode. É o devedor quem está emitindo. Muitos candidatos disseram que o caso era de emissão de duplicata. Mas o caso é só de duplicata? O comprador pode emitir duplicata? Claro que não! A resposta que deveria ter sido dada é que nota promissória poderia ser emitida porque ela é emitida pelo devedor, pelo comprador. Tratando-se de questão de Direito Empresarial, é importante que se visualize a questão. Por isso é que eu dou ênfase à compreensão dos institutos. A questão que está posta aqui tem quantas correntes? Nenhuma! Não tem nada divergente: basta você materializar o que está sendo perguntado.

25 de agosto de 2007 – aula 06

Na última aula nós falamos sobre ação cambial e algumas dúvidas interessantes surgiram, como, por exemplo, a cadeia está aqui montada: A emite uma nota promissória em favor de B, sendo X como avalista.

B, credor, propõe ação cambial em face de X. E ação cambial, como nós já sabemos, nada mais é que uma execução. Pode X, avalista de A denunciar da lide? Para começar, nós temos um problema processual. A ação cambial nada mais é que

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uma execução. Eu reforcei isso bastante na última aula: ação cambial é ação de execução. E não cabe denunciação da lide em execução. Teríamos também uma questão referente a benefício de ordem, como ela suscitou. Mas benefício de ordem se aprecia antes da execução. Assim, benefício de ordem não chega a ser um embaraço aqui na execução. Abstraindo a questão processual haveria interesse? Não! Quando se denuncia da lide, pretende-se que sejam formados dois títulos executivos na mesma oportunidade. É mais ou menos assim: eu mando ele pagar, e, ao mesmo tempo, reconheço que ele pode cobrar dela, que acabou de chegar. Há dois comandos aqui. Eu preciso de uma sentença dizendo que o avalista pode cobrar do avalisado? Não! Isso é natural, decorre do próprio aval.

Uma outra questão: A emite uma nota promissória em favor de B. A é avalisado por X. B endossa o título para C, surgindo o seu avalista Y. C pode cobrar de quem? De B, Y, A e X. Pode C executar todo o mundo? Pode C promover ação cambial em face de todos? Nós temos aqui A como devedor principal e todos os demais como co-devedores, como co-obrigados. Pode C cobrar de todos eles/ os co-obrigados são devedores solidários, sendo essa solidariedade cambial. No direito Civil, os devedores solidários A, B, C. São devedores solidários em relação a D. Esse credor pode cobrar tudo de A, tudo de B, ou tudo de C. pode, igualmente, demandar todos eles de uma única vez. Aqui no Direito Cambiário, D poderia cobrar de todos eles? Em tese, sim, já que todos são devedores solidários. Nada impede. E na execução ele verá qual o devedor que terá condições de pagar, qual o devedor que satisfará a obrigação em primeiro lugar. Se Y cumprir a obrigação, ele poderá regressar em face de B, de X, ou direto em face de A, que é o devedor principal. Sempre lembrando que quando você atinge um devedor que está mais à esquerda da cadeia cambial, você libera todos os outros que estão à direita dele. Não é comum, e na prática você quase não vê isso acontecer, mas em tese, o credor pode demandar de todos os devedores solidários conjuntamente. No próprio direito Civil, em uma relação de locação, por exemplo, o locador pode promover a cobrança dos alugueres em atraso do locatário e do seu fiador. Tanto que há até gente que promove ação de despejo diretamente em face dos dois: do locatário e do fiador dele. E propondo em face dos dois, você logra a satisfação do seu crédito em face do que primeiro for alcançado. Não há nenhum óbice.

Na última aula, nós também tratamos dos primeiros títulos de crédito em espécie, que foram a letra de câmbio e a nota promissória. Tratamos dos itens referentes a esses títulos, sendo que na parte geral nós já havíamos tratado de muitos desses institutos. Hoje, passaremos para a duplicata.

A duplicata está prevista na Lei n.º 5.474/68, que modifica todo o cenário brasileiro e mundial porque a duplicata é um título genuinamente brasileiro e que sempre despertou a crítica positiva da doutrina estrangeira, notadamente a doutrina italiana. O professor Túlio Ascarelli, que permaneceu uma boa parte de sua vida no Brasil. Ele veio fugido da guerra e se estabeleceu em São Paulo, e na USP ele se dedicou aos títulos de crédito. Ele era um entusiasta da duplicata porque a duplicata é um título muito eficaz. A letra de câmbio se prestava, como vimos, quando o sacador era ao mesmo tempo tomador e ele sacava o título contra o devedor sacado. A duplicata veio acabar com essa história de o sacador ser a mesma pessoa do

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tomador e A, em face de B, sendo A o credor e B, o devedor. Então não há essa correlação em outro sistema.

A duplicata é um título eminentemente causal. Quando se fala em título causal, fala-se em duplicata. Uma pergunta muito freqüente é: qual a diferença entre um título causal e um título não causal [abstrato]? E a tendência a se responder é: um tem causa debendi e outro não. E isso não é verdade. Todo título de crédito tem causa debendi. É como nós falamos lá atrás: ninguém emite título de crédito porque acordou feliz. Sempre tem uma razão de ser. E essa razão de ser é a causa debendi. Os títulos causais são aqueles que podem ser emitidos por determinadas causas [as causas que podem dar margem à emissão de títulos causais são legais], ao passo que os títulos abstratos, ou não causais, podem ser emitidos por qualquer causa. Título causar quer dizer causa debendi especificada em lei para a sua emissão. Os títulos não causais não tem causa debendi especificada em leis para a sua emissão; a lei não diz que eles se emitem por essa ou aquela razão. É o caso da nota promissória, do cheque e da letra de câmbio. Já a duplicata tem essa característica: ela só pode ser emitida em razão de duas hipóteses: compra e venda chamada de mercantil pelo sistema anterior [hoje, com a unificação do Direito Obrigacional, nós não temos mais essa diferenciação; poderíamos até tentar forçar uma diferenciação empresarial, mas tecnicamente hoje não mais subsiste essa dicotomia. Hoje ainda há dissociação entre Direito Empresarial e Direito Civil, eles não se misturam e isso fica bem evidente quando um civilista resolve escrever sobre Direito Empresarial, é uma catástrofe. Basta ler o CC da professora Maria Helena Diniz na parte de Direito Empresarial. Só que na seara obrigacional, a unificação verdadeiramente ocorreu. Não existe mais a obrigação empresarial como antigamente existia a obrigação mercantil, com características próprias]. Hoje não mais existe compra e venda mercantil e seria errado afirmar a existência de uma compra e venda empresarial porque ela não existe. Hoje a duplicata pode ser emitida para lastrear compra e venda ou para a segunda hipótese, que sempre foi possível, a prestação de serviços.

A primeira parte da Lei n.º 5.474/68, a Lei de Duplicatas, se dedica às duplicatas emitidas com base no que ela chamava de compra e venda mercantil. Na segunda parte, a partir do art. 20, ela trata da duplicata de serviços. Mas tudo o que vale para a duplicata mercantil, vale para a duplicata de serviço porque o art. 20, § 3º, indica que tudo o que foi disposto sobre a duplicata mercantil vale para a duplicata de serviço.

Vamos abordar essa causa debendi especificada em lei, esse título causal. Até para falarmos sobre o princípio da abstração, que lá atrás foi questionado e que eu disse que iria ser tratado com maior profundidade aqui, quando falaremos da duplicata, porque é na duplicata que ele se aflora efetivamente. A saca uma duplicata contra B. A vende mercadorias para B. A entrega as mercadorias para B e, na qualidade de sacador, na qualidade de credor, e essa é uma peculiaridade desse título. O título é emitido pelo credor, ao passo que normalmente o título é emitido pelo devedor, A saca o título contra B, na qualidade de sacado, na qualidade de devedor. A o fez com base na compra e venda de mercadorias. A partir do momento em que transfere o título para C, a partir do momento em que identificamos o endosso, verificaremos a incidência do princípio da abstração.

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Para alguns, como o professor Fábio Ulhôa Coelho, o princípio da abstração é um sub-princípio da autonomia. É com o primeiro endosso, é verdade, é do primeiro endosso que decorre a autonomia, só quando o título é posto em circulação que surge a autonomia. E a abstração quer dizer o quê? O título abstrai-se de causa debendi. O título circula perdendo a abstração da causa debendi. E a pergunta seria a seguinte: a duplicata pode servir para o pagamento de quota condominial? Quota condominial não é causa debendi para a emissão de duplicata! Mas se eu estiver falando da operação A-C, C-D, D-E, posso sim. Imaginem que A vende mercadorias, vende material de construção. Só que ele está devendo condomínio da sua loja, está devendo ao shopping. Então A chega para C, que é o shopping, reconhecendo o débito e dizendo: “Olha, eu não tenho dinheiro. Mas eu tenho uma duplicata nesse valor que vence dia tal. Você aceita essa duplicata como forma de pagamento?”. Se C concorda, A endossa a duplicata a C e a causa debendi da transmissão dessa duplicata é uma dívida de quota condominial. É uma questão simples, mas que só é identificada se você tiver com todos os patamares bem sedimentados, você tem que ter compreendido bem os princípios, os atributos, visto o que é emissão, o que é endosso. As questões de Direito Empresarial normalmente envolvem raciocínio, até mesmo porque os examinadores de Direito Empresarial têm uma cabeça mais moderna. E você identifica isso nas questões de prova. Os promotores de Vara Empresarial têm assinatura do Jornal do Commércio, lêem o Valor Econômico, então têm acesso a questões muito modernas, não ficam com aquela coisa arraigada, presa. Com visão ampla, você formula uma questão de falência envolvendo uma duplicata que lastreou uma obrigação condominial e cujo não pagamento deu margem a protesto e agora esse título vem instruindo um requerimento de falência. Eu tenho certeza que a maioria vai identificar o problema como sendo na causalidade: como a duplicata é título causal, ela não pode ser emitida para lastrear obrigação condominial, logo o pedido de falência deverá ser julgado improcedente. Eu tenho certeza que a maioria dos candidatos sairiam por aí. Não é uma questão boba, não! Se você consegue visualizar isso aqui, você conseguiu entender tudo o que falamos até então.

Já a questão que caiu no MP há uns quatro concursos: duplicatas vencidas, protestadas e não pagas, representativas de prestação de contrato de leasing são títulos idôneos a ensejar requerimento de falência? Não. Porque o leasing está aqui na emissão: “representativas de prestação de contrato de leasing”. Não poderia porque leasing não se encaixa nem na hipótese de prestação de serviço, nem na hipótese de compra e venda. Então o vício está aqui na origem.

NOTA – A prestação do contrato de leasing tem natureza de locação. É importante ter em mente que o contrato de leasing é um contrato híbrido: locação e compra e venda. Caso a duplicata se referisse ao VRG, que tem natureza de compra e venda, essa duplicata poderia instruir pedido de falência. Há também aquela controvérsia se a diluição do valor do VRG pelas prestações mensais de leasing o desnaturaria em contrato de compra e venda a prazo. Atualmente, o STJ se posiciona em sentido negativo, prestigiando a autonomia da vontade, com a súmula 293. Mas a corrente contrária, identificando a diluição do valor do VRG como causa de desnaturação do

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leasing em contrato de compra e venda a prazo, reconheceria nessa duplicata idoneidade para o pedido de falência.

Mas vamos dificultar um pouco essa questão: se A endossar a duplicata a C e na duplicata não constar expressamente a causa debendi, e não é obrigatória a menção à causa debendi. A lei só exige que a duplicata mencione o número da fatura, que normalmente coincide com o número da nota fiscal serve como fatura e normalmente a nota fiscal não acompanha, isso não é obrigatório. Se não estiver nada escrito, A endossa a C, e quando C tiver o título em mãos, cartularidade, ele lê, literalidade, e não vê nada de errado: os requisitos essenciais estão lá. Então C recebe o título como endossatário. E ele é quem requer a falência de B. A falência será decretada por conta do princípio da autonomia, e com a circulação, incide o sub-princípio da abstração. Como o título circulou, abstraiu-se da causa debendi. Você tem que dar ênfase aos atributos da celeridade e da segurança. Senão, todas as pessoas que recebessem duplicatas a título de endosso, as pessoas deveriam procurar A para perguntar qual a causa de emissão do título e analisar toda a origem do título. E isso faria cair por terra toda a questão da celeridade e da negociabilidade..

Agora, você sempre pode complicar a questão. Imaginem que A transferiu o título via endosso. Só que na duplicata constava a expressão “operação de leasing”. Ou de qualquer forma constava uma expressão no sentido de vinculação da emissão da duplicata a um contrato de leasing. Aí nós teremos de usar aquele argumento que vimos na aula passada, em nota promissória. Vimos em nota promissória a vinculação do título à relação jurídica subjacente porque é na nota promissória que a vinculação ocorre com mais freqüência. Em uma primeira análise, como vimos, isso não teria relevância alguma, por causa do princípio da autonomia. Mas nós sabemos, também, que o STJ afirma que essa vinculação tem perfeita validade e coerência. Se a vinculação tem perfeita validade e coerência, C estaria atuando de má-fé. E ao atuar de má-fé, se permitiria a oposição das exceções pessoais e o título não poderia instruir requerimento de falência.

Pergunta de aluno: Então sempre que um terceiro for cobrar o título e não houver no título nada escrito.

Incidirá o princípio da autonomia e, no caso da duplicata, incidirá também o princípio da abstração. Não tem como analisar a origem do título, sob pena de fazer cair por terra os atributos da segurança e negociabilidade.

Pergunta de aluno: Seria necessária a juntada da nota fiscal?Da nota fiscal, não. Nós não podemos confundir a nota fiscal com aquela

filipetinha da nota fiscal, que é o comprovante de entrega da mercadoria ou da prestação do serviço. Nunca será exigida a juntada da nota fiscal, nunca em nenhuma hipótese. O que se pode exigir, em algumas hipóteses é a filipetinha da nota fiscal, que é o comprovante.

Pergunta de aluno: inaudívelA filipetinha? Depende. Se tem aceite, não precisa, se não tiver aceite, precisa.

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Pergunta de aluno: inaudívelO que se desvincula da causa debendi é a obrigação cambial. Nós estamos

falando da abstração da causa debendi, sempre na relação cambial. Quando a gente fala em pro soluto ou pro solvendo, nós estamos fazendo uma correlação diferente, estamos falando da obrigação cambial e da obrigação subjacente. Aqui, no âmbito da abstração, nós estamos dentro do mesmo aspecto cambial. Quando falamos do pro soluto e do pro solvendo, estamos falando da obrigação subjacente. Quando você fala que o título se abstrai da causa debendi, nós não estamos falando que a causa debendi está resolvida, solucionada. Não é isso!

Pergunta de aluno: Então quer dizer que dali pra frente [ou seja, com o endosso] não há mais que se falar da causalidade da duplicata?

Exatamente: a causalidade é para a emissão do título. A causalidade sempre tem por lastro a emissão. Com o endosso, incide a abstração para fazer o título circular independente da causa debendi. É por isso que me parece mais coerente tratar da abstração como um sub-princípio da autonomia. Porque a autonomia está prevista por todos os títulos, a abstração na nota promissória. Está bem, você pode até falar em abstração na nota promissória, mas ela não serve de nada. A nota promissória vai se abstrair da causa debendi. Mas e daí? Qual a relevância da causa debendi para a emissão desse título, dessa nota promissória? Nenhuma. Você pode emitir nota promissória para qualquer coisa. O que vale aí é a autonomia. A abstração opera mesmo na duplicata, que é um título causal.

Essa questão que caiu sobre o leasing, ela recebeu duas respostas:o leasing lastreou a emissão dessa duplicata. E houve quem respondesse que a duplicata era perfeita, não tinha problema algum. E ambas as respostas alcançaram o grau máximo. Como?

Comentário de aluno: dizendo que o contrato de leasing é misto: é locação e compra e venda...

É. Mas aí nesse caso você poderia até defender a possibilidade de o leasing dar margem à duplicata porque ele é misto. Mas o STJ já havia dito que isso não era possível. Leasing pode até ser misto. Mas leasing tem locação embutida e se leasing tem locação embutida, não pode. É o mesmo da quota condominial. Quota condominial representa compra e venda ou serviço? Ela representa isso e muito mais. Por isso o STJ não admite emissão de duplicata para quota condominial. Como as duas respostas disseram sobre a validade da duplicata com base na prestação de leasing e ainda assim ganharam todos os pontos? Porque lá estava no auge da discussão sobre o VRG diluído. O VRG diluído recebia o posicionamento do enunciado nº 263 da súmula do STJ, recebia o tratamento de que VRG diluído deveria ser interpretado como contrato de compra e venda parcelado. E se fosse compra e venda parcelada, poderia dar margem a emissão de duplicata e essa duplicata pode instruir requerimento de falência. Mas nós sabemos muito bem que hoje o enunciado 263, do STJ está cancelado. Ele foi substituído pelo enunciado nº 293, que, modificando a orientação, diz que o leasing pode ter o seu VRG diluído sem

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problema nenhum, sem descaracterizado do leasing em compra e venda parcelada. Só que mesmo hoje você ainda pode dizer que a duplicata pode, mesmo hoje após o enunciado 293, ser emitida em operação de leasing. Como?? Se nós acabamos de ver que isso não é possível? Ainda hoje o VRG pode ser diluído.

-virada de fita -

.... prestação. Quantos carnês vêm para você? Dois carnês: um carnê que é o valor do leasing e outro carnê que é o valor do VRG, diluído. As duplicatas poderiam lastrear o VRG. A duplicata poderia ser emitida para dar lastro ao VRG, representar o VRG mensal, porque o VRG mensal é a opção de compra que você exerceria ao final sendo exercida de forma antecipada. Então essa duplicata poderia ter sido emitida em ração do parcelamento do VRG. Então a questão tem várias divisões. As questões caem repetidamente. A mesma coisa acontece com a duplicata sem aceite. A primeira idéia é que a duplicata sem aceite tem que vir acompanhada do comprovante de entrega das mercadorias ou da prestação do serviço e do protesto. Mas o que você tem que ver é se é isso que está sendo perguntado na questão, para ver se naquele caso tem que ser assim ou não.

A duplicata é um título causal. Ela pode ser emitida por causa de locação? E o STJ é instado várias vezes a se manifestar sobre isso, sobre a causalidade da duplicata. Por que o STJ é tão instado a tratar da causalidade da duplicata? Por uma razão muito simples: porque é um título emitido pelo credor. Se você estiver me devendo, a duplicata é um título muito bom para mim. Eu sou o credor e emito o título contra você. Eu já tenho um título contra você. “Ah, mas precisa do meu aceite...”. Basta que eu comprove a prestação do serviço ou a entrega das mercadorias. E há como eu comprovar a locação. Seria um título muito bom para o locador emitir contra o locatário. E pode? A locação estaria envolvida na causalidade? Haveria alguma forma de fazer inserir a locação dentro da compra e venda ou da prestação de serviços? Não! O STJ já firmou o entendimento; locação não pode dar margem à emissão de duplicata. Duplicata não pode ser emitida com base em contrato de locação.

Vamos ao art. 2º da Lei de Duplicatas. Nós tratamos dele indiretamente quando cuidamos, na última aula, de uma questão que caiu em concurso do MP.

“No ato da emissão da fatura, dela poderá ser extraída uma duplicata para circulação como efeito comercial, não sendo admitida qualquer outra espécie de título de crédito para documentar o saque do vendedor pela importância faturada ao comprador.”

Nós vimos na última aula aquela questão que caiu no MP sobre a possibilidade de uma nota promissória ser emitida para materializar uma compra e venda mercantil. E eu disse que era uma questão simples, embora quem não conseguisse visualizar não conseguiria responder. E a resposta se dava em duas linhas. Uma semana veio a prova específica da Magistratura que, em uma página e meia, perguntava basicamente a mesma coisa. E a questão era mais ou menos assim: A procura B

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porque comprou uma casa e precisa de um arquiteto. B então indica C. A liga para B agradecendo, dizendo que está devendo um almoço e aquela coisa e tal. C presta serviços a A, e A não paga pelo projeto. C liga para B reclamando. B, constrangido fala para C emitir uma letra de câmbio contra A, em favor de C, para que A pague o que deve. E B avalisa a obrigação de A só pra que C se sinta guarnecido. Como era de se esperar, A não aceita e C executa A e B. E como nós vimos no começo da aula, não há problema nenhum em ambos integrarem o pólo passivo da relação processual. Em contra-ataque, em embargo de executado, A afirma não possuir qualquer obrigação, porque seu aval não seria válido já que B não aceitou a obrigação. B afirma não poder ser executado porque não aceitou e o aceite cambial não é obrigatório. Resolva a questão: A não tem que pagar porque não aceitou a obrigação. E o aceite cambial é facultativo. E no que concerne a B? O aval é válido mesmo sem o aceite? Sim. [nota – registre-se o entendimento minoritário no sentido de que o avalista responde nos mesmos termos do avalizado; se o avalizado não responde, conseqüentemente, o avalista também não – art. 32, 1ª alínea, LUG]. E quanto ao protesto? Neste caso aqui, o protesto nem tem muita relevância, já que o executado é o devedor principal e seu avalista, então aqui o protesto é facultativo.

Mas a resposta é essa? Não! O caso não é de prestação de serviço? Então o título não é letra de câmbio, mas deveria ser a duplicata. De acordo como art. 2º, Lei n.º 5.474/68, só poderia ter sido emitida duplicata, e nunca letra de câmbio. Como o título não circulou, nós poderíamos alegar isso [vício na emissão], e eximiríamos de pagar o valor daquele título. A resposta era essa. E a pergunta caiu uma semana depois da pergunta ter sido formulada pelo MP.

Pergunta de aluno: só que nessa questão, haveria uma controvérsia: se o aval garantiria a obrigação cambiária ou o pagamento. E se o aval garantisse a obrigação cambiária, como ela não existe, então esse aval não seria válido.

Só para a corrente minoritária, Pontes de Miranda suscitava isso, pelo que o avalista não poderia ser colocado numa posição inferior à do avalizado [no sentido de que a obrigação do avalista seria maior que a do avalizado]. Mas essa posição é isolada de Pontes de Miranda. Hoje a jurisprudência é pacífica no sentido de que se avaliza obrigação, não se avaliza pessoa. A pessoa só serve para saber onde se entra na cadeia cambial. Tanto é verdade que se o avalista não indicar quem ele está avalizando, entende-se que ele está avalizando o devedor principal, mas porque só assim se consegue que ele avalize a obrigação pelo maior espaço de tempo, no que tange à obrigação. Esse entendimento não chega nem a ser uma corrente, é um posicionamento isolado. Ninguém avaliza pessoa, avaliza-se a obrigação.

Pergunta de aluno: o que eu vejo aqui é que o aval se vincula à obrigação cambiária e aqui não há obrigação cambiária.

Mas a obrigação do avalista é autônoma.

Pergunta de aluno: mas no caso que eu li, ele defendia que o aval era do pagamento, e não da obrigação. O aval é sobre obrigação, e nesse caso nem há obrigação cambiária. O sacado quando não aceita, não se vincula cambialmente.

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Só que por esse raciocínio, se A emite uma duplicata contra B, e B é avalizado por X. se B não aceita, X não teria qualquer obrigação se não houver comprovantes. Só que o art. 32, LUG, diz que a obrigação do avalista existe ainda que a obrigação do avalizado seja nula.

Pergunta de aluno: essa interpretação literal do art. 2º, Lei n.º 5.474/68 é majoritária?É majoritária. Mas tem gente que mitiga dizendo que você não poderia, um dos

grandes defensores dessa corrente, já superada, é o professor Alexandre Assumpção, segundo o que lá no momento do surgimento da obrigação você só poderia emitir duplicata, mas posteriormente, você poderia emitir outros títulos. Mas se você for pensar, o único título que afasta é a letra de câmbio. Fora isso, nenhum outro título é afastado porque o credor só emite letra de câmbio ou duplicata. O resto dos títulos tradicionais, quem emite é o devedor.

Fora isso, a duplicata segue o trâmite dos outros títulos que nós conhecemos. Ela é endossável, o próprio art. 11, 1ª alínea, LUG, diz que todos os títulos se presumem à ordem. Ela admite o aval. Então você pode se deparar com uma duplicata com aval não querendo perguntar propriamente de duplicata, mas sim de aval, aval sucessivo, aval simultâneo, aval parcial. Mas é em relação ap aceite que a duplicata traduz uma peculiaridade. Lá atrás nós dissemos que o aceite não é obrigatório. Tem sempre alguém para dizer que na duplicata o aceite é obrigatório. Mas não é: nem na duplicata o aceite é obrigatório. A figura do aceite obrigatório é diferente. A figura do aceite obrigatório é diferente de se afirmar, como alguns fazem, que a duplicata é título de aceite obrigatório.

Como é que se sustenta que a duplicata não é um título de aceite obrigatório? É muito fácil. Se você dissesse que a ela é de aceite obrigatório, vou ali na secretaria, pego o nome e o CPF de qualquer um de vocês e emito uma duplicata. E chego aqui e entrego: “está aqui o título. Você tem que aceitar porque esse título é de aceite obrigatório.” É claro que não! É por essa razão que existem ilhares de duplicatas frias, simuladas, sem lastro. As pessoas saem pegando o nome e o CPF das outras e emitindo duplicata sem lastro algum. E o problema ocorreu. E o problema só foi solucionado nove anos depois da entrada em vigor da Lei de Duplicatas. O problema era o seguinte: dois sujeitos celebravam uma compra-e-venda mercantil. O credor gerava uma duplicata para o devedor aceitar. Só que o devedor se recusava a aceitar porque o aceite não era obrigatório, nunca foi e não havia como obrigar o devedor a aceitar a duplicata. Em 1968, a Lei n.º 5.474 não trazia o mecanismo hoje existente. Só nove anos depois, com a Lei n.º 6.458/77 é que surgiu o art. 15, II. O que acontecia era que o credor ia ao Judiciário munido da duplicata, munido da cártula, princípio da cartularidade. O credor tinha a certidão do protesto denotando que o devedor não queria aceitar. E tinha em mãos, ainda, o comprovante de entrega das mercadorias ou comprovante da prestação dos serviços. Juntando esses três documentos: a cártula, o protesto e o comprovante, o Judiciário, através da jurisprudência, fixou que a juntada desses três documentos, o devedor, mesmo sem ter aceitado, mesmo sem ter assinado no local adequado, ele estaria vinculado cambialmente. E aí está a figura do aceite obrigatório: o sacado, mesmo sem ter

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aceitado, mesmo sem a aposição da sua assinatura, o sacado fica vinculado cambialmente, A lei, nove anos depois, em 1977, insere o inciso II no art. 15, dizendo exatamente o que a jurisprudência havia fixado.

Diante disso, surge um outro problema: o art. 15, II, está inserido no capítulo referente à duplicata chamada mercantil. A mesma Lei n.º 6.458/77 modificou também a LF/45, inserindo um § 3º ao art. 1º, LF/45. Ao inserir o § 3º ao art. 1º do Decr-Lei n.º 7.661/45, a lei n.º 6.458/77 cria uma outra polêmica que só recentemente foi dirimida, vamos ver: “Para os efeitos desta Lei, considera-se obrigação líquida, legitimando o pedido de falência, a constante dos títulos executivos extrajudiciais mencionados no art. 15, da Lei n.º 5.474/68.” Ao falar em “títulos executivos extrajudiciais mencionados no art. 15” surgiu a polêmica: só a duplicata mercantil ou a duplicata de serviços também? E essa polêmica surgiu basicamente no TJ/RJ porque o então examinador e professor da matéria Eduardo Paulo de Azevedo Freitas, à época, dizia que só a duplicata mercantil poderia instruir requerimento de falência, não a duplicata de serviços, porque o art. 15 só fazia alusão à duplicata mercantil. Depois de muito discutir, veio o enunciado n.º 248, STJ, que diz: “Comprovada a prestação de serviços, a duplicata não aceita, mas protestada, é título hábil para instruir requerimento de falência.” Então ambas as duplicatas podem instruir requerimento de falência. Hoje, então, a matéria está pacificada.

Como você vai alcançar o comprovante da prestação de serviços? Das formas mais comuns. Por exemplo, quando você sai do hospital, mesmo tendo plano de saúde, você assina um monte de papel. Quem é o devedor do hospital? Você! Não o plano de saúde. O plano de saúde vai pagar por você porque você tem um contrato com ele, mas o devedor é você. Que teve os serviços prestados foi você. Você assina um papel lá que diz mais ou menos assim: declaro que todos os serviços enumerados forma prestados e pagarei por esses serviços de tal ou qual forma. Se o plano de saúde não pagar, o hospital emitirá uma duplicata de serviços contra você se baseando nesses comprovantes de que os serviços foram prestados.

Hoje nós sabemos muito bem que o § 3º do art. 1º, da LF/45, caiu por terra por conta da revogação da LF/45 pela NLF. Não haveria mais que se falar na controvérsia que a súm. 248, STJ, já havia solucionado. Na NLF, no art. 94, I, basta que o título seja executivo, e quem diz se o título é executivo ou não é a lei. E a Lei de Duplicatas diz, no art. 15, II, você pode fazer uma remição ao art. 20, § 3º, porque é o art. 20, § 3º quem diz que tudo que se aplica à duplicata mercantil vale também para a duplicata de serviços, e coloca entre parênteses a súm. 248, STJ, porque essa súmula esclarece que a duplicata de serviços, sem aceite, protestada e com comprovante vale como título executivo. Esse é o entendimento que hoje prevalece. Vocês vão perceber que várias e várias questões envolvem exatamente o que nós estamos falando.

Defensoria Pública: duplicata sem aceite é título hábil para ensejar decreto de falência?

Defensoria Pública: duplicata sem aceite, acompanhada de comprovante de entrega de mercadorias, é apta para instruir ação executiva?

Ministério Público: é admissível habilitação de crédito na falência representadas por duplicatas protestadas, sem aceite e desacompanhadas de comprovantes da

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entrega das mercadorias? Nesta última aqui, a escorregada é que a habilitação não exige título executivo. No curso da habilitação você pode demonstrar que é credor. Então esse sujeito que tinha duplicata sem aceite, sem comprovante, mas protestada, esse sujeito não podia executar porque ele não possui título executivo. Para requerer a falência, ele também não pode. Mas para habilitar o seu crédito na falência ele pode. O sistema de habilitação não demanda um título executivo de plano. É nele que você vai comprovar se houve realmente a entrega e se você realmente é credor. E, aliás, isso hoje é muito mais célere, porque o sistema é de verificação e habilitação de crédito. É o administrador judicial que, na verificação de crédito, é ele quem vai buscar e analisar os créditos. Nada impede que o administrador de ante-mão e independentemente de habilitação desse credor que tem uma duplicata protestada sem aceite e sem comprovante de entrega de mercadoria. Vejam: era uma questão do último concurso sem qualquer divergência. A única coisa que o candidato precisava saber é se precisava de título executivo para o processo de habilitação. E não precisa. Só tem que tomar cuidado porque nem sempre a pergunta é tão clara quanto parece. Quando você ler a questão, identifique, marque: habilitação, duplicata sem aceite, sem comprovante. Para a duplicata sem aceite você acha lá o art. 15, II, Lei n.º 5.474/68; para habilitação na LF/45, ela estava a partir do art. 80; na NLF, a partir do art. 7º. Você vai lá no art. 7º e verifica que pelas remições que você tem habilitação não exige título executivo, e no procedimento...

- virada de fita -

... você vai ver os artigos 584 e 585, CPC, riscados e ali você vai ler que não precisa de título executivo.

Protesto de duplicata.Nós já falamos de protesto e sabemos quando o protesto é facultativo e quando

ele é obrigatório. O protesto será facultativo quando você quiser promover a execução em face do devedor principal ou de seu avalista, e será obrigatório quando você quiser cobrar dos demais co-devedores. Vimos também que o prazo para a realização do protesto, e muito cuidado com isso, o prazo para a realização do protesto não quer dizer que depois desse prazo você não pode protestar. Você pode. O prazo para a realização do protesto, você tem que lembrar, é prazo para a realização do protesto obrigatório. Se você perder o prazo para realizar o protesto, todos que estão na cadeia cambial na qualidade de co-obrigados sumirão. A emite uma duplicata contra B. A o endossa para C, que o endossa para D, que o endossa para E incluindo X como seu avalista [avalista de D]. E, se quiser cobrar o título dos co-obrigados [D, X,C,A, dependendo aqui, se tiver aceite] E deverá protestar o título: se ele quiser cobrar do devedor principal, A, ele não precisará protestar a duplicata. O art. 13, § 4º, Lei n.º 5.474/68, nele nós vemos que o prazo para a realização do protesto é de 30 dias. Ao contrário da regra, que é um dia útil. As exceções são duas: a primeira está aqui na duplicata, que o prazo é de 30 dias; a segunda está no cheque, em que o prazo é de 30 ou de 60 dias. E aqui na duplicata, se perder o prazo de 30 dias, perde o direito de acionar os co-obrigados.

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A outra peculiaridade referente ao protesto das duplicatas, e, obviamente, todo o resto que falamos sobre protesto cabe para cá, o sujeito quer perguntar se a falência exige ou não protesto especial. Ele sua lá a duplicata, não mudou nada vale o que nós dissemos lá no protesto. A outra peculiaridade referente ao protesto das duplicatas diz respeito ao protesto por indicação. A duplicata, no art. 13, § 1º, diz que o protesto pode ser feito por indicação quando você encaminha o título e ele não é devolvido, quando há retenção indevida do título. Então o protesto será feito por indicação do credor no art. 13, § 1º, você deve fazer remição ao art. 8º, parágrafo único, da Lei de Protestos; que é a Lei n.º 9.492/97 porque é lá no art. 8º, parágrafo único, é que está o chamado protesto virtual. É protesto virtual porque você não recebe o título e não recebe as indicações de forma material. As indicações se dão por caracteres virtuais. É o próprio banco que envia as informações que são recepcionadas pelo computador do cartório. É o computador do cartório que gira a notificação e essa intimação do protesto é encaminhada ao devedor. Muito em breve, quem sabe, ela será encaminhada virtualmente. A intimação do protesto será realizada virtualmente também e o cartório de protestos terá três funcionários. Na verdade, dois, porque o tabelião não é funcionário: um será o vigia e o outro, para servir café e limpar as coisas, mais nada. E quando o computador der algum problema ele liga para o técnico. Em breve tudo será assim: não haverá ninguém no cartório de protestos: o pagamento será virtual, direto on line ao banco, a certidão será emitida virtualmente por você. E já se fala nisso, não há projeto de lei, em que todo mundo terá endereço virtual. CPF virtual já existe. E quando isso acontecer, quando todos tiverem endereço virtual, boa parte dos problemas processuais terão acabado. Se mandada uma citação para o seu endereço virtual, recebido esse e-mail, o sujeito estará automaticamente citado. Eu só não sei o que será feito dos oficiais de justiça. Muito em breve eles irão acabar. Do mesmo jeito que todo mundo é obrigado a ter CPF e RG, todo mundo será obrigado a ter endereço virtual, e as comunicações serão realizadas dessa forma.

Protesto por indicação dá margem à emissão de título virtual? Ou melhor, materialização de uma duplicata virtual é a certidão do protesto por indicação? Perguntinha boa, né? Imaginem isso numa prova oral. Mas se vocês forem surpreendidos logo no começo com uma pergunta complexa, ela dá margem a que você desenvolva toda essa parte anterior: você começa a desenvolver sobre o instituto da duplicata, que ela é um titulo causal, etc. e tal, e muitas vezes o examinador deixa o candidato fazer isso para demonstrar conhecimento. São uns 50, 60 candidatos por prova oral. Tem hora que o sujeito não agüenta mais fazer pergunta. Começa a falar e só pare quando ele interceder. Isso ganha tempo. Mas e aí? Qual é a resposta? A certidão do protesto por indicação não é a materialização de título algum. O professor Luiz Emydgio e o professor Fábio Ulhôa Coelho dizem que é, mas não é. Eu já mostrei para vocês que não é quando falamos sobre título virtual e protesto virtual, que não era exceção ao princípio da cartularidade, eu falei e todo o mundo concordou. E quem não percebeu é porque ainda não estudou: Direito Eletrônico é uma novidade que ainda assusta. É um mundo novo. A certidão do protesto por indicação não materializa o título. Ela diz o quê? Que o título virtual, que é título, que é documento, que é cártula, só que virtual, que ele existe. Ele existe, ele

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está lá. O submarino.com é uma loja, lembrem-se sempre. A americanas.com é uma loja. Ela tem porta de entrada, galerias, caixa. É virtual, mas está lá. Essa certidão então atesta o protesto. E só o protesto. O protesto serve para isso, para certificar, para aferir, para comprovar. O protesto por indicação atesta e comprova que o credor encaminhou o título para o devedor e que o devedor reteve o título. É isso que ele materializa, ele não materializa o título. O título está da mesma forma que sempre esteve: virtual. Ele não é atomizado, o titulo não é formado de átomos, mas de bytes. Ele existe através do byte – binary technology.

“O Márcio fica inventando esses troços. Esse troço nem existe...” Não existe ainda no Judiciário. No Judiciário não chega. O sujeito manda um título virtual e o devedor não paga. O credor o que faz? Emite um título comum, atomizado. No mercado existe, existe e muito. No mercado, pouca gente já viu uma duplicata de papel, todas elas são virtuais. Mas todos aqueles que promovem a justiça, sejam magistrados, sejam promotores, têm que conhecer os fenômenos sociais. Ainda mais com a NLF, em que isso será levado a cabo. Chega uma e diz: “eu quero comprar a VarigLog por US$ 100 milhões”. Ela vale US$ 100 milhões? Se você for procurar na lei você não vai achar. Você tem que ter noções de economia e contabilidade para poder discutir com um auditor ou com alguém dessa área os itens. E para você fazer isso, só se você tiver bagagem. Quanto valem as outras de transporte aéreo? Quanto vale a DHL? Quanto vale a Federal Express? Você, para trabalhar lá na Curadoria de Massas Falidas, o juiz da Vara Empresarial tem que saber isso: como é que eu alcanço no mundo essas operações? Estão chegando no Brasil os doctors do direito norte-americano. Os doctors são os especialistas em recuperação de empresas, em deficiência financeira. Eles chegando aqui, eles podem trabalhar ou não? Eles estão se aliando a outras pessoas. O que eles vão fazer para adquirir a VarigLog? Uma empresa estrangeira pode ser sócia de uma companhia de aviação? Não, não pode. O que eles fizeram foi vir para cá, se estabelecer, montar uma empresa brasileira, e é essa sociedade brasileira que vai se associar à VarigLog da companhia aérea. Isso pode? A meu ver, não. Você está indiretamente burlando a norma. Se eu digo que o estrangeiro não pode ser sócio, essa é uma questão de segurança nacional porque espaço aéreo é questão de segurança nacional, não é reserva de mercado. A questão da informação, do jornalismo também. Não tenha dúvida que a CNN já tentou várias vezes ser a dona da Globo. O tele tunner [?] não pára. Ele só pensa em comprar meios de comunicação no mundo. No Brasil ele não consegue porque ele não pode. Então o que ele faz? Monta uma sociedade brasileira nova, cujo estrangeiro seja o maior acionista, ou o maior sócio, e essa nacional compra uma outra sociedade nacional. Ora, meus amigos, obviamente ele está se valendo de uma roupagem jurídica para fazer aquilo que a lei não permite que ele faça. Caberia aí perfeitamente a desconsideração da personalidade jurídica brasileira para você chegar à estrangeira e fazer a ligação. Você é sócio da nacional, e isso é vedado. É essa a noção que a gente tem que ter para que cada vez mais os concursos exijam dos candidatos a realidade, e não as 30 correntes que não servem para nada. Nunca um processo vai indagar quantas correntes exigem para aquela determinada matéria. Ele vai chegar com uma questão, com um caso. Por isso é que em Harvard existe uma “casoteca”, em que a aula começa com um caso e é a partir desse caso que se desenvolve o

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estudo. E essa agora é a nossa metodologia na Escola de Direito da FGV. O sujeito entra lá às 8 horas da manhã e só sai da faculdade às 5 horas da tarde, de segunda a sexta, durante três anos. Nos últimos dois anos ele se especializa na área pública ou privada. E é a FGV que procura o estágio para você. E um pool de empresas grandes se interessa por isso. E a FGV fiscaliza o estágio. Se coloca o estagiário para bater perna, para ser office boy de luxo, ela traz o estagiário de volta. O ensino vai todo nesse sentido. A nova geração que está chegando, muita gente do Tribunal está envolvida também, os juízes novos e os desembargadores novos, há o Prêmio Novari. Pensem nisso, ainda mais na hora da realização de uma prova, a idéia é diferente. É claro que ainda existem mentes muito retrógradas.

Pergunta de aluno: qual a sugestão que você dá para quem está se preparando e só tem o livro na frente?

Você vai ter que, através do livro, não saber a sofisticação, claro que não, a sofisticação você não pode exigir daquele que não tem noção. Você tem que ver, na acepção da palavra, ver se ele está sendo um decorador de livro ou se ele leu o que está no livro e apreendeu o que está ali. A questão da nota promissória emitida em razão de compra e venda mercantil denota claramente se você só decorou o que está no livro ou não. Se você decorou o art. 2º você erra e mais, não consegue entender a explicação.

Pare com essa maluquice de ler seis livros de cada matéria. Lê uma coleção de cada matéria e tem uma probabilidade maior de acertar. Essa história de ficar correndo atrás de livro de examinador é a maior furada. “Ah, mas e se ele perguntar uma coisa que estava na nota de rodapé do livro dele?” Bom, aí você pode até errar essa questão. Mas não pode acertar as outras? É por aí. Ficar catando livro de examinador dá muito mais trabalho.

Pergunta de aluno: Voltando um pouco para título virtual, como é que você soluciona o problema de mandar algo por e-mail e extraviar, ou ficar retido no provedor?

Com certificação virtual o envio efetivo do título virtual tem certificação eletrônica de que o título foi enviado e de que o título foi recebido. A certificação virtual não é só no envio, exatamente por causa desse tipo de contra-tempo. A certificação opera no envio e no recebimento da resposta. Quando essas informações se cruzam, você faz a certificação eletrônica desse cruzamento. Se o provedor travar a mensagem, ou você terá o certificado, ou terá um certificado de que a informação não chegou, que a mensagem não chegou.

Cheque. O cheque está previsto na Lei n.º 7.357/85. É um título cambiariforme, como já perguntado na Magistratura. É um título cambiariforme porque ele, na visão de Pontes de Miranda, que elaborou essa classificação, dizia ele: título cambiário é aquele que nasce para circular, seria a letra de câmbio, a nota promissória; e o título cambiariforme é um título de crédito, mas ele na nasce para circular. Não é comum a sua circulação. O cheque é o exemplo mais claro de título cambiariforme. Quando você emite um cheque, você emite sem noção de que ele pode circular. E isso é verdade. Mesmo você que é da área jurídica não pensa muito nisso, que o cheque é

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título para circular. Você emite um cheque e o credor deposita. É por isso que Pontes de Miranda dizia que o cheque é um título cambiariforme.

A estrutura do cheque é de ordem de pagamento à vista, condicionada à suficiência de provisão de fundos.

A sua estrutura é um pouco diferente das demais até porque você vai encontrar algumas terminologias dissociadas das demais. Por exemplo: A emite um cheque em favor de B, contra C. C, chamado de banco sacado. Só que esse “contra C”, é uma nomenclatura diferente porque o banco não é o sacado. A lei fala em banco sacado, mas o banco não é o sacado, nem nunca foi o sacado com o que estamos acostumados. Isso porque o sacado cambialmente é aquele apontado como devedor. O sacado seria a pessoa apontada como devedor e que deveria acertar o título. Só que com o banco não há essa relação: o banco apenas guarda o seu dinheiro, nada mais. Se você tivesse um funcionário particular e ele estivesse com todo o seu dinheiro.

Seria o mesmo que você dissesse a ele: olhe, fique aí com o meu dinheiro, porque eu vou andar por aí, vou adimplir, vou cumprir obrigações, e toda pessoa que chegar até você com um cartão de visitas meu dizendo no verso. “pague tanto”, você paga. Tanto é isso, contrato de conta-corrente é só isso. A ordem dada ao banco não é uma ordem cambial, de Direito Cambial. Dito isso, nós podemos concluir que a relação que se tem com o banco, o contrato que se tem com o banco é de prestação de serviço. O banco apenas presta serviços: B recebe o cheque de A, deposita o cheque e o cheque foi devolvido por insuficiência de fundos. Não vai me dizer que o cheque “bateu e voltou”, não. Não escreva isso não! Então B procura A: “A, que bagunça é essa? Você me emitiu um cheque sem fundos”. Aí A se revolta! Mostra o extrato a B e comprova a suficiência de fundos. Aí B executa C. B executa o banco! E há vários julgados. Assim muita gente executa o banco! O Judiciário indefere a inicial por absoluta inexistência de relação jurídica. B pode até buscar indenização do banco se comprovar que na data da apresentação do cheque havia fundos. Fora isso, não! B tem que cobrar o cheque de A, e A vai poder regressar em face do banco? Não, não é regresso. Cuidado! O banco é sacado, e normalmente o sacado é o devedor. Mas aqui, não! Não é caso de regresso. Se se chegou até A, acabou a cadeia cambial. A é devedor. A não vai regressar de ninguém o que A vai fazer é processar o banco porque aquela recusa indevida causou danos. A buscará indenização junto ao banco. E indenização é tornar indene, recompor o dano. É necessária a comprovação do dano. Se o cheque devolvido era de R$ 100 e você tinha R$ 400 mil, que dano houve aqui nenhum. Foi só uma falha, um erro. Nem sempre a falha ou erro causam dano. Se não reapresentou e não fechou a sua conta, não houve dano nenhum. Então não há indenização nenhuma aqui. Mesmo assim, algumas pessoas ficam indignadas com isso.

Compreendida essa relação inicial, vamos ver uma questão interessante; A e B são casados pelo regime de comunhão universal de bens. A e B, como todo bom casal, vão perdendo o juízo. E o primeiro passo é a abertura de uma conta conjunta. Existem avanços em relação a isso: segundo é o cartão de crédito, como dependente; depois é o gold e o platinum sem limites. E aí você está entregue às baratas. Mas ainda na fase da conta conjunta, numa bela 4ª feira ensolarada, o cônjuge vai praticar

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seu esporte favorito no Fashion Mall. E aí se depara com uns itens de primeira necessidade, sem a qual não se consegue viver: uma calça Diesel a R$ 1.000. Como o preço está bom, compra umas quatro, aproveita e compra umas camisetinhas de malha, a R$ 300 cada uma, enquanto o outro cônjuge está lá trabalhando. Emitido o cheque pelo cônjuge A, um cheque da conta conjunta, em favor da sociedade empresária que explora aquele estabelecimento. Só que esse cheque é devolvido por insuficiência de fundos porque o cônjuge B tem um informante e com as informações sobre o que estava acontecendo naquela tarde, B transferiu todos os fundos para uma conta segura, em que só ele é correntista. De posse do cheque devolvido, o beneficiário do cheque executa A e B, buscando o patrimônio do casal porque a conta é conjunta, logo ambos deverão adimplir. Essa é uma questão de prova específica. Na conta-corrente conjunta existe solidariedade? Existe, ela decorre ao contrato pactuado com o banco. Isso é muito claro, muito fácil de entender: um casal tem uma conta corrente conjunta. A deposita R$ 1mil, B, R$ 9 mil. Se A emitir um cheque de R$10 mil, o banco paga? Paga, por causa da solidariedade. Quando um cônjuge emite um cheque, quando só um dos cônjuges assina o cheque, mesmo que no cheque venha impresso “A ou B”, o obrigado cambialmente é só aquele que assinou o cheque. Mas perante o banco, ambos têm uma relação solidária. Em relação ao credor, não. Logo o credor não pode executar o cônjuge que não assinou o título [princípio da literalidade]. Mas como se tratava de uma prova específica, a resposta ao poderia parar por aí. Tinha que dizer se o patrimônio do casal responderia. E não tenham dúvidas sempre que o examinador formular uma questão envolvendo pessoa casada, ele quer saber a respeito da responsabilidade patrimonial da pessoa casada. E isso é o que mais acontece na prática. Uma pessoa casada contrai uma dívida. Como fica o patrimônio do casal? De quem é a dívida? A dívida é do cônjuge. O credor pode alcançar os bens do casal? Se a dívida foi em benefício da família, poderá. Esse foi o primeiro avanço do STJ. Mas o que isso acarreta? Você cobra de A. B oferecerá embargo de terceiro dizendo ser o dono do bem. A sociedade credora afirmará que a dívida foi em benefício da família. E se o credor alega que a dívida foi em benefício da família, ele vai ter que provar. A regra processual é essa: o ônus da prova cabe a quem alega. Só que isso faz com que a orientação do STJ caia no vazio. Como o credor vai provar que aquela dívida reverteu em favor da família? Ele não tem acesso à vida das pessoas. Então o STJ caminhou uma vez mais e hoje diz textualmente que uma pessoa casada quando contrai uma dívida, há uma presunção de que essa dívida foi contraída em favor da família. Se há uma presunção, o outro cônjuge, em embargos de terceiro, é que terá de elidir essa presunção. E a questão fica assim assentada.

Pergunta de aluno: e se o casal estiver em processo de separação, mas antes da sentença que decreta a separação?

A separação não vai influenciar nisso porque o fato ocorreu em uma época em que a família existia.

Pergunta de aluno: não, mas e se o fato [a contração da dívida] aconteceu no curso do processo de separação;

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Quando está em separação, aí é que tem que praticar o esporte de novo porque, como diz o filósofo: ”está na pista de novo”. Na questão da separação, a gente sabe que o vínculo só vai se romper mesmo com o divórcio. Mas a jurisprudência caminha para que, no momento em que a pessoa sai de casa, se separa, e não precisa nem ser pedida a separação, a saída de casa, a separação de corpos, que na Vara de Família pode até ser considerada como amigável, serve apenas para demarcar o momento em que o vínculo patrimonial se dissolve. A partir do momento em que se comprova a cessação da vida em comum, que a pessoa saiu de casa, então é a partir desse momento que cessa a comunicação patrimonial. Só tem que prestar atenção em uma coisa: o benefício não tem que ser necessariamente para o casal, mas para a família. Então imaginem que o cônjuge que ficou com os quatro filhos, mesmo sendo separado, aquela dívida pode ter sido contraída em benefício da família. Então você veja que quando o patrimônio ainda dá para ser alcançado, dividindo para cada um, o benefício não foi para o casal, mas para a família. Então você tem que avaliar a questão probatória da situação específica.

Pergunta de aluno: se o cônjuge comprou bolsa, calça, bota, mesmo assim se interpreta que o benefício foi para a família?

Neste caso extremado, a presunção existe porque ela é a regra, mas ela é facilmente elidida. Só que quando você analisa o caso, você tem que analisar de forma imparcial, de como aquela situação se adequa à realidade familiar dos envolvidos. Como é que você vai dizer que o cônjuge A comprou aquelas coisas para si mesmo, e não pra um filho ou até mesmo para o outro cônjuge? Tem que ver como aquilo se adequa ao padrão de vida deles, que estão nos autos. A aquisição de um helicóptero pode ter sido feita em benefício da família. Por que não? Vocês não viram a família Diniz? Eles venderam o Pão de Açúcar por 100 milhões de euros. E continuam no controle acionário. Eles só venderam parte das ações. No dia que um processo desses cair no seu colo, e vai cair, você tem que mergulhar nesse mundo e não ser recalcado. Pode ser razoável que a pensão da mulher seja de R$ 200 mil. E larga a mão de ser recalcado! Mantenha a pose.

30 de agosto de 2007 – aula 07

Hoje publica o edital do Ministério Público Especial junto ao Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro. Então, além do que vocês já estudam, vocês têm que estudar Direito Financeiro, Direito Tributário – que vocês já estudam, Direito Constitucional e Direito Administrativo, com ênfase em licitações, Lei de Responsabilidade Fiscal, a estrutura do Tribunal de Contas, o que ele faz, previsão constitucional, como é o funcionamento dos Tribunais de Contas da União, dos Estados e dos Municípios e Princípios Institucionais do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado. Tem que dar uma olhada naquela decisão do supremo que deu margem a esse concurso, dizendo como era anteriormente, como foi feito o aproveitamento. E eu imagino que eles devam perguntar isso mesmo porque essa decisão é a razão de ser do concurso. A prova deve ser em 06 de novembro de 2007,

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embora ainda não conste do cronograma. A gente está abrindo um módulo de um mês e meio, à noite, só com essas matérias.

Quando nós falamos sobre duplicata, muitos vieram me perguntar sobre duplicata fria, simulada, sem lastro, que são expressões sinônimas. E o que é isso? Como nós sabemos, a duplicata é um título que o credor emite contra o devedor: A emite contra B. Tem que ter uma causa debendi, uma razão de ser para a sua emissão: uma compra e venda ou uma prestação de serviço. A pode endossar o título para C sem ter apresentado o título para aceite? Pode porque o endossante, salvo mediante cláusula em contrário, garante tanto o aceite quanto o pagamento. O sacador, que é o credor, quando endossa o título para C, passa também a ser chamado de endossante. Esse endossante pode realizar um endosso sem garantia, ou seja, ele pode inserir uma cláusula excludente de garantia. Nesse caso, C ficará sem garantia alguma. O sacador pode endossar sem garantia? Vamos ao art. 9º, LUG:

“O sacador é garante tanto da aceitação quanto do pagamento da letra.O sacador pode exonerar-se da garantia da aceitação; toda e qualquer cláusula pela qual ele se exonere da garantia do pagamento considera-se não escrita.”

Então, aqui, ao endossar sem garantia, ele está se exonerando do pagamento. Então o endossante, em se tratando de sacador de duplicata, não pode se exonerar da garantia.

Façam uma remição aí ao art. 15, LUG, porque é no art. 15 que se trata do endosso sem garantia, no aposto do art. 15, LUG, façam, então, uma remição ao art. 9º, da LUG, porque é ao art. 9º que veda que o sacador aja dessa forma, que endosse sem garantia.

É por isso que A pode endossar a C mesmo sem ter apresentado a duplicata para aceite de B, porque A será responsável pelo pagamento.

É este quadro que dá margem à duplicata fraudulenta. A emite uma duplicata contra B. B não tem nada a ver com isso. A ele não foram entregues quaisquer mercadorias ou prestados quaisquer serviços. Mas lá estão o nome e o CPF de B. A procura um C e realiza uma operação de desconto bancário. Ora, se se realizou uma operação de desconto bancário é porque C é instituição financeira. E o que vem a ser uma operação de desconto bancário? Eu vou ao banco, me identifico e digo: “banco, eu tenho uma duplicata no valor de R$ 10 mil contra B que vence em 10 de dezembro de 2007. Só que eu preciso de dinheiro hoje.” Então o banco oferece R$ 9.500, por conta do deságio. E como isso é materializado? O banco entrega o dinheiro a A e A entrega a duplicata de forma cambial, via endosso próprio, ordinário, translatício. E o endosso tradicional traz ínsita a garantia. E isso é viável porque a operação de desconto bancário difere da

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operação de factoring. Se o endosso fosse sem garantia, a operação seria de factoring. O factoring se materializa da mesma forma, só que o endosso no factoring é sem garantia. C, instituição financeira, se B não aceitar a duplicata, cobrará de A. Quanto? R$ 10 mil. Então eu faço o seguinte: emito um título contra B, que nem sabe por que o título foi emitido, endosso o título à instituição financeira, a instituição financeira me entrega o dinheiro. No dia 09 de dezembro de 2007, um dia antes do vencimento do título, eu procuro a instituição financeira e requeiro o título de volta. A instituição financeira exige o valor de face do título, eu concordo, pago e quando tenho o título nas mãos, eu o rasgo. Dessa forma, eu fabriquei dinheiro, emiti uma duplicata fria, sem lastro, usando o nome de uma pessoa qualquer, fiz dinheiro, girei os R$ 9.500 e fiz dele R$ 15 mil e com esses R$ 15 mil, resgatei a duplicata e rasguei. Isso é feito aos montes. O problema surge quando o sacador não consegue resgatar a duplicata. Quando isso acontece, é o nome de B que é levado a protesto e que é inscrito nos cadastros do SPC, SERASSA, SPI... “ué, mas quando há o protesto, B não é notificado para pagar?” Sim, só que A usou o nome e o CPF de B mas não colocou o restante das informações de forma correta: colocou um endereço errado ou inexistente... Aí a notificação vai ser por edital. E que lê, de manhã, os editais? Nem advogado lê! Ninguém leu o edital e ninguém efetivamente foi cientificado para comparecer ao cartório de protestos resolver o problema. Não há nada mais fictício que edital! O nome de B fica sujo e B nem sabe disso. Lá na frente, quando B sofrer alguma restrição de crédito é que B vai se informar do que aconteceu, vai procurar o Judiciário e intentar uma ação de conhecimento para obter a sustação do protesto porque se trata de uma duplicata fria, simulada. Isso, inclusive, é crime: art. 172, CP, dentro do capítulo do estelionato. É por isso que, quando o sujeito vai levar essa duplicata ao cartório de protesto, a tendência é que se exija do apresentante o comprovante de entrega das mercadorias ou da prestação do serviço, para evitar que a duplicata fria cause danos ao mercado.

Pergunta de aluno: Quando uma duplicata simulada é protestada, o banco será responsabilizado?O que exige a jurisprudência é que o banco tenha “um mínimo de cautela”. E o “mínimo de cautela” exigida do banco numa operação de desconto bancário com base em duplicata é verificar se a duplicata foi aceita. Se a duplicata tiver sido aceita, beleza. Se ela não estiver aceita, o banco tem que exigir o comprovante da entrega das mercadorias ou da prestação do serviço. Isso é o mínimo. Mas é claro que esse comprovante também possa ter sido falsificado. E como o banco vai saber? Como ele não tem como saber, nesse caso ele não

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tem como ser responsabilizado. Quando ele exige o comprovante, ele é diligente.

Ah! Um amigo nosso foi procurar o livro Do átomo ao byte, do professor Marco Aurélio Greco, mas esse livro não existe. Não existe porque na verdade o livro não se chama Do átomo ao byte, como eu disse, mas Direito Eletrônico, Direito da Internet, uma coisa assim. Mas está esgotado, é da editora Dialética.

Todos os meus artigos estarão no site da AMPERJ (www. Amperj.org.br) ou então no site da FEMPERJ, ó que este está em construção.

Pergunta de aluno: mesmo quando alguém emite uma duplicata fria, com um comprovante frio, mesmo assim o banco responde?

Aí, não. O banco, neste caso, não responde porque ele exigiu o mínimo exigível. Ele adotou as cautelas cabíveis.

Vamos prosseguir o nosso estudo sobre cheque.Na última aula, vimos a Lei n.º 7.357/85, vimos a estrutura do cheque,

analisamos que ele é uma ordem de pagamento condicionada à provisão de fundos, verificamos que a relação do banco sacado com o sacador, emitente do cheque, não é uma relação de natureza cambial. Relação cambial existe apenas entre o emitente e o beneficiário do cheque e inclusive vimos algumas questões que já foram elaboradas explorando exatamente essa relação de Direito Civil.

Alguém pode se recusar a receber cheque? Sim. Essa é uma orientação pacífica hoje em dia. Você pode se recusar a receber cheque, o que você não pode é violar regras de consumo. Qual é a regra básica de consumo? Não se pode tratar consumidores de forma diferenciada. Então não pode aceitar cheque de um e não aceitar cheque de outro. E tem que colocar em local visível: “Não aceitamos cheques.”

Pode se recusar, como alguns insistem ainda, a receber dinheiro? Em relação de consumo não. Em relação de consumo você é obrigado a receber dinheiro porque dinheiro é moeda de curso forçado.

Como alguém pode se recusar a receber dinheiro? É que em algumas hipóteses, para fins de segurança, o sujeito se recusa a receber dinheiro em mãos, ele só recebe via boleto. Ele até recebe dinheiro, mas o órgão recebedor não é ele, o órgão recebedor é outro. Por exemplo, os cartórios de protesto. Cartórios de Protestos não recebem dinheiro por causa da segurança, Senão ele vai ser assaltado todo dia. Então o sujeito tem que pagar no banco. E no banco, a forma como ele vai pagar é problema do banco. Dessa forma, não se está invabilizando o pagamento em dinheiro. Está se inviabilizando pagamento naquele local. Fora isso, o dinheiro é de curso forçado e tem que ser recebido; Agora, o cheque não. O cheque é título de crédito. Título de crédito não é de curso forçado. Título de crédito envolve risco.

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Pode, em um posto de gasolina, ter uma bomba para pagamento em dinheiro e outra para pagamento em cheque, sendo o preço da bomba de gasolina para pagamento em dinheiro mais barato que o da bomba para pagamento em cheque? Pode. Cheque não envolve crédito? E se envolve crédito, envolve risco. E se tem risco, tem que ter compensação. Se, de ante-mão, você demonstra claramente que o preço é diferenciado, você pode fazer isso. Já há, inclusive, parecer do BACEN dizendo que isso é possível.

É possível cobrar preço diferenciado quando o pagamento em dinheiro ou em cartão de crédito? Não, mas porque viola cláusula contratual entre a operadora de cartão de crédito e o estabelecimento conveniado. Não é pela relação de consumo. Até seria melhor para quem se propusesse pagar à vista ter a possibilidade de pagar mais barato.

Um cheque emitido em favor de B sem estar cruzado, sendo nominal. Aliás, o cheque é um título que admite ser emitido ao portador até o valor de R$ 100 porque a Lei do Plano Real assim indica: art. 69, Lei n.º 9.069/95. E como se cansa de receber cheque ao portador em valor acima disso? Não tem problema nenhum: basta preencher o campo com o nome do beneficiário. E por que você preenche sem preocupação nenhuma com a cor da tinta da caneta, se a letra é parecida ou não? Por causa da boa-fé: enunciado 387, STF: “A cambial emitida ou aceita com omissões, ou em branco, pode ser completada pelo credor de boa-fé antes da cobrança ou do protesto.”

Pergunta de aluno: inaudível.Não necessariamente. S você endossa o título colocando o nome do

endossatário, o endosso é em preto. Se você endossa o título colocando apenas a sua assinatura, o endosso é em branco. Nas duas modalidades, nós estaremos falando de endosso.

Pergunta de aluno: inaudível.Aí vai virar ao portador. Endosso em branco é ao portador. E então, quando o

cheque chegar na mão de um, você preenche e apresenta.Você recebe um cheque nominal a você. Você vai à boca do caixa sacar o

dinheiro. O caixa vai pedir para você assinar o seu nome atrás. Quando o caixa pede para você fazer isso, você não está endossando o cheque ao banco. O banco, quando você vai à boca do caixa, não vira credor. Ele não estará incluindo o banco na cadeia cambial. Na verdade, quando você vai ao banco dizendo que A lhe passou um cheque, e, aliás, a palavra “cheque” vem do inglês check, de checar, verificar. Verificar se tem dinheiro. Quando o banco manda você assina atrás do cheque, o banco está apenas conferindo se você é você. E quando você assina, você dá quitação pelo pagamento daquele cheque. Uma perguntinha ótima de prova oral: essa assinatura é endosso ou não? E é capaz de o próprio caixa dizer: “endossa atrás do cheque, por favor”. Só que não é endosso. O banco não faz parte da cadeia cambial. Você está apenas pedindo ao banco que lhe pague o valor daquele cheque ali na boca do caixa.

Pergunta de aluno: Essa assinatura corresponde a um recibo?

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Essa assinatura não integra a cadeia cambial. É um instituto extra-cambial de conferência, se aquela pessoa ali é realmente ela: ele pede um documento, confere a foto e a assinatura, coloca o número do documento de identidade embaixo da assinatura, conferindo que aquela pessoa que se apresentou ao caixa realmente era o beneficiário do cheque e promove a quitação, de que a pessoa receber aquele valor em dinheiro.

Pergunta de aluno: e se uma pessoa apresentar ao caixa com um cheque sem preencher o nome do beneficiário:

Se o valor do cheque for inferior a R$ 100, o caixa pode pagar sem qualquer problema. Se o valor do cheque for superior a R$ 100, como esse cheque não pode ser ao portador, o campo tem que ser preenchido, seja pelo apresentante do cheque, seja pelo próprio caixa, conforme o princípio da boa-fé.

Emito um cheque e escrevo atrás que esse cheque se destina ao pagamento de tal fatura, de tal conta de luz, de tal tributo. Lá na frente, o Poder Público te chama: IPTU é danado para dizer que você não pagou. Ele te chama porque está sendo intimado para comprovar o recolhimento do IPTU. Aí você leva o carnê do IPTU com a chancela mecânica. Aí, o Poder Público diz: “Para mim, essa chancela mecânica não vale nada, é falsa.” O que mais tem no mercado é máquina de autenticar título, vocês sabem disso. Outro dia, mesmo, foi presa uma quadrilha enorme se utilizando esse mecanismo. Até porque ninguém pára para ficar conferindo a autenticação. Salvo o meu avô, que lia a autenticação e se estivesse autenticado fora do lugar ele pedia para autenticar de novo. Na realidade, ninguém lê aquele troço porque confia. Você manda o office boy pagar a conta. Ele traz tudo autenticado e você entra pelo cano: o dinheiro foi todo desviado para outra pessoa. Quando o cheque se refere a pagamento de tributo, como o destinatário é o Poder Público, você vê como é sério: se você não tiver mencionado a destinação daquele cheque no verso, o próprio caixa põe no verso: “destina-se ao pagamento da parcela tal do tributo tal.” Porque quando você consigna isso no cheque, a microfilmagem vale como quitação. Veja o art. 28, parágrafo único, da Lei n.º 7.357/85:

“Se o cheque indica a nota, a fatura, a conta cambial, imposto lançado ou declara a cujo pagamento se destina, ou outra causa da sua emissão, o endosso pela pessoa a favor da qual foi emitido e a sua liquidação pelo banco sacado provam a extinção da obrigação indicada.

O art. 28, parágrafo único, da Lei n.º 7.357/85, tem uma razão de ser. Ele surgiu para incentivar a operação de cheque no mercado de valores mobiliários. Queriam incentivar a liquidação de valores mobiliários via cheque. Mas argumentavam: “cheque é algo um pouco abstrato, ele vai circular, ele circula de mão em mão, eu não terei como provar que foi quitada tal ou qual ação.” E o art. 28, parágrafo único, solucionou isso.

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Pergunta de aluno: esse mecanismo vale para dar quitação de dívidas particulares, como quota de condomínio, por exemplo?

Vale, compensou, está quitado.

Pergunta de aluno: e isso impede o cheque de circular?Não. O cheque pode circular. Pense o seguinte: Ela está com o meu dinheiro.

Eu te dou um cartão de visita escrito no verso: “pague ao apresentante R$ 100,00.” para você entregar a ela. Ela só vai pagar os R$ 100 a quem apresentar aquele cartão de visita. Se no cartão consta: “pague a ele R$ 100,00 por conta de um livro que comprei”, isso impede o cartão de circular? Não. No dia que o cartão chegar às mãos dela, que está com o meu dinheiro, ela vai ver se aquela assinatura é minha, e sendo, ela vai pagar o valor indicado e guardará o cartão. Se lá na frente o vendedor do livro alegar que não recebeu o dinheiro, ela vai apresentar aquele cartão, ou a microfilmagem dele, e ele vale como recibo. Então, cuida-se de um efeito extra-cambial conferido ao cheque para estimular a sua emissão. Hoje, ante as operações eletrônicas, o uso do cheque está sendo desestimulado. São poucas as pessoas que andam com talão de cheque a bolsa, porque há os cartões eletrônicos. A operação com cheque é muito cara para os bancos. Por isso é que se cobra a emissão de talão, o excedente. Um sujeito passa um cheque. O beneficiário deposita o cheque no banco dele, o Citibank, por exemplo. Durante a madrugada, porque a compensação é feita de madrugada, o Citibank tem que manter funcionários lá para proceder aos registros daquele cheque depositado, do Itaú, por exemplo. Depois, encaminha o papel para o banco Itaú. O Itaú verifica se o titular daquele cheque, o emitente, tem fundos, debita o valor da conta, encaminha para o Citibank, microfilma esse cheque e guarda. Só anos depois é que se destrói a microfilmagem. É um processo muito caro. É muito mais fácil passar o cartão eletrônico e toda essa operação se fará instantaneamente. Não há funcionário de madrugada, não há transferência de títulos, não há microfilmagem. Então hoje não mias se estimula a emissão de cheques.

Cheque admite cobrança de juros? Cheque não é uma ordem de pagamento à vista? Então não pode haver cobrança de juros, como diz o art. 10 da Lei n.º 7.357/85. Mas cuidado! O art. 10 está falando de juro convencional. É claro que o juro legal pode ser cobrado. O juro legal que decorre do não pagamento pode ser cobrado.

Pergunta de aluno: Eu não entendi muito bem essa história de o cheque funcionar como prova de pagamento. S títulos não são pro solvendo?

Ele funciona como recibo de pagamento. Ele reciba que o pagamento foi efetuado. Ele continua pro solvendo porque é só com a compensação que a obrigação subjacente estará satisfeita. Não há exceção à regra.

Pergunta de aluno: o título de crédito vinculado à obrigação não se torna pro soluto?Não! Lê apenas vai dizer que o título vai circular com a vinculação ali existente.

O que pode acontecer é a oposição das exceções pessoais. Mas isso não significa que está resolvida a obrigação subjacente. Quando você emite um título pro soluto,

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você resolve a obrigação subjacente [com a mera emissão do título, independentemente da sua liquidação] e neste caso (da vinculação do cheque), a obrigação subjacente não está resolvida. Só se ela se resolver, tudo estará bem (só com a compensação do cheque é que ela se resolve), e poderei cobrar de quem quer que seja.

Fora isso, o cheque segue o mesmo sistema. Endosso. Se você quiser criar uma questão com endosso póstumo, você faz, como foi feito no último concurso do MP. Se você quiser criar a cláusula de endosso-caução ou pignoratício também pode.

A única peculiaridade do cheque é uma peculiaridade recente, no que tange a endosso: ele só admite um endosso, por conta do art. 17, I, da Lei n.º 9.311/97, a Lei do CPMF.

O cheque não admite aceite, apesar de o banco sacado ser chamado de sacado. Como nós já vimos, ele é um sacado entre aspas, porque ele (banco) não é obrigado cambiário.

O cheque admite aval. Não é comum, mas cabe, sim, o aval. A única restrição imposta pelo art. 29, da Lei n.º 7.357/85, é que o banco sacado não pode ser avalisata.

Pergunta de aluno: existe algum título de crédito que não admite aval?Não. Todos os títulos de crédito admitem aval porque aval é uma garantia.

Por que o sacado não pode avalizar o cheque? Não seria razoável que o sacado avalizasse porque a pessoa que emitisse um cheque avalizado pelo banco sacado teria um cheque robusto, um cheque que não seria devolvido em hipótese nenhuma? Puxa uma seta de “sacado” e faça uma remição ao art. 7º ou ao art. 9º, III, que são os cheques visado e administrativo. Para você alcançar os objetivos que consideramos aqui no começo (a não devolução do cheque por insuficiência de fundos), teremos outros mecanismos diferentes do aval, como veremos. Na verdade, a razão para a lei inadmitir o aval pelo banco sacado é que ele não faz parte da relação cambial. Então não há razão de ser para ele integrar a relação cambial se há outros meios pelos quais uma garantia possa ser prestada. O avalista ingressa com uma obrigação autônoma, e ingressando na cadeia com uma obrigação autônoma, o banco ficaria desguarnecido. Se a garantia, entre aspas, quiser ser alcançada, por exemplo, alguém quer comprar um apartamento e não quer levar uma mala com o dinheiro. Para emitir um cheque que atenda aos anseios do credor, existem dois mecanismos: o cheque visado e o cheque administrativo.

O art. 7 º, da Lei n.º 7257/85, trata do cheque visado. Vamos ver como funciona o cheque visado:

“Pode o sacado, a pedido do emitente ou do portador legitimado, lançar e assinar no verso do cheque não ao portador e ainda não endossado, visto, certificação, ou outra declaração equivalente, datada e por quantia igual à indicada no título.”

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Então o visto significa o seguinte: você pega um cheque da sua bolsa, preenche e vai ao seu banco e pede para o gerente: “vista para mim?” O gerente confere os fundos da conta e carimba “visto”, “visado” ou uma outra expressão equivalente. Ele, no computador, acessa com uma senha e bloqueia o valor do cheque. O emitente guarda o cheque e encontra com a pessoa que vai receber aquele título e entrega o cheque visado. Esse credor deposita esse cheque. Esse cheque pode ser devolvido por falta de fundos? Sim, veja o art. 7º, § 1º:

“A aposição de visto, certificação ou de outra expressão equivalente obriga o sacado a debitar à conta do emitente a quantia indicada no cheque a reservá-la em benefício do portador legitimado, durante o prazo de apresentação, sem que fiquem exonerados o emitente, os endossantes e demais coobrigados.”

Então, aqui, o sacado é obrigado a reservar o dinheiro durante o prazo de apresentação do cheque. Se o beneficiário apresentar o cheque após o prazo de apresentação, é claro que o cheque poderá ser devolvido por insuficiência de fundos.

Mas e durante o prazo de apresentação? O cheque poderá ser devolvido por insuficiência de fundos? Também pode, vejamos a parte final: “sem que fiquem exonerados o emitente, os endossantes e demais coobrigados.”

Vai que o emitente está mancomunado com o gerente ou fabricou o carimbo “visado”. Quem vai saber se aquele carimbo e aquela assinatura são mesmo do gerente do banco? Se o cheque visado “volta”, o credor pode executar o banco que visou? Não, não poderá executar o banco que visou. Poderá, sim, adotar medidas contra o banco que visou: indenização. O beneficiário vai argumentar que o cheque foi visado por gerente daquele banco e mesmo assim o cheque foi devolvido. Causou prejuízo, logo cabe indenização. Geralmente isso não ocorre e a indenização resta frustrada porque o banco vai se defender argumentando que o tal “Ernane Estrela” não existe no quadro de funcionários. Normalmente, nas operações fraudulentas, é o próprio gerente quem carimbou, só que ele carimbou com um outro carimbo que ele já tem falsificado. Banco sofre muito com fraudes internas, praticadas pelos próprios funcionários. Mas isso tem sido minorado porque o sistema é eletrônico. Se alguém acessou a sua conta, teve que usar uma senha, que é uma assinatura digital. Por mais que o carimbo seja falsificado, tem como se chegar ao fraudador.

É por essa razão que ninguém aceita cheque visado. Você vai comprar um carro. Só tira o carro depois que o cheque compensar. Não interessa se o cheque é visado já que ele também pode ser devolvido.

Normalmente, o que se faz é cheque administrativo, também chamado de cheque bancário e, como diz o professor Rubens Requião, cheque de tesouraria. É a hipótese do art. 9º, III:

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“O cheque pode ser emitido:[...]III – contra o próprio banco sacador, desde que não ao portador.”

O cheque administrativo é sempre nominal, ele nunca é ao portador.Quem é o emitente do cheque administrativo? Se ele for devolvido, contra

quem deverá ser promovida a ação cambial? Quem será executado? O banco! No cheque administrativo, o banco é o emitente do cheque. É uma hipótese excepcional em que o banco será cambialmente obrigado. O banco fará parte da cadeia cambial. Ele é o emitente. E aí, para a gente visualizar bem: você chega para o seu mesmo gerente e diz: “estou comprando um carro e quero um cheque administrativo.” Muito bem. Ele acessará a sua conta, verificará os fundos para a emissão do cheque no valor que você quer. Da mesa dele, o gerente já bloqueia o valor do cheque. Liga para a tesouraria e requer a emissão do cheque administrativo em favor de Fulano de Tal, no valor de R$ 10 mil, por exemplo. Você assina o requerimento de cheque administrativo e lá na tesouraria, daí o termo “cheque de tesouraria”, emite-se o cheque. O banco consta como emitente. O tesoureiro assina, normalmente alguém do departamento financeiro também assina e às vezes o próprio gerente assina, visa. Você leva aquele cheque. Aquele cheque, entregue à agência de automóveis, pode ser devolvido? E se nesse meio termo a Liquidação Extrajudicial é decretada? É a hipótese do Banco Santos, eu enfrentei alguns casos de devolução de cheque administrativo do Banco Nacional... Com a Liquidação Extrajudicial, bloqueia-se tudo, não se pode pagar mais nada. “ué, mas o correntista não é o dono do dinheiro?” É? Cuida-se de depósito impróprio, irregular, não é depósito regular ou próprio. E mesmo assim, não há que se falar em depósito próprio ou impróprio. O emitente é o banco! O banco pode, eventualmente, devolver aquele cheque? Eventualmente até pode. Só que se você te um cheque administrativo de um Itaú, de um Banco do Brasil, se o cheque administrativo voltar, pode ‘fechar as portas’ do Brasil. Em tese, o cheque administrativo pode ser devolvido, mas o risco é mínimo. Se o banco entrar em Liquidação Extrajudicial, o cheque será devolvido. Não há possibilidade de pagamento. Hoje a situação está tranqüila, mas houve época em que se decretava Liquidação Extrajudicial quase todo dia...

Um parêntese aqui, já que tocamos nesse ponto. Tem a ver com cheque e tem a ver com falência.

Você tem conta em um banco. Guarda seu dinheiro lá, direitinho. Economizou para caramba e tem R$ 20 mil. O banco tem a Liquidação Extrajudicial decretada. Depois, falência do banco. Qual a postura que você pode adotar em relação ao banco para reaver esses R$ 20 mil? Pedido de restituição: esse dinheiro é meu?

- virada de fita -

Infelizmente, o STJ firmou posicionamento de que se trata de um depósito impróprio. Não há um contrato de depósito regular, não há mútuo. É um depósito impróprio porque quando você deposita, o banco [se torna titular daquele dinheiro] utiliza o seu dinheiro. E faz parte do Sistema Financeiro Nacional essa utilização. O

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depósito que você realiza no banco cai numa malha, que é um novelo de lã, um balaio de gato que você não consegue entender. O seu dinheiro depositado no Rio de Janeiro, no banco Itaú, financia a casa própria do sujeito que mora em Rondônia. Aquele que mora em Cuiabá financia a compra do seu carro aqui no Rio e assim por diante. É por isso que o STJ diz que o dinheiro não é seu, não cabe pedido de restituição. O STF também tem decisão nesse sentido. Mas no STF a questão ainda era mais controvertida. As questões que chegaram lá eram da época do Collor, quando houve o bloqueio das contas. E aí a razão é diferente, a razão é o bloqueio, não houve quebra de banco. Mas no STJ, depois de muita divergência, estabeleceu-se que se trata de um contrato de depósito impróprio. Eu até discordo, mas de nada adianta porque o tema já se pacificou. Então o correntista só pode adotar uma conduta: se habilitar como credor quirografário. O credor não vai receber.

Pergunta de aluno: se o banco vender o ativo dele, logo no início, para outro banco, esses valores são transferidos junto?

Não. Fica lá pendurado.

Pergunta de aluno: só transfere o contrato, como ativo?Depende. Na liquidação, se você alienar, falando, por exemplo, do BANERJ,

antigo BERJ, que tinha a marca BANERJ, vendeu tudo para um BANERJ novinho em folha, cujo maior acionista passou a ser o Itaú S/A, no leilão. A alienação, neste caso, foi do estabelecimento, de toda a estrutura, da empresa, mesmo, da estrutura – complexo de bens organizados para o desempenho da atividade. Os contratos também forma transferidos: houve cessão de contratos, especialmente o contrato maior, com o Estado, por isso que ninguém chiou. O Estado pagava tudo pelo BERJ, passou a pagar pelo BANERJ. Agora houve essa transferência para o Itaú. E se você era credor, você continua sendo credor, só que agora de outro contratante. Se antes você era credor do BERJ, você passou a ser credor do BANERJ e agora você é credor do Itaú.

Pergunta de aluno: quando houve essa alienação de ativo, os valores que estavam na sua conta foram junto?

Foram. Senão, era botar a baixo tudo. Inclusive, a transferência foi super direitinha e ninguém teve de pagar CPMF. Eles pagaram tudo do bolso deles. Eles cobraram e depois estornaram o valor da CPMF. E é por isso que houve o PROER. Não estou falando que o valor ou que o destino dado é certo ou não. Mas o POER foi certo. Ele foi feito para fazer frente aos depósitos em conta-corrente. A razão do PROER foi essa. Se liberaram dinheiro a mais, se desviaram, dinheiro, já é outra questão. É a mesma coisa quando as pessoas condenam licitação. Mas licitação é perfeito. O que as pessoas fazem para ganhar a licitação é que é outra coisa. O PROER serviu para fazer frente aos depósitos em conta-corrente. Então foram poucas as questões que chegaram ao STJ. E as questões que chegaram no STJ foram grandes: o Estado estava com o dinheiro todo no banco, ou uma companhia muito grande, e o PROER não fez frente a esses depósitos. Ou um empréstimo ou uma aplicação qualquer que venceu (após a cessão dos contratos bancários a outra

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instituição) e jogaram na conta-corrente e o banco (que estava sob intervenção) foi lá e alcançou o montante.

Pergunta de aluno: Eu sei que há um valor que é garantido. Qual é a legislação sobre isso?

É no próprio Sistema Financeiro Nacional, estabelecido através de Resolução do Banco Central. Está previsto pela Lei n.º 4.728/65. Esse depósito de que você está falando é o depósito compulsório. Os bancos são obrigados a realizar os depósito compulsórios de acordo com o montante de operação. O banco tem que deixar depositado junto ao BACEN uma determinada quantia conforme o montante operado. Isso funciona como um fundo. E é com os depósitos que você começa a entender os chamados Certificados de Depósito Interbancário – CDI. É com o CDI que surde o FDI – Fundo de Depósito Interbancário. E aí começa o Direito de Mercado Financeiro, Direito Mobiliário, que é bastante interessante, mas bastante complexo e específico. É o que no jargão popular é o “depósito compulsório” que o banco tem que fazer todos os dias no BACEN, de acordo com o volume, ele tem que aportar recursos para dar lastro.

Caiu na prova do MP: cheque administrativo pode ser revogado? Pode haver sustação ou contra-ordem de cheque administrativo? Vamos ver o floreio: A emite um cheque administrativo, que é endossado a C. só que A agora quer a sustação do pagamento. É possível isso? Não há menção na lei, mas depois de muita controvérsia na doutrina, hoje é pacífico de que cabe contra-ordem, cabe sustação de cheque administrativo. A dificuldade de se visualizar isso é que a contra-ordem, a sustação, é feita pelo emitente. E neste caso não será o emitente quem solicitará a sustação ao banco. Normalmente, A emite um cheque em favor de B e o banco está fora da relação cambial. Qual a diferença entre sustação e contra-ordem? Nas duas hipóteses deve haver razão, embora não caiba ao banco julgar a relevância da razão. Para você não esquecer: “sustar” o cheque parece “dar um susto”. Quando você “assusta”, você pára. Então sustar o cheque é uma medida imediata. A contra-ordem, só não haverá pagamento após o transcurso do prazo para apresentação. Então, se passou o prazo e o cheque não foi apresentado, ele não será pago.

Aliás, nós já falamos hoje as duas primeiras hipóteses de relevância do prazo de apresentação. Uma pergunta muito comum é: para que serve o prazo para apresentação? Se passou o prazo, pode depositar o cheque? Pode. O cheque perde a força executiva com o término do prazo de apresentação? Não. O cheque ainda pode ser executado? Pode. Então para que serve o prazo para apresentação de 30 dias [mesma praça] ou de 60 dias [praça diversa]? Por praça entende-se município, conforme Resolução do BACEN. A primeira relevância do prazo para apresentação é para fins de cheque visado. O valor fica bloqueado até o prazo para apresentação: depois ele fica liberado [art. 7º, § 1º, Lei n.º 7.357/85]. A segunda relevância é para fins de diferenciação de sustação por contra-ordem. Contra-ordem [arts. 35/36] só surtirá efeitos, o cheque só não será pago se o cheque for apresentado após o prazo para apresentação. E sustação, os efeitos são imediatos. Mas tanto numa quanto noutra hipótese, tanto na sustação quanto na contra-ordem, quem dá o comando é o

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emitente. E o problema que estamos enfrentando aqui no cheque administrativo é que o banco é o emitente. Como o banco vai sustar ou emitir contra-ordem? Foi o que a doutrina mitigou: mitigou a regra explícita dos arts. 35 e 36, quando eles dizem “o emitente”. O banco é o emitente, mas ele emitiu a pedido de alguém: seu correntista. Então se o correntista pede, ele não determina porque ele não é o emitente, ao banco que emita uma contra-ordem ou uma sustação por essa ou aquela razão, o banco, emitente, o fará. Por exemplo: o negócio foi desfeito. Pode acontecer, também, descumprimento do negócio. Por exemplo, você vai comprar o carro, deixa o cheque administrativo. O dia da entrega do carro é sexta-feira à tarde. Aí você passa lá na sexta-feira e a loja está fechada. Na semana seguinte ela permanece fechada. Você liga para o banco e pede para sustar aquele cheque administrativo por descumprimento da obrigação. Como a relação é pessoal, cabem as exceções pessoais. Isso é possível. O problema surgirá se a concessionária tiver endossado o cheque. O endossatário depositará o cheque, que será devolvido por sustação. C vai cobrar do emitente do cheque, o banco, via execução. E o banco vai alegar que não tem que pagar porque o correntista pediu para ele sustar o cheque. O banco vai ter que pagar? Sim! Princípio da autonomia, salvo se ele comprovar má-fé [aqui não há relação pessoal]. E depois que o banco pagar, ele vai cobrar do cliente via ação de conhecimento pelo rito monitório. Ele não terá título executivo para cobrar do cliente. E o cliente terá a pagar.

Só que isso nunca acontece [o banco sustar o cheque administrativo e depois ser executado como devedor cambiário principal pelo credor do cheque administrativo]. O banco só susta cheque administrativo se o cliente trouxer o cheque de volta. Ele sabe que isso pode acontecer [ser executado como devedor principal em caso de sustação de cheque]. E mais, se o cheque não é pago, não havendo má-fé ou exceção pessoal a autorizar esse comportamento, o banco será ainda condenado a indenizar o credor. Isso explica por que ele só susta o cheque se o correntista devolver o cheque administrativo.

Pergunta de aluno: mas você não falou que para sustar um cheque basta uma justificativa, por mais banal que seja?

É. Basta. Mas o banco não vai sustar o cheque se o cheque não lhe for devolvido.

Entenderam isso? O cheque administrativo pode ser sustado. Mas o banco pode ser compelido ao seu pagamento se o cheque tiver circulado. Princípio da autonomia. O banco vai pagar via execução. Mas ele não vai cobrar do cliente via execução, mas via ação de conhecimento pelo rito monitório porque contra o cliente o banco não tem título executivo. Ele poderá, ainda, pedir indenização do cliente pelo prejuízo suportado.

Os efeitos da sustação e da contra-ordem são iguais. A diferença é o momento em que esses efeitos incidirão. Na verdade, o feito é obstar o pagamento. Os requisitos para requerimento também são os mesmos: justificativa. Uma questão boa, né?

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Pergunta de aluno: o banco tem respaldo legal para essa possibilidade de risco futuro de sustar o cheque como o cliente pede, mas não entrega o cheque administrativo. O banco tem essa possibilidade de não sustar por causa de possibilidade de risco futuro.

Parece que sim. Mas essa questão não chega ao Judiciário porque cheque administrativo é igual a dinheiro. Você só entrega o cheque administrativo quando houver o cumprimento da obrigação. O vendedor de boa-fé, quando te diz que o carro será entregue na sexta-feira, ele te manda trazer o cheque só na sexta-feira. O certo é isso. O sujeito deixa o dinheiro e depois vai buscar o dinheiro de volta. Essa questão é um tanto complicada. A meu sentir, é lícita a exigência do banco porque quando o cliente manda sustar o cheque administrativo, ele vai quer o dinheiro dele liberado. E se ele não traz o cheque administrativo, o risco para o banco é muito alto: de ter que pagar aquele valor e de o cliente gastar o dinheiro e não restituir ao banco. A jurisprudência não diz nada porque isso não chega ao Judiciário.

Pergunta de aluno: você sabe que na prática do cheque administrativo, o banco debita da conta do cliente e credita em uma conta do banco. O cheque administrativo é um débito naquela conta do banco.

No cheque administrativo, o banco coloca um “menos” ali na conta do cliente, como se tivesse debitado. E inscreve: “reserva de cheque administrativo”. E aquele valor sai da conta, fica indisponível. Fica disponível na conta do banco para o banco pagar. Se sustar, o banco tem que estornar essa quantia.

Pergunta de aluno: não há uma diferença de que a contra-ordem é definitiva e a sustação não é?

Pela redação dos arts. 35 e 36, não há indicação de que uma ou outra seja definitiva. São institutos extracambiais. Nada impede que o cliente dê um comando de pagamento daquele cheque após a sustação ou a contra-ordem. Nada impede que isso seja feito porque o instituto é de Direito Civil e aqui não há nenhuma vedação.

Cheque pós-datado. E não pré-datado. Se fosse pré-datado, você teria que colocar uma data pretérita, passada.

Em meados de 1998 teve de modificar a sua orientação. Até meados de 1998, a jurisprudência dizia que cheque pós-datado não existia. É uma ficção, uma idéia criada pelo mercado, problema de vocês. A lei não contempla essa possibilidade. E mais: pelo art. 32, há uma vedação explícita á emissão de cheque pós-datado:

“O cheque é pagável à vista. Considera-se não escrita qualquer menção em contrário”.

Então o art. 32 já seria suficiente: cheque é sempre à vista. E mesmo com a redação do caput do art; 32, o legislador teve o cuidado de explicitar ainda mais com o parágrafo único:

“O cheque apresentado para pagamento antes do dia indicado como data de emissão é pagável no dia da apresentação”.

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Se a data de emissão consta como 10 de dezembro de 2007, se eu apresentar hoje, ele é pagável hoje. O que o art. 32, parágrafo único, está dizendo é que é vedado o cheque pós-datado.

Em 1998, de 1998 para 1999, foi detectado um volume imenso de cheque pós-datado. Aquela época de Natal, coisa e tal, verificou-se que quase 80% das comprar no varejo foi feita com cheque pós datado. Com isso, uma avalanche de ações no Judiciário, normalmente contra aquele que disse que o cliente poderia emitir cheques até julho. O vendedor se compromete a depositar o cheque quando convencionado. Ele grampeia um “bom para” e guarda os cheques na gaveta. Algumas pessoas não honravam a palavra, depositavam os cheques. Se não tivesse dinheiro, “entrava no cheque especial”. E passava a dever ao banco. E até então o Judiciário dizia: “problema seu. Eu não mandei emitir cheque pós-datado porque cheque pós-datado é contra a lei”. Depois, a jurisprudência evoluiu: cambialmente, o problema é de vocês. Não posso fazer nada. Cambialmente, emitiu o cheque para dezembro de 2007 e o cheque foi depositado em setembro de 2007, não posso fazer nada. O banco não será responsabilizado em nada. Se o caixa vir a data do cheque datado para 10 de dezembro de 2007 e hoje o cheque for apresentado a ele, ele vai processar o cheque: carimbar e compensar. E não vai acontecer nada com o banco. O que se desenvolveu foi o seguinte: toda relação cambial, como nós temos repetido bastante, ela traduz uma relação jurídica subjacente de Direito Civil. Nessa relação jurídica subjacente de Direito Civil foi pactuada uma obrigação de não fazer. E a obrigação de não fazer é: o credor pode depositar o cheque hoje? Pode. Mas ele não vai depositar hoje. Ele só vai depositar em 10 de dezembro de 2007. E se ele, credor, depositar esse cheque antes da data pactuada, ele descumprirá uma obrigação de Direito Civil e terá que indenizar o devedor, emitente do cheque. Portanto, o cheque pós-datado renderá ensejo ao descumprimento de uma obrigação de não fazer. E descumprindo uma obrigação de não fazer, indenização. Não há nenhum instituto cambial. Há apenas indenização, instituto de direito civil. Para isso é necessário que demonstre prejuízo. Indenização é para tornar “indene”...

- virada de fita -

... existe exatamente para isso: “bom para dia tal”. Ele grampeia os papeizinhos “bom para”. E aí, meu amigo, indenização nenhuma. Como é que você vai saber se o cheque foi para o dia tal? “Ah, tinha um papelzinho grampeado, inverte o ônus da prova...” Não, meu amigo, assim já é demais! Tem que escrever no cheque. O ideal é que você já coloque a data futura como data de emissão. E escreva no verso:

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“cheque pós-datado”, “só pode ser depositado na data tal”. Se alguém depositar, pode ser condenado na indenização.

Pergunta de aluno: e se você tiver a nota dizendo que era em seis vezes?Aí você tem como provar. Mas tem que ser uma prova forte: pagamento em seis

prestações, cheques números tais. Aí dá para provar.

Esse cheque que você passa para uma loja, loja entre aspas porque loja não é pessoa, você passa o cheque para a sociedade empresária que explora aquela loja. Você é o emitente de um cheque pós-datado para B. Consignou a data futura expressamente no cheque. Só que B quer o dinheiro hoje, não quer esperar até 10 de dezembro de 2007. B procura um faturizador e endossa o cheque emitido por A, sem garantia. O faturizador deposita o cheque hoje, ou seja, antes da data 10 de dezembro de 2007. O cheque é devolvido por insuficiência de fundos e causa um prejuízo danado a A. E agora? A vai pedir indenização de quem? Nós quando tratamos da indenização, vimos que a jurisprudência diz que cambialmente não cabe nada. Mas na parte de Direito Civil, na parte de cessão civil de crédito [endosso sem garantia], quando B cedeu civilmente o seu crédito para C, B cedeu um crédito exigível só em 10 de dezembro de 2007. B cedeu também a obrigação de não fazer. Quando B cede civilmente, ele fica civilmente amarrado? O cedente garante a existência do crédito. Na cessão civil de crédito, não existe a figura do co-obrigado, que existe no Direito Cambiário. Quando nós falamos de endosso, no Direito Cambiário, quando B transfere a C, B deve tudo e ao mesmo tempo não deve nada. Ele fica amarrado para dar garantia, por conta dos atributos celeridade e segurança, só isso. Quando você cede no Direito Civil, o cessionário se desobriga. Por isso que na cessão de Direito Civil, analisa-se a obrigação em questão e a pessoa do cedente. Neste caso, a obrigação foi cedida civilmente com a marca da obrigação de não fazer. Então A vai buscar a indenização de C, não de B. C é o cessionário, é o credor. E o crédito só poderia ser exigido, só poderia ser cobrado em 10 de dezembro de 2007 por conta da obrigação de não fazer.

Pergunta de aluno: como a relação jurídica de A é com B, A sequer vai ficar sabendo dessa relação de B com C. essa cessão civil não depende da aceitação de A? A não tem que ser cientificado dessa cessão?

Por isso que no factoring você informa. Quando celebra o contrato de factoring, informa-se ao A, para evitar qualquer problema.

Pergunta de aluno: a cessão sem anuência de A é nula. Vamos dizer o seguinte: B cede o crédito para C e A não sabe de nada. C deposita o cheque antes da data avençada com B. o cheque volta por insuficiência de fundos.

Neste caso, A vai acionar B porque a cessão não é oponível a A.

Pergunta de aluno: e se B só endossasse o cheque?Se no cheque está escrito “bom para dia tal”, a mesma coisa, o raciocínio é o

mesmo.

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Pergunta de aluno: e vai pedir a indenização para o endossatário?A mesma coisa, por causa da cessão civil. Lembrando, como ela bem ressaltou,

que no factoring, a informação é importante. Na hipótese de não informar, você cobrará a obrigação subjacente do faturizado.

Pergunta de aluno: inaudívelSe B cede o título e não informa a A, a cessão não é oponível a A. se C

depositou o cheque antes do convencionado, por causa da não comunicação de A, B continua vinculado e terá de indenizar A. Depois ele se resolve com C.

Pergunta de aluno: então A vai mover a ação contra B e C?Depende.

Pergunta de aluno? B tem que informar a A e C tem que respeitar a convenção da obrigação de não fazer.

Mas é Direito Civil. E a transferência só seria válida se A fosse cientificado da operação.

Gente, tem que tomar cuidado para ver se é factoring de verdade. A emite um cheque em favor de B, no verso B endossa sem garantia ao faturizador, assina-se lateralmente um escrito contrato de factoring. E esse contrato escrito de factoring é informado ao emitente. Esse é o contrato de factoring tradicional. O que é feito por aí a torto e a direito não é factoring, é agiotagem. B pega os 32 cheques que A emitiu para comprar um computador, sem nome de beneficiário nenhum. B entrega o bolo de cheque para alguém, que paga pelos cheques com deságio, coloca um carimbo... Se algum cheque voltar, esse alguém liga para B, B resgata aqueles cheques com outros cheques B cobra de A. Isso não é factoring.

Pergunta de aluno: e se A emitir esses 32 cheques com a cláusula “não a ordem”?Aí a cessão é civil.O melhor para você transformar o cheque em não à ordem é colocar um “não”

antes de “ou à sua ordem”. A jurisprudência só é controvertida se o “ou à sua ordem” estiver riscado. Se você coloca um “não à ordem”, é uma boa alternativa para evitar que o cheque circule via endosso e você sofra dos efeitos do princípio da autonomia. Só que normalmente os vendedores são treinados a não receber esse tipo de cheque. E eles nem sabem por quê.

01 de setembro de 2007 – aula 08

Como muitos já devem saber, na terça-feira foi aprovado o regulamento do próximo concurso do MP. A próxima etapa é a elaboração do edital, que já está pronto. Só falta publicar. Ao que tudo indica a prova será dia 4 de dezembro, nas instalações da Estácio. Pelo menos tem ar-condicionado.

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Vamos terminar o cheque, para tratarmos de questões.Na última aula nós falamos sobre sustação e contra-ordem. Encerramos

falando sobre cheque pós-datado.Falemos agora sobre cheque especial.O “cheque especial” é uma terminologia utilizada pelos bancos. Na verdade,

cheque especial não existe. Eles usavam esse termo para que os clientes especiais ganhassem um cheque especial. O cheque especial é um contrato de abertura de crédito em conta-corrente.

Era dito ao cliente que se ele precisasse de dinheiro, ele não precisaria ir ao banco pedir. Dede já eu, banco, autorizo um limite de crédito. E funciona da seguinte forma. O cliente emite um cheque de R$ 1.000, mas só tem R$ 500 na conta. Quando esse cheque for apresentado, o banco verificará que, como só tem R$ 500 na conta, o cliente quer R$ 500 emprestado do que já foi previamente disponibilizado. Então o banco paga aquele cheque. E o cliente passa a dever ao banco. E isso é muito simples. O problema surge quando o cliente tem que pagar ao banco mas não paga. Como o cliente paga ao banco? O cliente tinha que pagar o que era devido. Só que se ele não pagasse em um determinado dia, no dia seguinte, o valor já era outro, já era mais. O vencimento do cheque especial é diário. O cheque especial vence diariamente.

Qual o juro que incide ali no cheque especial? O juro contratado, o juro pactuado. E você tem que saber qual a taxa de juro, tem que saber que banco não está alcançado pela Lei de Usura. O STF, na súmula 596, diz que banco não se submete à Lei da Usura [“As disposições do Decreto 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas que integram o sistema financeiro nacional”]. Mas deixa isso para lá. O que importa aqui é saber que o contrato de cheque especial tem vencimento diário.

Se a sua conta é uma conta-salário, o banco nunca vai te cobrar. Existem muitas pessoas que têm conta-salário, especialmente os funcionários públicos. Naquela conta-salário, ninguém vai te cobrar. Ninguém vai cobrar judicialmente, vai cobrar extrajudicialmente, porque todo mês você vai pagando e o banco vai cobrando e vai lucrando sempre. E tem gente que não está nem aí se entrar no cheque especial. No mês seguinte, o salário vai cobrir o cheque especial, mesmo. O banco não vai cobrar. Tem gente que vive assim. O problema é que um dia a fonte seca. Ou pior, um dia esse funcionário público, por qualquer razão, volta para a iniciativa privada. E pára de “cobrir o cheque especial”. E quando esse tipo de problema surge, a sua conta é encaminhada para o Departamento Jurídico. O Jurídico vai abrir a sua pastinha e vai achar o contrato de abertura de conta-corrente, cópia dos documentos, do comprovante de residência e uma cópia do extrato, indicando o valor de R$ 13.742,00 como o valor do débito. Embora ele só tinha pego R$ 3 mil emprestado. O Jurídico olha o contrato de abertura de crédito em conta corrente: a obrigação é certa, a obrigação é exigível – porque vencimento é diário, o sujeito devia desde o dia seguinte ao da efetuação do empréstimo. O problema está na liquidez: quanto essa pessoa deve? Esse contrato estava subscrito por duas testemunhas, logo ele tem a

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forma de título executivo. Sendo esse título executivo, os bancos aparelhavam esse contrato com o extrato. E aí houve uma divergência muito grande entre o TJ/RJ e o TJ/SP. O TJ/RJ dizia que isso não tinha força executiva. Apesar de o contrato estar subscrito por duas testemunhas, a obrigação, para ser exeqüível, tem que ser: certa – certa ela é; exigível – exigível ela também é; e líquida. Mas o TJ/RJ dizia que a liquidez não se satisfazia com o extrato porque o extrato é documento unilateral. É o banco quem elabora o extrato. Então o TJ/RJ dizia que o contrato de cheque especial acompanhado do extrato não tinha força executiva. Só que o TJ/SP dizia exatamente o oposto: que havia força executiva. Havia força executiva: todo mês você recebe o extrato em casa, você pode acessa-lo via internet. Então o documento faz parte do contrato. Logo é título executivo.

A divergência jurisprudencial entre Tribunais de Justiça de diferentes entes da federação: STJ.

Aliás, o STJ serve para isso. Vocês sabem quantos por cento dos RESPs sobem no Estado do Rio de Janeiro? 3%. RESP serve basicamente por isso: divergência no tratamento da lei por entes diversos. Como a lei é federal, todo mundo tem que aplicar a lei de forma uniforme em todo o território nacional. Mas não, as pessoas querem uma segunda apelação.

Neste caso especificamente, era caso de RESP. E depois de uns 250 acórdãos no mesmo sentido, veio a súmula 233: “o contrato de abertura de crédito, ainda que acompanhado de extrato da conta corrente, não é título executivo”.

Aí surge a dúvida: se isso não é título executivo, como o banco vai cobrar? Foi necessária a elaboração de um novo enunciado de súmula, o de nº 247: “o contrato de abertura de crédito em conta-corrente, acompanhado do demonstrativo de débito, constitui documento hábil para o ajuizamento de ação monitória”

Ou seja, o extrato é um escrito particular de dívida, de acordo com esse entendimento. O que eu até acho exarcebado: dizer que o banco, com suas contas unilaterais, tem um escrito particular de dívida. É o mesmo que eu te emprestar um dinheiro, fazer umas contas, apresentar um valor e com isso intentar uma ação de conhecimento pelo rito monitório. Você nem assinou nada... Mas é assim, não adianta ficar dando murro em ponta de faca. Hoje é assim e está pacificado.

Os bancos partiram para uma outra alternativa, de que nós já falamos da nota promissória. Os bancos passaram a se valer de nota promissória vinculada ao contrato de abertura de crédito em conta-corrente. Então ele vincula uma nota promissória em branco e preenche com o valor que foi alcançado naquele extrato. Preenchida aquela nota promissória, o banco executa. O STJ, mais uma vez, diz que não pode, no enunciado 258: “a nota promissória vinculada a contrato de abertura de crédito não goza de autonomia em razão da iliquidez do título que a originou”. O enunciado veda: Se o contrato não tem liquidez, a nota promissória também não tem.

E o que os bancos fazem? Eles utilizam todo o poder de fogo para que o Executivo os proteja. Então surge a Medida Provisória n.º 1.925/99, depois a 2.160, depois convertida em lei, a Lei n.º 10.931/04, criando um novo título de crédito chamado de Cédula de Crédito Bancário. Não é muito difícil concluir o que eles fizeram. Os bancos queriam um título que, acompanhado do contrato de abertura de

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crédito em conta corrente e extrato, tivesse força executiva. Então criou-se um novo título de crédito, um título executivo, para atender essa necessidade. Quando hoje você for ao banco abrir uma conta, o gerente vai dizer que você é uma pessoa especial, e para pessoa especial, cheque especial. Então você assina três documentos: contrato de conta-corrente, contrato de abertura de crédito em conta-corrente, e uma cédula de crédito bancário. É um título de crédito para que, no dia que você buscar dinheiro no cheque especial, aquilo começa a girar na sua conta e o valor da dívida é alcançado pelo extrato bancário [art. 28, Lei n.º 10.931/04: A Cédula de Crédito Bancário é título executivo extrajudicial e representa dívida em dinheiro, certa, líquida e exigível, seja pela soma nela indicada, seja pelo saldo devedor demonstrado em planilha de cálculo, ou nos extratos da conta-corrente, elaborados conforme previsto no § 2º].

Hoje, a cédula de crédito bancário é título de crédito exeqüível. Já há decisões dos tribunais locais, do STJ ainda não, dizendo que a dívida é exeqüível porque a lei diz que é. E é título executivo o que a Lei diz que é. E a lei diz que a cédula de crédito bancário é título executivo se acompanhada do extrato. E isso ganha uma respeitabilidade, um lastro maior de responsabilidade porque a Lei n.º 10.931/04 traz um dispositivo que, imaginemos o seguinte: se a dívida atualizada é de R$ 5 mil. Se o banco preenche a cédula de crédito bancário em R$ 7 mil e em juízo se apura que o valor correto era de R$ 5 mil, o banco automaticamente tem que devolver os R$ 2 mil em dobro, sem prejuízo da indenização [art. 28, §3º: o credor que em ação judicial, cobrar o valor do crédito em desacordo com o expresso na Cédula de Crédito Bancário, fica obrigado a pagar ao devedor o dobro do cobrado a maior, que poderá ser compensado na própria ação, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos]. Automaticamente, essa obrigação de restituir em dobro gera um freio, um contrapeso. Na hora em que ele for elaborar o cálculo para preencher o título, ele vai ter muita cautela. Gera um receio nas instituições financeiras. Com base nisso é que se espera cautela das instituições financeiras na elaboração desses cálculos. Hoje não tem mais jeito. A Cédula de Crédito Bancário é título de crédito, pode ser executado com base no contrato de abertura de crédito em conta corrente acompanhado do extrato. A cédula é exeqüível e pode instruir requerimento de falência.

Pergunta de aluno: inaudívelSó as posteriores. É necessário que você tenha uma Cédula de Crédito

Bancário.

Pergunta de aluno: se você tem uma conta há 30 anos, eles podem te obrigar a...Obrigar, não. O que pode acontecer é o seguinte: você tem uma conta corrente,

mas não tem uma Cédula de Crédito Bancário. Só que o banco traçou como meta que todos os correntistas tenham que ter uma Cédula de Crédito Bancário. O gerente te liga: você tem que vir aqui para um recadastramento. Aí você vai lá, leva os documentos e acaba assinando uma Cédula de Crédito Bancário. Mas se você se recusa a assinar a Cédula de Crédito Bancário, ele vai por etapas. Te oferece um limite maior se você assinar a Cédula de Crédito Bancário. Você não recusa. Até que

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uma hora ele te convence. Ele te oferece uma conta super personnalité sem você pagar nenhuma tarifa. E aí você assina a Cédula de Crédito Bancário. E entrar no cheque especial é a maior furada. Como é instituição financeira, não se submete a Lei da Usura. E a taxa varia de 5 a 8%. Se um dia você precisar de dinheiro, não entra no cheque especial. Procura o gerente e faz um empréstimo. Os juros do mútuo feneratício variam entre 3 e 5%. É a metade do juro do cheque especial. Fora que você já sabe de antemão quanto vai pagar. Só que o cheque especial é muito cômodo. E para discutir cheque especial tem que ir a juízo. E ninguém vai a juízo para discutir R$ 70,00. Quem vai advogar para mim? As custas são maiores que isso. A mesma coisa vale para os juros do cartão de crédito. As operadoras de cartão de crédito são equiparadas a instituições financeiras. Logo elas também não se submetem à Lei da Usura. [súmula 283, STJ: As empresas administradoras de cartão de crédito são instituições financeiras e, por isso, os juros remuneratórios por elas cobrados não sofrem as limitações da Lei de Usura].

Esta questão aqui do cheque especial, dos juros, teve o seu auge, caiu, parou um tempo e ninguém nunca mais perguntou sobre isso. Só que agora, ao que tudo indica, esse tema vai voltar porque as Cédulas de Crédito Bancário estão chegando ao Judiciário. O tempo passou. Chamaram-se os clientes para assinar a Cédula de Crédito Bancário, os clientes entraram no cheque especial, renegociaram, entraram de novo ... Só agora que a questão está chegando ao Judiciário. Quando a pessoa não pagou de jeito nenhum é que a questão vai para o Judiciário. Tanto que o STJ ainda não tratou da matéria. No TJ/RJ, que eu tenha conhecimento, são 4 ou 5 acórdãos, só. Mas todos eles no mesmo sentido; a Cédula de Crédito Bancário é título executivo, é exeqüível e o valor lançado, mesmo com o extrato, é válido. Como está na Lei.

Pergunta de aluno: essa cobrança, feita dessa forma, é válida para qualquer correntista?

Só se o correntista tiver assinado uma CCB. Mesmo que a conta dele tenha 20 anos. Se ele assinou a CCB, a cobrança com base no extrato é válida.

A pergunta é: contrato de conta corrente pode ser executado? Juntado o extrato a ele, ele pode ser executado? Não? Hoje ele também não pode ser executado assim. O que pode ser executado é a Cédula de Crédito Bancário acompanhada do extrato. É a típica pergunta de prova que todo mundo acha que acertou. O mecanismo da Lei diz que se a Cédula de Crédito Bancário contiver o valor, ela é exeqüível desde já.

A Cédula de Crédito Bancário pode instruir requerimento de falência? Só se estiver acompanhada do extrato. Ela sozinha não pode. O contrato de cheque especial também não pode.

A Cédula de Crédito Bancário pode ser utilizada para outras hipóteses, que não vinculadas à conta de cheque especial. Se você contrair um empréstimo de R$ 10 mil, o banco pode emitir uma Cédula de Crédito Bancário nesse valor. Depois, para executar, ele junta uma planilha só para justificar juros e correção.

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Uma outra hipótese, por exemplo, ligada a contas antigas. O sujeito se descontrolou no cheque especial e está devendo R$ 4.800,00. O gerente liga para ele para avisar que não tem mais jeito, vai mandar o caso para o Departamento Jurídico. O sujeito vai à agência conversar com o gerente renegociar a dívida. Na renegociação, o cliente assina a Cédula de Crédito Bancário no valor de R$ 4.800,00, cujo pagamento será feito em 10 parcelas, com desconto na conta. Aí começa a bola de neve. A Cédula de Crédito Bancário tem um valor fixo. E os R$ 480,00 são descontados na sua conta. E se você não tem dinheiro, ele desconta no cheque especial que você ainda tem limite. Então o sujeito fica devendo em cima daquilo.

E com isso surge uma questão que foi sumulada recentemente: o sujeito está devendo no cheque especial, na CCB, no mútuo feneratício... O sujeito vai se endividando. Mas no banco tudo se resolve: parcela a dívida a perder de vista e assina uma Cédula de Crédito Bancário. Depois o correntista entra em juízo para discutir o valor avençado naquela confissão de dívida. Pode? Houve novação? Isso aparece muito em pedido de falência com base em confissão de dívida. Em resposta, o devedor destrincha, ele abre a confissão de dívida, expõe as causas daquela confissão... O requerente nega: confissão de dívida é novação. É uma nova obrigação. O professor Anco Márcio Vale elaborou um parecer buscando no Direito Romano as origens da novação. Novação quer dizer nova obrigação. Nova obrigação. Meio ajuste referente a prazo de pagamento, data de pagamento, ajuste quanto ao vencimento não caracteriza novação. A obrigação permanece a mesma: a certeza é a mesma e a liquidez é a mesma. Só a exigibilidade é alterada. Por isso, recentemente o STJ editou a súmula 286: a renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores.

Então a confissão da dívida não impede a discussão dela em juízo.

Pergunta de aluno: quando o banco celebra essa confissão de dívida, só o correntista e o gerente assinam. Normalmente, as duas testemunhas assinam depois. Então, na cópia do correntista, não há duas testemunhas, mas na cópia do banco há. Dessa forma há como se impugnar o título?

Sim. As testemunhas têm de presenciar o ato. Não podem ser indicadas depois. Isso pode ser suscitado. A dificuldade será demonstrar que as assinaturas foram posteriormente lançadas ou não. Normalmente, a cópia que o cliente tem não está assinada por ninguém, como se fosse um panfleto. O papel em branco é só um modelo de contrato, que pode ser obtido a qualquer tempo.

Pergunta de aluno: então a Cédula de Crédito Bancário mais o extrato é título executivo?

É. Com eles pode-se executar e requerer falência, desde que alcance o montante de 40 salários mínimos [art. 94, I, NLF].

Pergunta de aluno: uma confissão de dívida assinada por duas testemunhas pode ser executada?

Pode!

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Pergunta de aluno: aí nem precisaria da cédula de crédito bancário?Não. Neste caso não precisaria de Cédula de Crédito Bancário. Só que a

cédula é um instrumento mais fácil: você não precisa de duas testemunhas, não precisa consignar o valor desde logo, o extrato vai indicar quanto o sujeito deve.

Pergunta de aluno: se a pessoa estiver devendo no cheque especial, é melhor a pessoa nem ir negociar a dívida, para não ter que assinar uma Cédula de Crédito Bancário.

A pessoa sempre deve renegociar a dívida, desde que dentro de um patamar aceitável. Os juros do cheque especial sempre serão de um patamar exorbitante. E na renegociação da dívida os juros são mais baixos. O que às vezes acontece é um sujeito pegar um empréstimo em um banco, a juros fixos, para quitar o cheque especial de um outro banco. Se você for tentar pegar o empréstimo no mesmo banco, ele pode não querer, já que para ele é mais interessante que incidam os juros do cheque especial.

Pergunta de aluno: você falou que a Cédula de Crédito Bancário é emitida sem o extrato bancário.

É. Ela é emitida se você dever. Ela vai ser emitida sem valor, só que não vai cair no mesmo problema da nota promissória em branco, vinculada ao cheque especial porque a lei autoriza isso. A lei dá força para isso.

Somente a Fazenda Pública tem força para emitir unilateralmente um título, que é a CDA – Certidão de Dívida Ativa. Veja a que ponto nós chegamos! Nós praticamente demos poder às instituições financeiras para emitirem títulos unilateralmente. Não é bem isso porque o devedor emitiu, ele assinou a Cédula de Crédito Bancário. Mas é a instituição financeira quem está unilateralmente impondo quanto você deve;

Pergunta de aluno: qual a diferença entre o cruzado e o cheque para ser creditado em conta?

Essa diferença é difícil de ser detectada porque ela decorre da Lei Uniforme de Cheques [Decreto n.º 57.795/66], em que houve ressalva de um e de outro. O que acontece: há dois dispositivos tratando praticamente a mesma coisa. A única diferença entre o cheque cruzado e o cheque para ser creditado em conta é que no cheque cruzado, o cruzamento pode ser geral ou especial. No cruzamento geral, quando você cruza, o cheque tem que ser depositado em qualquer banco. No cruzamento especial, é dito qual banco o cheque tem que ser depositado. É o cruzamento em preto, como diz a praxe, embora a lei só fale cruzamento especial. O cheque para ser creditado em conta é basicamente a mesma coisa: você só pode operar com ele se for depositando em conta. Não há aí a diferenciação entre cheque cruzado especial ou geral. A diferença é só essa: em um cabe cruzamento especial e geral, no outro, não. Isso aí você teve a repetição de nomes por causa de ressalvas feitas: há dispositivos que deveriam constar obrigatoriamente, outros não.

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NOTA – cheque cruzado: arts. 37/38, decreto 57.595/66, arts 44/45, Lei 7.357/85Cheque para ser levado em conta: art. 39, D 57,595/66; art. 46, Lei 7.357/85

O cheque creditado em conta não vai circular. Com o cruzamento, ele pode circular uma vez. Com o cheque creditado em conta, não: a única operação que ele pode realizar é o depósito, o creditamento em conta. O cheque cruzado, apesar de estar cruzado, pode ser endossado.

Pergunta de aluno: a cédula tem as características comuns de um título de crédito? Ela pode circular?

A cédula pode. Ela pode circular mediante endosso, ela pode ser avalizada... Ela é mais sofisticada: ela pode ser securitizada, ela pode ter outras garantias que não o aval, ela tem incutida pela lei a cláusula sem despesas – ela não precisa ser protestada para ser cobrada. E uma coisa interessante sobre a Cédula de Crédito Bancário: a tendência de todas as leis sobre título de crédito dizem que o endosso tem que ser em preto. A própria Lei n.º 10.931/04 estabelece isso. Com a entrada da Letra de Crédito Imobiliário (LCI) e Cédula de Crédito Imobiliário (CCI), as duas ó podem ser transferidas via endosso em preto. E a Cédula de Crédito Bancário, também: só pode ser transferida via endosso em preto.

Muito bem: nós já falamos sobre protesto, mas vamos repisar isso aqui no cheque porque o protesto em geral tem o prazo de um dia útil, comportando exceções na duplicata e no cheque. Para a duplicata, o prazo para o protesto é de 30 dias e no cheque, 30 ou 60 dias.

Vai lá no art. 47, II:

“Pode o portador promover a execução do cheque:[...]II – contra os endossantes e seus avalistas, se o cheque apresentado em tempo hábil e a recusa de pagamento é comprovada pelo protesto ou por declaração do sacado, escrita e datada sobre o cheque, com indicação do dia de apresentação, ou, ainda, por declaração escrita e datada por câmara de compensação.”

O art. 47 fala sobre cobrança. Daí se extrai o seguinte: para o credor exercer seu direito creditício contra os co-obrigados, o cheque tem que estar protestado. A peculiaridade para o cheque é que a apresentação para a Câmara de Compensação supre o protesto: a informação do banco de que não há provisão de fundos, essa declaração faz com que o protesto seja suprido, salvo se você queira, com esse cheque, instruir o pedido de falência. A gente com o tempo vai adquirindo a malícia.

Qual o prazo para o protesto do cheque? Muita gente acha difícil, ou nem percebe isso. Mas o art. 47, II, diz: “se o cheque apresentado em tempo hábil”. Então disso puxa uma seta para o art. 33, porque é o art. 33 que diz que o prazo de apresentação é de 30 ou 60 dias. E aí não tem como escorregar. E lá no art. 33, onde

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fala dos 30 ou 60 dias, para você saber o que é mesma praça, faça uma remição à Resolução 1.682/90, BACEN, segundo a qual mesma praça é mesmo município.

Outra peculiaridade a respeito do cheque consta do art. 48, sobre o local em que o cheque deve ser protestado:

“O protesto ou as declarações do artigo anterior devem fazer-se no local de pagamento ou do domicílio do emitente, antes da expiração do prazo de apresentação. Se esta ocorrer no último dia do prazo, o protesto ou as declarações podem fazer-se no primeiro dia útil seguinte”.

A regra é que o título deve ser protestado no local em que o devedor deva ter ciência do protesto. Então, em regra, o protesto se realiza no domicílio do devedor, que é o emitente do cheque. É lá que estará atestado, aferido, comprovado, que ele não pagou. Ele é um mau pagador. É essa a regra.

Mas veja que o art. 48 traz uma peculiaridade: o protesto pode ser feito no domicílio do emitente, como a regra dita, ou então no lugar do pagamento. E como você vai saber o local do pagamento. No cantinho do cheque diz qual a agência do banco em que aquele emitente tem conta. É aquela agência o local do pagamento. Então o cheque admite o protesto em dois lugares.

Pergunta de aluno: quando a conta é conjunta os dois correntistas têm que ser indicados no protesto?

Tem que ver quem é o devedor. O signatário é o devedor perante o terceiro, perante o credor. A conta conjunta, foi aquela primeira questão que vimos aqui, dos casados, em que um comprou um monte de bens no Fashion Mall, lembra? Na conta conjunta os titulares são devedores solidários perante o banco e não perante o credor do cheque. Ao credor do cheque pouco importa aqueles dois nomes timbrados ali – principio da literalidade. Se os dois assinaram, aí há a preocupação de protestar os dois sujeitos.

Essas aí, então, as peculiaridades sobre cheque.Outro item que temos que falar é sobre a prescrição porque, embora já haja

algum tempo, a posição do STJ se modificou.Todo mundo sabe que a prescrição do cheque se dá em 6 meses. A lei, no art.

59: “Prescreve em 6 meses, contados da expiração do prazo de apresentação, a ação que o art. 47 desta Lei assegura ao portador”.

Então o prazo de seis meses conta a partir do término do prazo para apresentação. Findos os seis meses, prescrição.

O problema surge da seguinte forma: da maneira como está exposto na Lei, não tenho dúvidas, esqueci o cheque no bolso por 60 dias. Como o cheque é da mesma praça, desde o 31º dia começou a correr o prazo de seis meses. Se o cheque é de praça diferente, desde o 61º dia começou a correr o prazo da prescrição. E se eu depositar hoje o cheque? E aí surgiu a controvérsia. Lá atrás era muito intensa a controvérsia porque parte da jurisprudência dizia: Lei diz que a prescrição só começa

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a correr após o 31º dia, mesmo que eu tenha depositado hoje [antes do término do prazo para apresentação] e o cheque tenha sido devolvido por insuficiência de fundos; outra parte da jurisprudência dizia que se o cheque foi depositado hoje [antes do término do prazo para apresentação], a partir de hoje começa a correr o prazo prescricional. Este hoje é o posicionamento consolidado do STJ: 30 ou 60 dias mais seis meses, só se você ficar inerte. Se o cheque ficou parado, o seu prazo é o de 30 ou 60 dias mais os seis meses. Como isso normalmente não ocorre, na maioria das vezes o cheque é depositado, se depositou o cheque hoje e ele foi devolvido amanhã, começa a fluir o prazo a partir de amanhã. E isso, numa questão envolvendo data, pode alterar sensivelmente o desfecho da questão. Se estivermos em uma cadeia cambial: A, B, C. Cheque só cabe um endosso. Se C estiver com um título cuja obrigação está prescrita, isso aqui acabou: a relação cambial acabou. Não se pode falar mais em cartularidade, literalidade nem autonomia. Teremos aqui uma obrigação civil. E numa obrigação civil, todas as defesas civis podem ser opostas. Cuidado então com as datas: apresentação no prazo, data da devolução, início do lapso prescricional.

- virada de fita -

... prescrito o cheque, sem aquela discussão da ação de locupletamento, que nós já havíamos visto quando falamos da ação cambial.

Hoje, prescrito o cheque, tranqüilamente você pode cobrar via ação de conhecimento pelo rito monitório, que é a antiga ação de locupletamento prevista no art. 61 e eu hoje é o rito monitório, não tem mais essa história dos dois anos. Nada impede que você continue chamando essa ação de ação de locupletamento, porque ação não tem nome.

Pergunta de aluno: vamos ver se eu entendi: o prazo de dois anos do art. 61, Lei n.º 7.357/85 não existe mais?

Não. Podemos dizer que o art. 61 caiu no vazio.

Pergunta de aluno: se hoje eu tenho um cheque prescrito há cinco anos, eu posso mover uma ação...

De conhecimento pelo rito monitório. Tranqüilamente. Hoje você vai poder propor a ação até a prescrição da obrigação subjacente. Você tem que saber qual é a obrigação subjacente e verificar no CC qual o prazo prescricional. E hoje os prazos são bem curtos. De repente você pode perder não porque o cheque está prescrito, mas porque a relação jurídica subjacente está prescrita. Hoje é assim. Não há mais discussão sobre o assunto porque o tema está sumulado.

Vamos resolver algumas questões de prova que ainda não abordamos ao longo das nossas conversas.

Caiu na Defensoria: Alexandre Matos, locatário de Margarida, depois de longas negociações, estabeleceu que pagaria a Margarida a importância de R$ 4.800 referente a pagamento de aluguéis e consertos efetuados no imóvel de Margarida

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através de duas notas promissórias de igual valor, com vencimento em 20 de janeiro de 1992 e 20 de fevereiro de 1992, respectivamente. Vamos então abrir a questão: há um débito locatício. Duas notas promissórias de igual valor. Vencimentos: 20 de janeiro de 1992 e 20 de fevereiro de 1992. Vamos prosseguir: vencidas as cambiais, que não foram honradas pelo locatário, Margarida promoveu a execução em face de Alexandre e Antônio, este na qualidade de fiador do contrato de locação. Então margarida executa Alexandre pelas promissórias. E surge Antônio, na qualidade de fiador. E aí? Antônio alega estar desempregado e só tem o bem de família em que reside. Antônio lhe procura na Defensoria para assistência jurídica. Então Antônio é seu assistido, e só tem um bem imóvel que lhe serve de residência. Qual a medida judicial adequada para Antônio?

Ele não participou da relação cambial. Na qualidade de fiador do contrato de locação, ele não anuiu com a emissão das notas promissórias, logo ele não é avalista. Ele pode até dever por outras razões. Por outros motivos ele até pode ter que pagar alguma coisa, mas não a título de relação cambial.

Inclusive, em questões da Defensoria, quando a pergunta for sob forma de consulta jurídica, é bom que você explique ao assistido todas as nuances. Então você vai ter que explicar que como Antônio é fiador, pela Lei n.º 8.009/90, o fiador não tem o benefício do bem de família. Mas hoje há como se buscar o entendimento do STF porque a CF foi modificada, quando se inseriu o direito à moradia no art. 6º, caput, pela EC26/2000, o bem imóvel passou a ser bem de família também para o fiador. Antônio também pode ser processado muito em breve, em outro processo, pela mesma Margarida, com base no contrato de locação. E aí a coisa fica mais difícil para Antônio. Só que nesse processo, nessa execução com base nas notas promissórias, Antônio não tem nada a ver com isso, ele não integra a relação cambial, logo não pode ser alcançado. A estratégia processual seria: ilegitimidade passiva. Como o problema é processual, caberia a exceção de pré-executividade [rectius: objeção de pré-executividade]. Assim, não teria de caucionar o juízo e embargar. Aliás, não deveria ter havido nem citação em face de Antônio. Se o Juiz tivesse lido a nota promissória, teria indeferido a execução em face de Antônio.

A questão é relativamente simples, mas conta a abordagem de todos esses tópicos, notadamente porque é uma questão de prova específica.

Uma questão do Ministério Público: em que hipótese não se pode opor a exceção do contrato não cumprido? O que o examinador quis saber? Princípio da autonomia. Essa era uma prova específica! Tem que escrever uma lauda e meia. Aí começa por Cesare Vivante, fala dos três princípios. Fale um pouquinho da cartularidade, um pouquinho da literalidade. Fale só um pouquinho, como um intróito necessário. Mas não vá se perder, não! Aí, falando da autonomia, fale da previsão legal. E ao final, responde a pergunta, cuida das exceções, menciona os quatro artigos: art. 51, Decr. n.º 2.044; art. 17, LUG, art. 25, Lei n.º 7.357/85; art. 916, NCC, falando das hipóteses em que cabem exceções pessoais. E se no meio da resposta, se você lembra de algo mais, fala do endosso e da cessão civil, porque aí o examinador saberá que o candidato sabe a diferença, sabe que quando há cessão civil, sempre cabem as exceções pessoais.

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Uma outra questão: indique o candidato quais títulos são cambiais e quais são cambiariformes no sistema jurídico brasileiro, destacando, entre eles, quais são passíveis de protesto por falta de aceite e também por inadimplemento, explicitando as razões de um e de outro.

A diferença entre títulos cambiários e cambiariformes é aquela que Pontes de Miranda identificava: cambiários são aqueles que nascem para circular; os cambiariformes são aqueles que são título de crédito, mas não nascem para circular, não é esse o objetivo. Aí ele vem e pergunta: quais podem ser protestados por falta de aceite e por falta de pagamento e quais as razões de um e de outro. É a típica questão que não leva ninguém a lugar nenhum. Você tem que desenvolver: mencionar quais títulos admitem aceite e quais não admitem aceite. É só para demonstrar bagagem de teoria.

Uma última, da Magistratura, de que eu falei lá no princípio: quais são os atributos dos títulos de crédito? E atributos não se confundem com princípios. Atributos são: circulabilidade, negociabilidade, celeridade e segurança. São duas vertentes de atributos.

Uma outra questão que já caiu foi: defina endosso, aval, aceite, indicando a que títulos se aplica e também o nomen juris dos seus participantes.

Na Defensoria sempre cai questão fácil sobre título de crédito. Na magistratura as questões também são fáceis. No MP as questões de título de crédito são mais complexas porque quem faz normalmente é o promotor de massas falidas.

Nota promissória gira várias vezes e volta para as mãos do emitente. É possível? É. Já falamos aqui. Pode circular depois? Pode. Também já vimos isso.

Defina título de crédito indicando suas principais características. Já falamos sobre isso. Como é uma prova específica, fala da origem, do conceito, como na 1ª aula. Tem que abrir a resposta, falar da cartularidade, falar em Pontes de Miranda, que o título de crédito é o crédito “coisificado” e tendo bastante liberdade para tratar do assunto.

Ministério Público: o endossatário póstumo de um título pode exercer ação cambial? A ação cambial é a ação pela qual se cobra o título de crédito. É uma execução só que ele chamou de ação cambial. A ação cambial é baseada em direito cambial. Endosso póstumo é cessão civil? Depende! Tem que ver como se interpreta endosso póstumo. Se você interpretar endosso póstumo como aquele realizado após a realização do protesto ou após o transcurso do prazo para realização do protesto; ou endosso póstumo como aquele realizado após o vencimento. É isso que você tem que identificar. Porque o endosso póstumo como sendo aquele realizado após o vencimento não tem efeito de cessão civil de crédito. Se o endosso póstumo foi feito após o vencimento, mas antes do protesto ou do transcurso do prazo para protesto, ele tem efeito de endosso normal, logo cabe ação cambial. Após o protesto ou o transcurso de prazo para o protesto aí sim temos o efeito de cessão civil de crédito, e não caberá ação cambial. Então tem que analisar os dois casos. Mas não continua a ser execução, porque aqui [no endosso póstumo], não há que se falar em prescrição? É, é execução, sim, mas não é o que se chama de ação cambial. Não tem as características de Direito Cambiário. Perdem-se as características de Direito Cambiário, notadamente a autonomia.

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Pergunta de aluno: mesmo em face do emitente?A ação cambial sempre cabe em face do emitente. No caso de endosso. No

caso de cessão civil, sempre cabe ação cambial em face do emitente. Só que no caso de cessão civil, o que pode acontecer é o emitente opor exceções pessoais.

É válido aval prestado por sociedade, em favor de terceiro, violando o contrato social que está registrado na Junta Comercial? A maldade da questão é que ela parece de Direito Cambial, mas ela é de Direito Societário e de Direito Cambial... O aval é válido. O aval é autônomo. Princípios da celeridade e da segurança. Eu recebo um título seu, em que uma sociedade consta como avalista. Eu não tenho obrigação de procurar ler o ato constitutivo dessa sociedade na Junta. O instituto é aval! Só que agora nós temos de ingressar na segunda etapa da questão: responsabilidade daquele que assinou pela sociedade, a responsabilidade do administrador. O aval é válido, mas quem é considerado avalista: a sociedade ou o administrador? Neste caso, como o contrato estava registrado e nele constava que o administrador não tinha poderes para conceder aval e o fez, o aval existe, mas é o administrador quem responde como se fosse o avalista.

Pergunta de aluno: inaudívelEle vai ter que processar o avalista administrador, não a sociedade, mas o

administrador. E depois o administrador terá direito de regresso em face do avalizado, seja lá quem for.

O terceiro, ainda que de boa-fé, não poderá processar a sociedade porque o contrato social diz que o administrador não tem poderes para conceder aval. Ele só pode processar o administrador. Aí você entra em Direito Societário pela Teoria da Aparência.

Pergunta de aluno: inaudívelSó que em Direito Societário toda vez que o administrador pratica um ato

extrapolando ou abusando dos poderes que ele tem, ele responde pessoalmente.

Magistratura: Decretada a falência de uma sociedade, uma execução movida contra ela e seus sócios avalistas pode prosseguir? Também já falamos disso aqui. Decretada a falência, um dos efeitos é a suspensão das exceções: art. 6º, NLF; art. 24, LF/45. Só que esse efeito é só para a pessoa do falido. Logo a execução será suspensa em relação à sociedade por conta da falência, mas prosseguirá em relação aos não falidos; em face dos sócios avalistas. Assim você trata do efeito da falência em relação ao falido e da autonomia do aval.

Pergunta de aluno: avalista pode opor exceção pessoal?Avalista, não! Só se você adotar a tese minoritária de Pontes de Miranda de

que o avalista não pode ser posto em situação inferior à do avalizado. Mas a regra é a de que o aval é autônomo.

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Pergunta de aluno: se o avalista é credor do credor do título?Não pode. A obrigação aqui é autônoma. Ser credor de outro título é relação de

Direito Civil. Tem que resolver em outra seara. Caso contrário, você vai por em risco os atributos da celeridade e segurança. E tudo que põe em risco esses atributos, esquece!

Provão da Magistratura: Endosso-Mandato. Conceito e Efeitos. O examinador foi bonzinho... Até quem não sabe o que é endosso, mas sabe o que é mandato, se safa.

Ação de enriquecimento sem causa pode ser manejada em face de endossante ou de avalista de título cambial prescrito? [inaudível]

É uma pergunta repetida. Ação de enriquecimento sem causa? Que ação é essa? Uma ação proposta com base em título de crédito prescrito pode ser proposta em face de quem? Só do emitente. Não falamos numa aqui agora, sobre endosso póstumo? O que o examinador foi o seguinte: ele quer saber se o candidato sabe de quem ele pode cobrar se a cambial estiver prescrita. Se a obrigação não for mais cambial, de quem ele pode cobrar? Então ele camuflou na roupagem de endosso póstumo: o endossatário póstumo pode exercer direito creditício? Pode. Como é cessão civil, pode cobrar apenas do emitente. Aqui ele está sendo mais claro: com base em título prescrito pode se cobrar de endossante e de avalista? De endossante, não. Do emitente, sim. Do avalista também não, nem mesmo do avalista do emitente. O avalista do emitente não se enriquecerá: não haverá enriquecimento sem causa.

A sociedade X emitiu uma letra de câmbio com base em um contrato de prestação de serviço que celebrou. O título não foi aceito pelo sacado que ajuizou uma ação de anulação de título alegando ser ilegítima a emissão de uma letra de câmbio, na medida em que o único título hábil seria duplicata de prestação de serviço abstraída a razão da intervenção do MP, opine. Essa aí nós também já enfrentamos quando estudamos em duplicata o art. 2º, para saber se esse art. 2º afasta ou não afasta a emissão de outros títulos com base em compra e venda e prestação de serviços.

Nota promissória pode ser emitida com base em contrato compra e venda mercantil? Já falamos, também.

Então é isso pessoal, foi um prazer dar este módulo para vocês, de um tema tão importante como os títulos de créditos. Sinceramente espero que seja útil para a preparação dos senhores para os concursos que estão por vir.

- F I M -

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