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Seja em destinos exóticos, cidades badaladas ou paraísos naturais, a nova tendência em turismo explora a vivência e o contato com diferentes realidades por Fernanda Peruzzo, de Paris Só ver não basta A inda bem que as memórias não têm peso. Do contrário, muitos viajantes estariam pagando for- tunas em excesso de bagagem na volta de suas férias. Depois da popularização dos pacotes turísticos da última década, que transformou as pessoas em colecio- nadores de fotos diante de monumentos, a onda agora é sair da rota tradicional para colocar os pés em mercados, trilhas, praias desertas ou todo e qualquer espa- ço que ofereça uma vivência fora do ha- bitual (e fotos invejáveis no Instagram). Conhecida pelos americanos como offbeat (fora do ritmo, literalmente), essa nova maneira de desbravar o mundo ga- nhou no Brasil o nome de Turismo de Experiência, marcado não só pelo exo- tismo do programa, mas principalmen- te pelo seu caráter único. “O valor pura- mente econômico das coisas diminuiu. Os clientes mudaram seu conceito de consumo e necessitam de ‘algo a mais’, que agregue valor perceptível”, enuncia o coordenador do mestrado em turismo da USP, Alexandre Panosso, autor do li- vro Turismo de Experiência (Ed. Senac São Paulo). “Esse conceito é aplicável a qualquer atividade econômica, mas no turismo ele acontece a partir da intera- ção com os serviços, produtos e pesso- as de determinado lugar. Muitas vezes, trata-se da realização de um sonho, de demandas provenientes do coração, ex- periências mais profundas e originais”, completa a consultora do Senac, regional Centro, Nadia Joboji, responsável pelo programa de requalificação do turismo na região dos Campos Gerais, no Paraná. Assim, viajar deixa de ser uma for- ça-tarefa, daquelas que inclui ver o má- ximo no menor tempo possível, para se tornar fruição. Escalar montanhas, na- dar em praias desertas, dormir no de- serto e percorrer trilhas como peregrinos ARREDORES TURISMO DE EXPERIÊNCIA

TOP VIEW, abril 2014

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Seja em destinos exóticos, cidades badaladas ou paraísos naturais, a nova tendência em turismo explora a vivência e o contato com diferentes realidades

por Fernanda Peruzzo, de Paris

Só ver não basta

Ainda bem que as memórias não

têm peso. Do contrário, muitos

viajantes estariam pagando for-

tunas em excesso de bagagem na volta

de suas férias. Depois da popularização

dos pacotes turísticos da última década,

que transformou as pessoas em colecio-

nadores de fotos diante de monumentos,

a onda agora é sair da rota tradicional

para colocar os pés em mercados, trilhas,

praias desertas ou todo e qualquer espa-

ço que ofereça uma vivência fora do ha-

bitual (e fotos invejáveis no Instagram).

Conhecida pelos americanos como

offbeat (fora do ritmo, literalmente), essa

nova maneira de desbravar o mundo ga-

nhou no Brasil o nome de Turismo de

Experiência, marcado não só pelo exo-

tismo do programa, mas principalmen-

te pelo seu caráter único. “O valor pura-

mente econômico das coisas diminuiu.

Os clientes mudaram seu conceito de

consumo e necessitam de ‘algo a mais’,

que agregue valor perceptível”, enuncia

o coordenador do mestrado em turismo

da USP, Alexandre Panosso, autor do li-

vro Turismo de Experiência (Ed. Senac

São Paulo). “Esse conceito é aplicável a

qualquer atividade econômica, mas no

turismo ele acontece a partir da intera-

ção com os serviços, produtos e pesso-

as de determinado lugar. Muitas vezes,

trata-se da realização de um sonho, de

demandas provenientes do coração, ex-

periências mais profundas e originais”,

completa a consultora do Senac, regional

Centro, Nadia Joboji, responsável pelo

programa de requalificação do turismo

na região dos Campos Gerais, no Paraná.

Assim, viajar deixa de ser uma for-

ça-tarefa, daquelas que inclui ver o má-

ximo no menor tempo possível, para se

tornar fruição. Escalar montanhas, na-

dar em praias desertas, dormir no de-

serto e percorrer trilhas como peregrinos

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Reserva Mamirauá, na Amazônia: viagem no meio da selva.

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encaixam-se nessa nova categoria tan-

to quanto degustar um queijo no interior

da França, participar da colheita de uvas

em Portugal ou simplesmente ir ao su-

permercado. Em todas elas, a integração

com os habitantes locais está presente

e, como consequência, a troca de costu-

mes e hábitos culturais que enriquecem

as semanas de descanso e se transfor-

mam em aprendizado. “Quando viajo,

sempre tento ficar na casa de pesso-

as. Mesmo antes do Airbnb, eu alugava

quartos pelo Craigslist. É uma maneira

de ter contato com as pessoas do lugar,

estabelecer relações, ir ao mercado para

descobrir o que as pessoas consomem,

ver como funciona uma casa naque-

le país, como é o chuveiro...”, enume-

ra a jornalista especializada em turismo

Cindy Wilk, autora de A Volta ao Mundo

em 101 Dicas (Ed. Ediouro) e que con-

ta com mais de 50 países visitados em

quase duas décadas de trabalho.

As operadoras de turismo perce-

beram a mudança de interesse. Para

atender os clientes que já fizeram com-

pras em Nova York mais de uma vez,

elas agora oferecem semanas de imer-

são cultural nos quatro cantos do mun-

do, seja na forma de badalados roteiros

enogastronômicos, exclusivos safáris

pela África ou passeios de final de se-

mana para conhecer, finalmente, as co-

munidades tradicionais da cidade vi-

zinha. “O que caracteriza esse turismo

não é apenas o programa em si, mas a

pessoa que viaja, sua preparação e dis-

posição em vivenciar algo novo”, diz

Panosso. Prontos para sociabilizar?

Juliane Buhr e seu amigo leão, na África do Sul.

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TURISMO DE EXPERIÊNCIAARREDORES

“Pesquisando intercâmbios, descobri o trabalho vo-

luntário numa reserva selvagem na África do Sul. A opor-

tunidade de conviver e alimentar os animais me deixou

fascinada. Viajei no início de janeiro e fiquei lá por duas

semanas. Tive um contato muito grande com os animais,

especialmente com os filhotes de leão: cuidava para que

eles não machucassem os visitantes ou que os próprios

visitantes não incomodassem os filhotes. Além disso, mi-

nha rotina de trabalho incluía a limpeza do parque junto

com os outros voluntários, preparar as comidas dos ani-

mais, vender petiscos para os visitantes alimentarem as

girafas e recolher tickets. Entre cada tarefa, tinha direito

a um intervalo para comer ou descansar. Mas dentro de

um parque tão incrível o que eu mais queria era aproveitar

cada segundo! Hoje olho meus tênis cheio de furinhos das

mordidas dos leões e sinto saudades. Passaria por essa ex-

periência mais umas 20 vezes se fosse possível. Sem falar

que a África do Sul é um país encantador.”

CUIDEI DE LEÕESJuliane Buhr, estudante

“Fiz uma viagem de volta ao mundo em 2005, época em que as passagens desse gênero eram realmente baratas. Era a trabalho e ela durou 42 dias. Quando cheguei em Túnis, eu precisava co-mer em alguns restaurantes específicos para es-crever uma matéria. Só que no primeiro café que eu parei, conheci o Habib. Ele trabalhava como garçom e me convidou para visitar a cidade vizi-nha, junto com a sua família. Neste dia, tudo foi muito insólito. Fiquei brincando naqueles carri-nhos de bate-bate com os seus filhos e depois fui jantar na casa dele. Durante os quatro dias que fiquei na cidade, fiz todas as refeições na casa deles. Quando saí de lá, achei que não tinha a matéria. Então, percebi que tive a experiência única de conhecer uma família tunisiana e seus costumes e essa era a melhor história. O mais louco é que eu voltei pra lá três anos depois, com um grupo de jornalistas. Estávamos em uma van e ela parou exatamente em frente ao restauran-te onde eu tinha conhecido o Habib. E ele esta-va lá! Desci e fui cumprimentá-lo. Conversamos e eu pude tirar a única foto que temos juntos.”

Cindy Wilk, jornalistaFUI ACOLHIDA POR UMA FAMÍLIA TUNISIANA

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PACOTES DE EXPERIÊNCIASAmbiente selvagem

Em plena selva amazônica, no interior

da Reserva de Desenvolvimento Sustentá-

vel Mamirauá, no médio Solimões, a Pou-

sada Flutuante Uacari (pousadauacari.com.

br) está entre os melhores hotéis do Bra-

sil, segundo a National Geographic Travel-

ler e o guia Lonely Planet. Criada em 2001,

é composta por módulos flutuantes que

abrigam 10 suítes e acomodam até 20 hós-

pedes. O que atrai os turistas é a oportu-

nidade de dormir ouvindo sons da flores-

ta, caminhar pela mata, pescar ou navegar

nos rios da região, entrar em contato com

as populações ribeirinhas e avistar animais

exóticos como o macaco uacari. Preço: o

pacote de três noites em quarto duplo sai

por R$ 1.500 na alta temporada (junho a ou-

tubro) e R$ 1.425 na baixa (outubro a maio).

Cultura regionalNo Paraná, a Rota dos Tropeiros, nos

Campos Gerais, existe há tempos. A novi-

dade é que foi reorganizada após um estu-

do nacional do Sebrae sobre o Turismo de

Experiência ano passado. Agora, ela ofe-

rece atrativos que mostram o legado da

colonização europeia na região. A pousa-

da Oosterhuis (42/3234-1566, oosterhuis

turismo.com.br), localizada na Castro-

landa, colônia holandesa produtora de

leite e derivados, oferece a oportuni-

dade de conhecer a produção e tam-

bém degustar os produtos. Restauran-

tes e parques com atividades variadas

completam as opções. Preço: R$ 170 o

quarto duplo com café da manhã (pas-

seios à parte). Visitas aos produtores va-

riam entre R$ 10 e R$ 15 por pessoa.

Trabalho voluntárioEm Curitiba, a agência CI (Aveni-

da do Batel 1.398, 41/3342-3032. www.

ci.com.br) propõe programas de traba-

lho voluntário na África do Sul. O mais

popular leva os viajantes ao Lions Park,

a reserva de vida selvagem onde os in-

tercambistas dedicam-se a atividades li-

gadas aos cuidados de leões e também

suricatos, hienas e guepardos. As ativida-

des incluem a alimentação dos animais

(filhotes e adultos), interação com o pú-

blico visitante, manutenção do parque e

das trilhas, além da observação e estudo

do comportamento das espécies. Preço:

US$ 1.665 por duas semanas de progra-

ma, com transfer, jantar de boas-vindas,

safári, acomodação, refeições, suporte

local e certificado de participação.

Moinho da colônia holandesa: visão da pousada Oosterhuis, em Castro (PR).

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