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GRADUAÇÃO 2014.2 TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS AUTOR: OTTO EDUARDO FONSECA LOBO

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GRADUAÇÃO 2014.2

TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

AUTOR: OTTO EDUARDO FONSECA LOBO

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SumárioTrading Eletrônico e o Mercado de Capitais

1. ROTEIRO DO CURSO .......................................................................................................................................... 41.1 Visão Geral .............................................................................................................................. 41.2 Objetivos Gerais ...................................................................................................................... 41.3 Metodologia ............................................................................................................................ 41.4 Desafi os e Difi culdades ............................................................................................................ 51.5 Métodos de Avaliação .............................................................................................................. 51.6 Atividades Complementares .................................................................................................... 5

2. AULA 1: A ATUAÇÃO DOS ADVOGADOS NA CRIAÇÃO DE RIQUEZAS ................................................................................. 6A) Ementário de Temas.................................................................................................................. 6B) Material de Leitura ................................................................................................................... 6C) Roteiro de Aula ........................................................................................................................ 6D) Bibliografi a Complementar .................................................................................................... 11E) Glossário ................................................................................................................................. 11

3. AULA 2: AUTO-REGULAÇÃO ............................................................................................................................... 12Introdução ................................................................................................................................... 12A Legislação Brasileira ................................................................................................................. 12Estrutura Regulatória ................................................................................................................... 13Vantagens e Desvantagens da Estrutura Regulatória ..................................................................... 14Providências Adotadas para Melhorar a Estrutura Regulatória ...................................................... 15Concept Release Concerning Self-Regulation .............................................................................. 16Consulta Pública — Edital de Audiência Pública SDM Nº 05/13 ............................................... 27

4. AULA 3: OS VALORES MOBILIÁRIOS .................................................................................................................... 38

5. AULA 4: OS MERCADOS NORTEAMERICANO E EUROPEU E A MELHOR EXECUÇÃO ............................................................. 42O Mercado de Capitais nos Estado Unidos .................................................................................. 42O Mercado de Capitais na Europa ............................................................................................... 45

6. AULA 5: AS OPORTUNIDADES PARA O BRASIL ........................................................................................................ 51A Melhor Execução e o Desafi o para o Brasil ............................................................................... 52

7. AULA 6: ILICITUDES ADMINISTRATIVAS E PENAIS NO AMBITO DO MERCADO DE CAPITAIS BRASILEIRO ............................... 551. Introdução ............................................................................................................................... 552. O Ilícito Penal. Manipulação do mercado, criação de condições artifi ciais,

operações fraudulentas e práticas não equitativas — Art. 27-C da Lei 6.385/1976. ......... 563. O Ilícito Administrativo. ......................................................................................................... 614. O Termo de Compromisso. ..................................................................................................... 63

8. AULAS 7 E 8: A CVM E OS CASOS DE ALIENAÇÃO DE CONTROLE NAS SOCIEDADES ANÔNIMAS ............................................. 68A) Ementário de Temas................................................................................................................ 68B) Material de Leitura ................................................................................................................. 68C) Roteiro de Aula ...................................................................................................................... 68Conclusão ................................................................................................................................... 74Conclusão ................................................................................................................................... 75Conclusão ................................................................................................................................... 76D) Texto de Apoio ....................................................................................................................... 77

9. AULAS 9 E 10: OFERTA PÚBLICA DE AQUISIÇÃO DE AÇÕES ......................................................................................... 80A) Ementário de Temas................................................................................................................ 80B) Material de Leitura ................................................................................................................. 80C) Roteiro de Aula ...................................................................................................................... 80D) Leitura complementar ............................................................................................................ 92

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10. AULA 11: POISON PILLS ................................................................................................................................. 95A) Ementário de Temas................................................................................................................ 95B) Material de Leitura ................................................................................................................. 95C) Roteiro de Aula ...................................................................................................................... 95D) Textos Complementares ......................................................................................................... 99E) Glossário ............................................................................................................................... 108

11. AULA 12: TAKEOVER PANEL ........................................................................................................................... 109A) Ementário de Temas.............................................................................................................. 109B) Material de Leitura ............................................................................................................... 109C) Roteiro de Aula .................................................................................................................... 109D) Bibliografi a ........................................................................................................................... 113

12. AULAS 13 E 14: GOVERNAÇA CORPORATIVA, OS INTERESSES FUNDAMENTAIS E AS QUESTÕES ÉTICAS. ............................. 115A) Ementário de Temas.............................................................................................................. 115B) Material de Leitura ............................................................................................................... 115C) Roteiro de Aula .................................................................................................................... 115D) Textos de Apoio .................................................................................................................... 121E) Estudo de Casos .................................................................................................................... 138F) Glossário ............................................................................................................................... 140G) Questões de Concurso .......................................................................................................... 141

13. AULA 15: OPERAÇÕES DE REORGANIZAÇÕES SOCIETÁRIA: ASPECTOS TRIBUTÁRIOS .................................................... 142A) Ementário de Temas.............................................................................................................. 142B) Material de Leitura ............................................................................................................... 142C) Roteiro de Aula .................................................................................................................... 142D) Textos de Apoio .................................................................................................................... 154Contextualização ....................................................................................................................... 154

14. AULA 16: O USO DOS FUNDOS DE INVESTIMENTOS EM PARTICIPAÇÕES FIP ............................................................... 164A) Ementário de Temas.............................................................................................................. 164B) Material de Leitura ............................................................................................................... 164C) Roteiro de Aula .................................................................................................................... 164D) Textos de Apoio .................................................................................................................... 166E) Caso ...................................................................................................................................... 172F) Glossário ............................................................................................................................... 172

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1 Especiais agradecimentos ao Marcelo

Trindade Matos de Andrade, Paula Lígia

Oliveira Dias, Carolina Ferraz Barbosa

Ferreira e Guilherme Torres Bandeira de

Mello que auxiliaram, de forma efetiva,

na elaboração de diversos capítulos da

presente apostila.

1. ROTEIRO DO CURSO

1.1 VISÃO GERAL

Sejam bem-vindos ao ATC de Trading Eletrônico e o Mercado de Capitais.Propõe-se à análise e aplicação das seguintes leis e regulamentos a casos

concretos de mercado de capitais e direito societário: Lei das S.A., Código Civil, Instruções da CVM e regulamentos do Conselho Monetário Nacional e portarias do Ministério da Fazenda.

1.2 OBJETIVOS GERAIS

O advogado que pretende trabalhar com mercado de capitais e direito so-cietário necessita ter uma visão multidisciplinar do direito e, principalmente, compreender as questões mais relevantes. A ênfase é buscar o equilíbrio entre a teoria e a prática. Portanto, nesta disciplina o aluno irá analisar e discutir questões conceituais e práticas destes temas, através de estudo de casos, aná-lise e discussão de textos, memorandos, contratos e documentos típicos de mercado de capitais e direito societário.1

Ainda, com relação à parte específi ca de mercado de capitais, é importante que os alunos reconheçam a relevância da discussão da regulação e autoregu-lação e suas consequências.

1.3 METODOLOGIA

O material didático menciona o roteiro de cada aula, com indicação dos textos para leitura, os casos práticos a serem estudados e outras questões rele-vantes. Serão também apresentados textos de leitura complementares.

As primeiras aulas serão importantes para fi rmar os conceitos básicos da matéria. Propõe-se também trabalhar em diversos casos e contratos que serão a espinha dorsal de parte do curso.

Serão apresentadas questões praticas e teóricas na maioria das aulas.Ademais, o curso poderá contar com atividades complementares, como a

realização de palestras com professores e profi ssionais convidados, projeção de fi lmes e documentários, e apresentação de seminários pelos alunos.

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1.4 DESAFIOS E DIFICULDADES

Os principais desafi os serão identifi car e analisar as questões relacionadas ao mercado de capitaios e o direito societário e aplicar os conhecimentos teó-ricos, incluindo as leis, instruções, pareceres de orientação aos casos concretos e aos contratos e documentos a serem elaborados em situações trazidas por operações de mercado de capitais e direito societárias.

1.5 MÉTODOS DE AVALIAÇÃO

Serão realizadas avaliações baseadas em atividades em sala de aula ou em trabalhos sobre temas específi cos a serem indicados pelo professor.

1.6 ATIVIDADES COMPLEMENTARES

Dependendo do andamento do curso, poderão ser propostas atividades adicionais.

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2 Neste sentido, o artigo seminal de Ro-

nald Coase, “The Problem of Social

Cost”, publicado em 1961, sugeriu que

direitos de propriedade bem defi ni-

dos poderiam superar os problemas

das  externalidades. Desde que os cus-

tos de transação se aproximassem de

zero, acordos mutuamente benéfi cos

regulariam quem arcaria com o custo

da externalidade. Coase, Ronald, “The

Problem of Social Cost”, The Journal of

Law and Economics. Vol.3, No.1 (1960).

Essa edição foi publicada em 1961.

2. AULA 1: A ATUAÇÃO DOS ADVOGADOS NA CRIAÇÃO DE RI-QUEZAS

A) EMENTÁRIO DE TEMAS

A função dos advogados de negócios na economia. Noções de agente defi -citário e agente superavitário. O mercado fi nanceiro e suas divisões. Diferen-ciações entre o mercado de capitais e o resto do mercado fi nanceiro.

B) MATERIAL DE LEITURA

Eizirik, Nelson; Gaal, Ariadna B.; Parente, Flávia; Henriques, Marcus de Freitas. Mercado de Capitais — regime jurídico. 2. ed. revisada e atuali-zada. Rio de Janeiro: Renovar: 2008. p. 1-8.

YAZBEK, Otavio. Regulação do mercado fi nanceiro e de capitais. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. p. 126-127.

PEDREIRA, coordenado por Alfredo Lamy Filho; José Luiz Bulhões. Direi-to das Companhias. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 215-218.

C) ROTEIRO DE AULA

Inicia-se este curso com uma análise sobre o necessário reconhecimento da função fundamental exercida pelos advogados no desenvolvimento da econo-mia e distribuição de justiça.

Atualmente, os economistas concordam em uníssono quanto à importân-cia da propriedade para o aprimoramento do capital humano, ao contrário do que afi rmava a doutrina comunista surgida no século XIX. Em outras palavras, a existência da propriedade é uma arma efi ciente que pode ser usada na busca do bem-estar social, pois ela incentiva muito mais a produtividade do que o sistema centralizador comunista, pois através da propriedade pode ser realizada a distribuição de riqueza.2

Quando atribuímos a importância da propriedade na busca do bem-estar social, somos logo levados a investigar a sua origem: o sistema jurídico, que é aquele que impõe à sociedade o respeito à sua existência.

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3 Por exemplo, Anthony Kronman, ex-

-reitor da Yale Law School, escreveu

que “the intellectual movement that

has had the greatest infl uence on Ame-

rican academic law in the past quarter-

-century [of the 20th Century]” is law

and economics. Anthony T. Kronman,

The Lost Lawyer 166 (1993).

4 Exemplo é o caso Boomer v. Atlantic

Cement Company, Inc., em que a Court

of Appeals of New York não condenou o

réu a pagar indenização ao autor, pois

o efeito econômico de tal obrigação

levaria o réu à falência, prejudicando

centenas de empregados do réu.

5 Oliver E. Williamson (1981).  “The

Economics of Organization: The Tran-

saction Cost Approach”.  The American

Journal of Sociology 87 (3): 548—577.

6 Gilson,  Ronald  J., Lawyers as  Tran-

saction  Cost Engineers (August 1997).

Disponível em: http://ssrn.com/abs-

tract=11418 acessado em 14 de maio

de 2012.

7 Agência, na tradução livre do termo

Agency, na verdade é o princípio do co-

mitente e comissário, previsto no nosso

direito civil.

Law and Economics

A partir disso, foi dado início ao intercâmbio de informações entre a área econômica e a jurídica, com vistas ao aperfeiçoamento das teorias de ambas as áreas de estudo. Neste sentido, foi criada a doutrina Law and Economics, amplamente explorada pela doutrina norte-americana3, com refl exos notáveis nas decisões judiciais norte-americanas, e que no Brasil ganhou o nome de Análise Econômica do Direito. A partir dessas análises, procura-se aplicar a solução mais efi ciente economicamente ao litígio em questão.4

Mas a conexão entre direito e economia não se encerra nesta seara. Ainda, e mais importante para este curso, percebeu-se recentemente o papel funda-mental do advogado societário no aprimoramento do bem-estar social, na medida em que sua atividade reduz os custos transacionais.

Os custos transacionais são aqueles custos que surgem na realização de uma transação econômica, além do preço da coisa em si. Por exemplo, a taxa de comissão que se deve pagar ao corretor quando se compra uma ação.

Oliver Williamson, professor de Yale, especialista em custos de transação, de-monstrou em seu trabalho5 que a redução dos custos de transação é uma função essencial na economia, que é em grande parte desenvolvida no âmbito jurídico.

Aperfeiçoando esta ideia, o Professor Ronald Gilson da Stanford Law School denominou os advogados de negócios como “engenheiros de custo de transações”6. A frase demonstra uma parte importante da utilidade especial que os advogados de negócios trazem aos seus clientes.

Este artigo fundamental do professor Ronald Gilson reconhece que as estruturas organizacionais e transacionais criadas pelos advogados podem ser compreendidas como mecanismos que economizam em informação, barga-nha e custos agenciais7.

Sem dúvidas, os custos de transação que os advogados de negócios ajudam a reduzir envolvem as despesas correntes de negociação, documentação e a efetivação de transações — por exemplo, a burocracia do registro de docu-mentos perante órgãos públicos. Mas a atuação advocatícia não se encerra neste âmbito. A sua contribuição vital para o bem-estar humano, enquanto busca o bem-estar do cliente, é a criação de novas soluções para problemas que são percebidos nas transações. Nesta atividade criativa, os advogados de negócios permitem que seus clientes assumam formas adicionais ou novas de riscos, e assim são exercidas novas atividades criadoras de riqueza.

Deste modo, Gilson enxerga o papel exercido pelos advogados de negócios como engenheiros de custos de transação, cuja função é agir como interme-diários organizacionais, projetando efi cientes estruturas de custo de transação através das quais eles desenvolvem suas atividades produtivas.

É importante chamar atenção à importância pública desta atividade. A continuação do desenvolvimento dos mercados de capitais no Brasil, assim

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8 Vella, Beatriz Franco, Daniel Kalansky,

Bianca Soares e Rodrigo V. International

Business Transactions with Brazil. Juris

Publishing, Inc. 2008.

9 Eizirik, Nelson; Gaal, Ariadna B.;

Parente, Flávia; Henriques, Marcus de

Freitas. Mercado de Capitais — regime

jurídico. 2. ed. revisada e atualizada.

Rio de Janeiro: Renovar: 2008. p. 2.

10 Fernando Carvalho explica o fun-

cionamento do sistema fi nanceiro:

“Sistemas fi nanceiros permitem que

aqueles que acumulam ou herdam

recursos, mas que não tem capacidade

ou desejo de empregá-los produtiva-

mente, possam transferi-los para os

que se dispõem a empreender, a inovar,

a contribuir para o desenvolvimento

das atividades produtivas. Relações 

fi nanceiras servem assim para ala-

vancar o desenvolvimento econômico,

permitindo uma alocação de recursos

muito mais efi ciente do que aquela que

resultaria previamente.” CARVALHO,

Fernando J. Cardim de, et al. Economia

monetária e fi nanceira: teoria e prática.

Rio de Janeiro: Campus, 2000. pg. 237.

como dos empréstimos bancários e investimentos privados, é uma medida signifi cativa nas mãos dos advogados de negócios do país. Os seus esforços para projetar e realizar transações inovadoras aos seus clientes e para ajudar na construção da infra-estrutura moderna institucional de uma economia de mercado para o Brasil traz tanto benefícios privados como públicos.8

Por um longo tempo, os advogados de negócios têm oferecido essa função aos seus clientes. Nos dias de hoje, a complexidade do mundo do direito e das fi nanças crescentemente requer que os advogados de negócios efetivamente tenham amplo conhecimento, se não forem experts, em conceitos de corpora-te fi nance, exercendo uma interdisciplinaridade entre a economia e o direito.

Noções econômicas sobre o mercado fi nanceiro

O estudo da tecnologia e regulamentação dos mercados de capitais exige, previamente, uma introdução econômica sobre o funcionamento dos mer-cados.

Dois conceitos são essenciais à compreensão dos mercados: poupança e in-vestimento. Os economistas classicamente conceituam como ato de poupan-ça a abstenção de consumo, enquanto o ato de investimento seria a utilização de recursos poupados para a produção de um bem de capital.

A partir da poupança e investimento, criou-se uma classifi cação dos agen-tes econômicos que atuam na economia capitalista. Agentes superavitários são aqueles que possuem um nível de renda superior aos seus gastos, ou seja, possuem recursos fi nanceiros poupados, pois escolhem por poupar mais do que investir. Já os agentes defi citários são os que possuem um nível de gastos superior ao da renda, ou seja, necessitam de recursos para realizarem investi-mentos, pois decidem por investir mais do que poupar.9

O mercado fi nanceiro tem como objeto a canalização da poupança para o investimento, ou seja, a transferência dos recursos dos setores superavitários para os defi citários. O denominado Sistema Financeiro Nacional, regulado pela Lei nº 4.595/1964, é o conjunto de instituições responsáveis pela captação de recursos fi nanceiros, pela distribuição e circulação de valores e regulação dos processos10.

Dentro do mercado fi nanceiro se situam diferentes tipos de mercados, que lidam com formas específi cas de transferência de recursos daqueles que os têm para aqueles que precisam deles. São eles o mercado de crédito, o merca-do monetário, o mercado cambial e o mercado de capitais.

Para explicação do âmbito de atuação de cada um destes mercados, nos valemos da explicação de Valdir Lameira sobre o tema:

“O mercado de crédito é onde se operam, a curto ou médio prazos, os recursos que se destinam ao fi nanciamento de consumo e capital de giro para empresas e indivíduos, através, principalmente, de bancos comerciais.

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11 LAMEIRA, Valdir de Jesus. Mercado de

Capitais. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense

Universitária, 2000. p. 8-9.

12 YAZBEK, Otavio. Regulação do merca-

do fi nanceiro e de capitais. 2. ed. Rio de

Janeiro: Elsevier, 2009. p. 128.

No mercado de câmbio se realizam operações que carecem de conversão de moedas para a sua concretização. São, em geral, operações de curto prazo [...]. As instituições fi nanceiras que operam nesse mercado são os bancos co-merciais e as corretoras de câmbio e valores mobiliários.

O mercado monetário permite ao governo federal controlar, através de operações com vencimento no mesmo dia (curtíssimo prazo), os meios de pagamento (depósitos à vista em bancos comerciais + papel moeda em po-der do público), valendo-se basicamente de lançar títulos de dívida pública (União, Estados ou Municípios) resgatáveis e com taxas de juros atraentes para os aplicadores. [...]

O mercado de capitais é onde se concentram operações de longo prazo, ou de prazo indeterminado, com o objetivo de fi nanciamento de um complexo industrial, da compra de máquinas e equipamentos, ou obtenção de sócios ou parcerias, para a capitalização de empresas já existentes no mercado ou que estejam se constituindo.

Também ocorrem nesses mercados processos de alongamento do perfi l da dívida de uma empresa, através da troca de dívidas de vencimento a longo prazo, ou a antecipação de fl uxos de caixa futuros, descontados a valor pre-sente, em processos conhecidos como securitização”11

Cabe lembrar que a divisão sistemática do mercado fi nanceiro não é ab-soluta, já que o mercado é dinâmico e surgem incessantemente instrumentos complexos que visam cumprir novas fi nalidades, cuja classifi cação num mo-delo rígido se torna dúbia.12

No mercado fi nanceiro, as transações são realizadas por meio de uma in-termediação profi ssional entre os agentes defi citários e os superavitários. As instituições fi nanceiras, que são entidades especializadas autorizadas adminis-trativamente a funcionar no mercado fi nanceiro, organizam a transferência de recursos de forma peculiar, em decorrência da fungibilidade dos bens que intermedeiam. Elas captam recursos junto aos superavitários, com a fi nalida-de de repassá-los, como empréstimos, aos defi citários. Mas, ao emprestar os recursos, elas agem como se os recursos emprestados fossem próprios — ou seja, atuam em nome próprio. O agente superavitário não tem uma relação direta com o superavitário.

Muitas vezes, o agente superavitário pretende emprestar seu recurso por curto prazo, enquanto o defi citário necessita do empréstimo do recurso por um longo prazo. A instituição fi nanceira soluciona este problema, pois tem o papel de compatibilizar os prazos pretendidos por cada um dos agentes, permitindo que aquele que lhe empresta o recurso o saque à vista, e exigindo a dívida daquele a quem emprestou o dinheiro só depois de certo prazo.

As instituições fi nanceiras são essenciais para o funcionamento da econo-mia, pois transmitem uma segurança de capacidade patrimonial. Quando esta confi ança está abalada, podem acontecer as chamadas “corridas bancá-

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13 Um exemplo é a afi rmação de econo-

mistas sobre a crise da Grécia em 2011-

2012, de que o maior risco que a Grécia

correu durante sua crise econômica foi

o de crise bancária. Com a ameaça de o

país sair da zona do euro, o dinheiro po-

deria se desvalorizar ao ser convertido

em moeda local, o que amedrontaria

os gregos que tinham suas economias

depositadas em bancos gregos. Por

exemplo, a economista Miriam Leitão,

em artigo publicado em 25 de maio de

2012, afi rmou que o pior risco à econo-

mia grega era a corrida bancária. Dis-

ponível em: http://oglobo.globo.com/

economia/miriam/posts/2012/05/25/

corrida-bancaria-maior-risco-enfren-

tado-hoje-pela-grecia-447137.asp,

acessado em 01/07/2012

14 Otavio Yazbek, minoritariamente,

diverge de tal análise sobre o merca-

do de capitais, argumentando que ela

deixa de considerar atividades como as

atividades securitárias e as operações

com derivativos, que funcionam de for-

ma diversa. YAZBEK, Otavio. Regulação

do mercado fi nanceiro e de capitais.

2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. p.

126-127.

15 PEDREIRA, coordenado por Alfredo

Lamy Filho; José Luiz Bulhões. Direito

das Companhias. Rio de Janeiro: Foren-

se, 2009. p. 218.

rias”, em que os superavitários em massa sacam seus recursos que estavam depositados na instituição fi nanceira.13

As instituições fi nanceiras, ao realizar esse serviço de intermediação, com-patibilização de prazos e assunção de riscos, recebem uma remuneração, de-nominada spread, que consiste na diferença entre a taxa de juros pagos na captação dos recursos e os juros cobrados no momento de repasse ao agente defi citário.

No entanto, o mercado de capitais se diferencia dessa estrutura adotada pelo resto do mercado fi nanceiro. No mercado de capitais, a relação de fi nan-ciamento se estabelece diretamente entre o agente superavitário e o agente defi citário. Existe uma instituição que realiza a intermediação entre os agen-tes, mas que não age em nome próprio; apenas participa da transação, como um interveniente que presta o serviço de aproximação entre as partes. Isto faz com que a remuneração de tais instituições seja menor do que a remuneração das instituições fi nanceiras típicas, tornando a transação menos custosa para o agente defi citário.

No mercado de capitais, em contraste com o resto do mercado fi nanceiro, a segurança das operações fi nanceiras não reside na saúde patrimonial de uma instituição fi nanceira, mas sim na criação de fundos de garantia, da re-gulamentação das condutas adotadas pelos agentes econômicos, entre outros mecanismos.

Como a função da instituição fi nanceira no mercado de capitais é apenas de aproximação, sem substituição das partes, não é ela quem compatibiliza os prazos diversos desejados por cada um dos agentes. Esta função é então exercida pelo mercado secundário, cuja liquidez permite que haja compra e venda de ativos a qualquer momento desejado pelo agente.14

Em comparação ao restante do mercado fi nanceiro, o mercado de capitais é mais atraente tanto aos subscritores de ações como às companhias que se fi nanciam através da emissão de valores mobiliários que serão negociados no mercado de capitais. A título de exemplo, trazemos uma breve análise dos mestres Bulhões Pedreira e Lamy Filho sobre a dinâmica das ações nas sociedades:

“Do ângulo das empresas, os recursos obtidos na subscrição das ações são, sem dúvida, menos onerosos, dado que não supõem pagamento de juros e não têm prazo de resgate, ou melhor, não são exigíveis pelo subscritor.

Do ângulo do subscritor, trata-se de aplicação fi nanceira na medida de suas posses, ou de seus propósitos, sem outros riscos que não os do investimento, do qual espera resultados positivos, com a possibilidade de recuar, retirar-se me-diante alienação no momento que lhe parecer conveniente.”15

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D) BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

LAMEIRA, Valdir de Jesus. Mercado de Capitais. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000. p. 8-9

E) GLOSSÁRIO

Ato de investir: é a utilização de recursos poupados para a produção de um bem de capital.

Ato de poupar: é a abstenção de consumo, que resulta na sobra de recur-sos.

Agente defi citário: é aquele que investe mais recursos do que poupa re-cursos.

Agente superavitário: é aquele que deseja poupar mais recursos do que investi-los.

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3. AULA 2: AUTO-REGULAÇÃO

INTRODUÇÃO

Assim como as bases do nosso direito societário foram inspiradas em al-gum nível pelo Corporate Law do direito norte-americano, diferente não foi quanto à estrutura de regulação do mercado.

O sistema brasileiro de auto-regulação conferido às bolsas de valores usou como referência o Securities Exchange Act de 1934 dos Estados Unidos. Este “act” estatuiu poderes regulatórios às bolsas de valores, que passaram a vi-gorar como obrigação imposta por lei. Com a intenção de garantir que as funções reguladoras desempenhadas pelas bolsas atendessem ao interesse pú-blico, foi delegada a supervisão dos feitos à Securities Exchange Comission (SEC). De modo semelhante, observou-se implantar um sistema de auto-regulação igualmente para as operação de derivativos e mercados futuros com o Commodity Exchange Act, e a superveniente delegação da supervisão de seus atos à Commodity Futures Trading Commision (CFTC).

As razões cruciais que fi zeram com que o Congresso norte-americano ado-tasse o sistema de auto-regulação com supervisão governamental foram, pri-meiramente, o temor da burocracia governamental, e também a constatação de maior efi cácia no controle regulatório independente das bolsas.

Por adotar uma forma federalista de Estado, os Estados Unidos diferem do sistema brasileiro na medida em que os cinqüenta Estados da Federação e o Distrito de Columbia competem entre si em termos de negócios entre outros aspectos. No entanto, a lógica da auto-regulação que se pretende demonstrar neste capítulo permanece a mesma.

A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

A legislação vigente no ordenamento brasileiro sobre o assunto, encontra-se na Lei nº 6385/76, essencialmente em seu artigo 17, com redação dada pela Lei 10.303/11:

Art. 17. As Bolsas de Valores, as Bolsas de Mercadorias e Futuros, as entidades do mercado de balcão organizado e as entidades de compensação e liquidação de operações com valores mobiliários terão autonomia administrativa, fi nanceira e patrimonial, operando sob a supervisão da Comissão de Valores Mobiliários.

§ 1o Às Bolsas de Valores, às Bolsas de Mercadorias e Futuros, às entidades do mercado de balcão organizado e às entidades de compensação e liquidação de

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

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operações com valores mobiliários incumbe, como órgãos auxiliares da Comis-são de Valores Mobiliários, fi scalizar os respectivos membros e as operações com valores mobiliários nelas realizadas.

Como se vê, no ordenamento há disposição de que as bolsas, na condição de órgãos auxiliares da CVM, deverão fi scalizar os respectivos membros e as operações com valores mobiliários nelas realizadas. Esta competência confe-rida às bolsas está sujeita à supervisão da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Trata-se de um modelo de dupla-fi scalização que dita a regulação e a fi sca-lização das operações do mercado fi nanceiro e das corretoras. Primeiro a fi s-calização é delegada às bolsas, e à CVM só caberia fi scalizar o proceder deste poder regulatório, já que a Comissão de Valores Mobiliários, na condição de autarquia federal, deverá defender o interesse público.

As bolsas não poderão ser limitadas ou substituídas em seus atos de auto-regulação pela CVM, já que não consta dispositivo que a permita expres-samente na lei nº 6385/76. Esta questão da auto-regulação do mercado de capitais que era anteriormente pautada em princípios ganhou o patamar de imposição legal pela CVM.16

ESTRUTURA REGULATÓRIA

Congresso

Conselho Monetário Nacional

Comissão de Valores Mobiliários - CVM

Banco Central

Entidades Auto-reguladoras

* 1 — Congresso — Constituição e Leis; 2 — Conselho Monetário Nacional — Resoluções; 3 — Comissão de Valores Mobiliários — Instruções/Deliberações;

4 — Banco Central — Circulares e Cartas Circulares;

16 COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS

(CVM), Órgão Regulador e a Experi-ência Auto Regulatória, maio. 2001,

disponível em www.cvm.gov.br/port/

public/publ/PalestraAuto-regulação.

ppt, acessado em 06.08.2007 Apud

EIRIZIK, Nelson; GAAL, Ariadna B.; PA-

RENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus de

Freitas. Mercado de capitais — re-gime jurídico. Rio de Janeiro: Renovar.

2011, p. 213.

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FGV DIREITO RIO 14

17 A second off -cited virtue of self-re-

gulation is that the professional body

will have a special knowledge of what

regulated parties will see as reasona-

ble in terms of obligations. This allows

standards to be set in a realistic manner

— one that produces ‘identifi cation’

with the rules and higher levels of

voluntary compliance than is possible

with outside driven rules. Misjudging

levels of rules accountability leads, say

proponents of self-regulation, to low

levels of voluntary compliance, high

state enforcement costs and ineffi cient

controls”. BALDWIN, ROBERT; HUTTER,

BRIDGET e ROTHSTEIN, HENRY. Risk

Regulation, Management and Com-

pliance — A report to the BRI Inquiry,

p. 39. The London School of Economics

and Political Science.

18 ROMANO, Roberta, “Empowering Investors: A Market Approach to Se-curities Regulation” (1998). Faculty

Scholarship Series. Paper 1914. http://

digitalcommons.laws.yale.edu/fss_pa-

pers/1914

Desse modo, em paralelo à posição regulatória estatal (CVM, Banco Cen-tral, Conselho Monetário), constata-se a posição auto-regulatória desempe-nhada pelas Bolsas, que surgem:

1 Por Exigência legal (os ditames básicos desta disciplina encontram-se pautados na Instrução da CVM nº 461, de 23 de outubro de 2007);

2 Voluntária (Auto-regulação voluntária em complemento à regula-ção estatal — ANBID)17

VANTAGENS E DESVANTAGENS DA ESTRUTURA REGULATÓRIA

Acerca das vantagens e desvantagens desse sistema de Auto-regulação de-sempenhado pelas bolsas, muito se discute sobre a sua efi cácia.

Vem sendo consolidada a opinião de que o sistema de auto-regulação seria o mais efi caz no controle das atividades desenvolvidas pelas instituições inter-mediárias no mercado de valores mobiliários.

A doutrina inclina-se no sentido de conferir maior efi cácia às normas in-ternas no âmbito regulatório, as quais os membros das bolsas de valores obe-decem voluntariamente, do que as normas oriundas do Poder Público. Essa constatação decorre do fato de as normas auto-reguladoras se originarem de experiências concretas dos próprios “Market Players”, ocasionando a produ-ção de normas fl exíveis (condizente com as realidades do mercado) e uma mais fácil adequação às mudanças das circunstâncias do mercado. A própria participação dos membros do mercado na disciplina das suas atividades, por si só, já confere maior efi cácia à regulação. Nesse sentido, é pertinente a cita-ção de uma passagem do “Th e Yale Law Journal”, que observa:

“As a competitive legal market supplants a monopolist federal agency in the fashioning of regulation, it would produce rules more aligned with the preferen-ces of investors, whose decisions drive the capital market”18

Além disso, acredita-se que se essa fosse uma delegação governamental, não haveria o mesmo grau de efi cácia e nos depararíamos com uma situação de burocracia exacerbada.

Por outro lado, alegam-se como pontos negativos acerca do sistema de auto-regulação, principalmente, a possibilidade de haver confl ito de interes-ses entre a atividade regulatória desempenhada pelas bolsas e as operações comerciais desempenhadas pelos integrantes do mercado e pelas próprias bolsas. Desta situação pode-se destacar:

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FGV DIREITO RIO 15

19 Fleckner, Andreas M., Stock Exchan-ge at the Crossroads. Fordham Law

Review, Article, 2005 page 2541: “ with

increased competition caused by dere-

gulation, technological advances, and

globalization, the organization of stock

exchanges is at a crossroads.”

20 EIRIZIK, Nelson; GAAL, Ariadna B.;

PARENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus

de Freitas. Mercado de capitais — re-gime jurídico. Rio de Janeiro: Renovar.

2011, p. 216.

1 Pressão dos membros associados da bolsa para que a fi scalização seja feita de forma menos rigorosa, para benefi ciar seus negócios;

2 Confl ito entre os interesses das bolsas e os interesses particulares das corretoras;

3 A função regulatória das bolsas, enquanto órgão auxiliar do poder público, pode confl itar com a própria bolsa como entidade de di-reito privado.

Além dessas situações supramencionadas de confl ito de interesses, pode ser sustentada a posição de que em um contexto de globalização e o conseqüente encurtamento das distâncias, também somada à competição dos mercados19, ensejaria um fl uxo migratório dos investidores para bolsas off -shore diante de algum impeditivo ou incompatibilidade com os serviços auto-regulatórios desempenhados pelas Bolsas, fazendo com que as bolsas percam negócios e lucros em razão de sua função regulatória. Neste sentido, bem elucidou Nel-son Eizirik:

“A crescente competição em escala internacional entre as bolsas pode agravar tal confl ito, na medida em que os investidores e as corretoras passaram a ter maior fl exibilidade para, a qualquer momento, re-direcionar seus negócios para outras bolsas, aumentando, assim, os riscos de determinada bolsa vir a perder negócios caso, no exercício de sua função regulatória, venha a tomar medidas contrárias aos interesses de seus clientes.20

PROVIDÊNCIAS ADOTADAS PARA MELHORAR A ESTRUTURA REGULATÓRIA

Apesar de todos os refl exos negativos de se ter uma auto-regulação exerci-da pelas bolsas, esta competência condicionada à supervisão da CVM ainda parece a melhor e mais efi caz estrutura de fi scalização dos mercados.

Todavia, busca-se o aperfeiçoamento do sistema regulatório dos mercados para fi ns de redução dos casos de confl ito de interesses supracitados, e, ain-da, para promover a independência dos responsáveis pela implementação da atividade auto-regulatória. Nesse sentido, as bolsas têm adotado basicamente três medidas:

1 “Desmutualização”2 Separação das competências Comerciais e Regulatórias3 Escolha de membros independentes para integração nos Conselhos

de Administração.

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CONCEPT RELEASE CONCERNING SELF-REGULATION

SECURITIES AND EXCHANGE COMMISSION17 CFR PART 240Release No. 34-50700; File No. S7-40-04RIN 3235-AJ36CONCEPT RELEASE CONCERNING SELF-REGULA-

TIONAGENCY: Securities and Exchange Commission.ACTION: Concept release; Request for comment.SUMMARY: Th e Securities and Exchange Commission (“Com-

mission” or “SEC”) is publishing this concept release and seeking public comment on a range of issues related to the self-regulatory system of the securities industry. Th is release discusses the founda-tions of the self-regulatory system and new considerations that the Commission and the industry are facing. In addition, this release describes certain enhancements that could be made to the current system that could improve its operation and also discusses a variety of other potential approaches to securities industry regulation.

DATES: Mar. 8, 2005.I. IntroductionSelf-regulation is a key component of U.S. securities industry

regulation. All broker-dealers are required to be members of a self--regulatory organization (“SRO”), which sets standards, conducts examinations, and enforces rules regarding its members. 1 Most, but not all, SROs also operate and regulate markets or clearing servi-ces. 2 Inherent in self-regulation is the confl ict of interest that exists when an organization both serves the commercial interests of and regulates its members or users.

Th e Securities Exchange Act of 1934 (“Exchange Act”), 3 the Maloney Act of 1938 (“Maloney Act”), 4 and the Exchange Act Amendments of 1975 (“1975 Amendments”), 5 refl ect Congress’ determination to rely on self-regulation as a fundamental com-ponent of U.S. market and broker-dealer regulation, despite this inherent confl ict of interest. Congress favored self-regulation for a variety of reasons. A key reason was that the cost of eff ectively regulating the inner-workings of the securities industry at the fe-deral level was viewed as cost prohibitive and ineffi cient. 6 In addi-tion, the complexity of securities trading practices made it desirable for SRO regulatory staff to be intimately involved with SRO rule-making and enforcement. 7 Moreover, the SROs could set standards that exceeded those imposed by the Commission, such as just and

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equitable principles of trade and detailed proscriptive business con-duct standards. 8 In short, Congress determined that the securities industry self-regulatory system would provide a workable balance between federal and industry regulation. 9

Since the self-regulatory system was incorporated into the fe-deral securities laws, the Commission has reexamined it periodi-cally. 10 While steps have been taken over time to redress perceived shortcomings, the SRO structure has been repeatedly reaffi rmed both by Congress and the Commission. 11 In recent years, changes in the markets and in the ownership structure of SROs have gene-rated questions about the fairness and effi ciency of the current SRO structure. 12 Th e increased dispersion of order fl ow across multiple markets has produced questions of comparable regulation by SROs and the eff ectiveness of cross-market supervision. 13 Th e increased competition among markets for listings and trading volume has ap-plied pressure on SRO regulatory eff orts and sources of funding. 14 Moreover, the advent of for-profi t, shareholder-owned SROs has introduced potential new confl icts of interest and issues of regu-latory incentives. 15 In addition, recent failings or perceived failin-gs with respect to SROs fulfi lling their self-regulatory obligations have sparked public debate as to the effi cacy of the SRO system in general. 16

For these reasons, the Commission is publishing this release to discuss and solicit comments on the role and operation of SROs in today’s markets. Th is release examines a number of issues concer-ning securities industry self-regulation, including: (1) the inherent confl icts of interest between an SRO’s regulatory obligations and the interests of its members, its market operations, its listed issuers, and, in the case of a demutualized SRO, its shareholders; (2) the costs and ineffi ciencies of the multiple SRO model; (3) the chal-lenges of surveillance across markets by multiple SROs; and (4) the manner in which SROs generate revenue and how SROs fund regulatory operations. Finally, this release examines and seeks com-ment on certain enhancements to the current system and a number of regulatory approaches or legislative initiatives that could be con-sidered by the Commission to address concerns with the current SRO model.

II. Foundations of Self-RegulationSecurities industry self-regulation has a long tradition in the

U.S. securities markets. In its earliest years, the nascent U.S. secu-rities industry was subject loosely to state laws and, in 1792, the New York broker community negotiated the historic Buttonwood

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Agreement to form the fi rst organized stock market in New York. 17 As the NYSE and other stock exchanges developed, trading con-ventions became formalized as exchange rules. In 1817, the NYSE’s Constitution was adopted and the NYSE subsequently adopted a range of rules governing its members and listed companies, inclu-ding member fi nancial responsibility rules and listed company re-gistration and fi nancial reporting rules. 18 In 1820, a detailed set of NYSE By-Laws was adopted. 19

Federal regulation of exchanges, and their formal recognition as self-regulatory organizations, followed a number of signifi cant events, including the stock market crash of 1929 and the eviden-ce of NYSE investigatory failures related to market manipulation highlighted at the 1934 Pecora Hearings. 20 In Section 6 of the Ex-change Act, Congress recognized the regulatory role of exchanges, and required all existing securities exchanges, including the NYSE, to register with the Commission and to function as self-regulatory organizations. 21

Th e stock market crash of 1929 also severely damaged the pu-blic reputation of over-the-counter (“OTC”) securities dealers. In 1933, in an eff ort to improve their collective image, OTC dea-lers formed the Investment Bankers Code Committee (“IBCC”), which promulgated industry best practices. 22 In 1936, the IBCC was succeeded, by the Investment Bankers Conference (“IBC”), a prominent group of investment banks formed to act as a national, voluntary industry organization. 23

After experience with the IBCC and the IBC, the Commission and leaders of the investment banking community generally agreed that an industry association needed offi cial legal status in order to eff ectively carry out the task of self-regulating the OTC market. 24 Ultimately, in 1938, the Maloney Act amended the Exchange Act by adding a new Section 15A and establishing the concept of re-gistered national securities association SROs. 25 To date, the NASD and the NFA 26 are the only registered national securities associa-tions.

In enacting these provisions, Congress concluded that self-re-gulation of both the exchange markets and the OTC market was a mutually benefi cial balance between government and securities industry interests. 27 Th rough establishment of self-regulation, the securities industry was supervised by an organization familiar with the nuances of securities industry operations. In addition, indus-try participants preferred the less invasive regulation by their peers to direct government regulation and the government benefi ted by

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being able to leverage its resources through its oversight of self--regulatory organizations. 28 Moreover, the SROs had the ability to set proscriptive standards relating to just and equitable principles of trade and detailed business conduct standards. 29 In enacting the Maloney Act in 1938, Congress stated that an approach to securi-ties regulation relying solely on government regulation “would in-volve a pronounced expansion of the organization of the Securities and Exchange Commission; the multiplication of branch offi ces; a large increase in the expenditure of public funds; an increase in the problem of avoiding the evils of bureaucracy; and a minute, detai-led, and rigid regulation of business conduct by law.” 30

Th e legislative history of the 1975 Amendments noted that, ra-ther than adopt this purely governmental approach, Congress de-termined that it was “distinctly preferable” to rely on “cooperative regulation, in which the task will be largely performed by represen-tative organizations of investment bankers, dealers, and brokers, with the Government exercising appropriate supervision in the pu-blic interest, and exercising supplementary powers of direct regula-tion.” 31 Similarly, in 1975, Congress stated that a principal reason for retaining a self-regulatory regime was the “sheer ineff ectiveness of attempting to assure [regulation] directly through the govern-ment on a wide scale,” and that, although the SROs had not always performed their role up to expectations, self-regulation generally was considered to have worked well and “should be preserved and strengthened.” 32

Th e Commission has periodically examined the self-regulatory system and the extent to which SROs have successfully fulfi lled their statutory obligations. 33 Such analysis has sometimes resulted in SROs making changes to their structures or regulatory progra-ms. For example, after problems surfaced regarding the fl oor ope-rations of Amex specialists, the Commission sponsored the swee-ping 1961-1963 Special Study. 34 Th e Special Study concluded that SROs have a natural tendency to protect member fi rms and that SRO regulatory operations appear to falter without the “pointed stimuli” of vigilant Commission oversight. 35 Among other conclu-sions, the Special Study found a need for a reduction in the amount of control that exchange fl oor members exercised over exchange regulatory operations and governance. 36 Moreover, the study called for a general strengthening of SRO governance. 37

Another example of past analysis was the Commission’s Division of Market Regulation review of the structure and costs of the SRO system in the Market 2000 Report, which was published by the

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Commission in 1994. Th e Market 2000 Report noted the impact that increasing intermarket competition and duplicative SRO rules were having on the self-regulatory system. 38 In addition, the report discussed the extent to which costs to support the SRO system were being fairly allocated across the markets. 39 Th e report also examined the desirability of reallocating the regulatory and market functions of SROs and the possibility of the Commission assuming a greater role with respect to the functions carried out by the SROs. 40 While the opinion advanced in the Market 2000 Report was that such changes were unlikely to improve the existing SRO system, it did not foreclose the possibility of reconsidering this position in the future in light of changed circumstances. 41

Another example of past Commission analysis on this issue was in 1996 when the Commission instituted administrative pro-ceedings against the NASD with respect to OTC market maker pricing collusion. 42 At the same time, the Commission issued the 21(a) Report regarding the NASD and Nasdaq. In the 21(a) Re-port, issued pursuant to Section 21(a) of the Exchange Act, the Commission discussed at length a range of issues concerning the effi cacy of the self-regulatory system and the potential problems associated with inherent SRO confl icts. 43 Of particular concern, in this case, was the lack of independence of the NASD regulatory staff from Nasdaq’s market operations. 44

In sum, while Congress and the Commission have criticized and modifi ed the SRO system in the past, it has not been radically re-vised or dismantled since its establishment. Rather, it is generally considered that the SRO system has functioned eff ectively and has served government, industry, and investors well. 45 Notwithstanding this positive record, because of new considerations in our markets, the Commission believes it is an appropriate time to reexamine and solicit public comment on the effi cacy of the system overall.

III. New ConsiderationsIn recent years, the U.S. markets have experienced increasingly

vigorous competition. Th e eff ect of this development is that markets operated by SROs have faced increased competition from foreign trading markets and from electronic communications networks (“ECNs”) that have shifted signifi cant amounts of market share away from the primary markets, especially with respect to Nasdaq securities. For example, the NYSE and Amex historically domina-ted trading in their listed securities, and market makers dominated trading in Nasdaq stocks. Today, however, in the Nasdaq market, automated market centers (such as Nasdaq’s order collector, aggre-

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gator, and execution system, SuperMontage, the Archipelago ex-change (“ArcaEx”), and the INET ECN) have captured more than 50% of share volume. 46 For Amex-listed stocks (for which approxi-mately 39% of share volume now is represented by two extremely active exchange-traded funds (“ETFs”) — the QQQ and SPDR), Amex now handles approximately 21% of the volume, with the remaining balance split among Arca-Ex, INET, and others. 47 Th e NYSE has managed to retain approximately 80% of the volume in its listed stocks, but other market centers are raising the level of competition and reducing the NYSE’s share of trading. 48 Moreo-ver, the NYSE and Amex have sought to add automated facilities that are integrated with and complement their traditional exchange fl oors. 49 In the listed options markets, the proliferation of multiple trading of options and the entry of two new electronic exchanges has raised the tempo of competition among these markets and re-distributed their market share. 50

Th is heightened competition has benefi ted trading markets by spurring innovation in trading systems and responsiveness to custo-mers. 51 It has also driven down costs, including fees charged by the trading markets. 52 At the same time, this competition places grea-ter strains on the self-regulatory system. 53 Some industry observers have posited that trading previously covered by one market’s rules may move to another market in search of lower regulatory standar-ds. 54 Others have argued that trading across markets may be sub-ject to inconsistent rules across several markets. 55 Some have voiced concerns about falling market share inducing SROs to reduce the rigor of their member and market supervision programs. 56 Also, concerns have been raised about SROs favoring key participants in their markets to encourage those key participants to remain active in their markets or to attract other users. 57 Shifts in market share can undermine revenues supporting an SRO’s regulatory functions, without reducing the SRO’s responsibility for supervision of its members trading across markets. 58 Shifts in trading to multiple ma-rkets also increase concerns about potential gaps in the surveillance of intermarket trading. 59

Other considerations also may alter the delicate balance of the SRO system. Th e conversion of some SROs to publicly traded, for profi t status may increase the actual or perceived confl icts inhe-rent in the SRO model. 60 Likewise, numerous recent SRO failings related to governance, member oversight and trading supervision raise signifi cant concerns about the effi cacy of the self-regulatory model. 61 Finally, in response to the recently proposed Regulation

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NMS (“Reg NMS”), 62 commenters raised serious questions about the level of market data fees, which are an important component of SRO revenues and the funding of self-regulation. 63 Th e Com-mission believes that it is an appropriate time to issue a concept release to examine and solicit public comment on the extent to which recent developments in our markets warrant changes to the current system.

IV. Current SRO System AttributesTh is discussion focuses on the following distinctive attributes of

the existing SRO system and explores how recent market changes have impacted them: (1) the inherent confl icts of interest between SRO regulatory operations and members, market operations, is-suers, and shareholders; (2) the costs and ineffi ciencies of multiple SROs, arising from multiple SRO rulebooks, inspection regimes, and staff ; (3) the challenges of surveillance of cross market trading by multiple SROs; and (4) the funding SROs have available for regulatory operations and the manner in which SROs allocate reve-nue to regulatory operations.

1 15 U.S.C. 78o15(b)(8) 2 Analysis in this release focuses primarily on one registered na-

tional securities association SRO,the National Association of Securities Dealers (“NASD”) (in-

cluding its subsidiary, the Nasdaq Stock Market (“Nasdaq”)), and those registered national securities exchange SROs that operate equity or options markets, the American Stock Exchange (“Amex”), the Boston Stock Exchange (“BSE”), the Chicago Board Options Exchange (“CBOE”), the Chicago Stock Exchange (“CHX”), the International Securities Exchange (“ISE”), the National Stock Ex-change (“NSX”) the New York Stock Exchange (“NYSE”), the Pacifi c Exchange (“PCX”), and the Philadelphia Stock Exchange (“Phlx”). Unless otherwise specifi cally noted, discussion in this re-lease does not necessarily relate to other registered SROs, including the National Futures Association (“NFA”), the Municipal Securi-ties Rulemaking Board (“MSRB”), the registered clearing agencies, and notice registered national securities exchanges.

3 15 U.S.C. 78a et seq. 4 Pub. L. 75-719, 52 Stat. 1070 (1938) (codifi ed as amended

at 15 U.S.C. § 78o, authorizing the U.S. Securities and Exchange Commission to register national securities associations).

5 Pub. L. 29, 89 Stat. 97 (1975).

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6 See generally S. Rep. No. 1455, 73d Cong., 2d Sess. (1934); H.R. Doc. No. 1383, 73d Cong., 2d Sess. (1934); S. Rep. No. 1455, 73d Cong., 2d Sess. (1934).

7 Id.8 Id.9 Id.10 See e.g., 1961-1963 Special Study of Securities Markets. Se-

curities and Exchange Commission, Report of Special Study of Securities Markets, (“Special Study”), H.R. Doc. No. 95, 88th Cong., 1st Sess. (1963) and Market 2000: An Examination of Cur-rent Equity Market Developments, Division of Market Regulation, U.S. Securities and Exchange Commission (January 1994) (“Ma-rket 2000 Report”).

11 See e.g., Id.; infra notes 30-31.12 See generally infra Section IV.13 Id.14 Id.15 Id.16 Id.17 Robert Sobel, Th e Big Board, A History of the New York Sto-

ck Market 14-27 (Th e Free Press 1965). Th e agreement generally bound its signors to give preference to each other when buying and selling. Id.

18 Id. at 30-31.19 Id. at 38-40.20 Joel Seligman, Th e Transformation of Wall Street: A History

of the Securities and Exchange Commission and Modern Corporate Finance at 1-38 (Aspen Pub. N.Y. 3rd ed. 2003).

21 Exchange Act Section 6, 15 U.S.C. 78f.22 Seligman at 183-85.23 Th e IBC, however, proved to be imperfect, because only se-

venteen hundred of the nation’s six thousand securities dealers ulti-mately joined. While the Commission realized that this voluntary organization was not eff ectively regulating the OTC market, it also determined that direct Commission regulation of the OTC market was not practicable. See Seligman at 183-85. While not speaking for the whole Commission, one early Commissioner compared the prospect of regulating the OTC market to building a structure out of sand because “there is no cohesive force to hold it together, no organization with which [the Commission] could build, as autho-ritatively representing a substantial element in the over-the-coun-ter business.” Id.

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24 Id.25 Exchange Act Section 15A, 15 U.S.C. 78o-326 NFA is a national securities association registered for the

limited purpose of regulating the activities of members who are registered as brokers or dealers in security futures products under Section 15(b)(11) of the Exchange Act, 15 U.S.C. 78o(b)(11).

27 See supra notes 6-9.28 Id.29 Market 2000 Report at VI-6.30 S. Rep. No. 1455, 75th Cong., 3d Sess. I.B.4. (1938).; H.R.

Rep. No. 2307, 75th Cong., 3d Sess. I.B.4. (1938) (duplicate text quoted in both reports).

31 S. Rep. No. 94-75, 94th Cong., 1st Sess. 7, II (1975). 32 Id. 33 See e.g., supra note 10. In addition, the Commission spe-

aks implicitly and explicitly to self-regulatory concepts in virtually every SRO rule that is noticed for public comment and approved through the Commission Rule 19b-4 rulefi ling process. SEC Rule 19b-4, 17 CFR 240.19b-4.

34 Specialist domination of the Amex resulted in a series of scan-dals in the late 1950s involving market manipulations. In 1961, the Commission launched an investigation into the trading practi-ces of two Amex specialists in particular. Th is investigation was ul-timately broadened into the Special Study. See Seligman at 281-86.

35 See generally Seligman at 299-348. 36 Id. 37 Id. Congress recognized that self-regulators may not always

be as diligent as desired, and, indeed, may use self-regulation as a device to avoid regulation altogether. Nonetheless, Congress also was of the view that members of the securities industry could bring down to bear on the problems of regulation a degree of expertise and, in many circumstances, expedition not expected of a necessa-rily more remote governmental agency. Special Study at 693-697.

38 See Market 2000 Report at III-1. 39 Id. at III-3. 40 Id. at III-5-7. 41 Id. at III-10. See also infra Section IV. 42 See In the Matter of National Association of Securities De-

alers, Inc.; SEC Release No. 34-37538, August 8, 1996; Admi-nistrative Proceeding File No. 3-9056 (“21(a) Administrative Or-der”). See also Report and Appendix to Report Pursuant to Section 21(a) of the Securities Exchange Act of 1934 Regarding the NASD

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and Th e Nasdaq Stock Market (August 8, 1996) and Securities Ex-change Act Release No. 37538 (August 8, 1996) (“21(a) Report”). Th e undertakings were included in the SEC Order (“21(a) Report Undertakings”).

43 See 21(a) Administrative Order Section III; 21(a) Report at 40-47.

44 See 21(a) Administrative Order Section III; 21(a) Report at 52-54.

45 See e.g., supra note 10. 46 Th e fi gure is based on Nasdaq/UTP Plan market data (as of

September 2004). 47 Th e fi gure is based on Network B, CTS Activity market data

(as of September 2004). 48 Th e fi gure is based on Network A, CTS Activity market

data (as of September 2004). See also e.g., Ivy Schmerken, Will the NYSE’s Specialist Probe Open the Listed Market to ECNs?, Wall Street + Technology, July 1, 2003, at 18; Robert Sales, Th e Big Picture — ECN Evolution, Wall Street + Technology, February 1, 2003, at 6.

49 See Securities Exchange Act Release Nos. 50173 (August 10, 2004), 69 FR 50407 (August 16, 2004) (notice of proposed rule change proposing improvements to NYSE’s existing automatic execution facility, NYSE Direct+®); and 49921 (June 25, 2004), 69 FR 40690 (July 6, 2004) (approval of proposed rule change by Amex to enhance its Auto-Ex technology for exchange-traded funds and Nasdaq stocks traded on the exchange).

5 0 In August 1999, 32% of equity options were traded on more than one exchange. By September 2000, that number had risen to 45%. Over the same period, the percentage of aggregate option volume traded on only one exchange fell from 60% to 15%. See Exchange Act Release No. 43085 (July 28, 2000), 65 FR 47918 (August 4, 2000) (proposing to extend Exchange Act Rule 11Ac1-1 to options). According to the Options Clearing Corporation, by September 2003, 98.3% of equity options classes traded on more than one exchange. As of December 2003, the market shares held by options exchanges were 31.3% by the CBOE, 27.0% by the ISE, 19.8% by the Amex, 12.4% by the Phlx, and 9.5% by the PCX. Options Clearing Corporation, 2003 Annual Report 1 (2004). By June of 2004, the ISE’s market share was 33.6%, the CBOE’s was 26.0%, the Amex’s was 18.6%, the Phlx’s was 11.6%, the PCX’s was 8.4%, and the BSE Boston Options Exchange (“BOX”) facility’s was 1.8%. Will Acworth, Electronic Trading

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Sweeps Options Industry, Futures Industry Magazine, September/October 2004 (citing Futures Industry Association statistics).

5 1 See generally infra Section IV.5 2 Id.5 3 Id.5 4 Id.5 5 Id.5 6 Id.5 7 Id.5 8 Id.5 9 Id.6 0 Id.6 1 See In the Matter of Chicago Stock Exchange, Securities Ex-

change Act Release No. 48566 (September 30, 2003). See also In the Matter of Bear Wagner Specialists LLC, Securities Exchange Act Release No. 49498 (March 30, 2004); In the Matter of Fleet Specia-list, Inc., Securities Exchange Act Release No. 49499 (March 30, 2004); In the Matter of LaBranche & Co. LLC, Securities Exchange Act Release No. 49500 (March 30, 2004); In the Matter of Spear, Leeds & Kellogg Specialists LLC, Securities Exchange Act Release No. 49501 (March 30, 2004); In the Matter of Van der Moolen Specialists USA, LLC, Securities Exchange Act Release No. 49502 (March 30, 2004). See In the Matter of SIG Specialists, Inc., Secu-rities Exchange Act Release No. 50076 (July 26, 2004) and In the Matter of Performance Specialist Group LLC, Securities Exchange Act Release No. 50075 (July 26, 2004). See also Securities Exchan-ge Act Release No. 48946 (December 17, 2003), 68 FR 74678 (December 24, 2003) (approving NYSE proposal to restructure NYSE corporate governance structure).

6 2 See Exchange Act Release No. 49325 (February 26, 2004), 69 FR 11126 (March 9, 2004) (noticing proposed rulemaking for comment); Exchange Act Release No. 49749 (May 20, 2003), 69 FR 30142 (May 26, 2004) (extending comment period and se-eking additional comments).

6 3 See infra Section IV.

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CONSULTA PÚBLICA — EDITAL DE AUDIÊNCIA PÚBLICA SDM Nº 05/13

EDITAL DE AUDIÊNCIA PÚBLICA SDM Nº 05/13Prazo: 12 de agosto de 2013

Objeto: Convite para apresentação de manifestações sobre as opções regu-latórias relacionadas à identifi cação, à mitigação, ao gerenciamento de riscos decorrentes da fragmentação de liquidez e de dados e à possível mudança na estrutura de autorregulação, tendo em vista a hipótese de concorrência entre plataformas de negociação.

1. Objetivo da Consulta

A introdução no Brasil de concorrência entre ambientes de negociação de ações não envolve apenas o eventual ingresso de novos prestadores de servi-ços, mas também a adequação do arcabouço regulatório hoje existente para lidar com os novos desafi os daí decorrentes.

Assim, a CVM está avaliando algumas opções regulatórias relacionadas à identifi cação, mitigação e gerenciamento de riscos que podem advir da frag-mentação de liquidez e de dados, além da possibilidade de mudanças na atual estrutura de autorregulação.

O objetivo desta consulta é coletar, junto aos participantes do mercado e às partes interessadas, refl exões fundamentadas, dados, informações e estu-dos relacionados aos tópicos acima mencionados, para que a CVM siga na sua avaliação sobre questões conceituais de maneira mais informada. Dada a natureza dessa consulta, a CVM não irá elaborar relatório para avaliar as manifestações recebidas.

2. Introdução

No fi nal de 2011, a CVM comunicou ao mercado que a empresa interna-cional de consultoria Oxera Consulting Ltd. (Oxera) entregaria à Autarquia um estudo econômico sobre efi ciência do mercado acionário brasileiro.

O referido estudo, denominado “Quais seriam os custos e benefícios para mudar a estrutura competitiva do mercado para serviços de negociação e pós--negociação no Brasil?” 1, analisou questões ligadas à estrutura do mercado brasileiro de ações, tendo em vista as tendências observadas em outros países, como a de concorrência entre diferentes ambientes de negociação nas tran-sações com ações.

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21 As apresentações e os debates estão

disponibilizados no Canal Educacional

da CVM no Youtube (www.youtube.

com/cvmeducacional).

1 “What would be the costs and benefi ts of changing the competitive structure of the market for trading and post-trading services in Brazil”. 2

Além da análise sobre a eventual necessidade de adoção de medidas adi-cionais pela CVM para promover a efi ciência do mercado acionário brasileiro no que diz respeito à sua estrutura, sob a ótica dos benefícios econômicos líquidos, foi solicitado à Oxera que abordasse algumas questões inerentes a um cenário de múltiplos ambientes de negociação, tais como a fragmentação da liquidez, os custos decorrentes de novas infraestruturas necessárias para a difusão de informações e para a efetiva supervisão dos mercados e eventuais questões de acesso para participantes.

Em junho de 2012, ao receber os resultados do estudo da Oxera, a CVM realizou uma reunião de seu Colegiado com participantes do mercado direta-mente interessados e afetados para discutir as implicações de um cenário de concorrência nos serviços de negociação e pós-negociação.

A reunião, que também foi transmitida por webcast21, tinha por base as conclusões e recomendações do estudo e foi uma primeira interação da CVM com participantes do mercado com a fi nalidade de coletar subsídios para o início de uma análise mais aprofundada da matéria.

Além das opções regulatórias sobre a infraestrutura de pós-negociação, a Oxera, em suas conclusões, recomendou que a CVM iniciasse estudos sobre o desenvolvimento de uma estrutura regulatória capaz de assegurar o bom funcionamento do mercado em caso de existência de múltiplos ambientes de negociação. Nesse sentido, a CVM vem se organizando para abordar esses outros aspectos.

A análise e a preparação da CVM, segundo as conclusões do estudo, se-riam necessárias mesmo antes da chegada da concorrência, ainda que as novas regras não fossem implementadas até a efetiva entrada de um concorrente.

Parte desses aspectos diz respeito à mitigação de riscos que a eventual in-trodução de concorrência pode trazer. Com base em arcabouço teórico, em estudos empíricos e nas experiências internacionais, a consultoria destacou que a introdução da concorrência poderá benefi ciar o mercado e a sociedade brasileira. No entanto, ela também poderá representar desafi os ao cumpri-mento, pela CVM, de seu mandato de assegurar proteção contínua aos inves-tidores, formação efi ciente de preços e integridade do mercado.

Os riscos decorrem particularmente das fragmentações de liquidez e de dados, bem como de difi culdades para a supervisão de múltiplos ambientes de negociação. 3

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Para mitigar esses riscos, o estudo recomenda: a) o desenvolvimento de um regime de melhor execução (best execution); b) a consolidação de dados de todos os ambientes de negociação concorrentes por meio de uma solução como a da chamada “fi ta consolidada” (consolidated tape); e c) mudanças na estrutura de autorregulação e de autorregulamentação, como por exem-plo, a incorporação, pela CVM, de algumas atividades hoje exercidas pela estrutura de autorregulação da única bolsa em funcionamento no país.

Em função de existirem modelos diferentes para o tratamento dos pontos anteriormente mencionados, a CVM deseja, por meio dessa consulta pú-blica, convidar os participantes do mercado e outras partes interessadas a apresentarem refl exões fundamentadas, dados, informações, evidências e es-tudos para que a Autarquia possa avaliar os modelos conceitualmente mais apropriados ao nosso mercado.

A CVM entende que a análise desses diferentes modelos é crítica, pois é necessária uma solução que não aumente o nível de risco existente na presen-te estrutura de mercado.

As respostas dos participantes devem levar em consideração a negociação de uma mesma ação somente em bolsas ou somente em mercados de bal-cão organizado. Isso porque, no presente momento, a CVM optou por uma abordagem mais gradual, em que se mantém o marco regulatório atual, que apenas permite a concorrência entre bolsas ou entre mercados de balcão or-ganizado para as transações com ações.

A introdução simultânea de uma nova estrutura regulatória e de concor-rência entre os dois diferentes tipos de mercado (bolsa e mercado de balcão organizado) poderia trazer novos riscos, de difícil identifi cação neste momen-to — as discussões sobre o regime de melhor execução e sobre a fi ta conso-lidada, por exemplo, envolveriam complexidades muito maiores, caso sejam mantidas as soluções hoje adotadas.

O Edital detalha a seguir os principais pontos para os quais a CVM pre-tende receber subsídios dos participantes, e formula perguntas específi cas que devem nortear as manifestações a serem encaminhadas.

3. Melhor execução no interesse dos clientes (best execution)

A existência de um regime de best execution busca mitigar confl itos de interesses que possam surgir na execução de ordens dos clientes pelos inter-mediários, assegurando que as ordens serão executadas no melhor interesse dos clientes e nas melhores condições para estes, mesmo existindo mais 4 de um sistema de negociação e uma eventual divergência, ainda que temporária, entre os preços praticados em cada sistema.

O regime de best execution não é novidade no Brasil. Os arts. 19 e 20 da Instrução CVM nº 505, de 27 de setembro de 20113, que trata de normas e

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procedimentos a serem observados nas operações realizadas com valores mo-biliários em mercados regulamentados, já preveem que as ordens dos clientes devem ser executadas no seu melhor interesse, incorporando algumas das feições típicas das regras de best execution que vigoram em outros merca-dos. negociação não sejam fechadas automaticamente com o melhor preço disponível entre todos os ambientes, então os intermediários (bem como os investidores fi nais) incorrerão em maiores custos para localizar o melhor pre-ço disponível, podendo a concorrência (que representa, a rigor, uma frag-mentação de volume) levar à fragmentação de liquidez para aqueles que não tiverem acesso a todos os ambientes.

No entanto, com base na experiência internacional, o estudo da consulto-ria Oxera apontou que, em outros países, foram necessários ajustes nas nor-mas de best execution quando da passagem do cenário de uma única bolsa para o de múltiplas bolsas.

Quando os valores mobiliários são negociados apenas em uma bolsa, questões de “como, onde, quando e a que preço” os intermediários devem executar as ordens são resolvidas de maneira relativamente simples. Contudo, na hipótese de coexistência de diversos ambientes, as normas tendem a ser mais complexas e a demanda para o regulador garantir o seu cumprimento torna-se muito maior.

Além de assegurar a melhor execução para o cliente, o desenho do regime de best execution está intimamente relacionado ao grau de fragmentação de liquidez de um mercado4. A fragmentação de liquidez pode ser mitigada, caso os investidores tenham acesso à liquidez dos diferentes ambientes de ne-gociação, por meio de um regime de best execution que conduza à execução de suas ordens considerando todos os ambientes de negociação. Dessa forma, indiretamente, o investidor estará acessando a liquidez geral do mercado e não apenas a liquidez isolada de um único ambiente, com efeitos sobre a formação efi ciente de preços.

Embora haja diversos pontos em comum entre os diferentes regimes de best execution, reguladores de outros países adotaram modelos bastante di-versifi cados, com variados graus de abrangência de pessoas cobertas, cadeias de responsabilidades e fatores/critérios para defi nição de best execution. Além disso, existem diferenças no nível de detalhamento sobre a política de best execution dos intermediários e dos reportes aos clientes sobre a obser-vância das regras.

3.1 Fatores e critérios do regime de best execution 5

O art. 19 da Instrução CVM nº 505, de 2011, dispõe que o intermediário deve executar as ordens nas condições indicadas pelo cliente ou, na falta de indicação, nas melhores condições que o mercado permita.

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Além disso, o parágrafo único deste artigo determina que para aferir as melhores condições para a execução de ordens, o intermediário deve levar em conta o preço, o custo, a rapidez, a probabilidade de execução e liquidação, o volume, a natureza e qualquer outra consideração relevante para execução da ordem. Esses seriam, no presente contexto os “fatores” para a melhor exe-cução.

Nos Estados Unidos, o regime de melhor execução leva em consideração vários fatores, porém, na prática, o preço do ativo é o fator preponderante na maioria das transações, em função do disposto na Rule 611 do National Market System (NMS), conhecida como Order Protection Rule. O regime criado por essa norma, como se verá adiante, acaba por fazer que um ambien-te de negociação roteie uma ordem para outro ambiente, caso neste último haja uma oferta melhor.

Na Europa, o regime de melhor execução é defi nido como a obtenção do melhor resultado possível em termos de preço, velocidade e probabilidade de execução e de liquidação. Também são considerados, o tamanho e a natureza da ordem. Os diversos fatores passíveis de consideração quando do cumpri-mento de uma ordem devem ser julgados segundo determinados critérios, tendo em vista a produção do melhor resultado.

Perguntas:(i) Quais seriam os fatores a serem levados em conta em uma regra de best

execution, considerando a existência de diversas bolsas concorrentes? Por quê?

(ii) Seria desejável o estabelecimento de critérios/parâmetros para a verifi -cação do cumprimento da execução das ordens? Caso positivo, quais pode-riam ser esses critérios/parâmetros? Por quê? Caso negativo, por que não seria apropriada a defi nição de critérios/parâmetros?

3.2 Diferenciação de fatores por perfi l do investidor

Certas jurisdições optaram por estabelecer fatores diferenciados para veri-fi cação do best execution, conforme o perfi l do investidor. Na Austrália, por exemplo, o fator total consideration (incluindo preço do ativo, custos de execução e outros custos pagos a terceiros envolvidos na transação) foi consi-derado 6 apropriado para investidores de varejo, enquanto que, para investi-dores profi ssionais, outros fatores podem ser utilizados pelos intermediários.

Adicionalmente, em várias jurisdições, certos investidores não estão, ou podem optar por não estar, cobertos pela política de best execution do inter-mediário. Por exemplo, alguns investidores que apenas utilizam a infraestru-tura do intermediário, operando diretamente nos ambientes de negociação,

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podem ser excetuados, pelos intermediários, de sua política de best execu-tion.

Perguntas:(i) Seria oportuno a CVM adotar diferentes fatores de best execution,

tendo em vista que diferentes perfi s de investidores podem ter estratégias distintas de negociação? Por exemplo, investidores de varejo, institucionais, aqueles que operam por meio de acesso direto ao mercado (DMA) ou ainda os investidores de alta frequência (HFT)?

(ii) Em caso afi rmativo, indicar quais os fatores e os critérios mais apro-priados para cada perfi l de investidor ou tipo de ordem e as razões para tal?

3.3 Conexão e roteamento de ordens

Best execution, em um cenário de múltiplas bolsas, implica a conexão dos intermediários com os diversos ambientes de negociação e a utilização de ferramentas para roteamento das ordens recebidas, de acordo com as especi-fi cações que melhor atendam ao interesse do investidor.

Nos Estados Unidos, em certa medida, a obrigação de best execution foi estendida para os próprios ambientes de negociação por meio do Order Protection Rule. Essa norma proíbe um ambiente de negociação de executar uma ordem em seu mercado, caso haja uma cotação mais favorável em outro ambiente de negociação. Em função disso, há o roteamento de ordens pelos próprios ambientes de negociação.

Perguntas:(i) A adoção de um regime de best execution, em cenário de concorrência

entre bolsas, implicaria em mudanças relevantes nos sistemas ou procedi-mentos dos intermediários? 7

(ii) Quais seriam os desafi os para os intermediários se conectarem aos di-versos ambientes e realizarem o roteamento de ordens, por exemplo, em rela-ção a custos e estrutura tecnológica? Nas respostas, é desejável a descrição das mudanças necessárias e, se possível, estimativas de custos.

(iii) Seria apropriado estabelecer previsões para os administradores de mer-cado no sentido de estarem também sujeitos ao regime de best execution, nos moldes da Order Protection Rule? Quais seriam os desafi os e benefícios dessa opção?

(iv) Fornecer quaisquer comentários adicionais sobre o regime de best execution e mecanismos de mitigação do risco de fragmentação de liquidez que julgar relevantes.

4. Consolidação dos dados de pré-negociação e pós-negociação

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22 5 Transparency and market fragmen-

tation, pg 3, Technical Committee of

IOSCO, Nov 2001.

No cenário de múltiplas bolsas ou de múltiplos mercados de balcão or-ganizado, a fragmentação de dados ocorre naturalmente, uma vez que cada ambiente de negociação terá os seus próprios dados sobre as ofertas e as ne-gociações executadas.

O acesso aos dados pré-negociação e pós-negociação são importantes para os participantes do mercado obterem uma visão acurada sobre as condições que afetam a sua atuação e determinam a tomada de suas decisões. A Inter-national Organization of Securities Commissions (IOSCO) considera tais dados centrais para a equidade e a efi ciência do mercado, e em especial na promoção de liquidez e qualidade da formação dos preços5.22

Em cenário de múltiplos mercados, o acesso aos dados fragmentados de cada um dos ambientes de negociação não é sufi ciente e o acesso aos dados consolidados pode revelar-se caro ou a sua consolidação requerer muito tem-po. Segundo o estudo da Oxera, o custo de acessar informações consolidadas “pode ser proibitivo para alguns participantes do mercado, especialmente in-vestidores de varejo ou fundos menores”.

São várias as razões que podem causar o encarecimento do acesso a infor-mações consolidadas. A consolidação por conta própria, por exemplo, requer a implementação e manutenção de sistemas próprios que capturem e proces-sem as informações de cada ambiente de negociação. Por outro lado, quando ela é deixada a cargo de provedores de informações, estes podem vincular a venda desse serviço à contratação de outros serviços prestados. 8

Para ambientes de negociação multilaterais, a Instrução CVM nº 461, de 23 de outubro de 2007, já requer a transparência pré-negociação e pós--negociação para cada um dos ambientes, não existindo, contudo, nenhuma disposição visando à consolidação dos dados de diferentes ambientes de ne-gociação.

Segundo a Oxera, inicialmente a consolidação de dados foi deixada para os próprios participantes do mercado nos Estados Unidos, na Europa e no Canadá. Porém, mais recentemente, foi introduzida nos Estados Unidos e no Canadá uma estrutura centralizada de consolidação, enquanto que, na Europa, a consolidação de dados é oferecida por vendors ou realizada pelo próprio participante.

Em consulta pública de 2010, a Australian Securities and Investments Commission (ASIC) sugeriu 3 (três) opções para a consolidação de dados: a) por múltiplos vendors aprovados pela ASIC; b) por um único consolidador por meio de processo licitatório; e c) por uma entidade governamental ou da indústria com caráter de utilidade pública.

A ASIC manifestou clara preferência pelas 2 primeiras alternativas, em que o(s) consolidador(es) necessariamente ofereceria(m) a fi ta consolidada

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(pré e pós-negociação) como produto separado do restante dos serviços por ele(s) oferecidos. Após a consulta pública, a ASIC decidiu-se pela primeira alternativa, ou seja, pela prestação do serviço por agentes privados, em regime de concorrência, sujeitos, porém, a autorização específi ca.

No caso da Austrália, ademais, a fi ta consolidada, independentemente de quem fosse(m) o(s) consolidador(es), seria utilizada pela ASIC como referên-cia para o cumprimento de regime de best execution e para propósitos de monitoramento e supervisão de mercado.

Perguntas:(i) Qual seria a melhor forma de implementar a fi ta consolidada no Brasil?

Um único ou diversos consolidadores? Por quê?(ii) No caso de uma única entidade funcionar como consolidador central,

como essa entidade poderia ser estabelecida? No caso dos consolidadores se-rem os vendors, quais deveriam ser os requisitos mínimos para o seu reco-nhecimento pela CVM?

(iii) Haveria alguma questão de ordem operacional que deveria ser avalia-da sob a perspectiva dos usuários e sob a perspectiva do(s) consolidador(es) reconhecido(s) pela CVM, considerando a desvinculação do serviço de for-necimento de informações consolidadas de outros serviços prestados? 9

(iv) Quais seriam os custos relevantes para o(s) consolidador(es)? Favor apresentar estimativas.

(v) Administradores de mercado deveriam poder cobrar pelo fornecimen-to de dados sobre cotações e ordens executadas ao(s) consolidador(es)?

(vi) Administradores de mercado deveriam poder exercer o papel de con-solidadores?

(vii) Fornecer quaisquer comentários adicionais sobre fi ta consolidada e consolidadores que julgar relevantes.

5. Supervisão, autorregulação e normatização

De acordo com a Oxera, as atividades de supervisão de mercado, de autor-regulação e mesmo de normatização efetuadas pelos autorreguladores (admi-nistradores de mercado) tendem a ser repensadas em função da introdução de concorrência.

Em suas conclusões, a consultoria afi rma que a experiência dos mercados internacionais sugere que mudanças nessas estruturas devem ser analisadas pela CVM, uma vez que o elevado grau de autorregulação existente hoje pode não ser apropriado, considerando o cenário de diversas bolsas concorrentes.

Em relação à supervisão, a introdução de concorrência pode trazer diver-sas implicações, entre elas a demanda por sistemas de informação e pessoal com qualifi cação diferente da situação em que há uma única bolsa operando.

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A supervisão torna-se mais complexa, uma vez que passa a haver dispersão de negociações em diferentes ambientes e a visão e a atuação dos autorregu-ladores na estrutura atual, por mais diligentes que eles sejam, tendem a ser também fragmentadas.

Do lado da regulamentação, com o objetivo de coordenar diversos mer-cados, a experiência internacional também mostrou a necessidade de o regu-lador tomar para si a tarefa de harmonização e uniformização de regras que anteriormente, inclusive pelo seu grau de detalhamento, eram defi nidas pela única plataforma de negociação existente (ainda que sujeitas à aprovação pré-via do regulador), a fi m de manter a efi ciência e integridade dos mercados, evitar a concorrência predatória e mitigar riscos sistêmicos.

A Instrução CVM nº 461, de 2007, editada no contexto da desmutuali-zação da Bovespa, BM&F e Cetip, representou um grande avanço no arca-bouço regulatório vigente, ao disciplinar de forma completa 10 e abrangente a constituição, organização e funcionamentos das bolsas e dos mercados de balcão organizados.

No Edital de audiência pública nº 06/2007, que resultou na Instrução CVM nº 461, de 2007, a CVM destacou “o esforço feito para que a minuta não adentrasse em detalhes muito específi cos da matéria que se propõe a regular, procurando-se, ao invés, o alinhamento com uma postura baseada em princípios... Essa abordagem baseada em princípios, entretanto, não foi perseguida com um fi m em si mesmo, tendo sido deixada de lado ocasio-nalmente, em benefício daquilo que, neste primeiro momento, nos tenha parecido melhor ao funcionamento dos mercados...”

Dentro desse contexto, por exemplo, os arts. 15 e 17 da Instrução CVM nº 461, de 2007, atribuíram à entidade administradora de mercados a defi -nição das regras de funcionamento dos mercados por ela administrados e a determinação das regras de admissão e permanência das pessoas autorizadas a negociar, bem como as normas de conduta aplicáveis a elas, procurando-se, o menos possível, estabelecer regras mais objetivas.

Por sua vez, o art. 42 determinou que cada entidade administradora de-veria manter o seu departamento de autorregulação. A esse departamento caberia, entre outros, fi scalizar as operações realizadas nos mercados admi-nistrados pela entidade, fi scalizar as pessoas autorizadas a operar, de forma direta e ampla, podendo, no exercício das suas atividades, exigir dessas pes-soas informações necessárias ao exercício de sua competência (por exemplo, auditorias), e conduzir processos administrativos disciplinares para apurar as infrações das normas que lhe incumbe fi scalizar.

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

FGV DIREITO RIO 36

Na época, o debate sobre autorregulação se deu no contexto de confl ito de interesses entre as atividades de uma bolsa que vise ao lucro e as atividades de autorregulação dessa mesma bolsa.

No Edital de audiência pública referido anteriormente, a CVM expôs a sua convicção nas atividades de autorregulação do mercado pelos adminis-tradores de mercado de bolsa ou balcão organizado. O Edital afi rmou que “uma regulação que imponha a independência, o fi nanciamento adequado e a atuação efetiva da autorregulação, aliada aos riscos impostos ao mercado no caso de falhas de autorregulação (inclusive, no extremo, de cassação da autorização para funcionar), constituem incentivos adequados para que os administradores de mercados e os sócios das sociedades que explorem esses mercados atuem de maneira adequada no exercício de suas funções autorre-guladoras, sempre sob a supervisão atenta do regulador”.

O debate daquela época foi superado pela prática e pelo aprendizado des-ses anos, e não obstante os avanços que obtivemos no Brasil, o estudo da Oxera traz uma refl exão de diferente natureza sobre o modelo de autorre-gulação adotado pela CVM. Isto é, a refl exão oportuna nesse momento diz respeito à 11 extensão da efi cácia e às limitações da autorregulação exercida individualmente por cada administrador de mercado, na hipótese de haver diversas bolsas concorrentes.

Perguntas:(i) Quais seriam os aspectos positivos ou negativos da estrutura atual de

autorregulação, em existindo diversas bolsas concorrentes?(ii) Considerando a hipótese de diversas bolsas concorrentes, a estrutura

atual de autorregulação seria adequada?Caso a resposta seja afi rmativa:(ii.a) Apresente razões, considerando as preocupações mencionadas ante-

riormente. Considerando a hipótese de várias bolsas, a constituição de múl-tiplos departamentos de autorregulação afetaria as suas atividades? Como? Considerando o ambiente de múltiplos mercados, quais seriam os pontos mais relevantes que necessitariam de atuação integrada entre os autorregula-dores, bem como entre os departamentos de autorregulação? Como a autor-regulação de cada entidade do mercado poderia se organizar conjuntamente, de forma a continuar exercendo o papel de auxiliar da CVM na supervisão do mercado como um todo?

Caso a resposta seja negativa:(ii.b) Qual seria a estrutura mais adequada? Fundamente a resposta. No

caso de indicar a centralização de algumas atividades hoje sob um único autorregulador, que salvaguardas precisariam ser consideradas? A estrutura proposta implicaria custos adicionais para a sua atividade? A organização da

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

FGV DIREITO RIO 37

estrutura proposta implicaria em que tipos custos de implantação e manu-tenção? Como eles deveriam e poderiam ser fi nanciados?

(iii) Fornecer quaisquer comentários adicionais sobre estrutura de autor-regulação que julgar relevantes.

6. Encaminhamento de sugestões e comentários

As respostas e comentários devem ser encaminhados, por escrito, até o dia 12 de agosto de 2013 à Superintendência de Desenvolvimento de Mercado, preferencialmente pelo endereço eletrônico 12 [email protected] ou para a Rua Sete de Setembro, 111, 23º andar, Rio de Janeiro — RJ, CEP 20050-901.

Após o envio dos comentários ao endereço eletrônico especifi cado acima, o participante receberá uma mensagem de confi rmação gerada automatica-mente pelo sistema.

As menções a outras normas, nacionais ou internacionais, devem identifi -car número da regra e do dispositivo correspondente.

As respostas e comentários que não estejam acompanhadas de fundamen-tação, dados e evidências ou que claramente não tenham relação com o obje-to proposto não serão considerados nesta audiência.

As respostas e comentários recebidos pela CVM serão considerados pú-blicos e disponibilizados na íntegra, após o término do prazo da audiência pública, na página da CVM na rede mundial de computadores.

Rio de Janeiro, 13 de junho de 2013.

Original assinado por

ANTONIO CARLOS BERWANGERSuperintendente de Desenvolvimento de MercadoEm Exercício

Original assinado por

LEONARDO P. GOMES PEREIRAPresidente

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

FGV DIREITO RIO 38

23 SEC. 2. (a) DEFINITIONS.—When

used in this title, unless the context

otherwise requires— (1) The term ‘‘se-

curity’’ means any note, stock, treasury

stock, security future, security-based

swap, bond, debenture, evidence of

indebtedness, certifi cate of interest

or participation in any profi t-sharing

agreement, collateral-trust certifi cate,

preorganization certifi cate or subscrip-

tion, transferable share, investment

contract, voting-trust certifi cate,

certifi cate of deposit for a security,

fractional undivided interest in oil, gas,

or other mineral rights, any put, call,

straddle, option, or privilege on any se-

curity, certifi cate of deposit, or group or

index of securities (including any inte-

rest therein or based on the value the-

reof), or any put, call, straddle, option,

or privilege entered into on a national

securities exchange relating to foreign

currency, or, in general, any interest or

instrument commonly known as a ‘‘se-

curity’’, or any certifi cate of interest or

participation in, temporary or interim

certifi cate for, receipt for, guarantee

of, or warrant or right to subscribe to or

purchase, any of the foregoing.

4. AULA 3: OS VALORES MOBILIÁRIOS

O “valor mobiliário” é um termo chave dentro da Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976. Se um determinado título for considerado valor mobili-ário, sua emissão e negociação públicas passam a estar sujeitas às normas e a fi scalização da Comissão de Valores Mobiliários.

Antes da Lei 6.385, que criou a Comissão dos Valores Mobiliários, as ope-rações envolvendo valores mobiliários eram regulados pelo Banco Central do Brasil, na forma da Lei 4.728 de 1975. No entanto, para que se defi na quais operações devem ser reguladas, é necessário que se defi na primeiramente o que é um valor mobiliário. A lei 4.728 não defi nia o que era um valor mobili-ário. Mas, como este mercado era ainda incipiente no Brasil, isto não chegou a causar grandes problemas.

Na promulgação da Lei 6.385/76, com vistas a demarcar a competência da Comissão de Valores Mobiliários de forma a evitar confl itos de compe-tência com o Banco Central, o legislador brasileiro pela primeira vez defi niu o que eram valores mobiliários. Para tal fi m, usou da técnica europeia de defi nição dos valores mobiliários, fi xando uma lista exaustiva dos valores mo-biliários. Ainda, foi conferido ao Conselho Monetário Nacional competência para alterar esta lista, atribuindo assim fl exibilidade ao sistema.

Ou seja, os valores mobiliários eram apenas aqueles taxativamente lista-dos em lei; todos os outros ativos fi nanceiros seriam regulados pelo Banco Central. Assim, seriam evitados confl itos de competência entre os órgãos re-guladores, e haveria previsibilidade no mercado, para que este pudesse se desenvolver com segurança. No entanto, a opção por uma lista fechada errou por não estabelecer uma defi nição legal devia ser ampla, capaz de se adequar às constantes inovações e mutações do mercado de forma rápida.

Dando-se conta desta defi ciência do mercado, o governo federal editou a Medida Provisória nº 1.637, de 8 de janeiro de 1998, posteriormente trans-formada na Lei 10.198 de 14 de fevereiro de 2001, que procurou estabelecer um conceito amplo de “valor mobiliário”, apto a abarcar praticamente todas as hipóteses de captação em massa da poupança popular.

A medida provisória buscou adotar a técnica americana de defi nição de valores mobiliários. Nos Estados Unidos, o Securities Act e o Securities and Exchange Act de 1933 criaram a Securities and Exchange Comission, equiva-lente americana à Comissão de Valores Mobiliários brasileira, e estabeleceram a sua competência. A competência de tal órgão seria a regulamentação e fi s-calização de operações que envolvessem os valores mobiliários (securities)23. Dentre outros, os valores mobiliários envolveriam os chamados investment contracts, cuja defi nição não foi estabelecida pelo legislador.

Como a legislação americana não defi niu o que são investment contracts, coube à Suprema Corte Americana fazê-lo. No clássico caso SEC v. W. J.

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

FGV DIREITO RIO 39

24 U.S. Supreme Court. SEC v. Howey Co., 328 U.S. 293 (1946). Securities and Exchange Commission v. Howey Co. No. 843 Argued May 2, 1946 Deci-ded May 27, 1946 328 U.S. 293.

Howey Company, estabeleceu-se qual seria esta defi nição. O caso tratava-se de uma companhia que vendia lotes de terra para plantio, por meio de um contrato em que o comprador não só adquiria a propriedade sobre o lote de terra, mas também contratava uma prestadora de serviços que se encarregaria do plantio em tais lotes. Conforme o entendimento da Suprema Corte Ame-ricana, a defi nição de contrato de investimento seria:

“For purposes of the Securities Act, an investment contract (undefi ned by the Act) means a contract, transaction, or scheme whereby a person invests his money in a common enterprise and is led to expect profi ts solely from the eff orts of the promoter or a third party, it being immaterial whether the shares in the enterprise are evidenced by formal certifi cates or by nominal interests in the physical assets employed in the enterprise.”24

Esta defi nição de contratos de investimento acabou por se confundir com o próprio conceito de valor mobiliário.

Segundo o art. 1º da Medida Provisória 1.637/98, “constituem valores mobiliários quaisquer títulos ou contratos de investimento coletivo que ge-rem direito de participação, de parceria ou remuneração, inclusive resultante da prestação de serviços, cujos rendimentos advém do esforço do empreen-dedor ou de terceiros”.

Com a promulgação da Lei nº 10.303, de 31 de outubro de 2001, este conceito foi incorporado ao art. 2º da Lei nº 6.385/76, cujo caput passou a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 2o São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei:I — as ações, debêntures e bônus de subscrição;II — os cupons, direitos, recibos de subscrição e certifi cados de desdobra-

mento relativos aos valores mobiliários referidos no inciso II;III — os certifi cados de depósito de valores mobiliários;IV — as cédulas de debêntures;V — as cotas de fundos de investimento em valores mobiliários ou de

clubes de investimento em quaisquer ativos;VI — as notas comerciais;VII — os contratos futuros, de opções e outros derivativos, cujos ativos

subjacentes sejam valores mobiliários;VIII — outros contratos derivativos, independentemente dos ativos sub-

jacentes; eIX — quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou contra-

tos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos ren-dimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros.” (grifo nosso)

Diante de tal redação, percebe-se que o legislador brasileiro buscou ofere-cer uma lista dos valores mobiliários mais comumente negociados, de forma a garantir previsibilidade e segurança jurídica. Mas, além disso, de forma

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

FGV DIREITO RIO 40

25 Neste mesmo sentido, Nelson Eizirik:

“A vantagem da adoção desta acepção

mais ampla de valores mobiliários,

ao invés de mera enumeração, é que,

assim, evitar-se-á a reformulação pe-

riódica da legislação sobre mercado de

capitais. O alargamento do conceito de

valores mobiliários tem o condão de in-

cluir as situações futuras em que serão

ofertados novos produtos ao investidor,

tendo sido, por via de conseqüência,

aumentado o âmbito de atuação e fi s-

calização da CVM.” Eizirik, Nelson; Gaal,

Ariadna B.; Parente, Flávia; Henriques,

Marcus de Freitas. Mercado de Capi-

tais — regime jurídico. 3.ed. revista e

ampliada. — Rio de Janeiro: Renovar,

2011. p. 57.

26 Processo CVM Nº RJ2007/11.593.

27 Eizirik , Nelson. A polêmica sobre

a cédula de crédito bancário. Valor

Econômico, 25/02/2008, Legislação &

Tributos, p. E2

a corrigir a defi ciência da lei em se adaptar à dinamicidade do mercado de valores mobiliários, o legislador inseriu no inciso IX do mesmo artigo um conceito amplo, notadamente inspirado no conceito americano de valor mo-biliário, que poderia abranger outros tipos de valores mobiliários que se fi zes-sem necessários.25

Conforme o pensamento da Suprema Corte Americana, a inserção do contrato de investimento dentre os valores mobiliários é extremamente van-tajosa:

“It embodies a fl exible, rather than a static, principle, one that is capable of adaptation to meet the countless and variable schemes devised by those who seek the use of the money of others on the promise of profi ts.”

No entanto, mesmo diante de tal defi nição, ainda surgem divergências dou-trinárias quanto à caracterização de um instrumento como valor mobiliário.

O Diretor Marcos Barbosa Pinto, da Comissão dos Valores Mobiliários, analisa o conceito de valores mobiliários, constante no inciso IX do artigo 2º da lei 6.385, de modo a fazer um esforço interpretativo para estabelecer os elementos dos valores mobiliários, que seriam os seguintes:26

O agente superavitário deve entregar sua poupança com o intuito de fazer um investimento; o instrumento pode ser um título ou contrato, ou seja, é irrelevante a sua natureza; o investimento deve ser coletivo, isto é, vários in-vestidores devem realizar um investimento em comum; o investimento deve ser dar direito a alguma forma de remuneração, cujo conceito é interpretado de maneira ampla; a remuneração deve ter origem nos esforços do empreen-dedor ou de terceiros que não o investidor; e os títulos ou contratos devem ser objeto de oferta pública.

Já o doutrinador Nelson Eizrik se aprofunda no conceito determinado pela lei para aferir que os elementos dos valo res mobiliários são os seguintes:

“(a) a sua caracterização como modalidade de investimento coletivo, ist o é, o fato de ser destinado a circular em massa, perante uma pluralidade de investidores;

(b) o fornecimento de recursos, em dinheiro ou outros bens suscetíveis de ava-liação econômica, por parte do investidor para o emissor do título ou contrato;

(c) a gestão dos recursos por parte de terceiros, não controlando o investi-dor o negócio no qual seus recursos foram empregados;

(d) o fato de tratar-se de um empreendimento comum, cujo sucesso é al-mejado tanto pelo investidor quanto pelo gestor, havendo entre ambos uma comunhão de interesses econômicos interligados juridicamente;

(e) a expectativa do investidor em participar diretamente dos lucros resultan-tes do empreendimento comum gerido pelo empreendedor ou por terceiros, e

(f ) a circunstância de o investidor partilhar os riscos do empreendimento no qual ele deseja participar, que são diversos dos riscos meramente comer-ciais ou de crédito.”27

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28 Idem.

Percebe-se nítida a divergência entre os doutos, em especial quanto aos três últimos requisitos elencados por Nelson Eizirik. Isto continua causando uma insegurança jurídica na caracterização de um título como valor mobiliário.

Um exemplo notório desta divergência se dá quanto à caracterização ou não das Cédulas de Crédito Bancário (CCBs) como valores mobiliários. No âmbito do julgamento do PROCESSO CVM Nº RJ2007/11.593, o colegia-do de Diretores da CVM entendeu que as CCBs seriam valores mobiliários, com certas restrições, incidindo, portanto a fi scalização da CVM sobre as ofertas públicas que envolvessem as CCBs. Já a posição de Nelson Eizirik é contrária à caracterização de tais títulos como valores mobiliários, pois neles não se percebe o interesse da instituição fi nanceira no sucesso do empreendi-mento do tomador do empréstimo.28

Considerando a rotação constante dos Diretores da autarquia e a notória divergência entre os diversos doutrinadores societários, percebe-se que a con-ceituação dos valores mobiliários continua sendo matéria de controvérsia que causa visível insegurança jurídica.

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29 Tradução independente.

5. AULA 4: OS MERCADOS NORTEAMERICANO E EUROPEU E A MELHOR EXECUÇÃO

O MERCADO DE CAPITAIS NOS ESTADO UNIDOS

Os Estados Unidos da América (“EUA”) mantiveram por muitos anos um grande número de bolsas em funcionamento em um cenário mundial muito menos globalizado, integrado e automatizado do que o mundo atual. An-tes de 2007, com a implementação da Regulamentação do National Market System (“NMS”) pela comissão de valores mobiliários americana, a SEC, os intermediários, ou seja, as corretoras, podiam escolher para quais das mais de dez bolsas norte-americanas iriam rotear as ordens enviadas por seus clientes, fosse na bolsa em que as ações estivessem listadas, nas bolsas regionais, nos sistemas alternativos de negociação ou até mesmo para formadores de merca-do nos mercados de balcão. Mesmo que o mercado norte-americano sempre tenha sido integrado, a conexão era falha e realizada muitas vezes através de conectividade voluntária privada. Com isso, a concorrência entre as plata-formas de negociação trazia uma voluptuosa fragmentação de liquidez nos diversos locais de negociação.

A solução encontrada pelos EUA foi a implementação das regras 610 e 611 da NMS no ordenamento americano. A primeira obriga os intermediá-rios a cumprirem a regra da Melhor Execução e, assim, executarem a compra e venda das ordens recebidas por seus clientes no melhor preço do mercado, e a segunda, conhecida como Regra de Proteção da Ordem (Order Protection Rule), obriga os próprios ambientes de negociação a rotearem a ordem envia-da pelo cliente para o mercado em que se verifi que a cotação mais favorável do ativo.

O doutrinador norte-americano Hans R. Stoll explica a Regra de Proteção da Ordem na sua obra Eletronic Trading in Stock Markets, Journal of Economic Perspectives:

A Regra da Proteção da Ordem faz com que um mercado que receba uma ordem a repasse a qualquer outro mercado que tenha melhores preços considerando tais preços automatizados e de acesso imediato (Securities and Exchange Commission, 2005). Ou seja, a regra proíbe o mercado receptor da ordem de ignorar (trading through) uma me-lhor cotação num mercado “A” para transacionar por uma pior cotação num mercado “B”. Cotações que não estão imediatamente acessíveis não são protegidas pela regra.29

Para o autor, de uma forma geral, a obrigação de os ambientes de nego-ciação também estarem sujeitos à lógica da Melhor Execução, nos moldes

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

FGV DIREITO RIO 43

da Norma 611, é reforçar a aplicabilidade da proteção das transações com o melhor preço para os vendedores e compradores de valores mobiliários, mes-mo que os intermediários venham a falhar na aplicação da Melhor Execução.

Com pertinente atenção ao mercado, o legislador norte-americano enten-deu que a ausência de critérios precisos para a defi nição mais acertada sobre as normas de Melhor Execução cria incerteza jurídica e deixa muita margem para interpretação duvidosa, devendo se atentar a um único e critério: o pre-ço dos ativos. O regime da Melhor Execução busca diminuir os confl itos de interessem que venham a surgir na execução de ordens enviadas pelos clientes para as corretoras, assegurando que as ordens serão executadas nas melhores condições e no melhor interesse do cliente, mesmo que por ventura haja mais de um sistema de negociação.

Com efeito, as plataformas de negociação de ativos necessitaram aprimo-rar seus sistemas para manter e garantir o cumprimento de políticas e proce-dimentos razoavelmente projetados para a prevenção de erros na negociação de ativos nas bolsas cuja cotação dos ativos esteja protegida pela NMS.

Como já anteriormente mencionado, o fator mais relevante na execução de ativos nas plataformas de negociação de valores mobiliários dos Estados Unidos é o preço do ativo mais favorável para o cliente. Entretanto, a Re-gra de Proteção da Ordem por si só faz com que o mercado seja limitado à quantidade de ações no melhor preço. Por exemplo, se na Bolsa A existem 10 ativos a R$ 1,00 e na Bolsa B existem 100 a R$ 1,10, de acordo com a Regra, o intermediário, diante de uma ordem de compra de 100 ações, somente poderá executar a ordem para 10 ações.

Neste sentido, a NMS programou uma exceção à Regra de Proteção da Ordem, a chamada Varredura de Ordens entre os Mercados (Intermarket Sweep Order — ISO) elencada na norma 611(b) da NMS. Esta exceção per-mite com que o mercado de destino da ordem execute a quantidade de ações que tiver no melhor preço e encaminhe automaticamente o restante da or-dem para os demais mercados. Exemplifi cando, quando na Bolsa A existem 10 ativos a R$ 1,00 e na Bolsa B existem 100 a R$ 1,10, o intermediário, diante de uma ordem de compra de 100 ações, deverá executar 10 ativos na Bolsa A por R$ 1,00 e encaminhar a ordem de compra de 90 ativos na Bolsa B por R$ 1,10.

A Diligência Razoável da Melhor Execução

No mercado americano, o Financial Industry Regulatory Agency (“FIN-RA”), entidade reguladora independente do mercado de valores norte-ameri-cano, veio a incorporar algumas das regras observadas no mercado na Norma 2320 da antiga entidade reguladora National of Securities Dealers (“NASD”),

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

FGV DIREITO RIO 44

30 Tradução independente. Texto origi-

nal em http://www.sec.gov/investor/

pubs/tradexec.htm

consolidando-as na forma das Normas 5310 e 6438. Estas previsões norma-tivas estabelecem os requisitos gerais para das regras da Melhor Execução no mercado. É na Norma 5310(a) que podemos encontrar a obrigação legal de que os intermediários deverão utilizar uma diligência razoável (“Reasonable Diligence”) para garantir que o melhor mercado para determinado valor mo-biliário e sua execução (compra/venda) seja escolhido, assegurando que o me-lhor preço obtido na negociação seja o mais favorável possível para o cliente, dadas as condições predominantes do mercado.

A experiência dos Estados Unidos, em concordância com a legislação re-gulatória do FINRA, identifi ca cinco parâmetros como determinantes para avaliar se um intermediário utilizou diligência razoável:

i. A característica do mercado para o valor mobiliário transacionado;ii. O tamanho e tipo de transação;iii. O número de mercados verifi cados;iv. O acesso às cotações; ev. Os termos e condições da ordem e conforme comunicados à fi rma.

A partir destes parâmetros, a SEC incorporou à estrutura normativa do mercado fi nanceiro diversas regras para proteger os investidores e assegurar a transparência e prestação de contas aos investidores. A SEC explica:

As regras da SEC, com o objetivo de melhorar a transparência pú-blica de ordens e práticas de roteamento, determinam que todos os administradores de mercado que transacionam no NMS devem rea-lizar mensalmente uma prestação eletrônica de informações básicas em relação à qualidade das execuções sob uma perspectiva ação-ação, incluindo de que maneira as ordens de mercado de diferentes tama-nho são executadas em relação às cotações públicas. Essas medidas de transparência devem também informar sobre intervalos efetivos — os intervalos de preço pagos por investidores cujas ordens são roteadas para um determinado administrador de mercado. Além disso, os admi-nistradores de mercado precisam informar até que ponto eles propor-cionam execuções por preços melhores que as cotações públicas para investidores usando limite de ordens.

Essas regras também dizem que corretores que roteiam ordens em nome dos clientes devem informá-los a cada quadrimestre a identida-de dos administradores de mercado para os quais enviam uma signi-fi cante porcentagem das ordens. Além disso, os corretores precisam responder aos pedidos dos seus clientes interessados em entender para onde suas ordens individuais foram roteadas para execução nos últi-mos 6 meses. 30

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Invariavelmente, a fi scalização e as exigências para a verifi cação do cum-primento da execução das ordens são fundamentais para uma eventual res-ponsabilização da corretora ou da plataforma de negociação, com a possibili-dade, inclusive, de aplicação de multa aos infratores da regra.

A Consolidação dos Dados Pré-Negociação e Pós— Negociação

Em um cenário como o dos Estados Unidos, onde diversas bolsas atuam concomitantemente, a fragmentação de dados no mercado é natural, uma vez que cada ambiente possui ativos listados e realiza suas próprias operações. Tal fato poderia não ser um problema quando havia apenas uma bolsa nos EUA, a NYSE, em 1792. Contudo, com a expansão natural do mercado de valores, um mecanismo de acesso aos dados e participantes do mercado das diferentes plataformas de negociação, a fi m de se obter uma visão apurada das cotações e informações de cada plataforma, foi necessário. É a chamada Consolidação de Dados, ou Fita Consolidada (Consolidated Tape), a qual foi inserida no ordenamento do mercado de valores pela SEC em 1975 para que o mercado fosse fortalecido e se mostrasse mais efi ciente e transparente.

A partir da Consolidação de Dados os participantes do mercado poderiam ter acesso às informações consolidadas de todas as plataformas, bem como aos preços dos ativos e as operações. Frisa-se que a Consolidação de Dados norte-americana exibe somente os melhores preços de compra e venda dos ativos e que os investidores que desejam obter dados mais completos sobre os ativos devem buscá-los diretamente em cada plataforma de negociação.

O MERCADO DE CAPITAIS NA EUROPA

A União Européia é uma união de países localizados principalmente no continente europeu, que buscam, em conjunto, desenvolver econômica, po-lítica e socialmente o seu espaço, por meio de uma série de acordos e leis aplicáveis a todos os Estados-membros. No âmbito econômico, os países atu-am em conjunto com o objetivo de implementar um mercado de capitais integralizado.

Para harmonizar a regulação do mercado de capitais no âmbito da inter-mediação fi nanceira, a comunidade européia aprovou a Diretiva Sobre Mer-cados de Instrumentos Financeiros. A MIFID defi ne a tomada de medidas em benefício da organização e funcionamento das empresas de investimento e em prol das transações fora de fronteiras e harmonização dos mercados de capitais da Europa. Além disso, também estabelece os poderes e obrigações das autoridades nacionais competentes que fi scalizam as operações nos mer-

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FGV DIREITO RIO 46

cados regulados e obriga aos intermediários fi nanceiros a adotarem políticas e procedimentos que lhes permitam identifi car a categoria do cliente que estão lidando e o instrumento fi nanceiro. Seu objetivo principal é integrar o mercado e promover uma competitividade e efi ciência entre as plataformas de negociação dos diferentes e diversos mercados do espaço europeu.

Até a implantação da MIFID em 2007, o mercado de capitais era regido pela antiga Diretiva dos Serviços de Investimentos (“DSI”), em vigência des-de em 10 de maio de 1993. A DSI reproduzia as Condutas Internacionais dos Princípios Empresários (International Conduct of Business Principles) e obri-gava que as normas que transpusessem os seus princípios fossem aplicadas de acordo com a condição profi ssional do cliente a quem se prestava o serviço e suas necessidades específi cas. A partir de então, as entidades reguladoras, à época reunidas no FESCO (Fórum of European Securities Commissions), ini-ciaram um projeto de harmonização das normas de conduta e, em paralelo, um projeto para defi nir parâmetros de diferenciação dos clientes, que seguiu para análise e aprovação em 2002 pela CERS (Committee of European Securi-ties Regulators), entidade que veio a substituir a FESCO.

Em 2012, após apenas cinco anos da entrada em vigor da MIFID, já era possível se verifi car a efi cácia do mercado europeu, a redução dos custos de transação e a crescente integração do mercado comprovam o sucesso da MI-FID. Atualmente, vem sendo estudada uma proposta de reforma buscando a modernização, transparência e adaptação das suas diretrizes para a imple-mentação da MIFID 2.

A MIFID introduziu no mercado de capitais europeu duas principais categorias de clientes, conforme a sua capacidade fi nanceira: o Investidor Qualifi cado e o Investidor Não-Qualifi cado. A partir desta categorização, distinguiu um terceiro grupo de clientes diferenciados, a chamada Contra-parte Elegível. Cada categoria de cliente possui um tratamento diferenciado quanto à regulação aplicável e a necessidade de proteção aos riscos inerentes da fragmentação do mercado, e deve ser informado da categoria que lhes foi atribuída. As categorias se classifi cam em:

i. Contraparte Elegível (Eligible Counterparties): A Diretiva as defi -ne como investidores potencialmente fortes, tais como instituições de crédito, empresas de investimento, empresas de seguros, fundos de pensões e as respectivas sociedades gestoras, outras instituições fi nanceiras autorizadas, governos nacionais e serviços correspon-dentes, incluindo os organismos públicos, bancos centrais e orga-nizações supranacionais. As contrapartes elegíveis possuem nature-za mais complexa do que os demais clientes, no sentido de serem economicamente superiores, e, na maioria das vezes, atuarem por

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

FGV DIREITO RIO 47

31 De acordo com a lei européia, o clien-

te que desejar a categorização como

outro tipo de cliente deve entregar

um pedido escrito para o investidor,

indicando os direitos e proteções que

pretende abrir mão e anexar ao pedido

declaração de ter consciência da perda

de proteção.

conta própria. Desta forma, os intermediários não estão obrigados ao cumprimento de diversas normas de conduta.

ii. Investidor Qualifi cado (Profi ssional Client): A Diretiva os defi ne como as empresas que prestam serviços de investimento ou que exerçam atividades de investimento a grandes empresas cuja dimen-são, de acordo com as suas últimas contas individuais, satisfaça dois dos seguintes critérios: (i) Situação líquida de € 2 milhões; (ii) Ativo total de € 20 milhões; e (iii) Volume de negócios líquido de € 40 milhões. As normas de conduta aplicáveis aos Investidores Qualifi -cados são menos exigentes que as normas aplicáveis aos Investidores Não-Qualifi cados.

iii. Investidor Não-Qualifi cado (Rentail Client): São todos os clientes particulares e empresas que não tenham reunidos os requisitos que caracterizam quaisquer das outras classifi cações anteriores. Sem dú-vida, são esses os clientes que a MIFID oferece maior atenção (per-sonalização do cliente) e nível de proteção (deveres de informação). Ademais, com relação a estes clientes, os intermediários fi nanceiros fi cam obrigados a: i) celebrar contrato escrito; ii) informar e possuir o conhecimento do cliente; e iii) ter uma “política de boa execução”.

Confere-se, ainda, a possibilidade de solicitar um tratamento diferenciado na procura de maior ou menor grau de proteção, sejam estas transferências totais, ou limitadas a alguns serviços ou transações. Desta maneira, o cliente que considerar ter capacidade e conhecimento para tomar as suas próprias decisões de investimento, compreender os riscos envolvidos, preencher os requisitos quantitativos exigidos e seguir os tramites legais, pode solicitar tra-tamento como Investidor Qualifi cado 31.

Diferentemente do que parece, a solicitação de tratamento diferenciado não é tão simples e depende da verifi cação de três requisitos quantitativos mínimos para ser concluída. A freqüência média de dez transações de volume signifi cativo por trimestre; a obtenção de uma carteira fi nanceira maior que quinhentos mil euros; e a prestação de serviços em cargo que exija conheci-mento no setor fi nanceiro por no mínimo um ano.

Não obstante, os intermediários fi nanceiros tiveram que adotar uma série de políticas e procedimentos para se adaptar à categorização de clientes, a au-tomática identifi cação, ao devido tratamento aos clientes em função de suas categorias e a avaliação dos critérios para o tratamento diferenciado.

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FGV DIREITO RIO 48

32 Art. 21 (1). Member States shall

require that investment fi rms take all

reasonable steps to obtain, when exe-

cuting orders, the Best possible result

for their clients taking into account

price, costs, speed, likelihood of exe-

cution and settlement, size, nature or

any other consideration relevant to the

execution of the order. Nevertheless,

whenever there is a specifi c instruction

from the client the investment fi rm

shall execute the order following the

specifi c instruction

33 Disponível em <http://tinyurl.com/

ntj8oxp>

A Melhor Execução no Mercado Europeu

De acordo com o artigo 21(1) da MIFID, os intermediários devem tomar todas as medidas razoáveis para conseguir chegar no melhor resultado possí-vel ao executar a ordem de um cliente32.

A norma estabelece que no mercado secundário de ações os intermediários devem considerar o preço, custo, velocidade, possibilidade de execução, vo-lume, natureza da ordem e quaisquer outras instruções extras fornecidas pelo cliente ao determinar o roteamento de ordens.33 As variáveis serão defi nidas uma a uma a seguir.

Preço: segundo o princípio europeu, a Melhor Execução não deve se resu-mir apenas a um atributo, como o preço, mas sim a uma gama de componen-tes inerentes à execução. Sem dúvida, o preço do ativo negociado deve ser um fator importante a se considerar e preponderante na maioria das transações, entretanto nem sempre o melhor preço será avaliado como atributo relevante para a Melhor Execução, em razão da implementação de outros fatores.

Custo: o melhor preço não se mostra como regra de Melhor Execução quando acompanhado de altos custos. Os custos podem ser classifi cados em explícitos e implícitos. Os custos explícitos são aqueles pré-defi nidos, que podem ser conhecidos e calculados antecipadamente, incluindo os custos de transação e os custos particulares de acesso aos espaços particulares de bolsa. Os custos implícitos, por sua vez, tal como impacto no mercado, intervalo de preços dos ativos e os custos de oportunidade, ensejam uma pondera-ção quanto a sua vulnerabilidade uma vez que dependem da forma como se executa uma decisão. Bons preços devem ser associados a custos explícitos razoáveis para que, por sua vez, sejam balanceados com os custos implícitos.

Velocidade: os preços naturalmente variam de acordo com o tempo. Por exemplo, se um investidor considera que o custo de um movimento adverso do mercado é provavelmente bom, a velocidade da execução parece ser im-portante. Para a escolha do método de negociação, dentro de uma política de execução que é infl uenciada pelas condições de mercado, a velocidade pode representar o sucesso da negociação, impossibilitando qualquer movimento adverso que pudesse lhe infl uenciar, sendo por isso de especial importância.

Probabilidade de execução e liquidação: a execução e a liquidação serão de extrema importância, uma vez que o melhor preço aliado à morosidade de liquidação implica em custos de oportunidade acrescidos, o que não é interessante. Por isso, as ordens devem ser executadas em estruturas de nego-ciação que assegurem uma liquidação satisfatória.

Volume: o volume da ordem infl uencia sobremaneira na busca como um melhor preço. O melhor preço pode não estar disponível a ser transacionado com pequenos volumes. O ideal, portanto, seria quando se coincidem o me-lhor preço e o volume a ser transacionado com o cliente.

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FGV DIREITO RIO 49

34 A execução da política deve levar

em consideração a importância, ou

um processo para que se determine

a importância, de os intermediários

observarem os fatores da melhor exe-

cução quando forem executar uma

ordem de um cliente ou acordo, assim

como informações sobre como estes

fatores afetarão o cliente na escolha da

plataforma de negociação. (Tradução

independente. Best Execution under Mi-

FID, Q&A, The Committee Of European

Securities Regulators, p. 6)

Natureza: as características particulares de uma ordem serão sempre de-terminantes na forma como a mesma deverá ser executada, seja ordem de compra ou venda. Nesse contexto, para se obter o melhor resultado possível se faz necessário um arranjo da característica particular de uma ordem, com a estrutura que lhe seja adequada. A natureza da ordem será, portanto, decisiva na sua escolha, devendo ser atrelada à melhor estrutura de negociação para desta forma garantir o resultado almejado.

Por fi m, o emprego destes fatores deve ser feito de acordo com a estraté-gia do investidor. Neste contexto, faz-se extremamente necessário o auxílio do intermediário, que deverá interpretar a ordem do cliente e aplicá-la na melhor combinação de execução que convier, conforme o efeito que esta execução trará ao cliente34.

A política de execução, segundo a regra européia, envolve substancialmen-te (i) a descrição de quais as plataformas de negociação acessadas pelo inter-mediário e qual o critério adotado para escolher entre elas (art. 21 (3)), (ii) a política de execução deve ter o consentimento prévio dos clientes (art. 21 (3)), (iii) o intermediário deverá ser capaz de, se solicitado pelo cliente, de-monstrar-lhe que suas ordens foram executadas de acordo com a política de execução previamente aprovada por ele (art. 21 (5)), e (iv) o monitoramento constante sobre a qualidade de execução das ordens (art. 21 (4)).

Mesmo com estabelecimento de fatores taxativos, é desejável que outros critérios sejam adotados para a verifi cação do cumprimento da melhor exe-cução, como, por exemplo, a classifi cação do perfi l dos clientes e a análise das características da ordem dada.

No primeiro critério, com o intuito de se medir se determinadas solu-ções fi nanceiras estão compatíveis com as características do cliente enquanto investidor, a distinção mostra-se imprescindível, principalmente quando se trata de Investidor Não-Qualifi cado. A apuração da Melhor Execução para esta categoria de clientes é baseada na chamada Consideração Total (Total Consideration), que é a consideração do preço do ativo juntamente com os custos do cumprimento da ordem. Assim, tendo em vista que os intermedi-ários são responsáveis pelo direcionamento das estratégicas dos investidores, eles acabam por revestir a sua personalidade.

Em segundo plano estão as ordens enviadas pelo investidor, estruturadas pelas características por ele direcionadas, conforme o fator de maior relevân-cia para o próprio cliente. Neste contexto, o intermediário deverá observar todas as instruções dadas pelo cliente para a execução da ordem e informar ao cliente as possibilidades de execução e como elas podem infl uenciar na sua escolha.

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A Consolidação dos Dados Pré-Negociação e Pós— Negociação

Historicamente, o mercado de capitais europeu é fragmentado com múl-tiplas bolsas nacionais e alternativas, que, em conjunto, atendem a todos os segmentos do mercado. Destarte, a entrega de dados de múltiplos ambientes de negociação em diferentes países é atualmente um grande desafi o para a Europa, sem contar com os curtos de estruturar uma única base consolidada com informações e dados das negociações em todo o continente.

A consolidação de dados pré-negociação e pós-negociação ainda é um de-safi o para a MIFID. Como falado, existe uma proposta de reforma ainda em análise pelos órgãos da União Européia para a implementação da MIFID II. Com esta nova diretiva, a União Européia busca implementar no mercado de capitais, a fi ta consolidada, que, primeiramente, traria um enfoque na trans-parência pós-negociação e não incluiria a pré-negociação.

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35 Fonte: Banco Mundial. Disponível

em: <http://data.worldbank.org/indi-

cator/CM.MKT.LDOM.NO>

36 Disponível em: <http://

en.wikipedia.org/wiki/List_of_coun-

tries_by_GDP_(nominal)>

6. AULA 5: AS OPORTUNIDADES PARA O BRASIL

O Banco Mundial divulgou em maio de 2013 suas estatísticas para as em-presas listadas em bolsas de valores no mundo. Foram analisados 110 países no total com 45.261 empresas listadas até dezembro de 2012. Pela pesquisa, o Brasil possui um mercado de capitais pouco desenvolvido, e os números resumem a situação na qual o país se encontra: o número de companhias lis-tadas (35335) é semelhante ao da Mongólia (329), o percentual da população que investe em ações é equivalente ao de Gana e de países onde a população é muito menor do que a brasileira36. Abaixo, dois gráfi cos traduzem a situação do Brasil frente ao mercado mundial.

Gráfi co 1 — Percentual da população que investe em ações por país

Fontes: Grout, Paul (University of Bristol — UK); Megginson, William (University of Oklahoma, USA) — 2009 e BM&FBovespa

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

FGV DIREITO RIO 52

Gráfi co 2 — Número de Companhias Listadas

Fonte: Relatório Oxera Consulting Ltd, 2012, p. 32.

Tendo em vista o atual estágio de desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro e a existência de apenas uma bolsa de valores com a liquidez neces-sária para completar as grandes e pequenas negociações, o Brasil encontra-se em um difícil desafi o de fomentar seu mercado de capitais e investimentos no seu crescimento econômico. Ao mesmo tempo, enfático é o desafi o de aprimorar a regulamentação do mercado de capitais para que as transações sejam feitas com efi cácia, transparência e na melhor forma para o investidor.

A MELHOR EXECUÇÃO E O DESAFIO PARA O BRASIL

Conforme exposto, a Melhor Execução é um instituto facilitador e garan-tidor da efi ciência e transparência do mercado de valores em um ambiente de múltiplas bolsas, e, como foi visto, ela pode ser aferida por diversos fatores, à critério do legislador do mercado. Tal política deve ter por fi m a promoção de maior efi ciência dos mercados e obtenção de melhores resultados de execução para os investidores fi nais. Nos Estados Unidos, o parâmetro é o preço do

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

FGV DIREITO RIO 53

37 ANBIMA — OF-DIR — 029/2013

— Resposta publicada ao Edital de

audiência Pública nº 05/2013 da

CVM — Convite para apresentação de

manifestações sobre as opções regula-

tórias relacionadas à identifi cação, à

mitigação, ao gerenciamento de riscos

decorrentes da fragmentação de liqui-

dez e de dados e à possível mudança na

estrutura de autorregulação, tendo em

vista a hipótese de concorrência entre

plataformas de negociação. Assinado

pelo Superintendente-Geral José Carlos

Doherty. São Paulo. 10 de setembro de

2013.

38 Art. 4º O Conselho Monetário Nacio-

nal e a Comissão de Valores Mobiliários

exercerão as atribuições previstas na lei

para o fi m de:

I — estimular a formação de pou-

panças e a sua aplicação em valores

mobiliários;

II — promover a expansão e o fun-

cionamento efi ciente e regular do mer-

cado de ações, e estimular as aplicações

permanentes em ações do capital social

de companhias abertas sob controle de

capitais privados nacionais;

III — assegurar o funcionamento

efi ciente e regular dos mercados da

bolsa e de balcão;

IV — proteger os titulares de valores

mobiliários e os investidores do merca-

do contra:

a) emissões irregulares de valores

mobiliários;

b) atos ilegais de administradores e

acionistas controladores das compa-

nhias abertas, ou de administradores

de carteira de valores mobiliários.

c) o uso de informação relevante

não divulgada no mercado de valores

mobiliários. (Alínea incluída pela Lei nº

10.303, de 31.10.2001)

V — evitar ou coibir modalidades

de fraude ou manipulação destinadas a

criar condições artifi ciais de demanda,

oferta ou preço dos valores mobiliários

negociados no mercado;

VI — assegurar o acesso do público

a informações sobre os valores mobiliá-

rios negociados e as companhias que os

tenham emitido;

VII — assegurar a observância de

práticas comerciais equitativas no mer-

cado de valores mobiliários;

VIII — assegurar a observância no

mercado, das condições de utilização

de crédito fi xadas pelo Conselho Mone-

tário Nacional.

ativo, e na Europa, somente com a análise de alguns fatores é que se encontra a melhor condição de execução.

A Associação Brasileira de Entidades dos Mercados Financeiro e de Ca-pitais — ANBIMA, em relatório próprio emitido em 10 de setembro de 201337, verifi cou que uma política de Melhor Execução não pode ser pensa-da de forma descontextualizada do mercado onde será desenvolvida, sendo imperioso observar a relação entre os parâmetros defi nidores do instituto que serão utilizados com o modelo de mercado que está sendo construído. Nesse sentido, aplicar um padrão quantitativo taxativo para o que se entende por “melhor”, conforme a experiência de um mercado já desenvolvido, é uma atitude imprudente, dada a não semelhança entre os mercados ou a impossi-bilidade de se provar que o resultado foi obtido de forma apropriada.

Por esse motivo, distintas são as práticas e entendimentos no que se refere à melhor execução, sendo, contudo, a Melhor Execução muito mais uma prática, ou melhor, conjunto de práticas que conduzam a implementação e formação do modelo de mercado escolhido, do que regras quantitativas fun-damentadas em fórmulas taxativas.

A regulação brasileira do mercado de capitais visa garantir e facilitar o acesso dos participantes de forma efi ciente e transparente. Por meio do artigo 4º da Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976 este objetivo fi ca estabeleci-do como sendo: (i) o estímulo à formação de poupanças e sua aplicação em valores mobiliários, (ii) a expansão e o funcionamento efi ciente e regular do mercado de ações, (iii) o estímulo às aplicações permanentes em ações, a pro-teção dos titulares de valores mobiliários e investidores, (iv) a promoção do funcionamento regular e efi ciente dos mercados de bolsa e balcão, (v) dentre outros38.

Assim, é razoável que o instituto da Melhor Execução no mercado de capitais brasileiro venha a convergir para o modelo de mercado escolhido pelo legislador a fi m produzir um mercado maduro, efi ciente e transparente e propiciar regras claras que produzam desenvolvimento e pouca ambiguida-de. Neste cenário, cabe ao legislador defi nir regras que garantam a Melhor Execução e estabeleça mecanismos de fi scalização e supervisão destas regras.

No Brasil o instituto está garantido com a edição do art. 19 da Instrução CVM nº 505/2008, e segue os fatores do modelo europeu como o preço, o custo, a velocidade, a probabilidade de execução, o volume e outras consi-derações relevantes. Ainda, a ordem está restringida aos intermediários, sem mencionar as próprias plataformas de negociação.

Entretanto, não é prudente aplicar diretamente ao mercado brasileiro as práticas regulatórias de controle e princípios baseadas na legislação da MI-FID ou em qualquer outro mercado desenvolvido. Explica-se: A regulação brasileira do mercado de capitais não é, por inteiro, semelhante a regulação da MIFID ou às demais. No mercado brasileiro veda-se, por exemplo, os

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FGV DIREITO RIO 54

dark-pools, permitidos no mercado americano, e a competição entre clearings, diferentemente do mercado europeu. Adicionalmente, existem na Europa di-versos sistemas alternativos e as bolsas são interligadas, já no Brasil, inexistem estes sistemas e a implantação da Melhor Execução sem a interligação entre as bolsas geraria uma drástica fragmentação de volumes e dados, além de tornar a estrutura do mercado menos segura e efi caz.

Entende-se que o primeiro passo para a implantação de uma regra da Me-lhor Execução efi ciente seja o estabelecimento de critérios e normas mínimas no sentido de interligar as plataformas que venham a compor o mercado de capitais brasileiro.

A criação de normas claras e precisas, e a posterior adequação ou fl exi-bilização em função do crescimento de mercado é mais efi caz do que criar princípios gerais pautados em experiências puramente alheias e, após a reali-zação de investimentos conforme a interpretação dos participantes, precisar redefi ni-los. À título de exemplo, normas objetivas e fl exíveis criadas como ordens de menor volume podem ser, isto é, aquelas cuja liquidez do mercado pode absorvê-las, poderiam ser submetidas a um critério de melhor execução refl etido na variável quantidade e preço.

A eminente alteração do cenário do mercado de capitais brasileiro traz consigo a necessidade de alteração na regulação brasileira para atender aos anseios do mercado. A regra da Melhor Execução visa proteger o investidor fi nal, garantindo que nenhum intermediário ou participante crie confl ito en-tre os seus interesses e os de seus clientes, por este motivo ela é essencial. O conceito visa também criar um ambiente que incentive a entrada de novos investidores, sendo, portanto, um instrumento de defesa da própria integri-dade do mercado.

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

FGV DIREITO RIO 55

39 EIRIZIK, Nelson; GAAL, Ariadna B.;

PARENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus

de Freitas. Mercado de capitais — re-gime jurídico. Rio de Janeiro: Renovar.

2011, p. 537.

7. AULA 6: ILICITUDES ADMINISTRATIVAS E PENAIS NO AMBITO DO MERCADO DE CAPITAIS BRASILEIRO

1. INTRODUÇÃO

Tanto nas esferas civil e criminal quanto na administrativa, o ilícito é cons-tituído da mesma forma: trata-se sempre de violação a um dever de conduta previamente existente e a imputação de tal ação ou omissão a um agente. Não há, assim, uma diferença fundamental no ilícito em cada esfera, mas sim no que tange à natureza do bem jurídico protegido caso a caso.

Dessa forma, no âmbito do mercado de capitais, podem os delitos ensejar tanto sanções de natureza administrativa quanto penal, conforme o bem ju-rídico tutelado, cabendo aos dispositivos legais pertinentes denotar critérios formais que os distinguam.

Nessa linha, temos, por um lado, os ilícitos administrativos tipifi cados tanto em Instruções Normativas específi cas da CVM, como a IN nº 08/79, a ser estudada posteriormente, quanto na própria Lei nº 6.385/1976, conhe-cida por Lei do Mercado de Valores Mobiliários.

Os ilícitos penais, por outro lado, são previstos apenas pela Lei nº 6.385, no capítulo VII-B, artigos 27-C, 27-D e 27-E. Tal capítulo foi inserido na referi-da lei posteriormente a sua edição, através do art. 5º da Lei nº 10.303/2001, a fi m de suprir lacuna deixada pela Lei nº 7.492/1986, que, muito embora tenha disciplinado os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, não vis-lumbrou as condutas ilícitas do âmbito do mercado de capitais.

Cabe ressaltar que as condutas previstas nos artigos acima como ilícitos penais já eram antes tipifi cadas como ilícitos administrativos. Entretanto, tendo em vista a relevância do bem jurídico ali protegido e, mais especifi -camente, um esforço em passar mais credibilidade ao mercado fi nanceiro e maior segurança aos investidores, decidiu o governo brasileiro por seguir o exemplo de países mais desenvolvidos na área, em que tais condutas já eram, desde muito, criminosas.

Como estudado na parte histórica, o Brasil não encontrou facilidades no desenvolvimento de seu mercado de capitais, enfrentando desde sua criação, nos anos 60, adversidades, como a falta de segurança, a especulação ines-crupulosa e corrupção. Apesar da evolução legislativa da área, para Nelson Eizirik, o fato de diversos ilícitos administrativos ainda serem tratados em poucos ou um único tipo penal acaba por causar difi culdade na interpretação e aplicação adequada das normas39. Estudaremos a seguir os principais tipos penais do mercado de capitais.

Podemos citar, como principais ilícitos administrativos e penais previstos na legislação brasileira sobre mercado de capitais, as seguintes práticas: cria-

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

FGV DIREITO RIO 56

ção de condições artifi ciais de demanda, oferta ou preço de valores mobili-ários; exercício irregular do cargo, profi ssão ou atividade; manipulação do mercado; práticas não equitativas; uso indevido de informação privilegiada.

2. O ILÍCITO PENAL. MANIPULAÇÃO DO MERCADO, CRIAÇÃO DE CONDI-ÇÕES ARTIFICIAIS, OPERAÇÕES FRAUDULENTAS E PRÁTICAS NÃO EQUI-TATIVAS — ART. 27-C DA LEI 6.385/1976.

Art. 27-C. Realizar operações simuladas ou executar outras manobras frau-dulentas, com a fi nalidade de alterar artifi cialmente o regular funcionamento dos mercados de valores mobiliários em bolsa de valores, de mercadorias e de futuros, no mercado de balcão ou no mercado de balcão organizado, com o fi m de obter vantagem indevida ou lucro, para si ou para outrem, ou causar dano a terceiros: Pena — reclusão, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime.

Nenhum mercado é capaz de se desenvolver de maneira saudável com apenas investimentos especulativos. A manutenção do capital investido em determinado mercado acaba por atrair mais investimentos, pois denota segu-rança no investimento, o que, por conseqüência fi nal, resulta no crescimento das empresas negociadas e do próprio mercado. É um processo cíclico.

Com a abertura do mercado de capitais brasileiro para investimento es-trangeiro no fi nal do último século, fez-se rapidamente necessária uma adap-tação do mercado nacional a normas já há muito existentes em mercados mais desenvolvidos a fi m de não só incentivar a vinda de investidores estrangeiros, mas também assegurar a manutenção de tais investimentos em empresas aqui negociadaNessa linha do direito comparado, foi criado o art. 27-C, que dis-ciplinou o crime de manipulação do mercado de capitais, prevendo, em um mesmo tipo penal, três condutas consideradas ilícitos administrativos, quais sejam: a criação de condições artifi ciais de demanda, oferta ou preço de valo-res mobiliários; a operação fraudulenta; e a manipulação de preços.

A fi m de elucidar tais condutas, garantindo a efi caz aplicabilidade do ar-tigo, coube à CVM, entretanto, a defi nição do que seriam, de fato, constitu-ídas tais praticas. Dessa forma, a CVM, através da Instrução Normativa nº 08/79 assim as defi niu:

a. Condições artifi ciais de demanda, oferta ou preço de valores mobiliários aquelas criadas em decorrência de negociações pelas quais seus participantes ou intermediários, por ação ou omissão dolosa provocarem, direta ou indiretamen-te, alterações no fl uxo de origens de compra ou venda de valores mobiliários;

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

FGV DIREITO RIO 57

40 LORIE, James H. Public policy for American capital markets. Washing-

ton, Department of treasure, 1974

Apud EIZIRIK, Nelson. O papel do estado na regulação do mercado de capitais. Rio de Janeiro. IBMEC. 1977,

p. 54: “Efi ciência nesse contexto signifi -

ca a capacidade de reação das cotações

dos títulos às novas informações; quan-

to mais rápida for esta reação, mais

efi ciente será o mercado. O ideal é que

a cotação de determinado título refl ita

toda a informação publicamente dispo-

nível, o que pode ser obtido mediante

uma efi caz legislação de disclosure e

uma efetiva fi scalização da fi dedigni-

dade dos dados revelados. A efi ciência

nesse sentido parece confl itar com ou-

tras características do mercado, consi-

deradas desejáveis. Mercados efi cientes

causam variações rápidas de preços, em

resposta às novas informações, sendo

tais variações consideradas, algumas

vezes, como fatores de excessiva vola-

tilidade, devendo então merecer algu-

ma atenção governamental. Este é um

ponto extremamente discutível. Para

Lorie, quando as variações nos preços

constituem uma resposta a novas

informações, a regulação deve facilitá-

-las e não impedi-las ou restringi-las,

supondo-se, no entanto, o igual aces-

so às informações (isto é, um sistema

efi caz de combate ao insider trading).

Em mercados de dimensões reduzidas

não se pode levar a extremos esta po-

sição, já que fl utuações exageradas nas

cotações podem abalar fortemente a

confi ança dos investidores individuais,

tradicionalmente com menor acesso e

mesmo menor capacidade análise das

novas informações do que os investido-

res institucionais.”

41 GUNTHER, Max. Os Axiomas de Zuri-que. Ed. Record. 2006.

42 DA SILVA, João Gomes. O crime de Manipulação do Mercado. Direito e Justiça — Revista da Faculdade de Direito da Universidade Católica Por-tuguesa. Lisboa Universidade Católica

editora. V. 14, n.1, p. 198. Apud EIRIZIK,

Nelson; GAAL, Ariadna B.; PARENTE,

Flávia; HENRIQUES, Marcus de Freitas.

Mercado de capitais — regime ju-rídico. Rio de Janeiro: Renovar. 2011,

p. 540.

b. manipulação de preços no mercado de valores mobiliários, a utilização de qualquer processo ou artifício destinado, direta ou indiretamente, a elevar, manter ou baixar a cotação de um valor mobiliário, induzindo, terceiros à sua compra e venda;

c. operação fraudulenta no mercado de valores mobiliários, aquela em que se utilize ardil ou artifício destinado a induzir ou manter terceiros em erro, com a fi nalidade de se obter vantagem ilícita de natureza patrimonial para as partes na operação, para o intermediário ou para terceiros.

O bem jurídico aqui tutelado é a estabilidade do mercado de capitais. Um mercado estável e efi ciente é aquele em que as cotações dos papéis negocia-dos reagem de maneira mais rápida às informações publicadas. Diz-se aí que existe “uma cotação real e verdadeira dos ativos fi nanceiros negociados no mercado de capitais.” 40

Em contrapartida, a manipulação consiste na execução de conduta, não necessariamente fraudulenta, por qualquer pessoa (crime comum), que in-tente por alterar o bom funcionamento do mercado. Trata-se de uma agres-são à sua estabilidade através da formação de preços não condizentes com a realidade, preços falsos, que geram, por sua vez, um mercado falso.

Importante aqui se faz distinguir a manipulação, ilícito penal, da especu-lação, conduta perfeitamente aceitável nas economias de mercado. Em defi -nição geral, a especulação se trata de “qualquer aposta baseada nas previsões acerca dos desdobramentos econômicos do futuro de um país, um evento, um setor de atividade ou de uma empresa.” 41

Como toda aposta, a especulação necessariamente deve envolver um ris-co. O especulador não tem conhecimento prévio dos resultados que obterá com sua operação especulativa, trata-se de uma esperança, que pode ou não lograr êxito. O manipulador, por sua vez, não contempla tal risco em suas negociatas. De acordo com a boa doutrina, podemos observar claramente tal distinção:

Apontam-se dois traços essenciais na manipulação, que a distinguem da mera especulação: a alteração das regras do jogo do mercado; e o engano dos investidores. Na especulação existe sempre o risco, uma vez que o especulador realiza operações com a esperança de obter lucros, em função de uma variação de preços que lhe seja favorável, mas que pode não se verifi car. Já o manipulador objetiva eliminar os riscos da operação, transformando em certeza a esperança de obter lucros; para tanto, modifi ca as regras de funcionamento do mercado e da formação de preços, enganando os investidores, que desconhecem o caráter artifi cial das cotações dos títulos.42

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

FGV DIREITO RIO 58

43 EIRIZIK, Nelson. CARVALHOSA, Mo-

desto. A nova Lei das S/A. São Paulo:

Saraiva. 2002, p. 540.

44 DE SANCTIS, Fausto. Punibilidade no sistema fi nanceiro nacional. Campi-

nas. Millenium. 2003, p. 104.

45 Art. 27-F. As multas cominadas para

os crimes previstos nos arts. 27-C e

27-D deverão ser aplicadas em razão

do dano provocado ou da vantagem

ilícita auferida pelo agente. Sobre tal

aspecto, a doutrina é uníssona em con-

siderar a pena desproporcional ao bem

jurídico tutelado, uma vez que penas

equivalentes podem ser observadas em

crimes mais simples como furto ou o

estelionato, em que o sujeito passivo é

consideravelmente menor, quando não

individual.

É importante frisar que não é necessário que as operações com intuito manipulativo se dêem todas no âmbito de uma mesma bolsa. O chamado intermarket manipulation consiste exatamente em operações realizadas no âmbito de determinada bolsa, mas que na verdade visam atingir os preços de uma bolsa diversa. Trata-se de uma manipulação indireta.

Nesse mesmo sentido, podemos verifi car a realização de operações in-tertemporais, que visam elevar ou derrubar o valor de determinada ação, dependendo da posição do manipulador, para que este possa lucrar com a liquidação de contratos a futuro. Tanto no caso da intermarket manipulation quanto no último exemplo citado, incorre o agente no crime previsto no art. 27-C da Lei 6.385/1976.

Cabe ressaltar, ainda, que há divergência na doutrina quanto à necessidade de resultado no crime de manipulação do mercado de capitais. Para Nelson Eizirik e Modesto Carvalhosa, tal tipo penal constitui crime material, sendo, dessa forma, necessária a ocorrência de alteração do mercado e uma vanta-gem indevida. Nesse sentido:

A manipulação constitui um delito material, cujo resultado, a efetiva alte-ração do mercado e a vantagem indevida, são indispensáveis para a sua carac-terização. Trata-se de um crime de dano, em que deve restar demonstrado que as condutas puníveis tinham o condão de elevar, manter ou baixar a cotação de determinado valor mobiliário, induzindo terceiros a sua compra e venda. 43

Há, contudo, quem entenda de forma diversa. Conforme a doutrina de Fausto Martin De Sanctis, o crime de manipulação “se cuida de delito for-mal, cujo resultado, alteração do mercado regular e vantagem indevida com prejuízo alheio, não se apresenta imprescindível”. 44 Assevera, ainda, o autor que, dessa forma, seria necessário demonstrar apenas a fi nalidade do investi-dor, ou seja, sua intenção.

Pode-se concluir, portanto, que o crime tipifi cado pelo art. 27-C pode assumir diversas formas e práticas, uma vez que tal tipo penal é abrangente, englobando mais de uma conduta, como visto, podendo resultar em até oito anos de reclusão e multa até o triplo do valor do montante indevidamente obtido, conforme art. 27-F45 da mesma lei.

2.2. Uso indevido de informação privilegiada — Art. 27-D da Lei 6.385/1976.

Art. 27-D. Utilizar informação relevante ainda não divulgada ao mercado, de que tenha conhecimento e da qual deva manter sigilo, capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiro, com valores mobiliários: Pena — reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco)

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

FGV DIREITO RIO 59

46 PINTO, Frederico de Lacerda da Cos-

ta. Crimes econômicos e mercados fi nanceiros. In: Revista Brasileira de

Ciências Criminais, n. 39, p. 28. Apud

DE SANCTIS, Fausto. Punibilidade no

sistema fi nanceiro nacional. Campinas.

Millenium. 2003, p. 107.

47 CASTELLAR, João Carlos. Os novos Crimes Societários, p. 104. Apud

EIRIZIK, Nelson; GAAL, Ariadna B.; PA-

RENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus de

Freitas. Mercado de capitais — regime

jurídico. Rio de Janeiro: Renovar. 2011,

p. 540.

48   Art. 157. (...)

§ 4º Os administradores da compa-

nhia aberta são obrigados a comunicar

imediatamente à bolsa de valores e a

divulgar pela imprensa qualquer deli-

beração da assembléia-geral ou dos ór-

gãos de administração da companhia,

ou fato relevante ocorrido nos seus ne-

gócios, que possa infl uir, de modo pon-

derável, na decisão dos investidores do

mercado de vender ou comprar valores

mobiliários emitidos pela companhia.

49 Ainda sobre o direito comparado,

Nelson Eizirik assevera: “No Direito Eu-

ropeu, desde a Diretiva da CEE 592/89, a

generalidade dos países membros vem

adotando normas penais sobre o insider

trading, sob diversos fundamentos: a

igualdade entre os investidores; a con-

fi ança no mercado; a justa distribuição

dos riscos do mercado; e, principalmente,

os pressupostos de efi ciência do merca-

do de capitais.” EIRIZIK, Nelson; GAAL,

Ariadna B.; PARENTE, Flávia; HENRI-

QUES, Marcus de Freitas. Mercado de capitais — regime jurídico. Rio de

Janeiro: Renovar. 2011, p. 557.

anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime.

Através do presente tipo penal, visou-se punir a conduta do agente que utiliza informação sigilosa em proveito próprio ou alheio, dolosamente (dolo específi co de auferir vantagem), no âmbito do mercado de capitais. Nesse sentido, Frederico de Lacerda da Costa muito bem defi niu o propósito de tal dispositivo como “[...] tutelar a função pública da informação, enquanto justo critério de distribuição do risco dos negócios [...]”.46

O bem jurídico tutelado é, portanto, o princípio da transparência de in-formações, e assim, de forma indireta, a estabilidade, efi ciência e equidade do mercado. João Carlos Castellar afi rma que também pode ser incluído como bem jurídico tutelado a proteção da confi ança e do patrimônio dos investi-dores que aplicam seus recursos no mercado de capitais. 47

A legislação das companhias no âmbito nacional, através do art. 157 § 4º, 48 já muito bem previa o “dever de informar”, que, em essência, determina a divulgação de deliberações da assembleia geral ou dos órgãos de administra-ção, ou fato relevante ocorrido na empresa, por parte dos administradores da companhia, que fi cam, dessa forma, impedidos de se utilizarem da informa-ção para obtenção de vantagem para si ou para outros através de negociação de valores mobiliários.

Assim, seguindo o direito norte-americano49, adotou a legislação pátria o princípio da “disclose or refrain from trading”, que importa na obrigação de publicar informações relevantes ou se abster de utilizá-la em proveito próprio ou alheio, incorrendo em crime aquele que pratica conduta contrária. Nesse sentido, observemos a lição de José Luiz Bulhões Pedreira e Alfredo Lamy Filho:

O sigilo supõe, pois, necessariamente, “informação que não tenha sido di-vulgada”, pelo que fi ca o administrador proibido de fazer qualquer negociação para obter vantagem na base de informação de que o mercado desconhece, o que caracteriza o “insider trading”. (...) os deveres de sigilo e de divulgar informação completam-se no mesmo propósito de evitar o insider, a ação do iniciado, o pro-veito do bem informado: o administrador é obrigado a divulgar as notícias rele-vantes e até a divulgação está obrigado ao sigilo, cuja violação enseja o insider.

Cabe ressaltar que a Instrução CVM nº. 358/2002 dispõe, em seu art. 13, que os seguintes personagens podem ser considerados insiders: a própria companhia; seus acionistas controladores, sejam eles diretos ou indiretos, diretores, membros do conselho de administração, do conse-lho fiscal, ou de quaisquer órgãos com funções técnicas ou consultivas, criadas por disposição estatutária, bem como quem quer que, em virtude de seu cargo, função ou posição na companhia, sua controladora, con-

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FGV DIREITO RIO 60

50 EIRIZIK, Nelson; GAAL, Ariadna B.;

PARENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus

de Freitas. Mercado de capitais — re-gime jurídico. Rio de Janeiro: Renovar.

2011, p. 558.

51 CVM, PAS nº RJ 2002/1822, Rel. Dir.

Norma Jonssen Parente, julgado em

06.05.2005. Disponível em www.cvm.

gov.br.

52 Também no direito brasileiro, po-

dem-se encontrar doutrinadores que

defendam o insider trading como

crime comum. Nesse sentido: “[...] ape-

sar de exigir do sujeito ativo obigação

ao sigilo, não se cuida de delito próprio

e, portanto, não se requer o nexo de

causalidade entre o conhecimento do

sigilo e o cargo ocupado pelo agente.

[...] qualquer pessoa que tenha acesso

a essa informação, seja em razão do

cargo, ou não, poderá ser enquadrada

no dispositivo, bastando que negocie

com valores mobiliários. DE SANCTIS,

Fausto. Punibilidade no sistema fi nanceiro nacional. Campinas. Mille-

nium. 2003, p. 110.

trolada ou coligada, tenha conhecimento da informação relativa ao ato ou fato relevante.

Por fi m, é importante frisar que a caracterização do delito requer, necessa-riamente, que a informação seja relevante. Entende-se por relevante a infor-mação “capaz de infl uir, de modo ponderável, na cotação dos valores mobili-ários, causando sua alta ou queda.” 50 Ou ainda, na defi nição estadunidense, material fact seria aquele que um investidor médio levaria em consideração ao negociar no mercado.

Sobre tal aspecto, interessante ainda observar o entendimento da CVM, que consiste na seguinte defi nição:

O fato relevante deve ser reconhecido como tal a partir da avaliação de sua repercussão no valor da companhia, não importando que fi gure no rol exempli-fi cativo da Instrução CVM 358/2002. 51

Também sobre o insider trading, pode-se verifi car divergência doutrinária quanto ao seu momento consumativo. Nelson Eizirik, Frederico de Lacerda da Costa Pinto e João Castellar afi rmam se tratar de crime material, em que a vantagem indevida obtida com a utilização da informação privilegiada seria necessária para tipifi cação penal.

Já Fausto De Sanctis considera o auferimento de vantagem indevida como dispensável, entendendo, assim, o crime como um delito de perigo abstrato, bastando a demonstração de que a conduta de negociar utilizando informa-ção relevante foi realizada.

Por fi m, o crime de insider trading é visto como próprio, devendo o agen-te ativo, necessariamente, ter a obrigação de guardar sigilo por força legal ou contratual. Há, contudo, doutrina divergente no direito comparado52, como aponta Nelson Eizirik, nos termos do art. 285 do Código Penal Espanhol, qualquer pessoa pode ser sujeito ativo de tal delito.

2.3. Exercício irregular de cargo, profi ssão ou atividade — Art. 27-E da Lei 6.385/1976.

Art. 27-E. Atuar, ainda que a título gratuito, no mercado de valores mobi-liários, como instituição integrante do sistema de distribuição, administrador de carteira coletiva ou individual, agente autônomo de investimento, auditor independente, analista de valores mobiliários, agente fi duciário ou exercer qual-quer cargo, profi ssão, atividade ou função, sem estar, para esse fi m, autorizado ou registrado junto à autoridade administrativa competente, quando exigido por lei ou regulamento.

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

FGV DIREITO RIO 61

53 EIRIZIK, Nelson; GAAL, Ariadna B.;

PARENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus

de Freitas. Mercado de capitais — re-gime jurídico. Rio de Janeiro: Renovar.

2011, p. 566. Do mesmo entendimento

João Carlos Castellar: [...] CASTELLAR,

João Carlos. Os novos crimes societá-rios. [...]

54 DE SANCTIS, Fausto. Punibilidade no sistema fi nanceiro nacional. Campi-

nas. Millenium. 2003, p. 116.

55 EIRIZIK, Nelson; GAAL, Ariadna B.;

PARENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus

de Freitas. Mercado de capitais — re-gime jurídico. Rio de Janeiro: Renovar.

2011, p. 566.

O tipo penal no artigo em questão visa coibir a conduta daquele que atua, como uma das fi guras elencadas, ou exerce cargo ou função no âmbito do mercado de capitais sem o devido registro administrativo perante a CVM exigido por lei. Tutela-se assim o bem jurídico da estabilidade do mercado de capitais, uma vez que, pelo menos em um plano teórico, tal registro pode ser capaz de difi cultar a prática de ilícitos.

Há divergência doutrinária quanto à natureza de tal delito, uma vez que para Nelson Eizirik, trata-se de crime de hábito e formal, sendo necessária a reiteração de tal prática e não se podendo assim cogitar a tentativa. Neste sentido, assevera:

“A natureza dos verbos utilizados — atuar e exercer — indica que para se confi gurar o delito deve haver constância, reiteração, ou seja, habitualidade na conduta do agente: a prática de um único ato, isolado, avulso, não caracteriza o ilícito.” 53

Para Fausto De Sanctis, no entanto, o tipo penal previsto no art. 27-E deve ser separado em dois núcleos distintos, separando a atuação do exercí-cio. No primeiro núcleo, atuar, o crime estaria confi gurado com apenas uma única transação no âmbito do mercado de capitais sem a devida autorização, sendo assim um crime material e não habitual, possibilitando-se a tentativa.

O segundo núcleo, exercer, constituiria um crime habitual, exigindo-se, portanto, “a habitual atividade ou função sem a autorização competente.” 54 Não comportaria tal ilícito, assim, a forma tentada.

Trata-se ademais de norma penal em branco, devendo-se consultar a legis-lação disciplinadora do mercado de capitais que estabelece os parâmetros da necessidade de autorização ou registro. Cabe ressaltar que pode haver, dessa forma, inclusão ou exclusão de personagens que podem atuar no pólo ativo de tal crime.

Por fi m, importante se faz salientar crítica presente na doutrina acerca da pena para tal crime. Sendo a pena máxima de dois anos, o delito é con-siderado como de menor potencial ofensivo, inserindo-se assim na Lei nº. 10.259/2001. Contudo, entende Nelson Eizirik que há uma “supervaloriza-ção da atuação registrária da CVM, cuja omissão, em princípio, não repre-sentaria ofensa de grande relevância para a sociedade.” 55

3. O ILÍCITO ADMINISTRATIVO.

A Lei 6.385/1976, em seu art. 4º, estabelece que é dever do Conselho Mo-netário Nacional e da CVM proteger os titulares de valores mobiliários e os investidores do mercado contra o uso de informação relevante não divulgada

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

FGV DIREITO RIO 62

56 Nota Explicativa 14/79 disponí-

vel em: http://www.cvm.gov.br/

a s p / c v mw w w / ato s / Ato s _ R e d i r.

asp?Tipo=N&File=\nota\nota014.doc

> acesso: 14.06.2012.

57 EIRIZIK, Nelson; GAAL, Ariadna B.;

PARENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus

de Freitas. Mercado de capitais — re-gime jurídico. Rio de Janeiro: Renovar.

2011, p. 547.

58 EIRIZIK, Nelson; GAAL, Ariadna B.;

PARENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus

de Freitas. Mercado de capitais — re-gime jurídico. Rio de Janeiro: Renovar.

2011, p. 547.

59 MEDAUAR, Odete. A processualida-de no Direito Administrativo. Revista

dos Tribunais. Apud EIRIZIK, Nelson;

GAAL, Ariadna B.; PARENTE, Flávia;

HENRIQUES, Marcus de Freitas. Merca-

do de capitais — regime jurídico. Rio

de Janeiro: Renovar. 2011, p. 547.

no mercado de valores mobiliários (IV “c”); modalidades de fraude ou mani-pulação destinadas a criar condições artifi ciais de demanda, oferta ou preço dos valores mobiliários negociados no mercado (V); assegurar a observância de práticas comerciais equitativas no mercado de valores mobiliários (VII).

Assim sendo, elaborou a CVM a Instrução Normativa nº. 08/1979, que, visando regulamentar o referido dispositivo, defi niu quatro tipos de ilícitos administrativos (que acabaram sendo utilizados também na tipifi cação do art. 27-C da mesma Lei, como anteriormente exposto).

Ao editar tal norma, utilizou-se a CVM do conceito do “tipo aberto”, já anteriormente utilizado no âmbito dos crimes contra o patrimônio do Códi-go Penal, a fi m de abarcar uma maior quantidade de condutas como ilícitos, fl exibilizando-se assim o poder punitivo da CVM. Segundo a própria Nota Explicativa nº 14, que acompanha a referida instrução normativa, visa-se, na aplicação do tipo penal aberto, “possibilitar a paulatina adaptação das defi ni-ções adotadas às necessidades demonstradas pela prática.” 56

Segundo a doutrina de Nelson Eizirik, os tipos ali constantes se tratam de “conceitos amplos, não precisamente determinados e que podem ser adapta-dos às circunstâncias fáticas do mercado.” 57 São, assim, denominados stan-dard legais.

Nesse sentido, pondera o doutrinador que muito embora se possa criticar a generalidade de tais tipos pela possível insegurança jurídica gerada aos su-jeitos a eles submetidos, outro modo não mostra efetivo, tendo em vista ser impossível prever todas as condutas nocivas no âmbito do mercado, pela sua alta dinamicidade.

Sobre tal aspecto, assevera:

“A utilização de tipos abertos importa a concessão de ampla discrição à autoridade administrativa encarregada de aplicá-los à prática dos negócios, ca-bendo-lhe preencher os vazios do padrão genérico de conduta, caso a caso, no julgamento dos processos sancionadores.” 58

Por derradeiro, cabem algumas considerações acerca do Processo Admi-nistrativo Sancionador. O PAS pode ser defi nido como:

“Uma modalidade de processo administrativo mediante a qual a Administra-ção Pública, no exercício do seu poder de polícia e obedecendo sempre o postula-do do devido processo legal, aplica as penalidades administrativas às pessoas que praticam atos qualifi cados em lei ou regulamento como ilícitos administrativos.” 59

Assim sendo, o PAS no âmbito da CVM observa especifi camente as dis-posições da Lei nº. 9.784/1999, que trata dos princípios orientadores do pro-cesso administrativo em geral no âmbito da administração pública federal.

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

FGV DIREITO RIO 63

60 Em se tratando de infrações de na-

tureza objetiva a que se comine pena-

lidade de multa pecuniária de até no

máximo de R$ 100.000,00 (cem mil

reais) o rito será o sumário. Conforme

art. 1º Regulamento Anexo à Resolução

CMN nº. 1.657/1989.

61 Em sua ausência, qualquer dos di-

retores poderá presidir, exigindo-se,

sempre, três julgadores presentes.

62 A consent decree (also referred to

as a consent order or stipulated judg-

ment or agreed judgment) is a fi nal,

binding judicial decree or judgment

memorializing a voluntary agreement

between parties to a suit in return for

withdrawal of a criminal charge or an

end to a civil litigation. In a typical con-

sent decree, the defendant has already

ceased or agrees to cease the conduct

alleged by the plaintiff to be illegal and

consents to a court injunction barring

the conduct in the future. A consent

judgment can also memorialize pay-

ment of damages. Sometimes the

defendant expressly does not admit to

fault, illegality or damages. Consent

decrees are used most commonly in

criminal law and family law. They are

frequently used by the U.S. Securities

and Exchange Commission. They are

sometimes used in antitrust law. Fonte:

http://www.justice.gov/enrd/Con-

sent_Decrees.html > acessado em 28

de junho de 2012.

Podemos citar como principais princípios: a legalidade, fi nalidade, motiva-ção, proporcionalidade, contraditório, ampla defesa, publicidade e segurança jurídica.

Ademais, a fi m de garantir a higidez de tal procedimento e a imparcialida-de de eventual decisão proferida, necessária se fez a separação funcional entre as fases processuais, sendo elas a fase de instrução e de decisão, e dos diversos órgãos nelas atuantes.

Dessa sorte, no procedimento ordinário60 do Processo Administrativo Sancionador da CVM, a acusação é feita pela Superintendência de Processos Sancionadores (“SPS”) em conjunto com Procuradoria Especializada Federal (“PFE”), enquanto que a decisão deve ser proferida, em primeira instância, pelo Colegiado, composto pelo Presidente61 e mais dois diretores, no mí-nimo, cabendo recurso de tal decisão ao Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional.

4. O TERMO DE COMPROMISSO.

O Termo de Compromisso no Brasil foi instituído através da Lei nº. 9.457/1997, que introduziu os §§ 5º a 8º ao artigo 11, na Lei nº. 6.385/1976 com a seguinte redação:

§ 5o A Comissão de Valores Mobiliários poderá, a seu exclusivo critério, se o interesse público permitir, suspender, em qualquer fase, o procedimento admi-nistrativo instaurado para a apuração de infrações da legislação do mercado de valores mobiliários, se o investigado ou acusado assinar termo de compromisso, obrigando-se a:

I — cessar a prática de atividades ou atos considerados ilícitos pela Comissão de Valores Mobiliários; e

II — corrigir as irregularidades apontadas, inclusive indenizando os prejuízos.§ 6º O compromisso a que se refere o parágrafo anterior não importará

confi ssão quanto à matéria de fato, nem reconhecimento de ilicitude da conduta analisada.

§ 7o O termo de compromisso deverá ser publicado no Diário Ofi cial da União, discriminando o prazo para cumprimento das obrigações eventualmente assumidas, e constituirá título executivo extrajudicial.

§ 8º Não cumpridas as obrigações no prazo, a Comissão de Valores Mobiliá-rios dará continuidade ao procedimento administrativo anteriormente suspenso, para a aplicação das penalidades cabíveis.

Historicamente, podemos relacionar o Termo de Compromisso brasilei-ro com o Consent Decree62 americano, regulamentado pela Securities and

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

FGV DIREITO RIO 64

Exchange Comission. Através da regulamentação americana, as propostas para celebração de Consent Decree devem obedecer a algumas Normas de Conduta (“Rules of Practice”), que prevêem, por exemplo, a constituição de garantias para assegurar eventuais indenizações às partes eventualmente prejudicadas.

Dessa forma, tanto o Consent Decree como o Termo de Compromisso visam atender ao mesmo propósito, qual seja, possibilitar a celebração de acordo entre o investigado da prática de algum ilícito e o ente público res-ponsável por sua apuração e eventual condenação, seja a SEC nos EUA ou a CVM no Brasil, através da prática de condutas que ajustem ou amenizem o ilícito cometido.

Cabe distinguir tais institutos, entretanto, no que tange a necessidade de homologação em juízo de tais compromissos. Nos EUA, o Consent Decree obrigatoriamente deverá ser apreciado e homologado por um juiz, enquanto que no Brasil não há tal obrigatoriedade, tendo a CVM, dessa forma, auto-nomia sufi ciente para propor, modifi car ou aceitar termos de compromisso.

A natureza jurídica do termo de compromisso é a de uma transação. Se-gundo a doutrina de Nelson Eizirik, a CVM “’abre a mão’, provisoriamente, de seu jus puniendi e o particular deixa de praticar o ato sob investigação, comprometendo-se a indenizar eventuais danos causados pela sua conduta.” Constitui-se, assim, através do Termo de Compromisso, um negócio jurídico bilateral, em que as partes dão fi m às condutas duvidosas investigadas, por meio de concessões recíprocas, muitas vezes de cunho pecuniário, muito em-bora essa não seja obrigatoriamente a regra.

Vale ressaltar que, como se depreende do dispositivo legal, a celebração de Termo de Compromisso não implica em nenhuma hipótese na confi ssão da prática ilícita por parte do acusado, o que gera certa dúvida quanto o seu real propósito, afi nal, se o acusado não é culpado, por que estaria pagando?

Paga-se para encerrar o processo, sem que o acusado seja levado a julga-mento ou sua culpa seja presumida, criando-se a ideia no mercado de que o termo de compromisso, na realidade, seria uma multa por uma conduta capaz de ensejar dúvida quanto a sua licitude, sendo essa umas de suas prin-cipais críticas.

Entretanto, pelo princípio constitucional da presunção da inocência, ja-mais poderia o Termo de Compromisso ser visto como tal, uma vez que não há que se falar em sanção sem a prévia certeza quanto à ilicitude do ato, de-vendo tal entendimento ser afastado.

Notória crítica do Termo de Compromisso, Norma Jonssen Parente assevera:

“Acho que sendo mais proativa, valendo-se, por exemplo, do importante po-der preventivo que lhe foi conferido pelo legislador, nos termos do art. 124, §5º, II, da Lei de S/A, quando a CVM está autorizada por lei a suspender o curso

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

FGV DIREITO RIO 65

63 Disponível em: http://www.transpa-

renciaegovernanca.com.br/TG/index.

php?option=com_content&view=arti

cle&id=119&Itemid=118&lang=br >

acessado: 28.06.2012

64 EIRIZIK, Nelson; GAAL, Ariadna B.;

PARENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus

de Freitas. Mercado de capitais — re-gime jurídico. Rio de Janeiro: Renovar.

2011, p. 357.

65 Processo CVM RJ 2001/4652, j.

22.03.2005.

de uma assembleia para manifestar a sua opinião sobre a questão em discussão. Exemplo eloqüente e efi caz de tal procedimento ocorreu no caso da reorganiza-ção societária pretendida pela Tele Centro Oeste Participações S/A e da Telesp Celular Participações S/A, em dezembro de 2003, cuja não equitatividade, antes da realização da assembleia convocada para decidir a questão, foi reconhecida pela CVM e terminou impedindo a perpetração da injustiça que iria ser pratica-da contra os acionistas minoritários. Pois após a opinião da CVM, as empresas optaram por não levar adiante as assembléias. Porém, inconformadas, questio-naram judicialmente a opinião da CVM, mas não obtiveram sucesso, pois a ação foi julgada extinta sem análise do mérito, em face de impossibilidade jurídica do pedido, pois se tratava de mera opinião cuja competência para mudá-la escapava da alçada do poder judiciário.” 63

Apesar da existência de crítica na doutrina acerca do uso de Termos de Compromisso, tal instituto encontra também considerável respaldo por mui-tos juristas, como Nelson Eirizik que assim leciona:

(...) o Termo de Compromisso não pode, em hipótese alguma, ser confundi-do com tolerância com o ilícito; ao contrário, deve ser entendido como instru-mento que lhe permite perseguir o interesse público de forma rápida e efi caz, nos casos em que, em seu entendimento, a eventual continuidade do processo não traria qualquer benefício ao desenvolvimento do mercado. 64

O mesmo entendimento pode ser extraído do seguinte trecho do voto proferido pelo Diretor Sergio Weguelin em processo de sua relatoria:

“Vale destacar que o instituto legal do termo de compromisso não tem outro sentido senão o de dar certa fl exibilidade à CVM. Não se trata, evidentemen-te, de tolerar o ilícito, mas sim de permitir à entidade reguladora identifi car o momento em que a resposta regulatória já se apresentou sufi ciente para o bom desenvolvimento do mercado.” 65

Concluí-se, portanto, que o Termo de Compromisso no âmbito do merca-do de capitais brasileiros é prática cada vez mais comum, dando fl exibilidade à CVM para que exerça seu poder punitivo de modo mais célere e efi caz, uma vez que, diferentemente das multas, a adimplência em termos de compro-misso é quase certa. Ressalve-se, contudo, a existência de fortes críticas a esse instituto, que, de fato, ainda busca seu aperfeiçoamento na legislação pátria.

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FGV DIREITO RIO 66

GLOSSÁRIO

Auto-Regulação. Conjunto de normas e procedimentos de fi scalização criados por entidades privadas para fazer cumprir as práticas equitativas de mercado e manter padrões éticos na condução das negociações. As bolsas de valores e de mercadorias e as entidades de classe que congregam instituições fi nanceiras são as principais fontes de auto-regulação do SFN — Sistema Financeiro Nacional

Capital Estrangeiro: Valor dos bens, máquinas e equipamentos entrados no Brasil com dispêndio inicial de divisas, bem como recursos fi nanceiros e monetários introduzidos no país para aplicação em atividades econômicas, desde que pertençam a pessoas físicas ou jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede no exterior (BM&F).

Companhia Fechada. Companhia cujos valores mobiliários não estão ad-mitidos à negociação no mercado de títulos e valores mobiliários (BM&F).

Oferta Pública. 1) Distribuição de títulos e valores mobiliários junto ao público investidor; 2) colocação junto ao público de determinado número de ações de uma companhia. Caracteriza-se por ser extensiva a não-acionistas da companhia. A companhia aberta que já tenha efetuado distribuição pública de valores mobiliários poderá submeter para arquivamento na CVM — Co-missão de Valores Mobiliários — um Programa de Distribuição de Valores Mobiliários, com o objetivo de no futuro efetuar ofertas públicas de distribui-ção dos valores mobiliários nele mencionados. O Programa de Distribuição terá prazo máximo de 2 (dois) anos, contado do seu arquivamento pela CVM, devendo ser indeferido qualquer pedido de registro de oferta vinculado a um Programa de Distribuição apresentado após o transcurso deste prazo.

CVM — Comissão de Valores Mobiliários. Autarquia federal que disciplina e fi scaliza o mercado de valores mobiliários. Foi criada pela Lei 6.385/76. EnFin. Compete à CVM: a) estimular a formação de poupança e a sua aplicação em valores mobiliários; b) promover a expansão e o funcio-namento efi ciente e regular do mercado de ações, e estimular as aplicações permanentes em ações do capital social de companhias abertas sob controle de capitais privados nacionais; c) assegurar o funcionamento efi ciente e re-gular dos mercados da Bolsa e do balcão; d) proteger os titulares de valores mobiliários e os investidores do mercado contra emissões irregulares de valo-res mobiliários e atos ilegais de administradores e acionistas controladores das companhias abertas, ou de administradores de carteira de valores mobiliários; e) evitar ou coibir modalidades de fraude ou manipulação destinada a criar condições, artifi ciais de demanda, oferta ou preço dos valores mobiliários negociados no mercado; f ) assegurar o acesso do público a informações sobre os valores mobiliários negociados e as companhias que os tenham emitido; g) assegurar a observância de práticas comerciais eqüitativas no mercado de

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FGV DIREITO RIO 67

valores mobiliários; h) assegurar a observância, no mercado, das condições de utilização de crédito fi xadas pelo Conselho Monetário Nacional; i) re-gulamentar, com observância da política defi nida pelo Conselho Monetário Nacional, as matérias previstas na lei que a criou e na Lei de Sociedades por Ações; j) administrar os registros instituídos na lei que a criou; k) fi scalizar permanentemente as atividades e os serviços do mercado de valores mobiliá-rios, bem como a veiculação de informações relativas ao mercado, às pessoas que dele participem, e aos valores nele negociados; l) propor ao Conselho Monetário Nacional a eventual fi xação de limites máximos de preço, comis-sões, emolumentos e quaisquer outras vantagens cobradas pelos intermedi-ários de mercado; m) fi scalizar e inspecionar as companhias abertas, dada prioridade às que não apresentem lucro em balanço ou às que deixem de pagar o dividendo mínimo obrigatório.

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FGV DIREITO RIO 68

8. AULAS 7 E 8: A CVM E OS CASOS DE ALIENAÇÃO DE CONTRO-LE NAS SOCIEDADES ANÔNIMAS

A) EMENTÁRIO DE TEMAS

A alteração e alienação de controle nas sociedades anônimas. O papel da Comissão de Valores Mobiliários, transferência do bloco de controle e as re-centes operações. A proteção aos minoritários.

B) MATERIAL DE LEITURA

Leitura Básica

FILHO, Alfredo Lamy e BULHÕES PEDREIRA, José Luiz. Direito das Companhias. Rio de Janeiro: Forense, 1ª Edição 2009. Volume I, Rio de Janeiro, 1ª Edição, 2009. pág. 808 — 864 (Acionista Controlador e Proteção da Maioria), Volume II, pág. 1998 — 2024 (Alienação de Controle)

Leitura Complementar

SIQUEIRA, Carlos Augusto Junqueira de. Transferência do Controle Acioná-rio — Interpretação e Valor. Niterói, FMF Editora, 2004

C) ROTEIRO DE AULA

O art. 254-A veio a reboque do problema de análise, que era subjetiva, da existência de efetiva transferência do poder de controle.

Com a lei 10.303/2001, que trouxe a inserção desse dispositivo ao orde-namento jurídico, foi feita a proposta de compra das ações pertencentes aos acionistas minoritários obrigatória. O objetivo dessa política de proteção ao interesse do minoritário pelo legislador pátrio tem como fundamento não deixar o minoritário ser absorvido por um controle que pode-se tornar abu-sivo e que, acima de tudo, não é de seu interesse.

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FGV DIREITO RIO 69

66 BORBA, José Edvaldo Tavares. Direito

Societário. Rio de Janeiro, 11ª Edição,

Renovar, 2008, pág. 523

Legislação aplicável

Inicialmente, na companhia aberta o legislador pátrio havia estabelecido nos arts. 254 e 255 um sistema especial de proteção aos acionistas minori-tários, este que foi revogado com o advento da Lei nº 9457/97. Tal sistema visava conferir aos acionistas minoritários os mesmos direitos dos contro-ladores nas operações que envolvessem reorganização societária através de alienação de controle.

Assim, a alienação de controle dependeria de prévia autorização da CVM, o que só ocorreria com oferta pública para aquisição de ações dos acionistas minoritários.

A função da Lei nº 9457/97, logo, foi eliminar do cenário jurídico das sociedades anônimas abertas a necessidade de realização estipulada por lei de oferta pública para aquisição de ações dos acionistas minoritários.

A restauração desse sistema foi feita pela alteração da Lei 6404/76 pela Lei 10303/01 que introduziu o art. 254-A. Com esse artigo, algumas inovações ocorreram. A principal foi a abrangência do conceito da alienação do con-trole, estendendo-o à transferência direta ou indireta do bloco de controle. Nas palavras de Tavares Borba “A lei consagrou o direito de os acionistas com voto, que não integrem o bloco de controle, receberem uma oferta pública de compra de suas ações por no mínimo oitenta por cento do preço pago aos controladores” 66

Além disso, a oferta não é mais simultânea, mas sim se torna uma con-dição suspensiva ou resolutiva do contrato que estabelece a compra e venda das ações.

A Lei nº 10.303, de 2001, modifi cou a LSA, que agora dispõe dos requi-sitos mais substancias no que tange a alteração de controle em uma sociedade anônima. A Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) também baixou ins-trução normativa 361, de 2002.

O artigo 254-A assim prevê as disposições acerca da alienação de controle:

Art. 254-A. A alienação, direta ou indireta, do controle de companhia aberta somente poderá ser contratada sob a condição, suspensiva ou resolutiva, de que o ad-quirente se obrigue a fazer oferta pública de aquisição das ações com direito a voto de propriedade dos demais acionistas da companhia, de modo a lhes assegurar o preço no mínimo igual a 80% (oitenta por cento) do valor pago por ação com direito a voto, integrante do bloco de controle. (Incluído pela Lei nº 10.303, de 2001)

§ 1º. Entende-se como alienação de controle a transferência, de forma direta ou indireta, de ações integrantes do bloco de controle, de ações vinculadas a acordos de acionistas e de valores mobiliários conversíveis em ações com direito a voto, cessão de direitos de subscrição de ações e de outros títulos ou direitos relativos a valores mobili-

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FGV DIREITO RIO 70

67 SIQUEIRA, Carlos Augusto Junqueira

de. Transferência do Controle Acionário

— Interpretação e Valor. 2004. Pág. 29

ários conversíveis em ações que venham a resultar na alienação de controle acionário da sociedade. (Incluído pela Lei nº 10.303, de 2001)

O § 4 do Artigo 254-A dispõe que o adquirente de controle acionário de companhia aberta poderá oferecer aos acionistas minoritários a opção de permanecer na companhia, mediante o pagamento de um premio equivalen-te à diferença entre o valor de mercado das açõpes e o valor pago por ação integrante do bloco de controle.

Função da CVM e sua Legislação

A CVM trouxe para o seu escopo de atuação na regulamentação do mer-cado a necessidade de dispor sobre essas situaçãoes no mercado mobiliário. Foi atribuída à CVM a obrigação de zelar pela proteção às minorias assegu-rando, logo, aos acionistas não-controladores, o recebimento de proposta de compra por suas ações.

Diante disso, leciona o autor Carlos Augusto Junqueira da Siqueira nos seguintes termos:

“No desempenho dessa atribuição, a CVM atua nos procedimentos relativos à alienação de controle, não apenas verifi cando os requisitos formais do negócio e da posterior oferta pública de extensão, como, principalmente, procedendo ao exame do preço e das condições que serão estendidas na oferta para a compra das ações votantes existentes em circulação.

Constitui seu dever legal assegurar aos acionistas não-controladores o recebimento de proposta de compra por suas ações, nos termos determinados pela lei. Poderá, para tanto, defi nir o preço e as condições da oferta. Não só por critérios apropriados, mas, especialmente, com fundamento nas condições verifi cadas na transferência de contro-le, concluindo em linha a realidade econômica da transação”67

Sugere-se no mundo acionário que o papel da regulamenteção é dar ao escopo da transferência acionária do controle um revestimento jurídico, uma proteção que impeça o poderio econômico de abduzir as formalidades ora necessárias para o fi el retrato da estrutura corporativa ser mantida.

É por essa complexidade que persiste que a CVM tornou-se não somente um órgão complementariamente legislador, mas também um órgão julgador. A análise de casos concretos pelo órgão abriu diversos precedentes e criou uma rede jurisprundencial cuja referência e aplicação em muito se assemelha à existente no Poder Judiciário. Diz Junqueira de Siqueira que “Em face da complexidade apresentada em muitas operações da espécie, a CVM adotou, como premissa, proceder à análise casuística das transferências de controle acionário

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FGV DIREITO RIO 71

68 SIQUEIRA, Carlos Augusto Junqueira

de. Transferência do Controle Acionário

— Interpretação e Valor. 2004. Pág. 30

para melhor exercer seu dever de tutela que visa a preservar os direitos dos acio-nistas minoritários”68

O artigo 29 da Instrução CVM 361/02 dispõe, assim, sobre a necessidade ou não de realização de OPA:

Instrução CVM nº 361/02

Art. 29. A OPA por alienação de controle de companhia aberta será obri-

gatória, na forma do art. 254-A da Lei 6.404/76, sempre que houver alienação, de forma direta ou indireta, do controle de companhia aberta, e terá por objeto todas as ações de emissão da companhia às quais seja atribuído o pleno e permanente direi-to de voto, por disposição legal ou estatutária.

(...)§ 4º. Para os efeitos desta instrução, entende-se por alienação de controle a

operação, ou o conjunto de operações, de alienação de valores mobiliários

com direito a voto, ou neles conversíveis, ou de cessão onerosa de direitos de

subscrição desses valores mobiliários, realizada pelo acionista controlador

ou por pessoas integrantes do grupo de controle, pelas quais um terceiro, ou

um conjunto de terceiros representando o mesmo interesse, adquira o poder

de controle da companhia, como defi nido no art. 116 da Lei 6.404/76.

§ 5º. Sem prejuízo da defi nição constante do parágrafo anterior, a CVM poderá impor a realização de OPA por alienação de controle sempre que verifi car ter ocorri-do a alienação onerosa do controle de companhia aberta.

O Conceito do Poder de Controle

A expressão “controle” é usada na Lei 6404/76 (“LSA”) em diferentes acepções. Em determinados momentos, ao “poder de controle”, em outros, representa o “bloco de controle”.

Dessa forma, é preciso antes tudo situar os dois conceitos dentro do cená-rio de uma restruturação societária.

O “Poder de controle”, conforme ditado por Bulhões Pedreira, no Di-reito das Companhias, é o “poder supremo da estrutura hierárquica da compa-nhia exercido pelo acionista controlador, titular da maioria pré-constituída dos votos na Assembleia Geral.”, enquanto o “Bloco de controle” é o “conjunto de ações de propriedade do acionistas controlador; ‘bloco’ porque é considerado coletivamente, e ‘de controle’, porque é a fonte do poder de controle.”

Outro conceito já utilizado pela doutrina é do “valor de controle”. En-quanto o poder de controle é detido exclusivamente pelos acionistas contro-

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FGV DIREITO RIO 72

69 Caso CBD (Proc. CVM 2005/4069)

ladores, estes somente poderão apropriar o valor de controle. Esse conceito engloba o aspecto econômico contido na companhia aberta.

Nos termos do art. 116 da LSA, que prevê as disposições acerca do acio-nista controlador, uma das modalidades do acionista controlador (pessoa ou grupo de pessoas) é “é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembléia-geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia”.

Nesse ponto, a diferença que existe entre os conceitos de “acionista controlador” (do art. 116, da LSA) e “controle” (do art. 254-A, §1º, da LSA) foi bem defi nida pelo colegiado da CVM em caso real com uma evolução na interpretação trazendo uma situação que se assemelhe mais das situações fáticas69:

“acionista controlador” (art. 116) exige: (a) a titularidade de direitos de sócio que garanta, de modo permanente, a maioria dos votos em Assembleia e poder de eleger a maioria dos administradores; e cumulativamente (b) o uso efetivo do poder de controle.

“controle” do art. 254-A, §1º, da LSA, não traz qualquer menção ao exercício efetivo do poder de controle, tratando apenas da propriedade de bens (bloco de controle) que permitam o seu exercício, tal como no §2º, do art. 243, da LSA.

O colegiado no caso CBD optou pela mais ampla interpretação que se deve dar à expressão “alienação direta e indireta”, prevista no art. 254-A “para a aplicação do art. 254-A, se em uma operação não se verifi car a transferência de valores mobiliários que implique na alienação de controle, deve-se analisar se essa alienação ocorreu de forma indireta (i.e., mediante acordos que resultem na transferência de poder político e econômico desses valores mobiliários).”

Nesse pensamento, o poder de controle pode ser incorporado por dois tipos de aquisição: originária e derivada. Lembre-se que o poder de controle evoluiu ao longo do tempo com a presunção da necessidade de respeito ao princípio da governança corporativa que denota a real assunção do controle diretivo das atividades

Aquisição Originária: Quando o poder de controle adquirido é resultante da formação, no patrimônio de uma pessoa, de bloco de controle que antes não existia no patrimônio de outra.

Aquisição Derivada: Quando o poder de controle adquirido é resultante de determinado fato jurídico, cujo efeito seja a transmissão da propriedade de bloco de controle detido por uma pessoa (ou grupo de pessoas).

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FGV DIREITO RIO 73

70 Bulhões Pedreira e Lamy Filho. Direito

das Companhias. Pág. 824

Ainda, Bulhões Pedreira e Lamy Filho conceituam a palavra controle que “denota a capacidade de um agente de intencionalmente fazer algo ou produzir um resultado, e essa capacidade pressupõe (a) uma relação entre o agente que de-tém o poder e o objeto a ele submetido e (b) uma fonte do poder.”70

Nesse conceito, a aquisição do poder de controle pressupõe a do bloco de controle, mas entende-se que a simples aquisição do poder de controle é pas-sar a ter controle de fato da companhia. Não se confunde com a aquisição do bloco de controle que é quando há aquisição das ações que compõe o bloco que dá o controle de fato. A propriedade do bloco de controle pressupõe, pelo menos, ser usufrutário de direito de voto conferido pelas ações).

Análise de Jurisprudência da CVM

RECENTES OPERAÇÕES

Caso Aracruz Celulose (Proc. CVM 2001/10329)

Aracruz Celulose

minoritários X Y Z VVCCPP

3,5% 12,5% 28% 28% 28%

Bloco de Controle

(Acordo de Acionistas)

A divisão acioniária da sociedade era a seguinte: i) Acionistas minoritários: 3,5%; ii) Três diferentes grupos de acionistas representando cada um, respec-tivamente, 12,5%, 28% e 28% do capital social e iii)VCP: 28%

Controle por acionistas unidos por acordo.No voto do Relator Marcelo Trindade, encontramos o escopo da solução

do caso:

“Como se vê, a lei trata de três possibilidades de controle da sociedade: (i) o controle detido isoladamente por pessoa física ou jurídica, (ii) o detido por grupo

de pessoas unidas por acordo de acionistas, e (iii) o exercido diretamente por um grupo de pessoas jurídicas, controladas por um controlador comum, que então controlará a sociedade indiretamente. No caso dos autos se está claramente diante de uma hipótese de controle detido por um “grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, composto por BNDESPAR, Grupo Lorentzen, Grupo Safra e agora pela VCP, em substituição ao Grupo Mondi.”

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

FGV DIREITO RIO 74

Nos termos do voto proferido, “este caso não desafi a as complexas questões que podem surgir quanto ao conceito de alienação de controle detido por grupo de acionistas unido por acordo. Aqui não houve alienação de uma partici-

pação majoritária dentro do bloco de controle, (...) nem se está diante da aquisição de uma participação que, somada àquela já detida pelo adquirente, o eleve à condição de controlador único. No caso destes autos houve simplesmente

a transferência de uma participação que compõe o bloco de controle”.

CONCLUSÃO

No entendimento de Marcelo Trindade a operação tomou os seguintes contornos: “Grupo Mondi não alienou nem a VCP adquiriu o controle da so-ciedade, pois nem o Grupo Mondi detinha isoladamente, nem a VCP adquiriu o poder de, isoladamente, exercer “a maioria dos votos nas deliberações da assem-bléia geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia”.

Por entendimento desse voto não foi considerada obrigatória a realização de OPA, pois nem o vendedor isoladamente detinha o poder de controle, nem a VCP o adquiriu isoladamente.

Caso Polipropileno (Proc. CVM 2005/6228)

Análise pela Superintendência de Registro sobre necessidade de OPA na alienação de controle no pedido da Suzano Química Ltda., por meio do Ban-co Itaú BBA S.A., para o registro de Oferta Pública de Aquisição de Ações (“OPA”) ordinárias e preferenciais para cancelamento de registro de compa-nhia aberta de Polipropileno S.A.

O controle da Propileno era exercido conjuntamente e igualmente pela Suzano e Basell Poliofeinas Ltda.

Nos termos do parecer auto explicativo:

“12. A Suzano Petroquímica S.A. adquiriu a Basell Poliolefi nas Ltda. passando a deter o controle da Polibrasil Participações S.A., que por sua vez detém 98,1% do capital total da Emissora. O desembolso líquido da aquisição foi de US$ 253,8 milhões, pois a compra incluiu a venda simultânea, para a Basell International Holdings BV, da Norcom Compostos Termoplásticos do Nordeste S.A., pelo valor de US$ 23 milhões;”

“15. Em conseqüência da aquisição acima referida inexistiu qualquer alteração no controle da citada Emissora (vez que ele continua sendo exercido por Polibra-sil Participações S.A.), assim como no seu controle indireto que, se anteriormente

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FGV DIREITO RIO 75

era exercido em conjunto por Suzano Petroquímica S.A. e Basell Brasil Poliolefi nas Ltda., agora passa a ser exercido, de forma isolada, por Suzano Petroquímica S.A.”

“16. Finalmente, conclui o parecer, que a obrigação de apresentação de oferta pública, derivada de alienação do controle de companhia aberta, apenas há quando o poder de controle da sociedade é alienado a terceiros;”

CONCLUSÃO

A SRE aceitou parecer no sentido de que “inexistiu qualquer alteração no controle” da Prolipoleno, seja no seu controle direto, não sendo exigida a OPA. Assim, como já mencionando acima, cabe à CVM fazer uma análise casuística para assim poder aproximar suas decisões da realidade do Mercado.

O voto do relator é iniciado com a seguinte explicação: “Com o advento da Lei nº 10.303/01, foi introduzido no ordenamento jurídico o artigo 254-A com redação semelhante àquela do revogado artigo 254, e, em especial seu § 1º, enten-dendo a expressão “alienação de controle” como “a transferência, de forma direta ou indireta, de ações integrantes do bloco de controle, de ações vinculadas a acor-dos de acionistas e de valores mobiliários conversíveis em ações com direito a voto, cessão de direitos de subscrição de ações e de outros títulos ou direitos relativos a valores mobiliários conversíveis em ações que venham a resultar na alienação de controle acionário da sociedade.”

Segue: “A Instrução CVM nº 361/02, em seu artigo 29, traz as hipóteses de incidência, objeto e preço das ofertas públicas por alienação de controle de com-panhia aberta e, em seu § 4º, entende por “alienação de controle” a alienação de valores mobiliários com direito a voto realizada pelo acionista controlador ou por pessoas integrantes do grupo de controle, pela qual um terceiro adquire o poder de controle da companhia, remetendo ao art. 116 da Lei nº 6.404/76.”

Caso Copesul (Proc. CVM 2007/7230)

Nesse caso, a CVM julgou o precedente de que: i) pode analisar diferente-mente cada caso; e, ii) a alienação de controle, sempre que onerosa, ensejará a realização obrigatória de OPA.

Nos termos do voto proferido, são apenas duas as caraterísticas que de-terminam a realização de uma OPA: i) quando a titularidade do poder de controle é conferida a pessoa diversa do anterior detentor do controle, e ii) quando a transferência de ações do bloco de controle é realizada a título oneroso, com ônus e bônus tanto para o alienante quanto para o adquirente.

Olhando a estrutura societária do grupo de sociedades:

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

FGV DIREITO RIO 76

Copesul

minoritários

Braskem Petrobras

Copesul

minoritários IPQ Braskem

ICQ Bloco de Controle

(Acordo de Acionistas)

IPQ

ICQ

Braskem e IPQ eram signatárias de acordo de acionistas e participavam do controle da Copesul com decisões de comum acordo.

CONCLUSÃO

A operação se caracterizou como sendo consolidação do controle nas mãos do controlador Braskem

Bunge (Processo CVM 2001/11663)

Na situação de julgamento desse caso, discutiu-se a necessidade de OPA para fechamento de capital da Bunge Fert. e da Bunge Alim, em virtude da operação de incorporação de ações.

A CVM observou a redação do art. 264, §4º, da LSA, que expressamente aplica a regra do caput do art. 264 às operações de “incorporação de ações de companhia controlada ou controladora”.

min.BF

Serrana

min.BA

100%

Acionistas

Bunge Fert.

min.BF Serrana

Bunge Alim.

min.BA

Acionistas

Bunge Fert. Bunge Alim.100%

Incorporação de ações

A CVM entendeu que inexiste a necessidade de regulação pela CVM, no que toca à operação de incorporação de ações, e no que tange a proteção dos acionistas minoritários nesta operação.

Desde que cumpridos os requisitos legais e inexista o abuso do acionista controlador, uma obrigatoriedade de OPA seria prejudicial ao bom anda-mento de eventuais reorganizações societárias.

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

FGV DIREITO RIO 77

71 Amendolara, Leslie. Transferência de

controle mintoritário. Artigo publicado

no jornal “Valor Econômico” em 11 de

agosto de 2009

Sadia/Perdigão (Processo CVM 2009/4691)

Uma das mais recentes operações no mercado acionário que envolveram a alienção de controle foi a compra da Sadia pela Perdigão. A operação foi orga-nizada em duas etapas e ao fi m 100% do capital social da Sadia passaria a ser detido pela nova sociedade, Brasil Foods. Nos termos do relatório da CVM “Na primeira etapa, as ações pertencentes aos integrantes do bloco de con-trole da Sadia foram conferidas ao capital social da HFF (empresa veículo), recebendo os titulares em questão, por cada ação ON da SADIA, uma ação do capital social da HFF. Ato contínuo, as ações de HFF foram incorporadas pela BRF de acordo com uma relação de troca de 0,166247 ação da BRF para cada ação ON da HFF. A segunda etapa envolve a incorporação das ações pertencentes aos minoritários da SADIA pela já controladora BRF, segundo uma relação de troca de 0,132998 ação da BRF para cada ação ON ou PN de emissão da Sadia. Desse modo, a operação contempla relações de troca diferenciadas, sendo a relação em favor dos acionistas que integravam original-mente o bloco de controle da Sadia e de pessoas a eles ligadas mais vantajosa.”

Assim, no entendimento do Diretor Marcos Barbosa Pinto “na prática, essas duas incorporações confi guram uma única operação, por meio da qual Per-digão e Sadia combinarão seus negócios e suas bases acionárias”

Invocando a Lei das Sociedades Anônimas, esclarece que o art. 115, §1º faz com que os acionistas controladores da Sadia sejam impedidos de votar na assembléia que deliberar sobre a operação, pois “Analisando a operação como um todo, fi ca claro que ela confere um benefício particular aos antigos controla-dores de Sadia. Ao fi nal da operação, cada ação dos acionistas controladores de Sadia será substituída por 0,166247 ação da Brasil Foods S.A., nova denomi-nação da Perdigão. Porém, cada ação dos demais acionistas de Sadia S.A. será substituída por apenas 0,132998 ação da Brasil Foods”.

D) TEXTO DE APOIO

Transferência de controle minoritário 71

11 de agosto de 2009Leslie Amendolara

O mercado de capitais brasileiro começa a ganhar algumas características do mercado americano com o surgimento de empresas sem o controle formal ma-joritário de 50% das ações votantes por quem detenha sozinho esse percentual ou através de acordos de acionistas (controle compartilhado). Essa novidade despertou a atenção da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) quando da

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questão da venda das ações da Tim Participações em situação de controlador minoritário. A autoridade regulatória entendeu desnecessária a oferta pública, não acatando a solicitação de oferta requerida por uma gestora de recursos que pretendia poder vender as ações de um fundo através do tag along.

Um dos aspectos mais intrigantes do mundo acionário é o estabelecimen-to preciso do conceito de controle de uma companhia. O legislador da lei atual: Lei nº 6.404, de 1976, diríamos, ousou fazê-lo, deixando, porém, no rastro de sua ousadia algumas dúvidas que a doutrina tem procurado sanar.

Assim, a Lei das Sociedades Anônimas, em seu artigo 116, conceituou nas alíneas a e b como requisitos para ser considerado acionista controlador: “a) ser titular de direito de sócios que lhe assegurem de modo permanente a maioria dos votos nas deliberações em assembleia geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; b) usa efetivamente o poder para diri-gir as atividades sociais e orientar o seu funcionamento.” Da análise acurada dessas alíneas verifi ca-se que o legislador, prudentemente, não fi xou qualquer percentual de votos para conceituar alguém como controlador. Bastaria que detivesse votos sufi cientes para deliberar em assembleias de modo permanen-te, elegendo os administradores e usando esse poder para dirigir a empresa.

Do ponto de vista dos “quori” para deliberar, com exceção daquele pre-visto para as matérias do artigo 136, considerado voto qualifi cado, em que a norma exige no mínimo a presença em assembleia de 50% dos acionistas votantes para deliberar, os demais poderão ocorrer com qualquer número em segunda votação. Mesmo no caso do artigo 136, parágrafo 2º, que estabelece que a CVM pode autorizar a redução do quorum qualifi cado se a empresa ti-ver suas ações dispersas no mercado e “cujas três últimas assembleias tenham sido realizadas com a presença de acionistas representando menos da metade das ações com direito a voto”.

A questão que se propõe a analisar então é saber se a venda desse controle minoritário exigirá oferta pública do adquirente para comprar também as ações ordinárias dos minoritários, portanto, a obrigação do tag along. Essa nova questão, diferente da primeira, exige uma interpretação teleológica, per-quirindo-se a fi nalidade da lei na falta de expresso amparo legal.

O objetivo da norma que criou o tag along foi proteger o acionista minoritá-rio de duas formas: conceder-lhe parte do ágio recebido pelo controlador (80%), e propiciar a esses acionistas a possibilidade de vender suas ações, na dúvida ou incerteza dos rumos que a companhia tomará com a alteração do controle.

Fábio Konder Comparato admitiu, plenamente, a existência de um con-trole minoritário na sociedade anônima ao mencionar que:

“A rigor, um controle minoritário bem estruturado, em companhia com grande pulverização acionária pode atuar com a mesma efi ciência que um con-trole majoritário”

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Como consequência da evidente existência de um controle minoritário, conclui-se então que caberá a aplicação do instituto do tag along também nessas hipóteses.

O terceiro aspecto a considerar é o percentual para estabelecer o que é controle minoritário, uma vez resolvida de modo satisfatório a questão em comento. Parece-nos aqui o lado mais difícil de defi nir, como afi rmou a pre-sidente da CVM em nota publicada no jornal Valor: “para evitar a excessiva subjetividade de análises puramente casuísticas.” Logo em seguida, sugere que esse percentual seja de 30%, presumindo-o como representativo do con-trole minoritário.

O estabelecimento de um percentual fi xo, seja de 30% mais ou menos, não resolve, a nosso ver, de maneira plena o problema. Fábio Comparato, na obra citada, menciona a lei sueca sobre sociedade por ações que dispõe: “uma sociedade é considerada controladora de outra não somente quando possui mais da metade do seu capital votante, mas também quando possui uma infl uência decisiva sobre outra companhia em razão de sua participação acionária”. Modesto Carvalhosa, por sua vez, ao analisar o conceito de con-trole legal, destaca o requisito da atuação do grupo de acionistas de modo permanente como atributo inerente ao controle. Diz ainda que “é sufi ciente que haja prevalência do grupo nas demais deliberações societárias, para que também a caracterização de controle se estabeleça” (In Comentários à Lei de Sociedades Anônimas — Saraiva). A própria CVM, através da Instrução nº 361, de 2002,estabeleceu que fazem parte do controle acionário, não inte-grando o percentual de 2/3 de acionistas minoritários que irão aprovar ou rejeitar o fechamento de capital, os acionistas que votaram com os controla-dores nas três últimas assembleias.

Em face das notórias difi culdades aqui mencionadas, entendemos que o órgão regulador deveria caracterizar o controle minoritário com base na somatória de dois parâmetros, a saber: elevada posição acionária do grupo — sem estabelecer um rígido percentual de propriedade de ações — e sua decisiva infl uência na administração e nos negócios da empresa.

Leslie Amendolara é advogado especialista em direito empresarialEste artigo refl ete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico.

O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas infor-mações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

Fonte: Valor Online

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72 FILHO, Alfredo Lamy e BULHÕES

PEDREIRA, José Luiz. Direito das Com-

panhias. Volume I, Rio de Janeiro, 1ª

Edição, 2009. pág. 2031-2032

9. AULAS 9 E 10: OFERTA PÚBLICA DE AQUISIÇÃO DE AÇÕES

A) EMENTÁRIO DE TEMAS

Conceito de oferta pública. Necessidade de realização de OPA na aliena-ção de controle. Modalidades de OPA. Regulação da CVM.

B) MATERIAL DE LEITURA

Leitura Básica

FILHO, Alfredo Lamy e BULHÕES PEDREIRA, José Luiz. Direito das Companhias. Volume I, Rio de Janeiro, 1ª Edição, 2009. pág. 1998 — 2025 (Alienação de Controle na Companhia Aberta), Volume II, pág. 2031-2044 (Oferta Pública para Aquisição de Controle de Companhia Aberta).

Leitura Complementar

SIQUEIRA, Carlos Augusto Junqueira de. Transferência do Controle Acionário — Interpretação e Valor. Niterói, FMF Editora, 2004

C) ROTEIRO DE AULA

A oferta publica para aquisição de controle da companhia é atualmente prevista no direito societário brasileiro na Lei 6.404/76, a Lei das Sociedades Anônimas (“LSA”) e pela Instrução Normativa CVM nº 361/2002. A dou-trina evoluiu esse conceito ao longo do tempo e adaptou-se com as mudanças legislativas, em especial a renovação da LSA com as alterações introduzidas pela Lei 10.303/2001. No campo conceitual, “a oferta pública para aquisição de controle de companhia aberta é uma proposta irrevogável de contratar a compra e venda ou a permuta de ações com direito a voto de uma compa-nhia aberta, em quantidade sufi ciente para assegurar ao adquirente o controle da companhia, dirigida indistintamente a todos os titulares dessas ações por meio de publicação em jornal de grande circulação”.72

A LSA só dispõe de modo mais abrangente sobre a oferta pública para aquisição de controle, de maneira a estabelecer critérios norteadores que façam confi gurar a necessidade ou possibilidade de realização da OPA. As

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outras modalidades de OPA serão reguladas pelos dispositivos da Instrução CVM nº 361.

De forma oportuna ao estudo desse instituto, que, de certa forma se aliou ao direito de venda conjunta (derivado do termo em inglês “tag along”), pro-cede-se a uma análise dos diversos tipos de OPA previstos na regulamentação da CVM.

A Lei 6.404, incorporou um dispositivo, o art. 254, assegurando aos acio-nistas minoritários das companhias abertas que tenham seu controle alienado o direito de receber oferta pública, apresentada pelo adquirente do controle, de aquisição de suas ações por preço igual ao que tiver sido pago ao alienante.

Desta forma, acolheu-se o princípio da igualdade de oportunidade a todos os acionistas titulares de ações da mesma espécie. A oferta pública de aqui-sição de ações (OPA) é uma operação através da qual um acionista ou uma sociedade pretende comprar uma participação ou a totalidade das ações de uma empresa listada na BOVESPA.

Modalidades de OPA

São reguladas pelo art. 2º da Instrução Normativa CVM 361/2002, po-dendo ocorrer em seis modalidades:

Art. 2º — A Oferta Pública de Aquisição de ações de companhia aberta (OPA) pode ser de uma das seguintes modalidades:

I. OPA para cancelamento de registro: é a OPA obrigatória, realizada como condição do cancelamento do registro de companhia aberta, por força do § 4º do art. 4º da Lei 6.404/76 e do § 6º do art. 21 da Lei 6.385/76;

II. OPA por aumento de participação: é a OPA obrigatória, realizada em conseqüência de aumento da participação do acionista controlador no capital social de companhia aberta, por força do § 6º do art. 4º da Lei 6.404/76;

III. OPA por alienação de controle: é a OPA obrigatória, realizada como con-dição de efi cácia de negócio jurídico de alienação de controle de compa-nhia aberta, por força do art. 254-A da Lei 6.404/76;

IV. OPA voluntária: é a OPA que visa à aquisição de ações de emissão de companhia aberta, que não deva realizar-se segundo os procedimentos específi cos estabelecidos nesta Instrução para qualquer OPA obrigatória referida nos incisos anteriores;

V. OPA para aquisição de controle de companhia aberta: é a OPA voluntá-ria de que trata o art. 257 da Lei 6.404/76; e

VI. OPA concorrente: é a OPA formulada por um terceiro que não o ofer-tante ou pessoa a ele vinculada, e que tenha por objeto ações abrangidas

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73 EIRIZIK, Nelson. Oferta Pública de

Aquisição: Interpretação do art. 254-A

da Lei das S.A. Revista de Direito da

Associação dos Procuradores do Novo

Estado do Rio de Janeiro. Volume XIV.

Pág. 85

74 FILHO, Alfredo Lamy e BULHÕES

PEDREIRA, José Luiz. Direito das Com-

panhias. Volume I, Rio de Janeiro, 1ª

Edição, 2009. pág. 2035

por OPA já apresentada para registro perante a CVM, ou por OPA não sujeita a registro que esteja em curso

OPA para aquisição de controle

Nas palavras de Nelson Eirizik:“A oferta pública constitui uma proposta irrecusável, confi gurando-se uma

declaração unilateral de vontade e obrigando o ofertante, nos termos do art. 1080 do Código Civil; sendo uma proposta fi rme e irrevogável, não está a ofer-ta pública de aquisição sujeita a eventuais alterações de vontade de seu autor. Nos termos do § 2º do art. 254-A, a CVM autorizará a alienação do controle da companhia aberta desde que as condições atendam aos requisitos legais.”73

Assegura-se aos acionistas minoritários das companhias abertas que te-nham seu controle alienado o direito de receber oferta pública, apresentada pelo adquirente do controle, de aquisição de suas ações por preço igual ao que tiver sido pago ao alienante, acolhendo-se o princípio da igualdade de oportu-nidade a todos os acionistas titulares de ações da mesma espécie e classe, esta-belecendo que todos fazem jus aos mesmos direitos e vantagens econômicas.

A partir da entrada em vigor da recente reforma da legislação societária, em 2001, com a Lei 10.303, que introduziu o artigo 254-A, restaurou-se a obrigação de propor a OPA em caso de alienação do controle acionário, mas deixou-se de lado o tratamento igualitário entre acionista controlador e acio-nistas minoritários contido originalmente no art. 254 da LSA.

Idealmente, o instituto da OPA, que é regulado pra CVM por meio da Instrução CVM 361/2002, que mais a seguir será detalhada, protege os di-reitos dos minoritários, concedendo-lhes o benefi cio da opção pela oferta pública, como forma de saída da companhia, no momento em que o poder da sociedade sofre algum tipo de alteração ou reestruturação que infl uencie nos direitos dos acionistas.

A importância das ofertas públicas para aquisição de controle já é reconhe-cida pela doutrina, visto o entendimento que segue:

“Por outro lado, há de se reconhecer que as ofertas públicas para aquisição de controle são importantes, porque constituem um mecanismo natural de o próprio mercado depurar a efi ciência da gestão das companhias abertas. Os gestores, sentindo que podem perder seus poderes por força de uma oferta pública, cuidam de aperfeiçoar a administração, prover mais adequadamente informações e dedicar maior respeito aos interesses dos acionistas. Quanto mais baixa a qualidade da gestão, maior é a vulnerabilidade a uma tomada de controle por oferta pública. Exerce assim a oferta pública para aquisição de controle o papel importantíssimo de excluir do mercado os administradores e controladores menos competentes.”74

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75 SIQUEIRA, Carlos Augusto Junqueira

de. Transferência do Controle Acionário

— Interpretação e Valor. Niterói, FMF

Editora, 2004 p. 369.

DESTINATÁRIOS

Deve-se, primeiramente, entender a generalidade da aplicação do artigo 254-A da LSA. Vale destacar, nesse sentido, que a doutrina e a lei entendem que a regra da oferta pública se faz aplicável a toda espécie de sociedade aber-ta já que a lei não estabeleceu qualquer tipo de distinção.

A doutrina ainda discute quais devem ser os ideais destinatários da oferta pública. Pode-se concluir, entretanto, que é pacífi co o entendimento de que os ordinaristas sempre se benefi ciarão deste direito de saída conjunta, bem como os preferencialistas, quando o estatuto social assim dispuser sobre a não vedação ao direito de voto.

O extinto artigo 254 da LSA estabelecia que deveria ser dado tratamento igualitário aos acionistas minoritários mediante oferta pública para aquisição de ações. O critério de minoritários abrangia a noção do estado de acionista minoritário representava um atributo qualitativo mais do que quantitativo com referencial necessário ao poder de controle na sociedade.

Isso porque a Resolução 401 do Conselho Monetário Nacional (“CMN”) regulava que de acordo com o inciso I da Resolução CMN nº 401, de 22 de dezembro de 1976 “a alienação do controle de companhia aberta somente pode-rá ser contratada sob a condição, suspensiva ou resolutiva, de que o adquirente se obrigue a fazer, nos termos desta Resolução, oferta pública de aquisição das ações com direito a voto de propriedade dos demais acionistas da companhia, de modo a lhes assegurar tratamento igualitário ao do acionista controlador.”

No entanto, a redação do atual artigo 254-A pacifi cou, em termos, esta questão, ao estabelecer que a oferta seria destinada exclusivamente aos titula-res de ações com direito a voto não integrantes do bloco de controle. O art. 254-A não produz qualquer requisito quanto à questão de permanência do direito de voto.

Com o entendimento de Carlos Augusto Junqueira de Siqueira entende-se que os preferencilistas não devem ser destinatários de OPA pois, nas pala-vras referidas:

“a aquisição do direito de voto pelas ações preferenciais, em função do não pagamento de dividendos, não credencia essas ações como destinatárias da oferta. Nesta circunstância excepcional, o direito de voto é transitório e o poder de controle só é compartilhado entre as ações com direito permanente de voto. Apenas a elas serão estendidas as condições praticadas no negócio de transferência do controle. Se o valor praticado na transação for partilhado entre as ações não votantes, estas estariam apropriando-se de algo que não lhes pertence, pois as preferenciais não compõem o poder de controle.”75

Finalizando o entendimento, o Superior Tribunal de Justiça já julgou caso referente ao tema:

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76 STJ — 1ª turma, Recurso Especial nº

2.276, RJ

“A autorização para a transferência do controle de companhia aberta, atra-vés da oferta pública para aquisição de suas ações, referendada pelo Banco Central e pela Comissão de Valores Mobiliários, não envolve as ações pre-ferenciais, quando determina que seja assegurado tratamento equitativo aos acionistas minoritários mediante simultânea oferta pública (§ 1º do Art. 255, da Lei 6.404/76). Somente os acionistas minoritários portadores de ações ordinárias estão protegidos pela lei societária.”76

O que resta concluir, para os fi ns de estudo, que apesar de se tratar de uma matéria bastante controversa, existe uma noção de transitoriedade do direito de voto dos preferencialistas, o que os faz não serem incluídos no rol dos destinatários da OPA, entendimento ainda incorporado à lei pela Instrução CVM nº 361/02.

OPA para cancelamento de registro

Segundo o art. 4º, § 4o da LSA:

Art. 4º, § 4º.: O registro de companhia aberta para negociação de ações no mercado somente poderá ser cancelado se a companhia emissora de ações, o

acionista controlador ou a sociedade que a controle, direta ou indiretamen-

te, formular oferta pública para adquirir a totalidade das ações em circula-

ção no mercado, por preço justo, ao menos igual ao valor de avaliação da compa-nhia, apurado com base nos critérios, adotados de forma isolada ou combinada, de patrimônio líquido contábil, de patrimônio líquido avaliado a preço de mercado, de fl uxo de caixa descontado, de comparação por múltiplos, de cotação das ações no mercado de valores mobiliários, ou com base em outro critério aceito pela Comissão de Valores Mobiliários, assegurada a revisão do valor da oferta, em conformidade com o disposto no art. 4o-A.

Essa modalidade de OPA foi, dessa maneira, regulada pela Instrução CMV 361, que por vez dispõe o seguinte:

Art. 16 — O cancelamento do registro de companhia aberta somente será deferi-do pela CVM caso seja precedido de uma OPA para cancelamento de registro, formu-lada pelo acionista controlador ou pela própria companhia aberta, e tendo por objeto todas as ações de emissão da companhia objeto, observando-se os seguintes requisitos:

I. o preço ofertado deve ser justo, na forma estabelecida no § 4º do art. 4º da Lei 6.404/76, e tendo em vista a avaliação a que se refere o § 1º do art. 8º; e

II. acionistas titulares de mais de 2/3 (dois terços) das ações em circulação deve-rão aceitar a OPA ou concordar expressamente com o cancelamento do regis-tro, considerando-se ações em circulação, para este só efeito, apenas as ações

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cujos titulares concordarem expressamente com o cancelamento de registro ou se habilitarem para o leilão de OPA, na forma do art. 22.

No ensejo, essa modalidade de OPA pressupõe como condições para o fe-chamento a concordância e expressa aceitação da OPA por acionistas titulares de mais de dois terços das ações em circulação, sendo a realização da OPA exclusivamente facultada ao acionista controlador ou a própria companhia. A concordância ou discordância dar-se-á de acordo com o procedimento do lei-lão em que serão concordantes com o cancelamento do registro aqueles que aceitarem a realização da OPA e venderem suas ações em leilão, manifestando consentimento com o cancelamento. Por outro lado, haverá discordância da-queles que ao se habilitarem ao leilão não aceitem a realização da OPA.

OPA voluntária

Já a oferta pública voluntária é a denominação para as ofertas de “hostile takeovers”. Relativamente comuns em mercados com dispersão acionária, as ofertas hostis.

O nome desta operação, segundo normas da CVM em vigor é Oferta Pú-blica de Aquisição de ações voluntária pressupondo-se, entretanto, envolver empresas com controle acionário difuso, sem grupo controlador. Os primei-ros casos de pulverização de ações no Brasil só ocorreram em 2005, com a Lojas Renner seguindo-se, depois, o caso Sadia/Perdigão.

A base legal é o previsto no artigo 31 da Instrução CVM 361:

Art. 31 — Qualquer OPA voluntária, originária ou concorrente, de ações de companhia aberta, quer tenha por objeto parte, quer a totalidade das ações de emis-são da companhia, obedecerá aos procedimentos de que tratam os arts. 4º a 8º e 10 a 12, e as vedações dos arts. 14 e 15, no que couberem.

Parágrafo único. À OPA voluntária formulada pelo acionista controlador ou por pessoa a eles vinculada, que tenha por objeto a totalidade das ações em circulação de emissão da companhia objeto, ou de uma determinada classe ou espécie de ações em circulação, aplicam-se ainda as regras da OPA para aumento de participação.

Da mesma forma que o artigo 31 sofreu alteração para prever que a aqui-sição da totalidade das ações deve obedecer às regras do aumento de partici-pação, o art. 26 que dispõe sobre as hipóteses de incidência da OPA prevista no art. 4º, § 6º, da Lei 6404, também sofreu, tendo sido inserida a limitação de que a aquisição de ações que enseja a obrigatoriedade de realização desse tipo de OPA deve ser por meio diverso de OPA.

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Com a mudança do art. 31, trazendo o entendimento de que a OPA voluntária que visa à totalidade das ações deve seguir as regras da OPA por aumento de participação, se a aquisição for por meio da OPA que já observou as suas regras, quais sejam, preço justo, revisão do preço da oferta e registro na CVM, não se faz necessária a realização de uma nova OPA.

OPA por aumento de participação

A OPA por aumento de participação é obrigatória e realizada em conse-qüência de aumento de participação no capital social pelo acionista contro-lador. Sempre que o acionista controlador, pessoa a ele vinculada e outras pessoas que trabalhem em conexão, adquiram por meios diversos de uma OPA, ações que façam-os incorrer na hipótese do art. 4º, § 6º da LSA, deverá ser realizada a OPA obrigatória.

Importante nesse caso é a observação do complemento legislativo feito pela Instrução CVM 361 à LSA que em seu artigo estabeleceu o valor desse percentual mínimo:

Art. 26 — A OPA por aumento de participação, conforme prevista no § 6º do art. 4º da Lei 6.404/76, deverá realizar-se sempre que o acionista controlador, pessoa a ele vinculada, e outras pessoas que atuem em conjunto com o acionista controlador ou pessoa a ele vinculada, adquiram, por outro meio que não uma OPA, ações

que representem mais de 1/3 (um terço) do total das ações de cada espécie

ou classe em circulação na data da entrada em vigor desta Instrução, observado o disposto no §§ 1º e 2º do art. 37.

Independentemente de ter atingido o percentual correspondente a um terço do total de ações de cada espécie ou classe, a CVM poderá determinar a realização de OPA por aumento de participação caso seja verifi cado, no prazo máximo de 6 meses a contar da comunicação de aquisição de ações, que tal aquisição teve por objeto impedir a liquidez de ações; e desde que tais acionistas possuam mais da metade das ações de emissão da companhia de determinada espécie e classe, e tenham adquirido, isoladamente ou em con-junto, participação igual ou superior a 10% (dez por cento) daquela mesma espécie e classe em período de 12 meses.

Ponto importante em relação à OPA por aumento de participação acio-nária é a sua diferença em relação à OPA para cancelamento de registro, pois fi ca nesse caso vedada a desistência em caso de revisão do preço.

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OPA concorrente

A publicação da oferta pública na imprensa deverá conter as condições estabelecidas no art. 258 da LSA e dentro de 24 horas da primeira publica-ção, a oferta será devidamente comunicada à CVM. A oferta é irretratável, porém, pode o ofertantes até 10 dias antes do término do prazo, melhorar sua proposta — estendendo as novas condições a todos os aceitantes.

As ofertas públicas sujeitas a registros perante a CVM somente poderão ser afetadas pelas interferências compradoras por interferente que tenha re-gistrado OPA concorrente junto à CVM. A OPA concorrente tem base no direito estrangeiro e foi incorporado pela CVM na Instrução CVM 361, nos termos que segue:

Art. 13 — A OPA concorrente observará os mesmos requisitos e procedimentos estabelecidos por esta Instrução para a OPA com que concorrer, inclusive quanto ao registro, se for o caso, observadas as regras deste artigo.

§ 1º As declarações do ofertante concorrente a que se refere o inciso I do art. 10 e o § 2º daquele artigo, somente tornar-se-ão efi cazes caso ele, ou pessoa a ele vinculada, seja ou venha a tornar-se o acionista controlador da companhia objeto.

§ 2º A OPA concorrente deverá ser lançada por preço no mínimo 5% (cinco por cento) superior ao da OPA com que concorrer, e o seu lançamento torna sem efeito as manifestações que já tenham sido fi rmadas em relação à aceitação desta última, cujo leilão poderá ser adiado, se necessário, inclusive por determinação da CVM, para que se realize na mesma data do leilão da OPA concorrente.

§ 3º Uma vez lançada uma OPA concorrente, será lícito tanto ao ofertante inicial quanto ao ofertante concorrente aumentarem o preço de suas ofertas tan-tas vezes quantas julgarem conveniente, desde que de tal aumento dêem notícia pública, com o mesmo destaque da oferta.

§ 4º Se a OPA concorrente depender de registro, este presumir-se-á deferido no prazo de 5 (cinco) dias contado do protocolo na CVM, desde que:

a. trate-se de oferta concorrente de compra, ou tratando-se de oferta concorrente de permuta, mista ou alternativa, se os valores mobiliários ofertados forem idênticos aos da OPA;

b. o ofertante apresente as declarações de que tratam os incisos I e II do art. 10 e o § 2º do mesmo artigo, e as informações referidas no inciso V do art. 10 e nas alíneas (a) e (g) do inciso I do Anexo II;

c. o pedido seja instruído com contrato de intermediação nos termos do art. 7º; e

d. o pedido seja apresentado em data que permita que a publicação do edital da OPA concorrente se dê com antecedência mínima de até 10 (dez) dias em relação ao leilão da OPA.

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77 FILHO, Alfredo Lamy e BULHÕES

PEDREIRA, José Luiz. Direito das Com-

panhias. Volume I, Rio de Janeiro, 1ª

Edição, 2009. pág. 2042

§ 5º Com exceção da hipótese do parágrafo anterior, toda OPA concorrente que depender de registro observará os mesmos requisitos, procedimentos e prazos estabe-lecidos no art. 9º.

Nesse âmbito e também quando se trata de casos de aquisição hostil, exis-te sempre a hipótese de surgir uma OPA concorrente, onde uma terceira entidade efetua uma OPA alternativa a inicial, podendo esta ser mais pró-xima dos interesses dos acionistas da empresa alvo. É quase uma espécie de “contra-OPA”, surgindo a possibilidade da apresentação de oferta pública concorrente.

Ainda nesse sentido, a LSA em seu artigo 262 corrobora o entendimento da CVM em que a existência de uma oferta pública em curso não impede a formulação por um terceiro de uma oferta concorrente, desde que sejam observadas as normas pertinentes. Nesse sentido, Carlos Augusto da Silveira Lobo nos ensina:

“Em face de uma oferta concorrente, faculta-se ao primeiro ofertante prorrogar o prazo de validade de sua oferta até fazê-lo coinscidir com o da oferta concorrente. Nos termos do § 1º do artigo 261 da LSA, acima comentado, poderá o primeiro ofertante melhorar sua oferta original para competir com a oferta concorrente. Tais faculdades deverão ser exercidas mediante publicação de um adiantamento ao instrumento da oferta, exigido o prévio registro da melhoria na CVM, se a oferta melhorada envolver a permuta de valores mobiliários”77

Vale ressaltar que o princípio da igualdade, já comentado, proclamado pela doutrina vem a ser respeitado nessa modalidade de OPA, pois o objetivo da lei ao permitir a melhoria da oferta foi o de colocar em pé de igualdade o ofertante inicial e ofertante concorrente. A melhoria da oferta vem prevista no parágrafo 1º do artigo 261 da LSA.

OPA por alienação de controle

Como discutido na aula sobre alienação de controle, inicialmente, na companhia aberta o legislador pátrio estabeleceu no art. 254-A um mecanis-mo similar ao tag along que obrigava a realização de OPA em determinadas hipóteses. Dispõe o caput do artigo:

Art. 254-A. A alienação, direta ou indireta, do controle de companhia aberta somente poderá ser contratada sob a condição, suspensiva ou resolutiva, de que o ad-quirente se obrigue a fazer oferta pública de aquisição das ações com direito a voto de propriedade dos demais acionistas da companhia, de modo a lhes assegurar o preço no

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

FGV DIREITO RIO 89

78 BORBA, José Edvaldo Tavares. Direito

Societário. Rio de Janeiro, 11ª Edição,

Renovar, 2008, pág. 523

79 FILHO, Alfredo Lamy e BULHÕES

PEDREIRA, José Luiz. Direito das Com-

panhias. Rio de Janeiro: Forense, 1ª

Edição 2009. Volume I, Rio de Janeiro,

1ª Edição, 2009. pág. 1999

80 Idem. pág. 2000

mínimo igual a 80% (oitenta por cento) do valor pago por ação com direito a voto, integrante do bloco de controle.

A insegurança sobre a transferência de controle societário impõe desconto sobre as ações, o que eleva o custo de capital, difi cultando a capitalização da sociedade aberta. A receptivid ade do investidor a essa parcela de risco, associada à exclusão de operação de alienação do controle sem importar o dispositivo legal, demanda algum tipo de retorno que a compense.

Esse princípio fundamental do mercado leva a compreender que a aliena-ção de controle dependeria de prévia autorização da CVM, o que só ocorreria com oferta pública para aquisição de ações dos acionistas minoritários.

Isso foi objeto do sistema legislativo societário nacional, sendo introduzi-do, pela Lei 10303/01, o art. 254-A na LSA. Tavares Borba afi rma:

”A lei consagrou o direito de os acionistas com voto, que não integrem o bloco de controle, receberem uma oferta pública de compra de suas ações por no mínimo oitenta por cento do preço pago aos controladores”.78

A alienação de controle transfere, segundo Lobo, ao adquirente, além dos poderes jurídicos conferidos pela propriedade das ações transferidas, o poder de fato de controlar a companhia.79 Por isso, o mesmo doutrinador é claro em afi rmar que deve existir um prêmio de controle a ser pago aos minoritários, que será compreendido como parte do investimento. É desse procedimento que se determina a OPA. Dessa forma lê-se:

“As alternativas previstas na lei em favor dos minoritários — venda das ações ou recebimento de prêmio de optarem por permanecer na companhia — causam a atri-buição aos acionistas minoritários de uma parcela do investimento que o adquirente se dispõe a pagar pelo controle, reduzindo o valor que pagaria ao controlador, caso não existissem as obrigações criadas pelo artigo 254-A. Essas obrigações exigem do comprador do controle um investimento que compreende, além do preço de compra do bloco de controle, a probabilidade de incorrer também no preço de compra das ações dos minoritários ou no prêmio àqueles que optarem por permanecer na com-panhia. Funcionam, portanto, como mecanismo que transfere para os minoritários uma parte do prêmio de controle, ou seja, da mais-valia resultante do fato de o objeto do negócio entre o adquirente e o controlador ser o bloco de controle”80

É obrigatória e decorrente da realização do negócio jurídico de alienação de controle. A Instrução CVM nº 361 prevê:

Art. 29. A OPA por alienação de controle de companhia aberta será obrigatória, na forma do art. 254-A da Lei 6.404/76, sempre que houver alienação, de forma

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

FGV DIREITO RIO 90

direta ou indireta, do controle de companhia aberta, e terá por objeto todas as ações de emissão da companhia às quais seja atribuído o pleno e permanente direito de voto, por disposição legal ou estatutária.

§ 1º A OPA deverá ser formulada pelo adquirente do controle, e seu instru-mento conterá, além dos requisitos estabelecidos pelo art. 10, as informações contidas na notícia de fato relevante divulgada quando da alienação do controle, sem prejuízo do disposto no inciso I do § 1º do art. 33, se for o caso.

§ 2º O requerimento de registro da OPA de que trata o “caput” deverá ser apresentado à CVM no prazo máximo de 30 (trinta) dias, a contar da celebração do instrumento defi nitivo de alienação das ações representativas do controle, quer a realização da OPA se constitua em condição suspensiva, quer em condi-ção resolutiva da alienação.

§ 3º O registro da OPA pela CVM implica na autorização da alienação do controle, sob a condição de que a oferta pública venha a ser efetivada nos termos aprovados e prazos regulamentares.

§ 4º Para os efeitos desta instrução, entende-se por alienação de controle a operação, ou o conjunto de operações, de alienação de valores mobiliários com direito a voto, ou neles conversíveis, ou de cessão onerosa de direitos de subscri-ção desses valores mobiliários, realizada pelo acionista controlador ou por pes-soas integrantes do grupo de controle, pelas quais um terceiro, ou um conjunto de terceiros representando o mesmo interesse, adquira o poder de controle da companhia, como defi nido no art. 116 da Lei 6.404/76.

§ 5º Sem prejuízo da defi nição constante do parágrafo anterior, a CVM po-derá impor a realização de OPA por alienação de controle sempre que verifi car ter ocorrido a alienação onerosa do controle de companhia aberta.

§ 6º No caso de alienação indireta do controle acionário, o ofertante de-verá submeter à CVM, juntamente com o pedido de registro, a demonstração justifi cada da forma de cálculo do preço devido por força do art. 254-A da Lei 6.404/76, correspondente à alienação do controle da companhia objeto.

Está em clara conexão com a LSA no que tange como requisito para aprova-ção da transferência de controle.

“Art. 254-A § 2º A Comissão de Valores Mobiliários autorizará a alienação de controle de que trata o caput, desde que verifi cado que as condições da oferta pública atendem aos requisitos legais.”

Nisso, a doutrina é enfática sobre a perpetuação da modalidade de OPA para alienação de controle nos casos previstos no art. 254-A. Carvalhosa e Eirizik, por exemplo, dispõem:

“Nos termos do § 2º do art. 254-A, a CVM autorizará a alienação do controle da companhia aberta desde que as condições da oferta pública atendam aos requisitos

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

FGV DIREITO RIO 91

81 CARVALHOSA, Modesto e EIRIZIK,

Nelson. A Nova Lei das S.A. São Paulo,

Ed. Saraiva, 2002, pág. 408

82 GREBLER, Gustavo. Opinião em Você

concorda com a OPA obrigatória, quando

da aquisição de determinada partici-

pação minoritária, conforme proposto

na reforma do Novo Mercado? Revista

Capital Aberto Ano 7, No. 76, Dezem-

bro/2009

legais. Assim, tal como ocorria no regime anterior, quando vigente a R. 401/76, o poder da CVM é vinculado, não lhe competindo entrar no exame de oportunidade ou da conveniência da alienação de controle, mas meramente verifi car se a oferta pública está assegurando aos titulares de ações com direito de voto o pagamento de preço no mínimo igual a 80% do valor pago por ação com direito de voto integrante do bloco de controle.”81

Regulação do Novo Mercado

Por fi m, o Novo Mercado tem estudado regras para adaptar a legislação bra-sileira aos moldes europeus. Por conta do processo de revisão das normas desse segmento, resolveu-se incluir na pauta a proposta de adotar regra semelhante às da diretiva da União Européia e do City Code do Reino Unido. Nesses instru-mentos legais existe a indicação de necessidade de OPA na hipótese de aliena-ção de percentual de ações representativas ao status de presunção de controle.

De todas as propostas da reforma, é esta que torna compulsória a OPA quando um investidor compra determinada participação acionária que foi a mais bem recebida pelos investidores das companhias, pois ajuda a esclarecer o rol de direitos dos minoritários nas transações que confi guram alienação de controle. A segurança jurídica que é agregada ao viés econômico é de re-levante valor.

Na Europa, fi ca a cargo dos países estabelecerem esse percentual (na mé-dia, em torno de 33% das ações votantes) enquanto no Reino Unido, desde 1972, está defi nido para o controle para fi ns de imposição da OPA como a titularidade de ações que representem 30% do total de ações votantes. No Brasil, a implementação da regra de percentual predeterminado para adoção de OPA pode trazer segurança aos investidores, apesar de suscitar críticas de parte do meio advocatício, como severifi ca a seguir:

“A norma convive cronicamente com o incentivo a transações que envolvem, dentre outras possibilidades, estruturas piramidais, regras de jurisdições distintas, além de um elusivo conceito de “atuação em concerto” entre os acionistas, que deixa dúvidas se, por meio de acordo formal ou simples entendimento informal, esses co-operaram para obter ou exercer o controle da companhia. Parece-me que, portanto, na melhor das hipóteses, a regra substitui riscos, ou seja, troca-se a aparente incerteza sobre a transferência de controle pelos riscos acima citados.”82

O que fi ca em discussão no cenário jurídico do mercado de capitais é o percentual ideal para o qual deve ser previsto a OPA. Enquanto a recomenda-ção hoje é de 30%, há um setor da advocacia societária que considera esse nú-mero alto demais. Argumenta-se que o grau de pulverização acionária pode

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

FGV DIREITO RIO 92

83 AZEVEDO, Simone e GREGÓRIO, Da-

niel. CVM descarta OPA no caso TIM, mas

admite tag along para venda de controle

minoritário. Revista Capital Aberto Ano

7, No. 73 (Setembro/2009), pág. 66 a 68

ser tamanho que mesmo um baixo valor percentual já pode ser indicativo de presunção de controle.

D) LEITURA COMPLEMENTAR

CVM descarta OPA no caso TIM, mas admite tag along para venda de controle minoritário83

Para quem ainda tem alguma dúvida, a presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Maria Helena Santana, esclarece: o atual colegiado do órgão regulador do mercado de capitais brasileiro acredita que uma alienação de controle de fato, mas não de direito, pode exigir sim a concessão do cha-mado tag along. Esse é o direito do acionista minoritário, previsto no artigo 254-A da Lei das S.As., de receber, por ação ordinária, 80% do preço pago por ação do controlador, quando o controle é vendido.

Maria Helena está apenas ratifi cando um posicionamento que, na sua vi-são, fi cou claro num julgamento recente dos diretores da autarquia. Contra-riando uma decisão histórica tomada no início do ano pela área técnica da CVM, o colegiado desobrigou o consórcio de investimentos Telco, que tem como principal acionista a Telefônica, de comprar as ações dos minoritá-rios da TIM Participações. Após analisar o recurso da Telco, concluiu que o consórcio não adquirira o controle da operadora de celular ao comprar dos grupos Pirelli e Sintonia, em 2007, a Olimpia, dona de 17,99% da Telecom Itália (controladora indireta da TIM).

Portanto, a Telco foi dispensada de estender uma oferta pública de aquisi-ção (OPA) aos ordinaristas da subsidiária brasileira. Mas isso ocorreu porque o colegiado, por maioria, entendeu que não houve alienação de controle. Se tivesse chegado a uma conclusão diferente, pelo que consta, seria o primeiro caso no Brasil em que uma alienação de controle minoritário — com menos da metade das ações com direito a voto — ensejaria o tag along.

Identifi car o exercício do poder de controle com uma participação me-nor do que 50% pode ser uma missão duríssima. Tanto é que causou um racha entre os diretores da CVM. Só o diretor Marcos Barbosa Pin-to acompanhou o voto vencido do relator do processo, Eliseu Martins, que viu ali uma venda de controle indireto e a consequente necessidade de execução de OPA. Os outros três membros do colegiado discordaram dessa tese. Porém, para justifi carem seus votos, usaram fundamentações distintas entre si. Para Eli Loria, a aplicação do 254-A “não abrange a alie-nação de controle minoritário”. Otávio Yazbek não encontrou elementos sufi cientes para caracterizar o poder de controle exercido pela Olimpia. Já a presidente Maria Helena se apoiou na regulamentação italiana, segundo

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

FGV DIREITO RIO 93

84 GREGÓRIO, Daniel. Nova regra da

CVM visa a dar mais informações para

investidores sobre as ofertas públicas de

aquisição. Revista Capital Aberto Ano 7,

No. 80, Abril/2010, pág. 60 a 63

a qual a compra da 17,99% do capital da Telecom Itália pela Telco não signifi cou uma aquisição de controle.

As diferentes argumentações deixaram alguns investidores e advogados com a impressão de que não se pode extrair lição nenhuma dos votos dos diretores. Um consenso mínimo poderia aumentar a previsibilidade sobre as próximas decisões do colegiado em situações semelhantes. “A ausência de pontos em comum pode gerar insegurança jurídica”, teme Carlos Alexandre Lobo, sócio do escritório Pinheiro Neto.

Entretanto, cabe destacar que o diretor Otávio Yazbek, ao contrário do co-lega Eli Loria, admitiu em seu voto a possibilidade de o tag along ser legítimo em uma transferência de controle minoritário — embora seja muito difícil detectar o controle nessas situações, declarou Yazbek à CAPITAL ABERTO. Ou seja, ao menos uma convergência houve: a maioria dos diretores reco-nhece o tag along nessas circunstâncias, algo certamente inédito no colegiado

Nova regra da CVM visa a dar mais informações para investidores sobre as ofertas públicas de aquisição84

Quando arquitetou a oferta pública de aquisição de ações (OPA) da GVT pela Telefônica, em setembro de 2009, a advogada Adriana Pallis, sócia do es-critório Machado, Meyer, Sendacz e Opice, percebeu que a Instrução 361 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) não abrangia todas as questões que envolvem uma OPA voluntária. De fato, a regra não previu uma operação como a do grupo francês Vivendi, que na surdina acabou levando o controle da GVT por meio de derivativos, frustrando a aproximação hostil feita pela Telefônica.

Foi com satisfação, portanto, que Adriana recebeu a notícia de que o regu-lador está disposto a alterar as regras. Em 25 de março, a CVM colocou em audiência pública uma minuta de instrução que altera a 361. “O principal be-nefício da proposta é aumentar a divulgação de informações sobre a negocia-ção com ações da companhia que é objeto de uma oferta”, avalia a advogada.

Segundo a minuta, titulares de 2,5% ou mais das ações de determinada espécie e classe de uma companhia-alvo de OPA terão de divulgar ao mer-cado cada movimentação feita com papéis da empresa durante o período de uma oferta pública. “Qualquer negociação deverá ser informada, mesmo que envolva apenas uma ação”, explica o diretor da CVM Marcos Barbosa Pinto. Inspirada no código do Takeover Panel britânico, essa regra inclui as posições montadas com derivativos. Assim, difi cilmente alguém poderá, de uma hora para outra, desbancar uma OPA com o uso desse instrumento sem que nin-guém perceba essa movimentação.

Um dos objetivos da reforma da instrução é incentivar o uso de ofer-tas concorrentes para quem quiser competir com uma OPA. Elas passarão a prescindir de registro na CVM, a não ser que sejam unifi cadas a uma OPA

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

FGV DIREITO RIO 94

que exija registro. Hoje, uma oferta concorrente deve ser lançada a um preço no mínimo 5% superior ao da OPA com que entra em disputa. A proposta é acrescentar a obrigação de que venha à tona até cinco dias antes da data prevista para o “procedimento especial” da oferta original. Esse procedi-mento substituiria o processo de leilão, em que são permitidas interferências compradoras. No novo modelo, ofertas de última hora serão proibidas. A fi nalidade é permitir que os acionistas tenham tempo sufi ciente para avaliar a qualidade das ofertas e não se sintam pressionados a tomar uma decisão. Deverá contribuir para esse maior conforto dos investidores a previsão de que o conselho de administração da companhia-alvo se manifeste contra ou favor da OPA, fundamentando sua opinião. “Por dever de diligência, os ad-ministradores já deveriam se pronunciar, principalmente quando a oferta é ruim para a empresa”, acredita Erik Oioli, sócio do escritório Vaz, Barreto, Shingaki e Oioli Advogados. A CVM receberá comentários sobre a minuta até o dia 25 de maio.

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

FGV DIREITO RIO 95

85 A aquisição do controle de uma

companhia pode ser efetivada de várias

formas: (a) se há acionista controlador,

através da compra do bloco de contro-

le; (b) se não há acionista controlador,

através de compra negociada direta-

mente com os principais acionistas

ou através de aquisições de ações no

mercado; e (c) se o grau de dispersão

é alto, por meio de uma oferta pública

de aquisição de ações dirigida a todos

os acionistas da companhia visada. (se-

gundo Luiz Alberto Colonna Rosman )

86 Usualmente os estatutos das compa-

nhias prevêem uma série de medidas

defensivas para inibir ou desestimu-

lar tomadas de controle sem que a

operação seja previamente aprovada

pelos administradores, que funcionam,

no caso como “gatekeepers” (guar-

diões dos interesses dos acionistas,

da empresa e dos “stakeholders”). Os

estatutos também contêm dispositivos

estabelecendo que se a operação for

aprovada pela maioria (qualifi cada ou

simples) dos membros do Board deixa

de ser aplicável a regra que poderia

inviabilizar o takeover. (idem)

10. AULA 11: POISON PILLS

A) EMENTÁRIO DE TEMAS

Introdução as medidas defensivas. Tomada de controle hostil ou amigável. O Poison Pill. Shareholder rights plans. As medidas defensivas brasileiras e as Norte Americanas e Européias.

B) MATERIAL DE LEITURA

Leitura Básica

BAINBRIDGE, Stephen M., Mergers and Acquisitions. New York: Founda-tion Press, 2nd Edition. Capítulos 5 e 6, páginas 158-245.

SILVA, Alexandre Couto. Responsabilidade dos Administradores de S.A., Business Judgement Rule. Rio de Janeiro: Editora Campus Elsevier, 2007 pp. 210— 229.

Leitura Complementar

CARY, William L. e EISEMBERG, Melvin Aron. Cases and Materials on Corporation. Th e Foundation Press, Inc: New York, 1995 pp. 592-634

C) ROTEIRO DE AULA

Introdução

As medidas defensivas são proteções utilizadas por companhias abertas em que o capital social está organizado com dispersão acionária contra tentativas hostis de tomadas de controle, denominadas as “takeovers hostis”.85

Essas medidas podem ser adotadas de diversas formas. A forma mais co-mum é a adoção de medidas defensivas em mecanismos estatutários, nos estatutos das companhias. 86 Também é comum a adoção destas em formas contratuais, incluindo contratos de compensação de executivos estratégicos, opção de compra de ações e ativos, bônus de subscrição e dívidas. Ademais, as medidas defensivas são introduzidas de forma institucional como, por exemplo, uma organização estrutural de companhias com diversas holdings em uma estrutura piramidal.

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

FGV DIREITO RIO 96

87 SILVA, Alexandre Couto. Responsabi-

lidade dos Administradores de S.A., Bu-

siness Judgement Rule. Rio de Janeiro:

Editora Campus Elsevier, 2007

88 “The business judgement rule is the

primary mechanism that courts em-

ploy to balance the cost and benefi ts

of corporate takeover activity among

stockholders, directors, and the cor-

poration. As traditionally conceived,

this rule is a judicial presumption that

directors make their business decisions

in good faith, and that such decisions

will not, therefore, be subjected to ju-

dicial scrutinity if any “rational business

purpose can be attributed to them”

Lubega, Stephen Kors to Unocal: the

business judgement rule speaks with

a forked tongue. Southern University

Law Review, Los Angeles, v. 16, n. 4, p.

823, 1986

89 “The ratio decidencid for the “range

of reasonableness” standard is a need

of the board of directors for latitude

in dischrging its fi duciary duties of the

corporation and its shareaholder when

defending against perceived threats.

The concomitant requirement is for

judicial restraint. Consequently, if the

board of directors’ defensive response

is not draconin (preclusion or coercive)

and is within a “range of resonable-

ness”, a court must not substitute its

judgement for the board’s. Unitirin, Inc,

v. American General Corp, 651 A.2d 1361

9Del. 1995)

90 “Na sistemática da Lei nº 6.404, de

1976, cabe a eles negociar o protoco-

lo de incorporação ou fusão que será

submetido à aprovação da assembléia

geral. Ao negociar o protocolo, os admi-

nistradores devem cumprir os deveres

fi duciários que a lei lhes atribui, de-

fendendo os interesses da companhia

que administram e de seus acionistas,

assegurando a fi xação de uma relação

de troca eqüitativa.”

91 Problemas de “Agência” nas Compa-

nhias com Capital Disperso. O controle

de fato da sociedade fi ca na mão dos

administradores, o que gera um pro-

blema de confl ito de interesses: a trans-

ferência do controle pode ser vantajosa

do ponto de vista dos acionistas — que

conseguem alienar suas ações por valor

substancialmente acima da cotação de

mercado — mas ameaça a manuten-

ção do emprego e das vantagens eco-

nômicas dos administradores da com-

panhia visada. “Problema de agência” é

uma expressão utilização no jargão dos

economistas para designar situações

nas quais o bem-estar de uma parte,

designada “comitente” (“principal”),

depende de ações tomadas pela outra

parte, o agente (“agent”).Usualmente

o agente tem maiores informações e

qualifi cação técnica do que o comiten-

te, relativamente ao assunto cuja exe-

cução lhe foi confi ada, e o comitente

Business Judgment Rule e o Dever de Diligência dos Administradores

Conforme Alexandre Couto Silva, a regra do business judgement rule busca evitar que pessoas capazes fi quem com receio de administrar uma com-panhia, sabendo que poderão colocar em risco ou até perder seu patrimônio pessoal. A regra tem por fi nalidade estabelecer parâmetros para evitar a res-ponsabilização do administrador.87

O judiciário deve examinar os limites de atuação do Conselho de Admi-nistração; porém, não deve substituir a decisão do administrador, mas pode examiná-la para verifi car se está nos limites e de acordo com a razoabilidade.88 Este princípio vale como parte integrante do dever fi duciário dos adminis-tradores.89

O Parecer de Orientação n. 35/2008 da Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) visa recomendar aos administradores de companhias abertas que observem determinados procedimentos durante a negociação de aquisições e fusões e, deve o administrador agir com diligência e lealdade à companhia. Esse zelo pelos interesses da sociedade deve ser feito de boa-fé e se enquadra no conceito da business judgement rule.90

Tomada de controle hostil ou amigável.

Na experiência societária americana, o “takeover hostil” é uma forma de tomada de controle em que o ofertante desconsidera a rejeição de sua oferta pelo conselho de administração da empresa alvo, e continua na sua tentativa de tomada de controle, ou, ainda, o ofertante faz uma oferta sem informar de antemão o conselho de administração da empresa alvo. Já o “takeover ami-gável” ocorre de forma que o ofertante primeiro informa ao conselho de ad-ministração da empresa alvo antes de fazer a oferta de aquisição de controle, a fi m de que o conselho de administração possa recomendar ou não a oferta aos acionistas da empresa. 91

A tomada de controle pode ser hostil ou amigável, lembrando que, haven-do acionista controlador majoritário ou de um bloco signifi cativo de ações, deve ser empreendida uma negociação bilateral com esses acionistas. Se a companhia for de capital pulverizado, poderá ocorrer a oferta pública para aquisição de controle de companhia aberta (“OPA”) 92 voluntária, sendo amistosa quando houver concordância da administração.

“A aquisição do controle de uma companhia aberta, cujo capital votante se encontre disseminado no mercado, tanto poderá operar-se através de compra de ações em bolsa, como de oferta pública. A oferta pública compreenderá, em regra, o montante de ações necessário à obtenção do controle; sendo o ofertante

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

FGV DIREITO RIO 97

não pode, sem custos, se assegurar que

o agente está cumprindo adequada-

mente aquilo a que se obrigou. No pla-

no das companhias, esses problemas

de agência podem ocorrer nas relações

(a) acionistas x administradores; (b)

controladores x minoritários; e, no caso

de transferências de controle, entre (c)

acionistas da companhia alvo x adqui-

rente do controle. (Luiz Alberto Colonna

Rosman)

92 Uma “oferta pública de aquisição de

ações” (OPA) é uma operação através

da qual um acionista ou uma sociedade

pretende comprar uma participação ou

a totalidade das ações de uma empresa

cotada em Bolsa. O termo em inglês

muito utilizado para tratar da OPA,

quando a mesma busca a aquisição

de controle de outra empresa, é “take

over”. (Wikipédia)

Uma OPA diz-se hostil quando o

Conselho de Administração da empre-

sa alvo não é informado da oferta ou

quando a sociedade promotora da ofer-

ta decide avançar com a OPA mesmo

depois do Conselho de Administração a

ter recusado. Quando o Conselho de Ad-

ministração considera a proposta van-

tajosa para os acionistas e recomenda-

-lhes que aceitem a oferta a OPA diz-se

amigável. Realiza-se uma OPA, com ob-

jectivo principal de adquirir o controle

de uma companhia aberta, cujo capital

votante esteja disseminado no merca-

do. Muitas vezes é usado para se fechar

o capital - retirando as ações da bolsa.

OPA - Oferta pública de aquisição (em

dinheiro); OPT - Oferta pública de troca

(em títulos); OPV - Oferta pública de

venda (em geral é seguida por uma

entrada em bolsa). (Idem)

93 Segundo Modesto Carvalhosa, as cláu-

sulas de poison pills brasileiras não cor-

respondem ao mesmo conceito dessas

cláusulas no direito norte-americano.

Poison pills brasileiras são variações da

oferta pública de aquisição do controle

— art. 254-A, Lei das S.A. — tag along.

Já as poison pills norte-americanas são

Shareholder Rights Plans (SRP). Assim,

há o efeito venenoso dos SRP - acionista-

-adquirente do percentual que disparou

a cláusula é excluído do SRP. Finalidade

das poison pills norte-americanas é

barrar tomadas hostis de controle, de-

sencorajar a compra de grandes blocos

de ações da companhia alvo. Poison pills

são instrumentos para maior negocia-

ção, pela administração da companhia,

do valor de suas ações durante uma

oferta hostil. Não podem bloquear todas

as ofertas hostis que sejam feitas, pois a

administração não pode se “entrinchei-

rar” na companhia. A única semelhança

entre a poison pill brasileira e a norte-

-americana é a existência de “gatilho”

que delimita a porcentagem de aquisi-

ção de ações que “dispara”, sendo que

ambas são técnicas de defesa.

acionista, a oferta poderá restringir-se a um número de ações capaz de, soman-do-se às suas, compor o controle”. BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito So-cietário. Rio de Janeiro: Renovar, 11ª Edição, 2008. pp. 524-525.

O Poison Pill

O termo “poison pill” se refere a uma estratégia geralmente adotada, em negócios ou em política, com o intuito de aumentar as chances de ocorrerem resultados negativos, e diminuir as chances de ocorrerem resultados positivos, a uma parte que tenta qualquer forma de “takeover”. 93 O termo é derivado do signifi cado original literal de uma pílula venenosa portada por espiões, que eram tomadas a fi m de eliminar a possibilidade de serem interrogados e forçados a divulgar informações secretas que pudessem ser usadas em bene-fício do inimigo.

“In publicly held companies, various methods to avoid takeover bids are called “poison pills”. Takeover bids are attempts by a bidder to obtain control of a target company, either by soliciting proxies to get elected to the board or by ac-quiring a controlling block of shares and using the associated votes to get elected to the board. Once in control of the target`s board, the bidder can determine the target`s management. As discussed further below, targets have various takeover defenses available, and several types of defenses have been called “poison pills” because they not only harm the bidder but the target (or its shareholders) as well. At this time, the most common defense known as a poison pill is a sha-reholder rights plan.” (Wikipedia)

São comuns referências equivocadas ao termo “poison pills”, que por vezes é visto como um termo genérico de todas as espécies de medidas defensivas contra takeovers hostis. A “poison pill” é, na verdade, uma das espécies de medidas defensivas, talvez uma das mais famosas, desenvolvida pelo advoga-do norte Americano Martin Lipton, do escritório Wachtell, Lipton, Rosen & Katz. 94

As medidas defensivas contra takeovers hostis são também conhecidas como “shark repellants” (repelente de tubarão)95, e a “poison pill” é uma espécie de “shark repellant”.

Shareholder rights plans

Nos EUA, as poison pills são em sua maioria confi guradas como sharehol-der rights plans, cujo objetivo é diluir a participação do acionista adquirente.

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

FGV DIREITO RIO 98

94 “The poison pill was invented by no-

ted M&A lawyer Martin Lipton of Wa-

chtell, Lipton, Rosen & Katz, in 1982,

as a response to tender-based hostile

takeovers. Poison pills became popular

during the early 1980s, in response to

the increasing trend of corporate raids

by businessmen such as Carl Icahn.”

“It was reported in 2001 that since

1997, for every company with a poison

pill that successfully resisted a hostile

takeover, there were 20 companies

with poison pills that accepted takeo-

ver off ers. The trend since the early

2000s has been for shareholders to vote

against poison pill authorization, since,

despite the above statistic, poison pills

are designed to resist takeovers, whe-

reas from the point of view of a sha-

reholder, takeovers can be fi nancially

rewarding.”

“Some have argued that poison pills

are detrimental to shareholder inte-

rests because they perpetuate existing

management. For instance, Microsoft

originally made an unsolicited bid for

Yahoo!, but later dropped out after

Yahoo! CEO Jerry Yang threatened to

make the takeover as diffi cult as possi-

ble unless Microsoft raised it to US$37

per share; one Microsoft executive

commented, “They are going to burn

the furniture if we go hostile. They are

going to destroy the place.” The nature

of Yahoo!’s poison pill was never an-

nounced.[citation needed] Analysts

suggested that Microsoft’s raised off er

of $33 per share was already too expen-

sive, and that Yang was not bargaining

in good faith, which later led to several

shareholder lawsuits and an aborted

proxy fi ght from Carl Icahn. After Mi-

crosoft dropped their bid, Yahoo’s stock

price plunged and Jerry Yang faced a

backlash from stockholders that led to

his resignation.” (idem)

95 Os chamados “shark repellents” são

cláusulas inseridas nos estatutos visan-

do desestimular terceiros que possam

se interessar pela aquisição do controle

sem apoio do “Board”. Substituição do

Conselho de Administração - Uma das

medidas mais comuns é a previsão

de eleição dos membros do Conselho

com mandatos escalonados no tempo

(“staggered boards”), visando-se,

com isso, difi cultar a substituição dos

conselheiros de uma só vez. Esse tipo

de defesa é mais efi caz quando o ad-

quirente necessita ter rápido acesso aos

ativos da companhia alvo — através

de uma incorporação ou venda de bens,

por exemplo — para pagar as dívidas

assumidas com a aquisição do controle.

As chamadas “poison pills” podem

assumir uma grande variedade de for-

mas, mas atualmente a maioria delas

está baseada no mecanismo chamado

“share purchase rights plan”: espécie

de bônus de subscrição que é distri-

buído como bonifi cação ou dividendo,

atribuindo aos acionistas — com ex-

“Shareholder rights plans— Th e target company issues rights to existing sha-reholders to acquire a large number of new securities, usually common stock or preferred stock. Th e new rights typically allow holders (other than a bidder) to convert the right into a large number of common shares if anyone acquires more than a set amount of the target’s stock (typically 20-30%). Th is dilutes the percentage of the target owned by the bidder, and makes it more expensive to acquire control of the target. Th is form of poison pill is sometimes called a shareholder rights plan because it provides shareholders (other than the bidder) with rights to buy more stock in the event of a control acquisition.

Eff ects on shareholders — Th e goal of a shareholder rights plan is to force a bidder to negotiate with management. Th e eff ects are twofold: Positive eff ect: it gives management time to fi nd competing off ers that maximizes selling pri-ce. Negative eff ect: it discourages takeovers, potentially preventing ineffi cient management from being replaced (hence reducing shareholders’ stock value)”.(idem)

Nos EUA, a decisão sobre a aplicabilidade ou não das pílulas cabe ao board of directors, observadas as limitações impostas pela Suprema Corte de Delaware. A Suprema Corte de Delaware decidiu em 1985, no famoso caso Moran v. Household International, Inc. que cada caso de tentativa de takeo-ver hostil deve ser estudado separadamente, avaliando-se se está de acordo com o interesse social.96 Decidiu, ainda, esta Suprema Corte, que o conse-lho de administração não pode aplicar automaticamente o shareholder rights plan, tendo inclusive que levar a aplicação das “poison pills” à Assembléia Geral em certos casos. Na experiência brasileira, pelo contrário, a aplicação é automática. 97 98

“Constraints and legal status — Following the development of poison pills in the 1980s, the legality of their use was unclear in the United States for some time. However, poison pills were upheld as a valid instrument of Delaware cor-porate law by the Delaware Supreme Court in its 1985 decision Moran v. Hou-sehold International, Inc.” (idem)

Segundo o Professor Modesto Carvalhosa, no Brasil, o que ocorre é o estabelecimento de um gatilho para que haja oferta pública de compra da totalidade das ações ou para que se inicie um procedimento de leilão daquele bloco de ações. As nossas poison pills não correspondem às poison pills norte-americanas, tampouco às takeover bids de Londres e as poison pills da diretiva européia. A similaridade entre a estrutura brasileira e norte-americana é que o efeito venenoso é o gatilho.

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

FGV DIREITO RIO 99

ceção do ofertante — o direito de ad-

quirir ações da companhia a um preço

signifi cativamente inferior a seu valor

de mercado, na hipótese de qualquer

adquirente vir a acumular ações em de-

terminado percentual (10 a 20% usual-

mente) (“fl ip-in”). Conseqüência: forte

diluição da participação do adquirente

no capital da companhia, tornando

mais gravosa a tentativa de aquisição

do controle.

Como é comum a incorporação da

companhia alvo pela adquirente em

seguida à tomada de controle, foi

criado um novo mecanismo (“fl ip-

over”) que dá direito aos acionistas da

companhia alvo de subscreverem ações

da companhia adquirente por valor

substancialmente inferior a seu preço

de mercado, o que causa uma grande

diluição aos antigos acionistas da ad-

quirente. (LACR).

96 In Moran v. Household International

Inc., 500 A.2d 1346 (Del. 1985), the

Delaware Supreme Court held that Sec-

tion 157 of the General Corporation Law

provides statutory authority for a board

of directors to issue rights containing

provisions similar to certain provisions

of the Agreement (the “Flip-Over Provi-

sions”) and that the business judgment

rule applied to the adoption by the

board of directors of Household Inter-

national of a rights dividend plan as a

preplanned defensive mechanism. The

Court found that the rights dividend

issued by Household had a rational cor-

porate purpose in view of Household’s

reasonably perceived vulnerability to

unfair or coercive takeovers generally,

and, accordingly, that the issuance of

rights containing provisions similar to

the Flip-Over Provisions was a legitima-

te exercise of the business judgment of

the Household directors under the facts

presented. In so holding, the Court sta-

ted: “The Directors adopted the Agree-

ment in the good faith belief that it was

necessary to protect Household from

coercive acquisition techniques. The

Board was informed as to the details of

the Agreement. In addition, Household

has demonstrated that the Agreement

is reasonable in relation to the threat

posed.” http://www.secinfo.com/

d14D5a.v6cz.c.htm

97 Moran v. Household International,

Inc., 500 A.2d 1346 9 Del. Supr. 1985)

Supreme Court of Delaware. A decisão

se concentra em torno da aplicabilida-

de da regra do business judgement rule

como forma padrão de rever o Plano de

Direitos dos Acionistas (fl ip-over pill).

Pois quando o Conselho (Board) ana-

lisar uma tentativa de aquisição deve

determinar se ela atende aos melhores

interesses, tanto da companhia como

de seus acionistas.

No caso Moran VS Household In-

ternational, decidido pela Suprema

Corte de Delaware (Supreme Court of

D) TEXTOS COMPLEMENTARES

A Noção de Separação entre as fi guras dos acionistas e administradores Antônio Bernando Palhares, Gustavo Sampaio, Igor Lyra Mosso, Leonardo Carvalho e Maria Donati, alunos da FGV Direito Rio.

No que tange ao tema de poder de controle, uma questão de grande rele-vância se refere à noção no meio jurídico de uma tendência verifi cada já no início do século XX: a noção de separação entre as fi guras dos proprietários (os acionistas) e daqueles que ditam as diretrizes de funcionamento, consubs-tanciado na tomada de decisões administrativas no dia-a-dia que infl uenciam a forma de alocação dos recursos e conseqüentemente, o futuro e os lucros da companhia (os administradores).

Com essa perspectiva, os autores Berle e Means, em sua clássica obra sobre a sociedade anônima moderna, analisaram a distinção entre a titularidade do capital e a gestão social realizada pelos administradores99. Esta obra repre-sentou um marco para a compreensão da organização interna das sociedades anônimas no último século, em especial nos Estados Unidos. Nela é ilustrada a mudança ocorrida no tradicional conceito da propriedade privada, a qual é classicamente entendida como o poder de disposição e a faculdade de usar e gozar, que, no caso das ações, está dividida entre uma titularidade nominal e o verdadeiro poder que está vinculado a ela.

Além disso, os autores citados identifi caram pela primeira vez o confl ito de interesse que ocorre entre os acionistas e os administradores como con-seqüência desta separação entre a titularidade do capital e a administração social. A partir de então, passa-se a entender que estes últimos poderiam ter motivações distintas daqueles. Desta forma, estes interesses antagônicos ori-ginam problemas de coordenação entre acionistas e administradores, que po-dem gerar comportamentos abusivos por parte dos que dirigem a sociedade.

Tão relevantes foram os resultados empíricos demonstrados pelo trabalho de Berle e Means, que desde então existe a preocupação de colocar em prática normas e mecanismos de controle orientados a minorar as tensões originadas do mencionado antagonismo entre acionista e administradores.

Deve-se considerar ainda que, em um ambiente de quadro acionário pul-verizado, como aquele identifi cado pelos autores, é consideravelmente mais difícil para os acionistas exercerem um efetivo controle e monitoramento dos administradores, bem como mais custoso substituí-los. Em uma companhia com capital pulverizado, considerando cada acionista individualmente, ne-nhum destes possui os devidos incentivos para exercer um efetivo nível de controle sobre as decisões da administração da companhia. Isto porque, na medida em que os demais acionistas também se benefi ciam das externalida-des positivas associadas à fi scalização das atividades da companhia, nenhum dos acionistas dispersos no mercado é capaz individualmente de se apropriar

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

FGV DIREITO RIO 100

Delaware) em 1985, ocorreu a adoção

de um mecanismo de defesa para pro-

teção de futuros avanços, não se blin-

dando de uma ameaça real e iminente

de aquisição hostil. Denota-se o modo

do Conselho de planejar-se antecipa-

damente a uma aquisição hostil, redu-

zindo a chance de, na eventualidade de

uma takeover bid, exercer-se um julga-

mento errôneo do que será o melhor

aos interesses da empresa. Assim, a

business judgement rule tem aplica-

bilidade, de modo que não confi gura

abuso de poder pelo Conselho e não

reprime, segundo a Suprema Corte de

Delaware, direitos dos acionistas, nem

mesmo a possibilidade de recebimento

pelos mesmos de uma oferta.

A decisão ainda ressalva que a

business judgement rule somente

pode aplicar-se dentro dos limites de

competência do Conselho. Deve existir

autorização estatutária para o Conselho

adotar o Rights Plans.

No referido caso, a parte apelante

Moran contestou não existir autori-

zação para a adoção pelo Conselho

do Rights Plan, alegando não existir

tal provisão disposta na Delaware

General Corporation Law (DGCL). Adi-

cionalmente, alega o mesmo enten-

dimento da Securities and Exchanges

Comission - SEC de que o Conselho

não pode usurpar direitos dos acio-

nistas de análise de aquisições hostis.

Por outro lado, entendeu a Household

estar de acordo com a referida lei, no

Título 8, Sub-capítulo VI (Stocks and

Dividends) § 151(g) e 157 da DGLC e

que a emissão de ações preferenciais

com os direitos de acionistas obedece

ao § 151. Dentro dessa linha de argu-

mentação, Moran protesta afi rmando

que o § 157 proporciona meios de es-

truturação fi nanceira empresarial, não

de um mecanismo preventivo contra

alguma aquisição — o que, logo, não

autorizaria o Conselho da Household a

tal ação. Isso foi rejeitado pela Suprema

Corte de Delaware (comparação com a

decisão Providence & Worchester Co.

VS. Baker, Del. Supr., 378 A.2d 121, 124

(1977). De acordo com o Tribunal, o fato

da lei ser silenciosa neste aspecto não

valida uma proibição de adaptação das

normas para defender a empresa de

uma aquisição hostil.

Moran afi rma que o § 157 não autori-

za a emissão de sham rights como o Ri-

ghts Plan. Acusa as ações preferenciais

ora referidas de serem ilusórias, já que

não teriam valor econômico, tendo pro-

pósito apenas para blindar Household

de uma futura oferta hostil o que foi

também rejeitado pela Suprema Corte

de Delaware. Explica o Tribunal que ao

contrário do caso Telvest, Inc. v Olson,

que invalidou sham securities por serem

ilusórias, as ações preferenciais de Hou-

sehold tem dividendos superiores.

Ainda sim, detalhou a Suprema

Corte como sendo válido o Rights Plan

de todos os ganhos gerados pelo monitoramento da administração100. Ao invés, os benefícios resultantes do pleno exercício do direito à fi scalização, inerente à condição de acionista, seriam distribuídos não de acordo com seus esforços de monitoramento, mas em virtude de seus investimentos, uma vez que essa fi scalização tenderia a se refl etir em melhores práticas gerenciais, e assim, preços das ações potencialmente maiores101.

Adicionalmente, outro problema na fi scalização da administração pelos acionistas individuais está ligado à difi culdade de cognição e à presença de uma relevante assimetria de informações entre os acionistas e a administração da companhia. Isto se refl ete no fato de que, ainda que os acionistas possam considerar que vale a pena monitorar a administração, eles podem vir a en-frentar certa difi culdade em separar se as reais causas dos resultados ruins da companhia são provenientes de estratégias inefi cientes da administração ou de fatores externos à companhia102.

Ressalte-se que não se pretende afi rmar que o acionista que exerce um devido monitoramento da administração da companhia não obtém retorno algum. O argumento é apenas de que os custos envolvidos na fi scalização por um agente isolado podem ser de tal ordem que os benefícios percebidos por este mesmo agente não sejam sufi cientes para tornar racional toda a atividade de monitoramento.

Essa constatação assume grande relevância quando enfrentamos o proble-ma da falta de alinhamento de interesses entre administradores e acionistas e como isto pode levar com que aqueles adotem uma postura gerencial que não condiz com os interesses da companhia ou dos acionistas. Por exemplo, administradores podem escolher investir em certos projetos pretendendo uma expansão exagerada e inefi ciente da companhia no curto prazo ao invés de buscarem um devido planejamento sustentável que maximize a riqueza dos acionistas, uma vez que seus benefícios fi nanceiros, prestígio e infl uência também aumentam proporcionalmente à expansão da companhia que admi-nistram103,104.

O Dever Fiduciário dos Administradores

Com o propósito de fazer frente ao problema da ausência de controles efetivos sobre a administração societária, construiu-se nos tribunais o con-ceito de dever fi duciário dos administradores105. Ele surgiu para contrapor o amplo domínio dos administradores das sociedades e, desta forma, assegurar os direitos dos acionistas. Outras medidas adotadas mais recentemente para neutralizar este confl ito de interesse entre os acionistas e os administradores são de origem legal e objetivam a criação de incentivos que harmonizem a maximização da utilidade de cada uma das partes.

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

FGV DIREITO RIO 101

no seu escopo de ser uma disposição

“anti-destruction”. Isto é, as cláusulas

“anti-destruction” dão ao investidor

a possibilidade de conversão de seus

títulos mobilários pelos que vierem a

suceder em uma nova sociedade, no

caso de uma fusão.

Alegando a inconstitucionalidade

do Rights Plan, Moran afi rmou que o

mesmo viola a Commerce Clause e é

nula sob a ótica da Supremacy Clause,

por obstar a linha de política defi nida

no Williams Act., usando como pretex-

to o caso Edgar v. MITE Corp., 457 U.S.

624, 102 S.Ct. 2629, 73 L.Ed.2d 269

(1982), no qual a Suprema Corte dos

Estados Unidos sentenciou que a Lei

de Aquisições Empresariais de Illinois

(Illinois Business Takeover Act) era in-

costitucional, pois onerava o comércio

interestadual. Entendeu a Suprema

Corte de Delaware que não há nexo

para analogia entre os dois casos.

Ainda mais, Moran parte do princípio

de que a Conselho não pode usurpar os

direitos dos acionistas de receber uma

oferta através de mudanças societárias

na companhia. O Tribunal, porém, con-

clui que o Rights Plan não suprime os

direitos dos acionistas de receber uma

oferta. O Rights Plan não é absoluto,

pois ao receber uma Oferta Pública de

Aquisição de Ações (“OPA”), de acordo

com o Tribunal, a Diretoria ainda assim

deve atuar diligentemente (fi duciary

duties) para defi nir a adoção do me-

canismo de defesa. Igualmente, alega

que não tem fundamento a alegação de

Moran de que o Righs Plan vai tirar po-

deres dos acionistas e dar ao Conselho,

uma vez que o plano não tende a afetar

o valor de mercado das ações. Não há

mudança signifi cativa na governança

corporativa; o fato de tornar a com-

panhia menos suscetível a aquisições

hostis não impossibilita ofertas. Não

obstante, o Rights Plan não minimizará

o valor das ações, além de não oferecer

prejuízos fi scais à empresa e aos seus

acionistas; não trará dívidas à empresa

como pode trazer outros mecanismos

de defesa.

A business judgement rule não co-

nota má-fé dos Diretores e sim é uma

presunção de que ao tomar uma deci-

são de caráter corporativo os Diretores

agiram de boa-fé e diligentemente,

nos melhores interesses da companhia

(Aronson v. Lewis). Household clara-

mente demonstrou que a adoção do

Rights Plan foi em reação ao que imagi-

nou ser uma ameaça existente no mer-

cado de ofertas públicas de aquisição

de ações secundárias . Requisito que

é a diligência por parte dos Diretores,

entende a Suprema Corte de Delaware

que deve-se verifi car se foram os Dire-

tores negligentes à época da adoção do

Rights Plan (Smith v. Van Gorkom).

Entendeu a Corte de Delaware que

não existe preclusão de futuras ten-

tativas de aquisição hostil e que não

Uma maneira possível de buscar alcançar tal objetivo, certamente, consiste em proporcionar aos administradores participação no capital da sociedade de modo que ocorra um paralelismo de interesse entre os acionistas e aque-les que possuem poder de decisão na sociedade. Para obter esta simetria de interesses, são estabelecidos, por exemplo, incentivos fi scais para que os ad-ministradores possam adquirir participação societária sem incorrer em altos custos tributários.

A Alteração do Artigo 254-A posterior ao parecer de J. L. Bulhões Pe-dreira sobre a alienação do controle de Companhia Aberta

Ao analisar-se a legislação modifi cada posterior ao parecer de J. L. Bulhões Pedreira, que relata sobre a alienação do controle de Companhia Aberta, escrito em 20 de outubro de 1983, conclui-se que duas Leis revogaram e reformaram o artigo a qual Bulhões Pedreira se baseou, a antiga redação do Artigo 254-A. São estas as Lei 9.457 de 1997 e 10.303 de 2001.

Em relação a expressão ambígua de “Controle da Companhia” interpreta-do conjuntamente pelos os artigos 254 e 255 da Lei 6404 de 1976, houve bas-tante alteração pós 1983, já que a Lei nº 9457 de 5 de Maio de 1997 revogou diversos artigos e além de ter reformado outro. Já a Lei 10.303 de 2001 tam-bém teve seu papel importante, já que incluiu diversos artigos para auxiliar na interpretação de “Controle da Companhia”. Seguem as inclusões abaixo:

Art. 254-A. A alienação, direta ou indireta, do controle de companhia aberta somente poderá ser contratada sob a condição, suspensiva ou resolutiva, de que o adquirente se obrigue a fazer oferta pública de aquisição das ações com direito a voto de propriedade dos demais acionistas da companhia, de modo a lhes as-segurar o preço no mínimo igual a 80% (oitenta por cento) do valor pago por ação com direito a voto, integrante do bloco de controle. (Incluído pela Lei nº 10.303, de 2001)

§ 1o Entende-se como alienação de controle a transferência, de forma direta ou indireta, de ações integrantes do bloco de controle, de ações vinculadas a acordos de acionistas e de valores mobiliários conversíveis em ações com direito a voto, cessão de direitos de subscrição de ações e de outros títulos ou direitos relati-vos a valores mobiliários conversíveis em ações que venham a resultar na alienação de controle acionário da sociedade. (Incluído pela Lei nº 10.303, de 2001)

§ 2o A Comissão de Valores Mobiliários autorizará a alienação de controle de que trata o caput, desde que verifi cado que as condições da oferta pública atendem aos requisitos legais. (Incluído pela Lei nº 10.303, de 2001)

§ 3o Compete à Comissão de Valores Mobiliários estabelecer normas a serem observadas na oferta pública de que trata o caput. (Incluído pela Lei nº 10.303, de 2001)

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

FGV DIREITO RIO 102

houve negigência pelo Conselho, já que

já tinha providenciado aos Diretores in-

formações (um resumo de três páginas)

do Rights Plan, logo, os Diretores da

Household, assim estavam cientes que

a sociedade era vulnerável a técnicas de

aquisição coercitivas e adotou um me-

canismo de defesa justifi cável. Conclui

a Corte de Delaware que os Diretores

adotaram o plano de acordo com as

disposições de autoridade estatutária,

como previsto na DGCL, § 141, § 151 e §

157, tendo especifi camente informado

os detalhes do Plano, agido de boa-fé,

e não tendo desrespeitado nenhum

dever de diligência.

98 Segundo Luiz Alberto Colonna Ros-

man, há dois Modelos Básicos para En-

frentar o Problema de Agência no Caso

de Tomada de Controle, que se distin-

guem em função de a quem é atribuído

o poder para decidir sobre a aceitação

ou não da oferta de aquisição de ações:

I - No primeiro modelo (EUA), a decisão

é, inicialmente, atribuída ao “Board of

Directors” e, após, aos acionistas — a

quem cabe, em última análise, aceitar

ou não a proposta de compra de suas

ações. Nessa hipótese, há grande po-

tencial de que os administradores ajam

protegendo seus próprios interesses

(manutenção de cargos e privilégios)

— e não visando aos maiores benefí-

cios para os acionistas. Por outro lado,

os administradores, por conhecerem

profundamente a empresa, podem

obter preço e condições de pagamen-

to mais vantajosas para a venda das

ações, evitando propostas oportunistas

ou coercitivas. II - No segundo modelo

(Comunidade Econômica Européia), a

decisão cabe exclusivamente aos acio-

nistas, tendo o Conselho de Administra-

ção uma atuação apenas de assessoria.

Nesse modelo o confl ito de interesses

entre acionistas e administradores é

fortemente reduzido, mas remanesce

o problema do confl ito de interesses

entre o ofertante e os acionistas.

99 Essa percepção se popularizou com a

obra clássica: ADOLF A. BERLE & GARDI-

NER C. MEANS. The Modern Corporation

and Private Property. New York, Tran-

saction Publishers, 1991.

100 Podemos defi nir o conceito de

externalidade, de uma maneira sim-

plória, como os efeitos decorrentes

das condutas dos agentes que não são

incorporados no sistema de preços. Os

economistas tratam do fenômeno de

um agente que se aproveita de alguma

externalidade sem pagar por ela como

problema do carona (“free-rider”).

101 EASTERBOOK, Frank H. e FISCHEL,

Daniel R., The economic structure of

corporate law, Cambridge: Harvard Uni-

versity Press, 1996, p.171.

102 EASTERBOOK, Frank H. e FISCHEL,

Daniel R., The economic structure of

§ 4o O adquirente do controle acionário de companhia aberta poderá ofere-cer aos acionistas minoritários a opção de permanecer na companhia, mediante o pagamento de um prêmio equivalente à diferença entre o valor de mercado das ações e o valor pago por ação integrante do bloco de controle. (Incluído pela Lei nº 10.303, de 2001)

§ 5o (VETADO) (Incluído pela Lei nº 10.303, de 2001)

Art. 255. A alienação do controle de companhia aberta que dependa de au-torização do governo para funcionar está sujeita à prévia autorização do órgão competente para aprovar a alteração do seu estatuto.(Redação dada pela Lei nº 9.457, de 1997)

§ 1º A autoridade competente para autorizar a alienação deve zelar para que seja assegurado tratamento eqüitativo aos acionistas minoritários, mediante si-multânea oferta pública para a aquisição das suas ações, ou o rateio, por todos os acionistas, dos intangíveis da companhia, inclusive autorização para funcionar. (Revogado pela Lei nº 9.457, de 1997)

§ 2º Se a compradora pretender incorporar a companhia, ou com ela se fundir, o tratamento eqüitativo referido no § 1º será apreciado no conjunto das operações. (Revogado pela Lei nº 9.457, de 1997)

Já em relação a “Poder de Controle”, previsto pelos artigos 116 e 117 da Lei 6.404/76, teve alteração somente em parte dos artigos, que foi incluída pelas mesmas leis, Lei 10.303 de 2001 e Lei 9457 de 1997, conforme de-monstrado a seguir.

Art. 116-A. O acionista controlador da companhia aberta e os acionistas, ou grupo de acionistas, que elegerem membro do conselho de administração ou membro do conselho fi scal, deverão informar imediatamente as modifi cações em sua posição acionária na companhia à Comissão de Valores Mobiliários e às Bolsas de Valores ou entidades do mercado de balcão organizado nas quais os valores mobiliários de emissão da companhia estejam admitidos à negociação, nas condições e na forma determinadas pela Comissão de Valores Mobiliários.(Incluído pela Lei nº 10.303, de 2001)

Art. 117. O acionista controlador responde pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder.

§ 1º São modalidades de exercício abusivo de poder: h) subscrever ações, para os fi ns do disposto no art. 170, com a realização

em bens estranhos ao objeto social da companhia. (Incluída dada pela Lei nº 9.457, de 1997)

No que remete a “Bloco de Controle”, previsto pelo artigo 254 da Lei 6404 de 1976, como já transcrito acima, houve algumas revogações por con-

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

FGV DIREITO RIO 103

corporate law, Cambridge: Harvard Uni-

versity Press, 1996, p.172.

103 A essa tendência de crescimento

exacerbado é denominada de “empire

building”. Sobre esse tema: KLEIN,

William A. e COFFEE, John C. Jr., Busi-

ness Organization and Finance: Legal

and Economics Principles. 9ª ed., Nova

York: Foundation Press, 2004, pp. 177

e 199.

104 JENSEN, Michael C., Takeovers: their

causes and consequences, Journal of

Economic Perspectives, vol. 02, n° 01,

1988, pp. 21-48.

105 BAINBRIDGE, Stephen M.. Corpo-

ration Law and Economics, New York,

Foundation Press, 2002, p. 11.

ta da Lei 9457 de 1997 e inclusão pela Lei 10.303 de 2001, onde o novo artigo 254-A, § 1o e § 4 previu o que seria o “Bloco de Controle”.

O entendimento da CVM sobre o que caracteriza a alienação de controle para incidência da hipótese de Oferta Pública de Ações (OPA)

Em relação ao entendimento da CVM sobre o que caracteriza a alienação de controle para incidência da hipótese de Oferta Pública de Ações (OPA) do art. 254-A da Lei 6.404/1976 (“LSA”), o primeiro ponto de discussão diz respeito ao o que se caracteriza como controle. Sabe-se, e a CVM já discutiu inúmeras vezes tal quesito, que é preciso qualifi car o controle para saber se dá ensejo à OPA por alienação de controle. Ou há: (i) um controle majoritário (acionista ou grupo de acionistas com mais de 50% das ações com direito a voto); ou (ii) um controle minoritário (acionistas ou grupo de acionistas uni-dos que detém menos de 50% das ações com direito a voto, mas que, mesmo não tendo a maioria das ações, tem efetivo poder de comandar a vida social, diante da pulverização de seu quadro acionário).

Tal segunda hipótese trata-se do controle de fato. Esta é abordada no pro-cesso CVM RJ n.º 2009/0471. No caso é questionado o poder de controle dos acionistas de companhia Espanhola que controla companhia Brasileira. Octavio Yazbeck, relator do processo, ressalta que para se caracterizar esta segunda modalidade de controle é preciso ter certa constância no poder de mando social. Ressalta o Diretor, argumentando a inexistência de controle de fato no caso sob análise:

“O argumento parece-me falho por mais de um motivo. Inicialmente por-que ele confunde o consenso eventual e necessário, em assembléia, com bloco de controle. O art. 116 da Lei nº 6.404/76, ao caracterizar a fi gura do acionista con-trolador, remete não apenas à capacidade de infl uenciar de forma determinante, a tomada de decisões na companhia, mas também a uma consistência temporal no exercício de tal capacidade. Não é por outro motivo que a alínea “a” do citado artigo fala em direitos de sócio que assegurem “de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembléia-geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia”. No próprio texto trazido pelo Recorrente, Fábio Konder Comparato realça a importância dessa permanência”

No âmbito do processo CVM RJ n.º 2005/4069, o Diretor Relator Pedro Oliva Marcilio de Souza, sobre a mesma questão, também destacou:

“Outro ponto importante desse primeiro requisito é a necessidade de per-manência do poder. Em razão dele, vencer uma eleição ou preponderar em uma decisão não é sufi ciente. É necessário que esse acionista possa, juridicamente, fa-zer prevalecer sua vontade sempre que desejar (excluídas, por óbvio, as votações especiais entre acionistas sem direito a voto ou de determinada classe ou espécie,

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FGV DIREITO RIO 104

106 BORBA, José Edwaldo Tavares; Di-

reito Societário ; 10.ed. ver —Rio de

Janeiro: Renovar, 2007; pp.356 e 357.

107 EIZIRIK, Nelson; GAAL, Ariádna B.;

PARENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus

de Freitas; Mercado de Capitais —regi-

me jurídico. — Rio de Janeiro: renovar,

2008; pp.369.

ou mesmo a votação em conjunto de ações ordinárias e preferenciais, quando o estatuto estabelecer matérias específi cas)”.

Este entendimento defendido encontra consonância na doutrina nacional sobre o tema, a saber:

“[o controle] Trata-se de defi nição eminentemente centrada na realidade ma-terial, porquanto apenas considera controlador quem tem a maioria dos votos nas assembléias e, ao mesmo tempo, usa essa maioria para comandar a sociedade.

Quem tem a maioria e não a utiliza é sócio majoritário, mas não é contro-lador.

As maiorias eventuais também não caracterizam o controle, pois para tanto exige a lei um poder permanente. (...) O nível de presença mostrará a maioria necessária e, conseqüentemente, o titular do poder de controle.”106

“Já o controle compartilhado, confi gura-se quando, mesmo inexistindo um acionista majoritário, o poder de controle é exercido por várias pessoas em con-junto, usualmente como signatários de acordo de acionistas, que se obrigam a votar em bloco nas matérias atinentes ao exercício do poder de controle. Embora nenhum dos signatários do acordo detenham, individualmente, a maioria das ações votantes, a união das suas ações assegura o controle acionário, mediante o chamado bloco de controle.”107

O Conceito de Alienação de Controle Segundo Entendimento da CVM

Passado o conceito de controle, essencial para discutir-se a alienação dele, verifi ca-se o conceito da expressão “alienação de controle” segundo entendi-mento moderno da CVM.

É pacifi co no colegiado da CVM que, para incidir a obrigação legal de alienação de controle, é necessário que haja um controlador (uma única pes-soa ou conjunto de pessoas) que esteja passando o controle por ele possuído para terceiro investidor. É, preciso, assim, que o status quo de controlador pré-exista na vida cotidiana da companhia.

Tal questionamento foi diretamente tratado pelo Diretor Marcelo Trindade no curso do processo CVM RJ n.º 2007/7230, no qual se manifestou o Dire-tor: “O art. 254-A é explícito ao condicionar a OPA à ocorrência de uma alienação de controle, e, passe o truísmo, somente controladores podem alienar o controle.”

Por sua vez, a hipótese de exercício de controle em bloco, confi gurando sua alienação a incidência do art. 254-A LSA, foi tratada no âmbito do pro-cesso n.º 2007/7230, manifestando-se o Diretor Marcelo Trindade, in verbis:

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“Mas, na verdade, além da hipótese (por ora admitida) de consolidação do controle, há pelo menos uma outra situação em que um integrante do bloco de controle pode vender ações que isoladamente não asseguram o controle, e apesar disso o controle seja transferido. Trata-se da indisputada situação em que a alienação das ações integrantes do bloco de controle se dê em conjunto por di-versos integrantes do bloco, de modo que cada um aliene menos que 50%, mas em conjunto transfi ram ao adquirente mais que 50% das ações com voto (...) Sendo tal hipótese um caso indisputado de obrigação de realizar a OPA (pois os alienantes transferem em conjunto o controle que detêm em conjunto)”.

Pacifi cado no âmbito da CVM a necessidade de se realizar a OPA do art. 254 LSA quando alienado o controle pelo conjunto de acionistas que o exer-cem por meio de acordo de acionistas, restam três discussões sobre a OPA de alienação do controle quando ocorra a transferência de valores mobiliários de pessoas integrantes de acordo de acionista que garantam o controle, quais sejam: (i) quando um acionista integrante do acordo, mas que não predomi-na dentro deste, aliena sua participação a terceiro; (ii) quando um acionista integrante do acordo, que predomina dentro deste, aliena sua participação para terceiro; e (iii) quando um acionista integrante do acordo de acionista aliena sua participação para demais integrante do acordo que passa a, assim, deter sozinho o controle da companhia.

Sobre o primeiro tópico a CVM já se manifestou que não incide a ne-cessidade de OPA, posto que o acionista que não predomina no acordo de acionista passa longe de ter o controle da sociedade. Sobre o terceiro pon-to a CVM também já se manifestou no âmbito do processo CVM RJ n.º 2007/7230, já citado, chegando o Diretor Marcelo Trindade a concluir com o relator do caso, manifestando o seguinte entendimento:

“Concluir pela não obrigatoriedade de OPA em casos de consolidação do controle dentro do bloco não é, certamente, adotar a decisão mais simpática. E certamente este não é o voto que eu mais gostaria de dar. De lege ferenda, me parece que a alienação de participações relevantes, conforme percentual previsto em lei ou no Estatuto, deveria gerar a obrigação de estender as mesmas condi-ções aos demais acionistas, através da realização de OPA. Isto contribui para que o valor das ações de uma companhia aberta seja estabelecido pelo mercado de maneira mais adequada, sem prêmios ou descontos economicamente pouco justifi cáveis, decorrentes de direitos não expressos nos títulos, mas sim inerentes ao exercício do poder.

“Mas o fato é que, de lege lata, estou de acordo com a conclusão do voto do Diretor Relator, pela inexistência de alienação de controle, que só pode ser alie-nado por quem o detenha, o que, em casos de acordo de acionistas, signifi ca o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, como diz o art. 116 da Lei das

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S.A., e não um membro desse grupo que detenha menos que a maioria das ações com voto, ressalvada a análise do acordo de acionistas, que revele a preponderân-cia do subscritor alienante perante os demais.”

Sobre o segundo ponto, a CVM ainda não se prestou a analisar. Tal caso jamais bateu às portas da autarquia, solicitando desta seu entendimento. Marcelo Trindade, na citação acima, ressalvou este segundo ponto, esclare-cendo que chegada à hora, a CVM resguardará a devida análise para o caso. Tal hipótese ainda não apareceu. Acredita-se que se tal hipótese ocorrer o ponto essencial em debate será verifi car a existência de um acionista que detenha um quantum que garante ao mesmo a preponderância freqüente nas deliberações do acordo. Em havendo a presença deste percentual por um acionista, o mesmo controlará as deliberações do acordo, que, por sua vez, garante o quorum para decidir a vida social da Companhia. A par de tal opi-nião, espera-se o entendimento da CVM.

Portanto, resta claro que hipóteses em que a Companhia é pulverizada e um investidor adquire o controle mediante a compra das ações de uma enorme diversidade de acionistas, por não haver um controle pré-existente, não dão ensejo à aplicação da OPA prescrita no art. 254-A da LSA, nem a qualquer outra OPA legal ou prevista na esfera normativa da CVM.

Outro tema relevante diz respeito ao entendimento do Diretor da CVM, Pedro Oliva Marcilio de Souza, de que não é necessária a alienação de valores mobiliários que garantam o controle. Ocorre a OPA do art. 254-A também caso sejam transferidos, por quaisquer razões, direito políticos e econômicos que possibilitem o exercício do poder de controle, conforme se verifi ca no âmbito do mesmo processo acima mencionado. Segundo Pedro Oliva Mar-cilio de Souza:

“Esse signifi cado inclui, dentre as operações que dão causa à oferta pública, não só a alienação de ações agrupadas em sociedade holding, mas, também, a inclusão de acertos contratuais que impliquem a transferência dos direitos políti-cos e econômicos do valor mobiliário, sem a transferência da ação (a conferência de usufruto vitalício de voto e dividendos mediante contraprestação em dinheiro ou a celebração de acordo de acionistas, regulando voto e distribuição de divi-dendos, por exemplo), tenha esse acordo sido celebrado para se evitar a realizar a oferta pública ou mesmo com vistas a um outro fi m lícito. Como isso, para a aplicação do art. 254-A, se em uma operação não se verifi car a transferência de valores mobiliários que implique alienação de controle, deve-se analisar se essa alienação ocorreu de forma indireta (i.e., mediante acordos que resultem na transferência de poder político e econômico desses valores mobiliários).”

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FGV DIREITO RIO 107

Tal conclusão do Diretor é um tanto questionável diante da literalidade normativa da IN CVM 361, a saber:

Art. 29. §4o. Para os efeitos desta instrução, entende-se por alienação de con-trole a operação, ou o conjunto de operações, de alienação de valores mobiliários com direito a voto, ou neles conversíveis, ou de cessão onerosa de direitos de subscrição desses valores mobiliários, realizada pelo acionista controlador ou por pessoas integrantes do grupo de controle, pelas quais um terceiro, ou um con-junto de terceiros representando o mesmo interesse, adquira o poder de controle da companhia, como defi nido no art. 116 da Lei 6.404/76.

EDITAL DE AUDIÊNCIA PÚBLICA Nº 03/2009Prazo: 18 de maio de 2009A Comissão de Valores Mobiliários — CVM submete à audiência pública

minuta de parecer de orientação sobre disposições estatutárias que impõem aos acionistas que votarem favoravelmente à alteração ou à supressão de cláu-sula de proteção à dispersão acionária a obrigação de realizar a mesma oferta pública de aquisição de ações que se pretende alterar ou excluir do estatuto.

A minuta do parecer de orientação está disponível para os interessados na página da CVM na rede mundial de computadores (www.cvm.gov.br)

MARIA HELENA DOS SANTOS FERNANDES DE SANTANAPresidente

PARECER DE ORIENTAÇÃO Nº XXX, DE XX DE XXXXXX DE 2009.Disposições estatutárias que impõem ônus a acionistas que votarem fa-

voravelmente à supressão de cláusula de proteção à dispersão acionária. Nos últimos anos, os estatutos de diversas companhias passaram a conter cláusu-las de proteção à dispersão acionária que obrigam o investidor que adquirir determinado percentual das ações em circulação a realizar uma oferta pública de compra das ações remanescentes. Além disso, alguns estatutos incluem disposições acessórias a essas cláusulas, impondo um ônus substancial aos acionistas que votarem favoravelmente à supressão ou à alteração das cláusu-las, qual seja, a obrigação de realizar a oferta pública anteriormente previsa no estatuto. A CVM entende que a aplicação concreta dessas disposições acessórias não se compatiliza com diversos princípios e normas da legislação societária em vigor, em especial os previstos nos arts. 115, 121, 122, I, e 129 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976.

Por esse motivo, a CVM não aplicará penalidades, em processos admi-nistrativos sancionadores, aos acionistas que, nos termos da legislação em

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vigor, votarem pela supressão ou alteração da cláusula de proteção à disper-são acionária, ainda que não realizem a oferta pública prevista na disposição acessória.

Aprovado em reunião de XX de XXXXXX de 2009.MARIA HELENA DOS SANTOS FERNANDES DE SANTANAPresidente

E) GLOSSÁRIO

Whitemail. In economics, Whitemail is an anti-takeover arrangement in which the target company will sell signifi cantly discounted stock to a friendly third party. In return, the target company helps thwart takeover attempts, by raising the acquisition price of the raider, diluting the hostile bidder’s num-ber of shares, and increasing the aggregate stock holdings of the company. (Fonte: Wikipedia)

Standstill agreement. A standstill agreement is usually an instrument of a hostile takeover defense, in which an unfriendly bidder agrees to limit its holdings of a target fi rm. In many cases, the target fi rm is willing to purchase the potential raider’s shares at a premium price, thereby enacting a standstill or eliminating any takeover chance. By establishing this provision with the prospective acquirer, the target fi rm will have more time to build up other takeover defenses. (Fonte: Wikipedia)

Staggered Board of Directors. A staggered board of directors or classifi ed board is a practice governing the board of directors of a company, corpora-tion, or other organization in which the members of the board of directors are elected a few at a time, with diff erent groups of directors having overlap-ping multi-year terms, instead of en masse (where all directors have one-year terms). Each group of directors falls within a specifi ed “class”—e.g., Class I, Class II, etc.—hence the use of the term “classifi ed” board.

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108 O modelo australiano difere do mo-

delo inglês por ser um órgão federal,

sob os cuidados do Tesouro Nacional.

11. AULA 12: TAKEOVER PANEL

A) EMENTÁRIO DE TEMAS

Origem e contexto histórico do “Takeover Panel”. O “Takeover Panel” na Inglaterra. O funcionamento do modelo britânico. Possibilidade de uma versão brasileira sobre o “Takeover Panel” e suas características.

B) MATERIAL DE LEITURA

Leitura Básica

DAVIES, Gower and. Principles of Modern Company Law: London, Sweet & Maxwell, 2008, Eighth Edition, páginas. 961-1059.

Leitura Complementar

Pullinger, Anthony. THE UK TAKEOVER PANEL: A POSSIBLE MO-DEL FOR BRAZIL?: Texto do Seminário Internacional “Takeover Pa-nel e as incorporações no Brasil”, promovido pela AMEC no dia 09 de dezembro de 2009, em São Paulo

C) ROTEIRO DE AULA

O Takeover Panel se caracteriza como uma entidade de autorregulação para as operações de incorporação, fusões e aquisições. Já existem vários pa-íses que adotam essa entidade de autorregulação, sendo os maiores e mais famosos a Inglaterra e a Austrália. Analisaremos o modelo britânico por ser o pioneiro nessa iniciativa108.

O modelo britânico foi criado em 1968, com o intuito de organizar e criar regras para o mercado de fusões e aquisições. O número de litígios era cres-cente e as decisões resultantes destes eram insatisfatórias, gerando processos de longa duração, com alto custo e de resultados imprevisíveis. Esse contexto surgiu de três grandes problemas na estrutura jurídica do país. O primeiro, e de longa data, foi a falta de proteção que os acionistas minoritários tinham diante da lei de sociedades anônimas britânica com relação às empresas fami-liar. O segundo problema surgiu com a mudança dessa estrutura de controle em empresas familiar para um controle feito por investidores mais dispersos.

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109 Gower and Davies. Principles of Mo-

dern Company Law: London, Sweet &

Maxwell, 2008, Eighth Edition by Paul

L. Davies, p. 970-972.

A lei britânica se mostrou incapaz de garantir que administradores profi ssio-nais cuidassem dos interesses dos acionistas em uma tomada de controle. Por último, com a crescente tomada de controle hostil nos anos 50 e a explosão de práticas de tomada de controle nos anos 60, surgiram inúmeros casos de práticas abusivas e injustas. Esse cenário foi visto como uma ameaça aos inve-timentos no país, tornando-se necessária uma mudança no modelo vigente. Assim, foi criado um órgão dedicado às operações que envolvem transferên-cia de controle, o Takeover Panel. O Takeover Panel é um órgão não estatu-tário, independente do governo e de fi nanciamento próprio.

O Takeover Panel tem seis principais objetivos: a igualdade entre os acio-nistas e um tratamento justo entre eles, a prevenção de ações que possam frustrar ofertas, o estabelecimento de uma estrutura ordenada para as ofertas, o comprometimento dos ofertantes com as suas ofertas, o fornecimento de informações e conselhos sufi cientes e satisfatórios sobre a oferta em questão, e a manutenção de um mercado justo e honesto.

Tendo em vista esses objetivos, o Takeover Panel possui três poderes: ela-borar regras para o modo em que as ofertas serão feitas, interpretar essas regras em casos concretos, e determinar a apresentação de algum documento específi co ou de alguma informação específi ca nos casos concretos. “Th e main powers of the Panel are as follows. First, the Panel is given both an obligation and a Power to make rules to govern the conduct of bids. Th us, the legislation does not purport to discharge that rule-making function itself but requires or empowers the Panel to do so. […] Th e Panel is permitted to arrange for its rule-making power (and, indeed, any of its functions) to be discharged by a committee of the Panel, so that there can be a further stage of delegation efore the power to make rules is ac-tually exercised. […] Secondly, the Panel “may give rulings on the interpretation, application or eff ect of rules”. […] Th is is the Panel’s judicial function. Th irdly, the Panel may require a person by notice in writing to produce to it specifi ed do-cuments or to provide specifi ed information, where such disclosure is “reasonably required in connection with the exercise by the Panel of its functions”109.

A composição do órgão é simples. O quadro de membros é amplo e inclui investidores, profi ssionais e integrantes do mundo corporativo. Todos os ra-mos envolvidos em operações de tomadas de controle estão representados no órgão. Este é dividido em um Comitê de Ouvidoria, que se caracteriza pelo corpo de juízes responsáveis pelos recursos contra as decisões do executivo, e em um Comitê responsável pelo Código, que se caracteriza como o órgão legislativo do Takeover Panel, com o dever de criar e defi nir as regras. Além disso, há uma Junta de Apelação, que tem como função julgar os recursos contra as decisões do Comitê de Ouvidoria. “Th e composition of the Panel is to be found, not in legislation, but in the Code itself. It consists of a Chairman and up to two Deputy Chairman appointed by the Panel itself, up to a further 20 members appointed by the Panel and individuals appointed by representative

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

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110 Gower and Davies. Principles of Mo-

dern Company Law: London, Sweet &

Maxwell, 2008, Eighth Edition by Paul

L. Davies, p. 967.

111 Retirado do discurso “The UK Takeo-

ver Panel: A possible model for Brail?”

para o Seminário Internacional Takeo-

ver Panel e as incorporações no Brasil,

promovido pela AMEC no dia 09 de

dezembro de 2009 em São Paulo.

112 Gower and Davies. Principles of Mo-

dern Company Law: London, Sweet &

Maxwell, 2008, Eighth Edition by Paul

L. Davies, p. 973.

bodies of those involved in takeovers, such as the Association of British Insures, the National Association of Pension Funds, the Association of Investment Com-panies and other investor groups, the British Bankers’ Association and the London Investment Banking Association, the Institute of Charteres Accountants and the Confederation of British Industry.110”

O Takeover Panel funciona com um sistema baseado em princípios. Esse sistema é vantajoso porque amplia a capacidade de lidar com mudanças uma vez que o órgão não se preocupa em regular todo e qualquer caso específi co, pois os princípios nos quais são baseados são amplos e genéricos, podendo ser aplicados a qualquer situação. Houve, na história da Inglaterra, uma série de mudanças com as quais, devido a essa característica, o Takeover Panel conse-guiu lidar sem nenhum prejuízo à sua reputação e, pelo contrário, com refor-ço à sua autoridade. Além disso, esse sistema permite que sejam estabelecidos padrões elevados em suas regras, uma vez que pode conceder derrogações a estas regras nas situações onde operaria de forma excessiva ou de forma des-necessariamente restritiva ou onerosa.

Caso alguém viole as regras do Takeover panel, essa pessoa ou empresa está sujeita à censura do próprio órgão, pública ou privadamente. Essa con-seqüência, que a princípio parece ser branda, tem funcionado de modo efi caz na Inglaterra, uma vez que gera um dano à reputação da pessoa ou empre-sa. Segundo Anthony Pullinger, diretor geral do organismo na Inglaterra, as conseqüência podem ser ainda mais graves: “More rarely, the Panel may re-port a person’s conduct to other regulators or, exceptionally, “cold-shoulder” a person. If a person is “cold-shouldered” it means that authorised entities and other professionals are no longer able to act for the person concerned. Eff ectively they are “frozen out” of takeover activity, and denied the facilities of the securities markets, in the UK”111. Assim, as sanções previstas tem se mostrado sufi cientes para manter o alto nível de compliance das empresas às regras da entidade de autorregulação, porém, hoje em dia, já existem outras sanções caso alguém não cumpra as regras do órgão. Isso pode ser encontrado na seção 955 do Companies Act, conforme cita Gower and Davies: “Perhaps the strongest expression of the new policy of giving the Panel statutory sanctions is to be found in section 955 which confers upon the Panel a Power to apply to the court (High Court or Court of Session) where a person has contravened or is likely to contravene a requirement imposed by or under a Code rule or has failed to comply with a requirement […]. Th e court may then make such order will as it thinks fi t to secure compliance with the requirement, which order will be backed by the sanctions for contempt of court.” 112

Para minimizar o risco de inadimplemento das regras, há um órgão exe-cutivo que realiza a função de esclarecer às pessoas que são submetidas ao código de fusões e aquisições quais os requerimentos que serão aplicados para a sua situação específi ca. Vale ressaltar que esse procedimento pode ser

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FGV DIREITO RIO 112

113 Gower and Davies. Principles of Mo-

dern Company Law: London, Sweet &

Maxwell, 2008, Eighth Edition by Paul

L. Davies, p. 967.

114 Retirado do discurso “The UK Takeo-

ver Panel: A possible model for Brasil?”

feito por Anthony Pullinger, para o Se-

minário Internacional Takeover Panel e

as incorporações no Brasil, promovido

pela AMEC no dia 09 de dezembro de

2009 em São Paulo.

115 Gower and Davies. Principles of Mo-

dern Company Law: London, Sweet &

Maxwell, 2008, Eighth Edition by Paul

L. Davies, p. 967-968.

feito por iniciativa do próprio órgão ou pelas pessoas envolvidas na transação. Segundo Gower and Davies, “Th e Panel Executive gives rulings on the Code in the course of a bid, either on its own initiative or at the request of one or more parties to the bid113.” Dessa forma, Anthony Pullinger explicou em seu discur-so: “When a person or its advisers are in doubt whatsoever as to whether a pro-posed course of conduct is in accordance with the General Principles or the rules, or whenever a waiver or derogation from the application of the provisions of the Code is sought, that person or its advisers must consult the Executive in advance. In this way, they can obtains a conditional ruling (on na ex parte basis) or an unconditional ruling as to the basis on which they can properly proceed and thus minimise the risk of taking action which might, in the event, be a breach of the Code. To take legal or other Professional advice on the interpretation, application or eff ect of the Code is not an appropriate alternative to obtaining a ruling from the Executive”114. Assim, o executivo age, de maneira rápida e fl exível uma vez que estas são transações que ocorrem de modo veloz, antes do evento e das ações e não depois que eles já aconteceram. Funciona de forma preventiva. Essa decisão é obrigatória, desde que não seja feito recurso apelativo para o Comitê de Ouvidoria. Essa oitiva ocorre de maneira rápida e é raro aconte-cer. Ainda, a decisão do Comitê de Ouvidoria pode ser recorrida na Junta de Apelação, com a mesma rapidez da primeira apelação.

“Th e Hearing Committee was formerly known as the “Full Panel”. Th e Exe-cutive may require any appeal to the Hearing Committee to be lodged within a specifi c period, possibly a period as short as a few hours. Th e Hearing Committee normally sits in private and operates informally, but does issue public statements of its rulings. A party to the hearing before the Hearing Committee may appeal to the Takeover Appeal Board (formerly known as the “Appeal Committee”), nor-maly within two business days of receipt in writing of the ruling of the Hearing Committee. Th is is a rather wider right of appeal than existed previously when many appeals required leave of the Appeal Board. Th e Appeal Board is an inde-pendent body, whose chairman and deputy chairman, appointed by the Master of the Rolls, will usually have held high judicial offi ce and whose other member (normally four) are experienced in takeovers. Th e Appeal Board operates in a similar way to the Hearing Committee, including the publication of its decision. It may confi rm, vary, set aside or replace the ruling of the Hearing Committee.”115

Tendo em vista o sucesso da criação de uma entidade de autorregulação para as operações de fusões e aquisições, surgiu o debate sobre a possibili-dade da criação do mesmo para o mercado brasileiro. Debate este que co-meçou quando a presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Maria Helena Santana, levantou a questão. O estudo está sendo feito pela BM&FBOVESPA que contratou o jurista Nelson Eizirik, especialista em direito societário, para desenvolvê-lo. “O assunto, porém, ganhou força para seguir em frente por dois motivos, além da promoção do tema pela CVM.

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116 Retirado da matéria “Código para

fusões” por Graziella Valenti,do Jornal

Valor Econômico, do dia 01 de dezem-

bro de 2009.

117 Retirado da palestra “Visão brasileira

sobre Takeover Panel” de Nelson Eizirik

para o Seminário Internacional Takeo-

ver Panel e as incorporações no Brasil,

promovido pela AMEC no dia 09 de de-

zembro de 2009 em São Paulo.

O primeiro é a contínua sofi sticação do ambiente brasileiro de fusões e aqui-sições, com operações cada vez mais inusitadas para o país. O segundo é a revisão do regulamento do Novo Mercado, tema ao qual a possibilidade de criação de um comitê para fusões esteve inicialmente ligado. Foi assim que o debate foi transferido da Abrasca à BM&FBOVESPA”116.

O estudo desenvolvido pelo jurista, baseado no modelo inglês, visa defi nir o que seria necessário para a aplicação do órgão e as suas características no Brasil. A idéia é que seja também uma iniciativa privada e que funcione por adesão voluntária das empresas que, segundo Nelson Eizirik, serão apenas empresas do segmento especial da bolsa, diferente do que ocorre na Inglaterra que abrange todas as companhias abertas. Para ele, o modelo seria de autor-regulação voluntária, sem mudanças na Lei das S/A e na Lei 6.385/76, com a criação de um Código de Autorregulação de Fusões e Aquisições baseado em princípios e regras e de um Comitê de Fusões e Aquisições (CFA), composto por membros representantes das principais associações do mercado. As ope-rações que seriam submetidas ao Comitê são as operações de Oferta Pública de Aquisição (OPAs) para aquisição de controle ou decorrente da aquisição de controle e as operações de fusões e incorporações de companhias e de ações. O Comitê terá as funções de decidir os casos, com decisões incondi-cionais e condicionadas, com a constituição em cada caso de um comitê “ad hoc”, e a função de elaborar e revisar periodicamente o Código. Esse Comitê abrangerá as companhias listadas no Novo Mercado ou em segmento especial e quaisquer outras companhias que queiram ter uma decisão do CFA em seus processos de reestruturação societária. Além disso, os Pareceres de Orientação da CVM podem presumir à legalidade das operações realizadas de acordo com o Código e aprovadas pela CFA. 117

As sanções para aqueles que violarem as normas do Comitê são a censura, pública ou privada, a multa, a exclusão do mercado e a comunicação à CVM sobre o delito.

O estudo sobre o tema ainda é recente e ainda não está concluído. Porém, a discussão sobre a criação dessa entidade está cada vez mais importante e presente.

D) BIBLIOGRAFIA

• Gower and Davies. Principles of Modern Company Law: London, Sweet & Maxwell, 2008, Eighth Edition by Paul L. Davies, p. 961-1059.

• Discursos do Seminário Internacional “Takeover Panel e as incorpo-rações no Brasil”, promovido pela AMEC no dia 09 de dezembro de 2009, em São Paulo:

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§ “VISÃO BRASILEIRA SOBRE TAKEOVER PANEL”, Nelson Eizirik;

§ “THE UK TAKEOVER PANEL: A POSSIBLE MODEL FOR BRAZIL?”, Anthony Pullinger.

§ “Th e Australian Takeovers Panel”, Alan Shaw.• Matéria “Código para fusões”, por Graziella Valenti, Jornal Valor Eco-

nômico.• Site do Takeover Panel na Inglaterra: http://www.thetakeoverpanel.

org.uk/§ Th e Takeover Code§ General Principles and Rules§ Companies Act 2006, part 28 — TAKEOVERS ETC§ About the Panel

• Site do Takeover panel na Austrália: http://www.takeovers.gov.au/

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12. AULAS 13 E 14: GOVERNAÇA CORPORATIVA, OS INTERESSES FUNDAMENTAIS E AS QUESTÕES ÉTICAS.

A) EMENTÁRIO DE TEMAS

Os Interesses Fundamentais da S.A. A Governança Corporativa. O Com-bate A Fraude, Corrupção, Crime Econômico Internacional e Recuperação de Ativos

B) MATERIAL DE LEITURA

Leitura Básica

BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, pp 151-156.

KLOSE, Bernd H., Asset Tracing & Recovery Th e Fraudnet World Compen-dium. Berlin: Erich Schmidt Verlag Gmbh & Co., 2009. P. 327-341.

Leitura Complementar

NUNES, Marcelo Guedes. In: “Sociedade Anônima, 30 Anos da Lei 6.404/76”. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 88-117

C) ROTEIRO DE AULA

Os Interesses Fundamentais da S.A e a Governança Corporativa.

A Lei 6.404/76 determina, no parágrafo único do artigo 116, que o con-trolador deve usar o seu poder para “ fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunida-de em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.”

A Lei das Sociedades Anônimas prevê, portanto, os deveres e as respon-sabilidades dos acionistas, ao mesmo tempo em que determina quem são os destinatários dos interesses protegidos por ela: acionistas, empregados e comunidade.

A sociedade anônima deixa de ser um mero instrumento de produção de lucros para distribuição aos detentores do capital para elevar-se à condição de

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118 BORBA, José Edwaldo Tavares. Direi-

to Societário. Rio de Janeiro: Renovar,

2008, pp 151-152.

119 Idem.

120 Apud Luiz Alberto Colonna Palestra

proferida na IX Conferência dos Ad-

vogados do Estado do Rio de Janeiro

(19/05/2005) sobre GOVERNANÇA

CORPORATIVA.

instrumento destinada a exercer o seu objeto para atender aos interesses de 1) acionistas, 2) empregados e 3) comunidade. Esses três interesses devem, por conseguinte, conviver equilibradamente no âmbito da sociedade; as decisões tomadas terão, necessariamente, que considerá-los, a fi m de que nenhum deles seja sacrifi cado. 118

O acionista sempre foi considerado signifi cativo para a sociedade. A gran-de inovação trazida pela lei atual situa-se na consagração do empregado e da comunidade como merecedores desse mesmo nível de signifi cação. O acio-nista, aportando capital à sociedade, torna-se merecedor de uma administra-ção que adote as medidas conducentes a uma compensadora remuneração para o seu investimento. O empregado, emprestando sua força de trabalho à empresa, faz jus a uma administração que lhe garanta o emprego, bem como um padrão de vida adequado. A comunidade, vivendo em estreito relacio-namento com a empresa, merece desta não só a permanência naquele meio social, como igualmente a adoção de processos capazes de evitar danos ou prejuízos à população local e ao meio ambiente. 119

Parte do estudo dos interesses fundamentais trata do instituto da gover-nança corporativa e suas implicações práticas. Com os vários casos de fraude e corrupção no Brasil e no exterior, como os casos da Enron, Parmalat, e o escândalo fi nanceiro perpetrado por Bernard Madoff e outros, fi ca difícil achar um tema que seja mais atual e relevante.

O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, na terceira versão, re-visada e ampliada, do seu “Código Brasileiro das Melhores Práticas de Go-vernança Corporativa”, defi ne governança corporativa “como o sistema pelo qual as sociedades são dirigidas e monitoradas, envolvendo os relacionamen-tos entre acionistas/quotistas, conselho de administração, diretoria, auditoria independente e conselho fi scal. As boas práticas de governança corporativa têm a fi nalidade de aumentar o valor da sociedade, facilitar seu acesso ao ca-pital e contribuir para a sua perenidade.”120

Governança Corporativa. O Relatório a defi ne como o sistema com-posto de normas legais e regulamentares, de organização e de mecanismos contratuais necessários para proteger os interesses dos acionistas, limitando o comportamento oportunista dos seus administradores. Muitas companhias têm o capital pulverizado, o que impede um investidor de controlá-la isolada-mente ou de eleger a maioria dos membros do Conselho de Administração. Nessa situação, os mecanismos de “governança” buscam proteger o interesse de todos os investidores face aos administradores, cujos interesses não são necessariamente coincidentes com os da companhia e de seus acionistas. Em algumas circunstâncias, no entanto, um acionista (ou grupo deles) também pode comandar a sociedade. Na Parmalat, em que a família Tanzi controlava 51% de seu capital votante, os mecanismos de “governança” deveriam procu-

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121 Governança Corporativa e o Brasil,

Luiz Leonardo Cantidiano.

122 MULTI-JURISDICTIONAL CONCEALED

ASSET RECOVERY ‘Investigations’ Pre-

sented To: 2nd Meeting of Fraudnet,

Hammonds, Madrid, 25 February,

2005. Martin S. Kenney.

123 Idem.

124 Idem.

rar evitar que o detentor do controle majoritário dirigisse a companhia para explorar os acionistas minoritários.121

Combate à fraude, corrupção e recuperação de ativos.

INTRODUÇÃO

Etimologia da palavra “corrupção”. Corrupção deriva do latim corrup-tus que, numa primeira acepção, signifi ca quebrado em pedaços e, numa segunda acepção, apodrecido, pútrido. Por conseguinte, o verbo corromper signifi ca tornar pútrido, podre.122

Conceito de corrupção: Forma de comportamento que se distancia da ética, moralidade, tradição, lei e virtude cívica. A Transparência Internacional é uma organização não governamental fundada na Alemanha que tem como missão criar mudanças de comportamento que levem a um mundo livre de corrupção. Ela possui atualmente escritórios distribuídos em 90 países do planeta. Defi nição — “the misuse of entrusted power for private gain” — (“o mal uso do poder confi ado para ganho privado”).

Defi nição ampla: “corrupção política signifi ca o uso ilegal, por parte de governantes, funcionários públicos e agentes privados — do poder político e fi nanceiro de organismos ou agências governamentais com o objetivo de transferir renda pública ou privada de maneira criminosa para determinados indivíduos ou grupos de indivíduos ligados por quaisquer laços de interesse comum — como, por exemplo, negócios, localidade de moradia, etnia ou de fé religiosa.” (fonte Wilkipedia).

Não há uma defi nição universalmente aceita de corrupção e sua percep-ção varia de uma a outra cultura. Corrupção inclui os seguintes comporta-mentos: confl ito de interesse, apropriação indébita, fraude, corrupção ativa e passiva (suborno), organização criminosa com o fi m de realizar corrupção continuada, corrupção política, nepotismo, sectarismo e extorsão.123

O Banco Mundial afi rma que são pagos anualmente no mundo todo em forma de “subornos” um total de US$ 80 Bilhões (trata-se de um número obscuro que não pode ser confi rmado de forma empírica). Este valor pode ser somente a ponta de um iceberg.

Corrupção em larga escala (“grand corruption”) são os casos de riqueza patrimonial maciça que é adquirida de Estados por ofi ciais públicos gradu-ados incluindo: a) a escala de riqueza adquirida de forma corrupta; e, b) a graduação dos ofi ciais envolvidos.124

Apropriação indébita e malversação de ativos do estado são as atividades envolvidas em corrupção.

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125 Idem.

126 On 21 November 1997, OECD Mem-

ber countries and fi ve non-member

countries, Argentina, Brazil, Bulgaria,

Chile and the Slovak Republic, adopted

a Convention on Combating Bribery of

Foreign Public Offi cials in International

Business Transactions. The signing of

the Convention took place in Paris on 17

December 1997.

A Sociedade para Avanço de Estudos Legais descreveu “grand corruption”: “Nós usamos o termo ‘grand corruption’ para descrever casos nos quais ri-queza patrimonial maciça é adquirida dos Estados por ofi ciais públicos gra-duados utilizando-se de meios corruptos. Portanto os fatores que distinguem a ‘grand corruption’ são a escala da riqueza adquirida pelos meios corruptos e a graduação do funcionário/político envolvido. Esta defi nição é bastante diferençável da corrupção pequena, “bola” suborno e não há um patamar arbitrário para determinar o valor envolvido.”

A corrupção em larga escala (“grand corruption”) é também conhecida como kleptocracia. Independente da classifi cação, a corrupção é uma pre-ocupação global. Kleptocracia representa uma ameaça a boa governança e a regra da lei.

A questão se torna muito mais complexa e relevante quando a corrupção se manifesta a um nível de kleptocracia internacional.

Países que precisam lidar com este problema em uma escala maior enca-ram grandes desafi os.

O que pode fazer um país se os ativos decorrentes de “grand corruption” que ocorreu em outro local são encontrados em seus território?

A quem poderá ser feito um suspicios transaction report (SAR)?A quem e para onde serão repatriados estes ativos?E quanto à lei de imunidade de soberania estrangeira?Como pode um sistema robusto de combate à lavagem de dinheiro ser efi -

cientemente aplicado contra bancos ou outros detentores provisórios dos ativos?E quanto a culturas em que com o tempo foi enraizado um alto grau de

tolerância por corrupção?À primeira vista, o problema se apresenta tão complicado que parece im-

possível de resolver. Não obstante, várias leis e conversões internacionais de combate à corrupção foram implementadas. 125

O Brasil é signatário das seguintes convenções internacionais, que facili-tam o combate a fraude:

a) A “Convention on Combating Bribery of Foreign Public Ofi cials” — Convenção de Combate a Suborno de Ofi ciais Públicos Estrangeiros nas Transações Negociais Internacionais (OECD — Organization for Economic Cooperation and Development — Organização para Cooperação e Desen-volvimento Econômico126

b) A “Inter American Convention Against Corruption adopted by the Organization of American States” — Convenção OEA — Convenção contra a Corrupção da Organização dos Estados Americanos — OEA

Além desses existe a “Criminal Law Convention Against Corruption of the Council of Europe”. “Th e African Union’s Anti Corruption Conven-tion”. A “United Nations Convention Against Corruption (the “UNCAC”).

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127 Entrevista do Ministro Gilson Dipp

falando no I Simpósio Internacional

Sobre Prevenção e Combate à Lavagem

de Dinheiro.

Além de estabelecer novos padrões internacionais para estados membros, cada convenção inclui regras que facilitam investigações entre países e apli-cação das convenções, que está sempre sujeita a cooperação internacional e vontade política. Muitas vezes, as convenções são menos aplicadas que as legislações. Não obstante, convenções internacionais de anticorrupção repre-sentam diretrizes ambiciosas para regular um problema em que não há/havia regras ou aplicação de regras anticorrupção.

Crimes Contra o Sistema Financeiro e Lavagem de Dinheiro

Lei 9.613/98 — Lei de Lavagem de DinheiroResulta do compromisso assumido pelo Brasil com a comunidade interna-

cional ao fi rmar a Convenção contra o Tráfi co Ilícito de Entorpecentes e de Substancias Psicotrópicas — Convenção de Viena — de 20.12.88, referen-dada pelo Brasil em 1991.

Em 1990, Conselho da Europa aprovou a Convenção sobre Lavagem, Identifi cação, Embargo e Confi sco de Bens derivados de Crime. Neste ano foi publicada a diretiva sobre prevenção da utilização do sistema fi nanceiro para lavagem de dinheiro.

A lavagem de dinheiro e os crimes a ela correlatos tornaram-se ultima-mente delitos que extrapolam regiões ou países. Exteriorizam-se além das fronteiras nacionais. Desestruturam o sistema fi nanceiro. Comprometem a atividade econômica e minam as políticas sociais.

A lavagem de dinheiro não está distante de nossa realidade.O combate à lavagem de dinheiro no Brasil é uma atividade recente e, por

isso conta com pouca experiência acumulada.. É necessária ampla atividade de capacitação e especialização pois cada dia criam-se novas formas de prática deste ilícito. São crimes de grande sofi sticação e complexidade, exigindo pre-paro permanente dos órgãos incumbidos da aplicação da lei.127

Cada órgão, seja de fi scalização, inteligência fi nanceira, persecução penal, detém apenas uma parcela do conhecimento necessário.

Complexidade da matéria exige um trabalho descentralizado, integrado, com ampla troca de informações, compartilhando os conhecimentos e técni-cas para a consecução dos objetivos perseguidos.

A cooperação interna entre os órgãos institucionais é essencialA escalada do crime organizado no país está diretamente ligada ao crescen-

te poder econômico obtido pelas diversas associações criminosasA lavagem de dinheiro é uma atividade obrigatória dessa criminalidade, fi -

nanciando-a e realimentando-a. É prática geralmente complexa, envolvendo inúmeras transações que são utilizadas para ocultar a origem dos ativos fi nan-ceiros e permitir que sejam usados sem o comprometimento dos criminosos.

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128 TIGRE MAIA, Rodolfo. Lavagem de

dinheiro (lavagem de ativos provenien-

tes de crime). Anotações às disposições

criminais da Lei 9.613/98. São Paulo. 2ª

ed.Malheiros, 2007. pp. 37-43.

129 Idem.

A cooperação internacional torna-se imprescindível para a elucidação des-tes crimes. Os meios tradicionais de cooperação internacional, como a entre os quais a carta rogatória, têm mostrado inadequados e inefi cientes para a obtenção de medidas efi cazes, como o bloqueio de ativos fi nanceiros.

O Conselho da Justiça Federal editou Resolução especializando Varas Fe-derais Criminais para o processamento e julgamento de crimes contra o sis-tema fi nanceiro e lavagem de dinheiro e os TRFs as implementaram. Atual-mente, estão localizadas nas principais capitais brasileiras, com competência territorial sobre toda a Seção Judiciária.

Na segunda avaliação mútua da República Federativa do Brasil, no âmbito do Grupo de Ação Financeira Contra a Lavagem de Dinheiro (GAFI-FATF), a criação de varas especializadas foi motivo de avaliação mais positiva.

Importância de se garantir também os direitos e garantias individuais constitucionalmente garantidas, bem como aspectos que envolvem a ordem pública e o interesse social.

Aplicação de acordos internacionais, pedidos de ação controlada, bloqueio de ativos, quebra de sigilo fi scal e bancário, de interceptação telefônica e ambiental, de delação premiada, de infi ltração de agente policial ou de inte-ligência em organizações criminosas etc são objeto de estudos destes juízes.

O desafi o do juiz criminal é manter um ponto de equilíbrio entre a preser-vação do direito ao sigilo, à intimidade e o interesse social.

Conceito de Lavagem de dinheiro

É uma atividade que consiste na desvinculação ou afastamento do dinhei-ro da sua origem ilícita para que possa ser aproveitado.

Lavagem de dinheiro é defi nida como: O conjunto complexo de operações, integrado pelas etapas de Conversão (“placement”); Dissimulação (“layering”) e, Integração (“integration”) de bens, direitos e valores, que tem por fi nalidade tornar legítimos ativos oriundos da prática de atos ilícitos penais.128

A primeira fase é a de colocação (“placement”), ocultação ou conversão. Consiste na separação física do dinheiro dos autores do crime, sem ocultação da identidade dos titulares.

A segunda fase é conhecida como dissimulação ou circulação (ensom-brecimento, “layering”). Multiplicam-se as transações anteriores com várias transferências com cabo (wire transfer) através de muitas empresas e contas, de modo a que se perca a trilha do dinheiro (paper trail), constituindo-se na lavagem propriamente dita. 129

Objetivo da lavagem. Fazer com que não se possa identifi car a origem ilícita.

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D) TEXTOS DE APOIO

GOVERNANÇA CORPORATIVA (Palestra proferida na IX Conferên-cia dos Advogados do Estado do Rio de Janeiro (19/05/2005))

Luiz Alberto Colonna Rosman— Advogado no Rio de Janeiro — sócio de “Bulhões Pedreira, Bulhões Carvalho, Piva, Rosman e Souza Leão Advogados”

Governança Corporativa é a expressão com que se procura designar o sis-tema, ou conjunto de regras, pelo qual as companhias são dirigidas e con-troladas. Até há 10 anos atrás, a expressão era praticamente desconhecida no Brasil. Hoje, em um ambiente de economia globalizada, em que, cada vez mais, tanto empresas brasileiras vão buscar recursos em mercados de capi-tais estrangeiros, principalmente o americano, quanto investidores externos e empresas multinacionais aplicam recursos na economia brasileira, a expressão se tornou de uso corrente.

Mas o que, mais concretamente, vem a ser “governança corporativa”? Como bem sintetizado por Aline de Menezes Santos, em interessante traba-lho “Refl exões sobre a Governança Corporativa no Brasil” (Revista de Direito Mercantil nº 130, pp. 180/206), a “governança corporativa diz respeito a um conjunto de instrumentos públicos e privados, incluindo leis, regulamentos e práticas comerciais que organizam e comandam a relação, numa econo-mia de mercado, entre os controladores e administradores de uma empresa, de um lado, e aqueles que nela investem recursos, de outro”. O conjunto de pessoas que investe recursos em empresas abrange tanto os investidores em participações societárias (os acionistas ou sócios), como os provedores de capital fi nanceiro (os debenturistas e outros tipos de credores em geral), os prestadores de serviços (como empregados e consultores) e ainda pessoas provedoras de outros fatores de produção necessários à atividade da empresa.

O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, na terceira versão, re-visada e ampliada, do seu “Código Brasileiro das Melhores Práticas de Go-vernança Corporativa”, defi ne governança corporativa “como o sistema pelo qual as sociedades são dirigidas e monitoradas, envolvendo os relacionamen-tos entre acionistas/quotistas, conselho de administração, diretoria, auditoria independente e conselho fi scal. As boas práticas de governança corporativa têm a fi nalidade de aumentar o valor da sociedade, facilitar seu acesso ao ca-pital e contribuir para a sua perenidade.”

O termo “governança corporativa” é tradução literal e ruim da expressão inglesa equivalente “corporate governance”. “Corporate” vem de “corpora-tion”, que em português se pode traduzir por companhia ou sociedade. “Go-vernance” tem a ver com governo ou sistema de administração. Conforme bem destacado pelo professor Arnold Wald, em artigo que escreveu sobre o

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tema (“O Governo das Empresas”, Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem nº 15, pp. 53 a 78), seria mais adequado usar a expressão “governo das empresas” ou “governo das sociedades”, que são expressões mais correntes nos países de língua latina, nos quais a palavra “corporação” tem, não o sentido de sociedade anônima ou companhia, mas, o de associação profi ssional ou de classe. Consoante acentuado pelo profes-sor Wald, “os adjetivos corporativo e corporativista têm sentido pejorativo, dando idéia de prevalência de interesses de um grupo ou de uma classe. Ao contrário desta noção, o termo “governo das empresas” pretende denominar a renovação da entidade, atendendo aos interesses de todos aqueles que a integram ou com ela colaboram”. Entretanto, a prática consagrou a expressão governança corporativa, e assim, democraticamente, a ela nos rendemos.

Para bem compreender a importância e o signifi cado dos princípios que formam o sistema da governança corporativa, é essencial ter presente as ori-gens do movimento e o ambiente econômico-jurídico em que se desenvolve-ram suas regras como hoje conhecidas e divulgadas.

O movimento da governança corporativa teve início nos Estados Unidos, como reação ao desenvolvimento das grandes companhias americanas, nas quais, em razão da pulverização do capital, que era detido fragmentariamen-te por milhares de acionistas, se confi gurou uma crescente separação entre a propriedade da companhia e sua gestão ou controle. O mais infl uente estudo desta realidade econômico-jurídica foi feito pelos americanos Adolf Berle e Gardiner Means, que, em seu clássico livro “A Moderna Companhia e a Pro-priedade Privada”, escrito em 1932, analisaram detidamente a estrutura de poder das grandes corporações americanas, e demonstraram haver uma clara separação entre a propriedade do capital e o controle e a gestão da empresa, os dois últimos a cargo dos administradores executivos, os quais, por agir com grande autonomia, estabeleciam as políticas e metas de desenvolvimento da empresa que, muitas vezes, não correspondiam aos melhores interesses dos donos do capital, os acionistas, mas aos interesses deles, os executivos.

A grande dispersão na propriedade das ações tornava os acionistas de-sinteressados em participar das assembléias gerais, estando boa parte deles plenamente satisfeita em outorgar procurações aos executivos da compa-nhia, que, dessa forma, garantiam sua manutenção nos cargos e a eleição para o Board of Directors (análogo ao nosso conselho de administração) de pessoas a eles vinculadas, e que não poriam em risco a manutenção do poder de controle em suas mãos. Como as quantidades de ações detidas pelos acionistas individualmente eram pequenas, aqueles que não estavam satisfeitos com a administração, ao invés de se organizarem para reclamar e exigir seus direitos, simplesmente desfaziam-se das ações, passando a apli-car seus recursos em outro ativo fi nanceiro ou em ações de companhias que julgavam melhor administradas.

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Essa dissociação entre a propriedade do capital e a gestão da empresa é analisada na economia sob o nome de “teoria da agência”, que, entre outras questões, analisa os confl itos de interesse entre quem tem a pro-priedade (o acionista) e quem tem o controle da organização (o agente ou administrador). Segundo ressaltou Adrian Cadbury (“Corporate Gover-nance and Chairmanship — A Personal View”, Oxford University Press, 2002), esse problema de agência nas sociedades por ações já havia chama-do atenção de Adam Smith que, em seu livro “A Riqueza das Nações”, faz o seguinte comentário:

“Os diretores de tais companhias pelo fato de serem administradores mais do dinheiro de outras pessoas do que do próprio deles não se pode esperar que zelem pelo negócio com a mesma vigilância atenta com a qual os sócios em uma sociedade privada freqüentemente zelam por seus próprios interesses (....). Negligência e esbanjamento, dessa forma, deverão frequentemente pre-dominar na administração dos negócios de tais companhias.”

Após a transcrição desse trecho, Cadbury comenta que “o problema de agência que Adam Smith identifi cou tem sido e continua a ser objeto de exaustivos estudos, porque ele é inerente à relação entre os provedores de capital e seus agentes, que põem este capital em uso, ou em outras palavras, entre acionistas e conselhos de administração. (.....) Hoje em dia, a atenção é muito mais focada nos conselheiros e diretores executivos que atuam na busca dos próprios interesses, como, por exemplo, pelo reinvestimento na expansão de seus impérios ao invés de aumentar o retorno dos acionistas, do que na negligência e esbanjamento — nada obstante essas atitudes indevidas ainda continuem a ocorrer.” (ob. cit., p.4)

Conforme assinala o mesmo Cadbury, em termos de exercício do poder de controle, é a diretoria executiva que, no período entre as duas guerras mun-diais, estava no comando, tanto na Inglaterra, como nos Estados Unidos. Considerando que os conselhos de administração eram relativamente fracos, o fato de os acionistas não estarem em posição de exercer controle sobre os administradores e, em conseqüência, sem condições de deles exigir a devida prestação de contas, levou a que a questão da governança corporativa não tivesse, naquela época, o desenvolvimento que poderia ter tido.

Posteriormente, essa situação foi-se modifi cando por uma série de fato-res, dentre os quais é importante destacar dois principais: o primeiro é a entrada em cena, de forma cada vez mais acentuada, dos fundos de pensão e dos fundos de investimentos em ações, que passaram a substituir as pesso-as físicas, que eram individualmente os acionistas das grandes companhias. Essa mudança de investidores pessoas físicas, com pequenas participações no capital das grandes companhias americanas, por investidores institucionais e coletivos, com melhor organização e participação mais relevante no capital das empresas, e, em decorrência, mais aptos e incentivados para acompanhar

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e fi scalizar a administração das sociedades, deu aos proprietários do capital maior poder de barganha, na medida em que os administradores executivos passaram a ter que lidar com acionistas mais preparados, titulares de maiores parcelas do capital social e com os quais tinham que compor para continua-rem a se manter em seus cargos.

O maior ativismo por parte dos investidores, agora reunidos em fundos de ação ou fundos de pensão, aumentou a pressão sobre os legisladores, mo-tivando — no início de forma tímida e, posteriormente, de forma mais in-cisiva — a edição de novas regras no sentido de aumentar a transparência e freqüência das informações prestadas aos acionistas, melhorias no sistema de fi scalização, com a introdução dos comitês de auditoria formados exclusiva-mente por administradores independentes dos executivos, propiciando uma mais efetiva e abrangente prestação de contas por parte dos administradores. As Bolsas de Valores passaram, paulatinamente, a exigir das companhias o cumprimento de uma série de requisitos mínimos de divulgação de informa-ções e transparência nos dados relativos às demonstrações fi nanceiras, para dar aos acionistas melhor conhecimento tanto da situação fi nanceira da com-panhia como das suas perspectivas de rentabilidade futura. Em 1977, por exemplo, a Securities and Exchange Comission — SEC aprovou a decisão da Bolsa de Nova Yorque de passar a exigir que todas as companhias americanas listadas deveriam instituir comitês de auditoria formados exclusivamente por conselheiros externos e independentes.

O segundo fator importante, na mudança de atitude dos administradores das grandes companhias no sentido da adoção de práticas mais afi nadas com os interesses dos acionistas, foi a revolução causada pelas chamadas toma-das de controle hostis, que passaram a ser realizadas com maior freqüência a partir dos anos 80. Desenvolveu-se no mercado a percepção de que de-terminadas companhias poderiam ter rentabilidade muito melhor com uma administração mais competente, daí gerando a motivação econômica para a reunião de capitais com endividamento fi nanceiro, para a formulação de oferta pública para aquisição do controle da companhia por determinado grupo de investidores que passaria a administrar a sociedade, diretamente ou através de pessoas capazes de sua confi ança. O efeito benéfi co era de duas ordens: com nova administração mais efi ciente, os recursos da companhia seriam utilizados de forma mais rentável, em benefício não só do pagamento das dívidas contraídas para a tomada do controle, como dos novos acionistas. Além disso, a percepção do mercado de que a companhia passaria a ser gerida de forma mais efi ciente permitia o lançamento de novas ações, com preços de emissão mais altos. A reação dos administradores das grandes companhias às tomadas de controle hostis não se demorou a fazer, principalmente através de inserção nos estatutos das companhias e em contratos com os administra-dores de cláusulas — conhecidas como “poison pills” ou “golden parachute”

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— que encareciam grandemente a tomada hostil do controle, ao criar a obri-gação de pagamento de vultosas indenizações aos administradores em caso de demissão, o que acabou por tornar a tomada do controle hostil uma operação cara e inefi ciente.

A concentração de porções cada vez maiores do capital das grandes com-panhias americanas e inglesas nas mãos de investidores institucionais e, por-que não dizer, o medo dos administradores de perderem seus cargos, levou, naturalmente, ao entendimento entre as partes no sentido de um maior alinhamento entre os interesses dos acionistas e dos administradores das companhias, por meio da adoção, de forma cada vez mais efetiva, de me-lhores práticas de administração e de relacionamento da companhia com os acionistas, especialmente na apresentação das demonstrações fi nanceiras e na divulgação de políticas estratégicas de desenvolvimento da empresa, mais abrangente prestação de contas dos administradores, tudo visando a tornar a empresa mais atrativa a seus investidores e mais alinhada aos seus interesses.

Nos últimos 30 anos uma série de fatores tem contribuído decididamente como catalizador do movimento da governança corporativa, com o objetivo de atrair poupanças populares para investimento em empresas produtivas, com segurança para os investidores, transparência na prestação de informa-ções e alinhamento mais robusto entre os interesses de acionistas, como titu-lares do capital, e de administradores, como gestores do capital de terceiros. Dentre esses fatores, como bem sumariado por Aline de Menezes Santos, no trabalho a que antes me referi, podem ser destacados os seguintes: (a) “a glo-balização fi nanceira, com livre e rápida circulação de capitais entre fronteiras; (b) a diminuição das barreiras comerciais entre países que levam as empresas a enfrentar competição em nível global, aumentando as necessidades de fi -nanciamento e capitalização; (c) falhas e escândalos em grandes empresas que expuseram a necessidade de se aperfeiçoar os mecanismos de monitoramento e despertaram a atenção para quem controla a empresa ; (d) movimento de privatizações em massa ao redor do mundo, com os Estados deixando de atuar diretamente, como agentes econômicos; (e) ascensão dos investidores institucionais cada vez mais preocupados com retornos sobre seus investi-mentos, que consistirão nas rendas futuras de milhares de aposentados”. (ob. cit. p.186)

Essas são as razões básicas, de cunho macroeconômico, que levaram diver-sos governos, organismos e instituições internacionais a aplicar seus esforços e recursos no estabelecimento de princípios, regras e padrões de compor-tamento que deveriam pautar as relações entre os investidores e as grandes companhias.

Os investidores institucionais, preocupados com a rentabilidade de seus investimentos em ações, passaram a privilegiar a aplicação de recursos em empresas que adotassem práticas sadias de governança corporativa. Em dife-

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rentes países, inclusive no Brasil, organizaram-se grupos de trabalho para re-dação de códigos e conjuntos de normas estabelecendo princípios que, além das normas jurídicas que regulam o funcionamento das sociedades, deveriam ser adotados e praticados pelas companhias para maior transparência na di-vulgação de informações, alinhamento dos interesses dos acionistas aos dos administradores, inclusive, e especialmente, no que se refere à sua remune-ração, que deveria estar preferencialmente atrelada à rentabilidade da empre-sa — e, portanto, ao retorno propiciado aos acionistas — dando-se, ainda, destaque à lealdade e à responsabilidade dos administradores, com aprimora-mento do sistema de prestação de contas de sua gestão.

Há, atualmente, um consenso sobre a relação entre a capacidade das em-presas, ou mesmo de países, de atrair investimentos e as estruturas que ado-tam de governança corporativa, especialmente no que se refere à proteção dos investidores e acionistas minoritários. Existem vários estudos e exemplos práticos que mostram estarem os investidores dispostos a pagar mais caro pelas ações de empresas que adotam as melhores práticas de administração e transparência na divulgação de informações. Há um conhecido estudo da empresa de consultoria McKinsey no qual se apurou que os investidores esta-riam dispostos a pagar entre 18% e 28% a mais pelas ações de empresas que praticam as principais regras de governança corporativa.

O tema da governança corporativa é hoje uma realidade no cenário bra-sileiro. Várias de nossas maiores companhias abertas que têm ações negocia-das no mercado americano já vêm, há vários anos, intensifi cando a adoção de padrões de conduta em sintonia com as sugestões dos diversos códigos existentes de melhores práticas de governança corporativa, destacando-se, dentre eles, o que é publicado pelo Instituto Brasileiro de Governança Cor-porativa. Esta situação é fruto de notáveis mudanças que ocorreram no ce-nário econômico brasileiro a partir de 1994, quando, após o Plano Real, fi nalmente conseguimos alcançar uma estabilidade monetária, tendo sido complementarmente adotadas várias medidas que propiciaram a abertura da economia brasileira, com maior rapidez e mobilidade dos fl uxos de capital do e para o exterior.

Outra mudança fundamental foi a redefi nição do papel do Estado na eco-nomia, que deixou de atuar como agente econômico, privatizando o con-trole de várias e importantes companhias nas áreas de siderurgia, telefonia e energia elétrica. Como subproduto do processo de privatização, surgiram no mercado brasileiro — até então dominado por companhias controladas basicamente por grupos familiares — empresas com controle compartilhado, formado pelos integrantes dos consórcios vencedores nos leilões de privatiza-ção, que se organizavam em grupo de controle através de acordos de acionis-tas. Para expansão de suas atividades e enfrentar a concorrência das empre-sas estrangeiras, as companhias brasileiras precisam de recursos fi nanceiros a

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custos competitivos. O recurso fi nanceiro mais barato é obtido pela emissão de ações, mas, para sua obtenção, seria necessário que as empresas brasilei-ras se adaptassem para atender as exigências e expectativas dos investidores institucionais, no Brasil e no exterior. Muitas empresas brasileiras passaram, a partir dos anos 80, a fazer o lançamento de ações no mercado americano, através da emissão de ADR´s, e para cumprir as exigências da legislação e dos investidores americanos, tiveram de adotar estruturas de administração e po-líticas de divulgação de informações que se adequassem às melhores práticas de governança corporativa.

Há muitos anos que se vem tentando desenvolver e incentivar o mercado de capitais no Brasil, de forma a que possa cumprir seu papel como alternativa de fi nanciamento de longo prazo para as empresas. No Brasil, com o endivida-mento público retirando boa parte da poupança privada — que praticamente se vê compelida a aplicar nos papéis do Tesouro, com baixo risco e alta remu-neração — a tarefa de desenvolvimento do mercado de capitais tem sido es-pinhosa. Trata-se, porém, de mecanismo absolutamente essencial a garantir às nossas empresas desenvolvimento equilibrado e condições competitivas com os concorrentes estrangeiros. Como salientado pela CVM, em material de divulgação institucional, “o grau de proteção aos investidores é fator determi-nante no desenvolvimento do mercado de capitais. Quando a lei oferece pro-teção efetiva, os investidores estão mais dispostos a fi nanciar as companhias e o mercado de capitais é maior e mais valorizado. Quanto maior a proteção aos investidores, maior será o preço que eles estarão dispostos a pagar pelas ações porque, com maior proteção, estes reconhecem que o retorno das companhias também será usufruído por eles, tanto quanto pelos controladores; isto permi-te aos empresários fi nanciar seus empreendimentos, fazendo do mercado de capitais uma real alternativa de capitalização das empresas”.

Neste sentido, uma série de iniciativas importantes foram tomadas nos úl-timos anos. A Bolsa de Valores de São Paulo instituiu, em dezembro de 2000, os Níveis 1 e 2 de práticas diferenciadas de governança corporativa e o Novo Mercado, como segmentos de negociação de ações de companhias abertas destinados a sociedades comprometidas com a observância voluntária de cer-tos padrões de governança corporativa. Conforme destacado em material de divulgação, “a adoção de práticas diferenciadas de governança corporativa, com a ampliação do rol de direitos de acionistas minoritários e o incremento na qualidade das informações divulgadas, geram efeitos positivos para a ima-gem da companhia, estimulam a liquidez e melhoram a precifi cação das suas ações, gerando benefícios para os acionistas e para o mercado em geral”. De-pendendo do grau de compromisso assumido pela empresa relativamente às práticas de boa governança que pretende adotar, as suas ações são listadas nos Níveis 1 ou 2, ou no Novo Mercado. O chamado Novo Mercado é o patamar mais alto de adoção de práticas de governança corporativa, dentre as quais se

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destacam as seguintes: (a) emissão exclusivamente de ações ordinárias, tendo todos os acionistas direito a voto; (b) manutenção em circulação de ações representativas de ao menos 25% do capital social; (c) realização de ofertas públicas de colocação de ações por meio de mecanismos que favoreçam a dispersão do capital; (d) extensão a todos os acionistas das condições obtidas pelo controlador em caso de venda do bloco de controle; (e) conselho de administração com mandato de um ano para todos os membros; (f ) demons-trações fi nanceiras com adoção das normas internacionais de contabilidade e introdução de melhorias nas informações prestadas trimestralmente.

O Governo Federal, por meio de seus órgãos e agências, tem estimulado a adoção pelas companhias das práticas de governança corporativa com uma série de medidas, dentre as quais se pode destacar: (a) a atuação do BNDES, que tem propiciado fi nanciamentos com taxas de juros mais vantajosas para as empresas que se obriguem a, dentro de determinado prazo, abrir seu capital com listagem de suas ações no Novo Mercado; e (b) o Conselho Monetário Nacional aprovou a Resolução nº 2.829, de 6 de abril de 2001, que permite às entidades fechadas de previdência privada investir percentual maior de re-cursos em ações emitidas por companhias que observem as melhores práticas de governança corporativa; (c) em 2002, a CVM lançou a sua “Cartilha de governança corporativa”, com indicação de que passará a exigir a inclusão nas informações anuais das companhias abertas de indicação do nível de adesão às práticas recomendadas, na forma “pratique ou explique”, isto é, ao não adotar uma recomendação, a companhia deverá explicar as razões.

No âmbito legislativo, a Lei nº 10.303, de 2001, introduziu uma série de modifi cações na Lei das Sociedades Anônimas cujo principal objetivo foi fortalecer o mercado de capitais brasileiro e acentuar a proteção do acionista minoritário. Dentre os aperfeiçoamentos trazidos pela lei, vale destacar os seguintes: (a) aumento da proteção a acionista minoritário no fechamento do capital de companhias abertas; (b) estabelecimento de vantagens fi nanceiras mínimas ao acionista preferencial de companhias abertas; (c) garantia de no-meação de membro para o conselho de administração por parte dos acionis-tas preferenciais e dos ordinários minoritários, que detenham determinado percentual mínimo do capital social, em eleição em separado; (d) ajustes no mecanismo do recesso; (e) estabelecimento de regras que garantem a efi cá-cia e a execução dos acordos de acionistas; (f ) reintrodução da obrigação de oferta pública aos acionistas minoritários em caso de venda do controle, com garantia de valor no mínimo igual a 80% do pago ao controlador.

A maior parte das regras que formam os diversos códigos de boas práticas de governança corporativa — que hoje existem, em diferentes países, na casa das dezenas — são, de uma maneira geral, aplicáveis às grandes companhias e consistentes com a legislação da maioria dos países do mundo capitalista. No Brasil, por exemplo, na Lei nº 6.404, de 1976 — que até onde se sabe é a

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única que regula detalhadamente a fi gura do acionista controlador, estabele-cendo seus deveres e obrigações para com a companhia — há um dispositivo que consagra, de uma forma geral, os valores essenciais a serem realizados pelos códigos de boa governança corporativa. Refi ro-me à norma do parágra-fo único do artigo 116, que diz: “O acionista controlador deve usar o poder com o fi m de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.”

Há, entretanto, regras e princípios que, por derivarem da cultura e de sis-temas jurídicos diferentes do nosso — como é o caso dos Estados Unidos e da Inglaterra, nos quais as grandes companhias não têm acionista controlador, sendo o poder de controle exercido pelos administradores — não são aplicá-veis, sem as necessárias adaptações, a países como o Brasil, no qual a realidade empresarial é bastante diferente. Aqui, diferentemente dos Estados Unidos, praticamente todas as companhias abertas têm acionista controlador ou grupo de controle defi nido. Daí, por exemplo, não ser aplicável no regime jurídico brasileiro uma das principais bandeiras da governança corporativa, que é a de que devem ser eleitas para o conselho de administração pessoas independen-tes, não vinculadas à diretoria executiva, nem aos acionistas controladores.

O jurista italiano Guido Rossi, que escreveu relevante trabalho para um congresso havido na Itália sobre governança corporativa, ao qual deu o pro-vocante título de “O Mito da Governança Corporativa” (publicado no livro “Le Nove Funzioni degli Organi Societari: verso a Corporate Governance?”, Giuff re, Itália, 2002, pp. 13-18), faz análise dessa questão, concluindo, com muita propriedade, que nos sistemas jurídicos, como o italiano, em que as so-ciedades possuem um controlador pré-defi nido — contrariamente às grandes corporações americanas, em que o controle é interno, detido pelos adminis-tradores —— “a presença de administradores independentes que perseguem o interesse social sem observar, e se necessário, opondo-se ao interesse do sócio controlador é simplesmente utópico”. Esta mesma observação aplica-se à situação brasileira, cujos códigos e recomendações de boas práticas de governança corporativa incluem a nomeação de conselheiros independentes como uma das suas recomendações mais badaladas.

Lembro-me que, por ocasião da promulgação da Lei nº 10.303, de 2001, houve intenso debate sobre os novos parágrafos 6º a 11º acrescentados ao ar-tigo 118, da Lei das Sociedades por Ações, que estabeleceram de forma mais clara e incisiva o modo pela qual a companhia e seus órgãos sociais devem ob-servar as estipulações dos acordos de acionistas, dispositivos esses cujas normas se alegava serem confl itantes com as proposições da governança corporativa.

Os argumentos usados para fundamentar o pretendido veto a estes dispo-sitivos foram no sentido de que a vinculação da companhia e seus órgãos so-

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ciais às estipulações de acordo de acionistas e a obrigatoriedade de membros do Conselho de Administração de votarem nas reuniões do órgão, segundo a orientação dos acionistas controladores que os tenham indicado, implicaria na “usurpação, pelos acionistas, dos poderes conferidos ao Conselho de Ad-ministração”, e a transformação de seus membros em “conselheiros-laranja” ou “fantoches” dos acionistas controladores.

Esses argumentos eram — e continuam sendo — totalmente improceden-tes porque não levam em conta as características e particularidades, econô-micas e jurídicas, das sociedades anônimas no Brasil. Tais observações fariam sentido tendo em conta as características das macroempresas, ditas institu-cionalizadas, européias e norte-americanas, cujas ações se acham pulverizadas no mercado, e que são, de fato, controladas pelos administradores, os quais se perpetuam nos cargos com base em procurações de acionistas anualmente renovadas (ao menos enquanto as companhias não enfrentam difi culdades). Nesses tipos de macrocompanhias há consenso sobre as vantagens de profi s-sionais independentes integrarem os órgãos administrativos para estabelecer um contraponto, nas deliberações colegiadas, à orientação que é normalmen-te adotada pelos executivos. A independência que aí se busca não é em rela-ção aos acionistas, mas sim ao grupo de administradores que, mantendo-se no exercício dos cargos de direção, representam, de fato, o poder de controle dentro da companhia.

A situação é diferente no Brasil: praticamente todas as companhias aber-tas brasileiras têm maioria pré-constituída — isto é, há acionista, ou grupo de acionistas controlador, que exerce o poder de controle determinando a deliberação das assembléias gerais e elegendo a maioria dos administradores. Nesta matéria não cabe buscar inspiração na legislação e prática estrangeira, que difere da nossa. Na legislação européia e norte-americana, por exemplo, a assembléia geral de acionistas tem competência para deliberar apenas sobre determinadas matérias, enquanto o Conselho de Administração é o órgão com competência ampla e genérica para decidir sobre as matérias que inte-ressam aos negócios da sociedade.

No sistema brasileiro, o órgão supremo na hierarquia da sociedade é a assembléia geral, que possui “poderes para decidir todos os negócios relati-vos ao objeto da companhia e tomar as resoluções que julgar convenientes à sua defesa e desenvolvimento” (art 121). Também diferentemente de outros sistemas legislativos, a lei brasileira reconhece a existência do acionista con-trolador e da sociedade controladora para atribuir-lhes deveres e cobrar-lhes responsabilidade por abuso do poder que exercem. O artigo 116 da Lei das S.A. defi ne o poder de controle como sendo a capacidade de (a) determinar as deliberações da assembléia geral, (b) eleger a maioria dos administradores, (c) dirigir as atividades sociais e (d) orientar o funcionamento dos órgãos da companhia. Assim, na interpretação e aplicação da lei brasileira, não cabe

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questionar se o acionista controlador pode ou não dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia, uma vez que esse po-der lhe é expressamente reconhecido pelo artigo 116; igualmente não se pode afi rmar que o administrador da companhia é autônomo ou independente no exercício de suas funções, no sentido de que estaria submetido exclusiva-mente às normas da lei, sem se subordinar à orientação legítima recebida do acionista controlador.

É inquestionável que o acionista controlador não pode validamente dar instruções ilegais ao administrador para o exercício de suas funções, e que este tem não apenas a faculdade, mas o dever, de não cumprir ordens ilegais. Se houver confl ito de opiniões sobre a legalidade de determinada orientação, é indiscutível que o administrador conserva a liberdade de agir segundo suas convicções; e a conseqüência dessa divergência de opiniões será ou o conven-cimento do controlador do acerto do ponto de vista do conselheiro ou sua substituição, uma vez que, na lei brasileira, os membros do conselho de ad-ministração são demissíveis a qualquer tempo por deliberação da assembléia geral. Todavia, na maioria das deliberações dos órgãos sociais da companhia não se colocam questões que tenham a ver com a legalidade da proposta, mas, sim com a sua conveniência ou adequação ao interesse da companhia. E nes-ses casos deve prevalecer o princípio da estrutura hierárquica: se há opiniões divergentes sobre qual o ato mais conveniente para o interesse da compa-nhia, são os órgãos hierarquicamente superiores que têm competência para decidir. O que legitima o poder da maioria da assembléia geral e do acionista controlador para determinar a direção das atividades sociais e orientação dos administradores da companhia é o fato de que os acionistas são os únicos que contribuem para o capital social e correm o risco de perder esse capital em caso de prejuízo: não há como justifi car que a opinião do administrador, que não responde pelas obrigações sociais nem pelos prejuízos causados pelos seus atos regulares, prevaleça sobre a dos acionistas.

Essas considerações levam às seguintes conclusões:1ª) A governança corporativa, como movimento que visa a melhorar as

práticas adotadas no governo das companhias abertas e nos mercados de va-lores mobiliários, pode constituir contribuição importante para o aperfei-çoamento das instituições das economias de mercado e da livre empresa, ao divulgar, acentuar e salientar, em cada sistema cultural, os conceitos, valores e princípios essenciais dessas instituições, com o conseqüente aumento do grau de sua efi cácia e justiça na organização social;

2ª) Algumas das normas concretas que o movimento propõe para solucio-nar problemas ou corrigir defeitos precisam, todavia, ser adaptadas às caracte-rísticas de cada economia, pois refl etem a experiência das macroempresas das economias industrializadas, cujo controle é exercido pelos seus administra-dores, uma vez que a propriedade das suas ações é pulverizada em grande nú-

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

FGV DIREITO RIO 132

130 Advogado, sócio de Motta, Fernan-

des Rocha Advogados.

131 A IOSCO, em suas recomendações

sobre a regulação do “disclosure”, cita

a Instrução nº 358 da CVM como um

exemplo a ser considerado pelas di-

versas jurisdições ao regulamentar a

matéria.

132 O Presidente da Federação Euro-

péia de Analistas Financeiros e da

Associação Internacional Certifi cadora

de Analistas de Investimentos sobre

a Instrução CVM nº 388 em carta que

me foi dirigida, afi rma: “I would like

to congratulate you on Instruction

CVM 388, that describes our profession

with excellent clarity and outlines a

transparent route to be followed by any

professional wanting to develop his

career in your country. As a member of

the IOSCO, may I suggest that you send

a copy of Instruction 388 to all indivi-

dual Presidents of the diff erent IOSCO

associations as an example of what can

be done to simplify the regulations of

fi nancial analysts and enhance trans-

parency”

mero de acionistas, que exercem apenas a função econômica de investidores de capital, sem que haja um proprietário das ações que exerça toda a função empresarial — que compreende os papéis de empreendedor, administrador e aplicador de capital; por isso, o objetivo precípuo das normas propostas é criar contrapesos ao poder exercido pelos administradores, mediante criação ou aperfeiçoamento de órgãos da companhia especializados na fi scalização dos administradores e a indução a que os acionistas exerçam efetivamente seu poder de orientar e fi scalizar os administradores e tenham maior participação nas deliberações dos órgãos sociais;

3ª) No Brasil, a realidade das companhias e do mercado de capitais é es-sencialmente diferente: praticamente todas as companhias são controladas por um acionista, ou grupo de acionistas, e o aperfeiçoamento do governo da companhia requer, principalmente, o controle do exercício do poder pelos acionistas controladores, e não pelos administradores; a Lei nº 6.404/76 já enuncia os valores e princípios propugnados pelo movimento de governança corporativa, e o objetivo desse movimento deve ser o aperfeiçoamento do regime legal mediante modifi cações da lei ou da sua regulamentação pela CVM;

4ª) Seguindo a tradição anglo-saxônica, o movimento de governança cor-porativa procura alcançar seus objetivos através de auto-regulação pelas pró-prias companhias e pelas instituições do mercado, como as bolsas de valores, mas a tradição de nossa cultura é bem diferente —— os resultados das ex-periências de auto-regulação no Brasil são pequenos e a regulação estatal da economia, mediante leis e regulamentos, é ampla e mais efi cazmente utiliza-da como meio de criar e aperfeiçoar as instituições econômicas.

Governança Corporativa e o Brasil Luiz Leonardo Cantidiano 130

Introdução. Em fevereiro deste ano o Comitê Técnico da IOSCO (In-ternational Organization of Securities Commissions) criou uma “Força Ta-refa”, integrada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), para realizar um amplo estudo sobre as razões que possibilitaram o escândalo “Parmalat”. Após algumas reuniões, a “Força Tarefa” destaca, em Relatório Preliminar, as iniciativas que vêm sendo desenvolvidas pela IOSCO para assegurar a inte-gridade e a estabilidade do mercado de capitais: (a) indicação dos princípios a serem seguidos pelos reguladores, nas suas jurisdições, para tornar o mercado mais confi ável, (b) regras sobre o monitoramento da atividade de auditoria, (c) normas sobre a divulgação, pelos emissores, de informações, periódicas ou extraordinárias (fato relevante)131, (d) regulação da atividade dos analistas de valores mobiliários132 e de agências de “rating”, especialmente para eliminar o confl ito de interesses no exercício dessas atividades e (e) esforço para aper-feiçoar a cooperação entre os reguladores, com a assinatura de memorando

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

FGV DIREITO RIO 133

133 Infelizmente o Brasil ainda não teve

condições para assinar o Memorando

de Entendimento da IOSCO, uma vez

que a nossa legislação não permite

que a CVM possa ter acesso ao sigilo

bancário das pessoas que operam no

mercado de valores mobiliários, o que

prejudica sobremaneira sua atuação

fi scalizadora e punitiva. Iniciativas —

até agora infrutíferas — vêm sendo

desenvolvidas pela CVM, junto ao

Ministério da Fazenda, para que seja

editada uma lei que assegure à CVM

amplo poder de rastrear o movimento

bancário dos agentes de mercado.

que possibilite a troca de informações e a realização de investigações sobre operações que extrapolam a fronteira de uma jurisdição133. Em sua primeira parte o Relatório resume as informações públicas que historiam o colapso da “Parmalat”. A seguir ressalta pontos que podem ter facilitado a prática das fraudes e indica os aspectos que devem ser considerados, ou revistos, pelos reguladores para desenvolver e fortalecer seus mercados.

Após sumariar a história do Grupo Parmalat e as defi ciências que foram destacadas no Relatório da “Força Tarefa”, pretendo analisar a situação vigen-te no Brasil em relação a cada uma das aludidas defi ciências. Nesta primeira parte do trabalho faço um resumo da situação da Parmalat, indico as defi ci-ências apontadas pelo Relatório e examino duas delas — governança corpora-tiva e proteção aos minoritários — comparando-as com a situação vigente no Brasil. Na segunda parte do trabalho, a ser publicada no próximo número de Capital Aberto, analiso a independência da auditoria independente e a supervisão regulatória, enquanto que na parte fi nal discuto os demais pontos levantados pela “Força Tarefa”: (a) a utilização de estruturas societárias com-plexas, (b) o papel desempenhado pelos prestadores de serviços (bancos de investimento, advogados e corretores), (c) a atuação de analistas de investi-mentos e de agências de avaliação de risco e (d) a atuação em paraísos fi scais.

O Grupo Parmalat. A Parmalat Finanziaria SpA é uma sociedade aberta, holding do Grupo Parmalat, que tinha uma atuação muito ativa no setor de alimentos, operando em 30 países através de 250 subsidiárias. A Parmalat é controlada pela família Tanzi, cujo principal representante era, ao mesmo tempo, Presidente do seu Conselho de Administração e seu Diretor Presiden-te. De acordo com as recomendações do Código de Governança Corporativa aplicável às sociedades listadas no mercado italiano, o Conselho de Adminis-tração da Parmalat era composto de 13 membros, dos quais 5 não executivos e 3 independentes, dentre os quais 2 eram ligados, há muito tempo, a Calisto Tanzi. O grupo Parmalat havia criado, no inicio de 2001, um Comitê de Auditoria composto de 3 membros, dos quais apenas 1 era independente.

De 1990 a 1999 as demonstrações fi nanceiras da Parmalat eram auditadas pela Grant Th ornton; de 1999 a 2003, em função do rodízio obrigatório da empresa de auditoria, que prevalece na Itália, as demonstrações fi nanceiras da Parmalat passaram a ser auditadas pela Deloitte Touche Tohmatsu; não obs-tante, a Grant Th ornton continuou, após 1999, a auditar as demonstrações de um número signifi cativo de subsidiárias da Parmalat.

Nas demonstrações fi nanceiras que eram divulgadas pela Parmalat, seu débito liquido consolidado não aparentava ser alto: no período entre 1997 e 2003 variou entre €1 bilhão e €2.8 bilhões, contra uma receita anual de vendas, também consolidada, que variou entre €5.1 e €7.6 bilhões. A Standard & Poor’s (S&P), que começou a analisar o risco da Parmalat em novembro de 2000, atribuiu para seu risco de crédito BBB— (o menor

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

FGV DIREITO RIO 134

134 O alinhamento do Conselho de

Administração com os principais exe-

cutivos é considerado problemático,

porque leva a uma inefi ciente super-

visão da atuação dos administradores

e possibilita o “oportunismo” dos admi-

nistradores (com a utilização de ativos

da corporação para benefi cio próprio).

Conselhos fracos causaram diversos es-

cândalos, incluindo Enron, Worldcom, e

Vivendi Universal.

grau de “investment grade”) e, para o débito de curto prazo até dezembro de 2003, A-3.

Nas demonstrações fi nanceiras da Parmalat, de dezembro de 2002, os au-ditores deram um parecer sem ressalvas. Os eventos subseqüentes demonstra-ram, no entanto, que as demonstrações fi nanceiras da Parmalat, para esse pe-ríodo, eram falsas, como foi apurado pela PriceWaterhouseCoopers (PwC), contratada em meados de dezembro de 2003 para verifi car a existência e o valor dos ativos e das dívidas da Parmalat. A PwC concluiu que o valor dos ativos líquidos da Parmalat era insignifi cante, ao mesmo tempo em que apu-rou que o valor das dívidas estava subestimado no expressivo montante de €14.5 bilhões.

As defi ciências apontadas no Relatório. O Relatório lista, como defi -ciências que podem ter facilitado a prática das fraudes, os seguintes pon-tos: (a) governança corporativa e proteção dos investidores, (b) vigilância e acompanhamento do trabalho dos auditores independentes, (c) supervisão regulatória, (d) a utilização de estruturas societárias complexas, (e) o papel desempenhado pelos prestadores de serviços (bancos de investimento, advo-gados e corretores), (f ) a atuação de analistas de investimentos e de agências de avaliação de risco e (g) a atuação em paraísos fi scais.

Governança Corporativa. O Relatório a defi ne como o sistema com-posto de normas legais e regulamentares, de organização e de mecanismos contratuais necessários para proteger os interesses dos acionistas, limitando o comportamento oportunista dos seus administradores. Muitas companhias têm o capital pulverizado, o que impede um investidor de controlá-la isolada-mente ou de eleger a maioria dos membros do Conselho de Administração. Nessa situação, os mecanismos de “governança” buscam proteger o interesse de todos os investidores face aos administradores, cujos interesses não são necessariamente coincidentes com os da companhia e de seus acionistas. Em algumas circunstâncias, no entanto, um acionista (ou grupo deles) também pode comandar a sociedade. Na Parmalat, em que a família Tanzi controlava 51% de seu capital votante, os mecanismos de “governança” deveriam procu-rar evitar que o detentor do controle majoritário dirigisse a companhia para explorar os acionistas minoritários.

O Relatório ressalta que o colapso da Parmalat, da Enron e de outras com-panhias sempre teve origem na errada estrutura de governança. Os respectivos Conselhos de Administração são acusados de falta de independência frente à diretoria, principalmente pela não vigilância do desempenho da sociedade e pela aprovação de uma série de transações com partes relacionadas, incluindo a transferência de ativos para administradores e acionistas controladores134. Outro ponto que mereceu destaque no Relatório são as alegações de que os titulares de instrumentos de dívida de emissão da Parmalat foram preferidos

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

FGV DIREITO RIO 135

135 Recente Relatório apresentado

pelo The Institute of International Finance, Inc. indica a fragilidade de

nosso sistema ao mencionar que na

maioria das companhias o Conselho

de Administração é composto por

membros da família controladora ou

pelos seus representantes (advogados

ou banqueiros), com menos de 10%

deles sendo considerados genuina-

mente independentes. Os membros

do Conselho, segundo afi rma dito

Relatório, adotam as decisões que

interessam as famílias controladoras e

raramente as companhias têm comitês

de auditoria. Geralmente matérias que

não têm maior importância estratégica

para o desenvolvimento dos negócios

dominam a agenda das reuniões do

Conselho, que não se envolve em pla-

nejamento estratégico ou na avaliação

do desempenho dos administradores.

136 Em diversos trabalhos, publicados

no nº 11 de Capital Aberto, o problema

é levantado.

137 A Cartilha pode ser examinada no

site da CVM: www.cvm.gov.br

138 Igual recomendação, quanto ao

mandato dos conselheiros, prevalece

nos Regulamentos do Nível 2 e do Novo

Mercado da Bovespa. A recomendação

sobre o número de membros leva em

conta que o conselho de administração

deve ser grande o sufi ciente para asse-

gurar ampla representatividade, e não

tão grande que prejudique a efi ciência.

Mandatos unifi cados facilitam a repre-

sentação de acionistas minoritários no

conselho.

por credores mais expressivos, do que resultou a assunção inadvertida, pelos primeiros, do risco Parmalat.

Como aponta o Relatório, na melhor hipótese um Conselho de Admi-nistração fraco pode permitir que um projeto ruim, de escolha do contro-lador, venha a ser desenvolvido pela sociedade, enquanto que um Conselho independente pode questionar a decisão de explorar uma oportunidade que não trará resultados positivos. E, na pior hipótese, um Conselho fraco pode aprovar a realização de operações com partes relacionadas que possibilitem a apropriação, pelo controlador, de ativos ou de oportunidades que são da companhia. Um Conselho independente funciona como uma salvaguarda contra propostas que, apesar de poderem ser legítimas, foram inadequada-mente desenvolvidas.

Situação no Brasil. A questão da governança corporativa, entre nós, ao contrário do que ocorre em países com mercado mais desenvolvido, não está relacionada à possibilidade que têm os administradores de expropriar direitos dos minoritários; entre nós a principal preocupação é buscar evitar que o acionista controlador, que detém o poder de comandar os destinos da com-panhia, elegendo a maioria de seus administradores, possa atuar contra o interesse social, auferindo benefícios indevidos.

Como praticamente todas as nossas companhias abertas têm seu controle concentrado nas mãos de uma família ou de um grupo de acionistas, é co-mum verifi carmos que a maioria dos membros do Conselho seja vinculada ao controlador, o que pode levar a uma falta de independência na sua atuação como conselheiro135; também é corriqueiro que uma parcela dos membros da diretoria executiva (1/3) possa integrar o Conselho, inclusive com a acumula-ção, pela mesma pessoa, das funções de Diretor Presidente e de Presidente do Conselho. Também pode conspirar contra a independência dos integrantes do Conselho a permissão, constante de nossa lei, de vinculação de voto do administrador a decisão adotada em reunião prévia por signatários de acor-dos de acionistas136.

Porque está consciente dessa realidade, que refl ete uma cultura enraiza-da em nossa sociedade, e que decorre de expressa disposição legal, a CVM editou uma Cartilha137 contendo diversas recomendações que assegurem o reforço da governança de nossas companhias. Especifi camente quanto ao Conselho de Administração, a CVM sugere que ele seja composto por 5 a 9 membros, tecnicamente qualifi cados, sempre que possível desvinculados da diretoria, com pelo menos 2 com experiência em fi nanças e responsabilida-de para acompanhar mais detalhadamente as práticas contábeis adotadas. O mandato de todos os conselheiros deve ser unifi cado, com prazo de gestão de 1 ano, permitida a reeleição138.

A CVM também sugere que o conselho adote um regimento dispondo sobre método de convocação de reuniões, direitos e deveres dos conselheiros,

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FGV DIREITO RIO 136

relacionamento com a diretoria e procedimentos para solicitação de informa-ções por conselheiros. O conselho deve ser autorizado a solicitar a contrata-ção de especialistas externos para auxílio em decisões, quando considerar ne-cessário. O estatuto deve autorizar qualquer membro do conselho a convocar reuniões em caso de necessidade, quando o conselheiro que é encarregado não o faz. De outro lado, os comitês especializados devem ser compostos por alguns membros do conselho para estudar seus assuntos e preparar propostas, as quais deverão ser submetidas à deliberação do conselho.

Como o conselho fi scaliza a gestão dos diretores, a CVM recomenda que, para evitar confl itos de interesses, o seu presidente não deve ser também o seu executivo principal.

Papel importante na conscientização de nossas companhias abertas quanto à necessidade de terem um Conselho de Administração estruturado de ma-neira adequada, e composto por pessoas qualifi cadas e independentes, vem sendo realizado pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) que, além de ter editado um Código cujas normas aconselham as companhias a observar, organiza seguidos cursos de treinamento.

Proteção de Minoritários. O Relatório salienta que os minoritários po-dem fi car numa posição desvantajosa em relação aos majoritários, porque os últimos exercem o controle da companhia. Enquanto majoritários e mi-noritários buscam manter o crescimento da companhia, a existência de um acionista controlador, com as características que vigoram no Brasil, o coloca numa posição que permite a expropriação de interesses dos investidores. Muitas jurisdições cuidam da questão estabelecendo regras que vedam tal prática e impondo ao Conselho de Administração o dever de proteger os interesses de todos os acionistas; em tais jurisdições os administradores e controladores que se utilizam sociedade em benefício próprio podem ser processados pelos minoritários e, até mesmo, estar submetidos a procedi-mentos criminais. No entanto, como aponta o Relatório, é difícil para os minoritários monitorar a performance da companhia, assim como super-visionar a atuação de seus administradores. Papel essencial na defesa dos investidores é exercido pelo Conselho de Administração, formado por pes-soas independentes, que devem atuar impedindo a realização de operações que possam apenas benefi ciar o controlador. Outra proteção se dá mediante mecanismos — previstos em lei ou constantes do estatuto da companhia — que assegurem o voto do minoritário em certos itens. Em algumas jurisdições a Bolsa de Valores exige, para listar a companhia, que o seu estatuto contenha regras que assegurem adequada proteção aos investidores; algumas poucas jurisdições editam Códigos ou Cartilhas cujo cumprimento é encorajado pelos respectivos órgãos reguladores.

Situação no Brasil. Nossa lei assegura boa proteção aos investidores. Dentre inúmeros dispositivos que tratam da matéria temos (a) o art. 115,

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FGV DIREITO RIO 137

que explicita o dever de qualquer acionista de votar no interesse da compa-nhia, considerando abusivo o voto exercido para causar dano à companhia ou a outros acionistas, ou para obter, para si ou para terceiros, vantagem indevida, (b) o art. 116, que defi ne a responsabilidade do controlador, expli-citando que o poder de controle deve ser utilizado para fazer a companhia realizar seu objeto e cumprir sua função social, (c) o art. 117, que cria a responsabilidade do controlador quando pratica atos com abuso de poder, exemplifi cando situações que confi guram aquela prática, (d) os arts. 155 e 156, que, respectivamente, estipula o dever de lealdade do administrador para com a companhia e que veda a sua intervenção em operações nas quais possa ter confl ito de interesses. Também visa dar proteção aos investidores o direito que a lei assegura ao minoritário de fi scalizar os negócios sociais, seja pela possibilidade que ele tem de (a) requerer a exibição de livros (art. 105), (b) pedir a convocação de assembléia geral (art. 123, § único, “a” e “c”), (c) requerer a instalação de conselho fi scal, com a eleição de representantes e (d) eleger membros para o Conselho de Administração, pela adoção do pro-cesso de voto múltiplo e, até mesmo, pela detenção de ações preferenciais sem voto. O que é complicado, em nosso sistema, mesmo após a reforma de 2001, quando se reduziu — para as novas companhias — o limite de ações sem direito a voto e quando se buscou, a meu juízo sem sucesso, reforçar as vantagens das ações não votantes, é a existência de ações das quais é retirado o direito de voto. Outro problema estrutural, na defesa dos interesses dos minoritários, é o funcionamento de nosso poder judiciário, lento e pouco especializado para dirimir as complexas questões que envolvem os direitos dos investidores. Exatamente em virtude de tais defi ciências é que a Bovespa decidiu criar níveis diferenciados de listagem em seu pregão, especialmente o Nível 2 de Governança e o Novo Mercado, nos quais, além assegurar voto a todas as ações nas questões mais sensíveis aos minoritários, está previsto que as divergências entre os acionistas e destes perante a companhia serão dirimi-das por arbitragem, preferencialmente junto à Câmara do Mercado, integra-da por especialistas em questões legais, contábeis e fi nanceiras. Outro avanço considerável em nossa legislação decorre de novo dispositivo da lei — o art. 124, § 5º — que faculta à CVM, a pedido de qualquer acionista, (a) aumen-tar para até 30 dias o prazo de convocação de assembléia geral da companhia, quando esta tiver por objeto matéria complexa, que exija um exame mais demorado pelos acionistas e (b) para interromper, por até 15 dias, o curso do prazo de antecedência de convocação de assembléia, a fi m de conhecer e ana-lisar as propostas a serem submetidas à apreciação dos acionistas, informando a CVM, até o fi nal do prazo de interrupção, as razões pelas quais entende, se for o caso, que dita proposta viola dispositivos vigentes. Essa faculdade, que tem sido bastante utilizada, permite que os investidores possam recorrer

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FGV DIREITO RIO 138

ao Judiciário com respaldo da CVM, sempre que o regulador entender que estará sendo submetida à apreciação dos acionistas uma proposta ilegal.

E) ESTUDO DE CASOS

Estudo de Caso I — Fraude na exportação de sandálias

• Empresa ABC descobriu que uma de suas subsidiárias, empresa XYZ, estava sendo usada como uma ferramenta de fraude nas exportações de sandálias para Europa.

• XYZ montou subsidiárias no Panamá e BVI. XYZ exportava sandálias diretamente aos clientes. “Bills of lading” — conhecimentos de trans-porte — eram emitidos para entrega das sandálias aos clientes.

• Clientes deveriam pagar pelas sandálias depositando diretamente nas contas das sociedades no Panamá e BVI.

• Faturas eram emitidas contra as sociedades no Panamá e BVI. Socie-dades no Panamá e BVI se apropriavam indevidamente de 20% do valor das vendas e remetiam o resto a ABC.

• A Fraude foi descoberta. Dinheiro das contas das sociedades no Pana-má e BVI foi enviado para contas nos EUA, SUÍÇA e BVI.

• Como recuperar os ativos?• Qual a estratégia?• Ações em quais países?• Onde iniciar o tracing?• Há patrimônio nos EUA? Há patrimônio no Brasil?• È possível fazer um back tracing?• Questões relevantes na Suíça, BVI e EUA.

Estudo de Caso II — Sonegação de Ativos do Inventário

Executivo muito bem sucedido, casado, pai de 4 fi lhos, 60 anos de idade, conhece jovem moça de vida fácil (ou difícil).

Executivo larga família e começa nova família com moça.Executivo morre e jovem moça de vida fácil se torna inventariante dos

bens deixados por executivo.Jovem moça de vida fácil sonega bens móveis e imóveis.

• Dinheiro das contas das sociedades nas Bahamas, Panamá e BVI foi enviado para contas nos EUA, Suíça, Jérsei e BVI.

• Como recuperar os ativos?• Qual a estratégia?• Ações em quais países?

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FGV DIREITO RIO 139

• Onde iniciar o tracing?• Há patrimônio nos EUA? Há patrimônio no Brasil?• È possível fazer um back tracing?• Questões relevantes na EUA, Suíça, Jérsei e BVI.• Dinheiro das contas das sociedades nas Bahamas, Panamá e BVI foi

enviado para contas nos EUA, Suíça, Jérsei e BVI.

• Como recuperar os ativos?• Qual a estratégia?• Ações em quais países?• Onde iniciar o tracing?• Há patrimônio nos EUA? Há patrimônio no Brasil?• È possível fazer um back tracing?• Questões relevantes na EUA, Suíça, Jérsei e BVI.

ESTUDO DE CASO III — FALÊNCIA DE EMPRESA ABC DECRETADA COM EXTENSÃO DA FALÊNCIA AOS BENS DO QUOTISTA XYZ

• Empresa ABC distribui muito mais lucro do que poderia ao quotista XYZ

• ABC (e XYZ) superfaturou contratos, desviou valores da empresa, fez empréstimo e deixou de cobrar e etc e etc e etc.

• XYZ leva uma vida abastada com festas, amigos importantes “carros e mulheres velozes e cavalos lentos”

• Decretada a falência da empresa ABC com extensão da falência ao quotista XYZ

• Credor de quase todo o crédito de ABC contrata você para ir atrás de ativos de ABC, desviados para contas de XYZ no exterior

• XYZ tem sociedades/contas nas BVIs, Cayman, EUA e Suíça• XYZ tem jatinho de propriedade de empresa nas BVIs

• Dinheiro das contas das sociedades nas Bahamas, Panamá e BVI foi enviado para contas nos EUA, Suíça, Jérsei e BVI.

• Como recuperar os ativos?• Qual a estratégia?• Ações em quais países?• Onde iniciar o tracing?• Há patrimônio nos EUA? Há patrimônio no Brasil?• È possível fazer um back tracing?

Questões relevantes na EUA, Suíça, Jérsei e BVI.

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FGV DIREITO RIO 140

F) GLOSSÁRIO

Governança Corporativa: Práticas e relacionamentos entre Acionistas/Cotistas, Conselho de Administração, Diretoria, Auditoria Independente e Conselho Fiscal, com a fi nalidade de otimizar o desempenho da empresa e facilitar o acesso ao ca-pital. Estas práticas abrangem os assuntos relativos ao poder de controle e direção de uma empresa, bem como as diferentes formas e esferas de seu exercício e os diversos interesses que, de alguma forma, estão ligados à vida das sociedades comer-ciais. EnFin. A governança corporativa proporciona aos proprietários (acionistas ou cotistas) a gestão estratégica de sua empresa e a monitoração efetiva da adminis-tração. As principais ferramentas que asseguram o controle da propriedade sobre a gestão são o Conselho de Administração, a Auditoria Independente e o Conselho Fiscal. A empresa que opta pelas práticas de governança corporativa adota como linhas mestras a transparência, a prestação de contas (“accountability”) e a equidade. No Brasil, os conselheiros profi ssionais e independentes começaram a surgir tanto como conseqüência do crescimento da necessidade das médias empresas se profi s-sionalizarem rapidamente, tendo em vista o processo de globalização, quanto das primeiras privatizações de empresas estatais no país (Bovespa).

Novo Mercado. Segmento de listagem destinado à negociação de ações emitidas por empresas que se comprometem, voluntariamente, com a adoção de práticas de governança corporativa e “disclosure” adicionais em relação ao que é exigido pela legislação. EnFin. A premissa básica é a de que a valori-zação e a liquidez das ações de um mercado são infl uenciadas positivamente pelo grau de segurança que os direitos concedidos aos acionistas oferecem e pela qualidade das informações prestadas pelas empresas. A entrada de uma empresa no Novo Mercado signifi ca a adesão a um conjunto de regras socie-tárias, genericamente chamadas de boas práticas de governança corporativa, mais rígidas do que as presentes na legislação brasileira.

Essas regras, consolidadas no Regulamento de Listagem, ampliam os di-reitos dos acionistas, melhoram a qualidade das informações usualmente prestadas pelas companhias e, ao determinar a resolução dos confl itos por meio de uma Câmara de Arbitragem, oferecem aos investidores a segurança de uma alternativa mais ágil e especializada.

A principal inovação do Novo Mercado, em relação à legislação, é a proi-bição de emissão de ações preferenciais.

Resumidamente, a companhia aberta participante do Novo Mercado tem como obrigações adicionais: a) realização de ofertas públicas de colocação de ações por meio de mecanismos que favoreçam a dispersão do capital; b) manutenção em circulação de uma parcela mínima de ações representando 25% do capital; c) ex-tensão para todos os acionistas das mesmas condições obtidas pelos controladores quando da venda do controle da companhia; d) estabelecimento de um mandato unifi cado de 1 ano para todo o Conselho de Administração; e) disponibilização de

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FGV DIREITO RIO 141

balanço anual seguindo as normas do US GAAP ou IAS GAAP; f) introdução de melhorias nas informações prestadas trimestralmente, entre as quais a exigência de consolidação e de revisão especial; g) obrigatoriedade de realização de uma oferta de compra de todas as ações em circulação, pelo valor econômico, nas hipóteses de fechamento do capital ou cancelamento do registro de negociação no Novo Mercado; h) cumprimento de regras de “disclosure” em negociações envolvendo ativos de emissão da companhia por parte de acionistas controladores ou admi-nistradores da empresa. Além de presentes no Regulamento de Listagem, alguns desses compromissos deverão ser aprovados em Assembléias Gerais e incluídos no Estatuto Social da companhia. Um contrato assinado entre a Bovespa e a empresa, com a participação de controladores e administradores, fortalece a exigibilidade do seu cumprimento (Bovespa).

Auditor Independente. Perito-contador que presta serviços de auditoria independente a empresas. Para exercer atividade no âmbito do mercado de valores mobiliários, está sujeito ao registro na CVM — Comissão de Valores Mobiliários. Pode ser pessoa física ou jurídica, sociedade profi ssional, consti-tuída sob a forma de sociedade limitada.

A CVM mantém cadastro dos responsáveis técnicos autorizados a emitir e assinar parecer do auditor, em nome de cada empresa, no âmbito do mercado de valores mobiliários (Bovespa).

G) QUESTÕES DE CONCURSO

1) Explique a doutrina da desconsideração da personalidade jurídica.

2) Os acionistas minoritários fi cam completamente à mercê dos majoritá-rios, quanto à tomada de decisões na companhia?

3) Quais as principais medidas de controle, destinadas à proteção dos acionistas minoritários, asseguradas pela legislação societária brasileira?

4) Em que difere o exercício de direito de recesso, no caso das sociedades de pessoas, em comparação com as sociedades anônimas?

5) Quando o acionista dissidente discordar de deliberações da maioria e pretender retirar-se da companhia, a que terá direito?

6) O que distingue o proprietário do acionista controlador?

7) Quais as características principais do acionista controlador?

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FGV DIREITO RIO 142

139 Aula desenvolvida em conjunto

com o Professor Gustavo Goiabeira de

Oliveira.

13. AULA 15: OPERAÇÕES DE REORGANIZAÇÕES SOCIETÁRIA: ASPECTOS TRIBUTÁRIOS

A) EMENTÁRIO DE TEMAS

Hipóteses de sucessão tributária. Transferência do passivo fi scal e sucessão tributária. Aspectos práticos inerentes aos processos de reorganização de so-ciedades. Exemplos de planejamentos fi scais.

B) MATERIAL DE LEITURA

Leitura Básica

MUNIZ, Ian; Branco, Adriano Castello. Fusões e Aquisições — Aspectos Fiscais e Societários. São Paulo: Quartier Latin, 2007.

XAVIER, Alberto. Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva. São Paulo: Dialética, 2001.

Leitura Complementar

ANNAN JUNIOR, Pedro. Fusão, Cisão e Incorporação de Sociedades — Teoria e Prática. 2ª ed. São Paulo: Quartier Latiin, 2005.

GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário. 2ª ed. São Paulo: Dialé-tica, 2008.

C) ROTEIRO DE AULA

Introdução139

Os processos de reorganizações de empresas, tais como as aquisições, in-corporações, fusões e cisões, além de todos os aspectos societários que deverão ser considerados, também trazem várias questões tributárias que precisam ser avaliadas de antemão, podendo ser, em alguns casos, o ponto determinante de algumas reestruturações.

Nesse breve estudo serão abordados alguns temas tributários recorrentes e relacionados aos processos de reorganizações societárias.

Em primeiro lugar, serão expostas as hipóteses de sucessão tributária, onde uma pessoa jurídica tem para si transferido o passivo fi scal pertencente à

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

FGV DIREITO RIO 143

outra sociedade, em decorrência do fato de assumir a condição de sucessora tributária.

Na seqüência, serão tratados alguns aspectos práticos inerentes aos pro-cessos de reorganização de sociedades, tal como o encerramento do período-base dos tributos, bem como a necessidade de apresentação pelas sociedades envolvidas de declarações à Receita Federal do Brasil.

Por fi m, serão expostos alguns exemplos de planejamentos fi scais possíveis de serem utilizados pelas empresas através das reorganizações societárias, tais como o aproveitamento de prejuízos fi scais e a utilização do ágio pago na aquisição de participação societária e a amortização para fi ns de reduzir da base de cálculo do Imposto da Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contri-buição Social Sobre o Lucro (CSL).

Sucessão Tributária nos processos de reorganização societária

Nas reorganizações societárias ocorre a responsabilidade por transferência, na modalidade “sucessão”. Responsabilidade por transferência se dá depois de ocorrido o fato gerador. A obrigação tributária surge contra o próprio contribuinte, que realizou o fato gerador, mas é transferida ao responsável, podendo-se manter ou não a fi gura do contribuinte no pólo passivo (solidária ou subsidiariamente).

Especifi camente para os processos de reorganização societária, o art. 132 do Código Tributário Nacional traz as seguintes hipóteses de sucessão tributária:

“Art. 132. A pessoa jurídica de direito privado que resultar de fusão, trans-formação ou incorporação de outra ou em outra é responsável pelos tributos devidos até a data do ato pelas pessoas jurídicas de direito privado fusionadas, transformadas ou incorporadas.

Parágrafo Único. O disposto neste artigo aplica-se aos casos de extinção de pessoas jurídicas de direito privado, quando a exploração da respectiva atividade seja continuada por qualquer sócio remanescente, ou seu espólio, sob a mesma ou outra razão social, ou sob fi rma individual.”

Com fundamento nesse dispositivo do Código Tributário Nacional, está afi xada a responsabilidade, por sucessão, da sociedade resultante de processos de incorporação, fusão ou transformação, no que se refere ao passivo tributá-rio existente nas pessoas jurídicas fusionadas, transformadas ou incorporadas, referentes aos tributos devidos até a data do evento.

Note-se que o art. 132 faz referência aos processos de fusão (A+B = C), transformação (Sociedade Anônima em Limitada, ou fundação etc.), e in-

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FGV DIREITO RIO 144

corporação (A+B = A) de sociedade, não existindo previsão expressa para a hipótese de cisão (C = A+B).

A razão apontada para essa lacuna é que o Código Tributário Nacional (1966) foi editado antes da Lei das S/A (1976), não existindo até então a fi gura da cisão. A despeito da ausência de menção expressa, aplica-se a mesma regra.

Assim, em todo o processo de aquisição de uma sociedade, e mesmo nos casos de reorganização societária dentro de um mesmo grupo de sociedades, é necessário observar com prudência as regras de sucessão fi scal, com a rea-lização de due diligence fi scal/contábil, de forma a confi rmar o real passivo fi scal que está sendo transferido para a sociedade que seja a resultante desse processo de reorganização.

Sucessão Comercial

Além das hipóteses de sucessão fi scal por transferência apontadas acima, e também relacionado ao tema das aquisições e reorganizações de empresas, o art. 133 do Código Tributário Nacional prevê as hipóteses de sucessão co-mercial, onde uma pessoa jurídica adquire de outra fundo de comércio ou estabelecimento. Vejamos o teor do art. 133:

“Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profi ssional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob fi rma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até à data do ato:

I — integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade;

II — subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de seis meses a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profi ssão.

A sucessão se dará com a cessão do fundo de comércio e com a continua-ção da exploração da respectiva atividade, com duas possíveis hipóteses:

(a) Quando o alienante cessa a exploração. Nesse caso a responsabilidade será exclusiva e integral do adquirente; e

(b) Quando o alienante continua exercendo a atividade, ou iniciou uma nova dentro de seis meses, a responsabilidade será apenas subsidiária.

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

FGV DIREITO RIO 145

Aquisições com base na nova Lei de Recuperação de Empresas

A regra acima exposta hoje possui exceções derivadas das alterações pro-movidas no texto do Código Tributário Nacional pela Lei Complementar nº 118/2005 que teve por fi nalidade adaptar as regras tributárias à nova Lei de Re-cuperação de Empresas (Lei nº 11.101/2005). Essa Lei Complementar acres-centou os parágrafos 1º, 2º e 3º ao art. 133 do Código Tributário Nacional:

“Art. 133 (...)§ 1o O disposto no caput deste artigo não se aplica na hipótese de alienação

judicial: (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)I — em processo de falência; (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)II — de fi lial ou unidade produtiva isolada, em processo de recuperação

judicial.(Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)§ 2o Não se aplica o disposto no § 1o deste artigo quando o adquirente for:

(Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)I — sócio da sociedade falida ou em recuperação judicial, ou sociedade con-

trolada pelo devedor falido ou em recuperação judicial; (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)

II — parente, em linha reta ou colateral até o 4o (quarto) grau, consangüí-neo ou afi m, do devedor falido ou em recuperação judicial ou de qualquer de seus sócios; ou (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)

III — identifi cado como agente do falido ou do devedor em recuperação judicial com o objetivo de fraudar a sucessão tributária. (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)

§ 3o Em processo da falência, o produto da alienação judicial de empresa, fi lial ou unidade produtiva isolada permanecerá em conta de depósito à disposi-ção do juízo de falência pelo prazo de 1 (um) ano, contado da data de alienação, somente podendo ser utilizado para o pagamento de créditos extraconcursais ou de créditos que preferem ao tributário. (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)”

Visando a dar maior segurança ao adquirente de unidade produtiva em processos de recuperação de empresas, os citados dispositivos da Lei Com-plementar nº 118/2005 excluíram a responsabilidade no caso de alienação judicial em: (a) processo de falência; (b) fi lial em processo de recuperação ju-dicial. Exceções aplicáveis nos casos em que o adquirente for ligado à empresa em falência ou em recuperação judicial, para se evitar fraude.

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

FGV DIREITO RIO 146

Alguns Aspectos Práticos

ENCERRAMENTO DE PERÍODO-BASE

As operações de incorporação, cisão e fusão trazem como conseqüência para as pessoas jurídicas incorporadora e incorporada, cisionada ou fundida, a antecipação do encerramento do período-base para fi ns de incidência do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social Sobre o Lucro (CSL), que em geral se dá em 31 de dezembro de cada ano. Tal coman-do se encontra previsto no art. 1º, § 1, da Lei n° 9.430/96, a seguir transcrito:

“Art. 1º A partir do ano-calendário de 1997, o imposto de renda das pessoas jurídicas será determinado com base no lucro real, presumido, ou arbitrado, por períodos de apuração trimestrais, encerrados nos dias 31 de março, 30 de junho, 30 de setembro e 31 de dezembro de cada ano-calendário, observada a legislação vigente, com as alterações desta Lei.

§ 1º Nos casos de incorporação, fusão ou cisão, a apuração da base de cálculo e do imposto de renda devido será efetuada na data do evento, observado o dis-posto no art. 21 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995.

§ 2º Na extinção da pessoa jurídica, pelo encerramento da liquidação, a apu-ração da base de cálculo e do imposto devido será efetuada na data desse evento.”

Em relação às pessoas jurídicas que fi gurarem como incorporadoras, e, portanto, que permanecerão existentes após o processo de reorganização das empresas envolvidas, tais pessoas jurídicas não precisarão antecipar o encerra-mento do seu período-base de apuração do IRPJ e da CSL caso tanto a incor-poradora quanto a incorporada estivessem sob o mesmo controle societário, conforme determina o art. 5º da Lei nº 9.959/2000:

“Art. 5º. Aplica-se à pessoa jurídica incorporadora o disposto no art. 21 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, e no § 1º do art. 1º da Lei nº 9.430, de 1996, salvo nos casos em que as pessoas jurídicas, incorporadora e incorpora-da, estivessem sob o mesmo controle societário desde o ano-calendário anterior ao do evento.”

NECESSIDADE DE APRESENTAÇÃO DA DECLARAÇÃO DE INFORMAÇÕES ECO-NÔMICAS FISCAIS DA PESSOA JURÍDICA — DIPJ

Outro aspecto a ser observado pelas pessoas jurídicas que participarem dos processos de reorganização societária e que tenham o período-base ante-cipado, conforme exposto acima, é a obrigação de apresentar a DIPJ relativa ao período-base no qual ocorrer a operação, devendo a DIPJ ser entregue até

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

FGV DIREITO RIO 147

o último dia útil do mês subseqüente ao da ocorrência do evento, conforme dispõe o art. 21 da Lei n° 9.429/95:

“Art. 21. A pessoa jurídica que tiver parte ou todo o seu patrimônio absorvi-do em virtude de incorporação, fusão ou cisão deverá levantar balanço específi co para esse fi m, no qual os bens e direitos serão avaliados pelo valor contábil ou de mercado.

§ 1º O balanço a que se refere este artigo deverá ser levantado até trinta dias antes do evento.

§ 2º No caso de pessoa jurídica tributada com base no lucro presumido ou arbitrado, que optar pela avaliação a valor de mercado, a diferença entre este e o custo de aquisição, diminuído dos encargos de depreciação, amortização ou exaustão, será considerada ganho de capital, que deverá ser adicionado à base de cálculo do imposto de renda devido e da contribuição social sobre o lucro líquido.

§ 3º Para efeito do disposto no parágrafo anterior, os encargos serão conside-rados incorridos, ainda que não tenham sido registrados contabilmente.

§ 4º A pessoa jurídica incorporada, fusionada ou cindida deverá apresentar declaração de rendimentos correspondente ao período transcorrido durante o ano-calendário, em seu próprio nome, até o último dia útil do mês subseqüente ao do evento.”

Com a apresentação da DIPJ pela pessoa jurídica, o IRPJ e CSL devidos, se for o caso, deverão ser recolhidos até o último dia útil do mês subseqüente ao da ocorrência do evento da incorporação, fusão ou cisão.

Planejamento Fiscal

DIREITO À COMPENSAÇÃO DE PREJUÍZOS FISCAIS (IRPJ) E BASES NEGATIVAS (CSL)

As sociedades que forem incorporadas e fusionadas em processos de reor-ganização de empresas não transferem às sociedades remanescentes o direito à compensação dos prejuízos fi scais originalmente das sociedades que foram incorporadas e fusionadas, conforme previsto no art. 514 do Regulamento do Imposto de Renda (RIR/99) aprovado pelo Decreto nº 3.000/99:

“Art. 514. A pessoa jurídica sucessora por incorporação, fusão ou cisão não pode-rá compensar prejuízos fi scais da sucedida (Decreto-Lei nº 2.341, de 1987, art. 33).

Parágrafo único. No caso de cisão parcial, a pessoa jurídica cindida poderá compensar os seus próprios prejuízos, proporcionalmente à parcela remanescente do patrimônio líquido (Decreto-Lei nº 2.341, de 1987, art. 33, parágrafo único).”

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

FGV DIREITO RIO 148

No caso de cisão parcial, ao contrário, conforme exposto no parágrafo único do mesmo art. 514, a sociedade cindida permanece com o direito à compensação dos prejuízos fi scais, mas em montante proporcional ao pa-trimônio líquido remanescente após a operação. Assim, a sociedade cindida poderá aplicar sobre o saldo de prejuízos fi scais o percentual obtido por meio da divisão do valor do patrimônio líquido remanescente.

O mesmo tratamento atribuído aos prejuízos fi scais de IRPJ deve ser atri-buído às bases negativas de CSL, conforme dispõe o art. 22 da MP 2.158-35/01. Assim, é possível afi rmar que os prejuízos fi scais e bases negativas não se transferem, mas só podem ser utilizados pelas próprias sociedades que detinham tais prejuízos e bases negativas antes do processo de reorganização societária.

Cabe ressaltar que, a despeito do que a Receita Federal entendia no passado, não há vedação de incorporação de sociedade superavitária por uma outra sociedade defi citária, permitindo assim a utilização dos prejuí-zos fi scais da incorporadora para redução do lucro tributável da sociedade incorporada. Vejamos:

“IRPJ — SIMULAÇÃO NA INCORPORAÇÃO — Para que se possa ma-terializar, é indispensável que o ato praticado não pudesse ser realizado, fosse por vedação legal ou por qualquer outra razão. Se não existia impedimento para a realização da incorporação tal como realizada e o ato praticado não é de natureza diversa daquela que de fato aparenta, não há como qualifi car-se a operação de simulada. Os objetivos visados com a prática do ato não interferem na qualifi ca-ção do ato praticado. Portanto, se o ato praticado era lícito, as eventuais conse-qüências contrárias ao fi sco devem ser qualifi cadas como casos de elisão fi scal e não de “evasão ilícita.” (Ac. CSRF/01-01.874/94). IRPJ— INCORPORAÇÃO ATÍPICA — A incorporação de empresa superavitária por outra defi citária, em-bora atípica, não é vedada por lei, representando negócio jurídico indireto.”

(Recurso nº 131653, 1ª Câmara do Conselho de Contribuintes, sessão de 28.02.2003)

Diante do exposto, como forma de maximizar o aproveitamento dos pre-juízos fi scais detidos por uma sociedade defi citária, em processo de reorga-nização de empresas, é recomendável que está sociedade venha a incorporar outra sociedade superavitária, permitido a diminuição do ônus fi scal.

Todavia, apesar de reconhecer a possibilidade de uma sociedade defi citária incorporar uma sociedade superavitária, essa operação não deve existir apenas formalmente, ou seja, apenas nos atos formais de incorporação de uma so-ciedade, devendo refl etir a substância real da operação. Caso isso se confi gure apenas uma incorporação formal, mas que não represente a real operação ocorrida, a jurisprudência administrativa entende que se está diante de uma

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

FGV DIREITO RIO 149

operação de simulação, não validando o processo de reorganização societária para efeitos tributários:

“IR — COMPENSAÇÃO DE PREJUÍZOS DA EMPRESA INCORPO-RADORA COM OS LUCROS DA INCORPORANTE — VEDAÇÃO.

(...) Comprovado, com base nos elementos constantes dos autos, que a decla-ração de vontade expressa nos atos de incorporação era enganosa para produzir efeito diverso do ostensivamente indicado, a autoridade fi scal não está jungida aos efeitos jurídicos que os atos produziram, mas a verdadeira repercussão tribu-tária dos fatos subjacentes.”

(Acórdão nº 101-83.921 da 1ª Câmara do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda).

Ponto relevante nas operações de reorganização societária é o cuidado a ser tomado pelas empresas envolvidas para que não se incorra na hipótese de vedação ao uso de prejuízos fi scais e base de cálculo negativa de CSL próprios, das empresas incorporadoras e na sociedade remanescente em uma cisão parcial, que teriam normalmente o direito ao aproveitamento, confor-me exposto acima.

Isso porque, mesmo para essas empresas, caso a operação de reorganização societária resulte em mudança de controle societário e do ramo de atividade da incorporadora ou cindida parcial, tal sociedade fi cará impedida de com-pensar seus prejuízos fi scais e base negativa de CSL por expressa vedação legal prevista no art. 513 do RIR/99:

“Art. 513. A pessoa jurídica não poderá compensar seus próprios prejuízos fi scais se entre a data da apuração e da compensação houver ocorrido, cumulati-vamente, modifi cação de seu controle societário e do ramo de atividade (Decre-to-Lei nº 2.341, de 29 de junho de 1987, art. 32).”

Dessa forma, caso uma sociedade com prejuízos fi scais próprios, venha a incorporar sociedade lucrativa, mas tenha, cumulativamente, modifi cado o seu controle societário e o ramo de atividade, a incorporadora não poderá aproveitar seus próprios prejuízos fi scais.

Limitação à Compensação dos Prejuízos Fiscal e Bases Negativas de CSL

A partir de 1º de janeiro de 1995 a compensação dos prejuízos fi scal e bases negativas de CSL fi caram sujeitos à limitação de 30% do valor do lucro real e da base de cálculo da CSL, contra os quais serão compensados. Essa limitação foi originariamente previstas nos artigos 42 (IRPJ) e 58 (CSL) da

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FGV DIREITO RIO 150

Lei nº 8.981/95, posteriormente complementados pelos artigos 15 e 16 da Lei nº 9.065/95, a seguir transcritos:

“Art. 15. O prejuízo fi scal apurado a partir do encerramento do ano-calendá-rio de 1995, poderá ser compensado, cumulativamente com os prejuízos fi scais apurados até 31 de dezembro de 1994, com o lucro líquido ajustado pelas adições e exclusões previstas na legislação do imposto de renda, observado o limite máxi-mo, para a compensação, de trinta por cento do referido lucro líquido ajustado.

Parágrafo único. O disposto neste artigo somente se aplica às pessoas ju-rídicas que mantiverem os livros e documentos, exigidos pela legislação fi scal, comprobatórios do montante do prejuízo fi scal utilizado para a compensação.”

“Art. 16. A base de cálculo da contribuição social sobre o lucro, quando negativa, apurada a partir do encerramento do ano-calendário de 1995, poderá ser compensada, cumulativamente com a base de cálculo negativa apurada até 31 de dezembro de 1994, com o resultado do período de apuração ajustado pelas adições e exclusões previstas na legislação da referida contribuição social, determinado em anos-calendário subseqüentes, observado o limite máximo de redução de trinta por cento, previsto no art. 58 da Lei nº 8.981, de 1995.

Parágrafo único. O disposto neste artigo somente se aplica às pessoas ju-rídicas que mantiverem os livros e documentos, exigidos pela legislação fi scal, comprobatórios da base de cálculo negativa utilizada para a compensação.”

Os dispositivos que originariamente criaram a limitação ao aproveitamen-to do prejuízo fi scal e base negativa foram contestados pelos contribuintes judicialmente, sob a alegação de que, com a limitação, estaria sendo tributada algo além da renda, devido à vedação de reduzir a base de cálculo.

Todavia, a jurisprudência se consolidou no sentido de reconhecer como legitima a vedação, já que não se estaria vedando a utilização dos prejuízos fi scais e base negativa, apenas postergando suas utilizações. Cite-se a decisão abaixo do Superior Tribunal de Justiça:

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO — IMPOSTO DE RENDA E CSSL — PREJUÍZOS FISCAIS — COMPENSAÇÃO — LIMITAÇÃO — LEI 8.981/95, ARTS. 42 E 58 — PRECEDENTES/STJ.

A limitação (30%) de compensação dos prejuízos fi scais indicados no ba-lanço das empresas para o exercício de 1995 é legítima porque não impede o abatimento, nos anos seguintes, dos 70% (setenta por cento) restantes, até o limite total. Ressalva do ponto de vista do relator. Recurso especial conhecido, mas improvido.”

(RESP nº 548687, 2ª Turma do STJ, Mis. Francisco Peçanha Martins, DJ 13.02.2006).

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FGV DIREITO RIO 151

Visto isso, cabe analisar os efeitos dessa vedação sobre as operações de in-corporação, fusão ou cisão total em que será extinta a sociedade incorporada, fusionada ou cindida, visto que essas sociedades não terão como se utilizar no futuro dos saldos remanescentes de prejuízos fi scais e bases negativas de CSL acumuladas.

Ora, sendo a justifi cativa para admitir a legalidade da limitação impos-ta ao aproveitamento dos prejuízos fi scais e bases negativas o fato de que é possível a utilização do saldo remanescente no futuro, e considerando que as empresas extintas durante os processos de reorganização societária não terão esse futuro, deve se admitir a utilização integral desses valores. A incorporada, fusionada ou cindida devem ser autorizadas a utilizar 100% de seus prejuízos fi scais e bases negativas na data do evento que resulte na sua extinção.

Esse entendimento já foi referendado pelo Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda, por meio de seu órgão superior, a Câmara Superior de Recursos Fiscais:

“INCORPORAÇÃO — DECLARAÇÃO FINAL DE INCORPORADA. LIMITAÇÃO DE 30% NA COMPENSAÇÃO DE PREJUÍZOS. INAPLI-CABILIDADE. No caso de compensação de prejuízos fi scais na última declara-ção de rendimentos da incorporada, não se aplica a norma de limitação a 30% do lucro líquido ajustado.”

(Acórdão nº 01-04.258, Câmara Superior de Recursos Fiscais)

Ágio na aquisição de participação societária

O ágio ou o deságio são, respectivamente, as diferenças positivas ou ne-gativas entre o valor patrimonial de uma participação societária e o valor efetivamente pago pela sociedade adquirente desta participação societária. Trataremos aqui do ágio verifi cado nos processos de aquisição de participa-ções societárias, com especial enfoque na utilização desse ágio para posterior redução da tributação em decorrência de processos de reorganização de em-presas.

Na aquisição de participação societária com ágio, o valor pago deverá ser desdobrado na contabilidade da sociedade adquirente entre o valor do patri-mônio líquido na época da aquisição, e o valor do ágio ou deságio, entendido como a diferença entre o custo de aquisição e o valor de patrimônio líquido. Assim dispões o art. 385 do RIR/99:

“Art. 385. O contribuinte que avaliar investimento em sociedade coligada ou controlada pelo valor de patrimônio líquido deverá, por ocasião da aquisição

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FGV DIREITO RIO 152

da participação, desdobrar o custo de aquisição em (Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 20):

I — valor de patrimônio líquido na época da aquisição, determinado de acordo com o disposto no artigo seguinte; e

II — ágio ou deságio na aquisição, que será a diferença entre o custo de aqui-sição do investimento e o valor de que trata o inciso anterior.

§ 1º O valor de patrimônio líquido e o ágio ou deságio serão registrados em subcontas distintas do custo de aquisição do investimento (Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 20, § 1º).

§ 2º O lançamento do ágio ou deságio deverá indicar, dentre os seguintes, seu fundamento econômico (Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 20, § 2º):

I — valor de mercado de bens do ativo da coligada ou controlada superior ou inferior ao custo registrado na sua contabilidade;

II — valor de rentabilidade da coligada ou controlada, com base em previsão dos resultados nos exercícios futuros;

III — fundo de comércio, intangíveis e outras razões econômicas.§ 3º O lançamento com os fundamentos de que tratam os incisos I e II

do parágrafo anterior deverá ser baseado em demonstração que o contribuinte arquivará como comprovante da escrituração (Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 20, § 3º).

Como visto, as razões que podem justifi car o ágio previstas na legislação fi scal são (a) o valor de mercado dos bens que integram o ativo da socieda-de adquirida, maior que o valor patrimonial indicado na contabilidade da adquirida; (b) o valor da expectativa da rentabilidade futura da sociedade adquirida (em geral com base no fl uxo de caixa descontado); e (c) fundo de comércio, intangíveis e outras razões econômicas.

Ponto tratado especifi camente pela legislação fi scal, mas que em deter-minadas operações não é observado pelas sociedades é a necessidade de se justifi car, com demonstração contábil técnica, o ágio baseado no valor de mercado dos bens, e na expectativa de rentabilidade futura. A ausência desse laudo técnico irá inviabilizar, por exemplo, o aproveitamento fi scal do ágio, conforme visto a seguir.

De fato, quando uma sociedade absorve patrimônio de outra, via um pro-cesso de reorganização societária, o ágio eventualmente existente poderá ser utilizado para reduzir a base de cálculo na pessoa jurídica sucessora, na forma do art. 386 do RIR/99:

“Art. 386. A pessoa jurídica que absorver patrimônio de outra, em virtude de incorporação, fusão ou cisão, na qual detenha participação societária adquirida com ágio ou deságio, apurado segundo o disposto no artigo anterior (Lei nº 9.532, de 1997, art. 7º, e Lei nº 9.718, de 1998, art. 10):

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

FGV DIREITO RIO 153

I — deverá registrar o valor do ágio ou deságio cujo fundamento seja o de que trata o inciso I do § 2º do artigo anterior, em contrapartida à conta que registre o bem ou direito que lhe deu causa;

II — deverá registrar o valor do ágio cujo fundamento seja o de que trata o inciso III do § 2º do artigo anterior, em contrapartida a conta de ativo perma-nente, não sujeita a amortização;

III — poderá amortizar o valor do ágio cujo fundamento seja o de que trata o inciso II do § 2º do artigo anterior, nos balanços correspondentes à apuração de lucro re al, levantados posteriormente à incorporação, fusão ou cisão, à razão de um sessenta avos, no máximo, para cada mês do período de apuração;

IV — deverá amortizar o valor do deságio cujo fundamento seja o de que trata o inciso II do § 2º do artigo anterior, nos balanços correspondentes à apu-ração do lucro real, levantados durante os cinco anos-calendário subseqüentes à incorporação, fusão ou cisão, à razão de um sessenta avos, no mínimo, para cada mês do período de apuração. (...)”

Com base nos dispositivos legais acima transcritos, a maioria das opera-ções de aquisição de empresas se dá com base na expectativa de rentabilidade futura da sociedade adquirida, em geral calculada com base no fl uxo de caixa descontado, em média de cinco anos. Assim o adquirente irá registrar o ágio da operação com base no art. 385, § 2º, inciso II.

Posteriormente, com base no art. 386, inciso III, é realizado processo de reorganização societária onde, por meio de uma incorporação, uma pessoa jurídica absorva outra, sendo permitida a amortização desse ágio na apura-ção do lucro real, à razão de 1/60, no máximo, para cada mês do período de apuração.

Assim, o valor que foi pago à título de ágio originalmente na aquisição de participação societária poderá ser utilizado para reduzir a base de cálculo de incidência do Imposto de Renda. Observe-se que, além da incorporação da sociedade investida pela investidora, que seria o caminho mais natural, é permitido que a sociedade investida venha a incorporar a investidora, e, assim também ter direito de amortizar o ágio originalmente pago pela inves-tidora. Nesse sentido já decidiu o Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda:

“Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica — IRPJAno-calendário: 2002AMORTIZAÇÃO DE ÁGIO. INCORPORAÇÃO DE PESSOA JURÍ-

DICA CONTROLADORA POR SUA CONTROLADA. ANO-CALENDÁ-RIO 2002. É permitida a amortização de ágio nas situações em que uma pessoa jurídica absorve patrimônio de outra, em conseqüência de incorporação, na qual detenha participação societária adquirida com ágio, apurado segundo o disposto

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

FGV DIREITO RIO 154

140 Alunas do Curso de Direito da FGV

Direito Rio.

no artigo 385 do RIR/99, inclusive no caso de incorporação da controladora por sua controlada. Tratando-se de fundamento econômico lastreado em previsão de resultados nos exercícios futuros, a amortização se dá nos balanços corres-pondentes à apuração do lucro real, levantados posteriormente à incorporação, à razão de 1/60 (um sessenta avos), no máximo, para cada mês do período de apuração.

INCORPORAÇÃO DE EMPRESA. AMORTIZAÇÃO DE ÁGIO. NE-CESSIDADE DE PROPÓSITO NEGOCIAL. UTILIZAÇÃO DE “EMPRE-SA VEÍCULO”. Não produz o efeito tributário almejado pelo sujeito passivo a incorporação de pessoa jurídica, em cujo patrimônio constava registro de ágio com fundamento em expectativa de rentabilidade futura, sem qualquer fi nalida-de negocial ou societária, especialmente quando a incorporada teve o seu capital integralizado com o investimento originário de aquisição de participação socie-tária da incorporadora (ágio) e, ato contínuo, o evento da incorporação ocorreu no dia seguinte. Nestes casos, resta caracterizada a utilização da incorporada como mera “empresa veículo” para transferência do ágio à incorporadora.”

(Recurso nº 152980, 3ª Câmara do Conselho de Contribuintes, sessão de 05.12.2007)

Como visto na parte fi nal da decisão acima transcrita, apesar de ser per-mitida a amortização do ágio no caso de incorporação da controladora pela controlada, caso não reste demonstrado o propósito negocial, essa amortiza-ção não será permitida pelas autoridades fi scais.

D) TEXTOS DE APOIO

Operarações de Incorporação, Cisão, Fusão e Transformação — Aspectos Fiscais

Anna Beatriz Luz, Desiree Perón e Juliana Kac 140

CONTEXTUALIZAÇÃO

As reestruturações societárias envolvendo incorporação, fusão e cisão constituem operações em que pessoas jurídicas (“PJ”) transferem direitos e obrigações para outra PJ. Neste sentido, representa um processo de sucessão em que a PJ sucessora se torna detentora do patrimônio que lhe foi transferi-do para o exercício de uma atividade empresarial.

No que se refere à obrigação tributária, o Código Tributário Nacional, ao disciplinar a matéria determina que a nova sociedade ou a remanescente será responsável pelos tributos devidos pelas incorporadas, cindidas ou fusionadas:

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

FGV DIREITO RIO 155

”Art. 132. A pessoa jurídica de direito privado que resultar de fusão, trans-formação ou incorporação de outra ou em outra é responsável pelos tributos devidos até a data do ato pelas pessoas jurídicas de direito privado fusionadas, transformadas ou incorporadas.”

1. INCORPORAÇÃO

As operações de incorporação encontram-se defi nidas pelo artigo 227 da Lei 6.404/76 (“LSA”), abaixo transcrito:

“Art. 227 — A incorporação é a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações.”

Sendo assim, verifi ca-se que em operações de incorporação, a sociedade incorporadora absorve a incorporada, que será extinta, sucedendo todos os direitos e obrigações da última.

O patrimônio líquido (“PL”) e o capital social (“CS”) da sociedade in-corporadora, desta forma, será acrescido pelo PL e CS da incorporada. No que se refere aos sócios ou acionistas da incorporada, estes passarão a possuir investimentos na incorporadora.

Abaixo, esquema de operação de incorporação entre empresas de um mes-mo grupo econômico:

Antes da incorporação:

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

FGV DIREITO RIO 156

Após a incorporação:

2. FUSÃO

Na fusão, duas ou mais sociedades se unem para formação de uma nova sociedade; esta sociedade sucederá as demais em todas as suas obrigações e direitos extinguindo-as.

A LSA, em seu artigo 228, defi ne tal operação como:

“Art. 228. A fusão é a operação pela qual se unem duas ou mais sociedades para formar sociedade nova, que lhes sucederá em todos os direitos e obrigações.”

Abaixo, esquema de operação de fusão:Antes da fusão:

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FGV DIREITO RIO 157

Após a fusão:

3. CISÃO

Em operações de cisão uma sociedade transfere parte de seu patrimônio para uma ou mais sociedades, que podem ser pré-existentes ou não.

A LSA assim defi ne tais operações:

“Art. 229. A cisão é a operação pela qual a companhia transfere parcelas do seu patrimônio para uma ou mais sociedades, constituídas para esse fi m ou já existentes, extinguindo-se a companhia cindida, se houver versão de todo o seu patrimônio, ou dividindo-se o seu capital, se parcial a versão.”

A cisão, neste sentido, pode ser parcial ou total. Na primeira, somente uma parte do patrimônio é transferido enquanto na segunda o patrimônio é completamente transferido extinguindo-se a sociedade cindida.

Abaixo, esquema de operação de cisão parcial sem incorporação:Antes da cisão parcial de B:

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Após a cisão parcial de B:

4. TRANSFORMAÇÃO

A transformação é a operação pela qual a sociedade passa, independen-temente de dissolução e liquidação, de um tipo societário para outro (LSA — art. 220). Ocorre, por exemplo, quando uma sociedade limitada se trans-forma em anônima.

5. IMPOSTO DE RENDA PESSOA JURÍDICA (“IRPJ”) E CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO LÍQUIDO (“CSL”)

a. Encerramento de Período Base — Declaração de Informações Econômicas Fiscais da Pessoa Jurídica (“DIPJ”)

Nas reestruturações societárias envolvendo incorporação, fusão e cisão de sociedades, as sociedades incorporadora e incorporada, cisionada ou fundida devem encerrar o período-base para fi ns de incidência de IRPJ e CSL. Tal obrigatoriedade foi imposta pela Lei 9.430/97, nos seguintes termos:

“Art. 1º A partir do ano-calendário de 1997, o imposto de renda das pessoas jurídicas será determinado com base no lucro real, presumido, ou arbitrado, por períodos de apuração trimestrais, encerrados nos dias 31 de março, 30 de junho, 30 de setembro e 31 de dezembro de cada ano-calendário, observada a legislação vigente, com as alterações desta Lei.

§ 1º Nos casos de incorporação, fusão ou cisão, a apuração da base de cálculo e do imposto de renda devido será efetuada na data do evento, observado o dis-posto no art. 21 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995.

§ 2° Na extinção da pessoa jurídica, pelo encerramento da liquidação, a apu-ração da base de cálculo e do imposto devido será efetuada na data desse evento.”

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FGV DIREITO RIO 159

Importante observar que, nos casos em que as sociedades envolvidas na operação de incorporação estiverem submetidas ao mesmo controle societá-rio, desde o ano-calendário anterior ao do evento, não existe a necessidade quanto ao encerramento do período-base.

Como conseqüência do encerramento do período-base as sociedade estão obrigadas a apresentação da DIPJ até o último dia útil do mês subseqüente ao da ocorrência do evento.

a. Compensação de Prejuízos Fiscais/ Bases Negativas da CSL

O direito a compensação de prejuízos fi scais é somente autorizado em operações de cisão parcial em montante proporcional a parcela remanescente do patrimônio líquido.

Nos demais casos (incorporação e fusão) não há direito`a compensação de prejuízos fi scais, conforme dispõe o art. 514 do Decreto 3.000/99 (“RIR”):

“Art. 514. A pessoa jurídica sucessora por incorporação, fusão ou cisão não pode-rá compensar prejuízos fi scais da sucedida (Decreto-Lei nº 2.341, de 1987, art. 33).

Parágrafo único. No caso de cisão parcial, a pessoa jurídica cindida poderá compensar os seus próprios prejuízos, proporcionalmente à parcela remanescente do patrimônio líquido (Decreto-Lei nº 2.341, de 1987, art. 33, parágrafo único).”

Até julho de 1999 o direito`a compensação de bases negativas de CSL era permitido nas operações de incorporação, fusão e cisão por falta de vedação legal. Contudo, em 11.04.2000 foi editada a Medida Provisória 1991-16/00 que vedou tal possibilidade. Atualmente esta em vigor a MP 2158-35/01 que manteve tal disposição.

Note-se que não haverá a possibilidade de compensar os prejuízos apura-dos entre a data da apuração e da compensação em caso de incorporação e cisão que resulte em alteração do controle societário ou do ramo de atividade da incorporadora (art. 513 do RIR).

a. Incorporação de empresa lucrativa por outra com prejuízos acumulados

Apesar de ser vedado a compensação de prejuízos em hipótese em que a empresa lucrativa incorpore a sociedade com prejuízos, não há vedação legal restringindo a hipótese contraria.

Dessa forma, atualmente o planejamento tributário que tem sido realiza-do para o aproveitamento de prejuízos fi scais consiste na realização de opera-

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FGV DIREITO RIO 160

ção de incorporação reversa (`as avessas). Nesse sentido, citamos o seguinte precedente da Câmara Superior de Recursos Fiscais (“CSRF”):

“IRPJ — INCORPORAÇÃO ÀS AVESSAS — GLOSA DE PREJUÍZOS — IMPROCEDÊNCIA — A denominada “incorporação às avessas”, não proi-bida pelo ordenamento jurídico, realizada entre empresas operativas e que sem-pre estiveram sob controle comum, não pode ser tipifi cada como operação si-mulada ou abusiva, mormente quando, a par da inegável intenção de não perda de prejuízos fi scais acumulados, teve por escopo a busca de melhor efi ciência das operações entres ambas praticadas.” Acórdão n. 01-05.413

A despeito de tais operações terem sido reconhecidas como licitas pela jurisprudência administrativa há decisões que consideram as mesmas como fraude ou simulação. Deve-se atentar ao risco da operação poder ser, portan-to, desconsiderada pelo Fisco, o que provocara a incidência de multa qualifi -cada e a impossibilidade de aproveitamento do prejuízo. Cite-se, por todos, o seguinte acórdão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF” — antigo Conselho de Contribuintes):

“COMPENSAÇÃO DE PREJUÍZOS — Os prejuízos compensáveis, de acordo com a legislação fi scal (RIR/80, art. 382) são os sofridos pela própria pessoa jurídica, sendo defesa a compensação de prejuízos da empresa incorpora-da com os lucros da incorporante. Comprovado, com base nos elementos cons-tantes dos autos, que a declaração de vontade expressa nos atos de incorporação era enganosa para produzir efeito diverso do ostensivamente indicado, a autori-dade fi scal não está jungida aos efeitos jurídicos que os atos produziram, mas à verdadeira repercussão tributária dos fatos subjacentes. MULTA QUALIFICA-DA — Confi gurado o evidente intuito de reduzir a base de cálculo do imposto através de fraude à lei fi scal, justifi ca-se a aplicação da multa qualifi cada prevista no inciso III do artigo 728 do RIR/80. MULTA AGRAVADA — Não se confi -gurando na espécie o evidente intuito de fraude de que trata o inciso III do art. 728 do RIR/80, impõe-se a desqualifi cação da penalidade imposta.” Acórdão n. 101-83.921

a. Ganhos e perdas de capital

A incorporação, fusão e cisão poder gerar perdas ou ganhos de capital, decorrente da diferença entre o valor contábil das quotas ou ações extintas e o valor do acervo liquido que as substituir, nos termos do art. 430 do RIR:

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FGV DIREITO RIO 161

“Art. 430. Na fusão, incorporação ou cisão de sociedades com extinção de ações ou quotas de capital de uma possuída por outra, a diferença entre o valor contábil das ações ou quotas extintas e o valor de acervo líquido que as substituir será computada na determinação do lucro real de acordo com as seguintes nor-mas (Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 34):

I — somente será dedutível como perda de capital a diferença entre o valor contábil e o valor do acervo líquido avaliado a preços de mercado, e o contri-buinte poderá, para efeito de determinar o lucro real, optar pelo tratamento da diferença como ativo diferido, amortizável no prazo máximo de dez anos;

II — será computado como ganho de capital o valor pelo qual tiver sido recebido o acervo líquido que exceder ao valor contábil das ações ou quotas extintas, mas o contribuinte poderá, observado o disposto nos §§ 1º e 2º, diferir a tributação sobre a parte do ganho de capital em bens do ativo permanente, até que esse seja realizado.

§ 1º O contribuinte somente poderá diferir a tributação da parte do ganho de capital correspondente a bens do ativo permanente se (Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 34, § 1º):

I — discriminar os bens do acervo líquido recebido a que corresponder o ganho de capital diferido, de modo a permitir a determinação do valor realizado em cada período de apuração; e

II — mantiver, no LALUR, controle do ganho de capital ainda não tributa-do, cujo saldo fi cará sujeito à atualização monetária até 31 de dezembro de 1995 (Lei nº 9.249, de 1995, art. 6º, e parágrafo único).

§ 2º O contribuinte deve computar no lucro real de cada período de apura-ção a parte do ganho de capital realizada mediante alienação ou liquidação, ou através de quotas de depreciação, amortização ou exaustão e respectiva atualiza-ção monetária até 31 de dezembro de 1995, quando for o caso, deduzidas como custo ou despesa operacional (Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 34, § 2º, e Lei nº 9.249, de 1995, art. 6º, e parágrafo único).”

Desta forma, a diferença será computada no lucro real, aumentando ou diminuindo o imposto a ser recolhido, conforme o caso.

a. Ágio/deságio

O ágio ou deságio, em operações de aquisição societária avaliadas pelo método de equivalência patrimonial (MEP), resta confi gurado quando há diferença entre o valor do patrimônio líquido contábil — PLC da investida

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FGV DIREITO RIO 162

e o custo de sua aquisição. Sendo assim, caso o montante investido (custo de aquisição) seja maior do que o valor constante do PLC da investida, esta diferença deverá ser contabilizada como ágio no balanço patrimonial — e seus refl exos na demonstração de resultado do exercício — da sociedade in-vestidora que utilize o MEP.

Isto, pois, com base no disposto nos artigos 7 e 8 da lei n° 9.532/97, o re-ferido ágio é dedutível na apuração do lucro real do Imposto de Renda — IR caso seja oriundo de incorporação, fusão ou cisão, confi gurando-se exceção à regra constante no artigo 23, parágrafo único, do Decreto-lei n° 1.598/77.

O registro do ágio ou deságio averiguado, deverá ser registrado em sub-contas distintas do custo de aquisição do investimento, sendo necessário in-dicar a razão, o fundamento, de sua existência.

Sendo assim, tendo em vista que o ágio oriundo de incorporações, fusões ou cisões é dedutível na apuração do Imposto de Renda — IR, este se mostra como um benefício fi scal essencial para viabilizar tais operações.

6. IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIA E SERVIÇO (“ICMS”)

O ICMS incide sobre a circulação de mercadorias e a prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação. Se a operação de incorporação, fusão ou cisão provocar a transferência física de estoque ou imobilizado de um estabelecimento comercial para outro, incidirá ICMS.

7. IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS (“IPI”)

O IPI incide sobre produtos industrializados, nacionais e estrangeiros, obedecidas as especifi cações constantes da Tabela de Incidência do IPI. As-sim como no ICMS, se a operação de incorporação, fusão ou cisão provocar a transferência física de estoque ou imobilizado de um estabelecimento co-mercial para outro e estiver disposto na tabela, incidirá IPI.

8. IMPOSTO SOBRE A TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS (“ITBI”)

O ITBI incide sobre a transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais so-bre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição.

O referido imposto encontra-se previsto no art. 156, II da Constituição Federal (“CF”), assim como exceção a regra acima exposta em casos de incor-poração, fusão e cisão, nos seguintes termos:

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FGV DIREITO RIO 163

“Art. 156 § 2º — O imposto previsto no inciso II: I — não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses ca-sos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil;”

Observe que, nas hipóteses em que a atividade preponderante da incor-poradora/sucessora for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil haverá a incidência do ITBI.

O CTN, em seu artigo 37, defi ne atividade preponderante como:

“Art. 37. § 1º Considera-se caracterizada a atividade preponderante referida neste artigo quando mais de 50% (cinqüenta por cento) da receita operacional da pessoa jurídica adquirente, nos 2 (dois) anos anteriores e nos 2 (dois) anos subseqüentes à aquisição, decorrer de transações mencionadas neste artigo.”

Atualmente, a alíquota do ITBI no Rio de Janeiro é de 4%.

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FGV DIREITO RIO 164

141 Fundos de Investimentos em Partici-

pações ( FIP ) — mais um Instrumento

para Redução do Custo Brasil. Luiz Leo-

nardo Cantidiano.

14. AULA 16: O USO DOS FUNDOS DE INVESTIMENTOS EM PAR-TICIPAÇÕES FIP

Obs. Esta aula extra não está incluída no plano de aulas do curso e somen-te será administrada em caso de sobra de tempo no fi m do período letivo.

A) EMENTÁRIO DE TEMAS

O Uso dos Fundos de Investimento em Participações.

B) MATERIAL DE LEITURA

Leitura Complementar

ROCHA, Tatiana Nogueira. “Fundos de Investimento e o Papel do Adminis-trador”. São Paulo: Ibmec Law, 2006.

C) ROTEIRO DE AULA

O Uso de Fundos de investimentos em Participações.

Não obstante o fato do mercado de capitais no Brasil oferecer a um inves-tidor uma enorme gama de produtos, o fundo de investimento em participa-ções é um conceito relativamente novo.

Até o ano de 2003 as poucas experiências existentes no mercado brasileiro de constituição de fundos com as características de um “private equity” decor-reram da adaptação das regras aplicáveis aos fundos de investimentos em ações FIA, o que criava inúmeras restrições à correta utilização do instituto. 141

Esta incerteza permaneceu até que a Comissão de Valores Mobiliários — CVM baixou a Instrução No. 391, de 16 de julho de 2003, regulando os Fundos de Investimento em Participações — FIPs, o veiculo ideal para in-vestimento em fundos de private equity. O propósito dos FIPs é de adquirir ações, debêntures, warrants e outros títulos conversíveis ou permutáveis por ações emitidas por companhias abertas ou fechadas. É uma condição para qualquer investimento com FIPs que haja uma efetiva participação na admi-nistração da companhia em que se está investindo, através, por exemplo, da nomeação de diretores.

O FIP é um instrumento bastante utilizado em economias mais desenvolvi-das, isto porque admite que a empresa, que ainda não atingiu um estágio e um porte que lhe permitam acessar o mercado através de oferta primária de ações

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FGV DIREITO RIO 165

142 Idem.

(IPO), mas que necessita de capital para desenvolver seus negócios, moderni-zar-se e conquistar mais mercado, venha a captar, por prazos longos, recursos fornecidos por investidores que estão dispostos a correr os riscos inerentes ao salto que a empresa investida pretende dar, buscando alcançar maiores lucros, derivados não apenas do retorno que possa ser alcançado pelo recebimento de dividendos futuros, mas especialmente da expectativa de valorização da ação que possibilite, quando do IPO, um expressivo ganho de capital.142

O FIP pode participar no processo de decisão da companhia através dos seguintes mecanismos:

• detendo ações que são parte do bloco de controle;• entrando em acordos de acionistas; ou• tomando quaisquer outras medidas que garantam a efetiva infl uência do

FIP na administração da companhia ou nas políticas estratégicas desta.

O arcabouço regulatório dos FIPs é fl exível. Há alguns requisitos de como estes deverão ser administrados: o estatuto tem fl exibilidade substancial em dispor como regular o requisito do capital mínimo, a política de investimento, chamadas para investir capital, distribuição de resultados. As ofertas públicas dos FIPs estão sujeitas a requisitos mínimos de registro que são fl exíveis, já que seus investidores são considerados investidores sofi sticados, que tem condições de avaliar as perspectivas e os riscos desta forma de investimento.

FIPs em companhias em recuperação.

A Instrução 391 permite que FIPs investam em companhias sob recupera-ção mediante o uso de ativos ou créditos para compra de ações. Esta Instrução requer que tais ativos ou créditos sejam avaliados e que esta avaliação conste em um relatório de avaliação feita por um expert que seja relacionado ao pro-cedimento de recuperação. Credores podem, portanto, usar seus créditos para investir na companhia, um aspecto que mudou, de forma dramática, todo o cenário das relações entre credores e investidores em companhias insolventes.

Benefícios de se Usar os FIPs

Geralmente, os FIPs são administrados por terceiros a fi m de que:

• sejam maximizados os retornos fi nanceiros dos credores que vão rece-ber quotas dos fundos como pagamento pelas suas demandas; e

• seja dada mais credibilidade, transparência e segurança ao planos de reorganização.

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FGV DIREITO RIO 166

Através desta estrutura, credores que têm interesse em comum podem melhorar suas posições de negociação a fi m de exercerem um papel mais im-portante durante a reorganização da empresa, permitindo a estes receber seus créditos e aumentar seus ganhos através de dividendos ou venda da empresa já recuperada.

Portanto, o uso de FIPs quando se trata de uma companhia insolvente pode trazer vantagens signifi cativas e benefícios a todos envolvidos no pro-cesso de reorganização.

Por exemplo, os credores de uma companhia em recuperação podem ad-quirir quotas do FIP mediante cessão de seus créditos contra a empresa ou até ativos relacionados ao processo de reorganização. Há também credores que queiram vender parte ou a totalidade de seus créditos a investidores que queiram participar no processo de reorganização a fi m de obter resultados maiores do que os resultados efetivamente disponíveis no mercado.

Investidores estratégicos que queiram tomar controle de uma companhia podem investir em fundos no FIP. Tais investidores irão alocar estes fundos para a capitalização da companhia e exercer um papel relevante na estrutura de governança do fundo.

Ademais, fornecedores de bens e equipamentos e prestadores de serviços podem transferir seus bens, equipamentos e créditos ao FIP. Esta medida per-mitiria que uma unidade de produção que estivesse em recuperação tivesse fl uxo de caixa compatível com sua situação econômica e fi nanceira, enquanto permitiria que estas partes maximizassem seus ganhos.

Luiz Leonardo Cantidiano, Otto Eduardo Fonseca Lobo and Daniel Kalansky

D) TEXTOS DE APOIO

Fundos de Investimentos em Participações (FIP) — mais um instrumento para redução do custo Brasil

Luiz Leonardo Cantidiano

Inicio as minhas considerações sobre o tema objeto de minha refl exão lembrando que os Fundos de Investimentos em Participações (FIP) foram regulamentados pela Instrução CVM nº 391/03, editada durante a minha gestão como Presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Ressalto que o FIP é um instrumento bastante utilizado em economias mais desenvolvidas, isto porque admite que a empresa, que ainda não atingiu um estágio e um porte que lhe permitam acessar o mercado através de oferta primária de ações (IPO), mas que necessita de capital para desenvolver seus negócios, modernizar-se e conquistar mais mercado, venha a captar, por pra-

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FGV DIREITO RIO 167

143 Experiências recentes, ocorridas em

nosso país, confi rmam a tese aqui sus-

tentada, dentre as quais posso citar os

casos da Gol, da Tam, de Diagnósticos

das Américas (DASA) e do UOL, nos

quais os aportes efetuados por fundos

de private equity e a colaboração na

gestão das companhias investidas

foram fundamentais para assegurar o

crescimento das referidas empresas,

propiciando aos investidores, quando

do respectivo IPO, obter ganho de

capital acima da média vigente no

mercado.

zos longos, recursos fornecidos por investidores que estão dispostos a correr os riscos inerentes ao salto que a empresa investida pretende dar, buscando alcançar maiores lucros, derivados não apenas do retorno que possa ser alcan-çado pelo recebimento de dividendos futuros, mas especialmente da expec-tativa de valorização da ação que possibilite, quando do IPO, um expressivo ganho de capital143.

Até o ano de 2003 as poucas experiências existentes no mercado brasileiro de constituição de fundos com as características de um “private equity” de-correram da adaptação das regras aplicáveis aos fundos de investimentos em ações (FIA), o que criava inúmeras restrições à correta utilização do instituto.

Eu, que havia participado, como advogado do então Banco Garantia de Investimentos, da criação (no ano de 1996), do 1º fundo com essa caracterís-tica (Brasil Private Equity Fundo de Investimento em Ações), conhecia bem as difi culdades que deviam ser enfrentadas para possibilitar dita adaptação, dentre as quais certamente a maior delas decorria da imposição regulamentar que restringia as aplicações do FIA a companhias abertas.

Em artigo que escrevi para o 1º numero da Revista Capital Aberto, quan-do estava no exercício da Presidência da CVM, chamei a atenção do leitor para o fato de que a agencia reguladora de nosso mercado de capitais estava imbuída da necessidade de modernizar o ambiente regulatório, desenvolven-do mecanismos e procedimentos que permitissem viabilizar o crescimento simultâneo dos mercados primário e secundário de valores mobiliários.

Especifi camente sobre o FIP, que estava, naquela ocasião, sendo objeto de regulação pela CVM, tive a oportunidade de afi rmar:

Mas não é sufi ciente, para desenvolver o mercado, aperfeiçoar as regras sobre os instrumentos já disponíveis para emissores e investidores. Faz-se ne-cessário, num regime jurídico como o nosso, oferecer novos produtos que venham a permitir alternativas diferenciadas de captação e aplicação da pou-pança popular.

Nos países mais desenvolvidos, atenção especial é dada aos empreendi-mentos que se encontram numa fase inicial de concepção e implantação, sem que se possa assegurar seu pleno sucesso.

Nessa fase, em que os recursos disponíveis em mãos de empreendedo-res são escassos, é preciso viabilizar fontes adequadas de obtenção de capital novo, que possibilitem a continuidade do projeto. Não podem os empreen-dedores, em tal estágio, pretender captar recursos pela emissão de ações ou debêntures nos mercados nacionais, até mesmo porque há o risco de o pro-jeto não prosperar ou, o que também é comum, demorar a oferecer retorno.

O fundo de private equity (o nosso fundo de investimento em partici-pações, regulado pela Instrução CVM nº 391/03) permite que adminis-tradores de recursos possam obter capitais para destiná-los a aplicações em projetos dessa natureza, oferecendo aos aplicadores a oportunidade de, no

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TRADING ELETRÔNICO E O MERCADO DE CAPITAIS

FGV DIREITO RIO 168

144 A participação do fundo no processo

decisório da companhia investida pode

ocorrer: (a) pela detenção de ações que

integrem o respectivo bloco de con-

trole, (b) pela celebração de acordo de

acionistas ou, ainda, (c) pela celebração

de ajuste de natureza diversa ou ado-

ção de procedimento que assegure ao

fundo efetiva infl uência na defi nição de

sua política estratégica e na sua gestão.

longo prazo, com a maturação dos investimentos realizados, obter retorno adequado, decorrente da valorização do negócio explorado pelo receptor dos recursos captados.

Em nosso país, utilizava-se uma adaptação do fundo de investimento em ações para permitir a aplicação de recursos em operações de private equity. Dita solução não atendia plenamente os objetivos que se busca alcançar com a utilização do private equity, não apenas porque os fundos de ações não estão autorizados a investir seus recursos em companhias fechadas, mas também porque as regras que tratam de sua organização e operação não são as mais apropriadas para permitir o melhor aproveitamento do instituto.

De acordo com a regulamentação editada pela CVM, o fundo de Investi-mento em participações é uma comunhão de recursos destinados à aquisição de ações, debêntures, bônus de subscrição, ou outros títulos e valores mo-biliários conversíveis ou permutáveis em ações de emissão de companhias, abertas ou fechadas, com participação no processo decisório da companhia investida, e efetiva infl uência na defi nição de sua política estratégica e na sua gestão, notadamente através da indicação de membros do Conselho de Administração144.

Para permitir que o fundo de private equity esteja habilitado a participar de projetos de reorganização de empresas, a regulamentação admite que a in-tegralização de cotas, pelo investidor, possa ser efetivada em bens ou direitos, inclusive créditos, desde que tais bens e direitos estejam vinculados ao pro-cesso de recuperação da sociedade investida e desde que o valor dos mesmos esteja respaldado em laudo de avaliação elaborado por empresa especializada.

Considerando que as aplicações feitas pelos fundos de private equity são de maturação longa, e que na maioria das vezes os valores mobiliários de emissão das companhias investidas são de nenhuma ou de baixa liquidez, até mesmo porque elas podem não ser sociedades abertas, o produto não pode ser dirigido ao varejo, o que levou a CVM a restringir tais aplicações a inves-tidores qualifi cados.

Pela natureza dos investidores que estão autorizados a aplicar suas pou-panças em fundos de private equity, a CVM optou por fazer ampla delegação aos respectivos regulamentos sobre as regras de sua organização e de seu fun-cionamento, até mesmo porque a prática demonstra que, durante a criação do fundo os possíveis investidores estão adequadamente assessorados e sabem exigir as regras que, em cada caso, melhor protejam seus interesses”.

Cumpre recordar que, além da Instrução 391/03, que regulamentou o FIP, a CVM também editou a Instrução 406/04, que dispõe sobre a cons-tituição, o funcionamento e a administração dos Fundos de Investimento em Participações que obtenham apoio fi nanceiro de organismos de fomento. Dita instrução permite que possam ser emitidas, pelo fundo, (a) cotas de diferentes classes, a que sejam atribuídos direitos econômico-fi nanceiros e/ou

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FGV DIREITO RIO 169

145 De acordo com o que estabelece a

Instrução 406/04, são considerados

como organismos de fomento os or-

ganismos multilaterais, agências de

fomento ou bancos de desenvolvimen-

to que possuam recursos provenientes

de contribuições e cotas integralizadas

majoritariamente com recursos orça-

mentários de um único ou diversos

governos, e cujo controle seja governa-

mental ou multi-governamental.

146 Segundo está consignado no ende-

reço eletrônico da CVM (www.cvm.gov.

br), no corrente ano foram registradas

5 ofertas de FIP, totalizando mais de 2

bilhões de reais; no ano de 2005 foram

concedidos 6 registros, totalizando

mais de R$ 2.100 milhões.

147 Quando da privatização de empre-

sas estatais, durante a última década,

muitos investidores que participaram

do processo utilizaram a estrutura do

private equity (através da adaptação

do FIA, já referida) para realizar seus

investimentos.

políticos diferenciados, a serem estabelecidos no respectivo regulamento, (b) ao mesmo tempo em que admite que o fundo possa contrair empréstimos, diretamente, dos organismos, das agências de fomento ou dos bancos de de-senvolvimento, limitados tais empréstimos ao montante correspondente a 30% (trinta por cento) dos ativos do fundo145.

Saliento que a Instrução CVM 406/04 foi editada a pedido do BID, que desejava, em conjunto com investidores de mercado, aplicar recursos em nosso país que fossem direcionados a projetos de infra-estrutura, mas que desejava fazê-lo na posição de credor (e não de acionista), através de um FIP, porque considerava que este seria o veículo mais adequado para congregar os interesses de todos os poupadores que viessem a se interessar por participar dos projetos de melhoria da infra-estrutura de nosso país.

Expostas as razões que levaram a CVM a regulamentar o FIP, e descritas as suas principais características, cumpre-me agora ressaltar em que medida o citado fundo pode contribuir para a redução do custo Brasil.

A esse respeito penso que o primeiro aspecto a ser destacado diz respeito à perspectiva que se abre, de forma mais ampla, para a nossa economia, de captar recursos a serem investidos por prazos mais longos146, permitindo que nossas empresas (especialmente aquelas que são exploradas por companhias fechadas) possam desenvolver projetos de crescimento e de modernização, certas de que poderão obter apoio fi nanceiro de investidores interessados em participar do processo de desenvolvimento planejado, a um custo mais baixo de capital. Por outro lado, além do apoio fi nanceiro derivado da captação de recursos, as empresas estão habilitadas a alcançar apoio gerencial, instru-mento importante para permitir que seu processo de desenvolvimento seja corretamente implementado.

Assinalo, porque importante para compreender a questão aqui analisada, que o FIP substitui, até mesmo com vantagens fi scais, a sociedade holding, como mecanismo para possibilitar que recursos dos poupadores possam ser aglutinados e direcionados a investimentos no setor produtivo da economia, gerando empregos e impostos.

Não é por outra razão, aliás, que os investidores vêm estruturando opera-ções das mais variadas naturezas mediante a utilização de FIP. Como exemplo posso citar, não apenas aquelas operações tradicionais de aporte de recursos a empresas que necessitam crescer e se modernizar, mas também as operações de Project fi nance, em que os fi nanciadores antecipam recursos fi nanceiros a serem pagos através de resultados a serem alcançados pela exploração do em-preendimento implantado com o fi nanciamento concedido pelo mercado.

Aliás, em todos as discussões que vêm sendo travadas sobre a estruturação das Parcerias Público Privadas (PPPs)147, sempre é ressaltada a conveniência de utilização do FIP como veículo capaz de aglutinar os interesses dos inves-

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FGV DIREITO RIO 170

tidores, destinando os recursos captados ao fi nanciamento do projeto a ser desenvolvido.

Outro ponto da regulamentação do FIP, que também deve ser objeto de destaque, está relacionado à entrada em vigor, em nosso país, da lei de re-cuperação de empresas, que visa permitir que as entidades que se encontra-rem em difi culdades, decorrentes de inadequada estrutura de capital ou de problemas de gestão (aí consideradas, também, as difi culdades oriundas das características de seu controle acionário).

Todos aqueles que, de um modo ou de outro, já estiveram envolvidos em operações de recuperação de empresas, ao perceberem que ao menos uma par-cela do empreendimento pode ser recuperada, através da segregação dos seto-res viáveis da empresa, que atravessa problemas de liquidez, ou que se defronta com estrutura inadequada de capital, para dar continuidade aos itens do ne-gócio com perspectiva de crescimento, também encontraram difi culdades na obtenção de novos recursos capazes de permitir o soerguimento da empresa.

Os investidores, capazes de destinar recursos novos para permitir a recupe-ração da empresa viável, são reticentes em participar da operação de recupera-ção, em primeiro lugar, pelo risco de fi carem contaminados pelos problemas decorrentes da situação delicada em que a empresa se encontra. De outro lado, os investidores geralmente não estão dispostos a injetar recursos fi nan-ceiros na companhia, correndo o duplo risco de (a) permanecer a companhia sob o controle e a gestão das mesmas pessoas que lá estavam quando do fra-casso e (b) ter os recursos apreendidos pelos credores, que buscam recuperar os valores a que fazem jus.

Por sua vez, o controlador da empresa que se encontra em difi culdade não aceita abdicar do poder de que é titular sem que esteja seguro de que a recu-peração será alcançada, o que apenas será realidade se houver renegociação com os credores (mediante a qual haja redução dos encargos, alongamento de prazos e, na maioria das vezes, perdão de parcela da dívida ou capitalização de uma parte dela).

Finalmente, o credor não aceita renegociar seu crédito se não tiver a perspecti-va de, rapidamente, ver regularizada a situação da empresa, o que apenas ocorrerá se houver aporte de novos recursos, com substituição da gestão da companhia.

A regulamentação do FIP, editada pela CVM, admite, como já referido, que a integralização de cotas do fundo criado para empresa em recuperação possa ser efetivada em bens ou direitos, inclusive créditos, desde que tais bens e direitos estejam vinculados ao processo de recuperação da sociedade inves-tida e desde que o valor dos mesmos esteja respaldado em laudo de avaliação elaborado por empresa especializada.

Através do FIP pode ser equacionado o problema acima mencionado, na medida em que o fundo pode permitir a convergência dos diversos interesses envolvidos, relativos à empresa que se encontra em situação difícil: o detentor

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FGV DIREITO RIO 171

148 Não pode deixar de ser lembrado

que, sendo o FIP uma comunhão de

recursos, pertencentes aos cotistas

do fundo, os critérios de atuação do

gestor quanto à escolha dos projetos a

serem objeto de investimentos, assim

como o cuidado que ele deve ter no

acompanhamento da ação dos admi-

nistradores das companhias investidas,

serão constantemente avaliados pelos

investidores; ou seja, a tendência é que

o gestor do fundo busque ser o mais

efi ciente possível, não apenas porque

deseja assegurar um bom retorno para

os investimentos captados, mas princi-

palmente porque ele sabe que, sendo o

seu desempenho avaliado pelo merca-

do, se ele fracassar muito difi cilmente

voltará a operar no mercado.

do controle transfere, para o fundo, que será gerido por empresa indepen-dente, escolhida pelos credores, as ações integrantes do bloco de controle. Ademais, através de uma adequada estrutura de governança do fundo — que pode contemplar comitês de investimento e de fi scalização, integrado pelos credores e por investidores —, os interessados no processo fi cam habilitados a interferir na gestão do fundo, assim como a acompanhar os atos que são praticados visando a recuperação.

Os credores, por sua vez, também podem participar do FIP, os primeiros através da transferência de seus créditos e encargos (ou de parcelas deles), créditos esses que podem ser objeto de capitalização na empresa em recupera-ção e, até mesmo, ser utilizados para integralizar debêntures de prazo longo, emitidas pela empresa investida. Também estão habilitados, os credores que assim desejarem, a alienar seus créditos, ou parte deles, a investidores (espe-culadores) que desejem participar do processo de recuperação, objetivando ganhar resultados maiores do que aqueles vigentes no mercado.

De outro lado, os investidores estratégicos, que desejarem assumir o co-mando da empresa em recuperação, estarão habilitados a injetar recursos monetários no FIP, que os destinará à capitalização da empresa investida, ao mesmo tempo em que assumirão papel de destaque na estrutura de gover-nança do fundo.

Há, ainda, os fornecedores de bens e equipamentos, assim como os presta-dores de serviços, que poderão ser convencidos pela empresa em recuperação a transferir os bens, equipamentos e créditos de que sejam titulares ao FIP, de sorte a permitir que a unidade produtiva, em processo de recuperação, possa ter um fl uxo de caixa compatível com o estágio em que se encontrar sua si-tuação econômico fi nanceira, ao mesmo tempo em que possibilitará que tais pessoas (fornecedores de bens e prestadores de serviços) possam maximizar seus ganhos.

Concluindo, penso não haver dúvidas quanto à contribuição que o FIP certamente trará para a redução do chamado custo Brasil.

Assim entendo, em primeiro lugar, porque me parece indiscutível que o fundo é capaz de fazer fl uir, para o processo de crescimento e de moderniza-ção das empresas nacionais, expressiva soma de recursos fi nanceiros que antes não estavam disponíveis.

Com o aporte de tais recursos aptos a fi nanciar o desenvolvimento das empresas que operam em nosso país, e com a contribuição que o FIP dá no processo de gestão da companhia investida, temos como conseqüência, não apenas o incremento da competitividade (necessário para fazer a economia alcançar um melhor desempenho), mas também a melhoria nos processos de produção, que proporciona um inquestionável acréscimo da produtividade nacional, fatores esses indispensáveis para que se possa obter uma redução do custo de operação de nossa economia148.

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149 No Processo de Recuperação Judicial,

os seguintes meios/ tipos de recupera-

ção podem ser propostos (art. 50 ): (i)

aumento de capital social;(ii) trespasse

ou arrendamento de estabelecimento,

inclusive à sociedade constituída pelos

próprios empregados; (iii) redução

salarial, compensação de horários e

redução da jornada, mediante acordo

ou convenção coletiva; (iv) dação em

pagamento ou novação de dívidas do

passivo, com ou sem constituição de

garantia própria ou de terceiro; (v)

usufruto da empresa; administração

compartilhada; (vi) emissão de valo-

res mobiliários; (vii) constituição de

sociedade de propósito específi co para

adjudicar, em pagamento dos créditos,

os ativos do devedor.

Outra contribuição relevante que o FIP traz para as empresas investidas, por força do que estabelece a Instrução CVM 391/03, é a indiscutível melho-ria nas práticas de governança das empresas investidas, que devem observar regras mínimas de organização.

Não podemos esquecer, de outro lado, que o FIP pode colaborar com o setor público no equacionamento das questões relacionadas à infra-estrutura de nosso país, canalizando recursos para fi nanciar obras nas áreas de transpor-te (modernização de estradas e portos) e de saneamento, isto porque, como visto, o fundo se constitui em veículo ideal para a realização de investimentos no setor, até mesmo porque a regulamentação admite que ele opere alavanca-do (tendo até 30% de seu patrimônio originado de dívida contraída com os cotistas), podendo investir mediante a subscrição de instrumentos de divida ofertados pelas empresas encarregadas de desenvolver os projetos.

Finalmente, a possibilidade de o FIP ser utilizado como veículo catalisa-dor dos diversos interesses envolvidos em processo de recuperação de empre-sas insolventes certamente é um fator adicional para ajudar no saneamento das empresas nacionais.

E) CASO

O Primeiro Plano de Recuperação149 da Varig baseava-se em uma garantia aos credores de que estes efetivamente participariam nas negociações para admissão de novos investidores que trariam capital para a Varig (art. 35).

O Primeiro Plano aprovado em assembléia de credores criava quatro Fun-dos de Investimento e Participação (FIPs), cada um com características indi-viduais, que seriam geridos por empresas especializadas (conforme regras da CVM). O primeiro FIP (FIP controle) tinha as ações de controle da Varig. Os outros três FIPs tinham os créditos da Classe I (créditos trabalhistas), Classe II (credores com garantia real) e Classe III (credores sem garantia real e privilégios especiais).

F) GLOSSÁRIO

Administrador de Fundos de Investimento. Profi ssional de carteira de fundo de investimentos, podendo ser pessoa física ou jurídica, com autori-dade para comprar ou vender valores mobiliários por conta do fundo.. O administrador e o gestor estão obrigados a adotar as seguintes normas de conduta: a) exercer suas atividades buscando sempre as melhores condições para o fundo, empregando o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma dispensar à administração de seus próprios negócios, atuando

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com lealdade em relação aos interesses dos cotistas e do fundo, evitando prá-ticas que possam ferir a relação fi duciária com eles mantida, e respondendo por quaisquer infrações ou irregularidades que venham a ser cometidas sob sua administração ou gestão; b) exercer, ou diligenciar para que sejam exerci-dos, todos os direitos decorrentes do patrimônio e das atividades do fundo, ressalvado o que dispuser o regulamento sobre a política relativa ao exercício de direito de voto do fundo; e, c) empregar, na defesa dos direitos do cotista, a diligência exigida pelas circunstâncias, praticando todos os atos necessários para assegurá-los, e adotando as medidas judiciais cabíveis.

O administrador e o gestor devem transferir ao fundo qualquer benefício ou vantagem que possam alcançar em decorrência de sua condição, admi-tindo-se, contudo, que o administrador e o gestor de fundo de quotas sejam remunerados pelo administrador do fundo investido (Bovespa).

Resgate (em fundos de investimento). Normas que regulam o resgate de quotas de fundo de investimento: a) o regulamento estabelece o prazo entre o pedido de resgate e a data de conversão de quotas, assim entendi-da, para os efeitos desta Instrução, a data da apuração do valor da quota para efeito do pagamento do resgate; b) a conversão de quotas dar-se-á pelo valor da quota do dia na data da conversão, c) o pagamento do res-gate deve ser efetuado em cheque, crédito em conta corrente ou ordem de pagamento, no prazo estabelecido no regulamento, que não poderá ser superior a 5 dias úteis, contados da data da conversão de quotas, d) o regulamento pode estabelecer prazo de carência para resgate, com ou sem rendimento; e) é devida ao cotista uma multa de 0,5% do valor de resgate, a ser paga pelo administrador do fundo, por dia de atraso no pa-gamento do resgate de quotas.

O regulamento estabelece o prazo a decorrer entre o pedido de resgate e a data de conversão de quotas, assim entendida a data da apuração do valor da quota para efeito do pagamento do resgate. A conversão de quotas se dá pelo valor da quota do dia na data da conversão, ressalvadas as hipóteses previstas para os fundos de curto prazo, fundos referenciados e fundos de renda fi xa.

O pagamento do resgate deve ser efetuado no prazo estabelecido no regu-lamento, que não pode ser superior a 5 dias úteis, contados da data da con-versão de quotas, ressalvada a hipótese de fundos destinados exclusivamente a investidores qualifi cados.

EnFin. Em casos excepcionais de iliquidez dos ativos componentes da carteira do fundo, inclusive em decorrência de pedidos de resgates incom-patíveis com a liquidez existente, ou que possam implicar na alteração do tratamento tributário do fundo ou do conjunto dos cotistas, em prejuízo destes últimos, o administrador pode declarar o fechamento do fundo para a realização de resgates, sendo obrigatória a convocação de Assembléia Geral Extraordinária, no prazo máximo de 1 dia, para deliberar, no prazo

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de 15 dias, a contar da data do fechamento para resgate, sobre as seguintes possibilidades: a) substituição do administrador, do gestor ou de ambos; b) reabertura ou manutenção do fechamento do fundo para resgate; c) possibilidade do pagamento de resgate em títulos e valores mobiliários; d) cisão do fundo; e, e) liquidação do fundo.

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OTTO EDUARDO FONSECA DE ALBUQUERQUE LOBOBacharel em direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janei-ro, mestre pela University of Miami School of Law e com pós graduação na COPPE UFRJ, MBP em Óleo e Gás. Foi sócio do escritório Steel Hector & Davis LLP. É atualmente sócio do escritório Motta, Fernandes Rocha Advogados.

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FICHA TÉCNICA

Fundação Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen LealPRESIDENTE

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Joaquim FalcãoDIRETOR

Sérgio GuerraVICE-DIRETOR DE ENSINO, PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

Rodrigo ViannaVICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO

Thiago Bottino do AmaralCOORDENADOR DA GRADUAÇÃO

Andre Pacheco MendesCOORDENADOR DO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA – CLÍNICAS

Cristina Nacif AlvesCOORDENADORA DE ENSINO

Marília AraújoCOORDENADORA EXECUTIVA DA GRADUAÇÃO