19
Toxicocinética A toxicocinética é o estudo da relação entre a quantidade de um agente tóxico que atua sobre o organismo e a concentração dele no plasma, relacionando os processos de absorção, distribuição e eliminação do agente, em função do tempo. O efeito tóxico é geralmente proporcional à concentração do agente tóxico no plano do sítio de ação,denominado também tecido-alvo. A rigor, o conhecimento da concentração do agente tóxico no sítio de ação permite avaliar melhor o dano ali causado. Entretanto, em face da dificuldade de sua determinação, na prática, mede-se a concentração do tóxico no sangue que constitui o órgão acessível e em constante comunicação com os tecidos-alvo. Da mesma maneira que a farmacocinética, a toxicocinética permite, com seus parâmetros, avaliar matematicamente os movimentos dos agentes tóxicos no organismo. Inúmeros fatores interferem na cinética de agentes tóxicos, dos quais sem dúvida um dos mais importantes é a via pela qual o agente tem acesso ao organismo. Figura 1: Exemplo do comportamento cinético de um fármaco no organismo. Fonte: Goodman e Gilman, 2006. A figura acima ilustra o caminho percorrido por uma molécula de fármaco no organismo humano desde sua absorção (entrada) até sua (excreção) saída. Esse é o mesmo comportamento que as substâncias químicas classificadas como agente tóxico apresentam no corpo humano, com exceção do efeito terapêutico que dá lugar ao efeito tóxico. Serão abordados agora os processos referentes ao estudo cinético dos agentes tóxicos no organismo humano.

Toxicocinética e Toxicodinâmica

Embed Size (px)

DESCRIPTION

CONTEÚDO BÁSICO EM TOXICOLOGIA.

Citation preview

Page 1: Toxicocinética e Toxicodinâmica

Toxicocinética

A toxicocinética é o estudo da relação entre a quantidade de um agente tóxico que atua sobre o organismo e a concentração dele no plasma, relacionando os processos de absorção, distribuição e eliminação do agente, em função do tempo.

O efeito tóxico é geralmente proporcional à concentração do agente tóxico no plano do sítio de ação,denominado também tecido-alvo. A rigor, o conhecimento da concentração do agente tóxico no sítio de ação permite avaliar melhor o dano ali causado. Entretanto, em face da dificuldade de sua determinação, na prática, mede-se a concentração do tóxico no sangue que constitui o órgão acessível e em constante comunicação com os tecidos-alvo.

Da mesma maneira que a farmacocinética, a toxicocinética permite, com seus parâmetros, avaliar matematicamente os movimentos dos agentes tóxicos no organismo.Inúmeros fatores interferem na cinética de agentes tóxicos, dos quais sem dúvida um dos mais importantes é a via pela qual o agente tem acesso ao organismo.

Figura 1: Exemplo do comportamento cinético de um fármaco no organismo.Fonte: Goodman e Gilman, 2006.

A figura acima ilustra o caminho percorrido por uma molécula de fármaco no organismo humano desde sua absorção (entrada) até sua (excreção) saída. Esse é o mesmo comportamento que as substâncias químicas classificadas como agente tóxico apresentam no corpo humano, com exceção do efeito terapêutico que dá lugar ao efeito tóxico.

Serão abordados agora os processos referentes ao estudo cinético dos agentes tóxicos no organismo humano.

1. Absorção

Consideramos absorção, a passagem de uma substância química do meio externo para a circulação sangüínea. Assim sendo a absorção torna-se o principal processo associado à intoxicação.

Para que o agente tóxico seja absorvido, o mesmo deve cruzar a membrana citoplasmática das células. Essa estrutura é composta de uma bi-camada lipídica (cabeça polar e cadeias graxas) com estruturas protéicas distribuídas pela mesma.

Page 2: Toxicocinética e Toxicodinâmica

1.1 Mecanismos de absorção

Os principais mecanismos de absorção são:

Transporte ou difusão passiva: nesse mecanismo o agente tóxico atravessa a membrana celular apenas por apresentar características físico-químicas semelhantes a da mesma, sem necessidade de estruturas transportadoras. As características desse mecanismo são:

-obedece ao gradiente de concentração, substância tende a sair do meio mais concentrado para o menos concentrado (Figura 2).

Figura 2. Mecanismo de difusão passiva.

-sofre influência do pka do agente tóxico e pH do meio, isto é, substâncias que se encontram sem carga tem absorção facilitada, assim sendo substâncias ácidas são melhor absorvidas em meio ácido e substâncias básicas são melhor absorvidas em meio básico.

-não apresenta gasto de energia (não necessita de estruturas especializadas em transporte).

-não sofre saturação (todo agente tóxico tende a ser absorvido independente de sua concentração).

Tansporte ativo: mecanismo no qual o agente tóxico é transportado para o interior da célula através da ação de estruturas presentes na membrana dessa célula, especializadas em transporte (Figura 3). Essas estruturas recebem o nome de carreadores de membrana. As características desse mecanismo são:

-não obedece ao gradiente de concentração, é dependente do número de carreadores e sua eficiência.

Page 3: Toxicocinética e Toxicodinâmica

Figura 3. Mecanismo de transporte ativo.

-ocorre consumo de energia da célula, pois para exercerem sua função eles devem apresentar mudança estrutural e essa necessita de energia para ocorrer.

-esses carreadores sofrem saturação, isto é, podem parar de exercer o transporte em quantidades muito grandes do agente tóxico por falta de energia.

-o transporte ativo não sofre influência do pka do agente tóxico e do pH do meio.

Os transportadores de membrana (T) desempenham várias funções no processo cinético (absorção, distribuição, metabolismo e excreção), estabelecendo assim os níveis sistêmicos (Figura 4). Os níveis sistêmicos dos fármacos estão relacionados aos efeitos terapêuticos, enquanto que os níveis dos agentes tóxicos estão relacionados aos efeitos tóxicos.

1.2 As vias de absorção no organismo

A importância da dose tóxica que atinge a circulação sistêmica e ganha o órgão-alvo, depende, em grande parte, da via de absorção.

Figura 4: Ação dos transportadores de membrana no processo cinéticoFonte: Goodman e Gilman, 2006.

Page 4: Toxicocinética e Toxicodinâmica

Temos quatro vias de absorção de agentes tóxicos no organismo:

• pulmonar

• cutânea

• oral ou digestiva

• ocular

As vias parenterais, tais como a intramuscular, a intravenosa, e também através de mucosas, constituem meios normais de introdução de agentes medicamentosos que, dependendo da dose e das condições fisiológicas ou patológicas do paciente, podem produzir efeitos adversos acentuados, com lesões graves em diversos órgãos.

Para uma mesma substância tóxica, observam-se variações consideráveis de taxas de absorção segundo a via utilizada. Constata-se, por exemplo, que para o chumbo essa taxa é de 50 %, em caso de inalação e de 5 %, após a ingestão.

Deve-se observar o papel determinante da via de absorção no que se refere ao órgão-alvo atingido. Pode-se citar aqui o caso do mercúrio metal: ao mesmo tempo que a ingestão conduz a uma fraca absorção e a um acúmulo nos fígado e nos rins na maior parte da fração que atravessou a barreira digestiva, a inalação de vapores de mercúrio permite ao tóxico transpor facilmente a barreira alvéolo-capilar e acumula-se no cérebro de forma quase que irreversível.

a. Absorção pulmonar

Constitui o principal meio de penetração no ambiente de trabalho; as vítimas inalam gás, vapores, fumaças tóxicas. No homem e outros animais terrestres, a inalação é a via mais rápida pela qual uma substância química ingressa no organismo. Por exemplo, a inalação do éter etílico, um gás anestésico, que quando chega ao pulmão é absorvido, passa para o sangue e logo o efeito é observado.Dessa forma, é uma importante via de absorção para partículas sólidas ou líquidas, e para gases e vapores tóxicos.

Os gases e vapores são absorvidos em função do seu coeficiente de partição sangue/ar, assim sendo o aumento da frequência respiratória aumenta a absorção de substâncias com alto coeficiente sangue/ar. Por outro lado o aumento do fluxo sanguíneo provoca aumento de absorção de substâncias com baixo coeficiente sangue/ar.

Em relação às partículas, o tamanho é característica determinante da eficiência de absorção nos pulmões. É o tamanho da partícula que vai determinar a região do trato respiratório na qual o aerossol será depositado. Partículas com diâmetro entre 5-10 m são depositadas na região nasofaringea por impactação; partículas com diâmetro entre 2-5 m se depositam na região traquebronquiolar por sedimentação; e as partículas com diâmetro em torno de 1 m ou menores atingem a região alveolar.

Estas últimas podem ter vários destinos: serem absorvidas para o sangue; fagocitadas pelos macrófagos alveolares eliminadas do pulmão; ou, ocasionalmente, pernamencem nos alvéolos por um período de tempo, levando a uma pneumoconiose. As partículas que ficaram retidas ao longo de trato respiratório são eliminadas até a boca pelo movimento mucociliar, de onde podem ser deglutidas ou expelidas.

Page 5: Toxicocinética e Toxicodinâmica

Essa via é, portanto, a mais perigosa porque:

• Rapidez de penetração dos gases tóxicos na circulação (não passam pelo fígado). Por este motivo os diferentes órgãos - o sistema nervoso central, particularmente - são rapidamente submetidos aos efeitos narcóticos e anóxicos. Quando a vítima faz esforço físico, esse provoca uma hiperventilação que facilita a penetração do tóxico no sangue;

• A absorção quase completa do tóxico inalado, sendo importante a superfície de absorção dos pulmões e dos capilares pulmonares quase diretamente em contato com o ar exterior.

O grau de exposição depende, às vezes, da concentração do tóxico no ar inalado e da duração da exposição.

b. Absorção cutânea ou transdérmica

Uma das principais funções da pele é proteger, servir como barreira contra a penetração de substâncias. Apesar disso, algumas substâncias conseguem transpor esta barreira.

A pele é formada por 3 camadas: epiderme, derme, hipoderme. A epiderme é formada por extratos (camadas) de células, entre eles, o extrato córneo. Estes extratos, assim como as outras camadas da pele, são de natureza lipídica, e dificultam a passagem de substâncias hidrossolúveis.

O extrato córneo é quem limita a velocidade de absorção pela pele, pois é o principal obstáculo à passagem das substâncias químicas. Todos os agentes tóxicos que penetram pela pele parecem fazer por difusão passiva. Substância que danificam ou removem o extrato córneo, por exemplo, o dimetisulfóxico (DMSO), aumentam a permeabilidade na área danificada a outras substâncias.

Assim, na região do abdômen e do escroto, onde a pele é mais fina, a absorção é mais rápida que em outras onde a pele é mais grossa, como a planta dos pés ou a palma da mão.

Pode haver absorção através de glândulas sudoríparas e foliculos pilosos, onde não existe extrato córneo, porém, estas estruturas representam uma pequena porcentagem da área total da pele.

A absorção cutânea é, portanto favorecida pela umidade e pelo suor, ocorrendo com maior rapidez e intensidade nas regiões de pele fina e mucosas, e depende:

• Das características físicas e químicas do agente tóxico: peso molecular, grau de ionização, hidro e lipossolubilidade (as afinidades do agente tóxico com o tecido adiposo facilitam sua penetração cutânea). De acordo com as substâncias, a penetração efetua-se pelas glândulas sebáceas ou diretamente através das células epidérmicas. Depois da penetração, os tóxicos hidrossolúveis permanecem no espaço aquoso até que os lipossolúveis (os solventes por exemplo) se fixem sobre os tecidos ricos em gorduras;

• Das propriedades do solvente utilizado;

• Do estado dos tegumentos (pele mais ou menos fina, esfolada, escoriada).

Quando uma área grande de pele estiver em contato com uma substância química, maior será a quantidade absorvida que aquela numa superfície pequena. O tempo de contato também é importante, sendo maior a absorção quanto maior for o tempo de contato.

Page 6: Toxicocinética e Toxicodinâmica

A substância tóxica pode causar efeitos locais, como irritação, necrose (morte dos tecidos) ou efeitos gerais (particularmente quando apresenta afinidades particulares com alguns tecidos ou órgãos).

c. Absorção oral ou digestiva

Desempenha somente um papel secundário nos casos de intoxicações agudas profissionais - trata-se de acidentes; ingestão por erro - ou intoxicações agudas voluntárias (mais de 80% delas são conseqüência de tentativas de suicídio e são provocadas pela ingestão oral voluntária de substâncias medicamentosas, mais freqüentemente barbitúricos, tranqüilizantes e antidepressivos). A absorção por essa via ocorre através das mucosas gástrica e intestinal.

O grau de absorção depende particularmente:

• Do pka do agente tóxico e do pH do meio,

• Das características do solvente utilizado,

• Do conteúdo gastrintestinal.

Caso ocorra transformações no meio intestinal, as substâncias ingeridas são absorvidas e, depois da passagem pela veia porta, ganham o fígado órgão-alvo e de inativação dos tóxicos em bom número de casos de intoxicação por via oral.

Convém lembrar o caso particular dos solventes que, embora de toxicidade oral muito fraca, são especialmente perigosos: muito facilmente aspirados pelos pulmões, na seqüência de uma ingestão, provocam então, em pneumopatia química.

Existem,porém, exemplos de substâncias principalmente inaladas e depois absorvidas (pelo menos parcialmente) por via oral: é dessa forma que as partículas de chumbo em suspensão no ar podem ser inaladas e depois, graças à ação dos mecanismos de limpeza pulmonar, são encaminhadas à laringe pelo movimento do muco pulmonar e, então, deglutidas. Outro fator importante é que a presença de microvilosidades no intestino aumenta a superfície de absorção.

d. Absorção ocular

Trata-se de projeções oculares que ocorrem especialmente na seqüência de um erro de manipulação. Uma agressão ocular pode, também, vir de um gás particularmente irritante.

2. Distribuição e armazenamento

a.Distribuição

Depois que a substância química é absorvida ela passa através do sangue por todo o organismo, causando os efeitos nocivos especialmente no(s) órgão(s) alvo.

Entende-se por órgão alvo o local onde primeiro se evidencia um efeito nocivo. É o local da ação do tóxico no organismo. Para produzir esse efeito a substância química deve atingir uma determinada concentração no órgão, o que está diretamente relacionado com o conceito de dose. O fígado constitui o órgão-alvo mais freqüente dos tóxicos ingeridos.

A existência de um órgão alvo não significa que nos outros órgãos não sejam verificados efeitos. À medida em que aumenta a dose e o tempo de exposição, outros órgãos podem também ser afetados.

A distribuição é dependente dos fatores abaixo:

Page 7: Toxicocinética e Toxicodinâmica

- fluxo sanguíneo e linfático

- fixação às proteínas plasmáticas

- diferença entre o pH dos diferentes tecidos

- coeficiente de partição óleo/água.

A fase inicial da distribuição é determinada pelo fluxo sanguíneo (órgãos mais vascularizados apresentam maiores concentrações), enquanto a distribuição final é determinada pela afinidade do produto tóxico pelos vários tecidos. Este fato é responsável pelo fenômeno chamado "redistribuição, ou seja, inicialmente o agente tóxico se distribui pelos órgão mais vascularizados e mais tarde ocorre uma redistribuição para os órgãos de maior afinidade.

Podemos estimar a distribuição de um agente tóxico através do volume de distribuição (Vd), o qual é definido como sendo volume aparente que recebe de maneira homogênea o agente tóxico absorvido. Pode ser calculado como segue:

Vd = dose concentração plasmática

Para obter um resultado correto deve-se trabalhar sempre com a dose e a concentração plasmática na mesma unidade de massa.Ex.: dose em mg e concentração plasmática em mg/mL ou mg/L dose em g e concentração plasmática em g/mL ou g/L

Cabe lembrar aqui que quanto maior for o volume de distribuição mais afinidade pelos tecidos o agente tóxico apresenta, por outro lado quanto menor for o seu valor maior afinidade pelo plasma apresenta o agente tóxico.

b.Armazenamento ou acumulação

Alguns agentes tóxicos se acumulam em certas partes do organismo como resultado de sua afinidade bioquímica. O armazenamento se dá principalmente em proteínas plasmáticas, no fígado e nos rins, no tecido adiposo e nos ossos.Por exemplo, o monóxido de carbono se acumula nas hemácias ou glóbulos vermelhos, o chumbo se armazena nos ossos, e suas manifestações tóxicas aparecem em tecidos moles.

As barreiras encefálica e placentária não são barreiras absolutas à passagem de substâncias tóxicas ao cérebro ou ao feto, mas representam somente locais menos permeáveis que outras áreas do organismo.

Como exemplo temos:• o flúor e o chumbo podem ser acumulados nos ossos,• as bifenilas policloradas (segundo a sigla em inglês, PCBs) podem ser acumuladas na gordura,• o cádmio liga-se a proteínas e é acumulado no rim.

3. Biotransformação

Assim como usa-se o termo metabolismo para indicar a utilização orgânica de diferentes substâncias que são necessárias para a vida, se propôs o termo biotransformação para o processo de conversão das substâncias tóxicas.

A biotranformação é um conjunto de reações que tem como finalidade alterar a estrutura da molécula do agente tóxico de forma a facilitar a sua eliminação.

O termo biotransformação descreve como os organismos transformam as substâncias tóxicas absorvidas em outras de menor toxicidade e em geral solúveis em água.

Page 8: Toxicocinética e Toxicodinâmica

Em outros casos, a biotransformação pode gerar compostos secundários mais tóxicos como os originais, como por exemplo fenóis gerados na biodegradação do petróleo.

O principal órgão responsável pela biotransformação é o fígado, porém, esta ocorre em outros órgãos como rins, intestino, sistema nervoso, etc. Em todos esses órgãos o processo é realizado por enzimas.

As reações de biotransformação são referidas freqüentemente como microssômicas ou citossólicas, de acordo com a localização subcelular das enzimas atuantes (Figura 5). As enzimas microssômicas catalisam a maioria das reações da fase I (oxidação e hidrólise) enquanto as enzimas citossólicas dão responsáveis principalmente por reações da fase II (conjugações).

Figura 5: Localização de uma enzima citossólica na célula.Fonte: Goodman e Gilman, 2006.

Assim sendo, como a biotransformação é dependente de enzimas, os fatores internos e externos, abaixo citados, influenciam diretamente o processo.

-Fatores internos:

genética diferenças existentes entre as diferentes etnias (orientais, afrodecendentes, etc..) com relação a produção enzimática (quantidade, tipo e eficiência das enzimas).

sexo diferenças existentes entre as diferentes etnias homens e mulheres com relação a produção enzimática (quantidade, tipo e eficiência das enzimas).

idade a eficiência das enzimas varia de acordo com a idade.

temperatura corporal as enzimas apresentam temperatura ideal para efetuar sua função. Essa temperatura gira ao redor de 36,5 – 37,0C (temperatura fisiológica normal), fora desse valor as enzimas tem sua estrutura física alterada e sua função prejudicada.

estado nutricional as enzimas são proteínas catalíticas. Assim sendo as mesmas são compostas por aminoácidos, os quais são obtidos através da

Page 9: Toxicocinética e Toxicodinâmica

alimentação. Caso o indivíduo não se alimente bem, terá a produção de enzimas prejudicada.

estado patológico qualquer tipo de patologia que promova alterações na produção ou atividade enzimática pode alterar a biotransformação.

-Fatores externos: entre os fatores externos temos as substâncias que atuam sobr os sistemas enzimáticos inibindo-os ou ativando-os. Essas substâncias são os inibidore ou indutores enzimáticos.

A biotransformação pode ser estimada através do cálculo do tempo de meia-vida (T1/2) do agente tóxico. O tempo de meia-vida pode ser calculado de duas maneiras:

T1/2 = 0,7 x Vd ou T1/2 = 0,699 Cl kel

onde: Vd = volume de distribuição; Cl = clearance ou depuração; kel = constante de eliminação.

O tempo de meia-vida é o tempo necessário para que a concentração do agente tóxico se reduza à metade.

Quanto maior o tempo de meia-vida mais lentamente será biotransformado o agente tóxico.

4. Excreção ou eliminação

O rim é provavelmente o mais importante órgão excretor em termos de número de compostos, mas o fígado e o pulmão são também de grande importância para certos compostos.

As substâncias solúveis em água são eliminadas pela urina. As substâncias que são voláteis, como o etanol e a acetona, e os gases como o monóxido de carbono eliminam-se parcialmente pelo ar expirado. Algumas também são eliminadas pelo leite (compostos lipossolúveis) e suor.

4.1 Vias de excreção

a) via renal:

Nos rins as substâncias podem ser excretadas através dos seguintes processos de filtração ou de reabsorção. Ácidos e bases fracas podem ser eliminadas dessa forma, desde que sejam solúveis em água. Moléculas que apresentam-se na forma ionizada, são melhor eliminadas por essa via, visto que apresentam uma alta afinidade pela água componente principal da urina.

b) via hepática:Alguns compostos e metais podem ser eliminados pelo fígado através da bile.

c) via respiratória:Importante na eliminação de compostos voláteis e gasosos.

d) outras vias:- cabelo, pelo crescimento- unha, através do crescimento (ex: sangue pisado)- saliva,- lágrima, lacrimejar é uma importante defesa e meio de eliminação- suor,- leite materno.

Page 10: Toxicocinética e Toxicodinâmica

Podemos avaliar a eliminação através de um ente matemático conhecido como Clearance (Cl) ou Depuração. A maioria das substâncias apresenta velocidade de eliminação diretamente proporcional à sua concentração (eliminação de primeira ordem). Pode-se calcular o Cl de maneira simples para uma estimativa de eliminação.

Cl = dose ASC

ASC = área sob a curva de concentração plasmática versus tempo

As curvas de concentração plasmáticas versus tempo podem ser de 2 tipos: conc. plasm. conc. plasm.

(A) (B)

tempo tempo

conc. plasm. (C)

tempo

(A) e (B) curva referente a exposição endovenosa, onde observamos em (A) apenas a fase de eliminação (reta descendente) e em (B) temos fase de distribuição (reta paralela) e eliminação (reta descendente).

(C) curva referente as outros tipos de exposição (pulmonar, digestiva, cutânea), onde observamos as fases de absorção (reta ascendente), distribuição (reta paralela ao eixo das abscissas) e eliminação (reta descendente).

O cálculo para ASC das curvas acima mencionadas emprega as fórmulas relacionadas as figuras geométricas triângulo (A) e trapézio (B). Essas fórmulas são apresentadas abaixo.

ASC = b x h ASC = (B + b) x h 2 2

onde b = base e h = altura B = base maior b = base menor h = altura

Quanto maior o valor do Clearance mais rapidamente o agente tóxico será retirado da corrente sanguínea.

4.2 Exemplos de cálculos em toxicocinética:

1.Construa a curva de concentração plasmática x tempo para um agente tóxico na dose exposição de 1,0g. Essa substância apresentou tempos de finais das fases de absorção, distribuição e eliminação com valores de 2, 3 e 6 horas. Sabendo que a concentração plasmática foi de 100µg/mL, determine os parâmetros Vd, Cl, t1/2 e kel.

Page 11: Toxicocinética e Toxicodinâmica

2.Um indivíduo foi exposto a um agente tóxico na dose de 10mg. Essa substância apresentou tempos de duração das fases de absorção, distribuição e eliminação com valores de 2, 2 e 8 horas. Sabendo que a concentração plasmática foi de 4 mg/L, construa a curva de concentração plasmática x tempo e determine os parâmetros Vd, Cl, t1/2 e kel.

3.Um indivíduo foi exposto a um agente tóxico na dose de 10mg. Essa substância apresentou tempos de duração das fases de distribuição e eliminação com valores de 1 e 5 horas. Sabendo que a concentração plasmática foi de 50µg/mL, construa a curva de concentração plasmática x tempo e determine os parâmetros Vd, Cl, t1/2 e kel.

4.Construa a curva de concentração plasmática x tempo para um agente tóxico na dose exposição de 1,5g. Essa substância apresentou tempos de finais das fases de distribuição e eliminação com valores de 3 e 4 horas. Sabendo que a concentração plasmática foi de 100mg/L, determine os parâmetros Vd, Cl, t1/2 e kel.

5.Construa a curva de concentração plasmática x tempo para um agente tóxico na dose exposição de 500mg. Essa substância apresentou tempo final da fase de eliminação com valores de 10 horas. Sabendo que a concentração plasmática foi de 20mg/L, determine os parâmetros Vd, Cl, t1/2 e kel.

Toxicodinâmica

A Toxicodinâmica é o estudo da natureza da ação tóxica exercida por substâncias químicas sobre o sistema biológico, sob os pontos de vista bioquímico e molecular.

O estudo e descoberta dos mecanismos da ação nociva de agentes tóxicos, bem como a avaliação das alterações causadas no organismo, podem ser feitas experimentalmente, utilizando-se animais inteiros ou órgãos e tecidos isolados

A intoxicação inicia-se sempre com a exposição do organismo ao agente tóxico que, geralmente, sofre absorção por variadas vias e atinge o sistema circulatório; o sangue e a linfa se encarregam de transportá-lo aos diversos tecidos e órgãos, onde o agente tóxico exerce sua atividade causando-lhes alterações bioquímicas ou fisiológicas, detectáveis pelos sinais e sintomas, ou mediante avaliação por testes laboratoriais de diagnóstico.

1 Seletividade de ação

Os agentes tóxicos produzem seus efeitos alterando as condições fisiológicas e bioquímicas normais das células.

Alguns compostos do tipo ácido ou base atuam indistintamente sobre qualquer órgão, causando irritação e corrosão nos tecidos de contato, esses são classificados como agentes não seletivos. Outros compostos são mais específicos no seu modo de ação e causam danos a um tipo de órgão ou estrutura, chamado estrutura- alvo, sem lesar outros, esses são classificados como seletivos. Essas estruturas-alvo freqüentemente são moléculas protéicas que exercem importantes funções no organismo tais como enzimas, moléculas transportadoras. canais iônicos e receptores.

As diferenças fisiológicas e bioquímicas existentes entre as espécies animais determinam também variação de seletividade de ação dos agentes tóxicos. Como exemplo, temos o uso de pesticidas seletivos para combater certos fungos e insetos, sem causar danos significativos às outras espécies vivas, assim como os antibióticos são úteis pela toxicidade seletiva que eles possuem sobre os microorganismos causadores de patologia. As penicilinas e as cefalosporinas agem seletivamente sobre as paredes celulares presentes nas bactérias, mas ausentes nas células animais. A toxicidade seletiva pode ser também um resultado da diferença em bioquímica de dois tipos de células. Por exemplo, bactérias não absorvem ácido fólico, mas sintetizam-no a partir do ácido p-aminobenzóico, ácido glutâmico e pteridina, enquanto que os

Page 12: Toxicocinética e Toxicodinâmica

mamíferos não sintetizam o ácido fólico, mas o retiram de sua dieta. As sulfonamidas são seletivamente tóxicas à bactéria, competindo com o ácido p-aminobenzóico na incorporação deste na molécula do ácido fólico.

A seletividade de alguns compostos decorre de dois fatores:

1) o agente é equitóxico a diversos órgãos, mas é acumulado principalmente em

determinados órgãos;

2) reage regularmente com um componente citológico ou bioquímico que está

ausente ou não desempenha função relevante num órgão.

2 Mecanismos gerais

A compreensão do mecanismo de ação molecular e bioquímico dos agentes tóxicos, bem como do local específico de sua ação é de grande importância para determinar as medidas preventivas e terapêuticas de intoxicação.

As estruturas-alvo e os mecanismos de ação tóxica variam muito, de acordo com a estrutura química e as propriedades físico-químicas dos agentes tóxicos. Os mecanismos gerais mais conhecidos serão descritos a seguir.

2.1. Interações de agentes tóxicos com receptores

Os receptores são constituídos por macromoléculas ou parte delas, situadas nas membranas celulares, no citoplasma ou no núcleo. Essas estruturas são elementos sensoriais no sistema de interações químicas que comanda a função de todas as células no organismo. Do ponto de vista fisiológico, a estimulação de receptores é feita por um mediador específico que promove efeitos biológicos característicos.

As respostas desencadeadas pelos órgãos são rápidas ou lentas, dependendo da estrutura molecular e dos mecanismos de transdução envolvidos. Por exemplo, os receptores nicotínico da acetilcolina, o receptor GABA e o receptor do glutamato desenvolvem respostas rápidas, enquanto os de hormônios, os muscarínicos da acetilcolina e os adrenérgicos causam efeitos relativamente lentos.

A ligação entre o mediador e o receptor é específica e geralmente reversível. O mediador pode ser uma substância endógena que interage com o receptor para produzir uma resposta fisiológica normal, ou pode ser uma substância exógena que promova ativação (agonista) ou bloqueio (antagonista) da resposta. Esse mediador exógeno no caso da intoxicação é o agente tóxico. Como exemplos dessas ações temos a nicotina que ativa os receptores colinérgicos provocando aumento da ação colinérgica e a d-tubocurarina que bloqueia esses receptores levando a falta de ação colinérgica.

2.2 Interferências nas funções e membranas excitáveis

Para que o organismo esteja com seu funcionamento fisiológico normal as membranas excitáveis devem apresentar-se estáveis e funcionais.

Agentes tóxicos podem perturbar a função de membranas por vários meios. Por exemplo, o fluxo de íons através de axônio neuronal pode ser bloqueado pelas substâncias que agem como bloqueador do canal de íons. É o caso da tetrodotoxina, derivada de gônadas, fígado e pele de peixe da família Tetrodontidae, que bloqueia os

Page 13: Toxicocinética e Toxicodinâmica

canais de sódio, situados nas membranas axônicas, impedindo as trocas iônicas. As contrações dos músculos esqueléticos são comandadas pelo mediador acetilcolina liberado pelas terminações do axônio neuronal. Nesse processo de transmissão de informação nervosa para as fibras musculares, a liberação de acetilcolina é precedida de vários eventos físico-químicos, caracterizados por entrada de íons sódio através de membranas e saída de potássio.

2.3 Inibição da fosforilação oxidativa

Há agentes tóxicos capazes de desenvolver efeitos adversos interferindo com a oxidação de carboidratos na síntese de Adenosina Trifosfato (ATP), fonte de energia para os processos celulares. Essa interferência pode ocorrer por:

1) bloqueio do fornecimento de oxigênio aos tecidos. Como exemplos temos, a oxidação de ferro na hemoglobina (metemoglobina) pelos nitritos também interfere com o fornecimento de oxigênio, uma vez que a metemoglobina não consegue transportar moléculas de oxigênio. A utilização de oxigênio pelos tecidos é bloqueada pelo cianeto, sulfeto e azida, por causa da sua afinidade ao citocromo oxidase.

2) inativação de enzimas específicas do processo. Por exemplo, a rotenona que age sobre enzimas específicas na cadeia transportadora de elétrons.

3) bloqueio da fosforilação oxidativa. Os compostos nitrofenóis são exemplos deste mecanismo visto que os mesmos promovem o desacoplamento desse processo.

4) Inibição do Ciclo de Krebs ou do Ácido Tricarboxílico. Exemplo desse efeito é o fluoracetato de sódio.

2.4 Complexação com biomoléculas

a. Componentes enzimáticos.

Os agentes tóxicos que atuam sobre enzimas, geralmente formam complexos estáveis através de ligações com sítios específicos dessas enzimas. Essa ligação torna a enzima incapaz de catalizar reações químicas importantes à vida. Entre os agentes tóxicos que atuam inibindo as enzimas podemos citar como exemplos:

-os inseticidas organofosforados qua inibem de maneira irreversível a acetilcolinesterase promovendo aumento da atividade da acetilcolina;

-o monóxido de carbono se fixa à forma reduzida do ferro na hemoglobina. reduzindo o transporte de oxigênio aos tecidos, além de combinar-se com o citocromo oxidase.

-alguns metais como chumbo, mercúrio, cádmio e arsênio exercem suas atividades tóxicas, complexando-se com as proteínas através dos grupos sulfidrilas livres de seus aminoácidos.

-o cianeto que se complexa com o grupo heme do citocromo oxidase ou citocromo a3 impedindo a fixação do oxigênio.

b. Proteínas.

Muitos agentes tóxicos são biotransformados dando origem, freqüentemente, a substâncias quimicamente reativas. Este processo bioquímico conhecido como bioativação é responsável pela formação de inúmeros metabólitos ativos.

Os agente tóxicos que alcançam a circulação sistêmica e podem ser bioativados, principalmente no fígado, dando metabólitos intermediários eletrofílicos,

Page 14: Toxicocinética e Toxicodinâmica

que interagem covalentemente com os sítios nucleofílicos das macromoléculas celulares, tais como proteínas, polipeptídios, RNA e DNA. Essas ligações com os constituintes celulares podem ser o início de processos tóxicos como mutagenicidade, carcinogenicidade e necrose.

No caso das proteínas, temos como exemplo a depleção de glutationa. Essa proteína é essencial à eliminação de muitas substâncias do organismo. Alguns produtos de biotransformação de substâncias químicas, como o paracetamol, promovem diminuição significativa de glutationa no organismo o que impede que esta participe da eliminação de outras substâncias.

A reação de DNA com substâncias exógenas altera a expressão de produtos genéticos essenciais e necessários para a sobrevivência celular. A interação covalente de agente tóxicos com o DNA pode causar morte celular ou desencadear uma série complexa de eventos que pode dar origem ao câncer. Como exemplo a Aflatoxina B1, substância que após biotransformação origina um metabólito ativo que se liga covalentemente ao DNA impedindo que essa molécula, essencial ao organismo, desempenhe suas funções.

As interações covalentes de substâncias eletrofílicas com RNA, que também possui sítios nucleofílicos, podem perturbar suas funções intrace]ulares básicas, como, por exemplo, a síntese protéica.

c. Lipídeos.

São conhecidos vários agentes tóxicos que após biotransformação formam radicais livres (molécula eletrofílica e reativa). Esses radicais livres participam da peroxidação de lipídeos, reação química que altera a estrutura química dessas moléculas.

Quando os lipídeos peroxidados são os componentes da bicamada lipídica da membrana citoplasmática das células, essas sofrem perda de integridade e ruptura. Um exemplo de substâcia que forma radicais livres é o solvente orgânico Tetracloreto de carbono.

2.5. Perturbação de homeostase cálcica

As alterações do processo normal de homeostase de cálcio mediadas por agentes tóxicos parecem desempenhar uma função crítica na injúria e morte celular.Essas alterações da homeostase cálcica intracelular podem resultar de:

- do elevado influxo de cálcio

- liberação de íon cálcio de estoque intracelular

- inibição de sua extrusão da membrana plasmática.

Uma grande variedade de agentes tóxicos, incluindo nitrofenóis, quinonas, peróxidos, aldeídos, dioxinas, alcanos e a!cenos halogenados e alguns íons metálicos, possuem a propriedade de desequilibrar a homeostase de cálcio.