Upload
others
View
2
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
No Idea Vilariño
Tradução de Erlândia Ribeiro
Publicado originalmente em espanhol no livro:
VILARIÑO, Idea. Poesia (1945-1990).
Editora Cal y Canto: Montevideo, 1998.
Primeira Publicação em 1980
Não
1
Nem com delicadeza
nem com cuidado.
Por acaso
há delicadeza
em viver
e partir a alma?
*
1
Ni con delicadeza
ni con cuidado.
Acaso
tiene delicadeza
vivir
romperse el alma.
2
Alguém sempre está sozinho
mas
às vezes
está mais do que sozinho.
*
2
Uno siempre está solo
pero
a veces
está más solo.
3
Acredite
nada
serve nunca
a ninguém
para nada.
*
3
Podés creer que nada
le sirve nunca
a nadie
para nada.
4
Quem somos
o que acontece
que estranha história é essa
por que a suportamos
se estamos à margem
por que suportamos
por que fazemos esse jogo?
*
4
Quiénes somos
qué pasa
qué extraña historia es esta
por qué la soportamos
si es a nuestra costa
por qué nos soportamos
por qué hacemos el juego.
5
Como esquecer como
despejar a crua
recordação da morte
essa memória desgarrada
essa ferida.
Se o preço é incrível
é também altíssimo o orgulho.
*
5
Cómo olvidarse como
desalojar el crudo
recuerdo de la muerte
esa desgarradora memoria
esa herida.
Si es el precio increíble
el altísimo orgullo.
6
É mentira.
Sem dúvidas.
Mas o que
mas como
mas de que outro modo
com que cara
seguir vivo
seguir.
*
6
Es mentira.
Sin duda.
Pero qué
pero como
pero de qué otro modo
con qué cara
seguir vivo
seguir.
7
Dizer não
dizer não
amarrar o mastro
mas
desejando que o vento o faça voltar
que a sereia suba e com os dentes
corte as cordas e me arraste ao fundo
dizendo não não não
mas sempre seguindo-a.
*
7
Decir no
decir no
atarme al mástil
pero
deseando que el viento lo voltee
que la sirena suba y con los dientes
corte las cuerdas y me arrastre al fondo
diciendo no no no
pero siguiéndola.
8
A vergonha
o constrangimento
de não ter desculpas
porque isso e aquilo
maldito seja
isso e aquilo
é gratuito
gratuito.
*
8
La verguenza
el bochorno
de no tener excusas
porque esto esto
maldita sea
esto
es gratuito
gratuito.
9
Por agora
na escuridão
como um cão acordado.
Por agora.
Depois
igual
sem mim
seguirá até seu fim
a sua longa história.
*
9
Por ahora
en lo oscuro
como um perro despierto.
Por ahora.
Después
igual
sin mí
seguirá hacia su fin
la larga historia.
10
Somente esperar que caiam
que se gastem
que se passem
os dias
os minutos
os segundos que ficam.
*
10
Sólo esperar que caigan
que se gasten
que pasen
los días
los minutos
los segundos que quedan.
11
Que constrangimento
que vergonha
este animal ansioso
apegado à vida.
*
11
Qué asco
qué verguenza
este animal ansioso
apegado a la vida.
12
Falando
respirando
suportando
levando todo o trabalho.
*
12
Hablando
respirando
soportando
tomándose el trabajo.
13
Confuso desperdício
sobras
restos
desejos
lixo acumulado de todos os dias.
*
13
Confuso sedimento
sobras
restos
desechos
basura acumulada de los días.
14
Qualquer desses dias
se acabarão as piadas
e tudo isso
essa farsa
esses jogos
as marionetes sujas
os palhaços
e haverá sido a vida.
*
14
Alguno de estos días
se acabarán las bromas
y todo eso
esa farsa
esa juguetería
las marionetas sucias
los payasos
habrán sido la vida.
15
Se os livros não importam
se os outros não importam
se você se eu não importam
se a felicidade não importa
se a vida não importa...
*
15
Si los libros no importan
si los otros no importan
si tú si yo no importan
si la dicha no importa
si la vida no importa.
16
Olhos
são todos olhos
que vão morrer
já estão morrendo.
Seus olhos
suas antenas
seus doces aparatos.
*
16
Ojos
sos todos ojos
que se van a morir
se están muriendo.
Tus ojos
tus antenas
tus dulces aparatos.
17
Se você morresse
e se morressem eles
e eu morrera
e o cão
que limpeza!
*
17
Si te murieras tú
y se murieran ellos
y me murieran ellos
y me muriera yo
y el perro
qué limpieza.
18
Se sozinhos
o que
estejamos sozinhos.
Estejamos sozinhos
pois
deixemos disso.
*
18
Si solos
qué
estemos solos.
Estemos solos
Pues
dejémonos de cosas.
19
Quero morrer. Não quero
ouvir agora mais sinos.
Sinos – que metáfora –
ou cantos de sereias
ou contos de fadas
contos do tio – vamos – .
Simplesmente não quero
não quero ouvir mais nada.
*
19
Quiero morir. No quiero
oír ya más campanas.
Campanas – qué metáfora –
o cantos de sirena
o cuentos de hadas
cuentos del tío – vamos –.
Simplemente no quiero
no quiero oir más nada.
20
Que não serve para nada
nem tem pé nem cabeça
que não quero
que não aceito
e que não há obrigação
e o que me importa?
*
20
Que no sirve para nada
ni tiene pies ni cabeza
que no quiero
que no acepto
y que no hay obligación
y qué me importa.
21
o relógio
Nada diz o violino
nada a flauta
nada as redes
murmurantes da água
nem o mar soando inteiro
nem o vento pelas ramagens.
Tampouco essas teimosas
patinhas sem sossego
que há tanto
há tanto
pisoteiam o tempo.
*
21
El reloj
Nada dice el violín
nada la flauta
nada las lanzaderas
rumorosas del agua
ni el mar sonando entero
ni el viento por las ramas.
Tampoco esas porfiadas patitas sin sosiego
que hace tanto
hace tanto
pisotean el tiempo.
22
Sem acima nem abaixo
sem começo nem fim
sem leste e sem oeste
sem lados nem acostamentos
e sem centro
sem centro.
*
22
Sin arriba ni abajo
sin comienzo ni fin
sin este y sin oeste
sin lados ni costados
y sin centro
sin centro.
23
Que horror
se houvesse deus
e se essas duas estrelas
piscando pequenas e gêmeas
fossem os dois olhinhos
mesquinhos
à espreita
maldosos
de deus.
*
23
Qué horror
si hubiera dios
y si esas dos estrellas
pequeñas parpadeantes y gemelas
fueran los dos ojitos
mezquinos
acechantes
malévolos
de dios.
24
Não sei quem sou.
Meu nome
já não me diz nada.
Não sei o que estou fazendo.
Nada tem mais a ver
com nada.
Tampouco eu
tenho a ver com nada.
Digo eu
por dizer de alguma maneira.
*
24
No sé quien soy.
Mi nombre
ya no me dice nada.
No sé que estoy haciendo.
Nada tiene que ver ya más
con nada.
Tampoco yo
tengo que ver con nada.
Digo yo
por decirlo de algún modo.
25
Eu
Eu quero
eu não quero
eu aguento
eu me esqueço
eu digo não
eu nego
eu digo será inútil
eu deixo
eu desisto
eu queria morrer
eu eu eu
eu.
O que é isso?
*
25
Yo
Yo quiero
yo no quiero
yo aguanto
yo me olvido
yo digo no
yo niego
yo digo será inútil
yo dejo
yo desisto
yo quisiera morirme
yo yo yo
yo.
Qué es eso.
26
Fecharam as portas
sem ruído fecharam
soaram as trombetas
ou somente uma buzina
e ficamos de fora
arranhando sem forças
dando golpes fracos
com as frágeis unhas doloridas.
*
26
Se cerraron las puertas
sin ruido se cerraron
sonaron las trompetas
o sólo un bocinazo
y nos quedamos fuera
arañando sin fuerzas
dando débiles golpes
con las frágiles uñas doloridas.
27
No fundo do poço
cheirando a água suja
os miasmas fétidos
com o rosto colado
as últimas fezes
sem mais remédio que
tomar na ressaca
que deixou ao se retirar
a esplêndida maré.
*
27
En el fondo del pozo
oliendo el agua sucia
los miasmas nauseabundos
con la cara pegada
a las últimas heces
sin más remedio que
comerse la resaca
que dejó al retirarse
la espléndida marea.
28
O mel amargo
o céu branco
o mar nauseante
o cão
rasgando-me o pescoço
e você
um machado na mão
ameaçando-me.
*
28
La miel amarga
el cielo blanco
el mar asqueante
el perro
desgarrándome el cuello
y tú
un hacha en la mano
amenazándome.
29
Cortam as minhas duas mãos
os dois braços
as pernas
me cortam a cabeça.
Agora que me encontrem.
*
29
Me cortan las dos manos
los dos brazos
las piernas
me cortan la cabeza.
Que me encuentren.
30
A metamorfose
Então sou os pinheiros
sou a areia quente
sou uma brisa suave
um pássaro leviano delirando no ar
ou sou o mar golpeando a noite
sou a noite.
Então não sou ninguém.
*
30
La metamorfosis
Entonces soy los pinos
soy la arena caliente
soy una brisa suave
un pájaro liviano delirando en el aire
o soy la mar golpeando de noche
soy la noche.
Entonces no soy nadie.
31
Chove a cântaros
chove
tantos anos
que chove
que no quarto triste
sem luz
escuto
olho.
*
31
Llueve a cántaros
llueve
tantos años
que llueve
que en la habitación triste
sin luz
escucho
miro.
32
Como um jasmim insensato
que cai sustentando-se no ar
que cai cai
cai.
E o que vai fazer.
*
32
Como un jazmín liviano
que cae sosteniéndose en el aire
que cae cae
cae.
Y qué va a hacer.
33
Como um cão que uiva eternamente
que uiva inconsolável
para a lua
para a morte
para sua tão breve vida.
Como um cão.
*
33
Como un perro que aúlla interminable
que aúlla inconsolable
a la luna
a la muerte
a su tan breve vida.
Como un perro.
34
Como quem descobriu
às quatro
olha com olhos tristes
seu amante que dorme
decifrando a velha eterna mentira.
*
34
Como el que desvelado
a eso de las cuatro
mira con ojos tristes
a su amante que duerme
descifrando la vieja eterna estafa.
35
Como aquele que tira os sapatos
e suspira
e se deixa cair com roupa e tudo
e sem olhar
sem ver
fixa no teto
largos olhos vazios.
*
35
Como aquel que se saca los zapatos
y suspira
y se deja caer con ropa y todo
y sin mirar
sin ver
fija en el techo
anchos ojos vacíos.
36
Como um disco acabado
que gira e gira e gira
já sem música
teimoso e mudo
e esquecido.
Bem
assim.
*
36
Como un disco acabado
que gira y gira y gira
ya sin música
empecinado y mudo
y olvidado.
Bueno
así.
37
Como aceitar a falta
de seiva
de perfume
de água
de ar.
Como.
*
37
Cómo aceptar la falta
de savia
de perfume
de agua
de aire.
Cómo.
38
Vive
com os mortos
que estão aí
com os sofredores vive
e com os despidos
e com os presos
vive.
*
38
Uno vive
con los muertos
que están ahí
con los sufrientes vive
y con los despojados
y con los presos
vive.
39
E se vai e se perde
não se detém
flui
jorra incansavelmente
escapa das mãos
corre voa a seu fim
desliza
apaga
aniquila
extingue
desfaz
acaba.
*
39
Pasa se va se pierde
no se detiene
fluye
mana incansablemente
se escapa de las manos
corre vuela a su fin
se desliza
se apaga
se aniquila
se extingue
se deshace
se acaba.
40
Epitáfio
Não abusar das palavras
não prestar
muita atenção.
Foi simplesmente
a coisa acabou.
Eu me acabei?
Uma força
uma paixão honesta e uma vontade
e umas vontades vulgares
de seguir.
Foi simplesmente isso.
*
40
Epitafio
No abusar de las palabras
no prestarle
demasiada atención.
Fue simplemente que
la cosa se acabó.
¿Yo me acabé?
Una fuerza
una pasión honesta y unas ganas
unas vulgares ganas
de seguir.
Fue simplemente eso.
41
Assovia e assovia
fio de ouro
de prata?
assovia e assovia.
E os ouros a luz
e o sol se vão
se vão.
Assovia feliz.
Não sabe.
*
41
Silba y silba
hilo de oro
¿de plata?
silba y silba.
Y los oros la luz
y el sol se van
se van.
Silba feliz.
No sabe.
42
Negro licor.
Não.
Lama.
*
42
Negro licor.
No.
Barro.
43
Inútil dizer mais.
Nomear alcança.
*
43
Inútil decir más.
Nombrar alcanza.
***