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    O Financiamento da Seguridade Social no Brasil no Perodo 1999 a 2004: Quem paga a Conta?Ivanete Boschetti e Evilsio Salvador

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    social, sade e assistncia social, e poderiam ampliar a sua abrangncia, so retidas pelo

    Oramento Fiscal da Unio e canalizadas para o supervit primrio4.

    Para demonstrar esta tese, o artigo aborda quatro tpicos. O primeiro discutebrevemente alguns elementos estruturantes do modelo de seguridade social brasileiro. Osegundo problematiza a no implementao do seu oramento, tal como previsto naConstituio Federal de 1988. Em seguida, aborda o financiamento da seguridade social noperodo 1999-2004, revelando seu carter regressivo. Por fim, situa o oramento daseguridade social no mago da poltica econmica de sustentao do Plano Real, enfocandoa poderosa alquimia que permite transformar recursos da seguridade social em recursosfiscais destinados sustentao da poltica econmica e acumulao de capital.

    1. Elementos Estruturantes da Seguridade Social no Brasil

    A movimentao no mercado de trabalho5 tem imbricaes diretas na estruturao da

    Seguridade Social no Brasil, visto que o modelo de seguros institudo no Brasil a partir incio do sculo XX, baseado no modelo bismarckiano6 alemo, tinha por objetivo garantirmaior segurana ao trabalhador assalariado e sua famlia em situaes de perda dacapacidade laborativa, no contexto da sociedade urbana nascente.

    4 - O resultado primrio a diferena, podendo ser positiva ou negativa, entre as receitas no-financeirasarrecadadas no exerccio fiscal e as despesas no-financeiras, arrecadadas no mesmo perodo. As receitas no-financeiras incluem, principalmente, os tributos, as contribuies sociais e econmicas, as receitas diretamentearrecadadas por rgos e entidades da administrao indireta, as receitas patrimoniais, etc. As despesas no-financeiras referem-se ao conjunto de gastos com pessoal, previdncia, polticas sociais, manuteno da mquinaadministrativa e investimentos. Se a diferena for positiva, ocorre um supervit primrio; e se negativa, haver umdficit primrio. Portanto, no lado das receitas esto excludas as receitas de juros; no lado das despesas, no socomputados os encargos da dvida pblica.5 - Sobre a constituio do mercado de trabalho no Brasil, ver Pochmann (1999 e 2001). Um debate sobre ainformalidade nas relaes de trabalho pode ser visto em Cacciamali (1999) e Theodoro (2000). Uma anlise sobre aestruturao do mercado de trabalho no Brasil encontra-se em Cardoso Jr. (2001). A relao entre a previdnciasocial e o mercado de trabalho pode ser vista em Salvador e Boschetti (2002).

    6 - Referente aos princpios adotados na implantao do modelo previdencirio alemo, entre 1883 e 1888, pelochanceler Otton Von Bismack.

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    As polticas de seguridade social institudas nos pases capitalistas da Europa central

    sustentaram em dois modelos de polticas sociais, e o Brasil no ficou imune a esttendncia. O modelo bismarckiano, originado na Alemanha no final do sculo XIX tem comobjetivo central assegurar renda aos trabalhadores em momentos de riscos sociais decorrenteda ausncia de trabalho. Ele identificado como sistema de seguros sociais em funo de susemelhana com seguros privados, j que os direitos aos benefcios so garantidos mediantcontribuio direta anterior e o montante das prestaes proporcional contribuioefetuada. As bases do financiamento so recursos recolhidos dos empregados e

    empregadores, baseados predominantemente na folha de salrios. J o modelo beveridgiano,surgido na Inglaterra aps a Segunda Guerra Mundial, tem por objetivo principal o combate pobreza e se pauta pela instituio de direitos universais a todos os cidadosincondicionalmente, ou submetidos a condies de recursos; porm, so garantidos mnimoa todos os cidados que necessitam. O financiamento proveniente dos tributos (oramentfiscal) e a gesto pblica/estatal. Trata-se de um modelo baseado na unificao institucionae na uniformizao dos benefcios (Boschetti, 2003).

    Em que pese s particularidades na implementao das polticas sociais no Brasil, entrelas a construo tardia de uma sociedade fundada no trabalho assalariado, o pas segue algica do movimento e das tendncias internacionais no tocante s condies em que otrabalho adquiriu centralidade na definio das polticas de proteo social (Mota, 2000). Dfato, so as polticas sociais derivadas da insero das pessoas no mercado de trabalho,particularmente noeixo do assalariamento, a matriz original dos direitos relativos seguridade social no Brasil (Cardoso Jr. e Castro, 2005). O modelo bismarckiano orientou

    ainda define a poltica de previdncia social, enquanto o modelo beveridgiano sustenta oprincpios da sade e da assistncia social.

    As reivindicaes e presses organizadas pelos trabalhadores na dcada de 1980, emperodo de redemocratizao no pas, provocam a incorporao, pela Constituio Federa(CF) de muitas demandas sociais de expanso dos direitos sociais e polticos. Um dos maioravanos dessa Constituio, em termos de poltica social, foi a adoo do conceito deseguridade social, englobando em um mesmo sistema as polticas de sade, previdncia e

    assistncia social. Mas a perspectiva e a intencionalidade de transfigurar a previdncia em

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    seguridade social no se iniciou na CF de 1988; essas propostas j existem h bastante tempo

    no debate de especialistas e de tcnicos vinculados rea previdenciria (Boschetti, 2002Registra-se o movimento de presso social e redemocratizao do pas aps 1945, e o fim dEstado Novo, com os trabalhadores brasileiros influenciados pela repercusso do PlanBeveridge, publicado na Inglaterra em 1942, reivindicando no mbito da previdncia redudas contribuies, valorizao dos benefcios e melhoria dos servios.

    O termo seguridade social, inexistente na lngua portuguesa,7 j era adotado desde1935 nos Estados Unidos e desde a dcada de 1940 na Europa capitalista, para designaruma mirade de programas e servios sociais (Boschetti, 2002). A seguridade social, ndefinio constitucional brasileira, um conjunto integrado de aes do Estado e dsociedade voltadas a assegurar os direitos relativos sade, previdncia e assistnciasocial, incluindo tambm a proteo ao trabalhador desempregado, via seguro-desemprego.Pela lei, o financiamento da seguridade social compreende, alm das contribuiesprevidencirias, tambm recursos oramentrios destinados a este fim e organizados em umnico oramento.

    A Constituio Federal, no seu Ttulo VIII, que trata da ordem social, dedicou o CaptII Seguridade Social. O art. 194 estabelece que o Poder Pblico deve organizar aSeguridade Social com o seguintes objetivos: i) universalidade da cobertura e do atendimentii) uniformidade e equivalncia dos benefcios e servios s populaes urbanas e rurais; iseletividade e distributividade na prestao dos benefcios e servios; iv) irredutibilidade valor dos benefcios; v) eqidade na forma de participao no custeio; vi)diversidade da basede financiamento; e vii) carter democrtico e descentralizado da administrao, mediantegesto quadripartite, com participao dos trabalhadores, dos empregadores, dosaposentados e do Governo nos rgos colegiados.

    O corolrio deste artigo que as receitas e despesas da previdncia social passam aintegrar o oramento geral da seguridade social. De acordo com o art. 195 da CF, a

    7 - No Brasil, a expresso seguridade social passou a integrar os dicionrios da lngua portuguesa a partir de 1988 eque o Novo Dicionrio Aurlio explica a etimologia da palavra a partir do francs scurit ou do ingls security eambos do latim securitate (Boschetti, 2002). Em Portugal, o termo traduzido como segurana social e assimaparece em diversas publicaes como, por exemplo, no livro da OIT (2002): Segurana Social: um novo consenso .

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    seguridade social ser financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos

    da lei, mediante recursos provenientes dos oramentos da Unio, dos Estados, do DistritFederal e dos Municpios, e das seguintes contribuies sociais: i) do empregador, da emprese da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre a folha de salrios, o lucro,a receita ou o faturamento; ii) do trabalhador e dos demais segurados da previdncia social;iii) sobre a receita de concursos de prognsticos; e iv) do importador de bens ou servios dexterior. Nos pargrafos do mesmo artigo, explicita-se que so tambm fonte de recursos dprevidncia as receitas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios, constantes n

    respectivos oramentos. As outras fontes de custeio so: contribuio de segurados individuados clubes de futebol profissional, do empregador domstico, do produtor rural, parte daarrecadao do Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuies (Simples) e Contribuio Provisria sobre Movimentao ou Transmisso de Valores e de CrditosDireitos de Natureza Financeira (CPMF).

    A implementao do conceito de seguridade social, previsto no artigo 194 da CF, jseria um enorme desafio em condies mais favorveis aos movimentos dos trabalhadores

    da sociedade organizada. A situao vai se tornar desfavorvel aos defensores dos direitosociais a partir da dcada de 19908, com uma nova hegemonia burguesa, de cunhoneoliberal, que vai potencializar novas e antigas dificuldades para consolidar a seguridadsocial no Brasil.

    2. O Oramento (No) Implementado da Seguridade Social

    No Brasil, a seguridade social enfrenta dificuldades desde seu nascimento, emconseqncia, entre outros fatores, da no-implementao do oramento para este fim,

    8 - A partir dos anos 1990, consolida-se no pas uma cultura da crise (Mota, 2000), no sentido da disputa ideolgica econstitutiva da poltica burguesa de constituio da hegemonia. Os componentes dessa cultura da crise, propagadospelas classes dominantes, so o pensamento privatista e a criao do cidado-consumidor, assegurando a adesos transformaes no mundo do trabalho e dos mercados de bens e servios. Para Behring (2003), o eixo central doconvencimento repousa em que h uma nova ordem qual todos devem integrar-se, e que inevitvel a ela seadaptar, constituindo o quadro de uma contra-reforma do Estado, nos anos de neoliberalismo tardio do Brasil.

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    previsto na CF. A finalidade principal do oramento da seguridade social era constituir-se e

    um espao prprio e integrador das aes de previdncia, sade e assistncia social,assegurando a apropriao dos recursos do oramento fiscal. Entretanto, isso na prtica nose consolidou; a rea de assistncia social foi virtualmente eliminada, e a sade imprensadade um lado, pelo Oramento Geral da Unio e, de outro, pelo Ministrio da Previdncia.

    A desconstruo da idia de seguridade social e do seu oramento comeou j nosprimeiros anos de 1990, quando a legislao que regulamentou a seguridade traou osrumos da separao das trs polticas, com leis especficas para a sade, previdncia eassistncia social. Do ponto de vista do financiamento, as polticas do mbito da seguridadsocial brasileira tornaram-se gradativamente discriminadas (Vianna, 2003).

    A CF, em seu art. 165, 5, determina que a lei oramentria anual compreender osoramentos: fiscal, o de investimentos e o da seguridade social. O legislador, de formainovadora, determinou a criao de um oramento com recursos prprios e exclusivos para apolticas da seguridade social, distinto daquele que financia as demais polticas de governo

    Mas o oramento da Seguridade Social virou letra morta na Constituio. Todos ogovernos que passaram pelo Palcio do Planalto desde 1988 no transformaram o ditoconstitucional em ao efetiva.

    O oramento da Seguridade Social chegou a ser elaborado nos primeiros anos aps aregulamentao das leis de custeio e de benefcio da previdncia social. Em 1993 e 1994apareceu como proposta do Conselho Nacional da Seguridade Social. Mas essa orientaono prevaleceu e o prprio Conselho, que tinha a misso de articular e sistematizar um

    oramento previamente debatido com as reas responsveis pela previdncia social, sade eassistncia social, foi perdendo paulatinamente suas atribuies, acabando por ser extintpela MP 1.799-5 de 1999 (Delgado, 2002).

    Uma vez que no se edita uma pea oramentria autnoma, conforme o ditoconstitucional, um possvel Oramento da Seguridade Social pode ser extrado do OramentFiscal e da Seguridade Social da Unio (IPEA, 2003). No Brasil duas instituies tpesquisado e divulgado a estrutura oramentria da seguridade social: a Associao Naciona

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    dos Fiscais de Contribuies Previdencirias (ANFIP) e o Instituto de Pesquisa Econ

    Aplicada (IPEA).

    A ANFIP, em sua anlise, considera, de um lado, todas as receitas da seguridade sociacriadas pela Constituio e institudas posteriormente para seu financiamento (Contribuipara o Financiamento da Seguridade Social - COFINS, Contribuio Social sobre o LucLquido da Pessoa Jurdica - CSLL e a CPMF), mais a receita previdenciria lquida, qcorresponde basicamente s contribuies de empregados e empregadores sobre a folha desalrios e mais o Simples. No lado das despesas, considera o pagamento dos benefciosprevidencirios urbanos e rurais, os benefcios assistenciais e as aes de sade do Sistemnico de Sade (SUS), saneamento e custeio do Ministrio da Sade. De acordo com a Anfip(2005), o saldo primrio do oramento da seguridade social, em 2004, foi positivo em R$42,5 bilhes.

    O IPEA vem divulgando e analisando sistematicamente, por meio do seu Boletim dPolticas Sociais (BPS), a Estrutura Oramentria da Seguridade Social. A metodologia

    publicada por Delgado (2002), que elenca uma hierarquia de critrios sobre direitos sociaique a Constituio e a legislao infraconstitucional sancionaram. Destacam-se, no lado dadespesas, os gastos nas reas da Previdncia Social, da Sade, da Assistncia Social, doTrabalho (seguro-desemprego) e a previdncia de inativos e pensionistas da Unio9. No lado,das receitas alm daquelas destacadas pela ANFIP adicionam-se a parte da Contribuiopara o Programa de Integrao Social (PIS) que financiam o seguro-desemprego, acontribuio sobre a produo rural e a Contribuio para Seguridade do Servidor Pblic(CSSP). Tambm por esta metodologia, os resultados do oramento da seguridade social, noltimos anos, so superavitrios.

    O que se observa, que independentemente da metodologia de anlise da receita edespesa da seguridade social, utilizada pelas instituies acima citadas, o oramento daseguridade social, conforme definido na CF/1988, superavitrio e no s suficiente para

    9 - Na opinio de Delgado (2002, p. 114), apesar de serem legtimas as despesas com Inativos e com Pensionistasda Unio, como de resto so legtimos tantos outros gastos do Oramento da Unio, tais despesas devem pertencerao Oramento Geral, o qual financiado por tributos e no por recursos especficos da poltica de proteo doconjunto da sociedade contra os riscos clssicos das privaes humanas.

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    cobrir as despesas com os direitos j previstos, como poderia permitir sua ampliao. Se is

    no ocorre, porque o oramento da seguridade social parte da ncora de sustentao dapoltica econmica, que suga recursos sociais para pagamento e amortizao dos juros dadvida pblica.

    No bojo das polticas macroeconmicas que deram sustentao ao Plano Real, como sesabe, a poltica fiscal foi uma determinante importante e que seguiu risca as recomendaedos organismos multilaterais, como o Fundo Monetrio Internacional (FMI). Em 1993, economistas formuladores do Plano Real, com a pretensa defesa dos equilbrios das contapblicas brasileiras, defendem a criao de um Fundo Social de Emergncia (FSE), qacabou sendo institudo por meio da Emenda Constitucional de Reviso 01, de 1994permitindo a desvinculao de 20% dos recursos destinados s polticas da Seguridade SociaNos exerccios financeiros de 1994 e 1995, por meio do Fundo de Estabilizao Fiscal (FE(Emendas Constitucionais 10 e 17 e, posteriormente, da Emenda Constitucional 27) que crioa Desvinculao das Receitas da Unio (DRU), garante-se a desvinculao de 20% daarrecadao de impostos e contribuies sociais at o final deste ano. Dando seqncia

    mesma poltica fiscal do governo anterior, a equipe econmica do governo Lula, sob alegade que a economia brasileira ainda requer cuidados, manteve no mbito da EmendaConstitucional n 42 (reforma tributria) a prorrogao da DRU10 at 2007.

    3. O Financiamento da Seguridade Social no Brasil

    O debate sobre as formas de financiamento da seguridade social no Brasil aps a CF 88revela as divergncias entre aqueles que defendem o princpio da totalidade estatudo naCarta Magna e os defensores da separao das fontes de custeio das polticas de previdnciaassistncia social e sade.

    10 - A DRU apresenta algumas modificaes em relao ao FSE, pois ela no afeta a base de clculo dastransferncias a Estados, Distrito Federal e Municpios, nem as aplicaes em programa de financiamento ao setorprodutivo das regies Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Tambm no esto sujeitas DRU: as contribuies sociais doempregador incidente sobre a folha de salrios; as contribuies dos trabalhadores e dos demais segurados daprevidncia social; a parte da CPMF destinada ao Fundo de Combate e Erradicao da Pobreza; e a arrecadao dosalrio-educao.

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    Essas controvrsias entre os especialistas sobre o financiamento da seguridade socia

    ficaram evidentes durante os debates sobre a Reviso Constitucional (1993 e 1994). Emdefesa da totalidade Dainet al (1993) relatam que, na experincia internacional, ofinanciamento da seguridade social baseado de forma crescente nummix de receitastributrias e contribuies sobre a folha de salrios, para contemplar uma concepo debenefcios destinados tanto aos contribuintes diretos dos programas, como tambm aqueledestinados aos cidados, nos casos de cobertura universal dos programas. Esse movimento ddiversificao das bases de financiamento tem como corolrio a vinculao dos recursos e

    constituio de um oramento prprio como forma de institucionalizao da precedncia dseus compromissos de cobertura sobre os demais gastos do governo.

    No sentido oposto, Beltroet al (1993) defendem que o conceito de seguridade socialseja mantido, mas com a separao efetiva de seus componentes: seguro social (previdnciasade e assistncia social nos planos dos conceitos, de custeio e operacional. Os autoresso contrrios existncia de um oramento nico para a seguridade, defendendo aseparao das fontes de custeios com trs oramentos independentes e com o financiament

    de cada programa por uma lgica prpria em termos de regime financeiro, tipo de estruturado plano de benefcios, base de incidncia e agente econmico. Infelizmente esta viso ficomais reforada a partir da reforma da previdncia social, em 1998, que foi encarada comouma necessidade de equilibrar as contas pblicas e solucionar a crise fiscal do Estado. reforma limitou-se a uma viso mope de equilbrio das contas pblicas, muito mais voltadpara a realizao de supervit primrio (Salvador, 2003).

    Do ponto vista metodolgico, o conceito de fonte de financiamento, adotado nesteartigo, o mesmo utilizado na elaborao e na execuo oramentria da Unio, referindo-se destinao dos recursos durante a execuo do oramento e no especificamente suaarrecadao. No objetivo deste artigo problematizar o escopo das aes definidas peloPoder Executivo11 a serem contempladas com dotaes oramentrias nas polticas de

    11 - Esta uma tarefa importante que merece ser aprofundada. Em estudo anterior (2003, p 203) que abordou ofinanciamento da Assistncia Social no perodo de 1994 a 2002, constatou-se que uma mirade de programas e

    projetos da Funo Assistncia Social no seguem os preceitos da Lei Orgnica da Assistncia Social. Tambm nombito da poltica da previdncia observa-se o pagamento de benefcios previdencirios de servidores comfinanciamentos de recursos da seguridade social que, por princpios constitucionais, no incluiriam este tipo de gasto

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    Previdncia Social, Sade e Assistncia Social, assim, a anlise do financiamento d

    seguridade social restringiu-se ao conceito de despesa liquidada nas Funes: AssistncSocial (08), Previdncia Social (09) e Sade (10) dos Oramentos Fiscal e da SeguridadSocial nos anos 2000 a 200412, que seguem uma classificao funcional, definida naPortaria/SOF n 42 (14/04/1999). Cada uma destas Funes tm sub-funes que abrangemdiversos programas e aes, conforme a concepo assumida pelo Poder Executivo para essapolticas.

    A anlise do oramento da seguridade social, pelos ngulos de suas fontes e de suasdespesas, permite compreender se esta contribui para a redistribuio de renda. Os dadosrevelam que a seguridade social no est contribuindo para redistribuir renda, pois seufinanciamento tem carter regressivo e no progressivo. A Teoria das Finanas Pblicpreconiza que os tributos, em funo de sua incidncia e de seu comportamento em relao renda dos contribuintes, podem ser regressivos, progressivos e proporcionais (Oliveira, F2001). Um tributo regressivo medida que tem uma relao inversa com o nvel de renddo contribuinte. A regresso ocorre porque penaliza mais os contribuintes de menor pode

    aquisitivo. O inverso ocorre quando o imposto progressivo, pois aumenta a participao dcontribuinte medida que cresce sua renda, o que lhe imprime o carter de progressividade de justia fiscal: arcam com maior nus da tributao os indivduos em melhores condide suport-la, ou seja, aqueles que obtm maiores rendimentos (Oliveira, F., 2001, p. 72).

    Para compreender a regressividade e a progressividade necessrio avaliar as bases deincidncia, que so: a renda, a propriedade, a produo, a circulao e o consumo de bens eservios. Conforme a base de incidncia, os tributos so considerados diretos ou indiretos. Otributos diretos incidem sobre a renda e o patrimnio, porque, em tese, no so passveis detransferncia para terceiros. Esses so considerados impostos mais adequados para a questo

    (Delgado, 2002). A Constituio de 1988 no incluiu a previdncia do servidor pblico no captulo especfico que trada seguridade social, ao contrrio, deslocou-a para o Ttulo III (Da Organizao do Estado), em especial em seuCaptulo VII (Da Administrao Pblica), Seo II (Dos Servidores Pblicos). No tocante aos gastos em sade sorelevantes as crticas de Ribeiro et al (2005) de quais so os limites entre as polticas de Sade e a aes nas reas deSaneamento e Alimentao.12 - Devido a outra estrutura oramentria, os dados de 1999 para as fontes de financiamento da Sade referem-seao Programa Sade (075) da Funo (13) Sade e Saneamento e aos Programas Previdncia (082) e AssistnciaSocial (081) da Funo (15) Previdncia e Assistncia.

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    da progressividade. Os indiretos incidem sobre a produo e o consumo de bens e servios

    sendo passveis de transferncia para terceiros, em outras palavras, para os preos dosprodutos adquiridos pelos consumidores. Eles que acabam pagando de fato o tributomediado pelo contribuinte legal: empresrio produtor ou vendedor. o que Fabrcio dOliveira (2002) denomina defetiche do imposto: o empresrio nutre a iluso de que recaisobre seus ombros o nus do tributo, mas se sabe que ele integra a estrutura de custos daempresa, terminando, via de regra, sendo repassado aos preos. Os tributos indiretos soregressivos.

    Tais consideraes permitem mostrar o carter regressivo das fontes de financiamentda seguridade social. A tabela 1 apresenta os dados referentes importncia relativa de cadafonte no financiamento nos gastos da seguridade social, no perodo de 1999 a 2004. Asfontes de recursos que predominam nos anos estudados so as contribuies sociais13, emcontraste com os recursos advindos de impostos. Os recursos provenientes dos impostos, egeral, representaram, na mdia do perodo analisado, apenas a terceira fonte de custeio daseguridade social, 7,4% do total, com decrscimo de 6,6%. Em 2004, os recursos ordinrio

    (impostos) representaram somente 6,3% do total das fontes de financiamento das polticas dseguridade social, indicando a segunda menor participao no perodo (tabela 1). Esse fatorevela que a participao da fonte de recursos ordinrios, ou seja, aqueles advindos deimpostos federais o Imposto de Renda (IRPF) e o Imposto sobre Produtos Industrializados e dos prprios recursos desvinculados das Contribuies Sociais esto deixando de financa seguridade social, neste caso, no retornando para a finalidade para as quais foramarrecadadas.

    13 - Informaes detalhadas sobre as contribuies sociais podem ser encontradas na edio especial da Revista da Associao Brasileira de Oramento Pblico (ABOP), n41, edio especial, set.98/abr/99. A publicao traz umaanlise detalhada das receitas pblicas, abrangendo as mais significativas fontes de financiamento do setor pblicoem suas diversas formas, ou seja, impostos, taxas, contribuies, emprstimos e ttulos pblicos, com toda a legislae propostas de emendas apresentadas at junho de 1999. A ABOP define que, a partir da CF, as contribuies sociaiso consideradas tributos (art. 195 da CF), institudas em lei, com base no poder fiscal do Estado. Como espcietributria autnoma e especfica, a contribuio se caracteriza por possuir um pressuposto de fato definido em lei, deforma tpica, consistindo-se numa atividade estatal dirigida coletividade, que atinge determinado grupo de pessoas.Esta contribuio distingue-se dos tributos fiscais por estar vinculada e por ser delegada a um rgo pblicofavorecido (ABOP, 1990, p. 30-31).

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    Em 1999, os recursos desvinculados representaram, por meio do FEF, o custeio dapenas 4,3% dos gastos da seguridade social (tabela 1). Somente a desvinculao dosrecursos arrecadados com a COFINS e a CSLL, em 1999, totalizou o montante de R$ 7bilhes, retornando para a seguridade social, por meio do FEF, somente 56% deste valorCom aprovao da DRU, a partir de 2000, no mais possvel visualizar os recursodesvinculados no financiamento da seguridade social. A DRU no est vinculada a qualqueFundo, ainda que somente contbil, como era o FEF. Essa regra impossibilita a distino, nexecuo oramentria, de qual parcela de recursos originria de impostos gerais, e qual referente desvinculao de recursos, j que ambas agora compem a mesma fonte deRecursos Ordinrios (IPEA, 2004). O resultado prtico dessa alterao que o Executivo pover-se, agora, desobrigado de publicar o demonstrativo bimestral da execuo oramentria

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    de que trata o 3 do art. 71 do ADCT (Fraga, 2000, p. 2). Essa alterao fere os princpio

    oramentrios da discriminao e da clareza14.

    As contribuies sociais representaram em mdia 88,8% das fontes de financiamento dSeguridade Social no perodo de 1999 a 2004. Entre as contribuies mais significativas dperodo destacam-se a Contribuio dos Empregadores e Trabalhadores para a SeguridadeSocial CETSS (46,1%), a COFINS (26,1%), com um crescimento de 20,5%, e a CPMF (8,

    A anlise das principais fontes de financiamento da Previdncia Social, no perodo d

    1999 a 2004, revela que, em mdia, 57,9% dos recursos para custeio das polticas doSistema Previdencirio Brasileiro advm da CETSS, ou seja, da arrecadao da ContribuiPrevidenciria do Regime Geral da Previdncia Social (tabela 2), o que indica que quem paga conta so os trabalhadores.

    14 - De acordo com Piscitelli et al (2002, p. 46-47): O princpio da discriminao (...) preconiza a identificao decada rubrica de receita e despesa, de modo que no figurem de forma englobada (...). E o princpio da clarezasignifica o bvio. a evidenciao da Contabilidade. Por este princpio, dever-se-ia priorizar o interesse dosusurios das informaes, sobretudo porque se est tratando de finanas pblicas.

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    A contribuio do empregador corresponde a 20% sobre o total das remuneraes

    pagas ou creditadas, a qualquer ttulo, no decorrer do ms, aos segurados empregados quelhes prestem servios, acrescidos de alquota de 1 a 3% para o financiamento das prestaepor acidente do trabalho, conforme o ndice de risco. J a contribuio dos trabalhadores calculada mediante a aplicao da correspondente alquota sobre o seu salrio-de-contribuio mensal, limitado ao teto de R$ 293,5015. Cerca 2/3 do montante arrecadadoadvm da contribuio dos empregadores e 1/3 dos empregados (Anurio Estatstico daPrevidncia Social, 2003).

    No caso dos empregadores, a contribuio previdenciria compe os encargos sociaisdas empresas e, muitas vezes, so repassados aos preos dos bens e servios vendidospodendo-se constituir em um tributo sobre o consumo. A regressividade atinge tambm acontribuies dos trabalhadores, devido existncia do teto de contribuio, significando quos contribuintes que recebem rendimentos abaixo do teto esto pagando proporcionalmentemais, sobre sua renda16.

    No perodo de 1999 a 2004, as contribuies sociais representaram, em mdia, 78,4%das fontes de financiamento da Sade na esfera federal. Entre as contribuies sociaidestacam-se a CPMF, 3,6% e a CSLL, 19,1% (tabela 3).

    15 - Equivale a alquota de 11% aplicada ao salrio-de-contribuio mximo, R$ 2.668,15. Em junho de 2005, asfaixa dos salrios-de-contribuio eram: at R$ 800,45, alquota de de 7,65%; de R$ 800,46 at R$ 900,00, alquotade 8,65%; de R$ 900,01 at R$ 1.334,07, alquota de 9,00%; de R$ 1.334,08 at R$ 2.668,15, alquota de 11,0%.16 - A ttulo de exemplo, em junho de 2005, um trabalhador com renda mensal de R$ 3.836,60 pagou efetivamente attulo de contribuio previdenciria o equivalente a 7,65% da sua renda, ou seja, exatamente, o mesmo percentualque um trabalhador que recebeu o salrio-mnimo (R$ 300,00). Acima de R$ 3.836,60 a regressividade se agrava.

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    Nos anos analisados observa-se que a CSLL17, que tinha uma participao relativa deapenas 4,2%, em 1999, passou a representar 33,7%, em 2004, um patamar um poucosuperior ao financiamento obtido por meio da CPMF (32,6%), que se constituiu, at o ano d

    2003, na principal fonte de financiamento da Sade (tabela 3). A partir de 1999, a CPMFdeixou de ser uma fonte de financiamento exclusiva da Sade, passando tambm a compor ofinanciamento das despesas previdencirias e, aps 2001, o Fundo de Combate Pobreza.

    Os impostos decrescem 49,2% no financiamento da sade, reduzindo sua participaode 15,1%, em 1999, para 7,7% em 2004 (tabela 3). Recentemente, a EC 29 estabeleceu avinculao de recursos oramentrios da Unio, Estados e municpios para as despesas dsade, tendo como ponto de partida o valor executado em 1999, acrescido de 5%. Entre

    2001 e 2004, o aumento das despesas acompanharia o aumento do PIB nominal.

    No tocante ao financiamento da poltica de Assistncia Social observa-se que, nperodo de 1999 a 2004, as contribuies sociais apresentaram uma variao negativa de28,2%. A tabela 4 mostra que as fontes de financiamento da Assistncia Social, exceto

    17 - A CSLL um nico tributo a financiar a Seguridade Social com base de clculo no lucro lquido das empresas,ajustado antes da proviso para o IR.

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    Fundo de Combate e Erradicao Pobreza, apresentaram uma reduo proporcional na sua

    participao sobre o total de recursos arrecadados.

    Uma observao relevante diz respeito ao Fundo de Combate e Erradicao Pobrezacriado pela Lei Complementar 111/2001, que foi o responsvel, em 2004, por 32,8% daFuno oramentria da Assistncia Social. Em que pese a classificao oramentria dFundo aparecer na esfera da Seguridade Social, os seus recursos podem ser aplicados empolticas que no compem o sistema de Seguridade Social brasileiro18 , alm de contrariar asdeterminaes da Lei Orgnica da Assistncia Social e do Fundo Nacional de AssistncSocial (Boschetti, 2003)

    No perodo analisado, a COFINS19 contribuiu, em mdia, com 79,1% do total do custeioda Assistncia Social. A CSLL, que teve uma participao de 12,5%, em 1999, foi sen

    18 - Em 2004, dos R$ 5,5 bilhes que foram liquidados no oramento do Fundo de Combate e Erradicao Pobreza, cerca de 82% se destinaram a Funo Assistncia Social e o restante custeou aes das Funesoramentrias: Trabalho, Educao, Direitos da Cidadania, Urbanismo, Habitao, Saneamento e Organizao

    Agrria (conforme dados do SIAFI/SIDOR).19 - A COFINS entrou em vigncia em 1992, substituindo o Fundo de Investimento Social (Finsocial), estando previno art. 195 da CF e sendo regulamentada pela Lei Complementar n 70/91. Esta contribuio tem com fato geradora venda de mercadorias ou servios de qualquer natureza, a percepo de rendas ou receitas operacionais e nooperacionais e de receitas patrimoniais das pessoas jurdicas. Em decorrncia da Lei n 10.833/03 teve sua alquotamajorada de 3% para 7,25%, passando a ser no-cumulativa.

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    reduzida ao longo do perodo, respondendo por apenas 2,3% em 2004. Os recursos

    ordinrios provenientes de impostos apresentaram uma queda de 14,8%.

    Apesar da diversificao indicada na legislao para o financiamento da AssistnciSocial (Boschetti, 2003), percebe-se que esta poltica vendo sendo custeada, principalmentpela COFINS. Ao desconsideramos, por exemplo, a participao do Fundo de Combate Erradicao Pobreza no financiamento da Assistncia Social, em 2004, percebe-se que COFINS respondeu pelo custeio de 90,8% dos programas que integram esta poltica (tabel4).

    Desse modo, o financiamento da seguridade social no Brasil permanece fracionado coma separao das fontes de recursos advindos da contribuio direta de empregados eempregadores para custear a previdncia social, e as contribuies sociais incidentes sobre faturamento, o lucro e a movimentao financeira para as polticas de sade e assistnciasocial.

    4. Poderosa alquimia: Oramento da Seguridade Social e Acumulao de Capital

    Por meio da DRU, ocorre aalquimia de transformar os recursos destinados aofinanciamento da seguridade social em recursos fiscais para a composio do superviprimrio e, em conseqncia, sua utilizao para pagamento de juros da dvida. Conforme a Anfip (2005), somente em 2004 a DRU foi responsvel pela desvinculao de R$ 24 bilhdas receitas arrecadadas para a seguridade social.

    A DRU pea-chave na estratgia de poltica fiscal para a composio do supervprimrio, o que significa que, por meio deste expediente, processa-se, ento umatransferncia no desprezvel de recursos do lado real da economia, e mais explicitamente, drea social, para a gestofinanceirizada da dvida pblica (...) (Cardoso Jr. e Castro, 2005,p. 14).

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    A partir de 1999, por fora dos acordos com o FMI, o Brasil comprometeu-se a produz

    elevados supervits primrios na execuo dos oramentos anuais, que apresenta umcrescimento constante em relao ao PIB (tabela 5). Alm disso, o Brasil incorreu em maisR$ 128 bilhes em juros da dvida, em 2004.

    De fato, a Dvida Lquida do Setor Pblico (DLSP) cresceu quase cinco vezes em valcorrentes, no perodo de 1994 a 2002, praticamente triplicou de valor em termos reais. A

    soma de juros incidentes sobre a DLSP na ltima dcada equivale a um PIB mdio no pero(Garcia, 2003). Para fazer frente a tamanha transferncia de riqueza para os detentores deexcedentes financeiros, principalmente o capital financeiro, o governo teve de comprometparcela considervel dos recursos que arrecada, deixando de realizar os gastos necessriosnas polticas sociais.

    A estratgia de acumulao de capital por meio da dvida pblica no chega a ser umanovidade na histria do capitalismo. Marx (1987, p. 872-873), na sua anlise da acumulaoprimitiva escrita h mais de cem anos, revela:

    A dvida pblica converte-se numa das alavancas mais poderosas daacumulao primitiva. Como uma varinha de condo, ela dota o dinheiro decapacidade criadora, transformando-o assim, em capital, sem ser necessrioque seu dono se exponha aos aborrecimentos e riscos inseparveis dasaplicaes industriais e mesmo usurias. Os credores do Estado nada do narealidade, pois a soma emprestada converte-se em ttulos de dvida pblicafacilmente transferveis, que continuam a funcionar em suas mos como sefossem dinheiro. A dvida pblica criou uma classe de capitalistas ociososenriqueceu, de improviso, os agentes financeiros que servem de intermediriosentre o governo e a nao. As parcelas de sua emisso adquiridas pelosarrematantes de impostos, (...) lhes proporcionam o servio de um capital cado

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    do cu. Mas, alm de tudo isso, a dvida pblica fez prosperar as sociedadesannimas, o comrcio com ttulos negociveis de toda espcie, a agiotagem,em suma, o jogo de bolsa e a moderna bancocracia.

    A novidade no processo atual de acumulao no capitalismo a intensificao dfinanceirizao da riqueza e do papel estratgico desempenhado pelo fundo pblico. Afinanceirizao expresso geral das formas contemporneas de definir, gerir e realizariqueza no capitalismo (Braga, 1992, p. 26). No processo de financeirizao da riquezacapitalista h um entrelaamento complexo entre moeda, crdito e patrimnio.

    De acordo com Chesnais (1996), a nova dinmica de acumulao de capital ocorrepelas formas de centralizao de gigantescos capitais financeiros (fundos mtuos e fundde penso), cuja funo se valorizarem no interior da esfera financeira. Ele destaca que esfera financeira passa a comandar, cada vez mais, a repartio e a destinao social dariqueza. A importncia da esfera financeira na acumulao de capital, sobretudo a partir dadcada de 1980, revelada pelo crescimento em ritmos qualitativamente superiores ao dosndices de crescimento dos investimentos produtivos, do PIB e do comrcio exterior. Um

    mecanismos mais importantes na transferncia de riqueza para a esfera financeira oservio da dvida pblica e as polticas monetrias associadas a este. Trata-se de 20% dooramento dos principais pases e vrios pontos dos seus PIBs, que so transferidoanualmente (...). Parte disso assume ento a forma de rendimentos financeiros, dos quaivivem camadas sociais de rentistas (Chesnais, 1996, p. 15).

    O fundo pblico exerce uma funo relevante para a manuteno do capitalismo, tantona esfera econmica como na garantia do contrato social. No conceito desenvolvido poFrancisco de Oliveira (1998) no significa apenas o montante de recursos pblicos destinadoa financiar a acumulao de capital: ele um mix que se forma dialeticamente e representana mesma unidade, no mesmo movimento, a razo do Estado, que pblica e a dos capitais,que privada. O processo como o autor conceitua o fundo pblico o de luta de classes nombito do oramento do Estado. Sendo o fundo pblico estrutural para explicar a sustentae o financiamento da acumulao de capital, por meio de uma apropriao de parcelascrescentes da riqueza pblica, ou mais especificamente, dos recursos pblicos extrados d

    sociedade (Oliveira, 1998).

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    Consideraes Finais

    A Carga Tributria do financiamento da Seguridade Social revela uma caracterstica dregressividade, pois arrecadada, em grande parte, por tributos indiretos, que oneramproporcionalmente mais os cidados de menor renda. Essa regressividade evidencia que, emgrande medida, a seguridade social financiada indiretamente por seus prprios beneficirioe diretamente pelos contribuintes da previdncia social. A tributao sobre a renda patrimnio, apesar de serem bases de incidncia de maior progressividade, so fontes definanciamento com baixa ou nenhuma expresso no custeio da Seguridade Social.

    No capitalismo contemporneo, particularmente no caso brasileiro, ocorre umaapropriao do Fundo Pblico da seguridade social, para valorao e acumulao do capitalvinculado dvida pblica. Em outras palavras, parcelas considerveis dos recursos dseguridade social acabam sendo desvirtuadas das suas finalidades. A arrecadao dosrecursos da seguridade social acaba se constituindo, no atual quadro fiscal e tributrio doBrasil, em importante fonte de composio do supervit primrio. Em ltima instncidestinam-se recursos que deveriam ser aplicados em polticas sociais, para o pagamento dejuros da dvida pblica brasileira, cujos credores so os rentistas do capital financeiro.

    O desenho da estrutura do financiamento da seguridade social ajuda a compreender aconfigurao do fundo pblico no Brasil. A partir da anlise dos recursos que financiaram apolticas da seguridade social, no perodo de 1999 a 2004, possvel tirar algumasconcluses, de como a estrutura do fundo pblico caracteriza o Estado Social no Brasil:financiamento regressivo quem sustenta so os trabalhadores e os mais pobres , que no

    faz, portanto, redistribuio de renda; a distribuio dos recursos desigual no mbito dapolticas da Seguridade Social; e ocorre a transferncia de verbas do Oramento daSeguridade Social para o Oramento Fiscal. Os recursos transferidos, por meio da DRU, parcomposio do Supervit Primrio, revelam que o Estado brasileiro age como um Robin Hos avessas, retirando recursos dos mais pobres para os mais ricos, sobretudo para a classedos rentistas. A baixa carga de impostos diretos no Brasil revela que as elites querem sscias do fundo pblico, mas no querem ser tributadas.

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