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A RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR DANOS CAUSADOS A SEUS AGENTES PARTICULARES EM COLABORAÇÃO COMPULSÓRIA Autor: Flávio Henrique Salomão Neto – Professor de Direito Administrativo, Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais. SUMÁRIO: 1. ASPECTOS GERAIS; 2. RESPONSABILIDADE CIVIL; 2.1 TEORIAS SOBRE A RESPONSABILIDADE; 2.1.1 RESPONSABILIDADE OBJETIVA; 2.1.2 RESPONSABILIDADE SUBJETIVA; 2.1.3 TEORIA CONTRATUAL; 2.1.4 TEORIA EXTRACONTRATUAL 3. AGENTE PÚBLICO; 3.1 CLASSIFICAÇÃO; 3.1.1 JURADOS; 3.1.2 MESÁRIOS; 4. ATO ADMINISTRATIVO; 4.1 ELEMENTOS E/OU REQUISITOS; 5. CONCLUSÃO; 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS; 7 NOTAS. RESUMO: O presente trabalho tem por fim apresentar nuances da responsabilidade do Estado, mormente deste para com aqueles que não são seus servidores, mas que, por uma circunstância, foram convocados ou se alistaram voluntariamente para prestar serviços públicos de alta relevância, quais sejam, os de jurados no Tribunal do Júri e de mesários nas eleições. Há, no nosso entender, um vínculo jurídico entre o Estado e esses agentes, a partir do momento em que ele, o Estado, confia a esses particulares uma função pública. No entanto, se os deveres desses são muitos e amplamente decantados, os direitos são mínimos, previstos em ordenamentos esparsos. É por conta

Trabalho Responsabilidade Civil Do Estado - 2011

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A RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR DANOS CAUSADOS A

SEUS AGENTES PARTICULARES EM COLABORAÇÃO

COMPULSÓRIA

Autor: Flávio Henrique Salomão Neto – Professor de Direito Administrativo,

Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais.

SUMÁRIO:

1. ASPECTOS GERAIS; 2. RESPONSABILIDADE CIVIL; 2.1 TEORIAS SOBRE A

RESPONSABILIDADE; 2.1.1 RESPONSABILIDADE OBJETIVA; 2.1.2

RESPONSABILIDADE SUBJETIVA; 2.1.3 TEORIA CONTRATUAL; 2.1.4 TEORIA

EXTRACONTRATUAL 3. AGENTE PÚBLICO; 3.1 CLASSIFICAÇÃO; 3.1.1

JURADOS; 3.1.2 MESÁRIOS; 4. ATO ADMINISTRATIVO; 4.1 ELEMENTOS E/OU

REQUISITOS; 5. CONCLUSÃO; 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS; 7 NOTAS.

 

RESUMO:

O presente trabalho tem por fim apresentar nuances da responsabilidade

do Estado, mormente deste para com aqueles que não são seus servidores, mas

que, por uma circunstância, foram convocados ou se alistaram voluntariamente para

prestar serviços públicos de alta relevância, quais sejam, os de jurados no Tribunal

do Júri e de mesários nas eleições. Há, no nosso entender, um vínculo jurídico entre

o Estado e esses agentes, a partir do momento em que ele, o Estado, confia a esses

particulares uma função pública. No entanto, se os deveres desses são muitos e

amplamente decantados, os direitos são mínimos, previstos em ordenamentos

esparsos. É por conta dessa preocupação que procuramos pesquisar para ver até

onde vai essa responsabilidade, buscando nos ensinamentos doutrinários e

jurisprudenciais as bases para uma sustentação coesa. Uma decisão do Tribunal de

Justiça do Estado de Minas Gerais no Processo de n° 1.0024.03.983101-1/001(1) [1]

despertou-nos o interesse por tema tão intrigante.

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1. ASPECTOS GERAIS

Muito nos tem chamado atenção a figura do particular que atua como

Agente Público por Colaboração, seja ela compulsória, como nos casos dos

mesários nas eleições e dos jurados, no Tribunal do Júri e no Serviço Militar, seja

ela voluntária, como nos casos daqueles que atuam em Conselhos municipais de

saúde ou Conselhos tutelares, ou, até mesmo, em campanhas. É certo que os atos

praticados por esses agentes, são atos públicos, alguns tidos como administrativos,

sujeitos aos princípios e normas que regem a Administração Pública.

No presente estudo, vamos nos ater àqueles que atuam

compulsoriamente, especificamente, os jurados e mesários.

Existem determinadas funções estatais que o Estado não tem como

exercer através de seus próprios servidores, pela natureza da função e pela

vedação legal, como no caso do Tribunal do Júri – onde esse júri deve ser popular,

formado por cidadãos daquela sociedade – e como no caso da realização de pleitos

eleitorais, com a utilização de cidadãos que atuarão nas mesas receptoras de votos.

O Estado tem o poder de convocar esses particulares para o exercício dessas

funções. E assim o faz, buscando na sociedade pessoas capazes de suprir essas

suas necessidades. Uma vez convocado, só resta a esse cidadão atender ao

chamamento.

Muito bem. O Estado faz uso dessa mão-de-obra, sem remuneração,

mesmo atribuindo alguns direitos a esse particular, como, no caso dos jurados, que

não recebem qualquer remuneração, ou ajuda de custo, mas têm alguns benefícios

legais: não podem sofrer descontos salariais em função de seu trabalho no Tribunal

do Júri; têm presunção de idoneidade moral e preferência, em igualdade de

condições, em concorrências públicas (não em concursos públicos); e também têm

direito a prisão especial, em caso de crime comum, até o julgamento definitivo, ou no

caso do mesário: a dispensa do serviço, mediante declaração expedida pela Justiça

Eleitoral, sem prejuízo do salário, vencimento ou qualquer outra vantagem, pelo

dobro dos dias trabalhados nas eleições, conforme art. 98, da Lei 9.504/97, e a

prerrogativa da utilização da prestação de serviços à Justiça Eleitoral como critério

de desempate em concurso público (desde que haja essa previsão no Edital).

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Se da atuação desse agente pode advir uma responsabilização do Estado,

conforme disposto no art. 37, § 6°, da Constituição Federal [2]; se esse agente pode

responder administrativa, civil e penalmente perante o Estado pela sua conduta; se

ele é equiparado a funcionário público para fins penais, conforme prevê o art. 327 do

Código Penal [3], não é difícil deduzir que o Estado também tem responsabilidades

para com esse agente. Então, como é que fica, por exemplo, aquela pessoa que

trabalha no comércio, mas, porque foi convocado pela Justiça Eleitoral, foi trabalhar

naquele domingo de eleições e, para seu azar, sofreu um acidente quando estava

transportando a urna, após o término das votações? Ou aquele que, também

trabalhando no comércio, onde ganha comissão sobre vendas, convocado que foi

para atuar no Tribunal do Júri, sofreu uma agressão física após julgamento do qual

fizera parte, ao simples pensar, pelo agressor, de que fora ele quem condenara o

réu, já que, pelas sábias palavras do Excelentíssimo Senhor Juiz de Direito, eram os

jurados “os juízes de fato”, e ele, o agredido, era um deles? E se esses fatos os

incapacitaram para suas atividades laborais? Atendendo ao chamamento da Justiça

Eleitoral ou do Tribunal de Justiça, eles se tornaram agentes públicos, ainda que,

conforme nos ensina Celso Antônio Bandeira de Mello [4], “em caráter episódico”.

Aí surgem as indagações: é certo o Estado se desobrigar perante esse

agente de eventuais danos por ele sofridos em razão do exercício dessa função? É

certo o Estado transferir o ônus para o órgão ou empresa onde aquele cidadão

trabalha? Entendemos que não, pois se ele não tivesse sido convocado para esse

mister, estaria no seu ambiente de trabalho, ou em casa, menos ali. Então, se algo

lhe acontece no exercício da função, o Estado há que responsabilizar-se. A

convocação para atuar como jurado ou como mesário, já que requisitados são,

assemelha-se à requisição administrativa, e, como nesta, haverá indenização

posterior, se, de forma justificada, o requisitado sofrer algum dano, ou seja, se

houver um nexo de causalidade.

Teríamos aí um acidente de trabalho? Seria, nesses casos,

responsabilidade civil do Estado por ato contratual ou extracontratual? Seria objetiva

ou subjetiva essa responsabilidade?

2. RESPONSABILIDADE CIVIL

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Viver em sociedade faz com que tenhamos um complexo de relações

ensejadas por interesses de toda ordem. Quando um interesse protegido pelo direito

é injustamente lesionado, é necessário que haja o seu ressarcimento por quem o

feriu.

A antiga tendência, hoje já consagrada, de não se permitir que a vítima de

atos ilícitos deixe de ser ressarcida dos prejuízos que lhes são causados, evoluiu,

sobremaneira, com o advento do atual Código Civil brasileiro, que trata da matéria

em seus artigos 186, 187 e 927 e ss [5].

É a chamada responsabilidade civil, tema hoje por demais debatido em

seminários, congressos, conferências, aulas etc.

Segundo De Plácido e Silva [6], responsabilidade vem de “responsável, de

responder, do latim respondere, tomado na significação de responsabilizar-se, vir

garantindo, assegurar, assumir o pagamento do que se obrigou ou do ato que

praticou”. A responsabilidade civil, segundo ensinamento do mesmo autor, “designa

a obrigação de reparar o dano ou de ressarcir o dano, quando injustamente causado

a outrem”.

É certo que o que se procura na responsabilização, é uma indenização

correspondente ao dano sofrido. Não há se procurar com a indenização um

enriquecimento ilícito. A indenização tem que ser a suficiente para trazer o

indenizado ao estado anterior (rebus sic stantibus), ou seja, todos temos que estar

num mesmo patamar, e assim sermos tratados. A partir do momento em que alguém

é desnivelado por ato de outrem, sofrendo com isso um dano, pode surgir o direito a

uma indenização.

Sintetizando a conceituação desse instituto, Maria Helena Diniz [7]

asseverou que: "poder-se-á definir a responsabilidade civil como a aplicação de

medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a

terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde,

ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda (responsabilidade subjetiva), ou,

ainda, de simples imposição legal (responsabilidade objetiva)".

O estudo da responsabilidade civil relacionado à teoria dos atos ilícitos

tinha razão de ser no sistema das relações econômicas de épocas ultrapassadas.

Hoje o número e a medida dos danos, que não podem ser reconduzidos ao fato

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voluntário de uma pessoa, aumentaram consideravelmente e assim tiveram de

encontrar substancial compensação. Segundo o saudoso Orlando Gomes [8] “Nem

todas as pessoas que causam prejuízos a outrem estão obrigadas a indenizá-lo.

Nem todo dano deve ser ressarcido. É preciso saber, pois, em que circunstâncias

nasce a obrigação de reparar o dano causado e que prejuízos são indenizáveis”.

2.1 TEORIAS SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL

Dentre as várias teorias adotadas para o estudo da responsabilidade civil,

versaremos primeiramente sobre duas: a da responsabilidade objetiva e a da

responsabilidade subjetiva. Depois, trataremos da Teoria Contratual e da Teoria

Extracontratual.

2.1.1 Responsabilidade Objetiva

A regra geral da responsabilidade civil continua sendo a  da culpa

subjetiva, também conhecida por “Culpa  Aquiliana” - qualificação que vem do

tribuno romano Achilus Gallo, no ano de 286  a. C.  A teoria da culpa aquiliana tem

por base a Lex Aquilia, do Direito Romano, que tratava da reparação dos danos

causados às coisas alheias. Era também chamada de teoria extracontratual ou de

culpa delitual. Isto é, para que o ofendido obtenha judicialmente uma reparação dos

danos sofridos, tem ele que provar esses  prejuízos e mais, que ocorreram por culpa

do ofensor.

Entretanto, foi introduzida, no Parágrafo único, do artigo 927, do Código

Civil brasileiro, a previsão legal de que “Haverá a obrigação de reparar o dano,

independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a

atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza,

risco para os direitos de outrem”. (Grifo nosso)

A mudança importante é de que a idéia de culpa é substituída pela do 

risco assumido pela atividade exercida.

Nesses casos, a  obrigação de indenizar não depende da prova da culpa,

porque o direito decorre do tipo de atividade exercida pelo causador do dano e não

da sua culpa pelo prejuízo causado.

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2.1.2 Responsabilidade Subjetiva

Diz-se subjetiva a responsabilidade quando se baseia na culpa do agente,

que deve ser comprovada para gerar a obrigação indenizatória. A responsabilidade

do causador do dano, pois, somente se configura se ele agiu com dolo ou culpa.

Trata-se da teoria clássica, também chamada teoria da culpa ou subjetiva, segundo

a qual a prova da culpa lato sensu (abrangendo o dolo) ou stricto sensu se constitui

num pressuposto do dano indenizável.

2.1.3 Teoria Contratual

Em sentido amplo, quer a expressão exprimir a obrigação assumida pelas

partes contratantes, em virtude da qual se acham no dever de fazer ou cumprir tudo

aquilo que tenham convencionado ou ajustado. Desse modo, evidenciada a

responsabilidade contratual da parte, quando não cumpre a obrigação a que está

sujeita, pode ser compelida pela outra a cumpri-la, sob pena de responder pelos

danos, que lhe possam ser causados.

Em sentido especial, entende-se a obrigação de indenizar ou de ressarcir

os danos causados pela inexecução de cláusula contratual ou pela má execução da

obrigação, nela estipulada. Assim sendo, a responsabilidade, além de fixar a

obrigação que não foi cumprida, determina a obrigação de ressarcir o dano,

conseqüente do inadimplemento ou má execução da obrigação contratual.

Nesta teoria, através de uma cláusula implícita no contrato de trabalho, o

empregador protegia o empregado no caso de acidente do trabalho, cuidando assim

de sua segurança, e se não o fizesse estaria o empregador sujeito a pagar uma

indenização. Com isso houve uma inversão do ônus da prova, ou seja, havia uma

presunção da culpa do empregador, mas esta era uma presunção juris tantum. Mas,

mesmo assim, o empregado ainda estava desprotegido, pois o empregador às vezes

burlava a verdade, falando que adotava todas as medidas necessárias para

prevenção de acidentes, e na verdade não as fazia.

Inicialmente a responsabilidade do empregador, relativamente aos

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acidentes de trabalho era subjetiva, devendo ser comprovada sua culpa para que se

determinasse sua responsabilização, cabendo à vítima o ônus da prova.

A evolução teórica, que fundamenta a proteção aos empregados em

acidentes de trabalho, nos mostra que devido à inserção de uma cláusula contratual,

o empregador deveria velar pela segurança do empregado, sujeitando-se ao

pagamento de uma indenização, caso procedesse de maneira diversa e fosse o

empregado vítima de algum acidente em seu local de trabalho.

2.1.4 Teoria Extracontratual

A obrigação de indenizar o dano causado pode surgir: a) do

inadimplemento de obrigação negocial ou ex lege; b) da lesão a direito subjetivo,

sem que entre o ofensor e a vítima preexista qualquer relação jurídica. Na primeira

hipótese, diz-se que a responsabilidade é contratual; na segunda, extracontratual ou

delitual, também chamada de “culpa aquiliana” - vem do Direito Romano, da

chamada Lex Aquila, que se referia à reparação de danos causados às coisas

alheias. Nas duas, a lei impõe ao autor do dano uma obrigação que tem por objetivo

a prestação de indenização. Embora tal obrigação seja a mesma, diferem as duas

espécies de responsabilidade, notadamente quanto ao fundamento, à razão de ser e

ao ônus da prova.

A responsabilidade extracontratual é tradicionalmente o aspecto mais

interessante da teoria dos atos ilícitos, mas a tendência moderna, para alargar o

campo das obrigações de indenizar danos sofridos pelas pessoas não ligadas por

uma relação jurídica anterior, dilata erroneamente a órbita da responsabilidade

delitual propriamente dita, atraindo casos nos quais se entende ser justa a imposição

legal do dever de reparar o prejuízo, mas em que a eliminação da culpa impossibilita

a inclusão entre os atos ilícitos. Nessas hipóteses, segundo GOMES [9], cada dia

mais numerosas, não se deveria falar em “responsabilidade delitual”, porque, em

verdade, não se compreende seja alguém responsável por ato que não praticou

culposamente. Não obstante, a tendência assinalada conduziu a doutrina a inserir na

teoria da responsabilidade extracontratual os casos nos quais o dever de indenizar é

idêntico ao que surge da prática de ato ilícito. E, para distinguir semelhante

responsabilidade da autêntica, denomina-a “objetiva”. Nessa ordem de idéias,

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distinguem-se nitidamente duas espécies de responsabilidade civil extracontratual, a

que se funda na culpa, chamada subjetiva, e a que abstrai esse elemento na

justificação do dever de indenizar, denominada objetiva.

Toda a evolução no sentido da chamada responsabilidade objetiva denota

a imprestabilidade do conceito de culpa para a solução dos casos que reclamavam a

atribuição do dever de indenizar independentemente da comprovação do erro de

conduta do agente.

3. AGENTE PÚBLICO

Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro [10], em termos bastante amplos,

agente público "é toda pessoa física que presta serviço ao Estado e às pessoas

jurídicas da Administração indireta”. Para Bandeira de Melo [11], "esta expressão –

agentes públicos – é a mais ampla que se pode conceber para designar genérica e

indistintamente os sujeitos que servem ao poder público como instrumentos

expressivos de sua vontade ou ação, ainda quando o façam apenas ocasional ou

episodicamente". Assim, todo aquele que desempenha funções admitidas pelo

sistema jurídico como estatais, é um agente público.

Pela sua manifesta generalidade, esse conceito abrange um leque

bastante amplo de manifestações, englobando tanto o chefe do Poder Executivo (em

qualquer dos níveis federativos), como os senadores, deputados, vereadores,

ocupantes de cargos ou empregados públicos da Administração direta ou indireta,

inclusive empresas públicas e sociedades de economia mista, concessionários e

permissionários de serviços públicos, os requisitados, contratados sob o regime de

locação civil de serviços e os gestores de negócios públicos.

Observe-se que nesta ampla constelação de agentes existem alguns que

participam do aparelho estatal, tanto na organização direta como na indireta

(autarquias, sociedade de economia mista, empresas e fundações públicas). Outros,

por sua vez, não participam ou não são integrantes de qualquer organização estatal,

porque são particulares que, apenas ocasionalmente exercem uma função, como no

caso dos concessionários ou permissionários de serviços públicos, mesários,

jurados, voluntários em campanhas etc., e que, inobstante isso, exercem, em sua

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atuação, atividades enquadradas pelo ordenamento jurídico como públicas.

A noção é tão abrangente que a Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, que

dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de improbidade

administrativa, traz em seu artigo 2º o seguinte conceito: "Reputa-se agente público,

para efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem

remuneração, por eleição, nomeação, designação, atribuição ou qualquer forma de

investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função, nas entidades

mencionadas no artigo anterior".

1[?]

EMENTA: Apelação cível. Ação ordinária. Retificação de aposentadoria. Comissário de menores. Prestação voluntária de serviços. Acidente automobilístico. Invalidez subseqüente. Aposentadoria. Proventos integrais. Impossibilidade. Recurso não provido. 1. Sinistro laboral, segundo a Lei estadual nº 869, de 1952, do Estado de Minas Gerais, é o evento danoso causado mediata ou imediatamente no exercício das atribuições inerentes ao cargo. 2. O comissário de menor em serviço voluntário, presta serviços sem qualquer vínculo empregatício ou estatutário. Por ser agente honorífico, seus serviços não geram, para o Estado, qualquer obrigação de natureza trabalhista ou previdenciária. 3. Não se considera sinistro laboral, para fins previdenciários e trabalhista, o acidente automobilístico sofrido por comissário de menor voluntário em serviço para o Juizado da Infância e da Juventude. 4. Inexiste amparo legal para concessão de aposentadoria com proventos integrais quando as seqüelas decorrentes do sinistro não decorrem de vínculo trabalhista ou estatutário. 5. Apelação cível conhecida e não provida. APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0024.03.983101-1/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - APELANTE(S): HÉRCULES JOSÉ DOS SANTOS - APELADO(A)(S): ESTADO DE MINAS GERAIS - RELATOR: EXMO. SR. DES. CAETANO LEVI LOPES – Data do Julgamento: 21/06/2005 – Data da Publicação: 01/07/2005

2[?] As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.3[?] Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública. 4[?] Curso de direito administrativo, 13 ed., rev., atual. e ampl,, São Paulo: Malheiros, 2001, p. 232. 5[?] Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes....Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.6[?] Vocabulário jurídico, 13 ed., Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 713.7[?] Curso de Direito Civil Brasileiro – Responsabilidade Civil. V. 7, São Paulo: Saraiva, 2001, p. 69.8[?] Obrigações, 11 ed., Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 277.9[?] Ob. cit. p. 278.10[?] Direito administrativo, 19 ed., São Paulo: Atlas, 2006, p. 431.

11[?] Ob. cit. p. 226.

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Dada a variedade de sujeitos compreendidos em tal rótulo, faz-se

necessário agrupar os agentes públicos em categorias que apontem referenciais

básicos distintivos, possibilitando-se, dessa forma, melhor identificação.

3.1 Classificação:

I) AGENTES POLÍTICOS – são os titulares dos cargos estruturais da organização

política do país, isto é, são os ocupantes dos cargos que compõem o arcabouço

constitucional do Estado e, portanto, o esquema fundamental do poder. A função é a

de formador da vontade superior do Estado. São eles: Na esfera do Executivo: O

Presidente da República, os Governadores, os Prefeitos, seus Vices e respectivos

auxiliares imediatos (Ministros e Secretários das diversas pastas); na esfera do

Legislativo: os Senadores, Deputados Federais e Estaduais e Vereadores.

A forma de investidura é a eleição, salvo para Ministros e Secretários que

é a nomeação.

II) AGENTES ADMINISTRATIVOS – são os servidores públicos em geral. Agrega

aqueles que planejam e executam as atividades a cargo da Administração Pública.

São:

a) os servidores públicos estatutários - sujeitos ao Estatuto dos servidores públicos e

ocupantes de cargo público;

b) os empregados públicos - contratados sob o regime da Consolidação das Leis do

Trabalho-CLT, são ocupantes de emprego público nas empresas públicas,

sociedades de economia mista e serviços sociais autônomos.

c) os servidores temporários - contratados por tempo determinado para atender a

necessidade temporária de excepcional interesse público; exercem função, sem

estarem vinculados a cargo ou emprego público (CF, art. 37, IX – Leis 8.745/93,

9.849/99 e 10.667/03).

III) AGENTES POR COLABORAÇÃO – são particulares que colaboram com o Poder

Público, de forma voluntária ou compulsória, ou também por delegação. São:

a) Agentes voluntários – os que atuam em campanhas;

b) Agentes compulsórios – os jurados, mesários, escrutinadores;

c) Agentes por delegação – os empregados das empresas concessionárias,

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permissionárias e autorizatárias de serviços públicos, as pessoas físicas

permissionárias ou autorizatárias de serviços públicos e os que exercem serviços

notariais e de registro (art. 236, CF)

Nos interessa, para fins deste trabalho, estes últimos, classificados como

Agentes por Colaboração. José dos Santos Carvalho Filho [12], os denomina como

“Agentes particulares colaboradores”, informando, ainda, que “tais agentes, embora

sejam particulares, executam certas funções especiais que podem se qualificar

como públicas, sempre como resultado do vínculo jurídico que os prende ao

Estado... Vários desses agentes, inclusive, não percebem remuneração, mas, em

compensação, recebem benefícios colaterais, como o apostilamento da situação nos

prontuários funcionais ou a concessão de um período de descanso remunerado

após o cumprimento da tarefa.”

Mais uma vez recorremos à obra de Bandeira de Mello [13], que os

classifica como “Particulares em colaboração com a Administração”, temos que

“Esta categoria de agentes é composta por sujeitos que, sem perderem sua

qualidade de particulares – portanto, de pessoas alheias à intimidade do aparelho

estatal (com exceção única dos recrutados para serviço militar) – exercem função

pública, ainda que às vezes apenas em caráter episódico. Na tipologia em apreço

reconhecem-se: a) requisitados para prestação de atividade pública, quais os

jurados, membros de Mesa receptora ou apuradora de votos quando das eleições,

recrutados para o serviço militar obrigatório etc. estes agentes exercem um munus

público. b) os que sponte propria assumem a gestão da coisa pública como

‘gestores de negócios públicos’, perante situações anômalas, para acudir a

necessidades públicas prementes;...”

Consigne-se exemplar lição do professor Hely Lopes Meirelles [14], que

classificou esses como “Agentes honoríficos” e assim escreveu: "Agentes

honoríficos: são cidadãos convocados, designados ou nomeados para prestar,

transitoriamente, determinados serviços ao Estado, em razão de sua condição

cívica, de sua honorabilidade ou de sua notória capacidade profissional, mas sem

qualquer vínculo empregatício ou estatutário e, normalmente, sem remuneração.

Tais serviços constituem o chamado munus público, ou serviços públicos relevantes,

12[?] Manual de direito administrativo, 19 ed., rev., ampl. e atual., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 533.13[?] Ob. cit. p. 232.14[?] Direito administrativo brasileiro, 28 ed., São Paulo: Malheiros, 2004, p. 79.

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de que são exemplos a função de jurado, de mesário eleitoral, de comissário de

menores, de presidente ou membro de comissão de estudo ou de julgamento e

outros dessa natureza.

Os agentes honoríficos não são servidores públicos, mas

momentaneamente exercem uma função pública e, enquanto a desempenham,

sujeitam-se à hierarquia e disciplina do órgão a que estão servindo, podendo

perceber um pro labore e contar o período de trabalho como de serviço público.

Sobre estes agentes eventuais do Poder Público não incidem as proibições

constitucionais de acumulação de cargos, funções ou empregos (CF, art. 37, XVI e

XVII), porque sua vinculação com o Estado é sempre transitória e a título de

colaboração cívica, sem caráter empregatício. A Lei 9.608, de 18.02.1998, dispondo

sobre o serviço voluntário, define-o como a atividade não remunerada prestada por

pessoa física a entidade pública de qualquer natureza ou instituição privada sem fins

lucrativos com objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou

de assistência social, inclusive mutualidade. Tal serviço não gera vínculo

empregatício, nem obrigações de natureza trabalhista, previdenciária ou afim entre

prestador e tomador. A lei permite o ressarcimento das despesas comprovadamente

realizadas pelo prestador, desde que estejam autorizadas pela entidade a que for

prestado o serviço voluntário.

Somente para fins penais é que esses agentes são equiparados a

funcionários públicos quanto aos crimes relacionados com o exercício da função,

nos expressos termos do art. 327, do CP."

3.1.1 Jurados

A Constituição da República Federal do Brasil de 1988 prevê que os

crimes dolosos contra a vida, sejam consumados ou não, serão julgados pelo

Tribunal do Júri. Seja ele homicídio, instigação, induzimento ou auxílio ao suicídio,

infanticídio, ou aborto, tentados ou consumados.

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A mesma Constituição Federal elenca o Júri no rol dos direitos e garantias

fundamentais do cidadão, conforme art. 5º, XXXVIII, ‘d’ [15], eis que tal a instituição é

considerada como uma conquista no exercício de direitos, figurando, inclusive, no rol

de cláusulas pétreas em vigor.

O serviço do Júri é obrigatório, conforme disposto no art. 434, do Código

de Processo Penal “O serviço do júri será obrigatório. O alistamento compreenderá

os cidadãos maiores de 21 (vinte e um) anos, isentos os maiores de 60 (sessenta).

O CPP prevê, ainda, em seu art. 435, que “A recusa ao serviço do júri, motivada por

convicção religiosa, filosófica ou política, importará a perda dos direitos políticos”.

O Tribunal do Júri é um órgão de primeira instância, ou de primeiro grau,

da Justiça comum, podendo ser estadual ou federal. É composto de um Juiz

presidente, juiz esse de Direito, e mais 21 (vinte e um jurados), que irão formar o

Conselho de Sentença no qual só serão escolhido sete jurados. Para o início do

julgamento, é necessário estar completo o quadro dos 21 (vinte e um) candidatos a

jurados, embora haja o mínimo legal (art. 442, CPP), ou seja, 15 (quinze) jurados

para instalação da sessão. Neste caso, será realizado o sorteio dos suplentes para

que seja alcançado o número de 21 candidatos a jurados (art. 445, CPP).

O jurado que não comparecer incorrerá em multa (443, CPP).

O juiz poderá acolher escusas dos jurados, as quais deverão ser decididas

antes do sorteio dos 7 (sete) jurados que comporão o conselho de sentença.

O juiz advertirá os jurados sobre os possíveis impedimentos, se são, por

exemplo, parentes da vitima, do promotor, do advogado de defesa ou se considera

impedido por qualquer outro motivo.

Em seguida, o juiz fará o sorteio dos 7 (sete) jurados que irão compor o

Conselho de Sentença, podendo cada parte fazer a exclusão de 3 (três) jurados sem

justificar, sorteado os sete jurados, faz se composto o Conselho de Sentença.

15[?] Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: ...XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;...

13

Page 14: Trabalho Responsabilidade Civil Do Estado - 2011

Formado o Conselho, os jurados farão o juramento perante o juiz e não

mais poderão se comunicar com ninguém, nem entre si mesmos, muito menos

manifestar sua opinião sobre o processo. É importante ressaltar que os jurados são

incomunicáveis, ou seja, não podem se comunicar com o mundo externo nem entre

si até a prolatação da sentença. Os jurados poderão comunicar-se entre si só sobre

fatos que não se refira ao processo. Tal incomunicabilidade justifica-se pela garantia

de independência dos jurados, que julgam com sua própria convicção, objetivando a

verdade dos fatos. Ao jurado é atribuído o poder de julgar segundo a sua

consciência.

O Tribunal do Júri, para muitos, é a forma mais democrática que o Estado

concedeu ao cidadão para fazer justiça.

Segundo o Ilustre Doutrinador Julio Fabbrini Mirabete [16] “É o jurado, em

termos jurídicos, o leigo do Pode Judiciário, investido, por lei, na função de julgar em

órgão coletivo a que se dá o nome de Júri.

O cidadão é jurado por ter íntima ligação com o meio em que vive, em que

o Conselho de Jurados que integra exerce a sua jurisdição (RTJ 44/646)”

Esses nobres agentes que farão a vontade de uma sociedade, julgando

aqueles réus, são particulares, representantes do povo, escolhidos, normalmente,

naquela mesma sociedade, após o Juiz presidente do Tribunal do Júri requisitar de

repartições públicas, sindicatos, bancos, comércio etc., indicações de pessoas

idôneas para esse mister. Esses nomes indicados, uma vez aprovados, farão parte

de quadro que se prestará a servir ao Tribunal naquele exercício.

Diz o CPP, em seu art. 436: “Os jurados serão escolhidos dentre cidadãos

de notória idoneidade.

Parágrafo único - São isentos do serviço do júri:

I - o Presidente da República e os ministros de Estado;

II - os governadores ou interventores de Estados ou Territórios, o prefeito do Distrito Federal e seus respectivos secretários;

III - os membros do Parlamento Nacional, do Conselho de Economia Nacional, das Assembléias Legislativas dos Estados e das Câmaras Municipais, enquanto durarem suas reuniões;

IV - os prefeitos municipais;

16[?] Processo Penal. 12 ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2003, p. 512.

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Page 15: Trabalho Responsabilidade Civil Do Estado - 2011

V - os magistrados e órgãos do Ministério Público;

VI - os serventuários e funcionários da justiça;

VII - o chefe, demais autoridades e funcionários da Polícia e Segurança Pública;

VIII - os militares em serviço ativo;

IX - as mulheres que não exerçam função pública e provem que, em virtude de ocupações domésticas, o serviço do júri Ihes é particularmente difícil;

X - por 1 (um) ano, mediante requerimento, os que tiverem efetivamente exercido a função de jurado, salvo nos lugares onde tal isenção possa redundar em prejuízo do serviço normal do júri;

Xl - quando o requererem e o juiz reconhecer a necessidade da dispensa:

a) os médicos e os ministros de confissão religiosa;

b) os farmacêuticos e as parteiras.“

Sendo previsto ainda, pelo artigo acima transcrito a dispensa do jurado

quando o requererem e o juiz reconhecer a necessidade da dispensa: os médicos,

os ministros de confissão religiosa, os farmacêuticos e as parteiras.

Portanto, para o desempenho da função de jurado são exigidos

determinados pressupostos legais, que são: a) cidadania, vale dizer, somente o

brasileiro, nato ou naturalizado, pode atuar no Tribunal do Júri, excluído o

estrangeiro; b) idade igual ou superior a 21 anos e menor de 60; c) notória

idoneidade moral.

Sendo assim, o exercício efetivo da função de jurado constituirá serviço

público relevante, estabelecerá presunção de idoneidade.

São direitos dos jurados: a) Não sofrer nenhum desconto nos vencimentos

que perceba, nos dias de comparecimentos às sessões do Júri (art. 431, CPP); b)

permanecer em prisão especial, em caso de crime comum, até o julgamento

definitivo (art. 437, CPP); c) gozar de preferência, em igualdade de condições, nas

concorrências públicas (art. 437, CPP). Somente se conferem estes direitos àquele

que tenha servido efetivamente em julgamento do Júri.

São deveres dos jurados: a) Obedecer às intimações, só apresentando

escusas por justos motivos; b) comparecer às sessões para as quais for sorteado,

não se retirando antes da formação do conselho; c) declarar-se impedido, nos casos

legais e de consciência; d) conservar-se incomunicável desde o momento em que se

constitui o juiz, seja com os assistentes, seja com os funcionários do Tribunal,

podendo somente dirigir-se ao Juiz Presidente por ofício ou em voz alta perante o

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público; e) prestar o compromisso legal, com sinceridade e firmeza, mostrando

compreender a alta responsabilidade que assume; f) assistir atentamente aos

trabalhos do plenário, e requerer o que for conveniente para a elucidação do

processo; g) responder, mediante as formalidades legais, os quesitos propostos e

requerer algum outro que entenda de importância; h) proceder, enfim, com

circunspeção e critério; i) não deixar transparecer as impressões que sua

consciência for sofrendo, nem revelar o sigilo do veredictum; j) repetir, com igual

orgulho, tanto os elogios, como as censuras ao seu procedimento.

Não há que se discutir que, realmente, é uma função pública das mais

relevantes.

3.1.2 Mesários

No âmbito do processo eleitoral, temos os mesários, que desempenham

destacado papel e prestam também relevantes serviços à democracia. Apesar da

inovação tecnológica, dispondo hoje a Justiça Eleitoral da urna e da apuração

eletrônica, a importância dos aludidos colaboradores permanece amplamente

significativa.

O Código Eleitoral [17] estabelece, através dos artigos 119 e seguintes, de

forma detalhada, a composição e as atribuições das mesas receptoras das eleições.

Regulamenta  o ritual dos trabalhos e as regras que norteiam suas atividades. A

legislação eleitoral confere ao juiz eleitoral e ao presidente da mesa receptora de

votos o exercício do poder de polícia.

Sendo o cidadão designado para exercer a função de mesário, há três

formas para que esta designação seja tornada sem efeito:

a) reconsideração da designação por parte do Juiz Eleitoral;

b) impugnação de seu nome;

c) alegação, pelo próprio mesário, de motivo justo.

A reconsideração ocorre quando o próprio Juiz Eleitoral cancela seu

despacho por ter tomado conhecimento de algum motivo que não recomende a

17[?] Lei Federal n° 4.737, de 15 de julho de 1965.

16

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participação do mesário no processo eleitoral, com o objetivo de resguardar a lisura

do pleito.

A outra hipótese é a impugnação do mesário por partido político,

coligação, candidato ou pelo Ministério Público, fundada em algum motivo que

recomende ou impeça a atuação do designado como membro de Mesa Receptora

de votos (art. 121, § 1º, do Código Eleitoral).

Uma terceira hipótese ocorre quando algum motivo de força maior

recomende a exclusão do mesário ou quando existir algum dos impedimentos legais

acima especificados (art. 120 § 4º, do Código Eleitoral). Deve-se observar que para

haver a dispensa do mesário designado, o motivo por ele alegado deve ser justo e

plausível, como problemas de saúde física ou mental. O mesário não pode ser

dispensado por motivos banais ou infundados, como corriqueiramente é alegado

pelos designados. Nestes casos o Juiz Eleitoral deve manter a designação e alertar

ao mesário que o serviço eleitoral é obrigatório e a sua recusa ou abandono pode

ocasionar punição, como adiante se demonstrará neste trabalho.

Fora os casos acima elencados, o serviço de mesário é obrigatório e

sempre gratuito. Em caso de recusa ou abandono injustificado, o mesário faltoso

poderá ser punido administrativa e criminalmente.

Administrativamente a punição do mesário faltoso está prevista no artigo

124 do Código Eleitoral. Segundo este artigo, o membro da Mesa Receptora que

não comparecer no local, dia e hora determinados para a realização da eleição, sem

justa causa, incorrerá em multa eleitoral. Caso o mesário faltoso seja servidor

público ou autárquico, a pena será de suspensão do serviço por até 15 (quinze) dias.

Se, ante a ausência do mesário faltoso a Mesa Receptora de votos deixar de

funcionar, a multa será aplicada em dobro. Também será aplicada em dobro, caso o

abandono ocorra no curso da votação.

Já no âmbito penal, o art. 344 do Código Eleitoral determina: “Recusar ou

abandonar o serviço eleitoral sem justa causa: Pena - detenção até dois meses ou

pagamento de 90 a 120 dias-multa.” O presente tipo incide sobre a conduta do

cidadão que não aceita (recusa) ou tendo aceitado e iniciado a execução do serviço

eleitoral, afasta-se dele ou deixa-o sem completá-lo, o abandona.

17

Page 18: Trabalho Responsabilidade Civil Do Estado - 2011

São direitos dos mesários: a dispensa do serviço, mediante declaração

expedida pela Justiça Eleitoral, sem prejuízo do salário, vencimento ou qualquer

outra vantagem, pelo dobro dos dias trabalhados nas eleições, conforme art. 98, da

Lei 9.504/97 [18]; e a prerrogativa da utilização da prestação de serviços à Justiça

Eleitoral como critério de desempate em concurso público (desde que haja essa

previsão no Edital).

4. ATO ADMINISTRATIVO

Segundo Di Pietro [19], ato administrativo “é a declaração do Estado ou de

quem o represente, que produz efeitos jurídicos imediatos, com observância da lei,

sob regime jurídico de direito público e sujeita a controle pelo Poder Judiciário”.

Para Diogenes Gasparini [20], é “toda prescrição unilateral, juízo ou conhecimento,

predisposta à produção de efeitos jurídicos, expedida pelo Estado ou por quem lhe

faça as vezes, no exercício de suas prerrogativas e como parte interessada numa

relação, estabelecida na conformidade ou na compatibilidade da lei, sob o

fundamento de cumprir finalidades assinaladas no sistema normativo, sindicável

pelo Judiciário”.

Das duas definições dos ilustres administrativistas pátrios acima, podemos

extrair da primeira “declaração do Estado ou de quem o represente” e, da segunda

“expedida pelo Estado ou por quem lhe faça as vezes”, o que quer dizer que, no

caso, são os agentes que fazem a vontade do Estado. Assim, o mesário, no pleito

eleitoral, atua de forma administrativa para que a eleição, que é uma função do

Estado, transcorra dentro de uma legalidade e lisura no processo.

4.1 Elementos e/ou Requisitos do Ato Administrativo

Os elementos e/ou requisitos do ato administrativo há muito foram fixados

18[?] Os eleitores nomeados para compor as Mesas Receptoras ou Juntas Eleitorais e os requisitados para auxiliar seus trabalhos serão dispensados do serviço, mediante declaração expedida pela Justiça Eleitoral, sem prejuízo do salário, vencimento ou qualquer outra vantagem, pelo dobro dos dias de convocação.

19[?] Direito administrativo, 19 ed., São Paulo: Atlas, 2006, p. 206.20[?] Direito administrativo, 11 ed., São Paulo: Saraiva, 2006, p. 61.

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Page 19: Trabalho Responsabilidade Civil Do Estado - 2011

pelo labor doutrinário e jurisprudencial, encontrando-se positivados no art. 2º da Lei

nº 4.717/65, que, ao tratar da nulidade dos atos administrativos, assim dispõe: "são

nulos os atos lesivos ao patrimônio..., nos casos de: a) incompetência; b) vício de

forma; c) ilegalidade do objeto; d) inexistência de motivos; e) desvio de finalidade”.

A doutrina, seguindo o preceito legal, assim elenca os elementos e/ou

requisitos do ato administrativo: competência (ou agente competente); forma; objeto;

motivo; e finalidade. Ao final, dá a seguinte noção:

a) Competência - a outorga constitucional ou legal de certa quantidade de poder a

determinado agente, órgão ou pessoa jurídica denomina-se, em termos jurídicos,

competência. Um ato administrativo somente é valido quando praticado por quem

tenha competência para tanto, e nos exatos limites que a regra fixadora de

competência o permite.

b) Forma - em sentido amplo, significa o modo de exteriorização do conteúdo das

deliberações administrativas. É o revestimento exterior do ato. É a maneira como ele

se apresenta, palpável e visualmente, no mundo jurídico.

c) Objeto - é o próprio conteúdo do ato administrativo, o que ele prescreve ou

dispõe. Ou seja, é a declaração constante do ato, o resultado prático pretendido com

a sua edição, a modificação por ele introduzida no ordenamento jurídico. Importa,

em atenção ao próprio princípio da legalidade, que o objeto do ato seja lícito. Em

razão do princípio da segurança das relações jurídicas, exigência fundamental no

trato dos negócios públicos, o conteúdo do ato administrativo deve ser não somente

lícito, mas também certo, determinado, claro, preciso e juridicamente possível.

d) Motivo - Por motivo, deve-se entender, no âmbito do Direito Administrativo, os

pressupostos objetivos do ato, as circunstâncias de fato ou de direito, sempre de

natureza objetiva, que autorizam o desencadeamento de determinado ato.

e) Finalidade - Trata-se, aqui, do objetivo de interesse público a ser atingido pelo ato

administrativo, conforme disposição expressa ou implícita prevista em lei. Noutras

palavras, é aquele interesse público específico cuja realização prática e efetiva a lei

objetiva ao conceder ao sujeito público certa autoridade, instrumentalizada com

poderes para agir.

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5. CONCLUSÃO

A partir do momento em que se contrata alguém para a realização de uma

tarefa, assume-se, para com essa pessoa, as obrigações de contratante, e ela, as

de contratado. Quanto a isso, não resta nenhuma dúvida. É a obrigação contratual.

Mas se, por exemplo, por causa do cumprimento dessa obrigação, adveio um dano,

alheio ao contrato, há que se reparar esse dano. É a responsabilidade

extracontratual. E quem é que tem que repará-lo? O causador do dano, seria óbvio

dizer. Ocorre que existem situações nas quais precisa alguém obter reparação do

dano sofrido sem que haja a quem se possa atribuir a responsabilidade do fato

danoso, no sentido genuíno da palavra, mas a quem, por outras razões, se pode

determinar a obrigação de ressarci-lo. É estender o conceito de responsabilidade até

aos casos em que o dano resulta da prática de ato lícito.

Sabemos que a configuração da responsabilidade civil extracontratual

exige a soma: culpa do agente, o dano e o nexo de causalidade.

Assim, se o Estado convoca alguém para atuar no Conselho de Sentença

do Tribunal do Júri, ele está subordinado hierarquicamente ao Juiz Presidente

daquele Conselho; se o Estado convoca alguém para lhe servir como mesário num

dia de eleição, ele está “a serviço da Justiça Eleitoral”. Se, ao prestar esse serviço,

ele sofre um dano, é justo que o Estado por ele se responsabilize. O Estado sabe

que, ao colocar um particular para em seu nome atuar, outorgando a ele poderes e

atribuições, corre o risco inerente à atividade e ao que lhe cerca. Senão, vejamos:

aquele mesário que é deslocado de seu domicílio para ir trabalhar numa seção

eleitoral na zona rural do município, corre um risco de sofrer um acidente de trânsito,

que é inerente à atividade, já que será obrigatório o deslocamento. É uma

excepcionalidade, mas ocorre. Também o jurado que, ao ter seu nome divulgado

numa lista, ou, até mesmo durante o julgamento, passa a sofrer pressão psicológica

por parte daqueles interessados na absolvição do réu – alguns chegam a receber

ameaças antes, durante e depois do julgamento, sendo que, às vezes, passam da

simples ameaça para a execução. Também é uma excepcionalidade, mas ocorre.

Se o Estado não tem para com esses agentes nenhum vínculo trabalhista

ou previdenciário - e reconhecemos que não tem -, ainda assim, não custa trazer

aqui, à guisa de exemplo, o que dispõe a Lei 8.112/90, que vem a ser o Estatuto dos

Servidores Públicos Civis da União:

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“Art. 212.  Configura acidente em serviço o dano físico ou mental sofrido pelo servidor, que se relacione, mediata ou imediatamente, com as atribuições do cargo exercido.

Parágrafo único.  Equipara-se ao acidente em serviço o dano:

I - decorrente de agressão sofrida e não provocada pelo servidor no exercício do cargo;

II - sofrido no percurso da residência para o trabalho e vice-versa.

Art. 213.  O servidor acidentado em serviço que necessite de tratamento especializado poderá ser tratado em instituição privada, à conta de recursos públicos.

Parágrafo único. O tratamento recomendado por junta médica oficial constitui medida de exceção e somente será admissível quando inexistirem meios e recursos adequados em instituição pública” (Grifos nossos).

Se há um amparo para o seu servidor estatutário, é porque ele sabe que,

no exercício de uma função pública, haverá sempre um risco, mesmo que a

atividade em si não seja de alto risco, ou perigosa, no próprio deslocamento da

residência para o trabalho ou deste para a residência, há o risco de um acidente. O

Estado não pode fazer “vistas grossas”, ele não é desconhecedor da situação. Desta

forma, aquele que foi convocado para atuar no Tribunal do Júri ou nas Mesas

eleitorais, ao sair de casa para comparecer perante um ou outro atendendo à

convocação, caso sofra um acidente de percurso, também estará amparado pelo

Estado, que o convocou.

Seria injusto deixar desamparado essa vítima ou imputar esse ônus à

empresa ou órgão onde ela trabalha. Sim, porque, no caso de um afastamento por

prazo superior a 15 dias, a empresa é quem ficará com o encargo de, nos 15

primeiros dias, arcar com o pagamento desse seu funcionário afastado e, se for

servidor público que contribua para um Regime Próprio de Previdência Social, este é

quem arcará por todo o período.

Não importa aqui a caracterização de vínculo empregatício, nem mesmo

previdenciário. Estamos tratando de um vínculo eventual que se deu porque o

Estado o criou e motivou. No nosso entender, cabe sim, a responsabilização

extracontratual do Estado, objetivamente, pela culpa aquiliana.

Afinal, a responsabilidade civil é a obrigação que incumbe o agente de

reparar o prejuízo causado por fato próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que

dele estejam juridicamente dependentes.

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Page 22: Trabalho Responsabilidade Civil Do Estado - 2011

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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atual. e ampl,, São Paulo: Malheiros, 2001.

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2006.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Responsabilidade Civil. São

Paulo: Saraiva, 2001. v. 7.

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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS, in http://www.tjmg.jus.br

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil – Contratos em Espécie e Responsabilidade

Civil, vol. III. São Paulo: Atlas, 2001.

7. NOTAS

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