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TRABALHO FEMININO: IDÉIAS DE ESTUDANTES COMO BASE PARA O PLANEJAMENTO DO ENSINO DE HISTÓRIA Maria Inês Teixeira Teotonio * Resumo: Descreve-se conceitos destacados em narrativas de um grupo de alunos da educação básica sobre trabalho feminino e direito das mulheres. E, as atividades dirigidas para esses alunos, cujo planejamento priorizou os seus conhecimentos prévios. Ampara-se numa reflexão sobre a importância da consideração das idéias dos alunos no processo de ensino em vista do acesso ao conhecimento socialmente elaborado e historicamente acumulado e de uma efetiva contribuição para a formação da consciência histórica e na formação de cidadãos participativos e críticos. Para as reflexões sobre trabalho feminino destaca-se as idéias de Michelle Perrot e Mary Del Priore, entre outros autores. Palavras-Chave: Conhecimento Histórico – Trabalho Feminino – Ensino de História Abstract: It describes posted concepts in narrative of a group of studants in basic education about the woman’s work and rigth. And, the activits directed for this studants, whose plan prioritized your previous knowledge. Seek refuge in a reflection about the importance of consideration of ideas of the studants in the process of teach in order of access to knowledge socially prepared and historically accumulated and of a effective contribuition for the formation of historical awareness and in the formation of critical and participatory cintizenry. For the reflexions about the woman´s work highligths the ideas of Michelle Perrot and Mary Del Priore, among others authors. Key-words: Historical knowledge – Woman-s work – History Teach Introdução Considerar as idéias dos alunos para uma aprendizagem significativa e uma consciência histórica 2 _____________ * Professora de História e Ensino Religioso, na Escola Estadual Basílio de Lucca (Ibiporã/PR). Graduada em História (UEL) e pós-graduada em Metodologia do Ensino – Aprendizagem da História no Processo Educativo e Administração, Supervisão e Orientação Educacional. Atualmente cursando o PDE (Programa de Desenvolvimento Educacional – SEED/PR). 2 Trabalho orientado por Regina Célia Alegro (UEL).

TRABALHO FEMININO: IDÉIAS DE ESTUDANTES COMO … · permita o acesso a diferentes fontes históricas: documentos, mapas, imagens, depoimentos, vídeos, charge, obras de arte, fotografias,

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TRABALHO FEMININO: IDÉIAS DE ESTUDANTES COMO BASE PARA O PLANEJAMENTO DO ENSINO DE HISTÓRIA

Maria Inês Teixeira Teotonio∗

Resumo:

Descreve-se conceitos destacados em narrativas de um grupo de alunos da educação básica sobre trabalho feminino e direito das mulheres. E, as atividades dirigidas para esses alunos, cujo planejamento priorizou os seus conhecimentos prévios. Ampara-se numa reflexão sobre a importância da consideração das idéias dos alunos no processo de ensino em vista do acesso ao conhecimento socialmente elaborado e historicamente acumulado e de uma efetiva contribuição para a formação da consciência histórica e na formação de cidadãos participativos e críticos. Para as reflexões sobre trabalho feminino destaca-se as idéias de Michelle Perrot e Mary Del Priore, entre outros autores. Palavras-Chave: Conhecimento Histórico – Trabalho Feminino – Ensino de História

Abstract:

It describes posted concepts in narrative of a group of studants in basic education about the woman’s work and rigth. And, the activits directed for this studants, whose plan prioritized your previous knowledge. Seek refuge in a reflection about the importance of consideration of ideas of the studants in the process of teach in order of access to knowledge socially prepared and historically accumulated and of a effective contribuition for the formation of historical awareness and in the formation of critical and participatory cintizenry. For the reflexions about the woman´s work highligths the ideas of Michelle Perrot and Mary Del Priore, among others authors.

Key-words: Historical knowledge – Woman-s work – History Teach

Introdução

Considerar as idéias dos alunos para uma aprendizagem significativa e uma

consciência histórica2

_____________ ∗ Professora de História e Ensino Religioso, na Escola Estadual Basílio de Lucca (Ibiporã/PR).

Graduada em História (UEL) e pós-graduada em Metodologia do Ensino – Aprendizagem da

História no Processo Educativo e Administração, Supervisão e Orientação Educacional. Atualmente cursando o PDE (Programa de Desenvolvimento Educacional – SEED/PR). 2 Trabalho orientado por Regina Célia Alegro (UEL).

2

Para garantir a construção de um plano de trabalho que tenha em mente a

formação do aluno enquanto sujeito de sua história, portanto, contribuir para a

formação da sua consciência histórica, torna-se necessário conhecer as idéias que

o educando possui sobre os conteúdos que irão ser trabalhados em sala de aula.

Esses conhecimentos são frutos das relações estabelecidas ao longo da vida com a

família, com o grupo social, com a mídia e com a própria escola.

Ao chegar à escola o educando traz idéias e informações que precisam ser

consideradas no planejamento do ensino. Isso porque o estudante não é mero

receptor. Isso significa que não se aprende conteúdos tal como o professor os

emite, mas no processo de compreender relaciona o novo conteúdo com as

informações e os valores já estabelecidos na sua estrutura de conhecimento.

“[...] as idéias prévias são de grande importância para determinar o que é aprendido e como é aprendido. Em história e em ciências sociais, em geral, entende-se por conhecimentos prévios um conjunto de idéias e modos de pensar ou raciocinar socialmente construídos” (SIMAN, 2005, p. 351).

Nesse sentido, o processo de ensino e aprendizagem pode ser concebido

como uma troca de significados entre professor, aluno e material didático. São três

fontes de informações que são confrontadas em sala de aula: a partir daí o aluno

estabelecerá uma síntese pessoal cuja qualidade estará relacionada à

disponibilidade dos conceitos prévios consistentes e à clareza das novas

informações apresentadas. Assim torna-se um compromisso do educador conhecer

as idéias dos seus alunos e assegurar a eles o acesso ao conhecimento

socialmente elaborado e historicamente construído.

Essas idéias precisam ser consideradas pelo educador ao elaborar seu

plano de trabalho, uma vez que podem influenciar substancialmente o processo

ensino aprendizagem. Os alunos precisam perceber-se enquanto sujeitos históricos

e construtores de conhecimento, inclusive porque o ser humano e suas realizações

devem ser o eixo central da educação. Levando em consideração os

conhecimentos prévios que possuem, o trabalho do professor poderá tornar-se

mais eficaz, propiciando a apropriação de um conhecimento mais significativo para

o aluno, pois:

“[...] só uma educação de qualidade, que tenha o ser humano e suas realizações como eixo central, pode nos fazer, como nação, dar um salto qualitativo a que tanto aspiramos, por meio da qualificação de nossos jovens [...]” (PINSKY apud KARNAL, 2003, p. 21).

3

A justificativa para esses cuidados – conhecer conceitos e valores que os

alunos carregam consigo e organizar o ensino a partir deles – é explicitada quando

se considera o conceito de consciência histórica, elaborado por Rüsen.

Acompanhando Rüsen, as Diretrizes Curriculares da Rede Pública de

Educação Básica do Estado do Paraná (DCE) entendem que a consciência histórica

é algo inerente ao ser humano. Não é algo que alguns, mais que outros, possam

possuir, mas uma condição da existência do pensamento humano. O que pode

variar são as características dessa consciência em diferentes sujeitos e grupos

sociais.

[...] A consciência histórica não é algo que os homens podem ter ou não – ela é algo universalmente humano, dada necessariamente junto com a intencionalidade da vida pratica dos homens. A consciência histórica enraíza-se, pois, na historicidade intrínseca a própria vida humana na prática. Essa historicidade consiste no fato de que os homens, no diálogo com a natureza, com os demais homens e consigo mesmo, acerca do que sejam eles próprios e seu mundo, têm metas que vão além do que é o caso” (RUSEN apud CERRI, 2001, p. 99).

Essa consciência tem particularidades – é histórica. Não se pode entender

a consciência histórica apenas como algo que se refere ao passado, mas, sim,

como Rüsen a concebe: “[...] uma consciência do passado que possui uma relação

estrutural com a interpretação do presente e com a expectativa e projeto de futuro”

(2001, p. 65). Para Schmidt & Garcia (2005, p. 301), a consciência histórica “[...]

tem a ‘função prática’ de dar identidade aos sujeitos e fornecer à realidade em que

eles vivem uma dimensão temporal, uma orientação que pode guiar a ação,

intencionalmente, por meio da mediação da memória histórica”.

Para fins do trabalho aqui exposto é preciso destacar também que:

“[...] a consciência histórica não é idêntica, contudo, à lembrança. Só se pode falar de consciência história quando, para interpretar experiências atuais do tempo, é necessário mobilizar a lembrança de determinada maneira: ela é transportada para o processo de tornar presente o passado mediante o movimento da narrativa” (RÜSEN, 2001, p. 63).

A escola é um local de socialização do saber e muitos alunos têm a escola

pública como mediadora principal para desfrutar deste direito. Assim sendo, torna-

se um compromisso dos educadores criar condições de acesso ao conhecimento.

Para isso é necessário realizar intervenções pedagógicas que explorem recursos

4

que indiquem para o aluno como são construídos os conhecimentos específicos de

cada disciplina e que essas estão vinculadas a campos do conhecimento. Concebe-

se aqui o conhecimento histórico como “[...] uma explicação sobre o passado que

pode ser complementada com novas pesquisas e pode ser refutada ou validada

pelo trabalho de investigação do historiador” (SEED, 2006, p. 46).

As Diretrizes Curriculares (SEED, 2006) propõem que o conhecimento seja

tratado como o resultado das investigações e de análises sobre o passado. O

conhecimento é resultante da análise de diferentes referenciais, frutos das

experiências dos sujeitos. Desde Chervel (década de 1990) sabe-se que é possível

a produção do conhecimento em sala de aula. Trata-se de um saber distinto

daquele produzido por especialistas, mas pode e deve guiar-se por princípios e

procedimentos gerais do campo de conhecimento.

Para tanto, se faz necessário desenvolver com os alunos um trabalho que

permita o acesso a diferentes fontes históricas: documentos, mapas, imagens,

depoimentos, vídeos, charge, obras de arte, fotografias, entre tantas outras que

podem ser levadas para a sala de aula, no entanto é necessário explorar esses

recursos enquanto documento histórico, dando a cada um deles tratamento

adequado.

Nesse sentido, na disciplina destacou-se a realização de pesquisa da qual

participaram os alunos. O trabalho orientou-se pelos pressupostos da História Oral

– particularmente pelos estudos orientações de Verena Alberti. Assim, propôs-se

aos alunos uma investigação que contemplasse a coleta e análise de entrevistas.

O recorte temático enfatizou, em diálogo com a disciplina de matemática e

geografia, um estudo sobre o trabalho feminino, destacando-se as mulheres da Vila

Rural Aparecido Magri, em vista de propiciar aos alunos a compreensão do meio

em que vivem e ressaltar sua importância enquanto sujeitos do processo histórico e

criadores de conhecimento.

O tema abordado orientou-se por uma pergunta básica: quais são as idéias

que os alunos da escola pública possuem sobre trabalho feminino e direito das

mulheres, como concebem está temática no limiar do século XXI? Como pode a

escola contribuir para que os alunos possam refletir sobre a questão, de forma

crítica?

O trabalho realizado com os alunos da 8ª série “B” da Escola Estadual

Basílio de Lucca - Ensino Fundamental, de Ibiporã (PR). Procurou-se inicialmente

5

coletar, através de um texto narrativo, as idéias prévias dos alunos sobre trabalho

feminino e sobre os direitos das mulheres. Através da análise de conteúdo das

narrativas foi desenvolvido um Folhas intitulado “Trabalho Feminino: mudanças e

permanências” e, a seguir, foram executadas as intervenções pedagógicas

propostas no Folhas. Após, aplicou-se o mesmo instrumento utilizado para

levantamento das idéias prévias em vista da observação de possíveis modificações

decorrentes da aprendizagem.

Para considerar os conhecimentos dos alunos adotou-se a metodologia de

análise de conteúdos. Segundo Rocha e Deusdará (2005), essa análise exige que

se realize a “leitura flutuante”, uma primeira leitura dos textos elaborados pelos

informantes. A partir dessa leitura se elabora perguntas ou hipóteses que permitirão

a construção de critérios para uma classificação dos exemplares de falas

organizando-os em “categorias de significação”. Depois, “Após o cruzamento das

freqüências observadas, a pesquisa apresenta algumas conclusões” (DEUSDARÁ;

ROCHA, 2005, p. 313).

Para efetivar os procedimentos indicados iniciou-se pela digitação,

numeração e organização em ordem alfabética das narrativas elaboradas pelos

alunos. Após, realizou-se a leitura e organizou-se as categorias relacionadas aos

objetivos e problematização do tema. Também verificou-se a existência de outras

categorias relacionadas ao objeto de estudo, as quais foram igualmente trabalhadas

com os alunos. Para facilitar a análise montou-se uma tabela com os resultados

encontrados em vista da melhor visualização e da facilitação na formação e

confronto de subcategorias. A partir dessas tabelas foi possível elencar os temas

destacados na intervenção.

A seguir relata-se os resultados encontrados acerca dos conhecimentos dos

alunos.

DESENVOLVIMENTO

O tema de ensino: o trabalho feminino

Priorizou-se nesse projeto o trabalho feminino, uma vez que a questão de

gênero é pouco discutida na educação básica e pode ser incorporada aos

conteúdos estruturantes estabelecidos pela DCE (dimensão política, econômico-

6

social, cultural). Segundo Barros: “[...] Todas as dimensões da realidade social

interagem, ou rigorosamente sequer existem como dimensões separadas” (apud

SEED, 2006, p. 30). Muitas vezes certos recortes podem contribuir para promover a

aprendizagem. No tratamento do tema recortado está a possibilidade de

compreender o movimento geral da sociedade.

A mulher é um sujeito ativo no processo de construção da história. Ela

conquistou espaços públicos e privados, aos poucos foi conquistando direitos e o

mercado de trabalho. Garantir que os alunos conheçam um pouco mais sobre a

história das mulheres e seu trabalho na sociedade é garantir que compreendam as

relações sociais que estão inseridas no cotidiano. Destacar a história da mulher

também é uma maneira de “[...] fazê-las existir, viver e ser” (PRIORE, 2006, p. 9).

Perrot (2007) afirma que as mulheres sempre trabalharam e ressalta a

importância da mulher e do trabalho feminino para a sociedade. As mulheres

exerceram os mais diversos ofícios ao longo da história, muitas vezes, como

ajudantes de seus maridos e sem receber remuneração.

O trabalho doméstico é uma atividade exclusivamente feminina. Cabe a

mulher cuidar da casa, dos filhos e do marido. Ainda hoje tais atividades são

responsabilidades da mulher, mesmo que se configure dupla jornada de trabalho.

O caráter doméstico marca todo o trabalho feminino: a mulher é sempre uma dona de casa..... O trabalho doméstico resiste às evoluções igualitárias. Praticamente nesse trabalho, as tarefas não são compartilhadas entre homens e mulheres... O pano, a pá, a vassoura e o esfregão continuam a ser os seus instrumentos mais constantes (PERROT, 2007, p.115).

Na Europa, as mulheres camponesas, além das tarefas domésticas,

também ajudavam seus maridos na agricultura, cuidavam dos rebanhos, da horta,

faziam queijo, conservas, doces, sabão, entre outras tarefas. ”Sem mulher, não há

vacas, nem leite, nem galinhas, nem frango, nem ovo” (PERROT, 2007, p. 111).

No Brasil, pode-se destacar o trabalho da mulher indígena responsável pelo

cuidado das crianças, o preparo da comida, a agricultura, a produção de artesanato,

entre outras atividades.

[...] para a mulher tupi a vida de casada era de contínuo trabalho: com os filhos, com o marido, com a cozinha, com os roçados. Isto sem esquecermos as indústrias a seu cargo, o suprimento de água e o transporte de fardos. Mesmo grávida a mulher índia mantinha-se ativa dentro e fora de casa, apenas deixando de carregar às costas os volumes extremamente pesados. Mãe acrescentava às suas

7

funções a de tornar-se uma espécie de berço ambulante da criança, de amamentá-la, às vezes até os sete anos; de lavá-la; de ensinar as meninas a fiar algodão e preparar a comida (FREYRE, 2004, p.190).

As mulheres negras viviam na condição de escravas, eram tratadas como

objetos e desempenhavam as mais diferentes atividades. No engenho trabalhavam

desde pequenas, semeavam, arrancavam o mato, enfeixavam a cana, moíam,

fabricavam o melado e o açúcar entre outras atividades relacionadas à agricultura.

Na casa-grande realizavam os afazeres domésticos. Na senzala cuidavam do

marido e dos filhos. Também havia escravas parteiras, benzedeiras, quituteiras ou

doceiras.

Nos centros urbanos, as escravas se destacavam no pequeno comercio Varejo. Novidades para elas? Não. Nas sociedades tradicionais africanas as mulheres eram encarregadas das tarefas de alimentação e distribuição de gêneros de primeiras necessidades. Somou-se a essa tradição, a transposição para nossa terra da legislação que amparava a participação feminina no comércio de rua. Elas podiam vender “doces, bolos, alféloa, frutos, melaço, hortaliças, queijos, leite, marisco, alho, pomada, polvilho, hóstias, obreiras, mexas, agulhas, alfinetes, fatos velhos e usados”. Obedientes aos seus senhores, a quem tinham que prestar contas de um “jornal” (percentual do ganho diário) sobre o dia de trabalho, as “negras de tabuleiros” - pois os produtos neles eram oferecidos - infestavam praças e vias urbanas, constituindo-se numa grande preocupação para as autoridades que viam na sua presença pública um perigo ou uma ameaça. Com razão. Em região com maior resistência ao regime escravista, como Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia, negras vendeiras levavam recados de quilombolas, ajudavam a traficar ouro roubado e preveniam fugitivos e bandoleiros sobre os movimentos das tropas (PRIORE, 2003, p19).

Também pode-se destacar a importância das colonas e de sua contribuição

para a manutenção da família. Além das tarefas domésticas, ajudavam seus

maridos no trabalho nos cafezais. No entanto não recebiam salários porque seu

serviço na roça estava englobado no trabalho familiar. Também é importante

lembrar da indústria caseira. As mulheres aproveitavam ao máximo os recursos

oferecidos no campo, uma vez que isto representava, conforme Silva (apud

PRIORE, 2006, p. 556), “a fartura manifestada nas despensas cheias de alimentos

– algo inexistente nos dias atuais em face de situação de miserabilidade dos

trabalhadores bóias-frias”:

A indústria doméstica tinha um peso importante na produção para o consumo da família colona: preparo de carnes de vaca e de porco, gorduras, doces, conservas, farinha de milho, de mandioca e polvilho [...] A fabricação de sabão, costura de roupas para toda a família,

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confecção de colchões e cobertores, produção de rapadura, queijo, manteiga, além das tarefas relativas ao beneficiamento de arroz e café nos pilões [...] (SILVA apud PRIORE, 2006, p. 556).

A partir do século XVIII, com o início da industrialização na Europa,

observa-se um grande número de mulheres trabalhando nas fábricas,

principalmente na indústria têxtil. Nas fábricas trabalhavam por longas e exaustivas

horas de trabalho – em média 12 a 16 horas por dia, os salários eram baixos, não

possuíam direitos trabalhistas e sociais e estavam vulneráveis à violência sexual.

No início do século XX, no Brasil, verifica-se um grande número de

mulheres trabalhando nas indústrias de tecelagem e de fiação, além das que

trabalhavam em casa costurando para completar o orçamento doméstico. Rago

(apud PRIORE, 2006), afirma que aos poucos as mulheres vão sendo expulsas do

mercado fabril, dando lugar aos homens. Aponta que, independentemente da classe

social, as mulheres enfrentaram muitas dificuldades para se integrarem ao mundo

dos negócios, num local classificado como exclusivamente masculino, além de

muitas outras questões que envolvem o universo feminino. Para a autora, a

urbanização e o crescimento industrial exigem a presença da mulher nos espaços

públicos e no mundo do trabalho:

Às mulheres ricas, as exigências de um bom preparo e educação para o casamento, tanto quanto para as preocupações estéticas, com a moda ou com a casa [...] Às mulheres pobres e miseráveis, as fábricas, os escritórios comerciais, os serviços em lojas, nas casas elegantes ou na companhia telefônica [...] (RAGO,1987, p. 62-63).

As mulheres vão aos poucos inserindo-se no mercado de trabalho. Embora

tenham conseguido muitos direitos ao longo de sua história, ainda há muito que

conquistar, pois continuam enfrentando dificuldades, seja no mercado de trabalho

ou na família, sofrem com o preconceito, com os baixos salários e com a violência

moral e sexual.

De acordo com a Constituição Brasileira de 1988, “Homens e mulheres são

iguais em direitos e obrigações”. Embora a igualdade esteja estabelecida pela Lei e

embora as mulheres tenham conquistado muitos direitos ao longo da história, é

possível notar que em pleno século XXI as mulheres continuam ganhando menos

do que os homens para realizarem o mesmo trabalho. Probst afirma que “As

mulheres ganham cerca de 30% a menos do que os homens exercendo a mesma

função” (acesso em 2007, p. 7). No entanto, muitas mulheres estão assumindo

9

tarefas que antes eram exclusivamente de homens, muitas ganham mais que seus

maridos, além dessas há as que são chefes de famílias, responsáveis pelo sustento

e manutenção da mesma.

Pode-se dizer que o trabalho feminino esteve ligado exclusivamente ao

universo doméstico e familiar, mas depois a mulher teve sua função social

redefinida, principalmente após 1930, quando observa-se considerável mudança

nos papéis desempenhados por mulheres das classes com maior poder aquisitivo.

Elas conquistaram direitos políticos, asseguraram acesso à educação e passaram a

ganhar o espaço do trabalho. O estabelecimento do novo padrão de atividade

feminina permitiu a passagem da mulher das camadas médias do status anteriores

de esposa e de mãe para o status de trabalhadoras (MEDEIROS, 2002, p. 9) .

O trabalho feminino: idéias prévias dos estudantes

A pesquisa para o levantamento dos conhecimentos prévios foi realizada

com 23 alunos da 8ª série “B”3. Foi solicitado que fizessem um texto narrativo sobre

“trabalho feminino”.

Os alunos, por meio de suas narrativas, apontaram suas concepções

prévias sobre o trabalho feminino. Ao fazer-se a categorização das narrativas foi

possível verificar que os alunos possuem uma série de informações sobre o tema,

embora raramente seja abordado no ensino fundamental. Assim sendo pode-se

atribuir essas idéias à influência da família, do grupo social e a mídia. Os alunos

percebem que as mulheres foram adquirindo alguns direitos ao longo da história,

entendem que o trabalho é uma conquista feminina e o apontam como sendo um

direito. Também destacam outros direitos conquistados como participar de eleições

através do voto, o direito de expor suas idéias.

[...] Antigamente as mulheres não podiam votar e os homens podiam votar, todos eram iguais, e com o andar do tempo as leis vêm mudando. Do século XX para frente as mulheres conseguiram mais direitos do que antigamente (Anderson -15 anos)4.

_____________ 3 Cinco alunos faltaram à aula no dia da coleta. 4 Todas as citações em itálico referem-se aos relatos dos alunos da 8ª Série “B” – E.E. Basílio

de Lucca. Ensino Fundamental. Ibiporã Paraná e foram reproduzidas da maneira como eles escreveram.

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As mulheres adquiriram vários direitos com o passar dos anos, como o de votar, o de trabalhar, de estudar e o direito de fazer coisas que antes só os homens poderiam fazer (Wallacy - 14 anos)

Antes nossas antepassadas, as mulheres não votava nas eleições de presidente e governadores, elas eram proibidas (João Marcos - 14 anos)

Destacam o século XX como sendo um divisor de águas, onde as mulheres

conseguiram adquirir seus direitos e espaço no local de trabalho. Este conceito

precisa ser ressignificado, uma vez que as mulheres sempre trabalharam.

As mulheres sempre trabalharam. Seu trabalho era de ordem do doméstico, da reprodução, não valorizado, não remunerado. As sociedades jamais poderiam ter vivido, ter-se reproduzido e desenvolvido sem o trabalho doméstico das mulheres, que é invisível (PERROT, 2007, p.109).

O trabalho realizado pela dona de casa (do lar), lavar, cozinhar, passar,

preparar a comida, cuidar dos filhos, da rotina da casa, não é entendido pelos

alunos como ‘trabalho’, uma vez que este não possui valoração social. Nessa

perspectiva apenas quatro alunos destacaram o trabalho do lar. Essa é uma

constatação que precisa ser discutida com os alunos, uma vez que a dupla jornada

de trabalho faz parte do cotidiano de muitas mulheres, inclusive na localidade em

que moram esses alunos.

Em alguns lugares muitas mulheres exerciam só o trabalho domestico, mas algumas não se contentaram de seu trabalho não ser valorizado ou de não poder ajudar seus maridos na renda de sua família por passarem necessidades. Muitas delas não queriam só trabalhar no seu lar e foram tentar arrumar emprego [...] (Ana - 13 anos)

A influência da família na origem dos conhecimentos do aluno também pode

ser notada quando os alunos utilizam, em suas narrativas, fatos relacionados à

vida e às experiências de seus familiares, ou se percebem enquanto participantes

dessa experiência coletiva:

Minha vó e minha mãe falaram que tinha que começar a trabalhar cedo, ainda quando eram crianças, elas trabalhavam colhendo algodão, café e arroz. (Adrielly -14 anos).

Mas, bem anteriormente os nossos antepassados como avó e tataravô não eram bem assim os trabalhos delas não eram nem um pouco valorizados (Fernando - 15 anos).

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[...] nós mulheres já conseguimos muitas coisas que anos atrás poucas mulheres sonhavam que fosse realmente se concretizar (Giovana - 13 anos).

Destacaram ainda, a existência da desigualdade entre homens e mulheres

e o preconceito que existe em relação à força do trabalho feminino, uma vez que as

mulheres deveriam ficar em casa, não podiam exercer profissões que antigamente

eram exclusividade dos homens.

Minha bisavó, por exemplo, não podia trabalhar ela tinha que ficar em sua casa preparando o almoço para um de seus filhos levar na roça para o seu marido. Antigamente o divertimento das mulheres era ficar lavando roupa, limpando casa e cuidar dos filhos (Gisele- 13 anos).

No passado nossas avós e bisavós não tinham valorização no trabalho, como não receber um salário digno, trabalhar demais e ganhar pouco (João Paulo - 15 anos).

Ao se referirem à discriminação apontam que os homens não aceitavam as

idéias e opiniões femininas e apontam que ainda hoje eles se julgam melhores que

as mulheres. Também destacaram que muitas mulheres sofrem maus tratos, no

entanto, não fizeram menção a Lei Maria da Penha, como sendo uma conquista

feminina (embora seja um tema constante nos noticiários recentes):

E o trabalho adquirido pelas mulheres nem sempre foi valorizado. Ninguém reconhecia os trabalhos delas, por serem mulher (Vinicius - 13 anos).

Eu acho que sempre a mulher foi vista como abaixo do homem, hoje se uma mulher for dirigir os homens começam a gritar olha a barbeira não sabe dirigir, Se a mulher bater o carro então nem se fala, agora se o homem bater o carro ele está sempre certo (Laísa - 13 anos).

Mas existem homens que desvalorizam as mulheres e as maltratam até hoje (Lallesca - 13 anos).

Relatam sobre o trabalho assalariado, destacando que hoje o mercado de

trabalho está crescendo cada vez mais, que muitas mulheres já estão exercendo

funções que antes eram exclusivas de homens, como pedreiras, mecânicas,

policiais, etc. Explicitam que as empregadas domésticas deveriam ter seu salário

equiparado ao que recebem as trabalhadoras do comércio e que o trabalho

doméstico assalariado garante renda fixa para muitas famílias, além de ser um das

atividades que mais empregam as mulheres.

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[...] No dia de hoje quase tudo que o homem faz a mulher também

pode fazer ex: mecânica, a mulher de hoje pode fazer [...] (Tuane - 15 anos).

As empregadas domésticas deveriam receber o mesmo salário do comercio. A maioria deveria ser registrada, deveria ter os mesmos direitos do comércio, para melhorar o desenvolvimento da sociedade (Pâmela -14 anos).

Com relação ao trabalho infantil, apenas uma aluna fez uma citação

destacando o trabalho realizado pela mãe e avó quando crianças. No entanto, não

fez menção às meninas que são exploradas atualmente seja no trabalho doméstico,

informal, na prostituição ou em outras atividades:

Minha vó e minha mãe falaram que tinha que começar a trabalhar cedo, ainda quando eram crianças, elas trabalhavam colhendo algodão, café e arroz. Minha mãe parou de estudar na 8ª série, para trabalhar e hoje ela me incentiva a estudar, pois se pudesse voltaria a estudar (Adrielly - 14 anos).

Em linhas gerais, nas narrativas dos alunos, não se destacou a questão da

dupla jornada de trabalho e as dificuldades encontradas pelas mulheres como

assédio, exploração, entre outras.

O trabalho feminino: idéias posteriores dos estudantes

Após o mapeamento, acima apresentado, foi desenvolvido junto aos alunos

atividades envolvendo as disciplinas de história, geografia e matemática conforme o

previsto no Folhas aplicado, no sentido de levar os alunos a pesquisarem e

refletirem sobre a temática em questão. Depois da intervenção pedagógica foi

realizada a segunda coleta relativas às idéias (posteriores) com 28 alunos da 8ª

série “B”. Solicitou-se que fizessem um texto narrativo sobre ‘trabalho feminino’ e

um outro texto sobre ‘trabalho feminino na Vila Rural Aparecido Magri’5. Após, foi

realizada a análise de conteúdo das narrativas dos alunos sobre a temática em

questão, a fim de verificar qual a influência do ensino e dos autores estudados na

formação da estrutura de conhecimento dos alunos.

Ao fazer a categorização das idéias descritas nas narrativas, foi possível

_____________ 5 O Folhas aplicado previa um estudo de caso sobre o trabalho feminino na Vila Rural

Aparecido Magri.

13

verificar a influência dos autores utilizados, principalmente os textos de Perrot e

Priore, além dos dados do IBGE utilizados para discutir a temática em questão em

sala de aula.

Os alunos destacaram que antigamente as mulheres não tinham direitos,

não podiam votar, nem ser candidatas, manifestar seus sentimentos e opiniões.

Muitas não podiam sair de casa desacompanhadas e escolher o próprio marido.

Antigamente a mulher não tinha seu direito garantido, elas não votavam, não tinham carteira assinada etc. (João Marcos, 14 anos).

Antigamente os pais escolhiam com quem sua filha tinha que casar (Bruno, 14 anos).

A mulher não tinha direito de expressar suas opiniões e vontades, se elas tivessem algo para dizer tinham que ficar caladas, guardarem para si mesmas, a mulher não tinha o direito de votar e escolher seus candidatos (Carla, 14 anos).

A exploração do trabalho feminino também é destacada por alguns alunos.

Ressaltam a dupla jornada de trabalho, os baixos salários, falta de registro em

carteira e as longas jornadas de trabalho.

A maioria das mulheres que trabalhavam fora não tinham condições de pagar alguém para cuidar da casa e então, quando chegavam do trabalho, tinham que limpar a casa, fazer o jantar, cuidar dos filhos e lavar a roupa entre outros. (Paula, 14 anos).

As mulheres trabalhavam fora de casa e em casa. Elas chegam tem que arrumar a casa, limpar, passar, lavar roupa e cuidar dos filhos (Lalleska, 14 anos).

Quando a mulher começou a trabalhar para fora, como nas fábricas, apareceram novos problemas, como as longas jornadas, eram de 12 a 16 horas de serviço, com dupla jornada, salários baixos (Giovana, 14 anos).

[...] além de trabalhar fora de casa, ainda tem que chegar em casa limpar, lavar e passar, fora fazer a comida para seus filhos e maridos (Vinicius, 14 anos).

A violência cometida contra as mulheres foi destacada em algumas

narrativas, enfatizando-se a violência sexual, moral, psicológica e a agressão física,

tanto no âmbito familiar quanto no trabalho. Ressaltam que muitas mulheres sofrem

caladas, não têm coragem de denunciar seus agressores, pois têm medo do

marido, receio de magoar os filhos e medo dos patrões, no entanto, não explicaram

14

quais seriam os motivos do medo.

De acordo com os estudantes, a violência é um dos problemas enfrentados

pelas mulheres ao longo da história, pois há menções que se referem ao passado

das mulheres e outros que se referem aos dias atuais conforme as narrativas

abaixo:

[...] a mulher naquela época era espancada, maltratada e até xingadas por seus maridos, que não davam valor em suas mulheres (Anderson, 15 anos).

Algumas eram maltratadas, sofriam abusos sexuais, assédios morais, apanhavam de seus parceiros, resumindo sofriam caladas. (Carla, 14 anos).

Existem mulheres que são violentadas sexualmente, moralmente e verbalmente no trabalho, em casa e até mesmo na rua (Laisa, 14 anos)

Elas também têm dificuldade no emprego por que muitas vezes elas são assediadas sexualmente ou moralmente, e por isso muitas delas não contam para ninguém por causa das ameaças feitas por seus patrões (Ana, 14 anos).

Referindo-se a questão da violência destacaram a importância da Lei Maria

da Penha, um direito conquistado pelas mulheres vítimas de violência doméstica e

familiar no Brasil:

[...] existe a Lei Maria da Penha, que é contra a agressão física do lar, tanto para a mulher quanto para o homem, mas muitas vezes a mulher não tem coragem de denunciar o marido e acabam apanhando quietas (Giulianne, 14 anos).

Agora existe uma Lei chamada Maria da Penha, que serve tanto para homem, quanto para a mulher que apanha pode ir denunciar (Cássia, 16 anos).

A discriminação e a desvalorização da mulher também foram temas

abordados por alunos. Esses apontam que as mulheres têm conquistado seu lugar

no mercado de trabalho, no entanto, sofrem preconceitos. Citam que ainda

sobrevive a idéia machista de que o lugar das mulheres é no lar, cuidando da casa,

do marido e dos filhos, mas reconhecem que as mulheres têm buscado cada vez

mais se integrarem ao mercado de trabalho e lutarem por seus direitos.

Hoje as mulheres vem conquistando seu lugar no mercado de trabalho, mas mesmo assim são consideradas inferiores ao homem, são agredidas, assediadas [...] (Wesley, 15 anos).

15

Mas, infelizmente hoje ainda, o trabalho feminino é desvalorizado, pois, sendo realizado por uma mulher eles pagam um preço e por um homem eles pagam outro (Diógenes, 15 anos).

Os direitos adquiridos pelas mulheres são entendidos como uma conquista

feminina e sendo amplamente citadas pelos alunos, destacando-se entre outros

direitos: a liberdade de expressão e de sentimentos, a igualdade, o acesso ao

mercado de trabalho, os direitos trabalhistas, a participação nos diversos setores da

sociedade, Lei Maria da Penha, a educação, a atuação nos espaços públicos, etc.

Perrot diria: “As mulheres tiveram acesso a muitos domínios do saber e do poder

que lhes eram proibidos, inclusive militares e políticos. Conquistaram muitas

liberdades” (2007, p.168).

A mulher esta conquistando muitos direitos como não só o de voto e muito mais como: homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. (Constituição Brasileira de 1988) (Daniela, 14 anos).

[...] as mulheres já conquistaram vários direitos, o direito de liberdade, do voto, de se eleger a cargos políticos, de mostrar sua beleza [...] (Pâmela, 14 anos).

Pode-se dizer que o século XX, foi o século das mulheres graças a sua participação nos diversos setores da vida social, política e sua participação no mercado de trabalho. Elas também conseguiram o direito do voto e de dar opinião própria (Diógenes Conceição, 17 anos).

No que se referem ao trabalho doméstico, os alunos destacaram que o

mesmo continua sendo desvalorizado uma vez que não possui valoração social.

Mas, nas narrativas, é possível verificar que esse passou a ser entendido como

trabalho e não apenas tarefas femininas. Além disso, o trabalho do lar continua

sendo responsabilidade da mulher. Cabe a mulher realizar o serviço doméstico,

cuidar dos filhos e da família:

Uma coisa que não é valorizada é o trabalho do lar porque não é remunerado, mas é cansativo como qualquer outro que exista (Wallacy, 14 anos).

As mulheres sempre trabalharam, mas antes de tudo, sempre foram mães e donas de casa. O trabalho doméstico sempre marcou o trabalho feminino, a mulher sempre é uma dona de casa (Taila, 14 anos).

[...] as mulheres sendo responsáveis pelo serviço doméstico, cuidado das crianças [...] Hoje em dia existem mulheres que lutam pela sua

16

sobrevivência e a dos filhos. Além dos cuidados domésticos (Tuane, 16 anos).

Um dos alunos relata que o trabalho doméstico é considerado uma

atividade ‘menor’, mas que passou a ser valorizada. Neste sentido, torna-se

importante discutir o que o estudante entende por trabalho “menor” e porque o

mesmo se tornou um dos mais valorizados. Uma vez que, segundo Perrot, “O

trabalho doméstico é fundamental na vida das sociedades, ao propiciar seu

funcionamento e reprodução [...] ” (PERROT, 2007, p. 114).

Mas têm trabalhos menores, como doméstica que antes não era valorizado. Hoje é um dos mais valorizados (João Paulo, 16 anos).

Essas idéias sobre o trabalho doméstico que as crianças cultivam foram

geradas há muito tempo. Em 1881, na Inglaterra, segundo Perrot, as tarefas

domésticas foram excluídas da categoria "trabalho” pela primeira vez:

"Uma vez que as mulheres que se dedicavam ao trabalho doméstico foram classificadas como “desocupadas”. Mulheres em casa não eram trabalhadoras, ou supunha-se que não o eram, na verdade, por vezes, mesmo se ganhavam dinheiro cosendo ou fazendo outras tarefas em casa, isso não era considerado pelos agentes de recenseamento como verdadeiro trabalho, pois nem era uma atividade “a tempo inteiro”, nem exercido fora de casa". (Michelle Perrot, 1991)

Os alunos em suas narrativas destacaram que as mulheres foram

conquistando o mercado de trabalho conforme verifica-se nas citações abaixo.

Também destacam que as mulheres estão exercendo profissões que no passado

eram exclusivamente de homens, entre elas as mecânicas, caminhoneiras e

pedreiras. Apontam que as mulheres tiveram que redefinir seu papel de mãe e dona

de casa, para o de trabalhadora. Nessa perspectiva destacam a dupla jornada de

trabalho, um dos problemas enfrentados por muitas mulheres na atualidade que têm

que conciliar a relação casa-trabalho-família. Sabe-se que a dupla jornada de

trabalho tem sobrecarregado as mulheres, além disso, vale lembrar que os

rendimentos salariais também são inferiores aos dos homens.

A mulher sempre trabalhou, tanto a de antigamente, quanto a de hoje, só que há algumas diferenças, as mulheres antigamente não podiam fazer os serviços que eram exclusivamente realizados pelo homem, como por exemplo: não podiam ser pedreiras, caminhoneiras, mecânicas, etc. (Carla, 14 anos).

As mulheres sempre trabalharam [...] As mulheres foram pouco a

17

pouco conquistando seu espaço no mercado de trabalho, redefinindo o papel de esposa e de mãe para o de trabalhadora [...] (Adrielly, 14 anos).

As mulheres sempre trabalharam, ao longo da história elas exerceram diversos ofícios (Jéssica, 14 anos).

Nas narrativas, verifica-se que além de perceberem que muitas mulheres

são responsáveis pelo sustento de sua família, também apontam as razões disso.

Afirmam que muitas mulheres buscaram sua independência, outras por serem

solteiras e viúvas, também há aquelas que os maridos não trabalham ou porque a

renda do marido não garante a manutenção da família, assim as mulheres têm

necessidade de buscar um lugar no mercado de trabalho. Também destacam que

muitas trabalham na informalidade, uma vez que não conseguem um emprego que

lhes garantam os direitos trabalhistas.

Muitas delas são chefes de família, e às vezes ganham mais que seus maridos (Gisele, 14 anos).

No Brasil metade das chefes de família trabalham na informalidade (Lindinês, 14 anos)

Hoje na sociedade atual a mulher é dona de casa e também trabalha de domestica e com o dinheiro que ela ganha traz comida para seus

filhos e até mesmo para seu marido desempregado [...] (Fernando, 15 anos).

Hoje a mulher tem conseguido trabalho bom e muitas das vezes por algumas serem viúvas ou separadas tem que cuidar sozinhas de

seus filhos[...] (Samuel, 15 anos).

Ao se comparar as idéias prévias e posteriores dos alunos pode-se verificar

que houve um aprofundamento sobre trabalho feminino. Pode-se destacar que

percebem certas características que o trabalho feminino assume em diferentes

momentos, à exceção do trabalho doméstico. Nota-se que os alunos compreendem

sua importância, mas com algumas ressalvas, o trabalho doméstico ainda é visto

como uma atividade inferior, que não exige tanto conhecimento. Um dos alunos que

considera que o trabalho doméstico é um dos que mais cresce no país, mas

classifica-o como trabalho inferior, o que evidencia certo preconceito em relação às

atividades que não exigem certo grau de instrução e que são mal remunerados.

Esta idéia, como já foi dito anteriormente, precisa ser retomada na sala de aula.

Ainda, alguns alunos situam os maus tratos contra a mulher no passado, o que não

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é verídico. Apesar disso, após as intervenções foi possível verificar uma visão mais

crítica com relação a essa questão e a incorporação do tema sobre a Lei Maria da

Penha, as leis trabalhistas e o direito ao trabalho. Também discutem os principais

problemas enfrentados pelas mulheres, com destaque para a exploração do

trabalho feminino, a dupla jornada de trabalho, a violência sexual e moral e a

discriminação.

Os alunos demonstram, em suas narrativas, uma visão mais crítica sobre a

questão feminina, destacando a importância das mulheres chefes de família, a

conquista dos direitos como resultado da luta das mulheres ao longo da história.

Também se colocam contrários à violência sofrida pelas mulheres, apontam que

muitas possuem medo de denunciar seus agressores por medo do julgamento da

sociedade.

Alguns aspectos podem ser destacados quando se comparam idéias

prévias e posteriores, como por exemplo:

- sobre direitos: aumentam as referências às bases constitucionais dos

direitos iguais entre os sexos.

- não se referem mais à experiência dos avós, mas fazem um discurso

genérico sobre a exploração do trabalho feminino, passam das

referências familiares à ênfase no papel da mulher na sociedade.

- ao se referir a “trabalhar fora” destacam detalhes como horas

trabalhadas, a dupla jornada de trabalho; ênfase no trabalho doméstico

para sustento dos filhos, etc.

Ao se comparar essas narrativas é possível verificar que a escola, a mídia,

a família, o grupo social a que pertencem podem contribuir para a formação da

consciência histórica. No entanto, a escola tem um papel peculiar: oferecer

fundamentos para que os alunos desenvolvam uma moral e uma capacidade de

julgamento que lhes permita criticar os conteúdos veiculados em outros espaços,

principalmente na mídia.

Os alunos apoiaram-se nos conhecimentos obtidos em sala de aula, nas

pesquisas realizadas e em experiências cotidianas para a elaboração de suas

narrativas. De acordo com Moura (2000, p.119) “o pensamento parece possuir uma

natureza dinâmica, estando constantemente sujeito às transformações e

reelaborações, que o tornem mais coerentes, consistentes e abrangentes [...]”

Nessa perspectiva torna-se importante ressaltar o papel da escola enquanto

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formadora de cidadãos críticos.

Os alunos se posicionaram de maneira crítica sobre os mais variados

temas, entre eles a questão da dupla jornada de trabalho, a violência à mulher, o

ingresso da mulher no mercado de trabalho, sobre a exploração do trabalho

feminino. Assim, nota-se no discurso dos alunos, a influência dos autores utilizados

pelos professores em sala de aula, das pesquisas e dos debates ocorridos durante

todo o processo.

A título de conclusão

O resultado do trabalho superou as expectativas, houve um grande

envolvimento dos alunos na realização das atividades propostas, as reflexões feitas,

por eles, nos debates, foram expressivas. O envolvimento das professoras de

matemática e geografia também foi extremamente importante, uma vez que permitiu

a interdisciplinaridade e o enriquecimento da temática em questão.

As intervenções pedagógicas com base na utilização de diferentes fontes

históricas foram bem aceitas pelos alunos que se dispuseram a realizar os

procedimentos indicados. Uma vez que iniciou-se uma reflexão sobre como é

construído o conhecimento histórico, imagina-se que seja possível continuar com

essa prática e que essa possa contribuir para que o desenvolva o hábito de

problematizar e de investigar o que lhe é apresentado.

Citando exemplos, a realização das entrevistas – de mulheres que já foram

moradoras do campo ou que ainda moram lá, realizando um trabalho de análise

para verificar as mudanças e permanências, confrontando as informações obtidas

com fragmentos de textos de Michelle Perrot e Mary Del Priore, entre outros – foi

organizada a partir de uma oficina de tratamento e coleta de entrevistas. Todas as

atividades relacionadas com a entrevista foram simuladas – e depois realizadas –

pelos alunos com o auxilio da professora, destacando-se a elaboração do

questionário, a coleta da entrevista, a sua transcrição (cujo texto resultante foi

trabalhado em sala de aula). Também fizeram análise e produções de texto sobre

as entrevistas realizadas em 2007. Ainda, os alunos visitaram a Vila Rural,

construíram gráficos e fizeram análise e interpretação de gráficos e tabelas na

disciplina de Matemática, e, em Geografia estudaram o trabalho feminino nas

fábricas, o êxodo rural e fizeram um trabalho sobre as viúvas da seca.

20

Nessa perspectiva é possível refletir sobre os eixos e tópicos do currículo.

Aqui, por exemplo, é possível pensar como, em diferentes sociedades, se vivencia o

trabalho feminino. E na sociedade capitalista ele se constitui como uma evidência

do processo de exploração do trabalhador, do sub-trabalho e da expropriação de

modo geral.

Conhecer as idéias dos alunos permite organizar o plano de ação do

professor a partir do que pensam os alunos procurando dar respostas aos seus

questionamentos, esclarecer idéias confusas, acrescentar novas informações,

solicitar posicionamento. Não se trata de ignorar o previsto no currículo escolar,

mas de tratar os temas propostos a partir daquilo que sabem os estudantes sobre

eles. Nesse processo o que o aluno diz passa a ter mais consistência e maior

clareza para ele. Aqui é impossível não recordar de Paulo Freire quando propunha

que o ensino “é a conquista que o homem faz de sua palavra. Ela implica a

consciência do direito de dizer a palavra.”

A escola deve ser um local que permite o acesso ao conhecimento e que

contribui para a formação da consciência histórica do aluno. É papel do professor

assegurar que a aprendizagem aconteça de forma significativa.

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