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Cultural Radar Música 200 anos da norte de Haydyn p.9 Artes Rio de Janeiro recebe duas boas exposições p.7 Crônica Ivan lessa relembra seus tempos na extinta revista Senhor p.11 Cinema O novo Exterminador do Futuro p.10 Especial Lançada a primeira edição das correspondências de Machado de Assis p.4 28 de Junho de 2009 R$ 8,90 www.radarcultural.com.br

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Cinema O novo Exterminador do Futuro p.10 Especial Lançada a primeira edição das correspondências de Machado de Assis p.4 Música 200 anos da norte de Haydyn p.9 Artes Rio de Janeiro recebe duas boas exposições p.7 Crônica Ivan lessa relembra seus tempos na extinta revista Senhor p.11 28 de Junho de 2009 R$ 8,90 www.radarcultural.com.br Gay Talese Editor-Chefe

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CulturalRada

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Música200 anos da norte de Haydynp.9

ArtesRio de Janeiro recebe duas boas exposiçõesp.7

CrônicaIvan lessa relembra seus tempos na extinta revista Senhorp.11

CinemaO novo Exterminador do Futurop.10

EspecialLançada a primeira edição das correspondências de Machado de Assisp.4

28 de Junho de 2009 R$ 8,90 www.radarcultural.com.br

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As maiores instituições financeiras do país anunciaram na semana passada mudanças que, pela combinação de juros menores e pra-zos mais longos para pagamento, facilitam o

acesso dos brasileiros aos empréstimos. O Banco do Brasil foi o mais agressivo no relaxamento das condições de crédito, estendendo seu “pacote de bondades” a nove tipos de financiamento. Além disso, aumentou o limite de crédito de 10 milhões de correntistas (um terço de sua base de clientes pessoas físicas), que agora têm 13 bilhões de reais a mais disponíveis para financiar suas compras. “Selecionamos clientes que têm bom relacionamento com o banco e com maior propensão a consumir”, explica o vice-presidente de crédito, controladoria e risco global do BB, Ricardo Flores.De que servem todos os conhecimentos do mundo, se não somos capazes de transmiti-los aos nossos alunos? A ciência e a arte de ensinar são ingredientes críticos no ensino, constituindo-se em processos chamados de pedagogia ou didática. Mas esses nomes ficaram poluídos por ideo-logias e ruídos semânticos. Perguntemos quem foram os grandes educadores da história. Tenho meus candidatos. Chamam-se Je-sus Cristo e Walt Disney. Eles pareciam saber que educar é contar histórias. Esse é o verdadeiro ensino contextualizado, que galvaniza o imaginário dos discípulos fazendo-os viver o enredo

Gay TaleseEditor-Chefe

CARTA DO EDITOR

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[email protected] espaço é seu.Escreva. Mande um e-mail. Deixesua opnião no site.E confira o que os leitores da Radar Culturalestão dizendo

Rada

r

Cultural

O Rei do Pop terá um sucessor?

Sim, Justin Timberlake

Sim, Chris Brown

Ainda está para nascer

Não, Michael Jackson é insubstituível

Os leitores Opininaram pelo site

10%

5%

15%

70%

BOMBAExcelente e esclarecedora a reportagem “A bomba nas mãos de insanos”. Realmente é assim que se apresentam ao mundo osgovernantes norte-coreanos. Será que a única forma que enxergam para extirpar a miséria de seu país é através da au-todestruição? Luiz Carlos CeglysSão Paulo, SP

CLARICE LISPECTOR“O presidente Barack Obama precisa agir rápido, antes que o ditador norte-coreano faça o mundo sentir sau-dade de George W. Bush.”João Paulo MedradoBelo Horizonte, MG

CHICO BUARQUEO gigante, mesmo ferido, ajuda os menos favorecidos com repatriamento e desperta nos mais favorecidos a necessidade de estudar pelo menos o idioma, concreti-zando que precisam se adaptar à situação do país, pois, nas

atuais circunstâncias, ruim aqui, pior se retornar.Miyoko OnishiNagoia, Japão

CINEMA ALTERNATIVOA frase “Nenhum governo pode dizer que é um sucesso sem uma oposição formidável” é tão atual que abraça todo o artigo. Nisso, até Gladstone haveria de concordar Lucia LeopardiAlegre, ES

VIK MUNIZParabéns pela melhor entrevista das páginas ama-relas dos últimos anos. Toda mulher que quer ter um marido por muitos anos e um casa-mento feliz deveria ler e reler essa ent-revista. Marco Antonio Brandão PontualVitória, ES

DOS LEITORES

MOMASabe que me identifiquei com alguns dos atributos masculinos descri-tos por Contardo Calligaris? É muito mais legal dizer que parti em busca de provisão alimentar Renata SathlerBauru, SP

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CARTAS DO JOVEM MACHADO DE ASSIS

A correspondência do maior escritor brasileiro ganha a primeira ediçãocompleta, permitindo uma nova avaliação de sua trajetória

Victorhugo Amorim

Será possível que esteja para ruir o derradeiro bastião da Guerra Fria? Na se-gunda-feira da sema-na passada, o presi-dente Barack Obama liberou o valor das remessas de dinheiro e o número de via-gens que os cubano-americanos podem fazer à ilha, cumprin-do uma promessa de campanha. Também autorizou as empre-sas americanas a oferecer aos cuba-nos serviços de tele-fonia, inclusive con-exões por fibra ótica com os Estados Uni-dos. O embargo co-mercial continua em vigor pelo menos até o assunto ser exami-nado pelo Congresso. Os irmãos Castro re-agiram com cautela, mas não cuspiram na mão estendida. “Man-dei dizer ao governo americano, em priva-do e em público, que estamos dispostos a discutir tudo, direitos humanos, liberdade de imprensa e presos políticos”, disse Raúl em um discurso na Venezuela, na quin-ta-feira. Só o tempo dará a medida da

sinceridade de suas palavras, mas não é prudente ver nelas o ponto de partida para uma transição para a democracia.As medidas de

Obama devem ser vistas mais como uma mudança de tática do que como uma re-viravolta na política oficial – mas, ainda assim, seu valor sim-bólico é enorme. Em-bute a esperança de que o apoio material ao povo cubano e a oferta de conexão com o mundo exte-rior levem a uma dis-tensão política. Os ir-mãos Castro podem ranger os dentes, mas desta vez será difícil se manterem turrões. O regime continua no controle, mas está fraco e ex-austo. Há racha en-tre os apparatchiks e a crise econômica internacional, combi-nada com três fura-cões no ano passa-do, deixou a ilha sem dinheiro em caixa. A dívida com os par-ceiros comerciais está perto de 30 bil-hões de dólares e não há como pagar. Para piorar, com o declínio

no preço do petróleo, fica difícil para Hugo Chávez manter o at-ual nível de subsídios que concede à ilha. O que Cuba quer dos EUA é fácil de enu-merar: os dólares dos turistas ameri-canos, mais crédito dos bancos interna-cionais e acesso ao FMI para negociar sua dívida externa.Será possível que

esteja para ruir o derradeiro bastião da Guerra Fria? Na se-gunda-feira da sema-na passada, o presi-dente Barack Obama liberou o valor das remessas de dinheiro e o número de via-gens que os cubano-americanos podem fazer à ilha, cumprin-do uma promessa de campanha. Também autorizou as empre-sas americanas a oferecer aos cuba-nos serviços de tele-fonia, inclusive con-exões por fibra ótica com os Estados Uni-dos. O embargo co-mercial continua em vigor pelo menos até o assunto ser exami-nado pelo Congresso. Os irmãos Castro re-agiram com cautela,

mas não cuspiram na mão estendida. “Man-dei dizer ao governo americano, em priva-do e em público, que estamos dispostos a discutir tudo, direitos humanos, liberdade de imprensa e presos políticos”, disse Raúl em um discurso na Venezuela, na quin-ta-feira. Só o tempo dará a medida da sinceridade de suas palavras, mas não é prudente ver nelas o ponto de partida para uma transição para a democracia.As medidas de

Obama devem ser vistas mais como uma mudança de tática do que como uma re-viravolta na política oficial – mas, ainda assim, seu valor sim-bólico é enorme. Em-bute a esperança de que o apoio material ao povo cubano e a oferta de conexão com o mundo exte-rior levem a uma dis-tensão política. Os ir-mãos Castro podem ranger os dentes, mas desta vez será difícil se manterem turrões. O regime continua no controle, mas está fraco e ex-

ESPECIAL

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Machado, o moço

O escritor flertava com irmportantes atrizes de teatro em sua época

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O QUE ÉBRÁS CUBAS?

“Dear sir, hoje às 7 horas da manhã, poucos momentos antes de tomar o trem de Rio Claro para Campinas, me foi entregue com a sua carta

de 7 o exemplar de Brás Cubas que teve a bondade de me enviar. Li de Rio

Claro a Campinas, e, preciso dizer-

lhe? – a impressão foi deliciosa, e triste também, posso acrescen-tar. Sei que há

uma intenção lat-ente porém iman-ente em todos os devaneios, e não sei se conseguirei descobri-la. (...) O que é Brás Cubas em última análise? Romance? disser-tação moral? des-fastio humorístico? (...) Pretendo pas-sar dois dias em Campinas, e aqui

lerei o que me falta, que infeliz-

mente não é tanto quanto

desejaria.”

Carta de Capistrano de

Abreu, em 10 de janeiro de 1881

Nos anos 1860, Machado de Assis, ainda na casa dos 20, já conquistara certa fama. Conta-va com peças teat-rais encenadas e era aclamado como “o bardo das Crisáli-das”, livro de po-emas publicado em 1864. Também era um crítico respeitado – em 1868, José de Alencar consagrar-ia Machado como “o primeiro crítico brasileiro” em uma carta aberta publi-cada no Correio Mer-cantil. No entanto, o moço que ganhava a vida como jornal-ista do Diário do Rio de Janeiro enquan-to tentava cavar um emprego público es-tava ainda longe do escritor maior das le-tras brasileiras, cujo centenário de morte é lembrado neste ano. Machadinho – como o chamavam alguns amigos – ai-nda não havia publi-cado um só romance. O primeiro tomo da Correspondência de Machado de Assis (Academia Brasileira de Letras/Fundação Biblioteca Nacional; 320 páginas; ainda sem preço definido), cobrindo de 1860 a 1869, oferece um panorama desse período fundamental na formação do escri-tor. Com coordena-ção do filósofo e dip-lomata Sergio Paulo Rouanet – membro

da Academia Brasilei-ra de Letras – e orga-nização das pesquisa-doras Irene Moutinho e Sílvia Eleutério, o livro abre a primei-ra edição integral da correspondência de Machado, que se com-pletará no ano que vem, com mais dois volumes. “O Macha-do dessas primeiras cartas é muito dife-rente da convenção. No lugar da figura ensimesmada de ca-saca preta, surge um boêmio namo-rador”, diz Rouanet.Teve acesso ante-

cipado e exclusivo à íntegra do livro. São noventa cartas, nas quais predomina a correspondência pas-siva – só 23 foram escritas por Mach-ado. Os organiza-dores incluíram não só a correspondência privada, mas as car-tas abertas publica-das na imprensa (ou até em livros, como a pernóstica carta-prefácio do advogado e poeta Caetano Fil-gueiras, na primeira edição de Crisálidas). Esses documentos – muitos deles inéditos ou raros – foram re-cuperados por Irene e Sílvia de vários ar-quivos, museus e in-stituições de pesqui-sa, principalmente do acervo da própria ABL e da Biblioteca Nacional. A organiza-ção do volume per-mite uma leitura nova desse material. Sob a

diversidade de cor-respondentes e as-suntos, há um enre-do discernível, uma nítida evolução do protagonista: Mach-ado começa como o jornalista dândi que freqüentava teatros e ao que tudo indi-ca namorava atriz-es (embora as car-tas não permitam a identificação positiva de suas amadas) – para acabar com um emprego estável no Diário Oficial do Im-pério e casado com a portuguesa Carolina Xavier de Novais (só se conservaram duas cartas de Machado para a noiva, uma delas incompleta). O aparato de notas produzido pelos or-ganizadores auxilia a compreensão desse enredo, esclarecendo referências literárias e históricas e identifi-cando os personagens citados nas cartas.Nos anos 1860,

Machado de Assis, ainda na casa dos 20, já conquistara certa fama. Conta-va com peças teat-rais encenadas e era aclamado como “o bardo das Crisáli-das”, livro de poemas publicado em 1864. Também era um críti-co respeitado – em 1868, José de Alencar consagraria Macha-do como “o primei-ro crítico brasileiro” em uma carta aber-ta publicada no Cor-reio Mercantil. No

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FÉ CONFEITADA

“Em vez de ensinar a religião pelo seu lado sublime, (...) é pelas cenas impróprias e improveitosas que

(as procissões) a propagam. Os nossos ofícios e mais festividades estão longe de oferecer a majestade e a gravidade imponente do culto cristão. São festas de folga, enfeitadas e confeitadas, falando muito aos

olhos e nada ao coração.”

8 de Janeiro de 1883, carta aberta a um bispo

entanto, o moço que ganhava a vida como jornalista do Diário do Rio de Janeiro en-quanto tentava cavar um emprego público estava ainda longe do escritor maior das le-tras brasileiras, cujo centenário de morte é lembrado neste ano. Machadinho – como o chamavam alguns amigos – ai-nda não havia publi-cado um só romance. O primeiro tomo da Correspondência de Machado de Assis (Academia Brasileira de Letras/Fundação Biblioteca Nacional; 320 páginas; ainda sem preço definido), cobrindo de 1860 a 1869, oferece um panorama desse período fundamental na formação do escri-tor. Com coordenação do filósofo e diploma-ta Sergio Paulo Roua-net – membro da Ac-ademia Brasileira de Letras – e organiza-ção das pesquisado-ras Irene Moutinho e Sílvia Eleutério, o livro abre a primei-ra edição integral da correspondência de Machado, que se com-

pletará no ano que vem, com mais dois volumes. “O Macha-do dessas primeiras cartas é muito dife-rente da convenção. No lugar da figura ensimesmada de ca-saca preta, surge um boêmio namo-rador”, diz Rouanet.Teve acesso ante-

cipado e exclusivo à íntegra do livro. São noventa cartas, nas quais predomina a correspondência passiva – só 23 foram escritas por Mach-ado. Os organiza-dores incluíram não

só a correspondência privada, mas as car-tas abertas publica-das na imprensa (ou até em livros, como a pernóstica carta-pre-fácio do advogado e poeta Caetano Fil-gueiras, na primeira edição de Crisálidas). Esses documentos – muitos deles inéditos ou raros – foram re-cuperados por Irene e Sílvia de vários ar-quivos, museus e in-stituições de pesqui-sa, principalmente do acervo da própria ABL e da Biblioteca

Nacional. nização do volume permite uma leitura nova desse material. Sob a di-versidade de corre-spondentes e assun-tos, há um enredo discernível, uma níti-da evolução do pro-tagonista: Machado começa. Eu quero um ovo de codorna para comer. O meu problema ele tem que resolver. Eu que-ro um ovo de codorna para comer. O meu problema ele tem que resolver. Está difícil completar.R

ESPECIAL

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CIDADE CONQUISTADA

O Rio de Janeiro no século XIX: Machado de Assis já granjeara fama antes de completar 30 anos

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ARTES

Com uma exposição sobre arte barroca e outra sobre vanguardas russas, Rio de Janeiro entra na rota das grandes exposições internacionais

Lucas Schuina

Entre as décadas de 50 e 90, o francês Jacques Boulieu ro-dou o mundo como executivo de uma multinacional do ramo da perfumaria. Em suas andanças da Ásia à América Latina, ele se apro-fundou numa paixão que nutria desde a infância, vivida entre os quadros colecio-nados por seus pais na França: a arte sa-cra. Boulieu comprou suas primeiras peças numa viagem à Ba-hia, em 1959. Então recém-casado com uma mineira também aficionada do gênero, Maria Helena, não parou mais de investir nisso. O casal, que reside no Brasil des-de aqueles tempos, acumulou 1 000 des-sas relíquias. Boulieu adotou a cidade mi-neira de Ouro Preto, paraíso inescapáv-el para os amantes desse tipo de arte, como um lar espiritu-al. E, agora, faz dela o palco de uma inicia-tiva extraordinária. Setenta peças de sua coleção poderão ser vistas publicamente pela primeira vez na

ENTRE A FÉ E A VANGUARDA

mostra Caminhos da Fé, que ocorre a ptir desta segunda-fei No Centro Cultural e Turístico da Federa-ção das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg). Boulieu e a mulher não só promoverão a exposição: suas obras serão doadas Garim-padas Lugares como Índia, Sri Lanka, Fili-pinas, Peru e Bolívia, elas compõem um panorama da arte re-ligiosa nas colônias europeias nos séculos XVI a XVIII. A divers-idade de origens pro-porciona uma visão comparativa do bar-roco brasileiro com seus equivalentes de outras paragens.Como nota Boulieu,

a arte religiosa do período é um teste-munho do êxito dos colonizadores por-tugueses e espan-hóis num de seus maiores objetivos: a conversão dos po-vos dessas regiões à fé católica. Ao tra-duzirem seu fervor nessas peças, os artesãos miravam-se nos exemplos euro-peus, mas não deixa-vam de imprimir ne-las elementos de sua

Entre as décadas de 50 e 90, o francês Jacques Boulieu ro-dou o mundo como executivo de uma multinacional do ramo da perfumaria. Em suas andanças da Ásia à América Latina, ele se apro-fundou numa paixão que nutria desde a infância, vivida entre os quadros colecio-nados por seus pais na França: a arte sa-cra. Boulieu comprou suas primeiras peças numa viagem à Ba-hia, em 1959. Então recém-casado com uma mineira também aficionada do gêne-ro, Maria Helena, não

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FÉ GLOBALIZADA O Arcanjo São Miguel mineiro (à esq.) e a Pietà vinda da Guatemala (à dir.): “O barroco brasileiro era superior”

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De vez em quando, um sujeito formado em jornalismo apa-rece e vira para mim e diz: “Eu me lembro daquele artigo que você escreveu sobre o Spinoza na revista Senhor.” Faço um sor-riso modesto, encaro as sandálias dele, penso que mundo es-tranho este em que as pessoas se for-mam em jornalismo. O sujeito prossegue: “Que revista hem!” Eu vou mais longe: “Ainda vou proces-sar a Chauí por uso indevido”. Na ver-dade nunca escrevi uma única linha so-bre Spinoza. Na ver-dade, tenho a maior dificuldade de me lembrar da revista Senhor. Não guardei nenhuma. Lembro pouquíssimo dela. O que eu me lembro mesmo é que foi meio frustrante e gosto-so. Mas isso, como tudo mais, é opin-ião pessoal. Eu me lembro é do pesso-al. Da redação. Res-taurantes. A revista Senhor foi assim:

Em janeiro de 1959

eu tinha 23 para 24

anos, era chefe de

redação da Norton

Publicidade, ganhava

30 contos por mês.

Fui checar na cartei-

rinha de trabalho. Tá

lá. A revista Senhor

não assinou a car-

teira. É dado. Reca-

pitulando: era chefe

de redação, 9 às 5,

mais dois frilas ex-

celentes, duas agên-

cias. Master e Abae-

té, que menores,

não tinham condição

de pagar um reda-

tor tempo integral.

Então, na hora do al-

moço, ou depois do

trabalho eu passa-

va lá pegava os da-

dos, fazia o texto das

campanhas e fatura-

va 15 milhas em

cada uma. Lembro-

me da campanha de

lançamento de cigar-

ros da Lopes Sá,

para a Master. E dos

livros da Civilização

Brasileira, do queri-

do Ênio Silveira, na

Abaeté, onde o dire-

tor de arte, frila tam-

bém, era o Eugênio

Hirsch, simpaticís-

simo e que também

fazia umas capas

péssimas para a Civ-

Poucos estudantes absorvem as abstra-ções, quando apre-sentadas a sangue-frio: “Seja X a largura de um retângulo...”. De fato, não se apre-nde matemática sem contextualização em exemplos concretos. Mas o professor pode entrar na sala de aula e propor a seus alu-nos: “Vamos constru-ir um novo quadro-negro. De quantos metros quadrados de compensado pre-cisaremos? E de quantos metros lin-eares de moldura?”. Aí está a narrativa para ensinar áreas e perí-metros. Abundante pesquisa mostra que a maioria dos alunos só aprende quando o assunto é contextu-alizado. Quando fala-mos em analogias e metáforas, estamos explorando o mesmo filão. Histórias e casos reais ou imaginários.Professora por fa-

vor, me ajude. Me dê uma nota boa.R

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As linhas simples e precisas de Círculo

Branco, de Rodchenko, causaram impacto

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MÚSICA

A PRESENÇA CONSTANTE DE HAYDN200 anos depois de sua morte, a influência do músico holandês permanece

Fabiano Moreira

“Pai” da sinfonia e do quarteto de cordas, mestre do classicis-mo vienense, admi-rado por Mozart, pro-fessor de Beethoven: idolatrado por seus contemporâneos e reverenciado pela posteridade, Joseph Haydn (1732-1809) é uma daquelas figu-ras musicais tão gi-gantescas que nem todas as hipérboles e elogios parecem con-seguir dar conta de sua real envergadura.Em 2004, o Festi-

val Internacional de Inverno de Campos do Jordão tomou-o como tema, e o pla-neta musical celebra o legado do composi-tor em 2009, ano do bicentenário de fa-lecimento. Contudo, a quantidade, a qual-idade e a importân-cia histórica das ob-ras de Haydn são tão avassaladoras que sempre parecemos estar em débito com esse artesão so-fisticado e inquieto.Não custa lembrar

que o primeiro texto sobre música publi-cado no Brasil tinha como tema o autor de A criação. Trata-se da Notícia históri-

ca da vida e das ob-ras de José Haydn, do francês Le Bret-on, editado no Rio de Janeiro, em 1820.A obra de Haydn

era bem conheci-da em nosso país Há alguns anos,

professores america-nos de inglês se re-uniram para carpir as suas mágoas: ape-sar dos esplêndidos livros disponíveis, os alunos se recu-savam a ler. Poucas semanas depois, foi lançado um dos vol-umes de Harry Pot-

ter, vendendo 9 mil-hões de exemplares, 24 horas após o lan-çamento! Se os alu-nos leem J.K. Rowl-ing e não gostam de outros, é porque es-tes são chatos. Em um gesto de realis-mo, muitos professo-res passaram a usar Harry Potter para ensinar até física. De fato, educar é contar histórias. Bons pro-fessores estão sem-pre eletrizando seus alunos com narra-tivas interessantes ou curiosas, carre-

gando nas costas as lições que querem ensinar. É preciso ignorar as teorias intergalácticas dos “pedagogos astro-nautas” e aprender com Jesus, Esopo, Disney, Monteiro Lo-bato e J.K. Row-ling. Eles é que sabem.Poucos estudantes

absorvem as abstra-ções, quando apre-sentadas a sangue-frio: “Seja X a largura de um retângulo...”. De fato, não se apre-nde matemática sem contextualização em exemplos concre-tos. Mas o profes-sor pode entrar na sala de aula e pro-por a seus alunos: “Vamos construir um novo quadro-negro. De quantos metros quadrados de com-pensado precisare-mos? E de quantos metros lineares de moldura?”. Aí está a narrativa para en-sinar áreas e perí-metros. Abundante pesquisa mostra que a maioria dos alunos só aprende quando o assunto é contex-tualizado. Quando falamos em analo-gias e metáforas, es-tamos explorando.R

Haydn: clássico

definitivo da música

erutdita

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CINEMA

NADA SE CRIA, TUDO SE IMITAJames Cameron não produziu, não escreveu e não dirigiu O Exterminador do Futuro – A Salvação. Mas não há cena do filme que não seja uma cópia de seu estilo e de sua visão

Isabela Boscov

pam os valores e dis-seminam a medioc-ridade entre homens e mulheres. Estamos diante da perda de identidade, de uma geração individual-ista e ignorante que nos empurra a pas-sos largos para o fim do mundo.Oferece um bom argumento contra a generaliza-ção dessa Na aus-ência de uma marca pessoal – e é esse o caso do diretor McG –, tanto melhor que o sucessor se limite a reproduzir as sin-gularidades e quali-dades do Quando um diretor assume uma série iniciada por outro cineasta, o esperado é que lhe imprima uma marca pessoal que justi-fique ter sido ele o escolhido. Não fazê-lo indicaria alguma medida de fracasso. Pois O Extermina-dor do Futuro – A Salvação (Termina-tor Salvation, Esta-dos Unidos, 2009), que estreia nesta sexta-feira no país, oferece um bom ar-gumento contra a generalização dessa tese. Na ausência de uma marca pessoal

A escritora Lya Luft descreve com mae-stria os absurdos e excessos do mundo em que vivemos (“É o fim do mundo”, 3 de junho). O Brasil sofre com as maz-elas sociais, mas no desabafo da escri-tora percebemos que caminhamos para o abismo da mazela moral e ética. As ab-errações impostas hoje como padrões pela sociedade detur-

O artigo nos leva a refletir sobre o rumo que estamos dando a nossa vida. É notório como supervaloriza-mos certas futilidades e nos tornamos sel-vagens e insensíveis diante de fatos como a fome e o descaso que milhares de pes-soas sofrem todos os dias. Estamos ficando desumanos, sofre-mos mais por um an-imal do que por uma criança solução. R

C H I L I Q U E

Há três meses, um episódio dos basti-dores de Salvação fez a festa de alguns milhões de pessoas no YouTube: um di-retor de fotografia foi mexer na luz bem no meio de uma cena de Christian Bale. Pela falha, foi puni-do com uma atitude ainda menos pro-fissional que a sua. Durante 3 minutos e 53 segundos, o ator xingou o sujeito aos berros, sem parar, à taxa de um palavrão a cada 5,8 segun-dos. Bale fez vários mea-culpa públicos, mas em vão: assim que ele abre a boca, em Salvação, o fa-niquito é a primeira lembrança que vem à mente de quem o ouviu – e a causa das várias risadinhas que têm sido ouvidas nas plateias em que o filme é visto, naquilo que deveria ser um momento dramático.

Net e pelas máqui-nas de extermínio que ela produz sem descanso. Durante um ataque a uma in-stalação da SkyNet, surgem dois fatos.

Bale como J.C.:

ninguém esquece o

chilique

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MEMÓRIAS DA REVISTA SENHOR

“O ponto alto da revista, para este criado que vos fala, era o almoço.

Nunca comi tão bem em minha vida”

ilização. Mas, enfim,

o que eu queria dizer

era o seguinte, 60

contos por mês era

uma nota. Pra dar

uma idéia: dava para

comprar um carro

novo por mês. Nada

mau. Eu gastava

tudo em disco im-

portado e mulheres

locais. Dinheiro bem

empregado. Só que

aos 23 anos todo

mundo é idiota. Prin-

cipalmente eu. Como

eu tinha assinatura

de revista americana

e já lera uma porção

de pocket books en-

trei numa crise exis-

tencial. Ou de iden-

tidade. Por aí. Foi

quando o Paulo Fran-

cis, que já era meu

amigo desde 1953,

me perguntou se eu

não queria ser reda-

tor de uma revista,

tal de Senhor, uma

mistura assim de Es-

quire, New Yorker e

Playboy. Quanto pa-

gam? Mal. Na minha

cabeça, eram 17 mil-

has. Ridículo, perto

do sessentão. Mas

topei, já que era uma

besta. Com cara ín-

tegra (vocês não têm

idéia do que é minha

cararante não estava

no gibi, saía na Sen-

hor. Me lembro de

um restaurante em

particular, na traves-

sa dos Barbeiros, o

Escondidinho. Nunca

comi tão bem em

minha vida. O ponto

alto da revista, para

este criado que vos

fala, era o almoço.

Oba! Epa! A casa

Heim, Dirty Dick’s,

o árabe da Senhor

dos Passos, um por-

rilhão deles. O fotó-

grafo era o Chinês,

o Armando Rosário.

Formidável o Chinês.

Posei muito para ele,

para a revista, essa

parte de serviços.

Ilustrando uma ma-

téria do Marcito

Moreira Alves intitu-

lada “Os Boas Vidas”.

Eu em close com um

chapeuzinho-esporte

acendendo um cigar-

ro por trás do volan-

te do meu carro. Eu

tinha carro, claro. Bo-

nito, Mercury, duas

cores, hidramático.

Meus pés ilustrando

umas meias xadrez,

muito sobre o ama-

relo, no bar do ho-

tel Miramar, aquele

do posto Seis. Eu de

longe com uma moça

ao lado no saguão

do Santos Dumont,

ela com meu pal-

etó. Era pra ilustrar

paletós. A moça eu

estava de olho nela,

trabalhava no DAC.

Foi pretexto. Não

deu em nada. Quer

dizer, deu – no mel-

hor sentido possível

– mas anos depois.Que mais? Eu es-

crevi uma matéria sobre o conjunto vo-cal The Hilo’s. Outra sobre o LP do João Gilberto. Outra que era uma tremenda enganação sobre os Beats and Angry Young Men, que cha-mei de Os Cansados e os Zangados. Coz-inhei tudo porção.R

A história da minha entrada na revista Senhor - e da minha demissão por incopetência

Ivan Lessa

De vez em quando, um sujeito formado em jornalismo apa-rece e vira para mim e diz: “Eu me lembro daquele artigo que você escreveu sobre o Spinoza na revista Senhor.” Faço um sor-riso modesto, encaro as sandálias dele, penso que mundo es-tranho este em que as pessoas se for-mam em jornalismo. O sujeito prossegue: “Que revista hem!” Eu vou mais longe: “Ainda vou proces-sar a Chauí por uso indevido”. Na ver-dade nunca escrevi uma única linha so-bre Spinoza. Na ver-dade, tenho a maior dificuldade de me lembrar da revista Senhor. Não guardei nenhuma. Lembro pouquíssimo dela. O que eu me lembro mesmo é que foi meio frustrante e gosto-so. Mas isso, como tudo mais, é opin-ião pessoal. Eu me lembro é do pesso-al. Da redação. Res-taurantes. A revista Senhor foi assim:Em janeiro de 1959

eu tinha 23 para 24 anos, era chefe de redação da Norton Professora, favor

CRÔNICA 28 de Junho de 2009

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Progresso