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Trabalho, PrazerSofrimento, Saúde-Doença dos Trabalhadores do Alumínio no Estado do Pará Laura Soares Martins Nogueira Doutora em Desenvolvimento Socioambiental Tecnologista do CEPA/FUNDACENTRO X Semana de Pesquisa da FUNDACENTRO 21 a 23 de outubro de 2013

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Trabalho, Prazer–Sofrimento,

Saúde-Doença dos Trabalhadores do

Alumínio no Estado do Pará

Laura Soares Martins Nogueira

Doutora em Desenvolvimento Socioambiental

Tecnologista do CEPA/FUNDACENTRO

X Semana de Pesquisa da FUNDACENTRO 21 a 23 de outubro de 2013

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• Aproximação com o tema - A partir da inserção na equipe técnica do CEPA/Fundacentro;

Participação nas reuniões da CIST-Bel; visitas técnicas as empresas da cadeia produtiva do alumínio em decorrência de projeto de pesquisa institucional.

- Discursos dissonantes: Queixas dos trabalhadores sobre processos

de adoecimento relacionados ao trabalho na cadeia produtiva do alumínio, ao mesmo tempo que as empresas divulgam certificações, premiações e baixos índices de acidentes e doenças laborais.

• Questão: Como ocorre a gestão da segurança e saúde dos trabalhadores à luz

das transformações decorrentes da reestruturação produtiva em uma empresa da cadeia produtiva do alumínio no Estado do Pará e quais as possíveis consequências à saúde dos trabalhadores sob a perspectiva dos processos de subjetivação dos mesmos.

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• Método: - Visitas (empresa, sindicatos, ADRVDT, CEREST-PA). - Realizadas 44 entrevistas com trabalhadores, ex-

trabalhadores diretos e terceirizados; seus familiares; sindicalistas; representantes de associação de trabalhadores; gestores e técnicos da empresa.

- Análise documental (jornais, cat’s, documentos

médicos de trabalhadores, publicações, impressos da empresa, entre outros).

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• Localização - Estudo realizou-se nos municípios paraenses de Belém, Abaetetuba e Barcarena (Vila do Conde e Vila dos Cabanos).

Mapa 01

Mapa 02

Fonte: CDP/Secretaria de Portos Fonte: IBGE

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• Processo Produtivo

Fotos: FUNDACENTRO/ 2006

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• A Reestruturação Produtiva • A implantação do programa de qualidade utilizando a metodologia do TQC

– Total Quality Control (modelo japonês) / 1989;

• A implantação do programa CCQ – Círculos de Controle de Qualidade / 1996;

• Certificações ISO 9001, ISO 14001, OHSAS 18001 e SA 8000 para os Sistemas de Gestão da Qualidade, Gestão Ambiental, Gestão da Segurança e Saúde Ocupacional e Responsabilidade Social respectivamente;

• Recordes de Produção / 2003-2004;

• Diminuição do quadro direto de trabalhadores ao mesmo tempo que aumenta o número de trabalhadores terceirizados;

• Da Greve de 1990 ao enfraquecimento da ação sindical;

• Discurso da gestão em prol da qualidade;

• Cooptação da subjetividade do trabalhador;

• Acidentes e adoecimento do trabalhador.

Foto: FUNDACENTRO/ 2011

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• Gestão da Segurança e Saúde Ocupacional

- O modelo de Gestão em Segurança e Saúde Ocupacional da empresa está calcado nos mesmos critérios da gestão de qualidade, cujos pilares de sustentação assumidos são: Liderança, Processos, Tecnologia e Pessoas.

- A busca do comprometimento de todos os atores da empresa pela participação, característica de Gestão que se pauta na qualidade, no âmbito da Segurança e Saúde no Trabalho(SST) se dá pela execução de diversas ações, das quais citamos: reuniões gerenciais, reuniões de Comitê de Segurança, Círculos de Controle de Qualidade (CCQ), Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), Semana Interna de Prevenção de Acidentes no Trabalho (SIPAT`S), Diálogos Diários de Segurança (DDS) e o Programa Risco Zero.

- No modelo de gestão adotado, a atribuição de responsabilidades dos atores mais diretamente envolvidos com a gestão da segurança e saúde ocupacional revela nítida distinção entre aqueles a quem cabe a definição de metas e objetivos, bem como a tomada de decisões estratégicas (direção, gestores); aqueles que difundem conhecimentos e igualmente tomam decisões estratégicas (técnicos) e aos que cabem a implementação das estratégias definidas, onde então aparece o empregado e demais atores envolvidos.

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• A Redução como inferno

- A tecnologia oportuniza melhorias: automação dos fornos e seu fechamento, tratamento de gases, entre outras.

- Entretanto, o calor, o ruído, a “poluição” ou “poeira” em referência a utilização de

inúmeros produtos químicos, o campo elétrico e o esforço físico necessário para a execução de diversas tarefas continuam a ser citados pelos trabalhadores como riscos das atividades que desenvolvem.

Levantamento de peso, movimento repetitivo, pá, eu trabalhei muito com pá limpando as britagens... só que essas coisas vão sobrecarregando o organismo (...) O transporte de metal e queda, queda de elevações ou queda de material.(Francisco, operador) O esforço físico e a temperatura, por estar próximo.(Rodrigo, operador) O campo magnético. O campo magnético é muito prejudicial a saúde tanto pelo esforço físico porque as ferramentas são todas de ferro e ela aumenta o esforço como também a atuação do campo magnético no organismo do trabalhador também. (Fabrício, ex-operador, sindicalista). - Trabalhadores terceirizados Diversidade de atividades, mas atuação no mesmo ambiente de trabalho. Tarefas de

maior risco e esforço físico. Ex: faxina. (Precarização do trabalho).

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• Segurança e Saúde do Trabalhador nos CCQ’s - (...) e o CCQ, que num primeiro momento tinha dado errado, passou a ser uma das maiores

ferramentas que a gente tem aí de prevenção também. Porque a maioria dos trabalhos, eles tão melhorando as condições. Inclusive, se você pegar a lista dos trabalhos, você vai ouvir falar de segurança quase sempre, porque é o próprio pessoal de campo vendo onde ele poderia melhorar a segurança deles, e a empresa, é claro, agradece, adota e age e apóia imediatamente, né? As correções, os ajustes, a troca de equipamento, de condições... sem duvida que isso é uma contribuição fantástica que os próprios empregados deram pra melhoria de condições de trabalho aqui, né? (Otávio, Gerente de Área)

- Trabalhos dos CCQ’S passam por triagem de técnicos e gestores / Margem para o entendimento da pouca autonomia.

- Percepção dos trabalhadores sobre a participação dos CCQ’S oscila entre a crença de sua eficácia, contribuindo para a melhoria das condições de trabalho e a crítica que apontaria seus resultados como importantes para a empresa.

- Paulo, sindicalista, destaca o CCQ como uma ferramenta a serviço do capital capaz de extrair a mais-valia da mais-valia, posto que o trabalhador não ganha hora-extra para sua realização e algumas vezes nos seus momentos de folga está às voltas com as demandas da fábrica. Fernando, sindicalista, por sua vez, afirma que dentre suas consequências está um conjunto de melhorias que culminaram com a redução de postos de trabalho.

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• Por uma “cultura de segurança” • Segundo o olhar da gestão, há ausência de uma cultura de segurança pela

falta de tradição industrial na região, de modo que a empresa é considerada pioneira no fortalecimento de uma cultura de segurança.

• A valorização da segurança é apresentada como um traço fundamental da

cultura organizacional e que deve ser internalizado.

(...) Eu tenho empregados que são antigos, eu tenho empregados novos chegando na fábrica... Então essa cultura, pra essas gerações que estão entrando, a gente tem que o tempo todo tá batendo, porque senão acaba não internalizando o conceito... o valor, e aí não pratica... (...) (Patrícia, analista)

• Ênfase recai sobre a crença de que cada um faz a própria segurança.

Valorização do comportamento individual do trabalhador e a necessidade de seu engajamento como aspecto fundamental mantenedor de sua segurança.

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• Acidente de Trabalho – a outra face - Os acidentes de trabalho mais comumente relatados pelos entrevistados foram:

respingos de metal, queimaduras, quedas, baques, prensamento de mãos, atropelamentos em decorrência do deslocamento de veículos.

- Subnotificação no Brasil. Ao se analisar o relato dos entrevistados é perceptível

a existência de acidentes de trabalho ocorridos na empresa cuja CAT não foi emitida. A omissão dos acidentes, adoecimentos em que não se busca estabelecer relação com o trabalho e situações em que os trabalhadores mesmo impossibilitados para desempenhar suas funções permanecem na empresa na condição de “restrito” tem colaborado para manutenção desse quadro.

- Omissão do acidente pelo trabalhador / Culpabilização do trabalhador. - Mecanismos sutis de controle utilizados pela Gestão, como atrelar o baixo

número de acidentes de uma determinada equipe de trabalho ao critério de maior resultado na participação dos lucros da empresa, visam o engajamento dos funcionários no intuito de “não zerar o placar”, o que é obtido “a duras penas”, atingindo a real segurança e saúde dos trabalhadores.

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• Culpabilização do trabalhador

- Concepção do ato inseguro – Paradigma da Saúde Ocupacional / Ideologia da responsabilização permite um desvio na responsabilização pelo acidente de trabalho(Neves, 2009).

Geralmente, 99%, dificilmente assumem que o acidente adveio de uma

falha da empresa. Geralmente... passei muita análise de acidente, os técnicos já vão com essa idéia. Só acusar. (...) Mas geralmente é isso, a falha, geralmente eles preferem atribuir ao funcionário. (Antônio Carlos, operador).

Olha o último acidente que teve lá na minha área foi inclusive com um colega nosso da empresa que as contratadas a gente está mais de um ano lá no Carbono sem acidente, mas nós tivemos no mês de março um acidente lá que faltou uma perícia a mais do trabalhador. Ele se apoiou em cima de uma tubulação para fazer um corte com o maçarico lá e essa tubulação estava melada de óleo, aí já viu. O perigo tá lá ó ... o óleo, aí ele escorregou e bateu com a perna na cabeça de um parafuso e feriu a perna. Foi um acidente leve, foi um corte bem leve, mas foi um acidente, primeiros socorros.(...) (Ednaldo, téc. de segurança)

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• Organização do Trabalho, Prazer e Sofrimento Redução do quadro de trabalhadores / sobrecarga de trabalho aliada ao aumento

da pressão por produtividade.

Isso porque em 98 foi desmembrada uma equipe e ficaram duas equipes em cada chumbamento, aí isso daí sobrecarregou a gente demais. Quer dizer, na minha equipe, quando eu entrei, éramos 26 pessoas, o gerente e o encarregado, né... líder de equipe, eram 26 pessoas, mecânico e tudo o mais. Depois ficamos em torno de 12, no apoio e tudo o mais. Aí, quer dizer, que sobrecarregou muito. (Francisco, operador).

Sim, teve uma redução de pessoas. Mudou o quê? A cobrança, muita cobrança.

(Sérgio, operador). Demanda por um trabalhador polivalente, multioperador. Porque era aquele “multioperador”, faz tudo! Então era eu. Era desentupir

britador, se tinha problema na área, grave, operação, verificação quando tinha limpeza, recuperação de uma área que precisava de guardar... ai me chamavam. Eu fazia tudo, tudo que você imagina dentro de uma área, pintar, recuperar, projetar, mudava, melhorava ... (Francisco, operador).

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Conteúdo das tarefas Observa-se no discurso dos trabalhadores, referência a execução de

um maior número de tarefas, mas que não trazem por característica a possibilidade de lançar mão do potencial que envolva criatividade e mesmo autonomia.

Trabalho em turno e noturno Uma coisa... que o trabalhador que trabalha em turno nunca

gosta, eu trabalhava meia-noite, ninguém gosta, saía de casa meia-noite e quem trabalha em regime de turnos tem que se acostumar, trabalhar em datas comemorativas, a gente ficava em turno. Não está em aniversário, Natal e Ano Novo, Semana Santa, e minha família sempre teve aquela união, aniversário da mãe, todos juntos, 10 filhos, aniversário do pai. Eu me privei muito dessas coisas, durante esses anos que eu estive ali, é isso que mais me deixa... menos gostar é isso. (Maurício, ex-operador).

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Trabalho prescrito e trabalho real

Diante de situações imprevistas ou que haja necessidade de intensificar a produção, regras e normas do trabalho/segurança são mais facilmente colocadas em segundo plano com a anuência velada de gestores e mesmo dos companheiros de trabalho. Momentos que colocam o trabalhador diante de um dilema ético, fazer ou não o prescrito, compreendido como o correto, ocasionando tomadas de decisão capazes de gerar sofrimento psíquico.

Eles passam a mensagem realmente para você em um momento lá que

qualquer material, qualquer equipamento, qualquer problema que pode levar a risco de acidente, pode encostar. Isso funciona mesmo. Olha é proibido sair com o veículo sem freio - Olha, está sem freio aqui - Tá, vou chamar o mecânico. Passa meia hora, uma hora - Olha, ele está em uma emergência pra lá vai demorar um pouco. Aí sabe que tu faz, tu vai fazer, porque se tu não faz vem um outro do teu turno com o mesmo problema e faz tudinho. Aí o que acontece, vão falar: Olha, o cara não quis fazer, ficou enrolando lá, ele é preguiçoso. Aí são umas coisas aí que levam ... uma coisa puxa a outra. (...)Fica mal visto. Aí o próprio gerente vem, a gente percebe – Olha, está sem freio a dois dias e o pessoal que estava nem trocou anodo, nem abasteceu , nem nada, não fez nada. Aquilo volta pra ti, aí você já fica ... um negócio meio complicado. Às vezes você não sabe o que tu faz. (Rodrigo, operador)

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Relações hierárquicas Relações hierarquizadas em que o poder do cargo ou do conhecimento técnico se sobrepõe ao conhecimento e experiência do trabalhador. Os gestores estão ... eu acho que não era para ser gerente de indústria, era para ser gerente de banco que só pensa em ganhar dinheiro. Estão passando por cima da nossa vida, do trabalho, do lazer, não respeitam.(...) Esses gestores que entraram, mudaram totalmente o foco, apesar deles pensarem que vão conseguir, porque eles trataram as pessoas como, digo como empregados, porque funcionário e auxiliar são respeitados, empregado não é respeitado. E a gente passa a ser tratado como empregado. A gente ouvir que tem mil na frente querendo arrumar um emprego, eu já ouvi isso. Aí dá uma certa insegurança. Pô, se eu reclamar esse cara me manda embora. E se me mandar embora ninguém tá nem aí para mim. ( Rodrigo, operador)

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Relações entre os pares Nas entrevistas com os trabalhadores, observou-se referências a momentos de

cooperação, mas por outro lado, situações de conflito e rivalidade. A cooperação surge como estratégia para enfrentar as dificuldades impostas pela organização do trabalho, especialmente aquelas que suscitam maior desgaste do operador.

“Pendências” geradoras de conflitos Porque geralmente uma pendência gera um desconforto, um descontentamento

de ambas as partes, quem deixou e de quem recebeu. (...) Eu não posso chegar aqui e tu estás trabalhando nessa quentura e eu achar que tu é culpado e brigar contigo porque tu deixou alguma coisa para fazer. Eu tenho que tentar fazer e ver porque ficou. Aí depois se eu souber que tu não fez porque não quis aí eu vou conversar contigo, mas a princípio eu não posso estar de cabeça quente porque eu estou vendo que tu estás saindo agora, de uma área quente, poluída, barulhenta. Chegar para brigar não adianta. Mas estava acontecendo isso, o pessoal ... até eu não sei como está agora, mas a gente via as pessoas brigando porque fulano deixou uma pendência. Rapaz tu vai fazer tudo. Não. Então deixa aí, vamos conversar, vamos fazer e pronto. Mas , por quê? Falta de gente, falta de estrutura de gerente para conversar. Porque o gerente não quer nem saber. Brigou lá, discutiu, eles chamam lá, dão quinze dias de suspensão, cinco dias de suspensão e vai te embora. (Antônio Carlos, operador)

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• Prazer e Trabalho Observamos entre os operadores entrevistados uma dificuldade em

expressar situações prazerosas nas suas atividades de trabalho. Em algumas entrevistas, perguntas que se direcionavam para esse tema eram seguidas de silêncio.

Nesse tipo de trabalho, o prazer é estar trabalhando. Mas não te dá prazer, eu não tinha prazer assim naquelas áreas operacionais ali. Você chega, trabalhando no extremo calor, poluição, ruído. Na realidade é um dever do ser humano cumprir, executar aquilo que lhe foi outorgado, ou seja, lhe foi confiado. Mas não quero dizer que eu tinha prazer de sair de casa pra ir pra aquele calor extremo assim, para aquela poluição, para aquela radiação. Era isso. Eu acho que o prazer da gente como ser humano que tem dignidade, que tem caráter, muitas vezes você não gosta, mas você não é obrigado a gostar, mas você é obrigado a cumprir aquilo que lhe é conferido. Mas, eu acho que trabalhar nisso não é prazer. (Cláudio, ex-operador)

O exercício de responsabilidade que se expressa no trabalho cumprido, feito corretamente; a possibilidade de sugerir melhorias nas condições de trabalho quanto possível; a colaboração, parceria e convívio com os colegas de trabalho foram citados como situações geradoras de prazer no trabalho.

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• Sofrimento e Trabalho Nos relatos dos trabalhadores, o sofrimento se revela nas recorrências ao medo,

estresse, sentimento de injustiça, falta de reconhecimento, desamparo, sentimento de inutilidade, impotência, tristeza que estão para além das situações explícitas de adoecimento, que por si só aludem ao sofrimento, mas que resultam de como está dada a organização do trabalho.

• Defesas Coletivas Negação do risco Idealização de que o cumprimento das regras resguarda o trabalhador /

Mecanismos de defesa geram alienação. Fazendo a tarefa como ela tem que ser feita, direitinho. Se tiver que prestar

atenção no painel, eu fico ali ... às vezes até o cara que tem o mesmo tempo que eu ou às vezes mais velho, com mais experiência, ele chega atentando... Ei, o painel ... Levo na brincadeira ali, mas fico ali. Se eu estou levantando ali, eu certifico no painel se a voltagem está correta, se não está subindo muito rápido ou não. A minha segurança é essa ficar atento o tempo todo nisso, que é justamente para não dar errado. (Rodrigo, operador)

• Defesas Individuais / Processos de adoecimento.

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• Conclusões

O paradigma da saúde ocupacional se coaduna ao modelo de gestão pautado na qualidade. Assim, a concepção de que a prevenção se faz a partir do cumprimento de regras e prescrições, definidas em última instância pelo staff gerencial e pelo corpo técnico, excluindo os trabalhadores das tomadas de decisão sobre questões referentes à sua segurança e saúde no trabalho, refletem tal assertiva. O acidente de trabalho frequentemente é concebido como resultante de uma não conformidade, do não cumprimento do prescrito em termos de segurança. Concepção está que se aproxima da ênfase na segurança como fruto do comportamento consciente do trabalhador, ao qual cabe cumprir com as regras que lhe foram transmitidas. Ao mesmo tempo em que reafirma a ideologia da culpabilização que se expressa no entendimento de ato inseguro como causa do acidente. O emprego da tecnologia nos processos de trabalho que prescinda da ação humana é entendido por gestores e técnicos como ideal. Então a projeção de metal hoje pra gente é um, digamos assim, um dos riscos maiores que tem. Por quê? Porque tá muito na mão do homem. A idéia é cada... se a gente conseguisse é... digamos assim, transformar isso, se fosse robotizado, seria ótimo. (técnico do SESMT).

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Frente a impossibilidade de se estabelecer a extinção do risco ou sua contenção pelo emprego de barreiras, lança-se mão do engajamento do trabalhador, cuja tomada de consciência sobre a importância da segurança ocorre a partir da inserção do indivíduo em uma cultura de segurança.

A Gestão da Segurança e Saúde Ocupacional sob o pilar da qualidade total, ao se ater sobre o ambiente do trabalho e o controle de seus riscos, assim como, a consciência e ao comportamento individual do trabalhador, desconsidera a organização do trabalho no que ela apresenta como traço mais marcante – resultar das relações que os sujeitos estabelecem no e pelo trabalho. Relações interpessoais perpassadas pelo poder, pelo conflito, pela competição, mas ao mesmo tempo capazes de ser expressão da cooperação e da solidariedade. Portanto, o discurso da gestão pela qualidade fortalece o paradigma da Saúde Ocupacional, desconsiderando a dimensão das relações sociais na compreensão e nas ações no campo da segurança e saúde do trabalhador. Nessa medida, a Teoria da Psicodinâmica do Trabalho traz contribuições ao focar a dimensão da subjetividade que se forja a partir das relações sociais estabelecidas no trabalho.

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A sobrecarga de trabalho gerada, aumento da pressão por produção e prescrições que não condizem com a realidade de trabalho levam o trabalhador a buscar superar as adversidades da sua atividade laboral, muitas das vezes passando por cima das normas e regras de segurança no intuito de atingir o que dele é esperado. O não cumprimento do prescrito em termos de segurança ou a omissão de um acidente resultam em modalidades diversas de penalidades que se estendem desde advertência verbal até nos casos mais extremos, a demissão. Aspecto gerador de sofrimento para o trabalhador que se vê impossibilitado de lançar mão de sua expertise e assim vive a punição como não reconhecimento pelo seu trabalho e mais, do seu engajamento e envolvimento com a empresa.

O acidente típico e o adoecimento (distúrbios osteomusculares, patologias mentais, polineuropatias) remetem ao sofrimento não somente por impossibilitar o trabalhador para a execução de sua atividade, mas fundamentalmente por ser dotado pela organização do trabalho de um sentido estranho ao trabalhador – de ao estar adoecido não ser produtivo, de não mais ser trabalhador. O que também é vivenciado pelo sujeito como falta de reconhecimento por sua dedicação e empenho. O trabalho não só suscita uma experiência pática, o sofrimento pode ser o ponto de partida no intuito da ação sobre o mundo. Segundo Dejours (2004) “(...) o sofrimento é ao mesmo tempo, impressão subjetiva do mundo e origem do movimento de conquista do mundo. Forjar espaços públicos de fala no interior da empresa seria o passo seguinte resultado da ação coletiva dos trabalhadores, espaço este capaz de trazer a pauta de discussão, a organização do trabalho e através da qual, mediações fossem construídas em prol de um trabalho prazeroso. O momento de mudança vivido atualmente pela empresa a partir de sua compra pela Norsk Hydro pode se configurar como um momento oportuno para que os trabalhadores possam ser ouvidos.