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VI Congresso Nacional Associação Portuguesa de Literatura Comparada / X Colóquio de Outono Comemorativo das Vanguardas – Universidade do Minho 2009/2010 Tradução e Paratradução da Literatura da Shoah na Lusofonia Xoán Manuel Garrido Vilariño Universidade de Vigo Grupo de Investigação Tradução e Paratradução 1. Introdução Tratar da Literatura da Shoah na Lusofonia pode parecer um pouco estranho, porque os espaços em que ocorreram os massacres totalitários nazis ficam longe dos territórios da histórica língua galaico-portuguesa. Porém, temos os testemunhos do brasileiro Stanislaw Szmajner, Inferno em Sobibor : a tragédia de um adolescente judeu (1968) o da portuguesa Ilse Losa O Mundo em que vivi (1949) e o da galega Mercedes Núñez Targa: El carretó dels gossos : una catalana a Ravensbruck (2005). Trata-se de três obras de criação no âmbito da lusofonia, vocacionadas, desde a sua criação, a serem vertidas para outras línguas e que, contudo, constituem três fracassos de tradução, por motivos distintos, em cada um dos casos. O testemunho de Stanislaw Szmajzner serviu de base a um livro em inglês do jornalista Richard Rashke, Escape from Sobibor (1982) bem como a um filme que “impossibilitaram” a sua tradução para outras línguas. Quanto a Ilse Losa, saiu mais realçada a sua faceta como escritora de literatura infantil e juvenil do que o aspecto respeitante às perseguições dos judeus na Alemanha. Finalmente, para exemplo galego, temos o caso de Mercedes Núñez Targa, catalã de origem galega, cujo testemunho relativo aos campos nazis ainda não foi alvo de tradução. 1

Tradução e Paratradução da Literatura da Shoah na Lusofoniaceh.ilch.uminho.pt/publicacoes/Pub_Xoan_Garrido.pdf · Xoán Manuel Garrido Vilariño . Universidade de Vigo . Grupo

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VI Congresso Nacional Associação Portuguesa de Literatura Comparada / X Colóquio de Outono Comemorativo das Vanguardas – Universidade do Minho 2009/2010

Tradução e Paratradução da Literatura da Shoah na Lusofonia

Xoán Manuel Garrido Vilariño

Universidade de Vigo

Grupo de Investigação Tradução e Paratradução

1. Introdução

Tratar da Literatura da Shoah na Lusofonia pode parecer um pouco estranho, porque os

espaços em que ocorreram os massacres totalitários nazis ficam longe dos territórios da

histórica língua galaico-portuguesa. Porém, temos os testemunhos do brasileiro

Stanislaw Szmajner, Inferno em Sobibor : a tragédia de um adolescente judeu (1968) o

da portuguesa Ilse Losa O Mundo em que vivi (1949) e o da galega Mercedes Núñez

Targa: El carretó dels gossos : una catalana a Ravensbruck (2005). Trata-se de três

obras de criação no âmbito da lusofonia, vocacionadas, desde a sua criação, a serem

vertidas para outras línguas e que, contudo, constituem três fracassos de tradução, por

motivos distintos, em cada um dos casos. O testemunho de Stanislaw Szmajzner serviu

de base a um livro em inglês do jornalista Richard Rashke, Escape from Sobibor (1982)

bem como a um filme que “impossibilitaram” a sua tradução para outras línguas.

Quanto a Ilse Losa, saiu mais realçada a sua faceta como escritora de literatura infantil e

juvenil do que o aspecto respeitante às perseguições dos judeus na Alemanha.

Finalmente, para exemplo galego, temos o caso de Mercedes Núñez Targa, catalã de

origem galega, cujo testemunho relativo aos campos nazis ainda não foi alvo de

tradução.

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Dizer brasileiro, portuguesa e galega é apenas uma denominação territorial que não

exprime qualquer dado sobre os factos que os levaram à escrita do seu testemunho.

Stanislaw Szmajner é judeu originário da Polónia, falante de polaco e ídish, Ilse Losa é

judia originária da Alemanha, falante de alemão, e Mercedes Núñez Targa, falante de

catalão, espanhol e galego. Com este plurilingüismo presente em cada um dos autores,

também não a língua, nem a materna, nem a língua de adopção, serve para proceder a

qualquer género de classificação. Porém, o ponto que os três têm em comum é a forma

como traduzem o trauma da sua perseguição, por motivos de “raça” no caso de

Stanislaw Szmajner e Ilse Losa sob o totalitarismo nazi e por motivos políticos no caso

de Mercedes Núñez Targa sob o totalitarismo franquista.

A tradução do acontecemento para as línguas e culturas de adopção foi em primeiro

lugar um exercício de memória individual quer para gerir o tumultuoso passado, quer

para denuncia-lo, mas não atingiu de forma suficiente a entidade para poder incorporar-

se nas memórias colectivas nacionais porque os títulos produzidos tiveram uma

recepção marginal. Também não deram o salto “internacional” e não fazem parte do

cânone da chamada Literatura da Shoah ou do Holocausto.

Quando fazemos menção do género da Literatura do Holocausto ou da Shoah deve este

conceito ser entendido como um conjunto de intertextos (não apenas literários) que se

caracterizam por apresentarem a estrutura de um testemunho em forma de memória,

autobiografía ou confissão sob a enunciação de um “eu” –escritor/sobrevivente, e por

tratarem o tema da Shoah/Holocausto como central (utilizamos ambos os termos sem

atribuir-lhes nenhuma conotação especial.) São, além disso, intertextos que questionam

constantemente o modo de enunciação e o modo discursivo que o locutor-escritor deve

adoptar para transmitir a sua mensagem, estabelecendo-se assim um diálogo

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metalinguístico. Tanto o emissor como o receptor partilham um horizonte genérico que

no caso do primeiro é quase contemporâneo da enunciação e que o segundo interpreta

como pertencendo à Literatura, à História ou às duas simultaneamente.

2. Marco teórico

As pesquisas sobre a tradução da Memória levaram-nos a criar um espaço de análise

que foi denominado “Paratradução”1 e a constituição do grupo de investigação

“Tradución e Paratradución” na Universidade de Vigo. Este artigo deve ler-se em

conjunto com o de Luisa Langford e o de Helena Guimarães, duas investigadoras que

fazem parte deste grupo, cuja análise reflecte, a nosso ver, as diferentes vertentes de um

mesmo entendimento da literatura do testemunho e da Memória. As produções textuais

que apresentamos são periféricas, quer pela língua em que foram escritas quer pelo seu

território de origem: Ilse Losa, judia alemã escreve em português o seu testemunho,

Errikos Sevillias, escreve o seu testemunho em grego que só virá a ser conhecido depois

de traduzido para inglês. Primo Levi, embora se tenha vindo a transformar num autor

muito conhecido, o seu testemunho, publicado em 1947, não foi na altura escutado, e

sem antes terem passado várias décadas. Stanislaw Szmajzner escreve o seu testemunho

em português do Brasil, testemunho esse que só virá a ser conhecido por ser publicado

em inglês por um jornalista americano em forma de documento romanceado e, enfim,

Mercedes Nuñez Targa, catalã, cujo testemunho escrito nunca foi traduzido ao galego.

O marco teórico da Paratradução constrói-se desde o produto, quer como texto

traduzido como operação inter-linguística, quer como criação original e realizando as

pesquisas intra e extra-textuais necessárias para indicar os modelos que se seguiram

para produzir a obra final. Como bem demonstram Luisa Langford e Helena Guimarães 1 Para uma génese do conceito veja-se o website de T&P http://webs.uvigo.es/paratraduccion/Doctorado_T&P_2008-2010/t_p.htm#paratraduccion [08-03-2009]

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nos seus artigos “Brief comparative analysis of Si questo è un uomo, by Primo Levi and

Athens – Auschwitz, by Errikos Sevillias” e “Comparative Analysis of Paratranslational

Aspects in Primo Levi’s Se questo è un uomo and Dante’s Inferno” a trans-textualidade

nos testemunhos da Shoah não são apenas de modos de enunciação, senão que se

incluem imagens e formas de representação que se foram acumulando na cultura

ocidental.

Uma referência em termos epistemológicos é para nós Walter Benjamin quem em «Die

Aufgabe des Übersetzers»2 (1923) faz uma reflexão teórica sobre a tarefa ou missão de

quem traduz, partindo da experiência individual e legitimando a sua actividade

filosófica em busca do geral, da linguagem humana, isto é, do nexo social e histórico de

que o indivíduo faz parte e perante o qual reage.

O projecto filosófico de Walter Benjamin no que se refere á História e, posteriormente,

da Escola de Frankfurt era compreender por que razão o ser humano tende a identificar-

se com o poder dominante, isto é, por que razão, no momento histórico preciso em que,

graças ao desenvolvimento técnico e científico da humanidade, seria possível alcançar a

emancipação individual se produz, exactamente, o contrário: a aniquilação massiva de

indivíduos em Auschwitz. Assim, o ensaio de Benjamin insiste sobre a autonomia do

processo tradutivo relativamente a qualquer atitude de submissão face ao dever de

comunicação (Baltrusch et al., 2007:85)

Que ‘di’ logo unha creación (poética)? Que é o que transmite? Pouca cousa a quen

a entende. A súa natureza fundamental non é a de manifestar algo. Non obstante, a

tradución que queira comunicar, podería non transmitir máis cá propia

comunicación, isto é, aquilo que non forma parte da natureza da obra.

2 As referências a este texto procedem da tradução galega (Baltrusch et al., 2007) para a qual se utilizou a editio princeps em Charles Baudelaire: Tableaux Parisiens. Deutsche Übertragung mit einem Vorwort über die Aufgabe des Übersetzers von Walter Benjamin. Heidelberg:Richard Weissbach 1923, VII-XVII.

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A tradução é uma forma (Idem, 85), na medida em que é um procedimento transitório e

provisório com vista à interpretação do que cada ser e cada língua tem de singular. Ela é

apenas um momento numa tentativa de alcançar a designada pura língua “reine

Sprache” (Walter Benjamin, apud Baltrusch et al., 2007:90). Assim entendida, a

tradução é algo mais do que comunicação. A sobrevivência manifesta-se pela contínua

transformação com vista à harmonia dos modos de significação. A tradução é, assim,

mais importante do que a crítica para a sobrevivência das obras.

Ao considerar a tradução como uma forma, o que conta para Benjamin é a intenção e

não o objecto, isto é, ela é o modo próprio que cada língua tem de se referir ao objecto.

A tarefa da tradução é pois conseguir que se estabeleça um espaço de

complementaridade, de harmonia, entre os modos em que cada comunidade cultural

organiza o seu sistema simbólico. Por um lado, a tradução contribui para a

sobrevivência do original, o que poderá ser visto como a sua acção positiva. Por outro

lado, a tradução é um documento de cultura. Vista sob esta perspectiva, a tradução

pertence ao vencedor da história, já que faz eco da sua ideologia. Sob este prisma, a

acção da tradução teria um carácter negativo. A questão que se coloca é, pois, a

seguinte: Será que a tradução carrega consigo o germe da barbárie?

A tradução não deve, a nosso ver, estar unicamente ao serviço da comunicação, isto é,

ela não deverá ser feita pensando apenas no seu receptor (tal como acontece com a obra

de arte). Com esta postura Walter Benjamin, torna clara a sua rejeição da tradução como

mera apropriação do “outro”, do estrangeiro.

A tradução seria, assim, um prenúncio da linguagem da verdade, na medida em que

seria uma busca de complementaridade no sentido, uma conjunção das diversas

«intenções» no sentido de nos aproximar do âmago do que, em cada língua, em

particular, se manifesta de forma incompleta.

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Walter Benjamin combina um modelo histórico complexo com um certo sentido do

sagrado, logo, a verdade que Benjamin defende sobre a função primordial da tradução

na interpretação e na crítica deve ser, hoje, entendido como o valor do desvelamento

epistemológico. A posição do tradutor, tal como a do historiador, é difícil de definir e

captar. Entendemos, contudo, que o seu trabalho se situa algures no seio da

manipulação ideológica, podendo ser submetido pelo poder de quem domina a História.

Daí, propormos, tal como Benjamin, uma reorientação do pensamento e da acção, na

política, na arte e na razão, que inclua o passado, não na sua forma tradicional de

memória laudatória do vencedor, mas sim como reconhecimento das vítimas passadas,

que, na história tradicional, foram submetidas às estratégias do esquecimento. Em

Benjamin, não há lugar para teorias do conhecimento que ocultem as vítimas da

História e que não redimam a sua memória. O tradutor não deve ser cúmplice dessa

farsa/disfarce.

As nossas comunicações tratam da Memória e das Memórias dos Totalitarismos do

século XX: o Holocausto/a Shoah e os vencidos da segunda República Espanhola.

Como referência temos o filósofo da Memória e teórico da tradução (como forma de

conhecimento) Walter Benjamin. Além dele, temos ainda as obras que re/constroem a

Memória do sobrevivente, sendo o nosso objectivo descrever a forma como se realiza a

mediação e transmissão dessa Memória. Enfim, falaremos de Políticas da Memória

inseridas no seu momento histórico.

Desde este marco crítico e histórico, a Paratraduçao pretende:

Superar o conceito de tradução como operação interlinguística, mecânica e

puramente verbal.

Olhar/analisar a tradução como um fenómeno holístico e, consequentemente,

chegar ao conceito de Paratradução.

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Entender o conceito de Paratradução de uma forma eminentemente instrumental

que leva a inferir a Filosofia e a Ideologia da transmissão e/ou mediação de um

produto cultural.

Analisar os fenómenos paratradutivos (epitradutivos e peritradutivos)3 presentes

na transmissão e/ou mediação de textos da Memória do Totalitarismo.

Ler e Interpretar nas margens da tradução para desvelar a Ideologia de/na

tradução e daí deduzir os comportamentos tradutivos dos agentes intervenientes

na transmissão e/ou mediação.

Lendo, interpretando e traduzindo nas margens do texto; daqui surgiu o conceito de

paratradução. O que escrevem os nossos autores não é um texto literário qualquer, mas

sim um texto de um sobrevivente de um campo de extermínio que quer testemunhar em

nome dele e em nome dos que não sobreviveram. Para eles trata-se de um testemunho e

não de um texto literário que poderia levar-nos a ver o testemunho como uma ficção,

algo de não real. Isto não invalida que o receptor o sinta como um texto literário. De

facto há um género literário designado como Literatura do Holocausto ou Literatura da

Shoah.

3. O testemunho brasileiro

Stanislaw Szmajzner (Pulawy, Polónia 1927- Goiania, Brasil 1989) foi um sobrevivente

judeu do campo de extermínio de Sobibor, o único lugar em que se produz uma

sublevação contra os nazis e que teve relativo êxito. Em 1968, publica as suas memórias

3 A focagem paratradutiva analisa, desde o produto, um bem cultural ou obra (artística) para desvelar a ideologia política ou estética com que foi concebida (Garrido, 2005:32). Nos livros de testemunho da Shoah/Holocausto são fenómenos peritradutivos a linguagem verbal e icónica em/com que apresentados e dispostos os espaços marginais do livro como a capa, sobrecapa, rosto, aba etc., e os prefácios, epílogos, notas editoriais, etc. São fenómenos epitradutivos todos aqueles textos, recensões e críticas de autoridades que comentam a obra, em jornais e revistas gerais ou especializadas por exemplo, que embora estejam fora do seu espaço fisico, dirigem a recepção na sociedade que a acolhe.

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intituladas Inferno em Sobibor : a tragédia de um adolescente judeu (Bloch Editora). A

sua aubiografia começa com a invasão alemã da Polónia ( 1. A Invasão e Êxodo), segue

com a perseguição dos judeus e a sua segregação em guetos (2. O gueto de Wolwonice),

a descrição das condições subhumanas em que foram obrigados a viver (3. Epidemia na

Sinagoga), continua com a transferência para um outro gueto (4. O gueto de Opole), a

deportação para o campo de extermínio (5. Viagem Rumo ao Desconhecido), o

confinamento em Sobibor (6. Sobibor), a narração de como é salvo, ele e o seu irmão,

da selecção ou não para a câmara de gás graças às suas habilitações como ourives (7.

Mensagem em Sobibor) chega até à reflexão sobre a sua degradação moral para

sobreviver “Passaríamos a empregar as mesmas armas dos nazistas: a fraude e o

fingimento” (Szmajzner, 1968:162) presente no capítulo oitavo intitulado “O Diálogo

com Nojech”. O aumento da máquina aniquiladora nazi relata-se nos eloquentes

capítulos nono “Sobibor se Agiganta” e décimo “A Matança se Aprimora”. Stanislaw

Szmajzner deixa os três seguintes para a narração da sublevação, com a elaboração do

plano para a revolta “Começa a Reação”, “Preparativos para o Levante” e “Agora ou

Nunca”, onde para além da fuga do campo, há um retrato da recuperação da condição de

ser humano que lhes fora retirada pelos nazis e conclui com “Enfim a Liberdade”

décimo-quarto e último capítulo.

O livro reúne todas as características que costumam apresentar as memórias dos

sobreviventes do Holocausto: a perseguição por causa da ideologia racial nazi, o

confinamento em guetos e a degradação humana que sofre o narrador no campo de

extermínio. Stanislaw Szmajzner enquadra cada uma destas fases numa

contextualização histórica ao descrever ao mesmo tempo o seu destino individual e o

destino colectivo da comunidade a que pertencia.

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A experiência e o sofrimento são sempre individuais, se bem que, por sua vez, sejam

reflexo dos conflitos não resolvidos da sociedade. Quando Stanislaw Szmajzner alcança

a estabilidade vital e emocional e chega à idade madura no Brasil decide ajustar contas

com o seu passado e denunciar perante o mundo de 1968 com Inferno em Sobibor : a

tragédia de um adolescente judeu quais foram as causas do genocídio do seu povo, mas

o mundo não estava preparado ideologicamente para a receber a sua mensagem. Até

consegue que uma autoridade apresente a sua obra, assim, Pedro Ludovico Teixeira,

senador federal, escreve um prefácio a Inferno em Sobibor em que ressalta a contradição

de que num país tão civilizado como a Alemanha nidificasse o germe do totalitarismo e

a febre exterminadora

Todos êsses absurdos, tôdas essas violências foram praticadas em países que se

diziam civilizados, que pareciam amadurecidos. Foram cenas de verdadeiro

barbarismo que se registraram com a complacência, não raro, dos própios

dirigentes dos povos perseguidos (Szmajzner, 1968: 12)

O senador também reflecte sobre um dos temas centrais dos pensadores do século XX

que derruba a crença cega na ideologia de progresso científico e técnico positivista

como meio de redenção humana, porque a empresa de extermínio massivo foi possível

graças precisamente ao avanço científico e técnico. Este senador também nos dá as

poucas indicações sobre a vida de Stanislaw Szmajzner que conhecemos depois da sua

chegada ao Brasil

O autor de Inferno em Sobibor, vindo da Europa, combalido pela calamidade que

presenciou, refez-se no Rio de Janeiro, onde passou a residir, entregando-se aos

serviços de ourives e a outras atividades. Dentro de poucos anos, conseguiu

amealhar alguma pecúnia e progrediu satisfatóriamente. Aborrecido da vida das

grandes cidades, que jà habitara no exterior, vendeu o que possuía e adquiriu uma

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propriedade rural no Estado de Goiás, em região inteiramente sertaneja,

organizando-a a seu modo e tornando-a mais ou menos confortável. Passava ali,

contemplando os panoramas bucólicos das margens do caudaloso Araguaia e de

suas cincunvizinhanças […] Não admitia a possibilidade daquilo em que tomara

parte e de que fôra espectador revoltado. Era adolescente quando começou a ser

vítima e testemunha da maldade humana, que se exercia de forma tão insolita […]

resolveu escrever êste livro, o qual, por certo, acabará lido em todos os países,

pois será traduzido em diversos idiomas. (Szmajzner, 1968: 17-18)

Este augúrio repete-se na contra capa onde já intervêm os mecenas editoriais:

Histórias reais de campos de concentração nazistas o brasileiro costuma conhecer

de traduções. Esta, a grande contribuição das Edições Bloch no gênero: uma

narrativa verídica, sofrida na Polônia, escrita no Brasil, directamente en português,

e destinada, tal a sua dramaticidade, a fazer carreira também em outras línguas, em

outros países, pois não se pode imaginar que nenhum editor estrangeiro se

interesse por ela. (Szmajzner, 1968: contra capa)

Há argumentos na autobiografía de Szmajzner que são considerados inadmissíveis para

um sobrevivente do genocídio como é o da equiparação moral entre vítima e algoz. A

voz do adolescente de Sobibor tem um discurso de poder e rebelião difícil de passar

numa época de vitimização judia.

Desde o primeiro capítulo declara que vai contar a sua verdade sem parar e pensar que

poderá molestar alguém:

O conteúdo dêste livro não terá contemplações para com ninguém, seja alemão,

polonês, russo ou judeu. Trata-se da narrativa de uma epopéia, que não pode sofrer

mutilações a bem do sentimentalismo e em detrimento da verdade crua e

intangível, doa a quem doer. (Szmajzner, 1968:33)

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É um dos poucos testemunhos em que descreve e critica desde o começo as funções dos

Conselhos Judeus dos guetos:

O Judenrat, organismo que fazia as vêzes de uma espécie de Prefeitura Judaica,

abrangia tôda a comunidade israelita citadina. Criada pelos invasores, era

constituído pelos maiores comerciantes e pessoas influentes. (Szmajzner, 1968:

47)

Evita o maniqueísmo e até nos algozes alemães vê o lado humano e isto era

imperdoável pelo ponto de vista judeu americano e israelita acostumados à visão

maniqueísta:

Como os militares germânicos vindos dos campos de luta eram um pouco mais

humanos, nossa situação melhorou algo. Sempre obtínhamos mais alguma ração

dos alemães, e esta era, por sinal, de muito boa qualidade. (Szmajzner, 1968:55)

Sua figura de bonachão, cheia de generosidade e lhaneza, estará para sempre

estampada em minha lembrança. (Szmajzner, 1968:76)

Eis o grande problema de Inferno em Sobibor : a tragédia de um adolescente judeu e

que explica a sua exígua recepção primeiro entre a comunidade judaica do Brasil e

depois entre a comunidade judaica internacional : a denúncia de que os próprios judeus

colaboraram no massacre do seu povo. O público receptor não consegue ver que se trata

de uma auto-crítica e assim menciona que até o pai era capaz de negar a sua fé judaica.

Em poucos testemunhos vemos essa análise de si mesmo tão humana, na maior parte

deles não se realiza autocrítica:

Meu pai, ainda que religioso praticante, chegou ao ponto de fazer-se passar como

católico, saindo do gueto e infiltrando-se entre aldeões das redondezas para pedir,

com um saquinho pendendo do braço, uma esmola em nome de Jesus. (Szmajzner,

1968: 63)

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Os judeus e o mercado negro:

(…) Judeus exploravam judeus, e as utilidades só eram conseguidas a pêso de

ouro. (Szmajzner, 1968: 91)

Assim, involuntàriamente, tanto eu como também outros companheiros muito

contribuímos para que os nazistas obtivessem êxito no seu desavergonhado

desiderato de fazer com que os chegados a Sobibor de nada suspeitassem.

(Szmajzner, 1968: 239)

A ciência tão pouco escapa à crítica, é dos primeiros a empregar o termo Holocausto:

Os nazistas […] Haviam instalado “usinas de genocídio” e treinavam com afinco

técnicos e mão-de-obra especializada. Chegaram ao requintado estágio de

aperfeiçoar também os métodos pelos quais seria tratada a “matéria-prima”,

fazendo com que o Grande Holocausto fôsse extremamente simplificado. Para

isso, notáveis químicos envidavam o melhor dos seus esforços à procura da

letalidade. (Szmajzner, 1968: 156)

Critica a Deus e ao Conselho judeu dos guetos:

Deus? ... Onde está o seu Deus que permite que meus pais sejam eliminados desta

maneira? (Szmajzner, 1968:158)

Então foi criado o Judenrat. De que nos serviu êle? De que valeram as orações e a

boa-fe dos judeus do Judenrat? (Szmajzner, 1968:159)

Quase todos êsses varões já não eram iguais à grande massa de judeus que se

deixaba influenciar pelo Judenrat de seus antigos guetos. Não estavam

acostumados a seguir os seus conselhos ou acatar-lhes as ordens. Devido à sua

própia boa-fé, milhões de ingênuos já tinham sido exterminados pelo só motivo de

se deixarem levar pelos elementos do Judenrat que por sua vez, eram dominados

pelos boches e cumpriam fielmente a suas ordens. (Szmajzner, 1968:227)

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A denúncia de colaboração no genocidio dirigida contra os Judenrat ou Conselhos

Judeus já merecera a desqualificação, por parte da comunidade hebraica internacional,

através da filósofa, Hannah Arendt. Esta autora recolhera no livro Eichmann in

Jerusalem ; a report on the banality of evil (1963) o acompanhamento que fez para o

jornal americano New Yorker do julgamento do nazi Adolf Eichmann celebrado em

Israel em 1961. Mas a repercusão mediatica que teve a discípula de Heidegger não

estava à altura da de um sobrevivente como Stanislaw Szmajzner, embora tratassem o

mesmo tema e uma maneira de silencia-lo foi não traduzi-lo para inglês, como aliás,

também não se traduziu para qualquer outra língua.

Não foi traduzido, mas sim vampirizado. Em 1982, o jornalista americano, Richard

Rashke, publica Escape from Sobibor, uma espécie de ensaio-reportagem onde recolhe

os testemunhos dos protagonistas sobreviventes da sublevação do campo de Sóbibor.

Percorre a Rússia (em plena guerra fria), Israel e Brasil entrevistando os protagonistas

ainda vivos daquele feito pouco usual e heróico dos campos de extermínio. Comparando

o que escreveu Szmajzner em 1968 e a visão final da revolta de Rashke, vemos que

coincidem ponto por ponto ainda que o americano declare que não considerava a fonte

de todo fiável nos feitos que não presenciara (Rashke, 2004: 561). Tudo o que é

politicamente incorrecto para os americanos e israelitas nem aparece mencionado. No

entanto, o testemunho do soldado soviético de Alexander Pechersky, diz que tem um ar

de propaganda comunista (Rashke, 2004: 559).

Em 1987, o director de cinema, Jack Gold estreia um filme com o mesmo título e

baseado no livro de Rashke. Portanto foi vampirizado por duas vezes mas em nenhuma

delas há rasto da denúncia dos Judenrat ou dos Conselhos Judeus. Podemos aventurar-

nos a dizer que também esta paratradução ajudou a que o original em português não

visse a luz em inglês.

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4. O testemunho português

Estabelecer a filiação de Ilse Lieblich Losa (Buer, Alemanha 1913- Porto 2006), seja

territorial, nacional ou cultural é jà descrever uma vida marcada pela migração (forçada)

e pela mestiçagem (cultural). Costuma-se apresenta-la como uma escritora portuguesa

de origem alemã e de ascendência judaica. A sua primeira infância foi passada com os

avós paternos, como está reflectido no seu primeiro livro. Frequenta o liceu em

Osnabrük e Hildesheim e o Instituto Comercial em Hannover. Devido à sua condição de

judia é perseguida pela Gestapo e tem de abandonar o seu país, refugiando-se em

Portugal onde chega em 1934, radicando-se no Porto. Adquire a nacionalidade

portuguesa ao casar com arquitecto Arménio Losa. No seu país de adopção é

colaboradora habitual de jornais e realiza uma obra que inclue romances, contos,

crónicas, literatura para crianças, mas sobretudo traduz.

É uma mediadora privilegiada entre a cultura alemã e a portuguesa, tendo colaborado na

organização e tradução de obras portuguesas publicadas na Alemanha. Este caminho é

de ida e volta porque foi Ilse Losa quem fez a primeira tradução para o português do

Diário de Anne Frank (1958?)4. Não ressalta muito este facto na recepção da sua obra

sendo como foi um trabalho impagável e só uma sensibilidade como a sua pôde situar-

se na pele da menina exilada na Holanda. Ilse Losa, além de traduzir escreve o prefácio

que apresenta o Diário e nessa escrita encontramos mais do que empatia na voz da

exiliada portuguesa (Losa, 2004:8-9):

Anne Frank vivia torturas que marcam qualquer indivíduo de qualquer idade mas

muito especialmente um indivíduo em formação. Forçada a viver como o pássaro

4 A data de publicação é aproximada, porque nos paratextos da edição de 2004 não há qualquer datação.

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na gaiola (...), afina os sentidos, concentra-os sobre o pequeno espaço em que a

sua vida e a dos companheiros de destino se move, procura não só desabafar a sua

revolta de adolescente, de judia expulsa da comunidade dos homens, de vítima de

uma guerra impiedosa, mas, também, encontrar as interpretações de tudo isto.

(...) Reencontramo-nos em Anne! Sentimos a verdade, nua e crua, em cada uma

das suas palavras. E é precisamente por isso, pela identidade dos sentimentos

humanos, independentes de latitudes e de raças, que esta obra ganha cunho de

universalidade, de documento humano.

Pode haver maior auto-identificação?5 Pôde o público português ter melhor introdutora,

mediadora ou tradutora de “documento humano” obrigado a viver no limite? Só uma

vitalidade forçada a situar-se na margem da sociedade é capaz de traduzir Anne Frank, e

traduzindo-a ela está a traduzir-se a si própia, explicando-se e interpretando-se.

Da mesma maneira que a missão tradutora de Ilse Losa ficou à margem da recepção da

sua obra, os valores que pretendia transmitir com a primeira publicação em 1949 da sua

autobiografia O mundo em que vivi, isto é, a perseguição dos judeus na Alemanha antes

de 1934, o antisemitismo secular da cultura europeia, a assimilação da identidade alemã

abandonando o ascendente judaico ou, ao contrário, promovendo a identidade judaica

com o sionismo face à rejeição ambiente, ficaram apenas como contexto em que se

desenvolve um romance sobre a formação de uma menina judia nascida na véspera da

Primeira Guerra Mundial, criada com os avós na aldeia e afastada dos pais até chegar à

idade adulta.

Pouco sabemos da forma como foi acolhida esta primeira edição na época do Portugal

de Salazar, só que o ditador e parte da classe política não estavam muito inclinados para

que o país se convertesse num refúgio de judeus, embora contasse entre os seus 5 Até traduz No rasto de Anne Frank de Ernst Schnabel (2001), onde quarenta e duas testemunhas que a conheceram depõem sobre a pequena.

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diplomatas com personagens como Arístides de Sousa Mendes, cônsul de Portugal em

Bordéus, que concedeu vistos e passaportes a centenas de refugiados judeus de toda

Europa entre 29 de Setembro de 1938 e 21 de Junho de 1940 (Fralon, 1999:39/68)

Aliás, no mundo ocidental e democrático a visibilidade do genocídio tardou uns vinte

anos depois de 1945. São os anos em que se silencia o Holocausto porque as potências

vencedoras estavam mais inclinadas para lidar com a nova guerra de blocos que se

instalava, qualificada como “fria”, do que em fazer justiça aos autênticos vencidos da

história, os civis. Dois dos relatos mais importantes da história testemunhal foram

publicados antes dos anos sessenta: Primo Levi, Se questo è un uomo en 1947 e Elie

Wiesel, La nuit en 1958. Estas publicações, que vão marcar o cânone da nova literatura,

não tiveram nenhum eco nesses anos de edição nem em italiano nem em francês

respectivamente. Não obstante, vão ser recibidos internacionalmente quando são

traduzidos para o inglês em 1959 o primeiro, e em 1972 o segundo porque também as

circunstâncias sociopolíticas internacionais tinham mudado.

Passam trinta e oito anos entre a primeira e a segunda publicação de O mundo em que

vivi (1987) e para esta edição, pela autora de mote próprio ou por sugestão editorial, há

uma nova disposição do romance: separa-se a narração em capítulos de duas ou três

páginas, embora sem numerar, escrevem-se frases muito mais curtas e troca-se a

enunciação do eu por diálogo,

Edição de 1949, p.22

Eu queria-os todos. A avó aproveitou este meu desejo para um discurso sobre a

economia. (...) Escolhi então o vestido vermelho. Achava a cor alegre e linda. A

avó não concordou. Fez ver que a cor não era prática, por se sujar depressa, e que,

sem dúbida, se devia preferir o vestido azul escuro, pois, além de mais prático, era

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mais bonito. O avô pareceu compreender o meu desapontamento e, querendo

ajudar-me, alegou que o vermelho era de facto mais alegre, portanto mais próprio

para uma menina pequena, e que de resto ligava melhor com os meus cabelos

claros.

Edição de 1987, p.16

-Quero os três, precipitei-me.

Isso levou a avó a falar, um longo bocado, sobre economia e utilidade. E, no seu

tom austero, rematou:

-Estás a sair ao teu avô, é pena.

Apontei para o vestido cor de tijolo e disse, intimidada:

-Quero este. É alegre.

-Alegre?!, exclamou avó. Para quê um vestido alegre? A cor não é prática, suja-se

com facilidade. E não é no lavadouro que os vestidos se conservam. De resto, uma

menina judia não deve dar nas vistas.

Esta última frase da “menina judia” que se acrescenta na nova edição, pode levar a

pensar que se pretende reforçar o carácter judaico da protagonista. Achamos que

acontece o contrário porque na primeira edição há uma vontade de explicar ao público

português tudo o que é referente á forma de falar dos judeus na Alemanha. Assim, na

página 49, há uma nota de rodapé que explica o termo “Goymes”; na página 100

transcreve-se em carateres hebraicos o primeiro verso da oração “Shemá Israel”,

recitação que todo o judeu faz duas vezes por dia, com a sua tradução em português,

abaixo e entre parénteses curvos ‘(“ Escuta, Israel, Deus é nosso Deus, Deus é um”)’;

mas o dado mais interessente é que a edição de 1987 acaba com a frase “(...) que eu,

judia Frankfurter, tenho cinco dias para deixar o país” (sic p.196), enquanto que a

edição de 1949, para além de trocar “deixar” por “fugir” numa frase semelhante a esta,

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acrescenta um capítulo mais, de página e meia (pp. 321-322) em que trata do destino da

sua família, desaparecidos quer como efeitos colaterais da guerra ou no campo de

concentração. Achamos que esta omissão não é fruto do acaso, demonstra que na altura

do pós-guerra a autora quer oferecer testemunho pelas pessoas que já não o podem dar

ao morrerem sob a barbárie nazi. Poderá este ser um dos traços mais característicos da

literatura de testemunho da Shoah/Holocausto que a autora marca verbalmente com a

pergunta “Os meus?” (p.321) com espaços em branco entre parágrafos para evidenciar o

vazio em que se encontra a voz enunciadora para depois continuar com a recitação do

desastre do mundo em que viveu.

Achamos que estamos em condições de lançar a hipótese que Ilse Losa se auto-traduz

tendo como original a edição de 1949, para adequar o tom da narração a um público

receptor que jà não é aquele que tinha em mente no pós-guerra, mas o dos anos oitenta.

Há que dizer que os dados argumentais continuam a ser fundamentalmente os mesmos

mas muda-se o tom que se torna mais pedagógico:

Edição de 1949, p.44

Muito cedo me tornei consciente de que éramos judeus. Todos os sábados o meu

avó me levava à Sinagoga. Na nossa aldeia havia poucas famílias judaicas, mas

esta Sinagoga era também construída para judeus que viviam noutras aldeias

daquela região.

Edição de 1987, p.38

Às sextas-feiras ao anoitecer e aos sábados de manhã os judeus iam à sinagoga,

enquanto os cristãos veneravam o seu Deus aos domingos, na igreja. A sinagoga,

edifício baixo, simples, branco, com uma cupulazinha no topo, era de tão pouca

aparência que nem a estrela dourada de David e as letras hebraicas, também

douradas, por cima do portal, lhe conseguiam emprestar imponência.

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Qual é a intenção de Ilse Losa ao comparar a fé judaica com a cristã, se não for pensar

no alvo receptor? Esse alvo era seguramente o público infantil ou juvenil. Confírma-

nos esta hipótese a investigadora Ana Isabel Marques no único ensaio totalmente

dedicado a Ilse Losa que nós conhecemos: Paisagens da Memória: Identidade e

alteridade na escrita de Ilse Losa (2001)

O mundo em que Vivi é, actualmente, um das obras aconselhadas aos alunos do

sétimo ano de escolaridade como objecto de leitura orientada, no âmbito da

disciplina de língua Portuguesa, integrando um leque de textos articuláveis com a

disciplina de História. Este facto poderá tembém ser uma das razões que explicam

as várias reedições do romance. (Marques, 2001:53, nota 2)

Portanto, o primeiro mundo em que viveu Ilse Losa, a primeira forma de criação, é o

que contem a voz íntima do desastre vital da autora, e o que “comunica” autenticamente

um testemunho da Shoah/Holocausto nos termos que utiliza Walter Benjamin (cf.

Supra). O facto de não ser traduzida em inglês, língua maioritária em que circula toda a

cultura do Holocausto, a que pode ser devido? A estar escrito num âmbito cultural

considerado periférico, a partir da centralidade do império americano? Estava pensado

para um público português? Intuímos algumas das respostas a estas perguntas mas não

dispomos de dados documentais para confirma-las. Só em 1990 é publicada em alemão

“assinada por Maralde Meyer-Minnemann, com supervisão da própria autora” (apud

Marques, 2001:86) Mais uma auto-tradução?

5. A testemunha galega

Poucos acontecimentos históricos foram tão analisados, escritos e romanceados como o

Holocausto. É impossível abranger tudo o que há publicado sobre este tema, no entanto,

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aqueles testemunhos que se destacam pela sua, chamemos-lhe, raridade, coisa inusitada,

cúmulo de infortúnios etc., conseguem fazer um eco dentro do mercado americano, pelo

menos na actualidade. Estamos a pensar nas autobiografías de Margaret Buber Neuman,

prisioneira de Stalin e logo de Hitler. Algo similar ocorreu com Mercedes Núñez Targa,

prisioneira de Franco e logo de Hitler. Esta comunista convicta não publicou em galego,

no entanto tem uma grande relação com a Galiza. Filha de pai galego e mãe catalã, esta

republicana sofre a repressão nos cárceres franquistas como é relatado em Cárcere de

Ventas (2005) e logo a seguir a repressão e degradação nos campos nazis. Nos últimos

anos da sua vida mora en Vigo onde dá palestras sobre o Holocausto em centros de

ensino e mesmo representa a Galiza na “Amical de Mauthausen” (Vidal, 2005: 75).

O seu testemunho publicado em catalão com o título El carretó dels gossos : una

catalana a Ravensbruck em 1980 ficou sepultado entre os mitos do Holocausto judeu e

o mito da resistência francesa. Por não ser judia não foi recuperada pela memória

europeia, por ser republicana não foi recuperada pela resistência francesa. Não teve

tempo de reivindicar-se individualmente nem em nome dos que foram exterminados,

como uma vítima republicana da barbarie nazi. Naquela luta mediática para ver quem

era a vítima genuína dos campos, parecia que os que defenderam a democracia contra o

totalitarismo não tinham espaço para tornar-se visível. Os sobreviventes morreram e

Mercedes também e não chegaram até ao ano de 2006 para verem, pelo menos, a sua

figura reabilitada.

Helena González na recensão desta obra para Vieiros oferece-nos um certeiro e

apaixonado perfil desta mulher lutadora que tem o título “Unha muller no campo de

asasinos. Mercedes/Mercè Núñez reeditada en catalán” (2005)

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A súa é unha biografía non prevista, como aconteceu con moitas outras da súa

xeración, mais o carácter enérxico e comprometido de Mercedes/Mercè levárona a

superar a experiencia vital e escribir a memoria dos horrores vividos, primeiro

baixo o franquismo, no Cárcere de Ventas, verquido ao galego, e despois baixo o

nazismo neste El carretó dels gossos ("o carretón dos cans"). Entre a publicación

do seu primeiro libro publicado en París e estoutro en Barcelona transcorren trece

anos nada doados: os dos estertores do franquismo, as emocións encontradas da

transición... e para ela, o momento do regreso, a cabalo de Barcelona e Vigo.

Activista política infatigable no seo do legalizado PCE, asume un papel destacado

como delegada en Galicia da Amical Mathausen en tempos ben diferentes aos de

hoxe nos que o pacto de silencio impedía restituír a memoria dos que perderan.

Unha Amical que botaba a andar para facer efectivo un labor que o Estado non

asumía: o levantamento da historia. O mesmiño se procuraba con El carretó dels

gossos: explicarnos o vivido polo miúdo, en primeira persoa, pero sempre con

conciencia de levantar libro de actas da humillación, a explotación, a inanición, a

morte, o abandono, e tamén as sabotaxes, esas pequenas vinganzas daquelas

mulleres obrigadas a traballar en condicións infrahumanas na industria

armamentística nazi. Tan afeitos estabamos a sentir a memoria do holocausto

desde a voz masculina, que sorprenden estas memorias cargadas de cotidianeidade

de mulleres combativas. O 27 de xullo de 1945. Mercedes/Mercè Núñez declara

contra un Gestapo, de pé, amparando o corpo nos brazos lañados polo sufrimento.

Esa é a fotografía da portada desta segunda edición das súas memorias do

Holocausto. Logo do xuízo, relata o fillo, "nun estado deplorable, Mercè ingresou

nun sanatorio do Socorro unitario, no sul de Francia". Para esta muller de ideas

fortes a procura da xustiza non remata aí e por iso publica o seu texto en 1980,

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nunha edición espida, sen notas biográficas nin limiares explicativos, pero, iso si,

na mesma colección que Edicions 62 reservaba para o ensaio, ateigado de clásicos

e novos pensadores do marxismo internacional e catalán. Esta segunda edición

rescata o libro do silencio e, tamén, da lectura militante (unha modalidade moi

habitual naqueles anos). Axéitase o libro para chegar ao lector de hoxe en día con

máis información e un corpo de letra maior, iso si, sen lle trocar unha coma da súa

dureza. "Un testemuño comprometido cunha mensaxe sen florituras literarias", así

define o seu fillo no limiar estas memorias. Por veces, é certo, o relato reséntese

dun catalán hiperenxebre que resulta difícil de poñer en boca dunha muller que

viviu na encrucillada de tantas linguas e lugares. En calquera caso, texto publicado

co prace da autora e, o que é máis importante, un testemuño estarrecedor que nos

avisa contra o lobo que levamos dentro e tamén dá leccións de dignidade.

Cómpre ler esta mostra de literatura do holocausto, cómpre dala a coñecer (a

reedición pasou con pés de la polos aparadores de novidades en catalán) e cómpre,

por suposto, verquer o libro ao galego, non só porque os seus últimos anos os

viviu vencellada a Galicia, a Vigo (forma parte da "nosa" memoria), senón porque

cómpre rescatar estas biografías e estes corpos tan lañados sesenta anos despois,

porque desde occidente seguimos montando campos de asasinos. Mudan as

formas pero non a barbarie.

Na Galiza declarou-se que 2006 seria o ano da Memória e, passados três anos, aínda não

temos tradução desta obra apesar dos tímidos intentos por parte das instituições públicas

galegas para fomentar operações de recuperação das memórias dos vencidos da guerra

civil. Fizeram-se investigações que trouxeram á luz pelo menos os nomes e as figuras

humanas dos mortos sepultados pela imposição e o mesmo pacto de silêncio da ditadura

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franquista, mas as lutas pelas memórias estão muito vivas e em Espanha ainda não se

fechou a ferida da guerra civil.

6. Conclusões

A Shoah/Holocausto enquanto acontecimento com discurso ou discursos próprios é um

fenómeno cultural que transcende fronteiras e esta é uma das suas originalidades mas

que por sua vez vai servir os fins políticos e culturais de cada momento e situação.

A língua a partir da qual mais se traduz no mundo é o inglés, pois paradoxalmente,

existem muito poucos títulos escritos originalmente em inglês. O cânone em inglês da

literatura do Holocausto criou-se basicamente através de literatura traduzida para esta

língua e não obstante esse cânone de autores e obras é o que triunfa no mundo. A

insistência da tradução para o inglês vem motivada pela capacidade de arraste que a

indústria cultural americana tem sobre o mundo ocidental. Um êxito editorial americano

sería imitado por outras línguas centrais que provocaria o mesmo perante as periféricas,

e das períféricas entre si. Desde os anos oitenta houve uma política de tradução de

quanto testemunho do Holocausto tivesse sido escrito no mundo por muito exótica que

fosse a língua em que estivesse escrito financiada institucionalmente. Porque é que

nenhum destes autores aparece na enciclopedia da Literatura do Holocausto? Primeiro,

porque não foi traduzido em inglês. No caso brasileiro, porque a verdade que destila o

Inferno em Sobibor, negando a existencia de Deus, evidenciando que os próprios judeus

se viram obrigados a participar no exterminio ao criticar os Judenrat, não estava de

acordo com a ideologia redentora americana nem com a política de vitimização que

desde a guerra dos seis días leva a cabo Israel. Desde aí que fracassou aquele augúrio do

autor do prefácio de que ía ser traduzido em todas as linguas do mundo.

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A Shoah ou o Holocausto judeu começou a tornar-se visível internacionalmente quando

interessou politicamente na América e que desde aí se exporta um discurso redentor. No

caso de Ilse Losa e O Mundo em que vivi, e apesar de estar traduzido em alemão em

1990, não chegou a ter a devida repercussão internacional, pelo facto de que quem a

salva do exterminio são os portugueses e não os americanos. Mercedes Núñez Targa,

duplamente perseguida, dirigida ao abismo e republicana e ainda comunista, não

abdicou da sua ideologia nem em vida nem nos seus textos.

Os três testemuños do âmbito lusófono correspondem a un tipo de literatura da Shoah/

Holocausto, á perseguição, ao campo de concentração e ao campo de extermínio e no

entanto não chegaram a um público maioritário através da sua tradução. Será porque

foram editados numa língua periférica, o português e o catalão? Não cremos que seja

devido á pouca “qualidade” ou elaboração literária.

Quais foram as causas para que apesar da actualidade de Inferno em Sobibor: a tragédia

de um adolescente judeu, não se traduzisse em inglês. A primeira e fundamental será

que o conteúdo do relato não correspondia à ideologia dominante que reinava no

mercado editorial americano nesses anos.

Os testemunhos do Holocausto lusófonos são textos da periferia que não são capazes de

influir no centro cultural através da tradução, sem que sejam alterados ou violados no

que interessa ideologicamente. Os nossos autores traduzem o acontecimento por

palavras e por texto, mas não há paratradução. Eles conseguem dar voz ao desastre mas

a recepcão é que falha, não conseguem transmitir o que pretendem.

Bibliografia

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