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85 TRABALHO 3.1 SETOR PRIVADO Antes de ingressar na UEL, trabalhei no setor privado. Como mencionei antes, meu primeiro emprego foi como datilógrafa em um colégio hoje conhecido como Universitário 1 . Lecionei inglês no Instituto de Idiomas Yázigi, a convite de seu diretor, quando eu tinha 17 anos. Lecionaria também no hoje conhecido Colégio Maxi 2 e na extinta Littera – Centro de Línguas SC Ltda., de propriedade de minha ex- orientadora e colega Kilda Prado Gimenez. A remuneração pelo ensino, contudo, era insuficiente frente as minhas despesas domésticas. Então, trabalhei como secretária executiva por quatro anos na empresa hoje conhecida como Milênia Agrociências 3 . Nessa empresa, secretariava o diretor- presidente, o diretor industrial e o diretor comercial. Eu trabalhava em um pool de secretárias e o trabalho era das 8h00 às 18h00, de segunda a sábado (12h00). Aprendi a fazer importações de ingredientes ativos a partir dos quais a empresa produzia suas linhas agroquímicas. Traduzia manuais e boletins do inglês para o português, secretariava reuniões com executivos estrangeiros. Coordenava os trabalhos de mala-direta de uma empresa afiliada. Participei de treinamentos dessa empresa e tive excelentes chefes e colegas de trabalho. O bom de trabalhar em empresa privada é que todos devem ser eficientes para alcançar metas da empresa. Lá não havia competitividade negativa. Quando julguei ser o momento de ter maior remuneração, mudei de emprego. A vantagem financeira não compensaria desgastes pessoais. Eu não tinha ideia de quão bons eram meus chefes, por serem simplesmente pessoas honradas e respeitosas, até trabalhar para um sujeito que me demitiu seis meses após me contratar e ver frustradas todas suas expectativas de que eu lhe ensinasse inglês na hora do almoço, ao invés de ir almoçar com meu filho; de que eu trabalhasse até as 23h00 em noites de lançamento de produtos, em lugar de planejar com antecedência a contratação de pessoal de apoio para recepcionar os clientes. Meu ex-chefe estava acostumado a estalar os dedos e querer tudo pronto e achava razoável que eu chegasse em casa várias noites fora de hora. Quando me pediu para avaliar o tal evento, eu lhe disse que devíamos planejar tudo com antecedência. No dia seguinte, encontrei sobre minha mesa sua carta de demissão. Foi um alívio não precisar mais usar uniforme de aeromoça, meias finas em pleno verão e salto alto para andar em chão de lajotas enceradas, como a empresa exigia de todas as funcionárias. Acho incrível como eu não me preocupava com o futuro, com minha conta bancária, nem com o que ia dizer. Simplesmente dizia e vivia, com certeza, com a cuca super fresca! Se aprendi algo lá, não foi com ele, mas com o gerente administrativo, que sabia que eu odiava servir café ao gerente geral. Este não pedia café porque precisava tomá-lo, tampouco para ser cordial com os clientes, até porque da copa à sua sala, o café chegava morno. Era apenas para mostrar aos 1 http://www.cursouniversitario.com.br/ 2 http://www.colegiomaxi.com.br/ 3 http://www.milenia.com.br/

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TRABALHO

3.1 SETOR PRIVADO

Antes de ingressar na UEL, trabalhei no setor privado. Como mencionei antes, meu primeiro emprego foi como datilógrafa em um colégio hoje conhecido como Universitário1. Lecionei inglês no Instituto de Idiomas Yázigi, a convite de seu diretor, quando eu tinha 17 anos. Lecionaria também no hoje conhecido Colégio Maxi2 e na extinta Littera – Centro de Línguas SC Ltda., de propriedade de minha ex-orientadora e colega Kilda Prado Gimenez. A remuneração pelo ensino, contudo, era insuficiente frente as minhas despesas domésticas. Então, trabalhei como secretária executiva por quatro anos na empresa hoje conhecida como Milênia Agrociências3. Nessa empresa, secretariava o diretor-presidente, o diretor industrial e o diretor comercial. Eu trabalhava em um pool de secretárias e o trabalho era das 8h00 às 18h00, de segunda a sábado (12h00). Aprendi a fazer importações de ingredientes ativos a partir dos quais a empresa produzia suas linhas agroquímicas. Traduzia manuais e boletins do inglês para o português, secretariava reuniões com executivos estrangeiros. Coordenava os trabalhos de mala-direta de uma empresa afiliada. Participei de treinamentos dessa empresa e tive excelentes chefes e colegas de trabalho. O bom de trabalhar em empresa privada é que todos devem ser eficientes para alcançar metas da empresa. Lá não havia competitividade negativa. Quando julguei ser o momento de ter maior remuneração, mudei de emprego. A vantagem financeira não compensaria desgastes pessoais. Eu não tinha ideia de quão bons eram meus chefes, por serem simplesmente pessoas honradas e respeitosas, até trabalhar para um sujeito que me demitiu seis meses após me contratar e ver frustradas todas suas expectativas de que eu lhe ensinasse inglês na hora do almoço, ao invés de ir almoçar com meu filho; de que eu trabalhasse até as 23h00 em noites de lançamento de produtos, em lugar de planejar com antecedência a contratação de pessoal de apoio para recepcionar os clientes. Meu ex-chefe estava acostumado a estalar os dedos e querer tudo pronto e achava razoável que eu chegasse em casa várias noites fora de hora. Quando me pediu para avaliar o tal evento, eu lhe disse que devíamos planejar tudo com antecedência. No dia seguinte, encontrei sobre minha mesa sua carta de demissão. Foi um alívio não precisar mais usar uniforme de aeromoça, meias finas em pleno verão e salto alto para andar em chão de lajotas enceradas, como a empresa exigia de todas as funcionárias. Acho incrível como eu não me preocupava com o futuro, com minha conta bancária, nem com o que ia dizer. Simplesmente dizia e vivia, com certeza, com a cuca super fresca! Se aprendi algo lá, não foi com ele, mas com o gerente administrativo, que sabia que eu odiava servir café ao gerente geral. Este não pedia café porque precisava tomá-lo, tampouco para ser cordial com os clientes, até porque da copa à sua sala, o café chegava morno. Era apenas para mostrar aos

1 http://www.cursouniversitario.com.br/ 2 http://www.colegiomaxi.com.br/ 3 http://www.milenia.com.br/

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clientes como dava a ordem ao telefone: ‘Café’ e depois me via servir as xícaras de porcelana. Um dia, Paulo Ricardo Alves Lanes, o gerente administrativo, me disse que eu precisava servir o café ou o que quer que fosse com orgulho; que uma pessoa desenvolvida é aquela que sabe conversar com todos, independentemente de gênero, classe, ocupação e posição social. Jamais esqueci tal ensinamento e nunca mais me senti diminuída pelo modo como aquele sujeito (gerente geral) dava suas ordens para o que quer que fosse. Durante anos que trabalhei em grande empresa do setor privado, convivi profissionalmente com seu então Presidente. Ele vivia em um pequeno apartamento em Londrina, enquanto sua esposa morava em outro Estado. Assim que entrei na empresa, fui advertida quanto às possíveis investidas daquele septuagenário cuja “manteúda” era casada com outro e mãe de vários filhos. Felizmente, embora todos soubessem de quem se tratava a tal senhora, nunca tive o desprazer de encontrá-la nas festas da empresa. Mas, a vida tem certas curvas e, muitos anos depois, ela me foi apresentada. Nem mesmo o fato de aquele senhor já ter falecido havia anos não impediu que eu condenasse meus pensamentos que reprovaram seus vínculos conjugais com tal senhora, sem que ambos tivessem rompido laços matrimoniais anteriores. Volto a afirmar: a vida é feita de escolhas e certamente podemos evitar ferir uma, duas ou mais pessoas. Aquele senhor era um irremediável mulherengo e certamente nenhum espelho resistia à sua aparição. Eu era recém-casada e ele usava de várias estratégias para me abordar de modo que hoje sabemos se caracteriza por assédio sexual. Fazia investidas verbais, porque eu era suficientemente clara verbalmente e reservada fisicamente para mantê-lo a distância. Todavia, ele não tinha noção de quão ridículas eram suas declarações de afeto, de lamentação por não ser 20 anos mais jovem. Nem 40 anos menos velho o fariam ter qualquer chance. Sua arrogância, superioridade, falsa modéstia e ironia transbordavam ao final da primeira dose vespertina de whisky, quando ele ligava para a empresa já com a articulação da fala sonoramente comprometida. Apesar de ele ser abusivo e eu de nada saber sobre análise do discurso, sempre fui capaz de colocá-lo em eu lugar, primeiramente, não me aborrecendo com suas investidas, mas considerando-as sinal de decrepitude. Em segundo lugar, discursivamente, quando ele uma vez me perguntou: ‘Você não conta essas coisas que eu lhe digo a João Bento, conta?’ e eu respondi: ‘Lógico que conto’. E ele, de olhos arregalados, logo ouviria: ‘João Bento sabe que eu considero o senhor como um avô!’ Eu ainda era aluna da graduação em Letras quando um dia ele pediu a todas as secretárias da diretoria que lessem e opinassem sobre seu artigo publicado na Folha de Londrina. Era um artigo em que ele praticamente afirmava que melhor era o tempo da escravatura, quando os negros eram alimentados pelos seus donos; que hoje, enquanto negros e seus descendentes passam fome, o gado é bem alimentado e há quem pague fortunas por uma cabeça. Fui a única secretária a emitir opinião. Escrevi que a falta da valorização da cultura dos negros, àquela época, no Brasil, devia-se ao contexto histórico de como foram trazidos ao país,

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arrancados de suas terras. Comparei a valorização de traços da cultura de negros com a de imigrantes japoneses no Brasil. Outros tempos, outras histórias. Ele não conseguiu ‘ler’ que minha opinião fora uma crítica à sua visão reacionária e mandou, sem me pedir autorização, a minha resposta ao jornal, que a publicou no dia seguinte. Como em muitas ocasiões em minha vida, optei por não escutar o som da minha voz, porque pensava, como hoje ainda penso, que algumas pessoas são incapazes de aprender, porque estão convencidas de que sabem tudo e, pior, acham-se intelectuais tão brilhantes a ponto de escrever asneiras e tê-las publicadas em jornal. O meu último trabalho no setor privado foi para a Cia aérea Varig. Minha função, por dois anos, limitava-se a proceder a reservas de passagens. A posição exigiu treinamento de um mês em São Paulo, onde aprendi a operar o sistema Íris de reservas4. Meu trabalho iniciava às 13h00 e terminava às 19h00. Além de saber de cór todos os códigos de aeroportos do mundo, bordei tapetes arraiolo enquanto aguardava entradas de ligações telefônicas. Li vários livros, também, naqueles dois anos, durante as horas de trabalho. Saía às 18h00 diariamente, para buscar o Vinicius, à época com três anos, a meia quadra dali. Ele estava no jardim da infância e brincava das 18h00 até a hora de fecharmos o setor de reservas. Embora fosse um emprego nada estimulante intelectualmente, eu me sentia muito privilegiada por poder levar Vinicius à fisioterapia três vezes por semana no período matutino, o que foi uma rotina de três anos seguidos, com resultados satisfatórios. 3.2 SETOR PÚBLICO

Antes de iniciar a carreira docente no ensino superior, trabalhei 14 meses como secretária no Instituto Agronômico do Paraná. Não me recordo de ter aprendido nada de extraordinário naquela instituição. Pelo contrário, lá observei que funcionários antigos tiravam proveito do empregador cujos olhos se faziam ausentes, exerciam privilégios no mínimo questionáveis sob ponto de vista das leis do trabalho. Não somente assisti a chefes favorecerem candidatos em concurso público como também a um recém-contratado apenas bater seu cartão-ponto e não trabalhar, mas passar horas fora de sua estação de trabalho ocupado com organização semanal de bolões. Procurei outro emprego e levei tais distorções a conhecimento de toda a instituição. A denúncia levou à remoção e penalização de tais funcionários. Durante minha carreira na UEL, trabalhei por dois anos para o Ministério da Educação, como avaliadora de cursos superiores no Brasil. Com as missões designadas pelo MEC, aprendi sobre a importância da promoção de projetos de pesquisa, ensino e extensão, bem como da atualização curricular e investimentos 4 ...e, no cabeleireiro dos aeronautas, tive meu cabelo cortado tão curto (exatamente como o de pilotos) que o pequeno Vinicius não me reconheceu e meu pai ralhou comigo: ‘O que você tem nessa cabeça?’ Miolos – mas não cabelos...

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bibliográficos, estruturais e em recursos humanos. Iniciei meu trabalho na Universidade Estadual de Londrina em 1994, sob contrato temporário. No ano seguinte, mediante aprovação em 1º lugar em concurso público, fui efetivada no quadro permanente de docentes. Ao meu histórico de trabalho na UEL, refiro-me em subseção independente, a seguir. 3.3 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA

Nesta subseção, abandono a cronologia e privilegio a marca afetiva nas memórias de meus trabalhos. Por isso, passo apenas a considerações de meus aprendizados em diversos contextos de interação com colegas e discentes. Inicio me referindo ao ensino, da graduação à pós-graduação. Com meu histórico de trabalho no setor privado, ingressei no ensino superior com habilidades técnicas e uma linguagem organizacional direta, objetiva e polida. Totalmente socializada em ambientes de alta formalidade e clara hierarquia, as grandes instituições, que são sempre muito bem organizadas, costumam ter uma espécie de manual introdutório de seu histórico, bem como de sua estrutura organizacional. Têm também típicos fluxogramas que possibilitam ver as relações hierárquicas e o fluxograma de tramitação de documentos de naturezas diversas. Senti falta disso ao ingressar na Universidade Estadual de Londrina. Não fui apresentada aos colegas, tampouco à direção do Centro de Letras e Ciências Humanas. Fui conhecendo as pessoas aos poucos, porque iria dividir sala com elas. De fato, tudo o que aprendi na UEL foi batendo às portas, solicitando informações. Felizmente, estas têm se tornado progressivamente acessíveis, para o benefício dos novos ingressantes e dos funcionários de longa carreira. No primeiro ano de trabalho como docente, não sabia que critérios adotar para fazer uma avaliação justa. Tinha noção do poder à disposição do professor e não achava justo tanto poder sem prévio conhecimento do aluno. Eu não tinha a gama de conhecimentos que tenho hoje e ainda tinha alguma ansiedade com respeito ao meu domínio da língua inglesa. Minha auto-exigência era acentuada demais e refletia em certa inflexibilidade com meus alunos. Felizmente, tive experiências nos Estados Unidos e na Inglaterra que me trariam tranquilidade. Embora alusão a tais países possa reforçar a ideia de que o inglês de “lá” seja o padrão ideal, foi neles que recebi elogios dos professores pelo meu comando da língua inglesa. Se, por um lado, era lisonjeador ser elogiada por uma americana ou uma britânica, por outro, era no mínimo estranho saber que meu inglês nunca fora elogiado por minhas professoras universitárias5. Receber apoio no início da carreira, ainda que ou sobretudo de estrangeiros, é importante para se fixar nela. Assim foi para mim. Sempre trabalhei com alunos de 3ª e 4ª séries do curso de Letras, em disciplina de estágio de língua inglesa. Além de grupos de estudos no campus, eu acompanhava 5 Para ser justa, aprendi inglês dos 13 aos 16 anos, na escola Yázigi, em Londrina, e não na Universidade, porque nesta as professoras apenas usavam livros didáticos cujo conteúdo não era coberto no semestre.

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a preparação e regência de suas aulas, assim como sua escrita de trabalho acadêmico final (paper). A paciência que Vinicius dispensou enquanto filho canalizei-a no acompanhamento de muitos alunos. Muitos deles ou não fazem anotações ou têm lapsos de memória que comprometem qualidade de tarefas e observação de prazos. Muitos deles são organizados, disciplinados, curiosos e estão constantemente em busca de mais informações, de mais conhecimento e sempre fazendo indagações e expondo seus pontos de vista. Deixei de trabalhar com estágios em 2008, após infeliz episódio envolvendo coordenação de estágio, Colegiado de curso, colega docente, enfim, uma série de pessoas (em cargos) e com boas intenções que haviam decidido atender a pedido de aluna até então sob minha responsabilidade para mudar de orientadora. Estava tudo acertado, só faltava o pequeno detalhe: falar comigo, a professora-orientadora, que não concordava com o fato de aluna conduzir suas aulas de estágio sem me dar conhecimento de seu planejamento e sem corrigir erros por mim apontados. Como a aluna fizesse estágio em turmas de professora a quem eu havia orientado no Programa de Desenvolvimento Educacional do Estado do Paraná, minha relação com esta era próxima e ela tinha liberdade e franqueza para levantar questões que considerava preocupantes. Uma delas era o fato de assistir à tal aluna ensinar incorretamente a matéria. Nunca rejeitei orientação de alunos a mim designados. Nunca escolhi a quem orientar na graduação. Porém, naquele ano, a instituição, por meio das pessoas que a discente procurou, concedeu-lhe a prerrogativa de me rejeitar como orientadora. Passei, em 2009, a lecionar língua inglesa. Os professores e professoras de inglês adotavam um livro didático comercial que os alunos deveriam comprar. No ano anterior, eles haviam copiado os livros e isso havia gerado desgastes com as editoras. Entre a espada (alunos resistindo à compra do livro) e a cruz (editoras vigiando direitos autorais e cessão de exemplares gratuitos ao corpo docente), não me restou criatividade o bastante a não ser mediar a compra dos livros, usando meu cartão de crédito, assim como financiá-los para alunos sem poder aquisitivo. De toda a turma, apenas dois alunos me pediram, privadamente, para comprar-lhes os livros e parcelar o pagamento a perder de vista. Um deles não tinha como pagar, então lhe dei os livros. Foi uma turma especial para mim, pois os alunos eram aplicados e dedicaram-se à escrita de seu ‘paper’ em inglês, pois este era pedido em português pela disciplina de estágio. Para isso, ensinei-lhes a estruturar a escrita desse gênero e para sua avaliação, com concordância de todos os alunos, contamos com um leitor experiente, o renomado linguista aplicado e profundo estudioso, John Schmitz, que leu cópias cegas de cada trabalho e apontou aquele cuja escrita mais atendia aos padrões da academia. Os trabalhos foram apresentados oralmente por seus autores, com suporte de projeção de slides. As apresentações orais foram avaliadas por uma banca composta de professoras e pesquisadoras da Linguística Aplicada, dentre elas Kilda Prado Gimenez, Luciana Cristina da Costa Audi e Juliane D’Almas. O aluno com a maior média final, resultante da escrita e apresentação oral do paper, foi Natanael França, premiado com uma passagem de ida e volta a Londres6.

6 A passagem foi cortesia de Simone Reis.

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7 Em 2011, ao final da avaliação dos trabalhos de meus alunos na disciplina Leitura em Língua Inglesa, os autores das unidades didáticas mais coerentes teórica e metodologicamente foram premiados com passagens de ida e volta8 para qualquer destino da América do Sul. Eles viajaram para o Chile no primeiro semestre de 2012. No segundo semestre de 2012, foi a vez de Vinicius Cabral, graduando exemplar em participação em sala de aula, realização de tarefas, assiduidade, pontualidade, interesse e zelo acadêmico, elevadas inteligência e responsabilidade e temperado bom humor. Ele recebeu E-reader Sony9, com o qual pode ler, entre tantas opções, os documentos PDF que sempre compartilho com todos meus alunos: Introduction to Functional Grammar10 (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004) e Practical English Usage11 (SWAN, 2010). Eu já pertencia ao quadro permanente do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem. Nele, ingressei lecionando a disciplina Identidade do professor de língua estrangeira e Metodologia de Pesquisa em Estudos da Linguagem. Em 2011, assumi a condução da disciplina Leitura em Língua Inglesa – Aspectos teóricos, da grade curricular da graduação em Letras.

7 Natanael França. Apresentação de Paper. Londrina. Dezembro 2009. 8 As passagens foram cortesia de Simone Reis, com uso de créditos de milhagem. 9 Simone Reis tem como prática usual a doação de equipamentos e livros a estudantes. Em 2009, doou a menor aprendiz do Centro de Letras e Ciências Humanas um notebook HP. Em 2013, doou netbook HP ao projeto Pensamento Crítico para Ação Transformadora, projeto de pesquisa sob sua coordenação na UEL. O equipamento destinou-se à premiação de concurso de ilustração de texto promovido pelo projeto em escolas públicas de Londrina. As ilustrações destinam-se à crônica de autoria de Rafael Leonardo da Silva, bolsista de Iniciação Científica CNPq, sob orientação de Simone Reis. 10 http://www.amazon.com/Introduction-Functional-Grammar-Michael-Halliday/dp/0340761679 11 http://www.amazon.com/Practical-English-Usage-Michael-Swan/dp/0194420981/ref=sr_1_1?s=books&ie=UTF8&qid=1383737902&sr=1-1&keywords=practical+english+usage+michael+swan

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Entre a conclusão do mestrado e o início do doutorado, conduzi disciplinas nos cursos de Especialização em Língua Inglesa e em Ensino de Línguas Estrangeiras. Entre as disciplinas estavam Desenvolvendo a leitura, Interdisciplinaridade, O Ensino de Inglês no Brasil, Metodologia de Pesquisa e Iniciação à Pesquisa. A primeira turma do curso de Especialização em Ensino de Línguas Estrangeiras foi ofertada sob minha coordenação, tendo eu também liderado os trabalhos de criação e implantação do curso na universidade. Não foi sem controvérsia que o curso nasceu, pois desde sua primeira turma, é conveniado com fundação paralela à UEL, criada justamente para dar celeridade às aquisições de equipamentos, material bibliográfico e remuneração extra por trabalho feito além da carga horária docente. Havia, à época, defensores do ensino gratuito oriundos de departamentos vizinhos, cujos alunos obviamente não seriam nem potenciais nem virtuais alvos do curso recém-criado. Coordenei com igual dedicação o curso de Especialização em Língua Inglesa, não conveniado, do mesmo departamento a que pertenço. Mantive minha personalidade e minha essência. Meu papel continuou o mesmo, apenas passei à minha sucessora, juntamente com o bastão da administração, involuntariamente, a lentidão do sistema à época. Esse tipo de trabalho foi para mim de pouca complexidade, pois eu tinha facilidade para lidar com cronogramas, números e linguagem para divulgação dos cursos. Coordenei o Laboratório de Línguas (doravante Lab) da UEL por dois anos (1998-2000), tempo em que o reestruturei. Encontrei uma estrutura caótica tanto administrativa quanto acadêmica. Enquanto eu tratava de questões administrativas, Denise Ortenzi cuidava da acadêmica. Os professores foram inicialmente receptivos a nossa chegada. Não pouparam críticas ao antigo coordenador e foram os primeiros a louvar todas as ações que lhes trouxeram estrutura básica da qual não desfrutavam, como sala de permanência, armários para livros, aquisição de material didático, fornecimento de cópias para material didático, diárias e passagens para eventos. Denise e eu não seguimos cartilha alguma para coordenar, administrativa e academicamente, o Lab. Tomamos conhecimento da prática cristalizada ao longo de décadas naquele lugar, por meio de pesquisa junto ao corpo docente e aos alunos matriculados nos cursos de línguas. Sob qualquer ângulo que examinássemos os dados, estávamos sempre diante da INSATISFAÇÃO com o Lab, seus cursos, sua (falta de) estrutura, suas exigências pedagógicas descompassadas com os avanços das últimas décadas da Linguística Aplicada. Com base em tais pesquisas e em observações presenciais de práticas e depoimentos de gestores de outros Laboratórios de Línguas nacionais (UNICAMP e PUC-SP), Denise e eu abolimos um elefante branco, que ocupava área suficiente para três amplas salas de aula. Tratava-se do laboratório de áudio, onde nossas professoras da década de 80 levavam os alunos para ouvir diálogos e repetir palavras após modelo estrangeiro. O elefante branco deu lugar à primeira sala de multimeios da universidade, uma adaptação ao que visitei no Centro de Estudos de Línguas da Unicamp. Ela foi aberta à comunidade acadêmica, portanto não restrita a alunos do laboratório, com

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23 estações de trabalho12. Parte do espaço ocupado pelo antigo mamute possibilitou oferecer aos professores do Lab sala de permanência devidamente equipada para que pudessem preparar aulas, atividades e guardar seus materiais didáticos. O referido espaço tornou-se possível por mudança radical na concepção administrativa do Lab. Coordenação administrativa e técnicos administrativos, que passaram a compartilhar a mesma sala, sem divisória alguma, para que todos vissem o que todos faziam e para que não houvesse qualquer assunto da coordenação a ser privado da ciência dos técnicos13. O espaço físico antes reservado à coordenação, o reservado à secretária e os verdadeiros guetos em que técnicos administrativos houveram trabalhado durante anos foram abolidos. As mudanças de caráter físico, implementadas no primeiro ano da gestão, foram apenas consequências das de natureza ontológica. Ao trazer para meu convívio os técnicos administrativos, eu os tirei da condição sub-humana em que os havia encontrado. O espaço que o funcionário Daine tinha para trabalhar restringia-se ao de uma escrivaninha velha, descascada, queimada pelo sol ardente que bate por horas no verão nas salas do piso superior do prédio antigo do Centro de Humanidades. A mesa dele era disposta de frente para o sol e era nesse lugar que ele se sentava. Atrás dele, havia uma saleta onde centenas de fitas cassete ficavam dispostas em prateleiras, verdadeiro labirinto, à sombra, esperando que o funcionário as retirasse vez ou outra, para empréstimo a alunos e professores. Daine tinha como instrumentos de trabalho apenas um bloco de anotações de empréstimo de fitas e caneta esferográfica. Na única sala da administração, ele passou a ter sua estação de trabalho, assim como os demais colegas de trabalho. Não apenas inteligente, prestativo, focado, eficaz, responsável e ético, Daine foi um de meus braços no Laboratório de Línguas, a quem confiei a movimentação e acompanhamento dos recursos financeiros do Lab. Ele produzia, até a chegada de meu outro braço, impecáveis relatórios semestrais de prestação de contas às instâncias competentes da UEL. Porém, se coordenar administrativamente o Lab era tarefa descomplicada, coordená-lo academicamente seria mexer em vespeiro. As mudanças que Denise, de modo informado, propunha encontraram imensa resistência por parte dos professores. Denise deixou a coordenação e eu passei a desempenhar essa função conjuntamente à coordenação administrativa, pois ambas as esferas estavam irremediavelmente ligadas.

12 À época, os computadores e mesas encontravam-se guardados e aguardando construção de um prédio, que somente ficaria pronto durante o tempo em que eu cursava o doutorado na Holanda (2002-2005). Como administradora, tinha de decidir se investiria recursos na aquisição de um hub para esses computadores e abriria a sala de multimeios imediatamente ou se aguardaria a tal construção do prédio, pois tanto o hub quanto a fiação ficariam para trás com a mudança física para outro espaço físico. Cientes de que o tempo favorece obsolência, Denise e eu decidimos pelo uso imediato dos equipamentos. 13 Essa foi uma opção arriscada, pois sempre pode haver um Judas em qualquer ambiente. Todavia, minha coragem sempre foi maior que tais possibilidades, assim como minha certeza de que quem age corretamente não precisa se preocupar com facadas pelas costas. Estas são inevitáveis.

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Trago aqui minhas anotações reveladoras das práticas impensáveis do Lab em 1998. Adiciono comentários que faço no presente tempo de escrita, os quais destaco com fonte Times New Roman, em itálico, com marca-texto azul:

Pautas Lista de número de alunos nas pautas finais difere do número de inscritos. Como pode o Lab emitir mais certificados do que o número de pagantes apurado?Inexistiam bolsas de estudos oferecidas pelo Lab. Se todos que recebem certificados pagaram matrícula, onde foram parar as taxas cobradas? As pautas não têm data nem ano. A quem interessava esse tipo de documento? Como podia ter sido admitido um ‘sistema’ de pauta divergente do adotado por qualquer instituição educacional? Não havia padronização de pautas. Isso sempre fora assim nos mais de 25 anos que antecederam minha gestão? As pautas não eram arquivadas na secretaria; eram destruídas quando o relatório era aprovado. Por que pessoas destroem documentos que a lei determina arquivar para possibilitar consulta? Relação de certificados Tem ano. Difere da lista das pautas Todos alunos tinham 100% de frequência. Os cursos do Lab à época deviam ter entrado para o Guinness! Fontes de dados para relatórios e demonstrativos eram diversas. Ex. Ficha de inscrição, pautas finais, relatório semestral, lista de certificados. Qual a diferença entre o real e o virtual? Entre o declarado e o praticado? Administração e professores tinham ciência disso e concordavam com isso? Base de referência O maior número apurado de inscritos O maior número total de aprovados apurado Final de janeiro de 98, mais da metade dos arquivos no computador foram deletados, conforme apurado pelo funcionário Daine. Por quê e em interesse de quem? Base de referência Pautas do professor Não foi possível fazer levantamento de 1997-1 porque só havia nota de aprovados. Ex.: 1 aprovado em [idioma suprimido14] no Básico IV. Não se sabe quantos iniciaram o curso. Se era prática anterior que as turmas admitissem até 30 alunos e se todos os certificados eram emitidos com 100% de frequência, quais as razões para o espantosamente mínimo dígito de aprovação no idioma? Não há pauta de frequência. Por quê? Não há segunda via da Guia de Recolhimento, pois eram destruídas. Por que a terceira era enviada à Pro-reitoria de Assuntos Financeiros e as segundas vias, que deveriam ser arquivadas no Lab eram destruídas? (Desconto (não era) dado).

14 Supressão do idioma visando à anonimidade.

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Não é possível identificar corretamente quantos alunos eram da comunidade interna porque verificou-se que muitos não tinham ligação com a UEL e recebiam desconto na inscrição, como se tivessem. A quem interessava esse pântano? O que de fato isso permitia encobrir ou dificultar? Arlete – ramal 4401 – Assessoria Jurídica. Não era arqueólogo, tampouco a polícia, mas precisei de orientação jurídica para iniciar meu trabalho no Lab.

A anotação do ramal da Assessoria Jurídica da UEL mostra minha primeira providência à entrada do Lab. Arrumação da casa implicou tirar pessoas de sua zona de conforto e aqueles que antes exerceram papel bajulador passaram a resistir e a se opor a mudanças. Revoguei as “prerrogativas” que certos professores exerciam de cancelar turmas como bem entendessem, de iniciarem com turmas repletas e terminarem com 1 ao final do semestre. Administradora que lida com questões dessa natureza de modo objetivo e zela pelos interesses e finalidades da Universidade obviamente angaria antipatia e torna-se alvo de maledicência. Ignorei falatórios, birras, chiliques, tramoias, pois tinha certeza da correção das minhas ações estavam acima do nível pessoal. Levantar dados relativos ao desempenho de cada língua estrangeira ensinada no Laboratório de Línguas implicou expor que determinado idioma não conseguia e passar do nível básico II, porque nunca finalizava com número de alunos suficiente para abrir turma no semestre seguinte. Restringir uma tal brincadeira de ofertar cursos baratos com recursos humanos caros pagos pelos cofres públicos significava, por um lado, deixar de praticar concorrência desleal com a iniciativa privada, segmento da sociedade para o qual também é papel das IES formar profissionais. Por outro lado, significava alimentar defensores eloquentes de ensino praticamente gratuito à comunidade que se matriculava nas línguas ofertadas. Tais defensores em geral desconheciam o perfil de quem procurava os cursos nos horários os menos prováveis de acesso à comunidade universitária. Se Daine fora um de meus braços, o outro foi o técnico administrativo Celso, hoje gerente da Caixa Econômica Federal. Ele veio trabalhar no Lab no primeiro ano de minha gestão. Eficientíssimo, pró-ativo, ele um dia encontrou uma segunda via de guia de recolhimento de taxa de matrícula enroscada em uma gaveta de arquivo. A partir dessa descoberta, apurou discrepâncias entre o dinheiro depositado aos cofres da universidade e o relatório baseado na emissão de guias e nos documentos de registro de matrícula feitos no computador. Uma vez certos de que se tratava de desvio de recursos, reuni todos os funcionários do Lab e lhes informei sobre a descoberta. Dei chance à pessoa que subtraíra a quantia prazo de uma semana para devolvê-la, anonimamente, ao Lab, colocando-a em armário de acesso a todos os funcionários. Findo tal prazo e ausente a devolução, emiti imediatamente o ofício ao Reitor, solicitando instruções administrativas. Se o Reitor tivesse me ordenado a pagar a diferença à UEL, eu o teria feito, pois, embora não fosse a responsável pelo sistema de matrículas até então adotado pelo Laboratório, eu me tornara sua coordenadora administrativa e, independentemente de qual fora valor devido, ele deveria voltar aos cofres da instituição. O Reitor solicitou os serviços da Auditoria. Anotações de bastidores, de meu próprio punho, mostram meu empenho para desvendar a origem de desvios de recursos financeiros

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arrecadados pelo Laboratório de Línguas15. Trabalhava com a Auditoria da universidade, me vi fazendo papel investigativo, detectando que em anos anteriores, pela apuração das vias somente entregues à Pro-reitoria de Assuntos Financeiros, que desvios vinham sendo praticados, sempre em quantias cujo total coincidia com o valor supostamente devido à concessão de descontos em taxas de matrícula. Tinha a esperança de que, ao final do processo que se mostrou longo, a(s) pessoa(s) criminosa(s) fosse(m) apontada(s). Fomos letárgicos em acionar o banco que funcionava no campus para que nos ajudassem a identificar possível depósito de cheques que apuramos terem sido emitidos por pagantes dos cursos. Se a minha inexperiência investigativa fora lamentável, por outro lado, minha suspeita e a de outros funcionários apontavam para uma mesma pessoa. Durante o tempo em que a auditoria se desdobrou, havia um aspecto mais transparente do que qualquer pedaço de papel, de que qualquer de vários depoimentos que colhemos de pagantes dos cursos: a linguagem paralinguística, não verbal, dos olhos, do corpo, dos gestos nervosos. O encerramento de pessoa antes falante em pessoa então calada com todos. Em parte, discordo do Direito, que precisa de provas “objetivas” e seguras para condenar alguém, sob risco, do contrário, de injustiçar inocentes. Por outro lado, como mãe, sempre soube quando meu filho, desde pequeno, fazia algo errado, do qual tinha consciência, e tentava ocultá-lo. Eu não precisava inquirir, nem fazer meu filho expelir a verdade. Ela se estampava nos seus olhos e no modo como andava e agia. O mesmo quando algum aluno agiu desonestamente comigo, por meio de plágio ou mentira. Preciso registrar que contei com o suporte da técnica administrativa Maria Emília, funcionária calma e polida, com especiais dotes artísticos. Ela confeccionava cartazes para o Laboratório de Línguas. Seus problemas de saúde a afastavam constantemente do trabalho. Ela veio trabalhar conosco ainda no primeiro ano de minha gestão. Anos depois, encontrar-se-ia acometida de câncer que a suprimiu de nossa convivência. Eu me lembro da lista de doações que correu pelo Centro de Humanidades. Ao fazer minha doação, senti tristeza ao ver que a lista de contribuintes era tão curta. Maria Emília contou com a solidariedade de colegas do quadro administrativo, que pediram doação de fraldas geriátricas. Obviamente contribuí com numerário para compra de fraldas, o tipo de “ação à distância” que não tira pedaço, não empobrece ninguém. Levando em conta que alguém seriamente doente pode se alegrar com a atenção de um alô no dia de seu aniversário, eu liguei para Maria Emília. Havia passado anos que eu deixara de ser uma referência hierárquica superior para ela, que chorou muito ao telefone e me agradeceu repetidamente. Falou que tinha saudades, pediu para eu ir visitá-la. Eu não tive coragem de tomar tal passo, pois sabia que a pessoa risonha, corada e grandona que fora ocupava então corpo franzino sobre a cama. Sua morte se deu pouco tempo depois, sem me deixar dor na consciência. Assim que deixei a coordenação do Lab, pude me concentrar em atividades acadêmicas. Alguns meses haviam se passado, quando, por acaso, verifiquei que meu saldo bancário era muito superior ao valor que mentalmente era capaz de controlar, como sempre o faço. Ele resultava de depósitos feitos inadvertidamente pela UEL, que não havia sido comunicada pela instância competente para interromper o pagamento de função gratificada relativa ao cargo de coordenadora.

15 Memento 70 – Laboratório de Línguas – anotações administrativas.

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Filha de Tsutomu e irmã de Márcia Teshima, obviamente informei imediatamente a UEL sobre o erro e devolvi os valores indevidamente creditados em minha conta, conforme documentação comprobatória16. Ao escrever aqui essa passagem da minha vida na universidade, lembro-me do dia, no verão de 2005, em que, em companhia de amigos holandeses, caminhávamos pelo campo para chegarmos ao museu Hombroich17, que fica em Neus, Alemanha. No caminho, havia um campo de flores e uma pequena cabaninha. Nela, estavam à disposição, uma cesta de vime e uma tesoura a serem usadas para colher flores. Havia também uma lista de preços das flores por unidade e uma pequena lata para depositar o dinheiro. É um campo sem vendedores, nem vigias. E funciona.

18 Lembro-me também de quando, copiando artigo de um livro, na Universidade de Nijmegen, o canto de uma folha enroscou na máquina e rasgou. O papel era fino como seda e continha parte impressa na face e no verso. Apresentei-me com o livro a um bibliotecário como responsável pelo dano ao material. Ele me agradeceu por ter trazido o livro e disse que não lhe custaria nada para consertá-lo. Honestidade é algo que depende unicamente de princípios, de consciência e de fibra. Sempre temos escolha e somos guiados pelo nosso caráter, pela nossa essência.

16 Memento 49: Honestidade. 17 http://www.inselhombroich.de/museum-insel-hombroich/museum/ 18 Campo de flores aberto à comunidade ao auto-serviço de colheita e pagamento sem vigias. Neus. Alemanha. Verão 2005.

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Em 2006 e 2007, coordenei o primeiro Colegiado do Curso de Letras Estrangeiras Modernas. Como tudo que é inaugural, tem em cada um de seus passos um desafio, pois não há caminho trilhado. Para trilhá-lo, foi necessário conhecer estatuto, regimento, resoluções, instruções e regulamentos. Foi necessário observar prazos e mobilizar ações. Exerci essa coordenação com Otávio Goes de Andrade e sem ele não teríamos realizado as primeiras avaliações de cursos em suas habilitações únicas em língua estrangeira, assim como aprovado a inserção da habilitação opcional em língua e cultura francesas. Realizamos a primeira edição de recepção aos calouros e criamos a página do Colegiado até hoje hospedada no site da UEL. Ao contrário do ensino, não repeti nenhuma experiência em funções coordenadoras e ou administrativas. Defendo que todos precisam ter a chance de experimentar o leme e sempre tive consciência de que funções administrativas requerem tempo para reuniões, muitas das quais para criarem ilusão de consenso e democracia, e que, em última análise, de fato oneram a produção acadêmico-científica. A propósito, faço breve reflexão sobre minha experiência em pesquisa na UEL. Meus cadernos da década de 90 são divididos por atividade que eu desempenhava. Nas partes reservadas a projetos, minhas anotações foram irrisórias, isto porque sempre anotei tudo e esse tudo nunca passou do total de três páginas. Convivi com colegas pesquisadoras e posso dizer que, pela minha imaturidade científica à época, não planejava pesquisa como aprenderia a fazer no doutorado. Uma vez, participei de atividade laboral na UEL e uma colega propôs escrever um artigo sobre a participação de professoras em tal atividade. Era o tipo de artigo em que, como autoras, nos posicionamos acima daquelas de quem falamos e criticamos, algo que meu orientador de doutorado Piet-Hein me ensinou a não mais fazer. Somente a partir do doutorado é que passei a planejar e executar pesquisas de modo linear e não aproveitar o bonde que estava passando e resolver filosofar a respeito. Pesquisas planejadas são claras e fáceis de conduzir. Elas permitem chegar a conclusões que não eu conheço a priori. Estudo para não repetir trabalhos precedentes; pesquiso para descobrir o que ainda não sei. Desde o mestrado na Unicamp, tenho por princípio compartilhar os resultados de minhas pesquisas com quem produz os dados que analiso, de forma a negociar minhas interpretações. É isso o que incentivo a todos meus alunos de pós-graduação, tenham sido os de especialização, mestrado ou doutorado. Coordeno atualmente o projeto de pesquisa Pensamento Crítico para Ação Transformadora e participo do projeto de pesquisa Estudos Foucaultianos, do Departamento de Direito Privado, do Centro de Estudos Sociais Aplicados da UEL. Lidero dois grupos de pesquisa junto ao CNPq: (I) Letramento Crítico: Cognição e Discurso e (II) Linguagem & Poder. Nos projetos de pesquisa que coordeno, leitura de três artigos ou capítulos de livros é discutida a cada 13 dias. Todos são convidados a compartilhar suas experiências acadêmicas desde a última reunião e também a expor seus apontamentos e comentários sobre as leituras feitas. Tarefas são divididas entre todos – todos fazem de tudo. As reuniões têm dia, hora para iniciar e acabar. Anotações sobre cada reunião de trabalho ajudam a manter o foco

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e objetivos do grupo. Em minha falta, que foi o caso durante longo período de licença para tratamento de saúde entre final de 2012 e meados de 2013, os membros do projeto de pesquisa assumiram a agenda da investigação, o que contribuiu para que o projeto não atrasasse nem fosse prejudicado em nenhuma etapa. Posso afirmar que fiquei muito orgulhosa de todos eles e muito feliz não apenas pelo êxito de sua iniciativa, mas por esta capacidade, que considero essencial nutrir e fortalecer, visando à sua autonomia futura. Recentemente, propusemos o projeto de extensão Congresso Internacional da Linguística Aplicada Crítica, a ser sediado na UEL no segundo semestre de 2015. Aprovado pelo conselho departamental, em breve estará vigorando na universidade e nossos trabalhos de organizadores do evento se iniciam à abertura de 2014. Como se vê, passei a usar a primeira pessoa do plural, pois trabalhamos juntos e juntos construímos memórias para um futuro que um dia será um passado compartilhado. Temos caminhado juntos, temos nos apoiado mutuamente, precisamos e contamos uns com os outros. Se trabalhei em projetos de ensino, pesquisa e extensão com as colegas Denise, Elaine, Telma e Vera, antes de iniciar o Doutorado, depois de concluí-lo passei a trabalhar sozinha, inicialmente, e depois com Elaine. Tive oportunidades de interlocução apenas com as três últimas, principalmente em razão de atuarmos no mesmo programa stricto sensu. Levei pelo menos dois anos para estar na posição de convidar uma colega para bancas de qualificação e defesa de dissertação de Mestrado. Esse número atende as regras do programa e são tais regras que me impedem, por exemplo, de chamar Denise para debater pesquisas por mim orientadas. Entre 2010 e 2011, convidei Telma para co-editar, comigo e com Klaas van Veen, o livro Identidades de professores de línguas. Conheci uma Telma atenta nas leituras e relevantes apontamentos que fez aos capítulos que compõem a obra. A sua eficiência, que já conhecia de tempos passados, apresentava-se acentuada, o que de fato contribuiu para o tempo de gestão da coletânea junto à editora da UEL. Cabe-me efusivos elogios a toda equipe Eduel, pelo profissionalismo, pela destacada competência na produção editorial, em especial, pelo refinamento visual, gráfico. Telma, que havia iniciado contato com a designer da capa do livro, havia pedido à designer que compusesse uma capa com imagem ligada à fragmentação, característica predominante nos referenciais teóricos adotados pelos autores que contribuíram para a obra. Também sugeriu as cores azul e laranja na composição visual. Assumi os contatos com a designer até o final da produção do livro pela editora.

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Estas três versões de capa foram tentativas iniciais da designer:

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A meu pedido, a designer elaborou estas versões adicionais:

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Finalmente, a capa utilizada no livro:

Antes de co-editar o livro Identidades de Professores de Línguas, eu tive a grata experiência de trabalhar com Adja e Otávio, na produção do livro Reflexões sobre o ensino das línguas estrangeiras. Foi meu privilégio contar com a atenção de Otávio a detalhes e refinado gosto de Adja, além de sua experiência de trabalho na Eduel, quando trabalhava para a UEL. Meu papel de co-organizadora era reunir as contribuições dos colegas do curso de Especialização em Línguas Estrangeiras, de proceder aos ajustes após revisão ortográfica, de convidar o prefaciador e de mediar as reações dos colegas ao prefácio redigido por John Robert Schmitz, e de mediar o trabalho entre a editoração e a leitura final do boneco por parte de cada autor.

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Adja e Otávio escolheram as lindas cores da capa, do papel em suave bege que recebeu a impressão do miolo. Adicionalmente a essas opções, a tinta dourada em tom envelhecido na capa e a inserção de uma folha de seda para abrir cada capítulo conferem ao livro sensação de folhear um antigo álbum de fotografia. Essas definições feitas por Adja e Otávio convidam o leitor a folhear o passado e evidenciam o capricho e zelo que lhes é característico em seus trabalhos. Antes de participar da co-edição desse livro, toda minha experiência editorial resumia-se a três trabalhos: o primeiro, em 1998, com Vera e Denise, de Londrina, e

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Adelaide19, de Maringá (Universidade Estadual de Maringá), na produção de três cadernos para ensino de inglês no ensino básico, para o que fomos contratadas pelo governo do Estado paranaense. Esta é a capa do primeiro caderno que produzimos:

19 Maria Adelaide de Freitas. Doutorado em Letras Assis pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2003).

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O segundo resultou da orientação, juntamente com Denise e Mário Benedito Sales20 (Departamento de Comunicação da UEL), de graduandos do curso de Letras (inglês), para produção de unidades didáticas para ensino de leitura em inglês, baseado em gêneros textuais e estratégias de leitura.

20 Mestrado em Educação. Universidade Estadual de Londrina (2002).

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Mário foi o grande responsável pela produção visual do material didático, pela ideia de que, uma vez pronto, parecesse com uma revista para adolescentes, público a que se destinava o material e fonte dos textos originais em inglês explorados nas atividades didáticas. Com Mário, aprendemos, professoras e alunas, sobre cores, padrões de fontes e imagens, tamanhos e tipos de papel e de acabamento, enfim, muito do que até então era de conhecimento especializado da Comunicação. LIPS (Linguagem e Prática Social) era o nome do projeto de ensino interdisciplinar que realizamos na UEL, sob minha coordenação, no primeiro ano, e de Denise, no segundo. Coube a mim obter as revistas para adolescentes junto a editoras estrangeiras, bem como sua permissão para uso dos textos e imagens contidos nas revistas que conseguimos. Também consegui patrocínio externo à UEL para a impressão em material de elevado custo em gráfica comercial, bem como para a produção fotográfica dos alunos da educação básica que estampam a capa do material cujo nome escolhido foi Life Contents. Obtivemos apoio das empresas Milênia Agrociências21 (impressão), Brascolor22 (estúdio e fotografia) e Lincoln Tramontini23 (penteado feminino e maquiagem). Minha terceira experiência editorial foi com a publicação na Holanda da minha tese doutoral. Contratei os serviços de editoração de profissional de Londrina. Aos seus préstimos, atribuo o imperdoável ‘c’, quando o correto é ‘s’, em publishing, em uma das referências bibliográficas. Na capa do livro há uma composição de retalhos de tecidos, em formas geométricas retilíneas, em preto e branco. Devo à minha mãe a costura destes tecidos que resultaram em quadro quadrados distintos, formados, cada um deles, a partir de seis peças triangulares. Usei-os na ilustração da capa do livro, para representar como eu via a aprendizagem de minhas alunas de graduação, participantes do projeto LIPS: cada aprendizagem composta de elementos compartilhados com as aprendizagens das outras graduandas, em proporções individuais que as diferenciavam entre si, como se tais aprendizagens chegassem a ser diametralmente opostas, assim:

21 http://www.milenia.com.br/ 22 http://www.brascolorfotoevideo.com.br/ 23 http://www.lincolntramontini.com.br/default/default.asp

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1 2 3 4 Quando posicionadas no quadrante acima, as peças 1 a 4, que são unas, compõem ilusão visual simétrica, espelhada, assumindo a forma final que ilustra a capa do livro:

Optei por capa em preto fosco; branco para letras do título e do meu nome. O resultado gráfico não foi nada atraente, pelo que sou totalmente responsável, assim como o sou por aspecto de suma importância em uma tese: a revisão redacional. Embora, por seu conteúdo, ela tenha recebido recomendação à mais elevada distinção conferida a teses na Holanda (cum laude) e, todavia, este ano, eu tenha me surpreendido com declaração24 de um dos membros da banca de que a distinção foi conferida à tese25, considerava meu inglês, à época, ainda carente de aperfeiçoamento26 e sou capaz, hoje, de apontar meus erros linguísticos. 24 Declaração de Franz Mönks disponível na seção Olhares Externos (Superiores – 1): http://www.uel.br/pessoal/sreis/pages/arquivos/VIDA%20E%20DESTINO/3%20OLHARES%20EXTERNOS/ARQUIVOS%20WORD/SUPERIORES/2013_M%C3%B6nks_Doctoral%20Cum%20Laude_and%20emails.pdf 25 Informação ratificada por John Robert Schmitz, por e-mail datado de 27 Agosto 2013: “I wanted to go even higher […]. I don´t think you know that. Cum laude is fine. The degree and the knowledge, experience and academic friendships are what count”. Tradução de Simone Reis: “Eu queria elevar ainda mais […]. Não sei se você sabe disso. Cum laude é OK. O grau e o conhecimento, a experiência e amizades acadêmicas são o que importa”. 26 Todavia meu domínio da língua estrangeira tivesse sido generosamente elogiado na avaliação escrita por John Robert Schmitz, eu somente me convenceria de minha proficiência em 2011, quando recebi no Brasil o resultado do exame da Universidade de Cambridge, que prestei em final de 2010 (Conceito C2).

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Em 2011, comecei a organizar o segundo livro voltado ao campo da Identidade de professores de línguas estrangeiras. Juntamente com Alcione Gonçalves Campos e Juliana Orsini da Silva, atuais alunas de doutorado sob minha orientação, submetemos a obra à Eduel. Este ano, tivemos notícia de que uma parecerista convidada a recomendar ou rejeitar a publicação pela editora simplesmente não responde qualquer mensagem há meses, não importa quantas vezes se tente contatá-la. Por esse motivo, enquanto organizadoras, submetemos o livro à publicação comercial, pela Editora Pontes, na série coordenada por Kleber Aparecido Silva27. No segundo semestre de 2013, iniciei estudo e crítica da obra referencial comumente adotada em estudos da análise crítica do discurso – a Introdução à Gramática Funcional (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004). Faço-os com os membros do projeto de pesquisa Pensamento Crítico para Ação Transformadora. A finalização do estudo está prevista para 2015-2 e o resultado final será proposta de livro dirigido à área de Linguística Aplicada. Também coordeno grupo de tradução de obra pós-estruturalista que estudei durante o pós-doutorado na Inglaterra, escrita por autor americano e publicada pela Routledge, em inglês. A equipe é formada por pós-graduandos da UEL e conta com a participação e orientação especializada de John Robert Schmitz. A obra contém a única tradução para o inglês de trecho do discurso de Michel Foucault a que temos acesso em português, em forma de livro, sob o título A Ordem do Discurso. Trata-se de empreitada que demanda profundas pesquisas em obras literárias remotas, produzidas há séculos. Adjetivada por John como ‘cerebral’, a obra foi escrita por Robert Young, da Universidade de Nova Iorque, que me concedeu o direito à tradução para o português, para publicação pela Eduel. Este trabalho, em fase de revisão, aguarda minha retomada, pois eu o interrompi quando adoeci no trabalho, em 201228.

27 Doutor em Estudos Linguísticos. Universidade Estadual Paulista (UNESP - São José do Rio Preto). 2010. 28 Memento 3: REIS, Simone. Acreditem, se quiserem. Novembro 2013.

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Em conclusão desta seção de memórias de trabalho, posso afirmar que participar do desenvolvimento29 de meus alunos tem sido meu objetivo desde que me tornei mestre pela Unicamp. Assistir a seus êxitos, receber notícias das oportunidades profissionais e pessoais que abraçam são gratas recompensas cotidianas. Isso não é maravilhoso? O que mais posso querer é algo sobre o que discorro na seção ‘Futuro’.

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29 Desenvolvimento inclui consciência da necessidade da valorização e uso de ferramentas de trabalho, que, para o educador, inclui livros, assim como para o médico, um estetoscópio. Doutor em Estudos Linguísticos (Linguística Aplicada - Língua Estrangeira) pela Universidade Estadual Paulista (UNESP - São José do Rio Preto) 30 Semente de Dente de Leão (Taxaracum officinale).