Trabalho Produtivo e Improdutivo

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Sobre as categorias de trabalho produtivo e improdutivo

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  • Trabalho Produtivo e Improdutivo: do que estamos falando?

    Data Julho de 2014

    Autor Robin Goodfellow

    Verso v 2.0 em portugus (v 1.0 em francs - fevereiro de 2008)

  • Robin Goodfellow

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    Sumrio

    SUMRIO ............................................................................................................................. 2

    1. INTRODUO .......................................................................................................... 3

    2. DEFINIES: TRABALHO PRODUTIVO E IMPRODUTIVO .................................... 5

    2.1 Recordao dos conceitos de Marx ........................................................................... 5

    2.2 O que o trabalho produtivo no ............................................................................... 7

    3. TRABALHO PRODUTIVO, TRABALHO IMPRODUTIVO E CLASSES SOCIAIS ...14

    4. CONSEQUNCIAS TERICAS E PRTICAS PARA O CAMPO REVOLUCIONRIO ............................................................................................................17

    ANEXO: COMENTRIO DA CITAO DA PGINA 14 .....................................................22

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    1. Introduo

    Para a teoria comunista a distino entre trabalho produtivo e trabalho improdutivo crucial, pois dela decorre uma srie de consequncias sobre a natureza da produo capitalista: a qualificao da explorao do proletariado, as condies da reproduo da sociedade, a evoluo das classes sociais presentes, a natureza da revoluo futura, as tticas que devero ser seguidas pelo partido do proletariado em relao s classes mdias, etc. Em suma, trata-se da problemtica da explorao, da definio das classes e da luta das classes que se desenrola no segundo plano.

    A mistificao que reina no modo de produo capitalista obscurece as relaes sociais de produo e generaliza uma viso que prpria economia burguesa, para a qual o capital e a terra aparecem como fontes autnomas do valor, capazes por si mesmos de produzir valor. Essa mistificao faz com que o capital aparea como produtivo encobrindo a verdadeira natureza das relaes sociais assentadas no trabalho do proletariado, a verdadeira fonte produtiva que produz um valor maior do que a soma do valor adiantado para o capital constante e o salrio, isto , que reproduz este valor adiantado e, alm disto, produz a mais-valia. Desse modo, as relaes de produo do modo de produo capitalista fazem com que o trabalho produtivo, isto , o trabalho do proletariado, no apenas lhe escapa como retorna contra ele como seu contrrio, como capital. Em outras palavras, o trabalho do proletariado produz e reproduz toda a relao social capitalista, fazendo com que o proletariado seja dominado pelo seu prprio trabalho que lhe enfrenta como inimigo.

    Consequentemente, essa mistificao obscurece as distines entre o que pertinente ao trabalho produtivo e o que pertinente ao trabalho improdutivo, fazendo emergir, de maneira geral, as seguintes consideraes:

    - o trabalho produtivo confundido com o trabalho assalariado em geral;

    - o trabalho produtivo assimilado produo de um bem material, tangvel;

    - o trabalho produtivo considerado como aquele que produz bens socialmente teis;

    - o nvel da remunerao e a importncia do salrio, assim como o grau de qualificao da fora de trabalho, so identificados como critrios de avaliao da natureza produtiva ou improdutiva do trabalho;

    - o trabalho improdutivo assimilado s despesas improdutivas (por ex. armamentos).

    Em um primeiro momento, criticaremos essas confuses e retomaremos as definies a partir dos textos de Marx. Em seguida, detalharemos a razo de esta questo ser primordial para o campo revolucionrio, pois ela:

    - permite colocar corretamente a questo da definio hodierna dos contornos do proletariado;

    - consiste em verificar, em relao s previses feitas particularmente por Marx, a validade da teoria revolucionria;

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    - remete a questes polticas cruciais como a da relao entre as classes na sociedade atual e durante o futuro enfrentamento revolucionrio;

    - refora a teoria lutando contra todas as expresses que conduzem politicamente, no fim das contas, a um reformismo latente, ao pacifismo e negao de toda a amplitude revolucionria da luta do proletariado.

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    2. Definies: trabalho produtivo e improdutivo

    2.1 Recordao dos conceitos de Marx

    Em Marx, a definio de trabalho produtivo muito clara, ela est fundamentada na produo de mais-valia e, portanto, no fato de a fora de trabalho intercambiar-se contra o capital, quer ela produza bens tangveis, coisas ou no.

    A produo capitalista no apenas produo de mercadoria, mas essencialmente produo de mais-valia. O trabalhador produz no para si, mas para o capital. No basta, por isso, que ele produza em geral. Ele tem de produzir mais-valia. S produtivo o trabalhador que produz mais-valia para o capitalista ou que serve autovalorizao do capital. (Marx, O Capital, Livro I Seo V, Cap. XIV)

    Fiel sua tarefa cientfica que era a de desvendar, detrs da mistificao do capital, as verdadeiras relaes econmicas e sociais, Marx no parte dos aspectos fenomenais do trabalho (o fato de que este seja til, que produza um bem tangvel ou que seja mal pago, por exemplo), mas da essncia dos fatos: ele aponta diretamente para o fato de que o trabalho no modo de produo capitalista uma relao social particular, relao que se caracteriza pela explorao da fora de trabalho do proletariado.

    Vemos ento o desafio crucial desta questo, pois toda a problemtica da explorao, da definio das classes e da luta das classes que se desenha no plano de fundo.

    Assim, o conceito de trabalhador produtivo no implica de modo algum apenas uma relao entre a atividade e efeito til, entre trabalhador e produto do trabalho, mas tambm uma relao de produo especificamente social, surgida historicamente e que cola no trabalhador o rtulo de meio direto de valorizao do capital. (...) No Livro IV desta obra, que trata da histria da teoria, veremos mais detalhadamente que a Economia Poltica clssica sempre fez da produo de mais-valia a caracterstica decisiva do trabalhador produtivo. (Marx, idem)

    O proletariado, classe produtiva, tambm no modo de produo capitalista a nica classe explorada. De modo contrrio, se existe um trabalho produtivo porque existe igualmente um trabalho improdutivo e trabalhadores improdutivos.

    Curiosamente, isso que negam nossos adversrios. verdade que seria particularmente difcil defender a ideia de que no existe trabalho produtivo, mas tentaremos compreender, na sequncia do texto, porque to importante para eles negarem que existe um trabalho improdutivo.

    Continuemos a ver com Marx o que , inversamente, a definio de trabalho improdutivo.

    Quando se compra o trabalho para consumi-lo como valor de uso, como servio, no para substitui-lo como fator vivo no lugar do valor do capital varivel e incorpor-lo ao processo de produo capitalista, o trabalho no trabalho produtivo e o trabalhador assalariado no trabalhador produtivo. Consome-se seu trabalho por causa de seu valor de uso, no como trabalho que pe valores de troca; ele consumido de maneira improdutiva e no

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    produtiva. (...) O consumo desse trabalho no equivale a D-M-D, mas M-D-M (este ltimo termo o trabalho ou o prprio servio). O dinheiro funciona aqui somente como meio de circulao, no como capital. (Marx, Um Captulo Indito - Trabalho produtivo e Improdutivo)

    Assim, um dos primeiros critrios que permitem determinar se um trabalho (e, portanto, um trabalhador ou, sobretudo, um grupo de trabalhadores, pois a individualizao da questo tem pouco interesse em si) produtivo ou improdutivo, o de verificar se ele intercambiado contra o capital ou contra o rendimento.

    Esse critrio particularmente importante, pois ele coloca em foco um elemento crucial, o da relao social, em detrimento de um critrio mais aparente, mais fenomenal, como, por exemplo, o da forma do trabalho. Ora, esse critrio da forma que aparece em primeiro lugar para o observador que se situa no nvel da aparncia dos fenmenos e no procura ir mais adiante na direo da essncia. Por exemplo, em um contrato com o proprietrio de um imvel, um jardineiro que trabalha para uma empresa de servios para plantar roseiras efetua um trabalho produtivo. Seu patro, enquanto capitalista, adianta um capital para assalari-lo, procurando fechar contratos com diversas entidades como esse proprietrio de imvel, uma municipalidade ou outra empresa. Supondo agora que no sbado, para completar seus ganhos mensais, esse jardineiro alugue seu trabalho para burgueses da sua cidade que possuem uma segunda residncia. O trabalho efetuado nesse contexto no ser mais produtivo do ponto de vista do capital. Com efeito, o proprietrio, seja ele por acaso capitalista, paga-o com seu rendimento. Este exemplo levado, portanto, ao extremo: mesmo tipo de trabalho, mesma prestao fornecida, mesmo indivduo, mesmo efeito final em termos do rendimento para este ltimo. Isso mostra de modo claro que, finalmente, essa no uma boa maneira de colocar o problema.

    O primeiro fator discriminante principalmente aquele ligado posio social dos dois protagonistas na troca, relao de trabalho que os vincula: trata-se de uma relao entre o capitalista que adianta um capital e o proletrio que vende sua fora de trabalho, ou de uma relao entre comprador individual que utiliza seu rendimento e o fornecedor de um servio particular? Repetimos, entretanto, e retomaremos esse ponto mais adiante neste texto, que irrelevante colocar esse tipo de questo tanto no plano do indivduo como naquele do tipo de trabalhos efetuados. O exemplo acima mostra que, no caso extremo, uma mesma pessoa poderia ser produtiva em certos momentos e improdutiva em outros. Explicaremos que tambm o que se passa na escala social para toda uma categoria de trabalhadores.

    Alm do intercmbio da fora de trabalho contra o rendimento, h outro caso em que lidamos com o trabalho improdutivo: quando o capital adiantado ele mesmo empregado na esfera da circulao (por exemplo, capital bancrio, comercial,...)

    Vimos no livro II que as funes do capital na esfera da circulao no produzem nem valor nem mais-valia. Recordamos que se trata de operaes que o capitalista industrial deve efetuar para realizar inicialmente o valor de suas mercadorias e reconverter, em seguida, este valor em elementos de produo das suas mercadorias operaes que servem para colocarem em movimento as metamorfoses do capital-mercadoria M-A-M, portanto atos de venda e de compra. (...) O que vale para a metamorfose do capital-mercadoria em si no , evidentemente, modificado de nenhum modo pelo fato de uma parte deste capital assumir a forma do capital comercial ou que as operaes que

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    produzem a metamorfose do capital-mercadoria apresentem-se como o negcio particular de uma categoria especial de capitalistas, ou como a funo exclusiva de uma frao do capital-dinheiro. Uma vez que a venda e a compra de mercadorias (a que se reduz a metamorfose do capital-mercadoria M-D-M) no criam nem valor nem mais-valia quando os prprios capitalistas industriais se ocupam disto, eles no criaro nem um nem outro se outras pessoas se ocuparem disto nos seus lugares. (Marx, O Capital, Livro III Seo IV Cap. XVII O lucro comercial)

    2.2 O que o trabalho produtivo no

    Um dos elementos essenciais na fabricao da ideologia pelo capital a mistificao. Marx frequentemente ressaltou a que ponto a realidade, no mundo capitalista, era travestida pelo simples fato de que as verdadeiras relaes sociais so ocultadas pelo sistema da mercadoria e do dinheiro. Por isso que a teoria comunista, como toda atividade cientfica, procura trespassar o vu das aparncias para ir essncia dos fenmenos. No o que fazem, evidentemente, os pequeno-burgueses para quem a verdade no outra seno a que est diante dos olhos. Eles tero, portanto, a tendncia em comparar fenomenalmente duas formas de trabalho e a considerar que sejam idnticas, caso compartilhem certas caractersticas. Marx fustiga esse esprito burgus incapaz de diferenciar duas formas sociais e histricas diferentes.

    preciso toda a estreiteza de esprito do burgus, que tem a forma capitalista como a forma absoluta da produo e, portanto, sua forma natural, para confundir o que trabalho produtivo e operrio produtivo do ponto de vista do capital com o que trabalho produtivo em geral, de modo que ele se satisfaz com esta tautologia: produtivo todo trabalho que produz em geral, ou seja, que conduz a um produto ou valor de uso qualquer, at mesmo a um resultado qualquer que seja. (Marx, Um Captulo Indito - Trabalho produtivo e Improdutivo)

    Reconhecemos perfeitamente aqui o ponto de vista daqueles que defendem que todo trabalho assalariado produtivo.

    O trabalho produtivo no mais que uma expresso condensada para designar o conjunto de relaes e a maneira como o operrio e o trabalho se apresentam no processo de produo capitalista. Por trabalho produtivo entendemos ento um trabalho socialmente determinado, que implica uma relao bem precisa entre vendedor e comprador de trabalho. Assim, o trabalho produtivo intercambia-se diretamente contra o dinheiro enquanto capital, um dinheiro que em si capital, que est destinado a funcionar como capital e que como capital se contrape fora de trabalho. Somente , portanto, produtivo o trabalho que, para o operrio, reproduz unicamente o valor previamente determinado de sua fora de trabalho e valoriza o capital por uma atividade criadora de valores, colocando diante do operrio valores produzidos como capital. A relao especfica entre trabalho objetivado e trabalho vivo que faz do primeiro o capital, faz do segundo trabalho produtivo. (idem)

    Retomamos em seguida os diferentes argumentos por meio do mtodo das contra-teses e teses que Bordiga utilizava nos seus escritos.

    - Contra-tese: todo trabalho assalariado trabalho produtivo.

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    Tese: Historicamente o salariado nasceu na esfera militar. Em seguida, em um primeiro momento ele se apodera de trabalhos que so efetivamente de preferncia trabalhos produtivos, mas as classes mdias antigas (agricultores e camponeses) podem ser produtivas, pois podem criar valor (a produo de mais-valia sendo especfica do modo de produo capitalista) sem serem assalariadas. medida que so implantadas as estruturas das organizaes modernas que correspondem ao ser do modo de produo capitalista - a empresa -, generalizam-se as funes necessrias sua gesto embora sejam improdutivas. Tais funes so asseguradas pelas classes mdias modernas, as quais so assalariadas (empregados do comrcio, empregados da gesto, da administrao de fbricas e de empresas). Do mesmo modo, os funcionrios pblicos, embora improdutivos, so assalariados. Assim sendo, se o salariado representa hoje nos pases mais desenvolvidos a esmagadora maioria da populao ativa, no podemos deduzir da que o conjunto desta parte da populao ativa produtiva. uma viso fenomenal e no cientfica.

    Com o desenvolvimento da produo capitalista, todos os servios se transformam em trabalho assalariado e todos aqueles que os exercem em trabalhadores assalariados, se bem que eles adquirem este carter em comum com os trabalhadores produtivos. isso que incita certas pessoas a confundirem as duas categorias, uma vez que o salrio um fenmeno e uma criao que caracterizam a produo capitalista. Por outro lado, isso fornece a ocasio aos apologistas do capital de transformar o trabalhador produtivo, sob o pretexto de que ele assalariado, em um trabalhador que troca simplesmente seus servios (isto , seu trabalho como valor de uso) contra o dinheiro. Ora, isso passar comodamente por cima do que caracteriza de maneira fundamental o trabalhador produtivo e a produo capitalista: a produo de mais-valia e o processo de autovalorizao do capital ao qual se incorpora o trabalho vivo como simples agente. O soldado um assalariado, se ele for mercenrio, mas ele no por essa razo um trabalhador produtivo. (Marx, Um Captulo Indito - Trabalho produtivo e Improdutivo)

    - Contra-tese: o trabalho produtivo o que produz um bem tangvel, um objeto concreto.

    Tese: Para que haja mercadoria, no necessrio que haja um objeto material concreto. Um servio pode ser uma mercadoria, neste caso o consumidor compra, por exemplo, o tempo. Os famosos servios pessoais, dos quais nos enchem os ouvidos e que no so mais do que o testemunho da maneira como a sociedade capitalista abandona seus fracos (os doentes, os idosos, os enfermos...), tornam-se um setor produtivo desde que exista uma demanda solvvel suficiente para incitar os investidores do capital a criar empresas dedicadas produo desta mercadoria e que adiantam seu capital na forma de salrio para recrutar seu pessoal. No final da jornada, o consumidor no tem em suas mos nenhuma mercadoria concreta, mas ele foi lavado, cuidado e alimentado.

    Quando falamos da mercadoria como materializao na qual se investe o trabalho no sentido de seu valor de troca s temos em vista uma existncia imaginria da mercadoria, existncia unicamente social, a qual no tem nada a ver com sua realidade fsica; ela ser representada como quantidade determinada de trabalho social ou de dinheiro. Pode acontecer que o trabalho concreto da qual ela o resultado no deixou nela nenhum vestgio. (Marx, Teorias sobre a mais-valia, vol. I - Teorias sobre o trabalho produtivo e o trabalho improdutivo)

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    - Contra-tese: o trabalho produtivo aquele socialmente til e o trabalho improdutivo corresponde a tarefas inteis ou nocivas.

    Tese: A linguagem empregada pela teoria revolucionria deve ser e deve conservar-se cientfica. No existe nada pior do que transformar o que so conceitos, bem definidos, claramente determinados, em uma interpretao dos mesmos termos em seu uso corrente. Entretanto, o que fazem nossos adversrios quando eles implicitamente assimilam produtivo a til e improdutivo a intil.

    H ento uma tendncia a moralizar os termos produtivo e improdutivo e a transform-los em categorias de julgamento. Ora, o modo de produo capitalista, particularmente atravs do fenmeno da mistificao, encobre as relaes sociais travestindo a realidade, colocando tudo s avessas. Para os comunistas, no mnimo deve-se procurar sair das categorias impostas pelo pensamento burgus e no vender barato NOSSAS prprias categorias quando estas permitem fazer um trabalho de desmistificao. O nico critrio de aplicao, que corresponde estritamente definio que recordamos do trabalho produtivo, o que considera a produo de mais-valia.

    O produto especfico do processo de produo capitalista a mais-valia criada unicamente pelo intercmbio com o trabalho produtivo. O que constitui o valor de uso especfico para o capital no a utilidade particular do trabalho ou do produto no qual ele se objetiva, mas a faculdade de o trabalho criar o valor de troca (mais-valia). (Marx, Um Captulo Indito - Trabalho produtivo e Improdutivo)

    Devemos distinguir aqui entre o que til para a espcie no quadro de sua reproduo e o que produtivo para o capital.

    Em relao a uma necessidade humana, por exemplo, como o fato de se deslocar, o setor automobilstico produtivo do ponto de vista do capital, apesar de construir um cortejo de absurdos e de prejuzos (centenas de milhares de mortos e de feridos, desperdcio de recursos, poluio atmosfrica, tempos perdidos, individualismo forado, etc.). O modo de produo capitalista pode nos inundar de engenhocas, umas mais inteis do que outras, mas estes setores so produtivos do ponto de vista da valorizao do capital. Ao contrrio, partes importantes da atividade humana que seriam teis do ponto de vista social, ou de novas atividades tcnicas, por exemplo, no so nem introduzidas nem desenvolvidas, pois no representam nenhum interesse para a valorizao do capital. No melhor dos casos, elas so confiadas em certos casos ao Estado (sendo, portanto, despesas improdutivas), e no pior elas no so simplesmente desenvolvidas. Podemos ver, por exemplo, no caso da ecologia como as atividades se desenvolvem efetivamente desde que possam se tornar produtoras de mais-valia (ver, por exemplo, os investimentos em energias renovveis; no so consideraes abstratamente humanistas que incentivaro, por exemplo, tal empreendedor a obter uma concesso de energia elica supondo que se trate de uma boa escolha tecnolgica , mas o fato de que ela possa trazer um lucro).

    Lembremos, portanto, que o trabalho produtivo e improdutivo deve ser julgado como tal do ponto de vista do capital e no do ponto de vista moral.1 Um trabalho pode ser nocivo frente ao

    1 Esta inverso comum na ideologia banal favorece a confuso que consiste em s conceber a raiz da critica do capitalismo em nome de interesses gerais da humanidade e no em razo de sua natureza: um sistema de explorao do trabalho vivo para a produo de mais-valia e sua transformao em capital. Para os que defendem a primeira

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    desenvolvimento humano e totalmente produtivo frente ao capital. Ao contrrio, um trabalho pode ser socialmente til e improdutivo como, por exemplo, o trabalho dos bombeiros.

    Como consequncia, decorre que o fato de o trabalho ser produtivo no tem absolutamente nada a ver com o contedo determinado do trabalho, sua utilidade particular ou o valor particular no qual ele se materializa. Por conseguinte, o trabalho cujo contedo permanece inalterado pode ser produtivo ou improdutivo. (Marx, Um Captulo Indito - Trabalho produtivo e Improdutivo)

    - Contra-tese: falando do trabalhador coletivo, Marx mostrou que o produto no dependia mais unicamente do dispndio do trabalho individual, mas recorria cooperao de numerosos trabalhadores. Portanto, a imensa maioria dos trabalhadores assalariados so trabalhadores produtivos.

    Tese: O trabalho produtivo no totalmente mensurvel individualmente e um erro metodolgico procurar identificar, proletrio por proletrio, qual o mais ou menos produtivo e em qual momento. J mencionamos o caso do jardineiro que presta servios aos sbados. Marx fala do trabalhador coletivo na oficina ou na fbrica (no que concerne ao processo de produo), enquanto nossos adversrios o situam no nvel da sociedade.2

    Com o desenvolvimento da submisso real do trabalho ao capital, ou modo de produo especificamente capitalista, o verdadeiro agente do processo de trabalho total no mais o trabalhador individual, mas uma fora de trabalho que se combina cada vez mais socialmente. Nessas condies, as numerosas foras de trabalho que cooperam e formam a mquina produtiva total, participam da maneira mais diversa no processo imediato de criao de mercadorias ou, melhor, dos produtos uns trabalhando intelectualmente, outros manualmente, outros como diretor, engenheiro, tcnico ou supervisor3, outros,

    posio de bom tom reivindicar os interesses de todos os homens honestos e no a defesa dos interesses do proletariado. Para esse pensamento humanista, o desenvolvimento mximo da conscincia no interior dos seres humanos, esclarecidos atravs de seu pensamento profundo, que permitir o desenvolvimento da ao revolucionria. Da sua averso a uma representao da classe revolucionria fundada sobre o trabalho produtivo, seu dio visceral s lutas ditas econmicas e, de maneira global, vida dos proletrios reais e, enfim, no terreno puramente poltico, seu dio visceral ao principio do Partido Comunista e o da ditadura do proletariado.

    2 Veja por exemplo, como ilustrao tpica, esta passagem de um texto produzido por um defensor desta contra-tese: Ela ignora o conceito de trabalhador coletivo introduzido por Marx para explicar o fato que o processo de produo em si no era mais efetuado por indivduos isolados, mas por uma coletividade composta de todos os trabalhadores, inclusive os colarinhos brancos, de uma unidade de produo e trabalhando como um todo. verdade que Marx se referia a este fenmeno, sobretudo ao nvel da fbrica, mas parece legtimo estend-lo hoje ao nvel da sociedade (sublinhado por ns - RG). Hoje, quase todos os trabalhadores contribuem, seja diretamente, seja indiretamente, produo do produto social, compreendendo a sua parte de mais-valia; os instrutores, por exemplo, que formam a fora de trabalho dos futuros produtores. (Buick, A. Sobre a definio de proletariado e de trabalho produtivo, 7 julho 2003).

    3 No texto original, Marx diz: der andre mehr mit dem Kopf arbeitet, der eine als manager, engineer, Technolog etc.,. der andre als overlooker, , conservando em ingls as palavras grafadas em itlico. As tradues desses palavras nas edies do Captulo Indito em espanhol e francs, so equivalentes s que constam da traduo da citao em portugus. No entanto, manager , no sentido geral, algum que organiza, conduz, controla atividades, aes, etc. no se reduzindo a atividades administrativas do cargo de um diretor. Historicamente Engineer tem um sentido tambm aplicvel ao profissional qualificado que cuida do funcionamento e da manuteno de mquinas, ao que possui e aplica qualificaes da mecnica, alm daquele que projeta e constri mquinas (cf. The Oxford English Dicionary).

  • Robin Goodfellow

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    enfim, como operrio manual ou mesmo como simples auxiliar. Um nmero crescente de funes da fora de trabalho assume o carter imediato de trabalho produtivo, os que as executam so operrios produtivos diretamente explorados pelo capital, submissos ao seu processo de produo e de valorizao.

    Se considerarmos o trabalhador coletivo que constitui a oficina, sua atividade combinada se exprime material e diretamente em um produto global, ou seja, em uma massa total de mercadorias. A partir de ento, perfeitamente indiferente determinar se a funo do trabalhador individual simples elo do trabalhador coletivo consiste de mais ou de menos trabalho manual simples. A atividade dessa fora de trabalho global diretamente consumida de maneira produtiva pelo capital no processo de autovalorizao do capital: ela produz, portanto, imediatamente mais-valia, ou melhor, como veremos em seguida, ela se transforma diretamente ela prpria em capital. (Marx, Um Captulo Indito - Trabalho produtivo e Improdutivo)

    Lendo atentamente a passagem de Marx acima, vemos que a questo considerar a natureza do trabalho produtivo evitando assimil-lo a um puro e simples dispndio fsico de trabalho manual. Aqui, novamente, trata-se de desvelar a mistificao e de compreender a relao social para alm das aparncias. Do mesmo modo que o trabalho produtivo no se reduz fabricao de objetos concretos, ele no diz respeito apenas aos indivduos, do conjunto daqueles que operam o processo de trabalho, que esto em contato direto, fsico, tangvel, com a matria transformada em produto. Estamos aqui na subordinao real do trabalho ao capital, na qual a cincia incorporada produo. Consequentemente, os resultados dos trabalhos anteriores, as teorias, os mtodos, enfim todos os frutos de um trabalho passado e de um trabalho coletivo so as condies para que se exera a atividade imediata do trabalho produtivo. nesse sentido que Marx evoca o trabalhador coletivo que, na oficina ou na fbrica, pode a partir de ento integrar o contramestre, o mecnico ou o engenheiro, o tcnico, os quais, neste sentido, fazem parte do proletariado, mesmo se a estatstica burguesa os assimila s classes mdias, com as quais, alis, eles tm a tendncia em compartilhar o modo de vida e a ideologia4. Convm, ao mesmo tempo, no assimilar a totalidade do trabalho fornecido por essas categorias ao trabalho produtivo; como j havamos dito, pois existe uma relativa interpenetrao entre trabalho produtivo e improdutivo. O valor criado uma funo dessa fora de trabalho coletiva, que por sua vez contm componentes produtivos e improdutivos, sendo que estes ltimos no criam valor (por exemplo, o dirigente da empresa, na sua funo especificamente capitalista improdutivo, ou o gerente de fbrica na sua funo especificamente administrativa tambm improdutivo).

    Mas passar do nvel da oficina ou da fbrica para o nvel da sociedade nos conduz a erros: o pesquisador de um centro de pesquisa estatal no faz parte do trabalhador coletivo e no , neste sentido, um trabalhador produtivo, do mesmo modo que o professor de universidade pblica que forma os futuros engenheiros. Salvo se cairmos na ladainha das profisses e no exame infinito de cada situao particular, difcil distinguir nitidamente as categorias em funo de seu carter produtivo ou improdutivo. Seria cair na metafsica e, de certa maneira, colocar em xeque o que foi dito mais acima sobre o fato de que os dois aspectos so frequentemente interpenetrados. No

    4 Ao contrrio, h verdadeiras classes mdias, improdutivas, cujos membros vivem em condies de vida prximas do proletariado, sem que faam parte dele.

  • Robin Goodfellow

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    prprio interior do trabalho improdutivo, certos trabalhos revelam-se indiretamente produtivos, especialmente aqueles que dizem respeito produo e reproduo da cincia. Mas seria abusivo ampliar o estatuto de todos os trabalhadores intelectuais ao do proletrio sob o pretexto de que eles fariam parte de um trabalhador coletivo. A citao acima mostra claramente que Marx liga a noo de trabalhador coletivo oficina e por uma parte fbrica, mas no a estende sociedade inteira5.

    - Contra-tese: somente o trabalho dos operrios da indstria produtivo.

    Tese: Trata-se sempre do mesmo erro que consiste em analisar a questo do trabalho produtivo e improdutivo a partir das formas do trabalho e no da relao social que lhe serve de base. Se todo trabalho operrio, submetido diretamente ao capital, produtivo, todo trabalho produtivo no operrio. Se no sculo 19 os dois nveis tinham a tendncia de se confundirem, a evoluo do modo de produo capitalista introduziu um embaralhamento destas categorias. Vimos isso acima com os tcnicos e as categorias encarregadas realizar a integrao dos resultados cientficos produo (engenheiros, etc.). Vimos isso igualmente, ao considerar o setor de servios, que no produz bens materiais tangveis. Do mesmo modo, podemos observar ainda que faltem dados estatsticos confiveis uma relativa porosidade entre os trabalhadores produtivos e improdutivos, por exemplo, como no caso de estudantes que trabalham para o McDonalds, jovens proletrios encadeando trabalhos temporrios em diversos ramos, de operrias demitidas tornando-se amas-de-leite ou babs de crianas, etc.

    Contra-tese: s o trabalho da indstria produtivo

    Tese: as categorias do setor primrio (agricultura), secundrio (indstria) e servios (tercirio) so categorias totalmente forjadas pela economia poltica, que, alm disso, considera esta categorizao como uma sucesso histrica, a indstria sucedendo a agricultura antes de ser, ela prpria, suplantada pelos servios.6 Ora, o proletrio existe em todos os setores, comeando pelo proletariado agrcola. Quanto aos servios, eles constituem tambm um setor no qual o proletariado e, portanto, o trabalho produtivo, est necessariamente presente (por exemplo, o transporte de mercadorias, o reparo, a manuteno...). De outro lado, tanto na indstria como nos servios ou na agricultura, temos igualmente o desenvolvimento de um trabalho improdutivo, especialmente em todas as tarefas ligadas circulao do capital (comrcio, banco, seguro, marketing, publicidade, ...)7. Um dos principais erros tericos que gera essa viso consiste

    5 Sem cometer esse tipo de erro, seria, contudo, interessante prosseguir a anlise de Marx integrando o desenvolvimento das formas de cooperao introduzidas na empresa moderna que implicam a cooperao de produtores distantes, especialmente na escala internacional (quando uma mercadoria o produto da cooperao de um grande nmero de operrios disseminados em diversos pases, de operrios do transporte, da logstica, etc.) Desse ponto de vista, a forma tcnica simultaneamente complexificada e fragilizada (toda ruptura em um lugar da cadeia conduz paralisia do conjunto).

    6 Se acreditarmos nas estatsticas, na Frana a indstria no teria sido jamais preponderante. Teramos passado diretamente da dominao da agricultura dos servios.

    7 Reforando a citao do final da seo 2.1 quanto ao comrcio, ao capital comercial: O capital comercial s capital como funo no interior da esfera da produo. O processo de circulao uma fase da totalidade do processo de reproduo. Mas nem um valor, portanto, nenhuma mais-valia, produzida ao longo do processo de circulao. Produzem-se aqui apenas modificaes formais da mesma massa de valor, as quais se resumem de fato metamorfose das mercadorias que nada tm a ver com uma criao ou uma modificao de valor. Se uma mais-valia

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    em ver na produo industrial a nica medida do desenvolvimento da economia capitalista e de seu ciclo, embora o valor e a mais-valia sejam produzidos, em diferentes graus, em todos os setores.

    realizada durante a venda da mercadoria produzida porque esta ltima j a contm. (Marx, O Capital, Livro III Seo IV, Cap. XVI O capital comercial)

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    3. Trabalho produtivo, trabalho improdutivo e classes sociais

    Evidentemente, a distino entre trabalho produtivo e improdutivo no somente til de um ponto de vista cientfico, ela tambm importante em termos da ao poltica e da ttica, particularmente porque tambm em torno desta distino que se distribui a repartio da populao em classes sociais distintas, cujos interesses so diferentes e, no caso do proletariado e da burguesia, irredutivelmente opostos. Mais acima pudemos ver tambm como as formas modernas do salariado contribuem, em certos casos, para turvar as fronteiras e como certas partes do proletariado e/ou das classes mdias oscilam entre as duas categorias.

    Vimos as diferenas entre trabalho produtivo e trabalho improdutivo. Marx explica que, historicamente, as duas formas so impelidas a crescer: aumento do nmero de trabalhadores produtivos e paralelamente aumento (ainda mais rpido) do nmero de trabalhadores improdutivos.

    A tendncia geral desse movimento conduz ento a um acrscimo relativo da classe mdia em relao ao proletariado, o qual aumenta igualmente, mas somente em termos absolutos. Traando a perspectiva do desenvolvimento capitalista sob o efeito de um crescimento da produtividade do trabalho8, Marx escreve:

    Vamos supor que, graas produtividade da indstria, chegamos ao ponto em que apenas 1/3 da produo, no lugar dos 2/3 inicialmente, participa doravante diretamente na produo material. Um tero fornece, a partir de ento, as subsistncias para os 3/3, enquanto que antes 2/3 as forneciam para 3/3. Antes, 1/3 era de rendimento lquido (distinto do rendimento do operrio), agora so 2/3. Fazendo abstrao da oposio entre as classes, a nao teria necessidade agora no mais dos 2/3 como inicialmente, mas de 1/3 de seu tempo para a produo direta. Com uma repartio equitativa todo mundo teria 2/3 do tempo para dedicar aos trabalhos improdutivos, aos lazeres. Mas na produo capitalista tudo parece e de fato contraditrio. A hiptese no implica que a populao fique estacionria. Se houver um aumento dos 2/3, h igualmente aumento dos 1/3. Considerando a massa, um nmero cada vez maior poderia, portanto, estar ocupado no trabalho produtivo. Mas em termos relativos, em relao populao total, haveria sempre 50% menos que anteriormente. Esses 2/3 seriam ento compostos em parte por detentores do lucro e da renda, em parte por trabalhadores improdutivos (mal pagos devido igualmente concorrncia), os quais ajudariam os primeiros a consumir seu rendimento, mas lhes dando em troca um equivalente em servios, ou impondo-lhes seus servios, como os trabalhadores polticos improdutivos. Poderamos supor que com exceo dos bajuladores, soldados, marinheiros, agentes de polcia, funcionrios subalternos, etc., amantes, moo de estrebaria, palhaos, malabaristas esses trabalhadores improdutivos seriam, no conjunto, mais cultos do que os trabalhadores improdutivos anteriores e que, sobretudo, o nmero de artistas, msicos, advogados, mdicos, cientistas, professores, inventores, etc. mal pagos tambm aumentariam.

    8 Para no tornar o texto pesado, colocamos em anexo um comentrio detalhado desta citao.

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    No interior da classe produtiva, haveria aumento do nmero de intermedirios comerciais, mas, sobretudo, das pessoas empregadas na construo de mquinas, nas ferrovias, nas minas; assim como os trabalhadores agrcolas ocupados na criao do gado, os trabalhadores empregados na produo de matrias qumicas minerais para adubos; tambm aumentaria o nmero de agricultores que cultivam matrias primas para a indstria em relao aos que produzem vveres, e os que produzem alimentos para o gado aumentariam em relao aos que produzem alimentos para os homens (...) o nmero de operrios agrcolas diminuiria em relao aos operrios da manufatura. Enfim, os operrios de luxo aumentaro, pois com o aumento da renda haver mais consumo de produtos de luxo. (Marx, Teorias sobre a mais-valia Sobre o trabalho produtivo e improdutivo).

    Mas porque o capital desenvolveria o trabalho improdutivo, uma vez que ele, por definio, no lhe rende nada e mesmo custam-lhe despesas extras?

    Em primeiro lugar, ele obrigado a isso, pois uma parte de suas funes improdutivas lhe necessria para sua gesto, e tambm na esfera da circulao do capital, para realizar o capital e a mais-valia. No interior das empresas (a empresa sendo a forma jurdica moderna da unidade no interior da qual se efetua a produo e a reproduo da sociedade), constatamos o desenvolvimento constante de funes ligadas ao disciplinamento, superviso e realizao das funes teis para o capital como o marketing, a publicidade, a gesto, etc. Essas funes so mais ou menos parasitrias. O capital adiantado nessas atividades participa no estabelecimento da taxa de lucro mdia e, tanto aqui como l, ele procura racionalizar a ao dos trabalhadores empregados de maneira improdutiva.

    De outra parte, a hipertrofia do aparelho de Estado, necessrio para administrar e enquadrar o desenvolvimento da sociedade, pesa ao mesmo tempo gravemente sobre a rentabilidade global do capital donde o discurso recorrente sobre a necessidade de tirar as gorduras do aparelho de Estado.9

    preciso igualmente citar o desenvolvimento do capital fictcio e da renda fundiria que favorece o desenvolvimento de intermedirios improdutivos (agentes intermedirios, agentes imobilirios, especialistas em colocao, ...)

    No fundo do desenvolvimento de todas essas categorias reside o papel econmico que o de consumir, desperdiar, dilapidar a mais-valia, funo que a classe capitalista no pode efetuar plenamente, de um lado porque fica fisicamente limitada pelo nmero, e de outro porque fica dividida entre a paixo da acumulao e a paixo do consumo. O desenvolvimento desenfreado da fora produtiva do trabalho a conduz a desenvolver ao mesmo tempo em que a mais-valia a massa de mercadorias em propores considerveis (conflito valorizao/desvalorizao). Convm ento frear esta tendncia inerente acumulao, resultado obtido graas ao desenvolvimento das classes mdias modernas cujo papel social o de consumir esta mais-valia e,

    9 A Frana constitui um bom exemplo, onde os funcionrios representam 25% dos trabalhadores assalariados. Veja a clebre anlise de Marx sobre o desenvolvimento do estado na Frana em O 18 Brumrio de Luis-Napoleo Bonaparte.

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    por isto, limitar os efeitos da acumulao. O desenvolvimento dessas classes cada vez mais uma formidvel muralha econmica e social entre o capital e o trabalho.

    O que ele (Ricardo, N.D.R.) esquece-se de destacar, o crescimento constante das classes mdias que se encontram no meio, entre os operrios de um lado, o capitalista e o proprietrio fundirio do outro, as quais se alimentam diretamente no essencial, e em proporo cada vez maior, do rendimento, que pesam como um fardo sobre a classe operria aumentando a segurana e a potncia sociais das dez mil famlias mais ricas. (Marx, Teorias sobre a mais-valia Miscelneas ricardianas. Concluso de Ricardo.)

    O capital, ao longo do seu desenvolvimento, libera uma potncia enorme que incapaz de canalizar, uma potncia considervel que preciso dissipar, pois seno ela acabar explodindo a sociedade. Ele deve ento dilapid-la desenvolvendo o parasitismo, os trabalhos inteis. A classe mdia moderna, assalariada, tem como funo social, entre outras, a de fazer este papel de dilapidao da mais-valia. Assim, uma vantagem que retira o capital desse crescimento do trabalho improdutivo o de desenvolver uma classe mdia que, de uma parte lhe permite secar como uma esponja o excedente social ao estar centralizada no consumo, e de outra parte lhe serve de amortecedor social na luta das classes. A existncia e o desenvolvimento dessa classe intermediria de um novo tipo, distinta das antigas classes mdias produtivas foram antecipadas por Marx, mesmo se existem poucos elementos em sua obra sobre isto.

    Para Marx, a produo capitalista, com o desenvolvimento da produtividade do trabalho e da mais-valia relativa, (forma da mais-valia caracterstica da subordinao real do trabalho ao capital), tende a aumentar, relativamente, o trabalho improdutivo em relao ao trabalho produtivo, a massa daqueles que vivem do sobretrabalho, do produto lquido, em relao queles que vivem do trabalho necessrio.

    O ideal supremo da produo capitalista ao mesmo tempo em que ela aumenta de maneira relativa o produto lquido diminuir ao mximo possvel o nmero daqueles que vivem do salrio e aumentar ao mximo possvel o nmero daqueles que vivem do produto lquido. (Marx, Captulo indito do Capital A produo capitalista como produo de mais-valia)

    Tudo isso mostra igualmente a enorme presso que pesa sobre os ombros do proletariado. Vemos tambm a, imediatamente, que so possveis os formidveis ganhos de produtividade na sociedade futura abaixando simultnea e sensivelmente o tempo de trabalho , em particular, por exemplo, centralizando a produo, estourando os grilhes da empresa proprietria e generalizando o trabalho produtivo ao conjunto dos membros da sociedade.

    O desenvolvimento da fora produtiva do trabalho, na perspectiva de obter o mximo de mais-valia, tem como efeito aumentar a taxa e a massa de mais-valia produzida por operrio (permanecendo inalteradas todas as demais condies), ao mesmo tempo em que igualmente aumenta a quantidade de mercadorias fabricadas, e isto relativamente mais rpido. Na mesma ocasio torna-se possvel, correlativamente alta da explorao, a existncia de uma classe mdia que viver do sobretrabalho.

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    4. Consequncias tericas e prticas para o campo revolucionrio

    Nossos adversrios no tm em geral um gosto moderado pelo trabalho terico e nos passam com prazer uma imagem de tericos de gabinete. Para eles, o estudo do carter produtivo ou improdutivo do trabalho ou de tal ou qual categoria de trabalhador assemelha-se discusso sobre o sexo dos anjos. Ora, a questo do trabalho produtivo e improdutivo diz respeito definio do carter de classe de um movimento de massas, sendo uma questo crucial para determinar a atitude do partido do proletariado, especialmente, em relao s classes mdias modernas.

    Entretanto, historicamente a distino trabalho produtivo/trabalho improdutivo no corresponde totalmente distino proletariado/classes mdias antigas (artesos, camponeses, que no se nascem na base do modo de produo capitalista desenvolvido). Enquanto predomina a subordinao formal do trabalho ao capital, a sociedade ainda amplamente composta de camponeses, de artesos, cujo trabalho criador de valor. A teoria comunista considera-os como classes mdias, no sentido em que esto colocadas entre a burguesia e o proletariado. Estas classes mdias antigas produzem valor, mas no mais-valia. Elas diminuem constantemente em nmero, a exemplo dos lojistas ou de pequenos camponeses proprietrios. As classes mdias modernas no produzem nada. Elas aumentam em nmero, fazendo presso sobre o proletariado, como j mostramos mais acima na sequncia de Marx.

    Do mesmo modo que a ttica diante dessas classes (especialmente os camponeses) constituem uma cartada terica e prtica fundamental para todo o movimento comunista dos sculos 19 e 20, hoje os comunistas no podem chegar a um impasse sobre esta questo, nem se refugiar atrs do mito do carter produtivo da totalidade do assalariado, pois esta posio leva a graves desvios, como mostraremos logo abaixo.

    Na ttica defendida historicamente pelo partido comunista, o proletariado devia realizar a conquista e a adeso de uma parte dessas classes mdias antigas, como pudemos ver na revoluo russa no que diz respeito aos camponeses. Mas essas classes esto fadadas a diminuir consideravelmente com a expanso do modo de produo capitalista, o que a teoria previa e que foi verificada (por exemplo, tem-se hoje na Frana menos de 3% da populao ativa empregada na agricultura - onde a parte do assalariado crescente e este fenmeno foi amplamente antecipado nos pases de desenvolvimento capitalista mais moderno como a Inglaterra e a Alemanha). O declnio dessas antigas classes mdias, fator de conservadorismo na sociedade, podia ser visto como um fato positivo pelos revolucionrios. assim que Trotsky, por exemplo, em Terrorismo e comunismo, via nessas classes sociais um dos fundamentos da ideologia democrtica e explicava tambm o que ele via como declnio histrico da democracia.

    Por outro lado, o capitalismo moderno, com a predominncia da subordinao real do trabalho ao capital via crescer consideravelmente, em paralelo com o proletariado, as classes mdias assalariadas, que trabalham na esfera da distribuio, da administrao, pblica ou privada, quando no se trata de puros e simples parasitas. Assim, quando falamos de classes mdias do passado, inclumos tambm tanto elementos improdutivos (burocratas, empregados do comrcio) como produtivos (camponeses, artesos,...).

  • Robin Goodfellow

    Trabalho Produtivo e Improdutivo Pag. 18 de 27 28/02/2014

    Por isso que, nesta parte, abordaremos as consequncias s quais forosamente se chega quando se adota o ponto de vista de nossos adversrios, segundo os quais a imensa massa da populao que trabalha composta de trabalhadores produtivos.

    Parece mesmo que nossos contraditores no estejam conscientes da amplitude das consequncias tericas e polticas de suas posies. Para eles, de incio, simplesmente intil falar dessas velharias, desses conceitos obsoletos, tal discusso no teria mais razo de ser. Ora, se eles se dispuserem a prestar a ateno quando chegar o momento de um movimento de contestao social, seria interessante alert-los sobre as consequncias decorrentes do abandono desta distino (entre trabalho produtivo e trabalho improdutivo): nada menos do que o abandono de toda posio revolucionria.

    Quanto ao desafio prtico, a questo poderia muito pragmaticamente resumir-se a esta interrogao: onde est o inimigo? Se a condio do proletrio definida pelo montante do salrio, pelas condies de vida, se a distino entre trabalho produtivo e improdutivo no existe mais, ento o que o proletariado teria que abater uma pequena minoria de privilegiados, solidamente apoiados pela sua polcia e suas foras armadas. Uma vez que todo assalariado um proletrio, 90% da populao dos grandes pases modernos formam o corpo da revoluo.

    Ora, o que seria uma revoluo feita nessas condies?

    a) Ela poderia ser pouco violenta, uma simples oscilao das relaes de foras em um momento de crise social aguda. A minoria de improdutivos, aqui assimilada classe capitalista pura, poderia ser rapidamente subjugada ou, em todos os casos, ser colocada fora da condio em que pudesse prejudicar algum. A consequncia poltica aqui clara: esse ponto de vista empurra para o pacifismo, a conciliao, a rejeio da violncia revolucionria, para um partido comunista (oh perdo! no existe mais, evidentemente, a necessidade de partido), covarde nos seus discursos e nas suas aes.

    b) Ela seria antes de tudo um fato de conscincia e no o resultado de um processo histrico material produzido pelas evolues complexas da sociedade. Bastaria que a imensa massa dos proletrios (ou seja, na sua concepo, dos assalariados), amplamente majoritria, tornasse consciente de sua fora para tomar o poder. O principal trabalho dos revolucionrios seria a partir de ento argumentar, sem trgua, para convencer o proletariado da natureza de sua tarefa. Essa viso rompe totalmente com a teoria da alienao de Marx que mostra que somente a classe produtiva, na medida em que ela produz e reproduz materialmente o conjunto da sociedade, capaz de elaborar a teoria e de conduzir a prtica da demolio dessa sociedade. Na medida em que apenas o trabalho produtivo produz seu contrrio - o capital -, ele simultaneamente o nico a ser verdadeiramente alienado e o nico a poder destruir as condies dessa alienao. Se essa ao humanamente revolucionria, que: toda submisso do homem est implicada na relao do trabalhador com a produo e que todas as relaes de servido no so mais que variantes e consequncias desta relao. (Marx, Manuscritos de 1844). O objetivo histrico do proletariado no o de instaurar uma nova sociedade de classes, pois o desenvolvimento da base material da sociedade atingiu o nvel em que apenas a abolio das classes pode permitir um desenvolvimento social ulterior. Se, no seu movimento, o proletariado no poder vencer a no ser se for capaz de arrastar atrs dele a massa da classe mdia, por outro lado as revoltas destas so insuficientes para ameaar verdadeiramente a potncia do capital, pois elas no possuem a alavanca que permitiria revir-

  • Robin Goodfellow

    Trabalho Produtivo e Improdutivo Pag. 19 de 27 28/02/2014

    lo. Mas Marx dizia tambm, em outro contexto, que as classes mdias entregam ao proletariado o bilhete de entrada na cena da revoluo.

    c) Mas, sobretudo, no fundo, a negao do trabalho improdutivo queria dizer tambm que o comunismo no est maduro, pois mascara tambm o enorme avano da produtividade do trabalho, ela mesma mascarada pelo crescimento relativo do trabalho improdutivo. Nossos revolucionrios chegam tambm a dissimular e a negar a amplitude da explorao da qual o proletariado vtima. O enorme crescimento das taxas de produtividade desde a segunda guerra mundial no tem evidentemente o mesmo significado se o referenciarmos a 90% da populao ativa, considerada como produtiva, ou ao proletariado real. No primeiro caso temos uma constncia relativa da explorao, no segundo uma prova concreta da extraordinria intensidade de explorao que repousa sobre os ombros do proletariado. Renunciar distino entre trabalho produtivo e improdutivo, renunciar prpria ideia da explorao do proletariado.

    Mas de onde vem a possibilidade material do comunismo seno do crescimento potencialmente infinito da produtividade do trabalho no modo de produo capitalista?

    Se a base produtiva a que descrevem nossos adversrios, ento ela uma base limitada, ao contrrio das aparncias, pois ela repousa sobre uma maior quantidade de trabalhadores. Isso significa que a produtividade individual no to forte. Isso significa, sobretudo, que existe pouca possibilidade de aumentar socialmente essas margens de produtividade.

    Onde residiria ento a possibilidade de reduzir drasticamente o tempo de trabalho necessrio, condio do desenvolvimento social do indivduo atravs da expanso do trabalho livre?

    Se todo o trabalho atual, ou quase todo, produtivo, no vemos muito bem qual margem existiria para atingir um dos objetivos fixados, especialmente para o perodo de transio, de uma reduo do tempo de trabalho global de pelo menos a metade. Alm disso, isso significaria dizer que a capacidade de produo de riqueza da sociedade permaneceu em geral muito fraca, se esta capacidade for distribuda pelo conjunto da populao ativa assalariada e no somente sobre sua parte produtiva.

    Sobre tal base insuficiente, a socializao dos meios de produo e de troca no seria mais do que a diviso do que existe e no mais um salto qualitativo na direo de outra sociedade, salto assim descrito por Marx e Engels no "Manifesto do partido comunista":

    No lugar da antiga sociedade burguesa, com suas classes e seus antagonismos de classes, surge uma associao na qual o livre desenvolvimento de cada um a condio do livre desenvolvimento de todos.

    Em tal base, o projeto revolucionrio parece utopista, a no ser que nivele a sociedade, que pregue uma espcie de socialismo espartano que gerenciaria a penria. No por acaso que pululam malthusianos em parte da esquerda, os quais adotam todas as teses reacionrias dos ecologistas sobre a crtica do progresso tcnico, a necessidade do decrescimento (a identificao desta ideia est l, em Marx, por exemplo, mesmo se ele no emprega esta palavra). Relembremos que Marx considerava Malthus como um dos adversrios burgueses mais determinados contra o proletariado.

  • Robin Goodfellow

    Trabalho Produtivo e Improdutivo Pag. 20 de 27 28/02/2014

    Um pas tanto mais rico quanto mais reduzida for sua populao produtiva em relao ao produto total; isto tambm vale para o capitalista individual, pois quanto menos necessidade ele tiver de trabalhadores para produzir o mesmo excedente, melhor para ele. O pais tanto mais rico quanto mais reduzida for a populao produtiva em relao improdutiva, para a mesma produo. Pois o nmero relativamente fraco da populao produtiva no seria ento mais do que uma maneira de exprimir o grau relativo da produtividade do trabalho. (Marx, Teorias sobre a mais-valia Sobre o trabalho produtivo e improdutivo)

    Ao mesmo tempo, o fato de reconhecer que existem classes mdias, que estas classes mdias sejam improdutivas, no significa de maneira alguma que os revolucionrios devem ficar indiferentes vida social, ao desenvolvimento e histria destas classes que, por definio, no so, contrariamente ao proletariado, classes revolucionrias. Ao contrrio, a questo que se coloca a de saber como, ao menos as classes mdias inferiores (empregados, trabalhadores da distribuio e do comrcio, pequenos funcionrios...) sero levados a se inclinar para o lado do proletariado.

    Essa questo deve ser objeto de um trabalho aprofundado que ns nem mesmo comeamos aqui. O importante restituir inicialmente o quadro terico no qual ela pode ser estudada. No entanto, algumas questes especficas podem ser enunciadas.

    Vimos acima, conforme a teoria, que o corpo do trabalho produtivo cresce e o do trabalho improdutivo tambm, mas isto como tendncia e de maneira relativa. H ento uma parte do corpo social que referida pelos dois aspectos, portanto indecisa entre duas representaes, dois modos de vida, duas conscincias. Haveria explorao de uma parte e frenesi do consumo de outra (que o papel social da classe mdia moderna assalariada). Por outro lado, tem-se uma deteriorao da conscincia pela mercadoria e uma influncia da ideologia imediatista da classe mdia sobre o proletariado. Isso seria ento um fator simultaneamente negativo e positivo para a luta das classes.

    Qual dever ser a ttica do partido comunista na expresso dos interesses do proletariado alm da sua defesa material imediata?

    A adeso das classes mdias (ou pelo menos de uma parte delas) ser possvel na fornalha de um movimento revolucionrio, mas isto significar tambm que no movimento haver elementos hbridos e impuros importando sua ideologia. Donde a importncia da questo do partido, pois apenas ele pode forjar um ser coletivo superando as diferenas de classe em seu seio, ao mesmo tempo em que mantm a fora de uma viso histrica e de tradio revolucionria do proletariado. O proletariado no existe como classe seno quando se constitui em partido poltico.

    Em qual medida a ideologia socialista pequeno-burguesa, que o nvel de conscincia mais elevado que podem atingir essas classes mdias por si prprias, poderia lev-las ao limiar de uma adeso teoria do proletariado?

    Como, no perodo de transio ser abordada a questo da repartio das atividades, do aumento da produtividade do trabalho nos setores atualmente improdutivos para o capital, mas socialmente teis (com o objetivo de diminuir o tempo de trabalho)? Como se transformaro as atividades improdutivas para o capital em atividades produtivas para a nova sociedade? etc.

  • Robin Goodfellow

    Trabalho Produtivo e Improdutivo Pag. 21 de 27 28/02/2014

    Todas essas questes, e outras, so cruciais para o futuro do movimento revolucionrio. Elas merecem mais do que discusses aproximativas: um verdadeiro trabalho terico de aprofundamento e de desenvolvimento dos conceitos da teoria revolucionria.

  • Robin Goodfellow

    Trabalho Produtivo e Improdutivo Pag. 22 de 27 28/02/2014

    Anexo: Comentrio da citao da pgina 14

    Vamos supor que, graas produtividade da indstria, chegamos ao ponto em que apenas 1/3 da produo, no lugar dos 2/3 inicialmente, participa doravante diretamente na produo material. Um tero fornece, a partir de ento, as subsistncias para os 3/3, enquanto que antes 2/3 as forneciam para 3/3. Antes, 1/3 era de rendimento lquido (distinto do rendimento do operrio), agora so 2/3. Fazendo abstrao da oposio entre as classes, a nao teria necessidade agora no mais dos 2/3 como inicialmente, mas de 1/3 de seu tempo para a produo direta. Com uma repartio equitativa todo mundo teria 2/3 do tempo para dedicar aos trabalhos improdutivos, aos lazeres. Mas na produo capitalista tudo parece e de fato contraditrio. A hiptese no implica que a populao fique estacionria. Se houver um aumento dos 2/3, h igualmente aumento dos 1/3. Considerando a massa, um nmero cada vez maior poderia, portanto, estar ocupado no trabalho produtivo. Mas em termos relativos, em relao populao total, haveria sempre 50% menos que anteriormente. Esses 2/3 seriam ento compostos em parte por detentores do lucro e da renda, em parte por trabalhadores improdutivos (mal pagos devido igualmente concorrncia), os quais ajudariam os primeiros a consumir seu rendimento, mas lhes dando em troca um equivalente em servios, ou impondo-lhes seus servios, como os trabalhadores polticos improdutivos. Poderamos supor que com exceo dos bajuladores, soldados, marinheiros, agentes de polcia, funcionrios subalternos, etc., amantes, moo de estrebaria, palhaos, malabaristas esses trabalhadores improdutivos seriam, no conjunto, mais cultos do que os trabalhadores improdutivos anteriores e que, sobretudo, o nmero de artistas, msicos, advogados, mdicos, cientistas, professores, inventores, etc. mal pagos tambm aumentariam.

    No interior da classe produtiva, haveria aumento do nmero de intermedirios comerciais, mas, sobretudo, das pessoas empregadas na construo de mquinas, nas ferrovias, nas minas; assim como os trabalhadores agrcolas ocupados na criao do gado, os trabalhadores empregados na produo de matrias qumicas minerais para adubos; tambm aumentaria o nmero de agricultores que cultivam matrias primas para a indstria em relao aos que produzem vveres, e os que produzem alimentos para o gado aumentariam em relao aos que produzem alimentos para os homens (...) o nmero de operrios agrcolas diminuiria em relao aos operrios da manufatura. Enfim, os operrios de luxo aumentaro, pois com o aumento da renda haver mais consumo de produtos de luxo. (Marx, Teorias sobre a mais-valia Sobre o trabalho produtivo e improdutivo).

    Marx, na citao acima, compara a sociedade em dois momentos diferentes. Nos dois casos temos que nos haver com uma reproduo simples do capital social, ou seja, que supomos o consumo do conjunto da mais-valia para fins individuais; nenhuma frao de mais-valia acumulada.

    Podemos tentar ilustrar mais precisamente o exemplo dado por Marx e as relaes entre as classes que ele induz. Admitamos que no tempo 1 o nmero de proletrios seja de 10 milhes de indivduos. Eles representam 2/3 da populao empregada e, portanto, as outras classes que vivem do sobretrabalho so constitudas de 5 milhes de indivduos. , certamente suposto, como fez Marx na quase totalidade de suas anlises, que a produo capitalista

  • Robin Goodfellow

    Trabalho Produtivo e Improdutivo Pag. 23 de 27 28/02/2014

    domina o conjunto dos ramos de atividade, que temos aqui um capitalismo puro. Nesse contexto postulamos que o salrio mdio do proletariado e o salrio mdio das outras classes so idnticos, hiptese particularmente favorvel ao proletariado.

    Como a mais-valia inteiramente consumida, a relao entre as classes equivalente taxa de mais-valia. Ento, a taxa de mais-valia se eleva a 5/10 (ou 0,5). A mais-valia materializa-se exclusivamente no rendimento das outras classes da sociedade. Se cada proletrio trabalha 2.000 horas por ano, a massa de trabalho vivo de 2.000 x 10.000.000, ou seja, 20 bilhes de horas de trabalho (20 x 109). Nestas 20 bilhes de horas, 2/3 servem reproduo da fora de trabalho da classe produtiva e o tero restante conservao das outras classes. Supondo que o valor do capital constante (trabalho morto) seja igualmente de 20 bilhes de horas de trabalho, o valor total da produo ser de 40 bilhes de horas (trabalho morto + trabalho vivo).

    Qual a taxa de lucro?

    Seja t a taxa de mais-valia, p a taxa de lucro, mv a massa de mais-valia, c o valor do capital constante, v o valor do capital varivel e n a composio orgnica do capital (n = c/v). O trabalho vivo (v + mv) fornecido pela classe proletria repartido da maneira seguinte: 2/3 para v (a proporo do proletariado na sociedade), ou seja, 13,3 bilhes de horas de trabalho, e 1/3 para mv (a proporo das classes que vivem do sobretrabalho), ou seja, 6,7 bilhes de horas de trabalho. Temos ento:

    2

    3

    10203

    2

    1020

    9

    9

    v

    cn , portanto 2,0

    5

    1

    12

    32

    1

    11

    v

    c

    t

    v

    cv

    mv

    vc

    mvp

    Com uma taxa de mais-valia de 1/2 e uma composio orgnica de 3/2 a taxa de lucro seria de 20%.

    Marx no considera, de maneira geral, uma diminuio do nmero absoluto de proletrios (o que no impede que tal diminuio possa existir em um ou outro ramo). Consequentemente, as classes mdias salariadas aumentam como quer a teoria, e este aumento se faz, conforme igualmente teoria, de maneira relativa em relao ao proletrio. Isso implica um crescimento tendencialmente mais rpido das classes mdias em relao ao crescimento dos trabalhadores produtivos. Podemos constatar, tanto nesse ponto como em numerosos outros, a validade integral da previso da teoria comunista.

    Isso significa tambm que uma parte crescente da mais-valia destinada manuteno das classes que vivem sobre as costas do proletariado, enquanto aumenta a prpria mais-valia, testemunho do crescimento da explorao do proletariado.

    Suponhamos que no tempo 2 o nmero de proletrios seja de 12 milhes de indivduos. Eles representam agora 1/3 da populao ocupada contra 2/3 precedentemente, o que supe que as outras classes compreendem agora 24 milhes de indivduos. Enquanto a classe produtiva aumentou de 20% (de 10 milhes para 12 milhes), as classes mdias foram multiplicadas aproximadamente por 5 (de 5 milhes para 24 milhes). A taxa de mais-valia doravante de

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    2, conforme a relao entre a populao improdutiva e a populao proletria (isto , t = mv / v = (2/3) / (1/3) = 2). Ela foi ento multiplicada por 4 (de 0,5 para 2). No mesmo tempo, a populao ocupada mais que dobrou, passando de 15 a 36 milhes de indivduos. Nesse caso particular, em que comparamos dois estgios da sociedade baseados na reproduo simples, a parte da mais-valia consumida na mais-valia total sempre de 100%. A mais-valia suplementar obtida graas ao acrscimo da taxa de mais-valia e graas ao aumento do nmero de proletrios (massa de mais-valia) sempre destinada exclusivamente sustentao das classes improdutivas.

    Temos ento, no tempo 2, um progresso da produo capitalista que implica,

    ao mesmo tempo tanto uma diminuio crescente do capital varivel em relao ao capital constante, como uma composio orgnica sempre mais elevada do capital total. A consequncia imediata disto que a taxa de mais-valia se exprime em uma taxa de lucro geral incessantemente decrescente e que o grau de explorao permanece inalterado, ou mesmo aumenta. (...) Assim, a tendncia crescente queda da taxa de lucro geral simplesmente uma maneira, prpria ao modo de produo capitalista, de traduzir o progresso da produtividade social do trabalho. (Marx, O Capital, III, 3 Seo: Lei da queda tendencial da taxa de lucro, cap. XIII Natureza da lei).

    Qual deve ser o nvel da composio orgnica para que a taxa de lucro caia?

    Para que, no tempo 2, a taxa de lucro seja idntica daquela do tempo 1 (20%) a composio orgnica deve ser igual a:

    11

    n

    t

    v

    cv

    mv

    vc

    mvp , tppn , e 1

    p

    tn

    Sabemos que t = 2 e que p = 0,2. Consequentemente:

    912,0

    2n

    Por conseguinte, para que a taxa de lucro caia a composio orgnica deve ser superior a 9.

    Supondo uma composio orgnica de 10, obtemos uma taxa de lucro de 110

    2

    p = 2/11,

    ou seja, aproximadamente 18%. A composio orgnica foi, portanto, nas nossas hipteses, multiplicada por mais de 6 (ela era de 1,5 no tempo 1).

    Se supusermos que a durao e a intensidade do trabalho mantm-se constantes ou que o aumento da intensidade compensado por uma reduo da durao do trabalho, podemos deduzir o valor representado pelo trabalho vivo. A populao proletria fornece 24 bilhes de horas de trabalho direto. O capital varivel representa 1/3 desta massa (proporo da populao proletria na populao empregada), ou seja, 8 bilhes de horas de trabalho. Consequentemente, a mais-valia representa um total de 16 bilhes de horas de trabalho.

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    Trabalho Produtivo e Improdutivo Pag. 25 de 27 28/02/2014

    A relao do trabalho vivo em relao ao trabalho morto corresponde em Marx, no caso da reproduo simples, relao entre as duas grandes sees do capital produtivo descritas no livro II do Capital, a saber: o setor dos meios de produo e o setor de meios de consumo individuais. Com efeito, na reproduo simples a troca entre os setores I (meios de produo) e II (meios de consumo individuais) dada pela equao: cII = vI + mvI,, em que cII o capital constante da seo II, vI e mvI so, respectivamente, o capital varivel e a mais-valia da seo I. Como o capital da seo II vale cII + vII + mvII , ou vI + mvI + vII + mvII, segue-se que o valor da produo da seo II igual a da totalidade do trabalho vivo nas duas sees. O valor da produo social igual a soma dos valores da produo nas duas sees. Ento, o valor da produo da seo I igual a cI + cII, isto , igual totalidade do trabalho morto das duas sees. Segue-se que a relao entre as duas sees igual a relao do trabalho vivo em relao ao trabalho morto.

    No nosso exemplo, qual esta relao?

    Lembremos que no tempo 1 o valor correspondente ao trabalho vivo era de 20 bilhes de horas de trabalho e o valor do capital constante (trabalho morto) era tambm de 20 bilhes de horas de trabalho. A relao entre os dois valores ento de 1. No tempo 2, o trabalho vivo representa 24 bilhes de horas de trabalho. O valor do capital constante pode ser facilmente calculado: n = c/v e c = nv = 10 8 109, ou seja, 80 bilhes. A relao entre o trabalho vivo e o trabalho morto de 24/80, ou 0,3.

    Como vimos no tempo 2, a parte da classe produtiva no mais que a tera parte do valor criado pelo trabalho vivo (24 bilhes de horas de trabalho), isto , 8 bilhes. Por ocasio da etapa precedente (tempo 1), ela era de 2/3 deste valor (20 bilhes de horas de trabalho), ou 13,3 bilhes. O aumento da explorao foi tal que o valor absoluto da fora de trabalho social diminuiu, apesar do aumento do nmero de trabalhadores produtivos.

    Nesse exemplo, que reproduz estritamente as hipteses colocadas por Marx na citao estudada, todas as condies so favorveis ao proletariado (salrio mdio idntico para a classe produtiva e improdutiva, nenhum capital constante10 utilizado pelas classes improdutivas neste caso haveria a necessidade de adicion-lo mais-valia). Esses elementos, mesmo que eles estejam ligados a um exemplo particular por ns elaborado, mostram que a hiptese de Marx repousa sobre condies extremas. Com efeito, se uma diminuio absoluta e estrutural da massa de salrios no est, a priori, em contradio com a teoria geral de Marx, todavia ela uma hiptese na qual a realizao submetida s circunstncias que podemos qualificar de excepcionais.

    No nosso exemplo, supomos uma composio orgnica de 10. Isso conduz a um valor de 80 bilhes para o capital constante e, portanto, um valor da produo de 104 bilhes de horas de trabalho (c + v + mv = 80 + 8 + 16 = 104). O valor do capital constante foi ento

    10 Do ponto de vista estritamente cientifico, os conceitos de capital constante, capital varivel, etc. no se aplicam ao trabalho improdutivo. Faz parte do desenvolvimento da teoria revolucionria forjar conceitos ad hoc para dar conta desses fenmenos cujas consequncias tericas e prticas so considerveis (por exemplo, o capital constante utilizado de maneira improdutiva exemplo, o computador do contador ou do comerciante retirado da mais-valia).

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    Trabalho Produtivo e Improdutivo Pag. 26 de 27 28/02/2014

    multiplicado por 4 (ele era de 20 bilhes inicialmente), o valor da produo por 2,6 (ele era de 40 bilhes inicialmente), e o valor criado pelo trabalho vivo por apenas 1,2 (ele era de 20 bilhes inicialmente). Esses exemplos numricos so suficientes para ilustrar uma parte do raciocnio de Marx, a saber: aumento do nmero de operrios empregados na produo do capital constante, orientao mais marcada da agricultura como produtora de matrias primas, aumento do nmero de operrios empregados na produo de meios de consumo para outras classes e, portanto tambm, produo de bens de luxo.

    Na hiptese de Marx no apenas o nvel de vida mdia no diminuiu como tem mesmo a tendncia de se elevar, como testemunham as perspectivas para a criao de gado e, portanto, para o consumo de carne, assim como para o aumento dos produtos de luxo. Nessas condies, podemos supor que o nvel de vida do proletariado igualmente aumente (o aumento do salrio real, sem que, no entanto, caia a taxa de mais-valia, igualmente uma possibilidade aberta para a subordinao real do trabalho ao capital). Nesta hiptese, o nvel da produtividade teria ento feito um salto extraordinrio.

    Em nosso exemplo, toda a mais-valia adicional serve sustentao da populao improdutiva, o que se traduz em um aumento considervel da classe mdia moderna. Trata-se ento de um aumento mximo possvel para um dado aumento da mais-valia11. Seno, para obter tal relao entre as classes produtivas e improdutivas, necessrio ter em vista um aumento da mais-valia e da produtividade do trabalho ainda maior do que aquele aqui suposto.

    No exemplo, no tempo 1 a populao improdutiva era de 5 milhes de indivduos, enquanto que no tempo 2 ela de 24 milhes, ou seja, um crescimento de 380%. A massa de mais-valia era em torno de 6,7 bilhes de horas de trabalho. No tempo 2, ela sobe para 16 bilhes, ou seja, um crescimento de 140%.

    Desse ponto de vista as taxas de crescimento no so iguais. Se compararmos as variaes dos elementos estudados de um ponto de vista estritamente quantitativo, podemos observar que a taxa de crescimento da mais-valia idntica taxa de crescimento da populao total, que passou de 15 milhes de indivduos para 36 milhes, ou seja, 140%.

    Este exemplo, apesar de suas hipteses restritivas, particularmente instrutivo sobre a maneira com que Marx previa a evoluo social: produtividade crescente do trabalho que se traduz por uma diminuio relativa, mas no absoluta do proletariado. Aqui, o recuo pode ser tal que o proletariado, no exemplo, no represente mais a maioria da populao empregada.

    11 Com efeito, admitimos um valor mdio da fora trabalho idntico para os proletrios e as outras classes. Ora, mesmo se pudermos esperar, com o desenvolvimento do modo de produo capitalista, uma aproximao relativa das condies de vida entre o proletariado e uma grande parte da classe mdia moderna, o nvel de vida mdio das classes superiores ser mais elevado. Consequentemente, para uma mesma massa de salrio, mais operrios sero empregados relativamente classe mdia.

    Por outro lado, o exemplo de Marx repousa sobre dois momentos da sociedade que conhece a reproduo simples do capital. Se a composio orgnica no interior do trabalho improdutivo aumenta, a parte do capital constante tambm aumenta. No discutimos aqui as modalidades da transio de um momento para o outro.

  • Robin Goodfellow

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    Por outro lado, a citao enfatiza claramente que o progresso da produtividade do trabalho se traduz pelos seguintes fatos:

    1/ aumento do nmero de operrios empregados na produo de capital constante;

    2/ diminuio relativa e, na maior parte do tempo, absoluta do nmero de operrios agrcolas;

    3/ atividade da agricultura vinculada cada vez mais ao departamento I: o departamento dos meios de produo;

    4/ desenvolvimento da criao de gado;

    5/ idem para as indstrias necessrias agricultura (fertilizantes, etc.);

    6/ idem para a produo de luxo.

    Essas modificaes na composio da populao produtiva traduzem um forte crescimento das foras produtivas do trabalho e a possibilidade, assim como a necessidade, na base da produo capitalista, de uma classe mdia cujos componentes mais modernos citados acima tm relao com o desenvolvimento da cincia (pesquisadores, inventores, professores), correspondendo ao engenheiro e ao tcnico da populao produtiva, dos quais Marx fala a propsito da oficina coletiva, do operrio coletivo da submisso real do trabalho ao capital. Marx cita igualmente profisses intelectuais diversas, particularmente ligadas aos lazeres (palhaos, malabaristas, msicos, artistas, ...). Seria necessrio acrescentar, pois no so citadas aqui, as profisses ligadas esfera da circulao do capital, sobre as quais Marx faz uma anlise no livro III do Capital. A essas fraes mais modernas se juntam elementos mais clssicos, como os funcionrios, as foras armadas, os trabalhadores domsticos, etc.

    Como vemos, a composio social dos pases capitalistas desenvolvidos no incio do sculo 21 se desvia muito pouco do que havia sido previsto por Marx nos anos 1860. Enquanto Bernstein analisava o desenvolvimento das classes mdias assalariadas como um desmentido teoria de Marx, vemos ao contrrio um testemunho a mais da potncia e da validade da teoria revolucionria!