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Tradição e modernidade conservadoras no catolicismo brasileiro: o Apostolado da Oração e a Renovação Carismática Católica Trabalho a ser apresentado na Área Temática sobre Catolicismos, durante as X Jornadas sobre Alternativas Religiosas na América Latina – Buenos Aires, 03 a 06 de outubro de 2000 Raymundo Heraldo Maués Departamento de Antropologia Universidade Federal do Pará Brasil TRAV. 3 DE MAIO, 1591 66.063-390 BELÉM – PA - Brasil E-mail: [email protected] e [email protected]

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Tradição e modernidade conservadoras nocatolicismo brasileiro: o Apostolado da Oração e a

Renovação Carismática Católica

Trabalho a ser apresentado na Área Temática sobre Catolicismos, durante as X Jornadassobre Alternativas Religiosas na América Latina – Buenos Aires, 03 a 06 de outubro de

2000

Raymundo Heraldo MauésDepartamento de Antropologia

Universidade Federal do ParáBrasil

TRAV. 3 DE MAIO, 159166.063-390 BELÉM – PA - Brasil

E-mail: [email protected] e [email protected]

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“A questão, vital para todos nós, é saber se a Igreja, no momento de iniciar seuterceiro milênio, defenderá o direito inato dos despossuídos de moldarem seu própriodestino, tanto na terra como no céu, ou permitirá a investida neo-conservadora queatualmente varre o mundo desenvolvido” (Della Cava 1985: 36)

“Nous ne voulons pas la contre-revolution mais le contraire de la revolution”(Joseph De Maistre [pensador francês ultramontano], apud Mannheim 1963: 90).

“Porque lo principal es que esta insistencia en lo ‘concreto’, ao lado de todos losotros rasgos que hemos enumerado, es un sintoma de la experimentación conservadoradel proceso histórico, como relaciones y situaciones que existem solo como restos delpassado, y de que los impulsos para actuar que nascen de ese modo de experimentar lahistória también están centrados en relaciones pasadas que sobreviven en el presente (...).El pensamiento conservador auténtico deriva su relevancia, su dignidad como algo másque una mera especulación, del echo de que aún sobreviven en diferentes sectores denuestra sociedad actitudes vitales de ese carácter” (Mannheim 1963: 128-129; meus grifos,R.H.M.).

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1 - Introdução

Pretendo, aqui, fazer uma comparação entre dois movimentos conservadoresna Igreja Católica — o Apostolado da Oração (bastante antigo, datando do final do séculoXIX) e a Renovação Carismática Católica (fruto, como se sabe, e reconhecem seus própriosmembros, do Concílio Vaticano II, como também as Comunidades Eclesiais de Base e achamada Teologia da Libertação) —, mas que, por outro lado, distinguem-se entre si porserem, o primeiro, “tradicional” e, o segundo, “moderno”1. Essa comparação — quenecessariamente incluirá uma reflexão sobre outros movimentos e sobre a própria IgrejaCatólica em âmbito mais vasto —, tem como objetivo entender a conjuntura do catolicismona sociedade brasileira atual, considerando-a, porém, num contexto mais amplo, latino-americano e mundial, e numa perspectiva histórica que leve em conta pelo menos os doisúltimos séculos. Evidentemente que esta parece ser uma pretensão bastante ambiciosa, mas,na verdade, este trabalho constitui apenas um exercício ainda muito tentativo de reflexão,preparado mesmo para discussão, a mais aberta possível — se despertar interesse — nofórum a que se destina.

O artigo se baseia em pesquisa de campo que venho desenvolvendo há algunsanos (desde 1997) sobre a Renovação Carismática Católica (RCC) em Belém, Pará, e sobrecatolicismo na Amazônia (desde pelo menos 1985). Parte desse trabalho de pesquisa temsido realizado pessoalmente, mas também uma parte considerável é fruto da colaboração deestudantes (de graduação e pós-graduação) que têm trabalhado em meus projetos depesquisa2. Para a comparação que faço, neste trabalho, entre a RCC e o Apostolado daOração (AO), estou me valendo, no caso deste último, sobretudo da pesquisa de campo e dotrabalho desenvolvido por Maria Regina Sacramento Leão, estudante de graduação deCiências Sociais, cuja monografia de conclusão de curso, que orientei, voltou-se para oestudo deste movimento (cf. Leão 2000), embora também tenha feito algumas observaçõespessoais sobre o mesmo. Desejo também lembrar que meu trabalho de pesquisa sobre RCCtem se limitado a Grupos de Oração, não tendo incluído o estudo de ComunidadesCarismáticas. Por isso, a comparação que faço é também limitada, no caso da RCC, ao quepode ser observado nas atividades dos Grupos de Oração e naquelas decorrentes dosmesmos3.

Na atual fase de refluxo dos movimentos mais progressistas da Igreja CatólicaBrasileira (CEBs e TL) tem sido evidente o crescimento da Renovação Carismática Católica(RCC), com nítido apoio do papado, dentro do processo que Ralph Della Cava denominou,há alguns anos (1985), de “ofensiva vaticana”. O fenômeno da ocorrência de movimentos demaior abertura para o social, seguidos de seu refluxo e substituição por outros, de caráterconservador, não é novo na história da Igreja Católica mundial, como ocorreu na Europa emesmo na América Latina, na passagem do século XIX para o XX. O conservadorismo,

1 Agradeço a Maria Angelica Motta-Maués, minha mulher e colega de Departamento, pelaleitura atenta e pelas sugestões valiosas, mas devo declarar que sou o único responsável peloserros e omissões que o texto provavelmente contém.

2 Devo agradecer à Universidade Federal do Pará, que me tem proporcionado condições para essaatividade de pesquisa, à FINEP e especialmente ao CNPq., que me tem, nesses anos todos, apoiado comrecursos financeiros, bolsas e bolsistas, todos preciosos para minha pesquisa.

3 As referências a comunidades carismáticas serão todas provenientes da literatura, vale dizer, dotrabalho de Csordas (1997).

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entretanto, pode manifestar-se com estilo “tradicional” ou “moderno” (o que também podeocorrer com manifestações de um pensamento de caráter “progressista”, de um cristianismosocial, ou mais voltado para uma proposta soteriológica não individualista). Aqui valelembrar antigas formulações de Karl Mannheim (1963 [1930]) a respeito do pensamentoconservador e da distinção entre “tradicional” e “moderno”. Embora as considerações deMannheim partam também da consideração do comportamento do indivíduo, como se verá,para só depois chegar a uma formulação sociológica, creio que se pode dizer, a partir dele,que um movimento poderia ser, pois, ao mesmo tempo, conservador e moderno ouconservador e tradicional e, mesmo — um outro movimento —, progressista e moderno ouprogressista e tradicional. Tomando, pois, algumas das idéias teóricas desse sociólogo alemãosobre o pensamento conservador e suas relações com os pensamentos liberal (racionalistamoderno) e socialista (marxista ou proletário) é que pretendo fazer a comparação propostaneste trabalho.

O texto começa com uma descrição etnográfica, um tanto detalhada, mas quejulguei necessária, para esclarecer o leitor a respeito de vários aspectos dos dois movimentos.

2 – Breve comparação entre o Apostolado da Oração e a Renovação CarismáticaCatólica

Antes de tentar a análise proposta, pretendo apresentar alguns elementos decomparação entre esses dois movimentos, que permitam ver suas semelhanças e diferenças.Não serão utilizados todos os elementos possíveis, mas apenas alguns, que consideroestratégicos para este artigo: sua história ou “mitos” de origem, sua auto-imagem, seus ritosde iniciação e suas práticas mais usuais.

História ou “mitos” de origem

Em ambos os casos essas histórias ou mitos4 de origem serão considerados emplano mundial (sua origem européia ou norte-americana), nacional (brasileira) e local (nacidade de Belém, Pará, onde a pesquisa de campo tem sido desenvolvida).

O Apostolado da Oração foi fundado pelos jesuítas, na França, no ano de1844. Isto aconteceu no contexto da onda de nacionalismo e liberalismo que sacudia aEuropa, na época, desde a Revolução Francesa (1789), passando pelo Período Napoleônico ea Restauração, bem como as Revoluções européias de 1830 e 1848. A Igreja Católica sentia-se acuada por esses movimentos, que possuíam um forte conteúdo anticlerical. Outro motivode apreensão (“um fantasma ronda a Europa”) era o movimento socialista operário, para oqual, como é sabido, a data de 1848 é tão importante, pelo lançamento, nesse ano, doManifesto do Partido Comunista.

Segundo a história oficial do movimento, o mesmo foi fundado no dia 3 dedezembro de 1844, pelo Padre Francisco Gautrelet, na Casa de Estudos dos Padres Jesuítas,

4 A palavra “mito” está sendo usada num sentido bem amplo, mesmo que se refira a

acontecimentos comumente considerados como “históricos”. A razão, entre outras, é que essasconstruções históricas, feitas por líderes ou participantes desses movimentos, têm sempre um caráter“interessado”, omitindo certos aspectos, dando ênfase a outros e, na verdade, construindo socialmente ahistória de seus movimentos.

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em Vals, no dia da festa de São Francisco Xavier. Nesse dia, o Padre Gautrelet mostrou a umgrupo de estudantes como poderiam adotar, com fervor, a vida apostólica, sem prejuízo deseus estudos: deveriam oferecer suas orações, trabalhos e sacrifícios, em união com oSagrado Coração de Jesus, prestando, assim, “valiosíssimo auxílio” para a “salvação domundo”. Alguns anos depois, em 1861, foi lançado o primeiro número da publicação oficial“Mensageiro do Coração de Jesus” — ainda hoje existente —, que se editou logo depois emvários países: Itália (1864), Áustria (1865), Estados Unidos e Espanha (1866), Colômbia eHungria (1867), Inglaterra (1868), Holanda e Bélgica (1869). O movimento não cessou decrescer, tendo como grande divulgador o Padre Henrique Pamieri, SJ: em 1883, quandomorreu este sacerdote, o AO já possuía, em todo o mundo, cerca de 13 milhões deassociados em 35.600 centros. No Brasil, embora a devoção ao Sagrado Coração tenha sidodivulgada por padres lazaristas franceses, o movimento chegou em junho de 1867, pelasmãos do padre jesuíta Bento Chembri, que fundou o primeiro centro desse movimento naigreja de Santa Cruz, em Recife. Esse pequeno centro “caminhou tímido, isolado”, até que,em 1871, foi fundado, em 1o de outubro, um grande centro de AO, em Itu (SP), “comexpansão nacional”. Neste país, o primeiro número de “O Mensageiro do Sagrado Coração deJesus” foi publicado em 1896. Vale lembrar que a fundação do AO no Brasil ocorreu poucodepois do Concílio Vaticano I, convocado pelo Papa Pio IX, que proclamou os dogmas dainfalibilidade papal e da Imaculada Conceição de Maria, dentro do contexto de luta da IgrejaCatólica contra o liberalismo e a maçonaria. Como se sabe, esse Concílio foi encerradobruscamente, em 1870, quando Roma foi invadida pelos promotores (liberais enacionalistas), do processo de Unificação Italiana, declarando-se, então, o Papa, a partir daí,“prisioneiro do Vaticano” (cf. Burns 1957, Groot 1996, Hughes 1959, Leão 2000 e Rogier etal. 1971).

Não foi possível obter informação precisa sobre a chegada do AO em Belém.Isto ocorreu, porém, no final do século passado, tendo-se informação de que o AO naParóquia da Sé já existe há 105 anos. Na paróquia de São Francisco de Assis (capuchinhos),onde foi feito o trabalho de campo de Regina Leão, ele surgiu por volta de 1912. Nessa datao AO provavelmente já estava espalhado pelas paróquias do interior paraense, sabendo-seque era bastante forte na cidade de Vigia, uma das mais antigas do estado (cf. Leão 2000 eMaués 1995).

A Renovação Carismática Católica surgiu nos Estados Unidos da América,naquilo que foi chamado de “fim de semana de Duquesne”, 123 anos depois da fundação doAO, em fevereiro de 1967. Esse fato é narrado por uma das participantes do evento, a entãoestudante Patti Gallagher Mansfield, em carta escrita a seu professor de francês, no dia 29 deabril do mesmo ano:

“Talvez eu lhe tenha mencionado que sou membro de um grupo de estudo dasEscrituras no campus [de Duquesne]. Tivemos um fim-de-semana de estudos em 17-19de fevereiro. Em preparação, lemos os capítulos de 1 a 4 dos Atos dos Apóstolos e umlivro intitulado A Cruz e o Punhal, de David Wilkerson. Eu estava impressionada pelopoder do Espírito Santo e pela força e coragem com que os apóstolos foram capazes deespalhar as boas novas depois de Pentecostes. Naturalmente pensei que o fim-de-semanaseria útil, mas devo admitir que nunca pensei que iria mudar minha vida! (...)

No sábado à noite nós deveríamos ter uma festa de aniversário para algumas dascrianças, mas as coisas aconteceram de forma inesperada. Um por um nós éramosarrastados para a capela [isto é, abandonavam o lugar da festa e subiam para orar] erecebíamos o que é chamado, no Novo Testamento, de batismo no Espírito Santo.Aconteceu a pessoas diferentes de formas diferentes. Eu fui tocada por uma profundaconsciência de que Deus é real e que Ele nos ama. Orações saíam de meus lábios de umaforma que eu nunca tinha tido coragem de pronunciar tão alto. Conheço agora o que

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Claudel queria dizer com ‘uma voz por dentro que é mais nós mesmos do que nóssomos’. Este não foi somente um bom fim-de-semana, mas verdadeiramente umaexperiência de mudança de vida que tem continuado e se espalhado e crescido” (Mansfield1992: 3, minha tradução, R. H. M.)

Outro depoimento é de um estudante chamado David Mangan, que, ao entrarna capela, “foi de repente lançado por terra pelo Espírito Santo”. Nas suas palavras:

“Gritei o mais forte que já gritara em minha vida, mas não derramei uma lágrima.De repente, Jesus Cristo era tão real e tão presente que eu podia senti-lo ao redor. Fuidominado por tal sentimento de amor que não posso descrevê-lo”.

Todo o grupo abandonou a festa e se reuniu na capela. Começaram então aocorrer coisas que só aconteciam nas reuniões de oração dos “pentecostais clássicos”:

“Alguns riam incontrolavelmente ‘no Espírito’, enquanto um jovem rolava pelochão em êxtase. Gritar louvores ao Senhor, chorar e falar em línguas caracterizaram esteinício do movimento na Igreja Católica. Não é à toa que foram chamados de ‘CatólicosPentecostais’ pelo público e imprensa, quando as notícias sobre os estranhos eventos dePittsburg se espalharam5” (Defesa da Fé, março-abril de 1999, p. 12-13).

Para entender o surgimento da RCC nos Estados Unidos é preciso porémconsiderar, inicialmente, as diversas experiências pentecostais de católicos, influenciadospela pregação protestante, que acabaram abandonando sua Igreja e aderindo a outrasdenominações. Em segundo lugar, a ocorrência, nesse país, de uma “segunda onda” deavivamento protestante, nas décadas de 50 e 60 do século XX, que também atraiu muitoscatólicos. Mas, sobretudo, o fato de que, num determinado momento, um pequeno grupodesses católicos recusou-se a abandonar a Igreja, passando a viver suas experiênciaspentecostais dentro da mesma. Isto ocorreu, por exemplo, entre participantes do Cursilho deCristandade, a que pertenciam alguns dos futuros líderes da RCC americana, como SteveClark e Ralph Martin (este, convertido pelo Cursilho), estudantes de pós-graduação daUniversidade de Duquesne6. Desse modo, a experiência extática tão fortemente descrita poralguns dos participantes do fim de semana famoso inscreve-se num processo que possuiimportantes antecedentes (cf.Csordas 1997: 4-5).

O crescimento da RCC foi muito rápido nos EUA e no mundo. O primeirocongresso nacional, realizado em 1968, reuniu nos EUA apenas uma centena de pessoas; aele seguiram-se um primeiro congresso internacional e vários nacionais em diferentes países.

5 Esta nota, inserida numa publicação da Assembléia de Deus do Brasil, claramente faz

referência às origens do pentecostalismo nos Estados Unidos da América, no início do século, comrelação aos “estranhos acontecimentos de Azuza Street”.

6 A página da Internet sobre a Universidade de Duquesne a coloca como “uma das maioresuniversidades católicas dos Estados Unidos”, sendo também “um dos mais seguros campiurbanos” do país. Trata-se de “uma universidade que tem desenvolvido os programas educacionaismais inovadores para estudantes tradicionais e não-tradicionais” e seus alunos “vêm de 90 naçõesdo mundo e desfrutam do ambiente ecumênico de Duquesne baseado na tradição única deeducação da mente, do coração e da alma” (http://www.duq.edu/aboutdu/aboutdu.html, minhatradução, R. H. M.). Vale lembrar que o nome completo da universidade é “Duquesne University ofthe Holy Ghost” (Universidade de Duquesne do Espírito Santo), fundada por membros daCongregação do Espírito Santo. O lema da universidade é “Spiritus est qui vivificat” (O Espírito éque vivifica) e seu objetivo é “preparar líderes que possam se distinguir não apenas pela suaqualidade acadêmica mas também por sua ética, sendo guiados pela consciência das necessidadesda sociedade” (http://www.duq.edu/aboutdu/history.html, minha tradução, R. H. M.).

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No segundo congresso internacional da RCC, em 1974, participaram 30 mil pessoas,provenientes de 35 países. Nessa época a RCC já contava com cerca de 800 mil membrosespalhados pelo mundo (Barros Jr. 1993; Chagas 1977; CNBB 1994; Csordas 1997; Prandi1997; Prandi & Souza 1996; Ranaghan & Ranaghan 1972; entre outros).

Há duas versões a respeito da chegada da RCC ao Brasil, ambas porém dandoconta de que o movimento chegou a nosso país logo após seu aparecimento nos EUA. Umaversão, divulgada pela Comissão Nacional de Serviço da RCC, dá conta de que ela teriavindo trazida por alguns padres jesuítas, em 1972, passando por São Paulo, para depois seespalhar pelo resto do Brasil. Segundo Dom Crispiano Chagas, porém, ela teria vindo aindamais cedo, em 1969, através dos padres jesuítas Eduardo Dougherty e Haroldo Rahm (cf.Carranza 1998, Chagas 1977; Prandi 1997; Prandi & Souza 1996).

Em Belém, segundo a versão mais amplamente aceita, a RCC começou em1973, tendo sido trazida da cidade de Campo Grande (MS), para a Paróquia de NossaSenhora de Nazaré (onde se faz, anualmente, o famoso Círio dessa Santa), por umaparoquiana pertencente ao Encontro de Casais com Cristo (ECC), D. Jurema dos SantosGaspar, a qual, auxiliada por seu marido, por outros leigos e sacerdotes, promoveu a criaçãodo primeiro Grupo de Oração da cidade, chamado “Glória no Senhor” (entrevistas feitas comD. Jurema, em 20/6 e 8/9/97).

Auto-imagem dos dois movimentos

Regina Leão, em seu estudo sobre o AO na paróquia de São Francisco deAssis, em Belém, impressionou-se com o caráter “etnocêntrico” dos membros do movimento.Nas suas palavras:

“Perguntados sobre o que pensam de si mesmos, que definição dariam a simesmos, nesse sentido são totalmente, absolutamente, etnocêntricos. Não houve umentrevistado sequer que hesitasse antes de falar o melhor do seu grupo, de exaltá-lo comose o AO fosse realmente o melhor movimento que já existiu na Igreja Católica” (Leão2000: 38).

As palavras usadas indicam bem isso: “grande pilastra”, “coluna mestra”,“menina dos olhos” da Igreja. Entre os depoimentos colhidos, um se destaca por essa visão.Trata-se de um associado do sexo masculino, com 50 anos de idade, solteiro, funcionáriopúblico federal e estudante de graduação do Curso de História da Universidade Federal doPará:

“Ai meu Deus do Céu! Eu nem sei como falar porque são muitas coisas. Eudefiniria assim como sendo a coluna mestra da igreja, a menina dos olhos da... sei lá o quê... Como é que eu poderia dizer?... Do Sagrado Coração não, porque ele já é o... Eudefiniria assim um órgão, um setor, uma denominação, uma associação dedicada à práticada caridade em função do nosso irmão, do nosso irmão. É talvez uma definição muitofajuta, mas é o sentido da melhor maneira possível, porque eu não tenho nem palavrascomo definir o Sagrado Coração de Jesus, porque só quem está dentro é quem sabe,entendeu? E a gente não tem palavras pra medir, pra pesar, pra ver a largura... Não cabe emdefinição” (apud Leão 2000: 38-39).

Esta fala, embora de forma menos entusiástica, é corroborada pela vice-presidente do AO, que está há 35 anos no movimento:

“O AO é a grande pilastra da Igreja, porque em todos os momentos ele estápresente na Igreja”.

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Quanto à RCC, é importante lembrar que muitos de seus membros, emboraaceitem a denominação de “movimento”, consideram, de fato, a Renovação, como bem maisdo que isso: ela é a própria Igreja em movimento, é aquilo em que a Igreja Católica deveriatransformar-se de fato. No trabalho de campo que venho desenvolvendo, em Belém, nãopude gravar depoimentos tão enfáticos sobre a Renovação (como os citados acima sobre oAO), embora, claramente, nos depoimentos que obtive, apareça a grande importância que osleigos dão ao seu movimento:

“Sem os leigos não existe Igreja, porque quem forma a Igreja é o povo (...). Opadre sozinho ele não vai fazer nada. Pra quem ele vai trabalhar?

Então a importância do leigo como Renovação Carismática da Igreja é colaborarcom a Igreja para que ela cresça, para que ela seja como um testemunho de Deus na face daterra. É o papel do leigo como um todo, mesmo na Renovação ou não... Outrosmovimentos é isso, é o seu testemunho de que houve Cristo na sua vida, daí é que partepara trabalhar na Igreja” (mulher casada, 46 anos, segundo grau completo).

Outro aspecto salientado pelos informantes diz respeito aos dons do Espírito,sobretudo o da cura; por outro lado, no segundo depoimento a seguir, é bom salientar quenossa interlocutora tende a colocar a RCC como mais importante entre os outrosmovimentos da arquidiocese de Belém:

“A importância do cristão leigo nada mais é do que: eu tenho o dom, eu tenho odom de cura, ele tem o dom da fé, ele tem o dom da palavra, ele tem o dom de tocar uminstrumento... Então cada um é importante, porque cada um tem o dom, e os dons elessão divididos, eles são partilhados dentro do Grupo (...)” (homem casado, 35 anos,segundo grau completo)7.

“O leigo carismático ele fica na paróquia dele, tudo o que tem na paróquia dele eleparticipa. Agora nós temos uma pastoral que a gente assim particularmente olha com maisatenção, dizem que é a pastoral da cura, mas é a pastoral do enfermo, é a pastoral doenfermo, que nós (...) trabalhamos nos hospitais (...). Principalmente agora nós temostantas pessoas que precisa, tanta coisa... Uns que se enchem de remédio, de tanto tóxico,tanta coisa e vão se destruindo cada vez mais... Então o carismático tem esse carisma daoração (...). A qualquer hora o pessoal tá chamando, tem grupo de cura, tem grupo quenós chamamos de cura, mas é de oração, entendeu? Quer dizer, então, é esse assim onosso carisma.

Agora, o que tem na paróquia, a gente está engajada na pastoral, na diocese, e oque o Dom Zico [arcebispo de Belém] chama a gente (...), assim as coisas mais forte, elechama a Renovação Carismática, porque ela tem feito, sabe, e ela vai mesmo” (mulhercasada, 66 anos, segundo grau completo; meus grifos).

Tratando, agora, da RCC em plano mundial e nos Estados Unidos da América(onde surgiu), a tendência a supervalorizar o movimento aparece já nos primeiros anos de suaexistência, quando foram enunciadas as “famosas” profecias de Roma (1975), em plenaBasílica de São Pedro, onde também ecoaram as vozes daqueles que “oravam em línguas” eque depois foram saudados pelo papa Paulo VI, que terminou suas palavras dizendo: “Jesus[Cristo] é o Senhor. Aleluia!” (cf. Ribeiro de Oliveira 1978: 65; Csordas 1997: 7 e ss.).

7 Este depoimento, sobretudo, chama atenção também para a reciprocidade, de uma formaespecial: a maneira como o crente carismático tem de retribuir os dons do Espírito que recebe,propagando-os no seu próprio círculo (cf., a respeito, Mauss 1974).

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Thomas Csordas, que desenvolve há muitos anos seu estudo antropológicoentre os carismáticos americanos, assim resume, inicialmente, a questão:

“De fato, do ponto de vista ‘indígena’, os próprios carismáticos têm resistidoocasionalmente em descrever a Renovação como um movimento. Eles muitas vezesqualificam a noção, ora enfatizando que ela constitui um movimento ‘do Espírito’, nosentido de que é inspirada pela e pertence à própria divindade, ora insistindo de que é um‘movimento’ do Espírito, no sentido de que o que está se movendo é o próprio EspíritoSanto. Neste último sentido não é realmente um fenômeno sociocultural, masestritamente um fenômeno espiritual. Do ponto de vista da teoria antropológica, nosanos recentes tem se tornado claro que o paradigma padrão para entender os‘movimentos’ sociais e religiosos enfrenta problemas em pelo menos três aspectos: suaconcepção de movimentos como entidades separadas ao invés de fenômenoscaracterísticos ou diagnósticos das culturas nos quais são gerados; sua capacidade de darconta do significado em adição à causalidade e à dinâmica social dos movimentos; e suasuposição de que os sujeitos categóricos dos movimentos não são necessariamentesomente pessoas, populações, ou tipos sociais, mas selves indeterminados num processode reorientação e transformação” (Csordas 1997: 3-4, minha tradução, R. H. M.).

As profecias de Roma falavam dos perigos a que a Igreja Católica estavasujeita. Segundo o mesmo autor:

“Até a conferência de Roma, a profecia tinha sido entendida peloscarismáticos como uma formulação com propósito de edificação dos seus própriosgrupos, ou de indivíduos dentro dos grupos. Agora, pela primeira vez, reforçadaspelo poderoso lugar simbólico de sua formulação, essas palavras eram interpretadascomo uma mensagem direta de Deus ao público em geral. As ‘profecias de Roma’,como começaram a ser conhecidas, foram largamente disseminadas através do NewCovenant [publicação carismática] e amplamente discutidas nos encontros econgressos carismáticos (...). Além dos sinais incluídos em desastres naturais e nodeclínio moral percebido na sociedade americana, entretanto, as profecias foramconstruídas para indicar que a Igreja Católica estava em perigo (...).

Enquanto alguns líderes do movimento tinham, desde o início, no final dosanos 60, expressado o objetivo de renovar a Igreja inteira, e assim eventualmentetornar-se indistinguíveis da própria Igreja, a lógica das profecias parecia ser o papelque a Renovação Carismática tinha realmente de proteger a Igreja. Assim, o ideal eranão somente que os católicos se tornassem carismáticos, mas também que oscarismáticos se reunissem em comunidades de compromisso e as comunidades emredes maiores, pois estas eram pensadas como estruturas nas quais os fiéis poderiammelhor preparar-se para travar a batalha contra as forças da escuridão” (Csordas 1997:11-12; grifos no original, minha citação, R. H. M.).

É verdade que nem todos os carismáticos americanos aderiram integralmentea estas idéias mais radicais. Não obstante, no mesmo ano de 1975 surgiram, nos EstadosUnidos, as também famosas “bulwark prophecies”, durante uma conferência destinada a criaruma federação de comunidades carismáticas. Delas, vale a pena citar alguns trechos,relembrando que, na profecia, é o próprio Espírito (isto é, a divindade) que “fala” pela bocado profeta:

“Eu farei de vocês um baluarte (bulwark) para defender [a Igreja] contra o assaltofurioso do Inimigo (...)”.

“Vocês são o baluarte que construí para enfrentar o assalto furioso do Inimigo(...)”.

“Eu lhes falei de um baluarte; disse que estou erguendo um baluarte contra aonda ameaçadora da escuridão, um baluarte para proteger meu povo e proteger minha

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Igreja. E porque suas mentes humanas não podem compreender a mente de Deus, falei-lhes através de imagens. Vocês podem perceber o baluarte como uma parede de rocha: faloa vocês agora daquele baluarte na figura de uma cerca impenetrável. Sim, espalhei minhasemente de verdade amplamente por toda a superfície da terra; e uma parte desta sementegerminou e começou a crescer na cerca impenetrável que será meu baluarte (...)” (apudCsordas 1997: 208-209, minha tradução, R. H. M.).

Os ritos de iniciação no AO e na RCC8

Alguém que deseje ingressar no Apostolado da Oração deve estar conscientede que está entrando numa “Associação Religiosa” (como diz o Estatuto do AO), que sediferencia de uma Congregação Religiosa porque seus membros não vivem em comunidade,nem são obrigados aos votos monásticos (pobreza, obediência e castidade). Não obstante,para ingressar no AO, após um período de treinamento e preparação, os neófitos fazem aconsagração de suas vidas ao Sagrado Coração de Jesus e prometem sempre propagar oApostolado. Para as mulheres, como constatou Regina Leão, em sua pesquisa, existe, pelomenos na paróquia investigada, um tipo de restrição (a esse respeito, nada foi dito sobre oshomens):

“Se o marido deixar [a mulher] não pode, no Apostolado não pode entrarmulher deixada do marido e nem pode entrar se não for casada no católico” (mulhercasada, 61 anos, há 3 no movimento; apud Leão 2000: 18).

Apesar dessas restrições, o AO continua sempre recebendo novos membros,embora, segundo dizem, não façam “nenhum tipo de campanha convidando as pessoas”. Oingresso dos neófitos se dá durante a festa anual do Sagrado Coração de Jesus (numa sexta-feira de junho, oito dias após a festa do Corpo de Deus), através de um ritual em que osmesmos recebem sua “fita” e devem fazer sua “consagração” aos Sagrados Corações de Jesuse de Maria. Esse ritual recebe o nome de “Cerimonial para a Recepção de Novos Zelados eZeladores para o Apostolado da Oração”. Ele é descrito por Regina Leão nos seguintestermos:

“Constitui-se num momento à parte, um pouco antes da Missa. Nesse dia,todos os membros do grupo encontram-se presentes (...), devidamente uniformizados.Os que vão receber a fita estreita, os (as) zelados (as) e as que vão trocar de fita, passando aser zeladoras ocupam os bancos da frente, com seus respectivos padrinhos e madrinhas,também do grupo. Convém esclarecer que a troca de fita acontece apenas com as mulheres.Os homens passam, de zelados a zeladores, sem contudo modificar a largura da fita”(Leão 2000: 22).

A cerimônia é presidida por um sacerdote que, prioritariamente, deve ser oDiretor Espiritual do grupo, o qual asperge água benta sobre as fitas e medalhas que serãorecebidas pelos neófitos, benzendo-as, enquanto faz uma oração. Entrega então esses objetosrituais aos padrinhos ou madrinhas, que as colocam sobre os novos zelados e zeladores,enquanto o sacerdote recita a seguinte fórmula:

8 Não há aqui uma preocupação de analisar tais ritos, segundo as clássicas formulações de

Van Gennep e Victor Turner, mas sim apenas de descrevê-los, para informação do leitor.

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“Recebei esta insígnia e trazei-a sobre o coração, para que vos lembreiscontinuamente do amor com que o coração do vosso Deus vos obsequiou, e da dedicaçãoa que vos abrigastes” (apud Leão 2000: 22).

Quem primeiro recebe as fitas são os zelados que, em seguida, rezam juntosuma oração; o mesmo acontece, logo após, com os novos zeladores. Neste momento, então,ocorre, da parte dos neófitos (os novos zelados), a consagração aos corações de Jesus e deMaria, com as seguintes palavras:

“Dulcíssimo Jesus, fonte inesgotável de amor, Pai das misericórdias e Deus detoda a consolação. Eu (Fulano de tal), em ação de graças pelos inumeráveis benefícios queme tendes feito a mim e a todos os fiéis, sobretudo em reconhecimento pela instituição daDivina Eucaristia, em reparação dos ultrajes, com que eu e os demais fiéis temos ofendidoo vosso coração amabilíssimo, neste mistério da vossa imensa caridade para conosco e emunião com o Divino Apostolado que exerceis sem cessar no Santo Tabernáculo; me dedicointeiramente ao vosso Sagrado Coração e vos consagro tudo o que me pertence, e prometopropagar o Apostolado da Oração quanto a minha fraqueza o permite. Além disso,escolho a Bem-Aventurada Virgem Maria, para ser minha Mãe de um modo especial. Eume consagro e dedico com tudo o que me pertence ao seu Imaculado Coração, e prometopropagar, como puder, o seu culto, Amém” (apud Leão 2000: 27).

Ainda segundo Regina Leão, que fez observação direta desse ritual, anotandoas peculiaridades que percebeu e suas impressões pessoais a respeito do mesmo:

“Este é um momento bonito, festivo e aguardado com ansiedade. No final dacerimônia, os novos zelados e zeladores recebem as palmas e os cumprimentos dosdemais membros do grupo. Juntamente com a fita, são entregues também o Diploma e oManual do Apostolado, um livro de cabeceira do grupo, que contém os Estatutos, asorações e novenas usadas quotidianamente pelos membros do AO. Mas, sem dúvida, oque ganha destaque são as fitas que cada um sai carregando no peito, como sinal de queagora é zelado (a) ou zelador (a) do Apostolado da Oração” (Leão 2000: 22).

Sobre esse ritual, ainda deve ser feita uma observação. O termo “zelados”parece ser recente, não tendo sido possível saber a partir de que momento passou a serusado. Nos primórdios do AO no Brasil (final do século XIX), os membros do Apostoladoeram divididos em comuns (associados) e os zeladores ou zeladoras (havia já umapredominância de mulheres), que eram consideradas (os) exemplos para os outros aos olhosdos sacerdotes católicos (cf. Groot 1996: 105); esta situação se manteve até uma datapróxima de nossos dias, sendo os zeladores ou zeladoras uma espécie de líderes em relaçãoaos outros membros de sua paróquia9.

Quanto à Renovação Carismática, no Brasil, a porta de entrada costuma ser oGrupo de Oração, que se reúne em local fixo e público (mais freqüentemente uma igreja oucapela), num certo dia e horário da semana. Muitas vezes essa reunião se faz à noite, logoapós a missa celebrada pelo pároco (que nem sempre é carismático) e, ao final, a liderança daRCC do lugar convida todos os presentes a participar do que chamam de “louvor”, quenormalmente se prolonga por cerca de duas horas, após a celebração eucarística. Não é ocaso aqui de descrever com detalhes esse ritual, que inclui orações, cânticos, dança, gestos

9 Comunicação pessoal de Maria Angelica Motta-Maués, que participou como associada (atual

“zelada”) do AO no colégio (religioso-católico) onde estudou em Belém.

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expressivos, pregação da Palavra e (se o pároco permite, ou se não tem controle) glossolalia(o “orar em línguas”), profecia, êxtase e (mais raramente) “repouso no Espírito”10.

A descrição que se segue não pretende dar conta de todas as nuances evariações do que pode ocorrer no processo de iniciação dos neófitos da RCC, desde que omesmo pode ser bem complexo.

Depois de freqüentar por algum tempo o Grupo de Oração, o neófito acabasendo convidado para participar de um “Querigma”. Trata-se de uma reunião ou seminárioque ocorre num fim-de-semana, num local que permita a participação de um número maiorde pessoas, porque, além dos membros permanentes do Grupo de Oração, participam váriosoutros, que são convidados, ou aderem, mais ou menos espontaneamente. A reunião começana sexta-feira à noite, com missa ou culto eucarístico e prossegue pelas manhãs e tardes desábado e domingo. Em um auditório mais amplo fica a maioria dos participantes, ondeocorrem atividades semelhantes àquelas do Grupo de Oração: orações, cânticos, danças,gestos expressivos e pregações. Em um lugar mais reservado, ao qual não tem acesso amaioria dos participantes, está presente o Santíssimo Sacramento, que é adorado por umgrupo menor de “intercessoras (es)”, a maioria mulheres, que ficam o tempo todo orandopara que a reunião mais ampla tenha bom êxito. A este local, somente alguns participantesselecionados (geralmente os já “iniciados”) têm acesso, indo ali para também adorar oSantíssimo e receber orações especiais, durante as quais se pratica a glossolalia, a profecia eoutros dons do Espírito, assim como se pode entrar em “repouso no Espírito”. Enquantoisso, no auditório, as pregações se sucedem, tratando sobre o amor de Deus, o pecado, osdons do Espírito Santo, a Igreja e outros temas que devem compor a preparação dos neófitos.

No domingo, geralmente à tarde, antes da missa de encerramento do encontro,ocorre um forte momento de “efusão do Espírito”, em que os participantes recebem aimposição das mãos e as orações dos carismáticos já iniciados no Grupo. Nesse momento,espera-se que eles manifestem o fenômeno da glossolalia (o “orar em línguas”) e/ou entremno “repouso do Espírito”. Isto acontece tanto em relação aos iniciados quanto aos neófitos,mas estes, caso manifestem esses fenômenos, estarão passando, possivelmente, pela primeiraetapa de sua iniciação, pois, assim, estarão recebendo os “dons do Espírito”. Normalmenteessas manifestações, especialmente a glossolalia, são consideradas como um segundobatismo, diferente do das águas, isto é, o “batismo no Espírito”, quando a própria divindadese manifesta no fiel, curando-o física e espiritualmente e concedendo-lhe um ou mais de seus“dons”. O batismo no Espírito pode também ocorrer em outras situações e, mesmo, duranteas reuniões comuns do Grupo de Oração; mas ele é decisivo para indicar uma etapafundamental no processo de iniciação.

O neófito que foi “batizado no Espírito” estará pronto para integrar o Grupode Oração como membro mais completo e, conseqüentemente, engajar-se em algum dos“ministérios”, quando, então, dele serão exigidas maiores responsabilidades que a simplesfreqüência semanal às reuniões públicas do Grupo. Esses ministérios podem ser o de“serviço”, de “música”, de “intercessão”, de “cura” e vários outros. O mais simples,certamente, é o de serviço, em que a pessoa participa realizando diversas tarefas que sãoessenciais para o funcionamento do Grupo. O de música, que tem uma importância especial,exige, certamente, dons artísticos (boa voz, voz afinada, capacidade de tocar alguminstrumento etc.), mas também implica numa preparação e treinamento especiais. Assim

10 Para uma descrição pormenorizada de um típico “louvor” carismático, cf. Benedetti (1988:

243-257).

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acontece com os outros ministérios, mas, ao ministério de cura, dá-se uma importânciamaior. Para poder participar dele é necessário freqüentar um evento que vai além doQuerigma, chamado de Seminário de Vida no Espírito. O Querigma também é chamadoassim: Primeiro Seminário de Vida no Espírito, mas trata-se de um evento abreviado, menoscompleto, destinado especialmente a neófitos. O verdadeiro Seminário de Vida dura váriassemanas, envolvendo um treinamento e uma preparação espiritual bem mais completos. Masdele participam, normalmente, membros já iniciados na Renovação e não simples neófitos.

As práticas mais usuais nesses dois movimentos

Como o próprio nome já indica, a oração é a prática fundamental do AO11.Considerando, porém, que todos os movimentos da Igreja Católica, de uma forma ou deoutra, têm na oração uma de suas atividades fundamentais, deve ser lembrado que existemalgumas especificidades e características próprias da oração no Apostolado. Ao lado disso,segundo os novos Estatutos do movimento, que surgiram após o Concílio Vaticano II, oprograma de vida espiritual do AO repousa basicamente sobre um “tripé”: devoção aoSagrado Coração de Jesus, Eucaristia e Oferecimento Diário. Essa espiritualidade écomplementada pela devoção a Maria e ao Espírito Santo. Ao lado disso, o movimento deveexistir em sintonia com o Papa, “representante vivo de Cristo na terra e, por extensão, comtoda a Igreja”. Com relação a este último ponto é relevante mencionar uma prática que,segundo os membros do AO, só é exercida por eles: trata-se das orações realizadas a partirdas “intenções do Papa” que, desde 1940, são divulgadas mensalmente pela Secretaria deEstado do Vaticano e se publicam no órgão oficial do movimento, o “Mensageiro do Coraçãode Jesus” (cf. Leão 2000 e Schneider 1999).

Os membros do AO devem levar uma vida de oração constante, tantoindividual como coletiva. Todos os dias, logo de manhã, ao acordar, é feito o já mencionadoOferecimento Diário, cujo texto, na íntegra, é o seguinte:

“Ofereço-vos, ó meu Deus, em união com o Santíssimo Coração de Jesus, pormeio do Coração Imaculado de Maria, as orações, obras, sofrimentos e alegrias deste diaem reparação de nossas ofensas e por todas as intenções pelas quais o mesmo DivinoCoração está continuamente intercedendo e sacrificando-se por nós em nossos altares. Euvo-los ofereço em modo particular pelas intenções recomendadas aos associados doApostolado neste mês e neste dia” (apud Leão 2000: 34).

Ao longo do dia, cada membro do AO escolhe seu momento para fazer suaspreces e as orações são ditas mais ou menos livremente, não havendo obrigação de rezarsempre as mesmas, com exceção do terço, que é uma obrigação diária, que reforça o “espíritomariano” dos membros do Apostolado. Como a devoção a Maria é muito importante no AO,há um momento do dia em que este aspecto se destaca de modo conspícuo: a hora doAngelus.

“Ao entardecer, pontualmente às 18:00 hs, relembra-se o momento em que oanjo do Senhor anunciou a Maria que ela seria a mãe de Jesus Cristo e o seu ‘sim’ a este

11 Embora levando em conta o importante texto de Marcel Mauss sobre a prece, não é meu

objetivo aqui fazer uma análise da oração do AO nos termos propostos pelo famoso sociólogofrancês.

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anúncio: é a oração do ‘Angelus’ que, ao chegar esse momento, interrompe o que quer quese esteja fazendo para rezá-la” (Leão 2000: 30).

Ao lado disso, há as orações comunitárias, que são realizadas na Igreja, pelosassociados reunidos. Essas orações implicam na freqüência diária à missa, mas, sobretudo,nos domingos e dias santificados, desde que a eucaristia, como foi dito acima, é um dospilares do AO. A sexta-feira é sempre um dia especial, mas, principalmente, a 1a sexta-feirado mês, que é dedicada ao Sagrado Coração. Por isso, nesse dia, há um roteiro especial para aoração comunitária que, basicamente, é o seguinte: oração ao Espírito Santo, ladainha doCoração de Jesus, adoração ao Santíssimo, terço e missa. Nas demais sextas-feiras o roteiro émais simples, incluindo, apenas, a “hora santa” e a adoração ao Santíssimo. Curiosamente,porém, segundo Regina Leão, essa oração comunitária parece ser feita de forma mecânica edescuidada:

“Não observei, porém, uma atitude de piedade ou contrição enquanto rezam.Mãos postas, cabeças abaixadas ou olhos fechados não caracterizam esse grupo. Enquantorezam, é possível perceber que conversam baixinho umas com as outras, riem, saem,voltam, distraem-se com outras coisas. Uma senhora, membro do AO, chegou até aatender ao telefone celular no meio da Missa, no dia da Festa do Sagrado Coração de Jesus.Aparentemente, parecem não estar muito envolvidos. Acredito, entretanto, que essas‘distrações’ não se constituem como tais, de fato. Pode acontecer que a contrição seja de talforma elevada que aquelas atitudes (menos contritas) não lhes causem dispersão naoração”12 (Leão 2000: 35).

Há, no Apostolado da Oração, um momento ímpar de congraçamentocomunitário, que é a festa do Sagrado Coração de Jesus, que acontece todos os anos, duranteo mês de junho:

“Esta, sim, é a festa do AO e do povo. É quando o movimento faz questão demostrar a todos quem é o seu padroeiro (na Igreja dos Capuchinhos há até uma certacompetição entre a Festa do Coração de Jesus e a de Santo Antônio que, geralmente,acontece na mesma época). Os membros do movimento imprimem convites, organizamquermesses, barraquinhas, etc... Fazem novenas, Hora Santa, Adoração ao Santíssimo,Missas especiais pelos doentes, pelas famílias, pelas crianças e juventude, pelas vocações,pelo Papa, a Igreja, a Paróquia e seus movimentos, tudo com muito zelo. E ainda fazem agrande caminhada, no dia escolhido para ser o ápice da grande celebração, com bandeira doAO e a Imagem do Sagrado Coração de Jesus. E, é claro, todos com sua roupa de festa: ouniforme branco e a fita vermelha” (Leão 2000: 28).

Outro momento de grande importância para os membros do AO é o do Círiode Nossa Senhora de Nazaré13 — que se destaca pela imponente romaria que ocorre em

12 Este ponto é interessante, na medida em que, na RCC, é freqüente que pessoas, no

momento em que estão “orando em línguas”, podem ser chamadas por outros participantes a ouvirum recado ou mensagem “profanos” e, aparentemente interrompendo seu êxtase, recebem amensagem, continuando, a seguir, a orar em línguas, como se nada tivesse acontecido. O mesmofenômeno é observado em sessões de cultos de origem africana, em que o pai-de-santo,incorporado, pode, por exemplo, atender à porta diante de alguém que ali se apresente e, recebido orecado, continua, sem solução de continuidade, a desempenhar seu papel ritual, como “cavalo” daentidade que o possui.

13 Sobre o Círio de Nazaré em Belém, cf. Alves (1980).

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Belém, todos os anos, no segundo domingo de outubro, reunindo mais de um milhão deromeiros —, mas que é precedido por várias manifestações piedosas, entre elas, as“peregrinações” de pequenas imagens da Santa, nas diversas paróquias de Belém, visitandoas casas dos devotos. A imagem é trazida na véspera e pernoita na casa das pessoas. No diaseguinte, os vizinhos e amigos se reúnem, no início da noite, para orar diante dela, durantecerca de uma hora, incluindo-se, aí, a reza do terço. Ao final, os donos da casa costumamoferecer refrigerantes e doces aos participantes. Os membros do AO — especialmente assenhoras que dele participam — costumam ter uma atuação destacada nesta prática14.

A devoção ao Espírito Santo é relativamente recente no AO.Tradicionalmente, a grande devoção se voltava para os Corações de Jesus e de Maria, sendoo Espírito Santo invocado com menos ênfase. Nos últimos anos, porém,

“sem decreto específico de Roma, sem decisão oficial da Igreja, as bases doApostolado da Oração, sentiram que o Espírito Santo merecia e deveria constar maisfortemente entre os pilares básicos da nossa espiritualidade” (Schneider 1999).

Em razão disso, diz Regina Leão:“Tudo faz pensar que o Espírito Santo é o elo mais forte de ligação entre o AO e

a Renovação Carismática, movimento cuja sustentação encontra-se no culto ao EspíritoSanto. O que falta no AO em termos de uma devoção mais intensa ao Espírito Santo ele oencontra na Renovação Carismática de uma forma plena, esplendorosa, que nada deixa adesejar em relação à intensidade da devoção ao Coração de Jesus. Acredito que seja atravésda devoção ao Espírito Santo que o AO se identifica e se completa na RenovaçãoCarismática, onde a maioria dos membros participa ativamente” (Leão 2000: 31).

Agora, para completar este tópico sobre as práticas dos integrantes do AO,devo abordar brevemente a sua inserção nas atividades da paróquia. Trata-se, aqui, daquiloque eles chamam de “gesto concreto”. Já que sua atividade precípua é a oração e não tendouma atividade específica a desenvolver em sua paróquia, os membros do AO engajam-se, porisso, nas mais diferentes pastorais e ministérios. Participam, pois, das pastorais da saúde,carcerária, da catequese, familiar etc. Alguns ingressam no coral ou são ministros daeucaristia. Vários são também membros da RCC, com a qual têm grande afinidade.

Não é sem razão essa afinidade entre AO e RCC. Embora na RenovaçãoCarismática como um todo não se possa constatar uma devoção particular como no AO —mesmo que, em termos tradicionais, se pudesse dizer que existe a devoção ao Espírito Santoe a Maria, “esposa do Espírito Santo” —, muitas das práticas da RCC se assemelhambastante com as do Apostolado. Uma delas é a oração. O carismático deve ter uma vida deoração intensa. Sobretudo após o “batismo no Espírito”, quando a pessoa passa a seradmitida como verdadeiro integrante do Grupo de Oração e se engaja num dos ministérios,recebe instruções detalhadas de como conduzir suas orações pessoais. Elas devem ser feitasdiariamente, de forma espontânea, incluindo, sempre, a glossolalia (“oração em línguas”), queé um exercício a ser constantemente praticado, quer em público, nas ocasiões apropriadas,quer privadamente. Essas orações pessoais devem incluir pelo menos o terço15 — objeto de

14 Esse ritual, embora também referido por Leão (2000: 30), tem sido há alguns anos observado

por mim.

15 Trata-se de uma “forma tradicional de oração católica — em que se utiliza uma espécie de colarde contas, que contém uma medalha, geralmente com o Sagrado Coração de Jesus de um lado e o

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devoção que todo carismático deve possuir —, mas, preferencialmente e, se possível, orosário (que os carismáticos mais antigos e devotos costumam dizer que rezam, diariamente).

Além disso, o carismático deve participar, com freqüência, da missa, sepossível diariamente, mas, pelo menos, segundo as normas de um dos grupos que tenhoacompanhado pessoalmente, pelos menos três vezes na semana — ocasião em que deve“fortalecer-se” ou “alimentar-se” espiritualmente com o recebimento do sacramento daeucaristia. Deve também confessar-se (sacramento da penitência e da reconciliação) pelomenos uma vez por mês. Outrossim, o carismático deve participar, ativamente, das reuniõespúblicas semanais de seu próprio grupo, onde irá exercitar o louvor, o cântico e a oração,além da leitura e da partilha da “Palavra”. Essas reuniões ocorrem com freqüência após amissa rezada pelo pároco, de que todos os carismáticos devem participar.

Da mesma forma, o carismático participa das reuniões semanais de seuministério, onde as orações, os louvores e os cânticos são parte importante e, em algunscasos, da reunião semanal do núcleo do Grupo de Oração, que planeja as atividades domesmo, e onde os integrantes, mais livremente, se entregam aos exercícios espirituais maiscaracterísticos dos carismáticos, como a glossolalia, o repouso no Espírito, as visõesproféticas, a profecia propriamente dita — o próprio Espírito falando, na primeira pessoa dosingular —, o canto, a dança, a oração e a partilha da Palavra. Outras atividades importantessão a participação em reuniões públicas como Cenáculos, Renovai-vos (também chamado“Carnaval com Cristo”), Congressos, pregações feitas por pregadores famosos que visitam acidade16 e outros encontros de grande porte. Muitos viajam para outras cidades, às vezes comsacrifício, a fim de participar de congressos nacionais. Por outro lado, assim como osintegrantes do AO, os carismáticos também participam das pastorais de sua paróquia,colaborando com o pároco, na medida do possível, animando a missa com cânticos einstrumentos, tornando-se ministros da eucaristia etc.

3 – AO e RCC na atual conjuntura da história da Igreja Católica

Uma comparação entre mitos de origem, auto-imagens, ritos de iniciação epráticas usuais já permite ter uma boa idéia a respeito desses dois movimentos. Mas, aotratar, acima, dos mitos de origem (ou origens históricas) foram propositalmente omitidosalguns aspectos, também mitológicos17, que estão por trás dessas origens e que, de fato,

Sagrado Coração de Maria, de outro, e do qual pende um crucifixo —, [que] é considerada uma armamuito importante, com a qual se busca o fortalecimento na Virgem Maria e nos Mistérios (gloriosos,gozosos e dolorosos), que lembram a vida e a morte de Jesus Cristo (...). O terço (terça parte do rosário)inclui 53 Ave-Marias e 6 Pais-Nossos, o Credo (afirmação de fé dos católicos) e a Salve-Rainha (um louvorespecial a Maria)” (Maués, Santos e Santos 2000: 10).

16 Em janeiro de 1998 Belém recebeu a visita de um famoso pregador carismático americano,o Padre Robert De Grandis, cujo estilo de pregação lembra o dos grandes pregadores pentecostais.Esse evento, de grande porte, foi impressionante pelo grande número de curas que se disse teremacontecido na ocasião. Sobre esse evento, cf. Maués (1998).

17 No mesmo sentido da nota 3, acima.

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constituem o que, de certo modo, pode ser considerada a “verdadeira” origem dos doismovimentos, como aquilo que os atualiza permanentemente. Esta outra origem é bastanteantiga e nem sempre pode ser verbalizada integralmente, como narrativa, pelos integrantesdesses movimentos, especialmente no que diz respeito ao AO.

Começarei tratando exatamente do AO, cuja devoção ao Sagrado Coração deJesus constitui o verdadeiro cerne do movimento. Posso dizer, então que, no sentido em queestou usando agora a palavra, esta devoção é a própria origem do Apostolado. É preciso,desde logo, lembrar o símbolo fundamental da devoção (que não se restringe ao AO) e queestá no título do trabalho de Regina Leão, que venho citando como a principal fonteetnográfica do meu próprio trabalho: “um coração em chamas”. Mas não somente emchamas, na estampa que tomei como modelo (e que pode variar, de ano para ano), porquerodeado por uma coroa de espinhos e encimado por uma pequena cruz (não importa que acoroa seja, às vezes, muito estilizada). A mão esquerda de Jesus está apontando,discretamente, para este coração em chamas, do qual também irradia uma luz brilhante,enquanto a direita se encontra em atitude de bênção; em ambas aparecem os estigmas daPaixão. A figura do rosto é serena, mas com leve toque de tristeza. E, embaixo, os seguintesdizeres, na estampa que é publicada todos os anos pela Editora Vozes (dos franciscanos dePetrópolis)18, como uma famosa folhinha, tão difundida entre as famílias católicas brasileiras:“Coração de Jesus, abençoai este lar!”.

Esta é uma devoção bastante antiga19, que remonta à Idade Média (séc. XII).No século XVI ela está presente em círculos carmelitas e, no XVII, acontece a grandeexplosão, com as visões da freira Margarida Maria Alacoque, num convento do interior daFrança. Foram três as “grandes aparições” relatadas pela vidente, entre os anos de 1673 e1675. As datas estão todas relacionadas com o culto atual do Sagrado Coração e com aspráticas costumeiras do AO. Nessas visões, em que Jesus teria mostrado à freira seu coração“como em trono de fogo e chamas”, teriam sido transmitidas três mensagens, que podem serassim resumidas: 1) o ardente desejo de ser amado pelos seres humanos e de os afastar deuma vida de pecado; 2) o pedido de instituição de uma “hora santa” de reparação (nasquintas-feiras) e a divulgação do que mais tarde seria chamado de “a grande promessa”20; e,finalmente, 3) o pedido de que a primeira sexta-feira depois da oitava do Corpo de Deusfosse consagrada à festa de sua devoção, fazendo-se a mesma com muitas comunhões eatravés de um ato de desagravo das “ofensas” e “indignidades” que costuma receber.

Margarida Maria, como às vezes acontece com as místicas videntes, enfrentoumuitas dificuldades ao relatar suas visões e tentar propagar sua devoção. Mas encontrouapoio de seus confessores e, mais tarde, de uma nova superiora do convento. O padre jesuítaJean Croiset, que a apoiou, tendo escrito um livro sobre o tema, teve o mesmo colocado noIndex dos livros proibidos pela Igreja. Mas foi a Companhia de Jesus que acabou sendo agrande propagadora da devoção ao Sagrado Coração de Jesus, embora de início tivesse se

18 Vendida, em Belém, pela Livraria Paulinas, a mesma que também vende uma verdadeiraprofusão de literatura carismática.

19 Sigo, no trecho que se segue, além do trabalho de Leão (2000: 23-26), os trabalhos de Burns(1957), Hughes (1959), Ling (1994), Palazzolo (1945), Rogier et al. (1971) e Martina (1996 a e b).

20 Isto é, conceder a todos que comungarem, seguidamente, em nove primeiras sextas-feiras domês, a graça de não morrerem sem receber os sacramentos, sendo seu Divino Coração o asilo seguro noúltimo momento desses devotos (cf. Pallazzolo 1945). Deve ser lembrado que a 2a aparição ocorreu na 1a

sexta-feira (não se sabe ao certo de qual mês) de 1674, pois isso tem conseqüências na atual devoção doSagrado Coração.

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oposto ela. Isto se deu sobretudo no século XVIII, no contexto do confronto político eteológico entre jesuítas e jansenistas e da luta política que os jesuítas tiveram de enfrentarcontra o regalismo (influenciado pelas idéias do iluminismo21). As visões de Margarida Mariasó ganharam crédito em seu próprio convento a partir de 1683, quando uma nova superiora anomeou Mestra das Noviças. Alguns anos depois, a devoção se espalhou por outrosconventos das visitandinas (congregação a que pertencia a vidente), mas ainda se fazia semaprovação do Vaticano. Esta aprovação, que ocorreu no mesmo processo de luta política,acabou acontecendo em 1756, por um Papa simpático à causa dos jesuítas, Clemente XIII.Mas foi seu sucessor de mesmo nome, Clemente XIV, quem, poucos anos depois, cedendo àspressões dos regalistas e jansenistas, extinguiu a Companhia de Jesus, em 1773. Nessa altura,os jesuítas já tinham sido expulsos do Brasil e da Amazônia, há vários anos, tendo os últimossaído dessas duas colônias portuguesas em 176022.

Alguns anos depois, a Revolução Francesa representou certamente umagrande transformação na vida religiosa da França, com suas características anti-clericais e,muitas vezes, de franca perseguição religiosa. No período napoleônico, um certo acordo entreo Estado e a Igreja não trouxe, de fato, maior tranqüilidade para esta. Tendo sido coroadoimperador pelo Papa, Napoleão Bonaparte, ao invadir o território italiano em 1808-1809,acabou por aprisionar o Sumo Pontífice, considerado como um obstáculo para suaspretensões políticas. Essa ação arbitrária

“levou grande parte do clero francês a considerar o Papa como seu protetor, ohomem a quem deviam suprema obediência e cuja autoridade honravam acima de tudo.Este olhar para fora da França, ‘para lá das montanhas’ (Ultramontanismo), isto é, para aItália [além dos Alpes], tornou-se uma atitude característica da Igreja Católica do séculoXIX em França” (Ling 1994: 285).

Na verdade, não só em França. A Companhia de Jesus foi restabelecida em1814, pelo Papa Pio VII, dentro do mesmo contexto de conflito e luta política entrecatólicos, regalistas e liberais. Esse restabelecimento ocorreu pouco antes de um amplomovimento de reforma conservadora da Igreja Católica, que ficou conhecida por“romanização”. E a ideologia que animou este movimento, em alguns momentos de caráterprofundamente reacionário, ficou conhecida pelo mesmo nome que surgiu da reação do clerofrancês conservador (oposto aos padres liberais), o ultramontanismo. Os jesuítas,restabelecidos pelo Papa, tornaram-se o símbolo desse movimento. As expressões “jesuíta” e“jesuitismo” eram usadas em toda a parte, pelos opositores liberais dessa política, paradesignar o conservadorismo mais retrógrado, além de servir para muitas outras acusações (cf.Maués 1999: 139 e ss.). Os padres jesuítas só retornaram ao Brasil em 1841, vindos daArgentina, de onde tinham sido expulsos. Três anos depois se daria a fundação do AO naFrança, como foi visto acima, por um padre jesuíta. Daí até a fundação do importante centrode Itu (também pelos jesuítas), a partir do qual o AO se propagou rapidamente pelo Brasil,passaram-se 30 anos. Estava-se agora, porém, bem no início do processo de reformaconservadora da Igreja Brasileira, segundo os parâmetros da ideologia ultramontana, e sob a

21 É famosa a frase atribuída a Voltaire: “No dia em que destruirmos o último jesuíta, esse será

o primeiro passo para a destruição da Infame” (isto é, da Igreja Católica).

22 Lembrar que, no período colonial, havia duas colônias portuguesas na América do Sul: oEstado do Brasil, com capital no Rio de Janeiro, e o Estado do Grão-Pará e Maranhão (que abrangiatoda a Amazônia), com capital em Belém.

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liderança (entre outros) do bispo do Pará, D. Antônio de Macedo Costa, que rapidamente iriase tornar figura de projeção nacional, ao ser, juntamente com D. Vital Maria de Oliveira,protagonista do famoso episódio da Questão Religiosa (1872-1875), em que ambos seriampresos e encarcerados na Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro, por levarem à frente, contra asleis do Império, o processo de reforma da mesma Igreja, que representava, de fato, umaespécie de “europeização” do catolicismo brasileiro.

Não é o caso de tratar, em detalhes, sobre a romanização, tema a respeito doqual tanto se escreveu no Brasil e em outros lugares (cf., entre outros, Azzi 1974, 1983;Groot 1996; Maués 1995, 1999; e Ribeiro de Oliveira 1985). Mas não pode ser esquecido ofato de que a propagação, no Brasil, por todas as dioceses e paróquias, do Apostolado daOração, representou um aspecto da maior importância no processo de romanização docatolicismo brasileiro. O sociólogo Pedro Ribeiro de Oliveira, um dos principais estudiososdesse tema, nos diz que, segundo comunicação pessoal de Ralph Della Cava, seria possíveltraçar um mapa da expansão do processo de romanização no Brasil, tomando as datas defundação do AO nas capelas e paróquias do Brasil (cf. Ribeiro de Oliveira 1985 :286).

E o mito de origem da Renovação Carismática? Este, de fato, confunde-secom o próprio mito de fundação da Igreja Católica. Vejamos como.

Trata-se, como se sabe, do próprio episódio descrito em Atos 2, 1-21. Adiferença em relação aos outros cristãos, não pentecostais (católicos, ortodoxos eprotestantes, não importa qual a denominação), é que os pentecostais não consideram oepisódio da descida do Espírito Santo como “línguas de fogo” sobre os discípulos de Jesus,como aparentemente o fazem os outros cristãos, somente como um fato histórico, datado notempo, mas como algo que se renova, a cada dia, na vida dos fiéis autênticos. Pentecostesfunda a Igreja Cristã e o pentecostalismo. Pentecostes é a origem não só das diferentesdenominações evangélicas de caráter pentecostal, mas também da Renovação CarismáticaCatólica. E é a atualização permanente do episódio de pentecostes na vida dos fiéis(inclusive nas suas orações pessoais) que garante a existência do movimento que pretende sermais que um movimento, mas a própria Igreja em movimento.

Entretanto, devo perguntar: — se o AO surgiu, na 1a metade século XIX, nobojo de um processo político de luta em que a Igreja Católica sentia-se ameaçada, na Europa,pelo avanço do liberalismo, do socialismo, dos tempos modernos, da maçonaria e de muitosoutros inimigos, o que se pode dizer, com relação ao surgimento da RCC, nos EstadosUnidos da América?

Vimos que a versão mais aceita sobre a origem da RCC coloca este fato nofamoso “fim de semana de Duquesne”, nos últimos anos da década de 60 do século XX. Masos próprios carismáticos procuram recuar um pouco mais sua origem e atribuí-la ao ConcílioVaticano II, convocado pelo Papa João XXIII, recentemente beatificado, juntamente com PioIX (o Papa do Syllabus e do Concílio Vaticano I). O que geralmente omitem é o fato de que oConcílio Vaticano II produziu dois importantes documentos, um intitulado Lumen Gentium eoutro chamado Gaudium et Spes, o primeiro tratando da constituição dogmática da Igreja edando uma importância fundamental ao papel do Espírito Santo e, o segundo, tratando daconstituição pastoral e enfatizando o compromisso social dos cristãos. Dessa forma, oprimeiro documento deu ensejo ao aparecimento da Renovação Carismática Católica,enquanto o segundo permitiu o aparecimento da Teologia da Libertação e das ComunidadesEclesiais de Base, os dois movimentos mais ativos do final do século XX, na Igreja

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Católica23. Não só os mais ativos — podendo-se dizer, mesmo, que, nos últimos anos, a RCCtem tendido a suplantar o movimento das CEBs —, mas, também, em certo sentido,antagônicos. Na verdade é este um dos pontos que mais desejo acentuar, entre tantos outros,neste trabalho: — a origem conservadora, ou neo-conservadora, da RCC, mas que, ao mesmotempo, se propõe a renovar ou reformar a Igreja, do mesmo modo que o faziam osultramontanos, nos últimos anos do século XIX e nos primeiros do XX. Pretensão bem maiordo que a do AO que, na época em que constituía um dos mais ativos e modernosmovimentos da Igreja Católica, considerava-se, no entanto, parte de um processo mais vastode renovação conservadora24.

E por que a necessidade de renovação agora, na segunda metade do séculoXX? O final dos anos 50 e, especialmente, os anos 60, nos Estados Unidos e no mundo, sãoanos emblemáticos25. Surgem os beatniks e, mais tarde, os hippies e os hare krishna; o rockconquista o país e se espalha pelo mundo; ao mesmo tempo, na Inglaterra, surgem os Beatles;e a tudo isso se associa o LSD (que não é só uma droga também emblemática e de usocomum, mas uma “droga sacramental”, utilizada por pessoas religiosas, para obter um êxtasemístico [cf. Lewis 1977]). Surge a contracultura, o protesto contra a Guerra do Vietnã, omovimento pela liberação feminina, a pílula (que cumpre um papel fundamental nessaliberação), o movimento pelos direitos civis, o movimento estudantil de 68, tendo Pariscomo centro, mas que se espalha por todo o mundo ocidental e atinge mesmo os países desocialismo real. Essa é também a época da explosão do movimento negro americano,marcado pelo chamado Black Power, os Panteras Negras, os movimentos de caráter pacífico ea insatisfação pelo assassinato de Martin Luther King. Ideais de vida comunitária e amor livrese misturam com crenças e práticas exotéricas, bem como com religiões de origem oriental,da mesma forma como se valoriza, de forma sui-generis, as figuras de São Francisco de Assis eJesus Cristo “Super-Star”. E tudo isso culmina, em 1969, com o festival de Woodstock, queaponta também para a chamada Era de Aquário. Ao mesmo tempo, nos meios católicosavançados, começam a surgir as primeiras idéias doutrinárias e práticas pastorais relacionadascom a moral sexual e familiar, bem como com a condição da mulher na Igreja. Por outro lado,não se deve esquecer que, nesses anos, a chamada Guerra Fria era uma realidade bem

23 Sobre isso Abelardo Soneira, durante as IX Jornadas sobre Alternativas Religiosas na América

Latina, realizadas no Rio de Janeiro, no período de 21 a 24/09/99, fez uma bela comunicação.Infelizmente, na ocasião, não apresentou texto escrito. Na opinião desse estudioso, Gaudium et Spes, entreoutras coisas, levou à TL, num processo de “racionalização cultural”, enquanto Lumen Gentium conduziu,também, entre outras coisas, à RCC, num processo de “mobilização emocional”. Não obstante, segundoele, o processo de controle desencadeado pela hierarquia eclesiástica sobre os dois movimentos têmultimamente conduzido, no caso da RCC, a uma “posição neo-conservadora”, através de uma “releiturado Concílio a partir da tradição e não a partir da mudança”. Em suas próprias palavras, conforme oresumo de sua comunicação: “En este proceso la RCC, que surgió con la pretensión de ser ‘la Iglesia enmovimiento’, se ha transformado en un ‘movimiento de Iglesia’. ¿ Hasta qué punto la RCC se insertó enla tradición y la ortodoxia de la Iglesia, alejándose de la renovación pretendida?”

24 Thomas Csordas, antropólogo que tem feito muitos estudos sobre RCC nos EstadosUnidos e que venho citando algumas vezes neste texto, relaciona, em um de seus artigos, oaparecimento da Renovação Carismática com o capitalismo monopolista mundial (cf. Csordas 1992),fazendo uma alusão a Weber e falando em uma “ética pentecostal” que pode combinar-se com essaforma de capitalismo. Embora não deseje contestar essa tese, minha abordagem, como se verá, temum sentido diferente da de Csordas. Penso, aliás, que, nos próprios termos weberianos, aliás, váriosenfoques são bem-vindos para analisar um mesmo fenômeno.

25 Algumas das idéias a seguir me foram sugeridas por Maria Angelica Motta-Maués.

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marcante: nos anos 50 a sociedade americana tinha tido a experiência do macarthismo, masos setores conservadores, liberais e anti-comunistas dessa mesma sociedade continuavambem ativos nos anos 60 e em décadas seguintes.

É nesse ambiente, que de alguma forma podia ser percebido como caótico,sobretudo pelos conservadores, que surge, também, a “segunda onda” de avivamentoprotestante, dos anos 50 e 60, acima já referida, que dá ensejo ao surgimento da RenovaçãoCarismática Católica, em 1967, no fim de semana de Duquesne. Emblematicamente,também, numa universidade, entre jovens estudantes e professores, que buscam, dentro docatolicismo, uma alternativa válida para enfrentar esses tantos perigos do mundo moderno e,de certo modo, “salvar” a Igreja. Uma alternativa que, entre outras coisas, possa substituir oêxtase do rock e das drogas mundanas ou voltadas para experiências místicas “deturpadas”,ligadas a exoterismos, orientalismos e New Age, pela intensa mas “saudável” experiênciamística do êxtase (controlado) que provém dos dons do Espírito Santo, onde também seinclui a música, a dança, o canto e os conjuntos ou bandas com guitarras elétricas e outrosinstrumentos da moda. Mas tudo isso sem droga, sem álcool.

Não obstante, a Renovação Carismática não está sozinha neste processo.Como nos diz Ralph Della Cava (1985), a “ofensiva [conservadora] vaticana” na IgrejaCatólica começou desde o momento em que os conservadores perderam a batalha daconvocação do Concílio Vaticano II, que contribuiu para o aggiornamento dessa mesma Igreja.E ela se tornou mais forte a partir do pontificado de João Paulo II, num processo político queainda é mais amplo e que inclui a derrocada dos países de socialismo real, com a simbólicaqueda do muro de Berlim, o esfacelamento da União Soviética, a globalização e muitosoutros fatos que indicam o progresso notável do conservadorismo no mundo que hoje muitoschamam de pós-moderno. E que inclui a ação deliberada sobre algumas conferênciasepiscopais que não se ajustavam ao novo modelo, como a holandesa, a americana e abrasileira. Ao mesmo tempo em que se faz o reforço de movimentos conservadores como oOpus Dei e a RCC e se beatifica ou canoniza santos polêmicos.

Por outro lado, nesta passagem de século que agora assistimos, para oscatólicos neo-conservadores certamente a Igreja não está imune a grandes perigos, mesmoque o conservadorismo seja uma tendência, aparentemente, dominante. A recentedivulgação, pelo Vaticano, com toda a pompa, do chamado “terceiro segredo de Fátima”indica bem isso. O símbolo do bispo de branco sendo atingido pelos inimigos da Igrejamostra muito bem que o fato é considerado num nível de importância tão grande quanto a 2a

Guerra Mundial e a derrocada da União Soviética (temas dos outros “segredos”). Emboramuitos (mesmo católicos) tenham se decepcionado com o anúncio, não há dúvida de que elefoi feito a sério e que representa, sim, uma preocupação dos católicos conservadores maisinfluentes, incluindo-se aí os devotos de Nossa Senhora de Fátima, entre eles o próprio PapaJoão Paulo II. Vale lembrar que esta devoção teve um caráter político muito poderoso nomovimento de romanização — que ainda ia em curso, nos primeiros anos do século XX —,isto é, no processo de controle e “domesticação” das devoções populares, na luta contra oanti-clericalismo, e, também, no fortalecimento do salazarismo em Portugal, bem como naluta contra os regimes de socialismo real, sobretudo na Europa26.

26 Ver, a respeito, o discurso do Cardeal Angelo Sodano no final da missa celebrada pelo Papaem Fátima, no dia 13/05/2000, a quando da beatificação dos dois pastorinhos videntes já falecidos,companheiros da Irmã Lúcia, que revelou os “segredos”, muito tempo depois, a pedido da Igreja. Emreferência ao 3o segredo, diz o cardeal: “Tal texto [o de Lúcia] constitui uma visão profética comparável àsda Sagrada Escritura, que não descrevem de forma fotográfica os detalhes dos acontecimentos futuros,

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4 – Considerações finais

Neste trabalho, fazendo uma comparação entre dois movimentosconservadores na Igreja Católica, um “tradicional” — o Apostolado da Oração — e outro“moderno” — a Renovação Carismática Católica —, procurei mostrar a atualidade espirituale a importância política de ambos. O AO, aparentemente um movimento retrógrado eultrapassado, do qual nos dias de hoje quase só participam velhas senhoras, é no entantoatualizado por uma devoção muito antiga, que tem, como vimos, um papel extremamenteimportante na vida da Igreja, tanto por suas características sentimentais e intimistas, mas aomesmo tempo voltadas para a família, quanto por seu papel político de grande relevância nosembates que a mesma teve de enfrentar contra seus adversários e inimigos. A RCC, ummovimento atual e, para alguns, mesmo, da pós-modernidade (cf. Csordas 1997: 40 e ss.),tem no entanto sua origem (no sentido daquilo que pode torná-lo sempre atual) num aspectomuito tradicional, que é fundante da própria Igreja, o episódio de Pentecostes,constantemente atualizado na vida dos fiéis. Embora esse aspecto se preste a muitasdiscussões e controvérsias — muitos evangélicos duvidam da possibilidade autêntica doexercício dos dons do Espírito Santo pelos católicos, que ao mesmo tempo mantêm o cultodos santos e de Maria; conservadores fundamentalistas e progressistas cristãos vêm comdesconfiança esse “pentecostalismo católico” e a própria CNBB, no Brasil, possui regrasrígidas para as manifestações carismáticas; analistas, como Abelardo Soneira27, apontam jáuma possível “rotinização do carisma” na Renovação —, mas, mesmo assim, não há comonegar que a RCC continua crescendo a olhos vistos e influenciando toda a Igreja, com a suaforma alegre e emocional de espiritualidade

Mas, o que caracteriza o conservadorismo desses dois movimentos e, aomesmo tempo, o que os distingue?

Sem querer desenvolver aqui uma discussão teórica mais ampla, pretendo,nestas considerações finais, utilizar algumas das idéias de um sociólogo alemão um tantoesquecido nos debates sobre religião, que é Karl Mannheim, que será citado a seguir, talvezum tanto longamente. Começarei então lembrando aquilo que esse autor nos coloca a

mas sintetizam e condensam sobre a mesma linha de fundo factos que se prolongam no tempo numasucessão e duração não especificadas. Em consequência, a chave de leitura do texto só pode ser de caráctersimbólico”. E, mais adiante, referindo-se ao atentado sofrido pelo Papa (em 13/05/1981) e relacionando-o com a devoção a N. S. de Fátima: “Depois do atentado (...), pareceu claramente a Sua Santidade que foi‘uma mão materna a guiar a trajectória da bala’, permitindo que o ‘Papa agonizante’ se detivesse ‘no limiarda morte’ (...). Certa ocasião em que o Bispo de Leiria-Fátima de então passara por Roma, o Papa decidiuentregar-lhe a bala que tinha ficado no jeep depois do atentado, para ser guardada no Santuário. Poriniciativa do Bispo, essa bala foi depois encastoada na coroa da imagem de Nossa Senhora de Fátima (...).Depois os acontecimentos de 1989 levaram, quer na União Soviética quer em numerosos Países do Leste,à queda do regime comunista que propugnava o ateísmo. O Sumo Pontifice agradece do fundo docoração à Virgem Santíssima também por isso. Mas, noutras partes do mundo, os ataques contra a Igreja e oscristãos, com a carga de sofrimento que eles provocam, infelizmente não cessaram. Embora os acontecimentos a quefaz referência a terceira parte do segredo de Fátima pareçam pertencer já ao passado, o apelo à conversão e àpenitência, manifestado por Nossa Senhora ao início do século vinte, conserva ainda hoje uma estimulante actualidade(...). Para consentir que os fiéis recebam melhor a mensagem da Virgem de Fátima, o Papa confiou àCongregação da Doutrina da Fé o encargo de tornar pública a terceira parte do segredo, depois de lhe terpreparado um adequado comentário” (Este discurso, bem como o documento completo da Congregaçãoda Doutrina da Fé, é acessível na página da Internet do Vaticano: http://www.vatican.va; os grifos sãomeus, R. H. M.).

27 Ver comunicação referida na nota 12 ,acima.

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respeito da relação entre racionalismo moderno e oposição conservadora. Inicialmente, valelembrar o que ele diz a respeito do surgimento do racionalismo em oposição aoescolasticismo medieval e à filosofia da natureza do Renascimento:

“El racionalismo moderno como método de pensamiento encuentra suaaplicación más clara y más radical en las ciencias exactas modernas. En esta forma nascióprincipalmente en oposición con dos corrientes importantes de pensamiento: elescolasticismo aristotélico medieval por una parte, y la filosofia de la naturaleza delRenascimiento por otra (...). A la concepción aristotélica del mundo se opuso a causa de laactitud cualitativa de éste, porque sostiene que la forma de una cosa está determinada poruna finalidad teleológica que le es inerente. El pensamiento nuevo tiende a una concepcióndel mundo que explique lo particular por causas y leyes generales y presenta el mundocomo un mero compuesto de masa y de fuerza físicas. Su deseo de superar el pensamientocualitativo fue lo que impulsó a los científicos modernos a recurrir a las matemáticas yconvertirlas en base de sua análisis de la naturaleza” (Mannheim 1963: 96)

Se a oposição ao pensamento qualitativo aristotélico é total, o mesmo não vaiocorrer com a filosofia da natureza do Renascimento, em relação à qual a rejeição aconteceapenas por causa de seus elementos mágicos e de sua tendência a pensar por analogias. Masessas duas atitudes do racionalismo que, para Mannheim, dizem respeito a dois fenômenosbasicamente diferentes, foram unidas apenas acidentalmente. E, por trás delas, está umaoutra atitude que permite essa união:

“Es el deseo de no conocer acerca de las cosas más que lo que puede expresarse enuna forma universalmente válida y demonstrable, y no incorporarlas a la experiencia deuno más allá de ese punto. Se trata de excluir del conocimiento todo lo que está ligado apersonalidades particulares y que sólo puede demostrarse a grupos sociales estrechos conexperiencias comunes, y limitarse a enunciados comunicables y demonstrables en general.Es, pues, un deseo de conocimiento que pueda socializarse” (Mannheim 1963: 96).

Entretanto, esse novo conhecimento, fundado nas matemáticas e de validezuniversal, formulado através de leis gerais, do ponto de vista sociológico corresponde a umconhecimento não apenas dissociado das personalidades e das comunidades concretas, masalgo que se produz de acordo com delineamentos totalmente abstratos.Evidentemente queisso está ligado a desenvolvimentos de caráter social e, especialmente, ao processo deexpansão das relações capitalistas de produção. E o resultado, segundo Mannheim, é que, àmedida em que se expande a organização capitalista, o ser humano é tratado cada vez maiscomo “magnitude abstrata calculável”, tendendo a experimentar cada vez mais o mundo queo cerca de acordo com essas “relações abstratas”. Entretanto, essa maneira de pensar não écapaz de anular as suas concorrentes. Isto porque as formas de pensamento intuitivo,qualitativo e concreto, rechaçadas pelo pensamento racional moderno, continuaram subsistindo ereagindo contra sua ação, de certo modo avassaladora. E é aí que vai surgir a reaçãoconservadora. Citando de novo as palavras de Mannheim:

“¿Que se hizo de todas las relaciones y actividades vitales, y de suscorrespondientes modos de pensamiento, que fueron suprimidos por la aparición de unaracionalización consecuente? (...). Como podía esperarse, de hecho han subsistido, perocomo suele ocurrir en la historia, se sumergiran y se hicieron latentes, manifestándose a lomás como una contracorriente en relación con la corriente principal. Fueron recogidos ydesarollados nuevamente, al principio por los estratos sociales e intelectuales quepermanecian fuera del proceso capitalista de racionalización o que por lo menosrepresentaban un papel pasivo en su desarrollo” (Mannheim 1963: 99)

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E que foram esses desenvolvimentos? Mannheim nos fala, “em particular”, detradições de seitas religiosas como as dos pietistas, que, segundo ele,

“(...) conservaban modos de vida, actitudes y formas de experimentar las cosas,particularmente en su vida espiritual, que estaban inevitablemente llamadas a desaparecerde la vida tanto de la burguesia a medida que avanzaba más y más en el proceso capitalista,como de la clase obrera industrial.

Pero aun esos estratos, vinculados como necesariamente lo estaban al proceso deracionalización del capitalismo, no perdieron por completo sus tipos originales de vida,sino que éstos, simplemente, desaparecieron de la que podemos llamar sua vida pública yoficial (...). En realidad, el fenómeno al cual también se refiere Max Weber, la gradualretracción a lo privado de ciertas esferas anteriormente publicas (...), tiene el caráter de unacompensación de la racionalización cresciente de la vida pública en general: en el taller, en laplaza del mercado, en política, etcétera.

Asi, la relación irracional y original de hombre a hombre y del hombre con lascosas es llevada en lo sucesivo a la periferia de la vida capitalista (...). Allí, en la periferia (...),dormitan los germenes de un estilo de pensamiento y de vida que en otro tiempodominaron el mundo (...).

La significación sociológica del romantismo estriba en su función comooponente histórico de las tendencias intelectuales de la Ilustracióin, en otras palabras,contra los exponentes filosóficos del capitalismo burgués” (Mannheim 1963: 99-100).

Não é o caso de prosseguir detalhando aqui esta exposição do pensamentomannheimiano sobre o conservadorismo, mas, somente, destacar mais dois aspectos: 1) acrítica conservadora ao pensamento racional moderno, que, segundo o sociólogo alemão,precede mesmo a crítica de caráter socialista, a qual é, até, por ela ensejada; e, 2) o caráterconcreto desse pensamento conservador, que é também uma característica que o pensamentosocialista ou proletário tem em comum com ele (a despeito de suas enormes diferenças). Mas,o que desejo salientar aqui, nas conclusões deste trabalho, em que tentei colocar em destaquedois movimentos de caráter conservador na Igreja moderna atual é, de um lado, o aspectotradicional de um deles e o caráter “moderno” ou não tradicional do outro. Relacionado aisto, as profundas vinculações que o elemento conservador característico desse doismovimentos — independentemente de outros aspectos que possam ser discutidos em relaçãoa eles — tem com uma postura tradicional da Igreja Católica, que vem se mantendo desde aIdade Média.

Vamos por partes. O primeiro elemento deriva das próprias formulaçõesmannheimianas, que, no mesmo texto sobre o pensamento conservador que venhodiscutindo, estabelece também uma distinção entre tradicionalismo e conservadorismo:

“Tradicionalismo significa una tendencia a adherirse a normas vegetativas, a viejosmodos de vida que muy bien podemos considerar bastante ubicuos e universales. Estetradicionalismo ‘instintivo’ puede considerarse como la reacción original a tendenciasreformadoras deliberadas. En sua forma original estaba ligado a elementos mágicos de laconsciencia (...). Por lo tanto, el tradicionalismo no está necesariamente enlazado, aun hoy,con el conservadurismo politico ni otros tipos de conservadurismo. Las personas‘progresistas’, por ejemplo, indepiendentemente de sus convicciones políticas, puedenactuar con frecuencia ‘tradicionalistamente’, en una gran medida, en muchas otras esferas desus vidas.

Asi, pues, no nos proponemos que la palabra ‘conservadurismo’ se entienda enun sentido psicológico general. El individuo progresista que actúa ‘tradicionalmente’ en lavida privada o en sus negocios, o el conservador que actúa ‘progresivamente’ fuera de lapolítica, aclararán este punto.

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La palabra ‘tradicionalista’ designa lo que, en mayor o menor grado, es unacaracterística psicológica formal de la mente de todo individuo. Pero la acción‘conservadora’ depende siempre de un conjunto concreto de circunstancias” (Mannheim1963: 106-107).

Mas, se é assim, como definir conservadorismo, do ponto de vistasociológico? Eis a definição do sociólogo alemão:

“El conservadurismo político es, pues, una estructura mental objetiva opúesta ala ‘subjetividad’ del individuo aislado. No es objetiva en el sentido de que sea eterna yuniverslmente valida. No puede hacerse deduciones a priori de los ‘principios’ delconservadurismo (...).

Dentro de toda configuración estructural histórica dinámica podemos discerniruna ‘intención básica’ distintiva (Grundintention), que el individuo hace suya en la medidaen que su propria experiencia es determinada por la ‘configuración estructural’ como tal. Niaun este núcleo, esta intencióin básica, es eternamente válida independientemente deltempo y de la historia. También ella ha nascido en el transcurso de la historia y en estrechaconexión con el destino de los seres humanos vivientes y concretos.

El conservadurismo es precisamente esa configuración estructural objetiva,dinámica, históricamente desarrollada. Las personas experimentan, y actúan, de modo‘conservador’ (diferente del ‘tradicionalista’) en la media, y sólo en la medida, en que seincorporan a una de las fases de desarrollo de esa estructura mental objetiva (por lo generala la fase contemporánea) y se conducen de acuerdo con la estructura, ya simplementereproduciéndola en todo o en parte, o desarrollandola más, adaptándola a una situaciónconcreta particular” (Mannheim 1963: 109-110).

Assim, fica mais fácil entender como um movimento de inspiraçãoconservadora como a RCC se apresenta — mesmo que possa ser considerada como ummovimento da pós-modernidade —, com um caráter “moderno” ou up-to-date. Isso em nadapode retirar-lhe o caráter conservador que puder assumir, concreta e historicamente. O quenão significa, é bom advertir, que possamos, a priori, deduzir a atuação conservadora da RCCem situações históricas particulares. Por outro lado, o aspecto mais tradicionalista do AOparece evidente, embora, no passado, ele tenha sido um movimento conservadorperfeitamente em sintonia com o momento de luta política da Igreja contra os adversários ouinimigos que confrontavam essa instituição.

Há porém um elemento presente na RCC e no AO que permite a suaaproximação ideológica com o conservadorismo e que, atualizado em situações concretas,tem freqüentemente levado seus adeptos a posturas políticas não apenas tradicionalistas, mastambém conservadoras. Trata-se de sua proposta soteriológica individualista e não social. Eisto constitui uma importante diferença em relação à teologia da libertação e às CEBs,marcadas pelo compromisso social presente em Gaudium et Spes. A noção não sociológica deque as mudanças das consciências individuais será capaz de alterar o todo social e que, porisso, descura das transformações estruturais como forma de começar a construir o Reino deDeus aqui na terra (noção característica da TL), conduz a ações individualísticas em sintoniacom uma espiritualidade excessivamente centrada no indivíduo, na emoção e na relaçãodireta com a divindade, através do recebimento dos dons do Espírito Santo ou da relaçãoromântica e sentimental com os Corações de Jesus e de Maria (mais com o primeiro do com osegundo, o que talvez contribua para a tradicional maior presença de mulheres noApostolado).

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Mas tudo isso não pode ser desvinculado de uma tradicional posturaconservadora da própria doutrina social católica, tal como tem sido formulada por seuslíderes máximos, desde Leão XIII, fundamentada em princípios de justiça social que aindaguardam como fundamento concepções aristotélico-tomistas medievais (qualitativas, emtermos mannheimianos), que podem muito bem, para não me alongar em demasia, serilustradas por posturas assumidas em relação a temas candentes como o da reforma agrária:não a defesa do direito de propriedade dos atuais proprietários, mas sim o direito àpropriedade, que é uma coisa bem diferente (e não capitalista, não condizente com opensamento racional moderno). Nem também, de fato, a propriedade coletiva ou socialista,como já foi proposto pelo pensamento proletário. Mas o direito de todos à propriedade, comoestá no ideário da justiça social formulada por alguns dos maiores e tradicionais teólogoscatólicos.

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