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Antropologia Jurídica 2º Semestre 2009/2010 Descrição e Análises Antropológicas do jurídico e do político em Portugal: “TROCAS E DEPÊNDENCIAS: PARENTES, VIZINHOS, ECONOMIA E HIERARQUIAS NO ALENTEJO”

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Antropologia Jurídica

2º Semestre 2009/2010

Descrição e Análises Antropológicas do jurídico e do político em

Portugal:

“TROCAS E DEPÊNDENCIAS: PARENTES, VIZINHOS,

ECONOMIA E HIERARQUIAS NO ALENTEJO”

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Introdução

A antropologia é a ciência que estuda o Homem, seja na sua perspectiva

biológica, social ou humanista. Desta forma apresenta-se como um meio idóneo para

poder interpretar o modo de vida do Homem, o modo como este se organiza.

É neste âmbito que se insere o trabalho “Trocas e dependências: parentes,

vizinhos, economia e hierarquias no Alentejo”, cujo objecto será o estudo das pessoas

que habitam uma vila do Alentejo, com o pseudónimo de “Vila Velha”.

Nesta Vila, (tal como na maioria do Alentejo neste altura) a terra e o clima

correspondem ao cenário natural da vida económica, vivendo a maioria dos habitantes

da agricultura, (mesmo aqueles que não dependem dela directamente, como os lojistas e

os taberneiros acabam por depender de modo indirecto), o que leva a que alterações

políticas, económicas e tecnológicas se reflictam nos aspectos fundamentais da vida

social e laboral de “Vila Velha”.

Existe também um sentimento de identidade com raízes económicas, familiares e

religiosas, os habitantes de “Vila Velha” valorizam a tradição, existindo uma teia

relativamente fechada composta por grupos ligados por laços de consanguinidade, não

sendo bem vista por isso a quebra com essa tradição.

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O despontar do actual regime de posse:

A posse da terra é um aspecto fulcral para a estratificação social de “Vila

Velha”, seja durante o ancién regime, seja nos finais do século XIX quando o regime de

posse de terra se altera, (é ainda de considerar a importância continua da posse de terras,

ainda que com a crescente industrialização e melhoria tecnológica fruto da evolução

esta tenha desvalorizado).

No ancién regime os grandes proprietários era os latifundiários (Coroa, Nobreza,

Ordens Religiosas), porém com a queda deste surge um novo grupo de proprietários

sem origem aristocrática. Estes proprietários que derivam por vezes da plebe, como têm

mais experiência com as terras acabam por construir as principais “casas” agrícolas.

Mas a alteração do regime reflecte-se de modo mais importante a nível social na

divisão de terrenos baldios, (as outras alterações afectam os estratos sociais superiores)

em que camponeses e trabalhadores conseguiram parcelas de terra, só que por não

conseguirem pagar o foro acabaram por perder os terrenos para camadas sociais mais

elevadas. Logo esta divisão dos terrenos baldios levou à concentração das terras na

propriedade de um reduzido número de pessoas.

È de fazer uma pequena referência ao papel do trigo, uma vez que é apontado

como a principal cultura cerealífera, especialmente com o desaparecimento dos

vinhedos e colmeias no final do século XIX e com os melhoramentos tecnológicos

(1880) (adubos químicos e charrua metálica).

Grupos Sociais:

Os Latifundiários:

Existem 11 latifundiários na freguesia onde se insere “ Vila Velha” e

correspondem ao grupo mais reduzido, mas também mais próspero, ainda que os seus

rendimentos variem de ano para ano. Como são donos de terras dão trabalho a muitos

trabalhadores, apesar de terem máquinas já bastante avançadas.

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Os latifundiários na sua maioria vive no Concelho “Vila Nova”, ou mesmo em

Lisboa em grandes residências e alguns até já têm formação universitária. Tentam

inserir-se na aristocracia.

São criticados pelos trabalhadores, por não trabalharem nas suas próprias terras,

mas como normalmente estas são herdadas, por si só os latifundiários não têm muita

experiência não só para trabalhar nas suas terras, mas na própria administração.

Os proprietários:

Os proprietários vivem exclusivamente dos rendimentos que as terras produzem.

São proprietários de máquinas e tal como os latifundiários dão emprego a um elevado

número de trabalhadores, mas estes admiram-nos, não tecendo criticas como fazem

relativamente aos latifundiários.

Os proprietários como trabalham nas suas próprias terras acabam por residir

também nas aldeias à volta, mas têm grandes casas, normalmente com 2 andares. Desta

forma acabam por estar muito mais perto do resto da população.

A nível de educação, têm normalmente o ensino primário, mas os seus filhos já

têm educação de nível superior.

As terras das quais são proprietários passam para eles normalmente por herança,

porque algum antepassado as comprou, não havendo qualquer relação com o nobreza,

não havendo pretensão da parte destes para tal.

Os Seareiros:

Os seareiros são cultivadores da seara, cultivando uma parcela de terra e

pagando ao proprietário em géneros colhidos. Têm uma posição social acima dos

trabalhadores rurais e por isso são mais respeitados.

Os casamentos são feitos dentro da sua classe social e são na sua maioria

analfabetos. Como o rendimento vindo da agricultura oscila bastante, atribuem à

crescente tecnologia a causa das suas dificuldades financeiras. Tendem a emigrar para

Lisboa.

Trabalhadores rurais:

Trabalham ao serviço de outrem e têm um salário inferior aos salários industriais

ou agrícolas praticados noutras regiões. O seu trabalho é influenciado pelas condições

climatéricas, pelo que ganham consoante isso. Desta forma com o surgir das fábricas e

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com os salários mais altos que proporcionam têm tendência para se tornar empregados

fabris.

Têm tendência para regular o seu ritmo de trabalho de acordo com a riqueza

relativa do patrão. E a baixa produtividade surge como forma de prolongar o tempo de

duração do trabalho, garantido o emprego e de lutar contra alguma injustiça da qual se

sintam alvo.

Situações de crises e conflitos:

O trabalho em “Vila Velha” oscila com as condições climatéricas e o aumento

da população nos finais do século XIX veio fazer com que em fases com más condições

climatéricas o desemprego se acentuasse, o que veio provocar grandes conflitos sociais.

A esmola e o roubo acabam por surgir como consequência das novas proporções

do desemprego. Porém enquanto a esmola é vista como um empréstimo que se fazia a

Deus para reparação dos pecados cometidos e de certa forma evitar a agitação social, o

roubo, se fosse em pequenas quantidades era visto como um direito concedido aos que

viviam em miséria extrema; as desigualdades justificavam o roubo. Por outro lado

mendigar é um acto público, enquanto quem rouba e não é apanhado não perde o

prestigio.

Nestas fases de crise a preocupação era assegurar as mínimas condições de bem-

estar aos trabalhadores, para que estes não emigrassem e fizessem com que em períodos

de trabalho houvesse falta de mão-de-obra. Uma das soluções encontradas foi dar

trabalho em obras públicas, tendo algumas surgido apenas com este propósito. Os

salários eram mais baixos que os da agricultura para que assim que voltasse a existir

trabalho nas terras os trabalhadores fossem para lá. Ainda assim, o trabalho em obras

públicas mostrou-se insuficiente.

Família, Parentesco, Heranças e Vizinhos:

A família inicia-se com o casamento e quem casa com quem é determinado pela

estratificação social, sendo os casamentos dentro do mesmo grupo social. Assim os

jovens são levados a conviver apenas dentro do seu grupo social, e aí sim podem fazer a

sua escolha livre.

Namoro: Habitualmente só ao fim de um ano é que é formalizado e só ao fim de

3 anos é que o casamento acontece, (o casamento é suposto ser até à morte). A rapariga

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deve ser recatada e o rapaz deve demonstrar capacidade para administrar e fazer

economias. Os encontros entre os namorados devem ser na presença de mais alguém,

até porque não pode haver demasiada intimidade entre os namorados antes do

casamento. Pode dizer-se, por fim que o namoro é uma preparação para o casamento e

um teste às características do futuro casal.

Casamento: O marido e a mulher têm diferentes papéis, enquanto o marido é o

cabeça-de-casal, e por isso o responsável pelas dívidas e pelo sustento da família, a

mulher é responsável pelos assuntos do lar (questões domésticas, tomar conta dos

filhos…)

Pais e Filhos: Se antigamente era vulgar o número elevado de filhos, com o

crescente uso dos métodos contraceptivos o número foi muito reduzido, porém ter

apenas um filho era um risco devido à elevada taxa de mortalidade infantil. Os pais,

mais que mães, preferem filhos homens, porque as mulheres podem manchar a

reputação da família mais facilmente. A relação mãe-filho é mais forte do que com o

pai, estas dedicam mais tempo aos filhos.

Quanto ao trabalho, os filhos trabalham para o pai, e este trata-os como

empregados, havendo um elevado respeito do filho quanto ao pai, a não ser que os

filhos decidam ir trabalhar para fábricas ou emigrem. Por vezes, o facto de trabalharem

juntos, pode gerar conflitos entre pais e filhos.

.

Heranças: É das questões que mais conflito gera, especialmente quando envolve

para além das linhas de parentesco, os familiares por afinidade, que por não terem

sentimentos coesivos com toda a família podem muitas vezes piorar a situação por

interesse na herança. Estes conflitos levam a uma complicada partilha equitativa, tal

como o facto de nem todos os terrenos serem iguais.

Vizinhança: Cada aldeia tem o seu núcleo de vizinhos e cada vizinho acaba por

ter o seu papel dentro da aldeia. As vizinhas estão sempre vigilantes do comportamento

umas das outras, a sua preocupação é saber dos assuntos alheios, muito pelo facto de

muitas terem uma vida doméstica apenas, não trabalharem. As mulheres têm então, um

importante papel nas redes de comunicação. Os homens como trabalham a maioria do

tempo acabam por não ter um papel tão activo.

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A Estrutura Politica

Fazemos agora uma análise da estrutura politica vigente no Alentejo, na altura

do Estado Novo.

Os principais organismos oficias que integravam a freguesia eram dois: os

organismos corporativos (vida económica) e os organismos responsáveis pelo governo

civil.

Na ordem vigente em Vila Velha havia uma enorme disparidade entre uma

maioria de fracos recursos económicos e destituída de poder político e uma minoria

opulenta e poderosa.

Esta estrutura política tinha as suas raízes na remodelação administrativa levada

a efeito, durante a primeira metade do século passado, pelos governos libérias, vindo a

sofrer muitas modificações e adições, as mais importantes das quais foram introduzidas

pelo Estado Novo, em 1926.

A principal inovação introduzida pelo regime, em 1926, situou-se nos sectores

sociais e económicos. O regime baseava-se numa noção de corporativismo, ou seja, o

capital e o trabalho, ou antes os detentores dos meios de produção e os trabalhadores,

não têm interesses conflituosos expressos na luta sindical ou política, mas sim interesses

complementares, os quais deverão ser harmoniosamente conjugados.

Os conflitos emergentes dos diferendos entre as entidades patronais e os

trabalhadores devem ser resolvidos através do aparelho burocrático do Estado

Corporativo e não entre sindicatos livremente eleitos e associações de patrões. O

corporativismo admitia a possibilidade de uma relativa intervenção estatal como meio

de correcção dos males inerentes à sociedade capitalista.

Trinta anos depois, as suas virtudes foram postas em causa, porque o mesmo não

contribuiu nem para o desenvolvimento económico, nem tão pouco para as melhoria das

condições de vida.

As casas do povo

O mais importante de todos os organismos corporativos foi a Casa do Povo, que

funcionava em quase todas as freguesias rurais do País.

As Casas do Povo destinavam-se a fomentar o bem-estar dos trabalhadores

rurais, mediante a instituição de esquemas de assistência na doença e no desemprego.

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Segundo o espírito que informava o corporativismo, a Casa do Povo não contava entre

os seus membros apenas trabalhadores rurais, mas faziam também parte alguns

lavadores. Ainda que não fossem obrigados a filiar-se na Casa do Povo, todos os

trabalhadores de Vila Velha, após certa relutância, nos anos iniciais, acabaram por se

tornarem membros , a fim de colherem os benefícios.

Muito embora os trabalhadores ouvissem com frequência dizer que a Casa do

Povo era sua, mostravam-se cépticos em relação a sua verdadeira natureza, e nem

sequer tiravam partido de possíveis benefícios.

As mais importantes funções da Casa do Povo eram a assistência médica e a

adopção de medidas contra o desemprego, funções estas que eram sempre oriundas a

partir da capital de província.

O Grémio da Lavoura

Os lavradores não eram apenas membros da Casa do Povo. Umas das suas

principais funções consistia na concessão de créditos governamentais, em prol do

cultivo do trigo. O Grémio era ainda um agente da Federação Nacional dos Produtores

de Trigo.

Houve alguma falta de participação directa dos lavradores, algo que não é um

fenómeno novo e que parece não estar só relacionado com a filiação obrigatória.

Utilizando o seu círculo de relações pessoais os latifundiários exercem o seu

controlo no Grémio, tratando de questões que deviam ser tratadas através do canais

oficiais do estado Corporativo.

Os Organismos Administrativos

A legislação aplicada pelo Estado Novo às Autarquias Locais veio subordiná-las

ainda mais ao poder central. Estas medidas de centralização administrativa, juntamente

com a despromoção das actividades politicas, a interdição dos partidos políticos, o

estabelecimento da censura permanente à imprensa, limitaram ainda mais o acesso das

grandes massas populacionais à vida politica e conduziram-nas a uma progressiva apatia

política. As normas e instituições do corpo politico tornaram-se cada vez mais

instrumentos do Governo do que salvaguardas dos cidadão.

A Junta de Freguesia

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Vila Velha, freguesia, pertence ao concelho de Vila Nova, que é composto por

quatro freguesias, sendo a mais pequena das quais precisamente Vila Velha. A freguesia

era administrada pela Junta de Freguesia, constituída por três membros eleitos. Eram

muito limitados os seus poderes, o que a impedia de exercer qualquer influência nas

decisões a tomar em relação aos problemas básicos de agricultura e da economia locais.

A Câmara tinha muito mais importância do que a Junta de Freguesia, o que é

corroborado pelo facto de muitas questões poderem ser tratadas a nível concelhio.

Os membros da Junta reuniam-se pouquíssimas vezes. Embora a sua eleição

fosse directa , na pratica estes eram nomeados pelo Presidente da Câmara.

Embora à face dos estatutos as Juntas de Freguesia pudessem desempenhar um

certo papel politico e tomar diversas iniciativas, a falta de fundos e a dependência em

relação à Câmara, por outro lado, bem como as características gerais da vida política do

País, por outro, impedia que a Junta pudesse concretizar qualquer iniciativa.

A Câmara Municipal

Em muitos casos a freguesia encontra-se subordinada à Câmara de Vila Nova.

Desde pelo menos 1834, que o cargo de Presidente de Câmara foi ocupado, com

poucas excepções, por lavradores importantes ou membros de profissões liberais,

ligados por laços de parentesco a famílias de latifundiários. O Presidente ocupava

sempre uma posição social e financeira mais elevada do que os vereadores.

A Câmara reunia-se semanalmente. Deve ter-se me conta que, não obstante a

Câmara ser um organismo muito mais influente do que a Junta de Freguesia, não

exercia qualquer jurisdição no sector da agricultura.

Era generalizada a noção de que a Câmara protegia muito mais os ricos do que

os pobres. Por exemplo, muitos eram os que se dirigiam a Câmara para diversos fins, as

pessoas humildes aguardavam na fila a sua vez de serem atendias. Aqueles que podiam

fazer valer a sua influência ignoravam as filas e dirigiam-se directamente ao Secretário

ou ao próprio Presidente.

Função Pública e Interesses Privados

Raramente existe a noção clara do que distingue a função do funcionário da

pessoa do cargo e interesses individuais do bem geral. Esta confusão de conceitos é

extensiva a todas as camadas da população.

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A sobreposição entre os planos pessoal e público torna-se ainda mais complicada

quando há envolvimento de dinheiro, com frequência os funcionários utilizam dinheiro

do erário público para fins pessoais, em alguns casos o montante retirado não era

reposto. A Câmara nomeava, em cada freguesia, um ou dois homens para o cargo de

zelador, a quem competia verificar a ocorrência de infracções às posturas. O zelador,

homem de confiança do Presidente da Câmara, desempenhava ainda o papel de

informador político.

A Lei e a Ordem

A Guarda Republicana

Data de 1911 o estabelecimento da G.N.R. no país, força que veio a substituir a

polícia rural. Era sua missão manter a lei e a ordem nas vilas, nas aldeias e no campo.

Os guardas faziam as patrulhas aos pares e era com frequência que passeavam pelas

ruas. Não onde, por impedimento legal, ser naturais da terra onde prestavam serviço,

eram geralmente recrutados entre famílias de camponeses pobres.

Um mês após a chegada dos primeiros guardas-republicanos a Vila Nova, todo o

contingente teve de ser transferido, devido a acusações de corrupção verificadas na

aplicação de multas.

O Tribunal

Para efeitos judiciais, a freguesia faz parte de uma comarca, cujo tribunal se

situa em Vila Nova.

Em 1965, apenas eram julgados no tribunal de Vila Nova os casos de foro civil e

criminal. Os crimes políticos – “crimes contra a segurança do Estado” – não eram

julgados na comarca local. Os juízes não permaneciam na mesma comarca por mais de

seis anos, todavia estes não se encontravam imunes às pressões e atitudes locais. Havia

a noção de que justiça era algo do mundo dos ricos.

Apesar de tudo, o tribunal constituía um organismo relativamente independente.

Poder e Controlo Político

Os organismos analisados anteriormente destinavam-se a servir o bem comum,

mas é obvio que os latifundiários se encontravam muitas vezes numa posição que lhes

permitia manipular no seu próprio interesse o funcionamento destes organismos. Como

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os latifundiários eram membros da direcção dos mais importantes organismos exerciam

considerável controlo pessoal sobre os funcionários que aí prestavam serviço.

Noutras ocasiões, os latifundiários, ao mesmo tempo que procuravam defender

os seus interesses, actuavam igualmente como porta-voz da comunidade sempre que

reclamavam, por exemplo, uma redução dos impostos.

A Religião

Em quase todos os domínios da nossa sociedade é visível o desinteresse e a

insatisfação em relação à Igreja e ao seu papel. Contudo, esta desempenha ainda um

papel incisivo no interior do país.

Nessas províncias ainda são frequentes as festas e as procissões em honra dos

seus padroeiros.

Apesar de todas estas demonstrações de fé, a assistência à missa é muito escassa,

atingindo o seu apogeu na época do Natal e da Páscoa. Com a introdução da rádio, do

cinema e da televisão, a tradição religiosa passou para segundo plano.

Ritos

O baptismo é o rito mais importante para as pessoas da freguesia, este é o

primeiro contacto com Deus e na opinião da alguns a única maneira de os seus filhos

não serem considerados “mouros”.

Quanto ao casamento, estes são na sua maioria celebrados na Igreja na presença

do pároco. Assim toda a comunidade pode participar, tornando-se mais um motivo de

conserva entre as vizinhas.

Até 1911, não existem em Vila Velha quaisquer registos de funerais.

Estes são quase sempre cerimónias religiosas. Porém, nos casos de pessoas

casadas apenas civilmente, e no caso de suicídio, as cerimónias fúnebres não têm lugar.

O padre não participa e os sinos não tocam.

Estas são as únicas formas que no entender do povo da freguesia sintetizam a

religião. Fora destes momentos são poucos os que seguem com dedicação os rituais

religiosos.

O Declínio da Fé

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Desde 1910 que o orçamento para as práticas religiosas era diminuto. Durante

muitos anos a província sobreviveu sem padre. Esta falta de fervor religioso é visível

pela quantidade de Igrejas em ruínas existentes no Concelho.

Os padres desempenhavam muitas vezes papéis políticos e administrativos. Era

também muito frequente os padres serem casados, apesar de ser visto com alguma

imoralidade pelas autoridades eclesiásticas, a população apoiava firmemente esta

situação.

Como consequência de tudo o que foi apontado, eram poças as pessoas que se

confessavam, visto que acreditavam que o pároco pudesse violar o seu dever de sigilo.

Os Santos

Deus é visto como um ser intimidador, ao qual se deverá recorrer em último

lugar, sendo mais fácil recorrer a um intermediário – o Santo. Contudo, esta

cumplicidade humanização dos Santos vela muitas vezes a demoras e batotas no

pagamento de promessas. Estas ao normalmente pagas mediante a entrega de pequenas

somas de dinheiro, ou com pequenos sacrifícios. Desta forma, podemos concluir que os

santos não infundem grandes temores ou respeito pessoal.

A Religião no Feminino

Comparando a relação das mulheres e dos homens com a Igreja, poderíamos

facilmente concluir que as primeiras dedicam mais tempo da sua vida às práticas

religiosas. São geralmente estas que fazem as promessas e que obtêm a sabedoria divina

através da oração.

Algumas mulheres adquirem um conhecimento de tal maneira profundo que são

chamadas a resolver determinados problemas. Estas são vistas por uns como entidades

com poderes divinos e por outros como “bruxas”.

O Patrocinato

O Conceito de Patrocinato

Toda a teia de relações de patrocinato resulta de permutas de favores entre

indivíduos muitas vezes ligados por relações de amizade ou por laços de parentesco

espiritual.

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Através destas permutas de favores na balança de trocas de uma relação de

patrocinato, uma das partes, ao ver-se em dificuldades, dá inicio a esta relação com o

pedido de favor. Concedido este favor, este tem de ser recompensado.

A sociedade encontra-se deficientemente organizada e o único meio de tentar

remediar a situação são esforços individuais.

Os pobres necessitavam de consistente protecção que obtinham mediante o

estabelecimento de uma permanente relação de patrocinato. Para se obterem as

melhores cunhas torna-se necessário encontrar os melhores padrinhos.

O Parentesco Espiritual

Os laços de parentesco espiritual constituem relações permanentes e revestem-se

da natureza cerimonial em dois momentos:

Baptizado

Casamento

Os parentescos espirituais poderão contribuir pata consolidar os laços familiares

já existentes.

Há quem considere que deveria ser sempre assim e nunca se deveria pedir a

pessoas estranhas à família que fossem padrinhos.

Na maioria dos casos em que não são membros da família, a escolha recai sobre

pessoas de condição social mais elevada.

O sistema de favores implícito nestas formas de parentesco espiritual é

sancionado pela Igreja.

O certo é que se trata de um sistema destinado a obter vantagens concretas e de

um meio de promoção pessoal.

O parentesco espiritual estava, porém, longe de constituir um meio garantido de

superar as distancias sociais de maneira personalizada, assim como de assegurar

benefícios de natureza excepcional à pessoa colocada sob a protecção de um patrono.

As Amizades Políticas

Entre a Regeneração (1851) e a República (1910) as famílias de latifundiários

dividiam-se entre os principais partidos.

Cada família tinha a sua própria clientela, assistindo-se a uma manipulação de

votos.

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Os afilhados e os trabalhadores ao serviço das famílias votavam na escolha dos

respectivos patronos.

Continuavam, no entanto, a existir uma percentagem de eleitores com os quais

não havia elos directos estabelecidos e que precisavam de ser aliados por meios mais

activos, com vista à obtenção de mais votos.

Com a implantação da República, deu-se uma importante modificação da cena

política do país.

Os latifundiários tinham a ideia de que os Partidos Republicanos iriam introduzir

a mesma clivagem vertical na sociedade portuguesa o que lhes permitia conservarem

dentro do quadro parlamentar o seu controlo através dos tradicionais mecanismos de

patrocinato.

Também os trabalhadores rurais, à semelhança das classes trabalhadoras noutras

regiões do país, se sentiam atraídos pelas ideias republicanas.

Os latifundiários e os trabalhadores tinham diferentes perspectivas.

Foi neste estado de coisas que constituiu para os latifundiários um aviso sério

dos perigos de que se revestia o novo regime.

Foi entre 1910 e 1926 que o patrocinato político associado à Regeneração entrou

em declínio.

A retirada da cena política de alguns dos grandes latifundiários, a criação de

novos partidos políticos e a instabilidade governamental contribuíram para romper as

cadeias de patrocinato politico e ao mesmo tempo para uma apatia política.

O regime instaurado pelo Golpe Militar de 1926 veio pôr termo ao sistema

político parlamentar, em que participavam diversos partidos legais.

Com esta transformação o patrocinato político adquiriu também novas facetas,

haveria retirada de benefícios no caso de haver cessação de determinados tipos de

comportamento.

Sob o regime Salazarista, as relações de patrocinato modificaram-se

radicalmente. Já não se tratava de obter vantagens, o que se pretendia era não cair na

situação de ser considerado comunista e tratado como tal, situação que apenas viria

agravar as precárias condições de vida com que se debatiam.

Do Paternalismo ao Corporativismo

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Nas relações “patriarcais” assistia-se a uma protecção concedida pelos ricos aos

pobres.

Esta protecção foi progressivamente perdendo importância devido,

principalmente à deterioração da situação financeira dos trabalhadores, ao aumento

demográfico, e ao aparecimento da casa do povo

Patrocinato e Controle Social

O cliente encontra-se sujeito a várias formas de pressão moral contra os quais

não tem qualquer tipo de defesa, uma vez que, em termos materiais, pouco ou nada pode

oferecer em troca de favores.

Assim o que se exige ao cliente é que proceda de acordo com os padrões morais

que o patrono julga convenientes.

O aproveitamento do patrocinato por parte de um grupo como meio de controle

social inscreveu-se em três campos específicos: religião, família e política.

Alterações causadas com a revolução de 25 de Abril de 1974:

O estudo antropológico anterior foi realizado na época do salazarismo, com o

objectivo de melhor perceber o sistema político-social da época, o que significa que

muitos dos costumes foram enraizados de acordo com as crenças e pensamentos que

caracterizaram aquela fase.

Com a Revolução de Abril de 1974 muitas alterações acabaram por acontecer. O

sistema de posse de terra alterou-se, tendo havido várias nacionalizações, o que alterou

inevitavelmente a estratificação social, uma vez que a posse da terra era o que a

construía. Muitas greves surgiram e a reforma agrária introduzida trouxe expropriações.

Se o sistema anterior era visto como opressivo pelas classes mais baixas, o novo sistema

que inicialmente parecia positivo, acaba por não se tornar muito favorável para a vida

social de “Vila Velha”.

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