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ENTRE O DESEJO E A POSSE: a “Felicidade Clandestina” de Clarice Lispector. Eliana Aparecida Costa (G. UEL) Elizandra Martins (G. UEL) 1 Anseios Refletir Clarice Lispector e seus escritos é um exercício um tanto instigante, uma vez que a vasta e instigante literatura da escritora pode ser analisada nos mais diversos prismas. Neste, contudo temos o intuito de lançar um novo olhar ao conto “Felicidade Clandestina” e pensar a questão da identidade do leitor infantil. Temos em desejo a vontade de conseguir algo, alguém ou alguma coisa; em posse: o ato de se apossar de algo, apoderar-se ou indo mais adentro do significado cabível a este estudo: invadir. Assim, como em “Felicidade Clandestina” a personagem/narradora tem um árduo caminho a percorrer entre a vontade tamanha de invadir as linhas mágicas de “Reinações de Narizinho” de Monteiro Lobato, pretendemos de uma forma branda demonstrar a questão da identidade do leitor explicitada no conto em análise. Assim, por meio de um conciso levantamento dos estudos já realizados, queremos lançar um olhar nas exposições que já foram difundidas do mesmo conto em questão, para assim confirmar a nossa afirmação acima lançada, de que a obra desta distinta autora permite os mais diversos olhares. Procuramos descrever um pouco da trajetória da autora e em linhas gerais abordar a temática do conto enquanto gênero literário.

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Analisa o Conto felicidade clandestina de Clarice Lispector

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ENTRE O DESEJO E A POSSE: a “Felicidade Clandestina” de Clarice Lispector.

Eliana Aparecida Costa (G. UEL)Elizandra Martins (G. UEL)

1 Anseios

Refletir Clarice Lispector e seus escritos é um exercício um tanto

instigante, uma vez que a vasta e instigante literatura da escritora pode ser

analisada nos mais diversos prismas. Neste, contudo temos o intuito de lançar um

novo olhar ao conto “Felicidade Clandestina” e pensar a questão da identidade do

leitor infantil.

Temos em desejo a vontade de conseguir algo, alguém ou alguma

coisa; em posse: o ato de se apossar de algo, apoderar-se ou indo mais adentro do

significado cabível a este estudo: invadir. Assim, como em “Felicidade Clandestina”

a personagem/narradora tem um árduo caminho a percorrer entre a vontade

tamanha de invadir as linhas mágicas de “Reinações de Narizinho” de Monteiro

Lobato, pretendemos de uma forma branda demonstrar a questão da identidade do

leitor explicitada no conto em análise.

Assim, por meio de um conciso levantamento dos estudos já

realizados, queremos lançar um olhar nas exposições que já foram difundidas do

mesmo conto em questão, para assim confirmar a nossa afirmação acima lançada,

de que a obra desta distinta autora permite os mais diversos olhares. Procuramos

descrever um pouco da trajetória da autora e em linhas gerais abordar a temática do

conto enquanto gênero literário.

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2 Clarice Lispector e o Gênero literário: Conto

Clarice Lispector, fechada em seu “Eu” é um alvo muito denso, que

nos permitiria uma vasta investigação no que se relaciona a questão de identidade.

Nascida na década de 20, durante o processo de imigração da família

ucraniana para a América, no período pós-guerra. Clarice Lispector é terceira filha dos pais

judeus Pedro e Marieta. O seu nascimento teve como intuito a cura de sua mãe, como nos

relata Fanini (2006, p. 68) “Marieta Lispector não estava muito bem de saúde e, conforme

superstição difundida na Ucrânia, ela poderia se curar caso engravidasse”.

Moraram até os seus três anos em Maceió e depois se mudaram para

Recife, por questões financeiras. Quando sua mãe faleceu, ela e os demais familiares foram

para o Rio de Janeiro.

[...] nasci na Ucrânia, terra de meus pais. Nasci numa aldeia chamadaTchechelnik, que não figura no mapa de tão pequena e insignificante.Quando minha mãe estava grávida de mim, meus pais já estavam seencaminhando para os Estados Unidos ou Brasil, ainda não haviamdecidido: pararam em Tchechelnik para eu nascer, e prosseguiram viagemCheguei ao Brasil com apenas dois meses de idade. Sou brasileiranaturalizada, quando, por uma questão de meses, poderia ser brasileiranata (LISPECTOR, 1999 aput FANINI, 2006, p. 72).

Com relação a sua predileção, ou seja, a desenvoltura com a escrita que

Lispector teve desde o inicio de sua carreira como escritora, salienta Fanani (2006) que

estas influencias se deram principalmente pela origem judaica de sua família, que apesar de

todas adversidades vivenciadas sempre buscaram cultivar suas raízes.

Assim, “Perto do Coração Selvagem” seu primeiro romance surge como

algo adverso no cenário literário brasileiro, como podemos observar na fala de Lucas (2011,

p. 46) ao relatar que a sua narrativa construía-se:

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[...] sobre matrizes preexistentes, enquadrada por concepção eprocedimentos consagrados, mostrando-se herdeira de um realismotransparente, referenciada de um modo claro a uma realidade anterior, quese buscava reduplicar mediante uma representação verista, tanto quantopossível. Vivia-se ainda sob os reflexos da mediação sensória como novocritério do real.

Ao situarmos Clarice no tocante a questão de identidade, temos em suas

palavras, que foi por meio do conto que a mesma buscou a sua inserção à sociedade

brasileira.

Fiz da língua portuguesa a minha vida interior, o meu pensamento maisíntimo, usei-a para palavras de amor. Comecei a escrever pequenos contoslogo que me alfabetizaram, e escrevi-os em português, é claro. Criei-me noRecife, e acho que viver no Nordeste ou no Norte do Brasil é viver maisintensamente e de perto a verdadeira vida brasileira que lá, no interior, nãorecebe influência de costumes de outros países. Minhas crendices foramaprendidas em Pernambuco, as comidas de que mais gosto sãopernambucanas. E através de empregadas aprendi o rico folclore de lá.Somente na puberdade vim para o Rio com minha família: era a cidadegrande e cosmopolita que, no entanto, em breve se tornava para mimbrasileira-carioca (LISPECTOR, 1999 apud FANINI, 2006, p.74).

De acordo com Moisés (1979), o gênero literário conto destaca-se

por sua capacidade especifica de narrar os fatos, por sua unidade de ação, ou seja, um

só conflito, um só drama, atos estes praticados pelos protagonistas, estes sempre em

número reduzido, no decorrer da história.

Em “A leitura e a escrita como tema nos contos de Clarice

Lispector” Reis (2011) busca levantar a literatura e a escrita como tema nos contos

de Clarice Lispector, salientando que em sua obra podemos encontrar nitidamente

as referencias que norteiam a compreensão do ato de ler e logo o de escrever.

Já no artigo “Cenas da infância ou modulações do desejo e da

dor: dois contos de Clarice Lispector” têm como prisma os anseios infantis. Ao

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analisar os contos, “Felicidade Clandestina” e “Restos de Carnaval” Roefero (2007)

busca descrever a saga infantil em busca de seus desejos.

Lucas (2011) em “Clarice Lispector e o impasse da narrativa

contemporânea” relata as particularidades da narração Clariceana, destacando a

sua não inserção no que se consideravam padrão nas artes literárias e situando

também o conto como um gênero de difícil tipificação.

3 A criança Clarice e sua “Felicidade Clandestina”

O conto “Felicidade Clandestina” já foi alvo dos mais diversos

olhares como podemos observar nos parágrafos anteriores. Ao pensa-lo sob o

prisma da identidade de Clarice criança e enquanto leitora, temos alguns enfoques a

analisar.

A princípio, é importante salientar que de acordo com Silva (2005, p.

83) “As relações de identidade e diferença ordenam-se, todas, em torno de

oposições binarias”. Como acontece logo no início do conto na descrição da

antagonista versus protagonista:

Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meioarruivados. Tinha um busto enorme, enquanto nós todas ainda éramosachatadas [...] nós que éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias,altinhas, de cabelos livres (LISPECTOR, 1995, p.#)

Após destacarmos a questão da identidade/diferença entre as

personagens do conto em questão, adentramos ao critério da identidade da

personagem/narradora/escritora. Classificado como um conto de memorias por

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Nádia Gotlib (1995). “Felicidade Clandestina” vem relatar a infância de Clarice

Lispector na cidade de Recife.

Assim sendo, o nosso intento nesta apreciação é de destacar a

identidade leitora de Clarice Lispector.

Como bem podemos observar no conto, Lispector tinha uma ávida

paixão pela leitura, ao passo que nem notava as humilhações em que era submetida

pela filha do livreiro. Esta, que usava como artifício as posses do bem cultural que

eram os livros para se tornar superior as demais meninas e em especial a Clarice.

Como se não bastasse enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto,com balas. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de históriasgostaria de ter: um pai dono de livraria. (LISPECTOR, ##, grifo nosso)

Como já mencionado anteriormente, Fanini (2006) salienta que o

gosto pela leitura, características próprias dos judeus, surge logo nos primeiros anos

de vida da menina Lispector, o que fez com que seu pai tivesse o cuidado no

estimulo a tal predileção. Isso a levou, a escrever desde então a fim de afirmar a sua

identidade brasileira, como podemos constatar na fala que se segue:

Fiz da língua portuguesa a minha vida interior, o meu pensamento maisíntimo, usei-a para palavras de amor. Comecei a escrever pequenos contoslogo que me alfabetizaram, e escrevi-os em português, é claro. Criei-me noRecife, e acho que viver no Nordeste ou no Norte do Brasil é viver maisintensamente e de perto a verdadeira vida brasileira que lá, no interior, nãorecebe influência de costumes de outros países. Minhas crendices foramaprendidas em Pernambuco, as comidas de que mais gosto sãopernambucanas. E através de empregadas aprendi o rico folclore de lá.Somente na puberdade vim para o Rio com minha família: era a cidadegrande e cosmopolita que, no entanto, em breve se tornava para mimbrasileira-carioca (LISPECTOR, ..##) .

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Deste modo, a sua paixão pela literatura e pela língua portuguesa,

ainda quando criança é retratada no conto pelo livro desejado: “As reinações de

Narizinho” de Monteiro Lobato. Ainda mesmo que desprovidas de condições que lhe

possibilitasse o encontro com a leitura ela não media esforços para alcançar tal bem.

“Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia:

continuava a implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia” (LISPECTOR,

conto#).

Para ela o livro almejado torna-se um objeto de desejo, algo que

está acima de suas posses, mas que nem assim ela desiste de possui-lo. “Era um

livro grosso meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o,

dormindo-o.” (LISPECTOR, ano ##). Ao saber que a filha do livreiro possuía um livro

por ela tão almejado, e somente a promessa de tê-lo em mãos, já a encheu de

esperança. Fazendo com que fosse ao encontro do mesmo repetida e

exaustivamente.

No dia seguinte fui a sua casa, literalmente correndo. [...] Olhando bem paraos meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, eque eu voltasse no dia seguinte para busca-lo. [...] E assim continuo.Quanto tempo? [...] Quanto tempo? Eu ia diariamente à sua casa, sem faltarum daí sequer. Ás vezes ela dizia: pois o livro esteve comigo ontem detarde, mas você só veio de manhã, de modo que o emprestei a outramenina. (LISPECTOR, ##)

Considerações Finais

Referências

ARAUJO, R. da C. A escritura-leitura crítica de Clarice Lispector http://revistaliter.dominiotemporario.com/doc/aleituraescrituradeclarice.pdf

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FANINI, M. A. As confluências entre experiência social e produção literária: notas para uma sociologia da escrita de Clarice Lispector. Caderno Espaços Feminino, v.15, n.18, Jan./ Jun. 2006, p. 65-83. Disponível em: <> Acesso em:

FERREIRA, E. M. A. Clandestina felicidade: infância e renascimento em Clarice Lispector. Disponível em: <> Acesso em: 30/03/11.

LISPECTOR,C.

LISPECTOR, C. Esclarecimentos: explicação de uma vez por todas. In: ______. A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999

LUCAS, F. Clarice Lispector e o impasse da narrativa da narrativa contemporânea. Disponível em:<> Acesso em: 30/03/11.

MOISÉS, M. Criação Literária: prosa. 9. ed.rev.aum. São Paulo: Melhoramentos, 1979.

GOTLIB, N. B. Clarice: uma vida que se conta. São Paulo: Ática, 1995.

REIS, J. C.; CAMARGO, M. R. R. M. de. A leitura e a escrita nos contos de Clarice Lispector. Disponível em: < http://alb.com.br/arquivo-morto/edicoes_anteriores/anais14/Sem03/C03019.doc> Acesso em: 30/03/11.

ROEFERO, E. L. Cenas da infância ou modulações do desejo e da dor: dois contos de Clarice Lispector. Ângulo, n.11, Out./Dez. 2007, p.48-53. Disponível em :<> Acesso em> 30/03/11.