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1. INTRODUÇÃO O mais importante escrito de Santo Tomás acerca da questão política é o Tratado da Lei. O Tratado da Lei é parte integrante da Summa Theologica, obra magna da teologia, filosofia e escolástica. Escrito no qual o Doutor Angélico defende a Lei como produto de comunidades desenvolvidas no nível da perfeição completa, ou final. A Lei não poderia existir em comunidades onde o nível de perfeição não fosse completo. Deve-se admitir que o nível de desenvolvimento das comunidades é relativo, ou seja, que as mesmas chegaram a estabelecer a Lei por meios e circunstâncias históricas diversas, mas que mesmo assim, pelo fato de terem atingido o nível da Lei, (de terem chegado por meio natural de desenvolvimento até ela), devem ser consideradas civilizadas em algum nível, mesmo que a comunidade seja deficiente em outro aspecto em relação à outra mais desenvolvida em outros termos (militar, tecnológico, lingüístico). A questão a que se pretende o Santo Doutor é a da distinção entre os realmente civilizados, ou seja, aqueles sobre os quais a Lei é aplicada e que estão no nível de sua própria moral; e aqueles relativamente civilizados, ou seja, que a sua Lei não está na sua altura moral, ou ainda, que a Lei ultrapasse o nível moral da comunidade, pela moral estar abaixo do ideal da Lei proposta pelo legislador. 4

Tratado Da Lei - Monografia e Bibliografia - Tese Revisada e Aumentada - 0105

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Trabalho de final de curso - Filosofia UERJ - sob orientação do Professor Ivair Coelho Lisboa, onde falo das relações entre Igreja e Estado no contexto do século XIII A.D. e faço a distinção entre os vários tipos de Direito.

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1. INTRODUÇÃO

O mais importante escrito de Santo Tomás acerca da questão política é o Tratado da

Lei. O Tratado da Lei é parte integrante da Summa Theologica, obra magna da

teologia, filosofia e escolástica. Escrito no qual o Doutor Angélico defende a Lei

como produto de comunidades desenvolvidas no nível da perfeição completa, ou

final. A Lei não poderia existir em comunidades onde o nível de perfeição não fosse

completo.

Deve-se admitir que o nível de desenvolvimento das comunidades é relativo, ou

seja, que as mesmas chegaram a estabelecer a Lei por meios e circunstâncias

históricas diversas, mas que mesmo assim, pelo fato de terem atingido o nível da

Lei, (de terem chegado por meio natural de desenvolvimento até ela), devem ser

consideradas civilizadas em algum nível, mesmo que a comunidade seja deficiente

em outro aspecto em relação à outra mais desenvolvida em outros termos (militar,

tecnológico, lingüístico).

A questão a que se pretende o Santo Doutor é a da distinção entre os realmente

civilizados, ou seja, aqueles sobre os quais a Lei é aplicada e que estão no nível de

sua própria moral; e aqueles relativamente civilizados, ou seja, que a sua Lei não

está na sua altura moral, ou ainda, que a Lei ultrapasse o nível moral da

comunidade, pela moral estar abaixo do ideal da Lei proposta pelo legislador.

Quanto mais equilibrada uma comunidade for, melhor será a sua Lei. A Lei deve ser

tão boa, e estar de tal forma ajustada ao modus vivendi de seu povo, que o

legislador deve possuir tal conhecimento de sua vida diuturna e, sendo sábio, deverá

propor as melhores Leis. As leis mais perfeitas têm como fim a felicidade do povo.

Tal estado de bem-estar deve ser alcançado pelo ideal da política, pois a política é

tida como o “bem supremo” e, também, “ciência arquitetônica” (conceitos advindos

da Política de Aristóteles), onde e sob a qual todas as outras ciências e saberes

tornam-se possíveis.

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O legislador fazendo uso da sabedoria e inteligência, e, ainda, da observação, deve

buscar um ideal de Lei tão perfeito que seja justo a si mesmo, ao povo da

comunidade, e ainda atenda aos interesses externos do povo e dos estrangeiros que

mantém interesses na comunidade (principado, feudo, cidade), sendo de tal forma

boa que agrade, atraia e mantenha uma “diplomacia agradável” tendo-se em vista os

interesses do governante e de seu povo, mantendo-se sempre a soberania e a

independência, sem se descuidar dos exércitos. A Lei deve regular o que seja

assunto de acordo de seus interesses e de seus comércios entre a comunidade e o

principado estrangeiro. Todas as ordens de relação interna e externa devem ser

objeto de Lei e do legislador, tendo-se sempre em vista que as Leis mais simples e

universais são sempre as mais eficientes e benéficas e ainda toleradas pelo povo,

por seu poder abrangente.

A comunidade a que se refere Tomás de Aquino não é o Estado que entendemos

nos dias de hoje. A comunidade pode ser o principado, uma série de pequenas

extensões de terra a volta de um grande ou de um pequeno castelo não fortificado, e

que tenha um príncipe ou qualquer nobre de alta estirpe como governante. A

comunidade ainda pode ser um pequeno feudo, como também, um grande, ambos

fortificados.

A questão da Lei também passa pela questão do soberano. No século XIII A.D. o

mesmo soberano reinava sobre terras distintas, muitas delas distantes em demasia

e com um caleidoscópio de Leis diversas entre si.

Tomás de Aquino é produto de um mundo singular, o mundo pré-moderno do século

XIII. Esse mundo possui uma vida e uma dinâmica próprias, a de contemplar

distante e silenciosamente as coisas do mundo. Por muitas vezes, ficar distante e na

clausura (muito embora a sua vida tenha sido sempre preenchida de compromissos,

viagens, e aulas em lugares distantes), o Santo Doutor pode refletir, escrever e

pensar na realidade a sua volta; nada escapou a este homem que de olhar atento

elevou a escolástica a seu mais verdadeiro nível. O mundo de Santo Tomás é um

mundo onde o conhecimento grego e romano começa a ser redescoberto graças a

influência dos árabes que ocupam a Península Ibérica. É um mundo em que se

gesta a Reforma que o frade agostiniano Martinho Lutero faria no século XVI quando

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da publicação de suas noventa e cinco teses reprovando os costumes dos clérigos

da Igreja e convidando-os a se retratarem. É um mundo também onde os reis

espanhóis de Castela, Aragão e Navarra, juntamente com o Rei de Portugal,

empreendem a reconquista dos territórios ocupados pelos mouros.

A análise da Lei é singular na doutrina do Angélico. Ele pensa abstraindo-se do

conceito de povo, embora saiba que Lei se destina principalmente a este, e que

cabe a este obedece-la pois foi feita por legisladores sábios que ocupam suas

posições por vontade de Deus, em última análise. Tomás de Aquino também se

abstrai dos conceitos de nação e região, muito embora saiba que as Leis são

diferentes entre si dada a região em que se dão, por motivos até mesmo culturais.

Há uma concentração na problemática do fenômeno da Lei, do advento da Lei.

Para que possamos compreender em toda a amplitude possível ás faculdades

humanas, e em seu justo valor, a doutrina de Santo Tomás no Tratado da Lei, é

conveniente que entendamos o lugar em que esta doutrina se encontra inserida no

interior da Summa Theologica.

O Doutor Angélico concebeu que a segunda parte da síntese filosófico-teológica,

que é a Summa, (e a qual pertence o Tratado da Lei), fosse a do movimento do

homem racional, (e civilizado, já que vive em comunidade interdependente), perante

o Grande Arquiteto do Universo. Este movimento do homem em direção à Deus, é o

movimento de sua conversão mais intima aos propósitos de seu Criador. O

movimento do homem é ainda uma volta contemplativa ao Primeiro Principio, imóvel

(pois, perfeito). Desta forma, segundo Heráclito (Heráclito, 2002), e após esse,

segundo Aristóteles (Aristóteles, 1985), somente a criação é móvel, pois muda, e o

que muda está inserido na dinâmica do tempo. O que está fora do tempo não muda,

pois a eternidade presume a perfeição (Agostinho, 1989).

O homem gerado pela bondade infinita de Deus, por vontade Sua, e por Sua

igualmente infinita graça torna a seu Criador, por intermédio de suas boas obras, de

sua fé, e de seu esforço racional de chegar até a mente de Deus. Desta forma o

homem adequa o seu modus vivendi ao modus proposto pela Lei Divina, e, então,

ele adquire a condição de potencializar o seu bem querer e merecer a graça

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(Agostinho, 1989). O homem que adequa a sua Lei à Lei Divina, (sendo essa

adequação obra do legislador), e busca viver de acordo com ela, torna, desta forma,

ao Principio Primeiro que é o principio de causa eficiente de todas as coisas, em um

futuro trans-existencial; mas, ainda em vida em comunhão com tal Principio (pois a

via do ser é fé, e sendo a fé um canal de interligação do homem a Deus, podemos

dizer que o Principio habita o coração do homem). A descrição das atribuições deste

principio foi realizada na primeira parte da Summa Theologica.

O movimento de conversão do homem junto a Deus consiste precisamente na

educação e direcionamento de suas faculdades sensuais (concupiscentes), na

direção da superação destes desejos pela vontade racional. Havendo o homem por

bem obrar, por bem obedecer, e por bem estabelecer a Lei mediante os desígnios

de Deus, vem, então, a mediar a si mesmo na direção ao retorno a sua raiz mais

divina. O homem que busca superar-se, e orientar-se pela Lei, e ainda harmonizar

os seus objetivos terrenos aos divinos, encaminha-se em direção a Deus como fim

supremo em si mesmo e fonte de toda bem aventurança. Por isso, também, o

Grande Santo determina que a moral teológica deva tratar o homem como imagem

operativa do Deus único, pois sendo desta forma, é o homem senhor de seus atos,

pois detém o livre-arbítrio. A moral é uma parte do conhecimento que estuda o agir

do homem sem alcançar a sua essência e nem a sua alma. Pois, a moral tem como

objeto àquilo que se pode presenciar, para se poder julgar. Aquilo que se pode ver

está especialmente ligado aos atos sensuais (concupiscentes) do homem, com seus

hábitos correspondentes e mais diretamente aos atos e hábitos oriundos da ação da

vontade, em virtude da qual o homem é dono de sua vida e goza de liberdade para

obrar.

Com atos retos, de direito, quando o homem se dirige mediata ou imediatamente a

Deus, tendo-O como fim último e como bem-aventurança suprema, este mesmo

homem reproduz em sua vida o mesmo trabalho de Deus, como ser criado a sua

imagem e semelhança. Santo Tomás, de toda a maneira, nos apresenta uma moral

essencialmente teológica, porque tem a Deus como objeto direto de sua

consideração: Deus fim último, especificador e configurador de toda a atividade livre

do homem, e como exemplo máximo do qual o homem é imagem, mesmo que

móvel. Estes conceitos são indispensáveis para que possamos apreender o sentido

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do Tratado da Lei, inscrito no conjunto da Summa Theologica, magistralmente

elaborada pelo Doutor Angélico.

O movimento, qualquer que o seja, é marcado por evoluções no espaço, pois o

movimento por estar no tempo, e por ocupar um espaço, possui inicio, duração e fim

(Aristóteles, 2001-2002). Desta forma, então, o movimento prescinde de um

término, de um fim seja esse fim temporal ou trans-temporal, ou melhor, estando a

terminar no mundo sensível ou no mundo da eternidade. Isto posto, a Lei segue uma

ordem na qual o seu estudo por parte do legislador, a sua promulgação e execução,

devem ter por ultimo fim a felicidade do homem, a sua bem-aventurança. Pois, a Lei

que está em consonância com o Eterno, conduz o homem (por dirigir-lhe e educar-

lhe a vontade e o entendimento) ao movimento de conversão mais íntima em que o

homem realiza por meio de seus atos no mundo sensível à vontade de Deus.

O Tratado da Lei é um tratado de ciência prática. É uma parte da Summa que

analisa questões concernentes a Lei desde o legislador até os seus efeitos na vida

singular. O livro em questão é um estudo dos atos humanos em geral, pois esses

atos se dão no seio da comunidade. A Lei constitui um dos ingredientes mais

fundamentais dos atos humanos, pois os atos humanos recebem (adquirem) os

conteúdos morais por intermédio da Lei. A Lei é o que ordena e impõe formas de

acordo com os seus fins, e o fim definitivo da Lei é o bem último.

Os princípios interiores que motivam os nossos atos são o entendimento e a

vontade. Isto é dado da seguinte forma: todo o agir do homem é apenas um ato de

deliberação de sua vontade, que, evidentemente, move as suas demais faculdades

superiores. O bom entendimento é o que ordena a vontade ao bem comum. Através

da Lei, Deus ilustra e instrui o entendimento do homem, dirigindo a sua função

prática (a função prática do entendimento), que pelo dom da graça instiga e move a

vontade do homem, fazendo-a acomodar-se a ordem natural, que começa na

inteligência e continua em sua vontade (na vontade do homem). É através da

vontade do homem que a Lei é instituída, obedecida e que chega a abarcar todos os

setores de sua vida.

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O Doutor Angélico concebe, então, que a Lei é uma instituição que guia a vida

moral, pois ensina o homem a bem agir. A Lei proporciona a disciplina inevitável e

fecunda à qual o homem deve submeter-se para alcançar o mais alto nível de vida.

Isto se dá por intermédio da virtude, pois o homem dirigindo-se a Lei como que para

um último destino, tanto na ordem temporal da conveniência, do desenvolvimento e

do dever social, como no plano transcendental e espiritual de sua vida pessoal e

sobrenatural, alcança a realização de seu fim em si mesmo, ou de sua vocação. A

lei eterna, a lei natural e a lei positiva (humana e divina), são os instrumentos

concretos através dos quais Deus orienta o homem e lhe fornece o sentido para que

a sua vida possa se realizar moralmente.

A palavra “lei”, segundo o que consta nas páginas 958 e 959 do “Koogan\Houaiss,

Enciclopédia e Dicionário Ilustrado”, é a que segue: “regra necessária ou obrigatória:

submeter-se a uma lei./Ato de autoridade soberana, que regula, ordena, autoriza ou

veda: promulgar uma lei./Conjunto desses atos: a ninguém é licito ignorar a

lei./Enunciado de uma propriedade física verificada de modo preciso: a lei da

gravidade dos corpos./Obrigação da vida social: as leis da honra, da

polidez./Autoridade imposta a alguém: a lei do vencedor.//Lei Divina, conjunto dos

preceitos que Deus ordenou aos homens pela Revelação.//Leis de Guerra, conjunto

das regras (tratamento dispensado a feridos, prisioneiros, etc.) admitidas por

numerosos Estados que se comprometem a respeita-las em caso de guerra.//Lei

Marcial, lei que autoriza a intervenção armada em caso de perturbações

internas.//Lei Moral, lei que ordena a praticar o bem e evitar o mal.//Lei Natural,

conjunto de normas de conduta baseadas na própria natureza do homem e da

sociedade.//Nova Lei, religião de Jesus Cristo...

Santo Tomás de Aquino assinala os princípios filosófico-teológicos das leis naturais,

(de ordem física e matemática), ao estabelecer a Providência como a que cria e

governa, com ordem, distinção, natureza e administração das coisas. As leis que

regem o mundo, como máquina natural, são leis eternas. Santo Tomás no Tratado

da Lei, estabelece que a lei eterna é uma das espécies ou determinações do

conceito geral de lei (Questões de 91 a 93 do Tratado), e esta “explicação” deverá

nos ajudar a entender de forma a mais correta o possível a natureza concreta da Lei

humana, ou moral, por analogia.

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Através da análise do Tratado em seu contexto histórico, podemos ter nele uma

antecipação de outro movimento histórico, filosófico, teológico e teleológico: a

instauração do Estado de Direito, como produto da evolução da Lei a partir do

Tratado e sua influência sobre os demais filósofos do estado e do direito. Esses

últimos posteriormente revisaram os conteúdos conceituais de Lei, Estado, nação e

sociedade. Tais conceituações tomaram a força do pensamento que através dos

panfletos e discursos insuflaram o povo a derrubar o absolutismo vigente e a

estabelecer os Direitos do Homem. Podemos dizer que Santo Tomás, como todo

bom filósofo, teve visão antecipatória e predicativa do futuro Estado de Direito e que

influenciou filósofos, legisladores e homens da política que instauraram e

mantiveram até os dias de hoje um novo estado de coisas, produto da evolução do

pensamento do homem. Deus dá inteligência ao homem, e este, pelo entendimento

e pela vontade institui a Lei. A Lei, produto da vontade e entendimento do homem, é

imposta por livre-arbítrio. O livre-arbítrio leva ao questionamento e adequação da lei

ao homem, para que este alcance a realização por esta ser natural. O Homem de

Direito cumpre a Lei, mas, a interpreta, questiona, e em seu julgamento, a relativiza

visando o seu próprio bem. Desta forma, surge a jurisprudência, como hoje a

conhecemos.

O Tratado da Lei e o caminhar da história, da história filosófica da Igreja e a

evolução da sociedade, são amalgamadas aqui, em tentativa, a fim de se mostrar

um todo evolutivo que culmina em um fim trans-histórico.

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2. A IGREJA E O ESTADO NO PERÍODO DE APOGEU DA FILOSOFIA

ESCOLÁSTICA (SÉC. XIII D.C.)

O século XIII da Era Cristã foi marcado por uma profunda reviravolta no cenário

medieval, e, por uma virada de pensamento, que buscando bases na antiguidade

clássica, vem a modificar as formas de administrar o conhecimento, os territórios e

a apontar ao legislador novos caminhos possíveis. A idéia de um Estado, tal como

hoje conhecemos, começa a adquirir força e universalidade. O desenvolvimento

filosófico operado pelos pensadores do século XII foi produto da assimilação das

idéias de Aristóteles e do estudo das Leis Romanas nas universidades. Desta

forma, profundamente influenciado pelo século que terminava, o século XIII nasce,

e os seus contemporâneos assistem o alvorecer das primeiras concepções de

Estado, de saber jurídico, filosófico e teológico ordenados. As concepções de

teocracia, hierarquia (divina prevalecendo sobre toda a vida do homem) e de

feudalismo, passam a co-existir com as novas idéias, e o resultado disto é o

diálogo, a interação e a confrontação entre essas idéias vigentes e as novas formas

que irão vigir como produto da evolução do pensamento humano.

O pensamento medieval é bastante complexo e varia em cada fase da Idade Média.

Esse pensamento é o nosso espelho, pois todo o arcabouço de nossas idéias

vigentes toma forma nas bibliotecas e clausuras dos mosteiros, abadias e

universidades. As sociedades moderna e contemporânea são apenas

concretizações do pensamento gestado, principalmente, na alta escolástica

medieval (Weber, 2004) e de seu desdobramento posterior com a Reforma de

Lutero (Weber, 2004, pp.221).

A Reforma, iniciada no seio da Igreja Católica, por iniciativa do Pensamento

Piedoso (Weber, 2004, notas ao Capítulo II da Primeira Parte), põe as idéias

trancadas nos mosteiros e nas clausuras para fora, expondo-as e fazendo a

sociedade evoluir em termos de organização (e re-organização) dos edifícios da Lei

e do Estado. A partir dessa convulsão no cenário político-teológico as relações

entre Igreja e Estado começam a tomar rumos onde a confluência do poder, da

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Igreja no Estado, começa a se atenuar. Surge o esboço do Estado Laico. No século

XIII ainda se confundiam as duas esferas de poder (a Igreja e o Estado), mas, isso

seria suplantado, com a centralização das monarquias absolutistas, pois a

descentralização do Estado, é o que dava á Igreja poderes hegemônicos.

Ainda no século XIII um novo mundo emergia na tentativa de fundar o Estado,

centraliza-lo na figura do rei, para que assim a comunidade pudesse melhor se

desenvolver. A idéia de um Estado uno, sob o comando de um, com exércitos

próprios e geograficamente delimitado começa a se universalizar em meio ao

anacronismo da sociedade feudal. O impulso natural a consecução do Estado não

alarmou a Igreja Católica que não conseguiu antever-lhe as conseqüências. Parecia

a Igreja e a seus legisladores que mesmo com a ascensão do novo modelo de

governo, não haveria diminuição de qualquer de seus poderes em quaisquer

esferas (política, filosófica e teológica – os edifícios operativos da Igreja), ou em

qualquer de seus campos: o secular e o temporal.

O rápido desenvolvimento que as idéias pré-capitalistas estavam a gerar, refletia-se

no acelerado avanço da urbanização, A expansão extra-muros dos feudos, a

ampliação do comércio, o maior fluxo de pessoas nos mais diferentes tipos de troca

de bens, e a fundação dos novos empórios comerciais (companhias comerciais),

levava o feudalismo lentamente ao fim e determinava a ascensão do rei na mais

nova forma de administração do território: o Estado centralizado, onde um só

manda, um só determina, e em última instância um só aplica a Lei. De toda a forma,

na ascensão do Estado centralizado, uma nova forma de interpretar a Lei ascende

com base nos estudos das Leis Romanas e na interpretação dos livros de

Aristóteles e, ainda, das obras legadas pelos legisladores romanos, como Sêneca,

Marco Antônio, Cícero e outros.

A maior preocupação do pensamento político na alta escolástica medieval, está na

relação entre a Igreja e os governadores do mundo secular, e particularmente, entre

o papado e o império.

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Essa história de conflitos entre papas e imperadores tem um marco histórico no ano

de 1150, quando o rei Frederico I Barbarossa confrontou-se com o papa Alexandre

III. Frederico cria que a aplicação da concepção de imperador do novo Império

Romano (do nascente Estado que viria a se unificar verdadeiramente somente no

século XIX) estava perfeitamente embasada no Corpus Iuris Civilis. Tal

fundamentação foi pelo imperador encomendada junto a juristas da cidade de

Bologna. Baseado no estudo dos bolonheses, o imperador se declarou Senhor do

Mundo (Dominus Mundi), (Burns, 1988).

O pensamento do Imperador em sua ânsia de formar das comunidades,

principados, e terras da igreja, um todo único (a Itália), incluía Roma. Pois Roma é o

centro do Império e do futuro Estado. Frederico I rejeitaria qualquer pretensão de

Alexandre III acerca das terras sob jurisdição secular da Igreja.

Frederico, o Senhor do Mundo, resolve então terminar com a influência territorial da

Igreja e declara guerra ao papado. Frederico perde a guerra contra Roma. E em

1177, o Imperador, já nem tão Senhor do Mundo quanto se presumia, reconhece

Alexandre III como senhor e governante do Estado eclesiástico e das várias terras

que o compunham, e que são em grande extensão, nos dias de hoje, as terras

pertencentes ao Estado da Itália. Entretanto, pela Paz de Constanza, em 1183,

Frederico consegue que as cidades da Lombardia aceitassem a sua soberania e o

auto-governo, fora da influência secular de Alexandre.

Tal como esse conflito entre Igreja e Estados nascentes, houveram outros, de forma

que somente no final do século XIV surgissem os primeiros estados nacionais,

centralizados e autônomos: Portugal e Espanha.

Mesmo sem antever as graves conseqüências que seriam sentidas no poder

secular, a Igreja, foi, com base em seus teólogos e filósofos, a propiciadora da nova

realidade do Estado que começava a se gestar.

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Gregório VIII sucede a Alexandre III no controle da Igreja Católica e empreende a

Terceira Cruzada. Foi uma forma de reunir principados, cidades e feudos em torno

de Roma e a re-afirmar o poderio temporal da Igreja sob o reino secular. Mas, os

reis da Germânia estavam vendo que a diminuição do poder da Igreja seria muito

interessante (muito embora a unificação alemã tenha se dado apenas as portas do

século XX). É também certo que Frederico II, sucessor de Frederico I, também

tenha influenciado o trono germânico no sentido de não mais aceitar a autoridade

secular papal. Um novo mundo estava se desenhando.

Torna-se necessário ancorar a nossa narrativa no contexto histórico de forma a

tentar enxergar o movimento do pensamento no qual foi escrito o Tratado da Lei, no

seio da Summa Theologica. No momento em que o Angélico empreende a escrita

do Tratado da Lei, urge na Igreja uma necessidade de adequação ao novo mundo

que vai emergindo dos escombros da destruição do sistema feudal. Alexandre III

vence Frederico I, mas, a Igreja começa a ver que novos movimentos se

intensificam, e é necessário justificar a nova ordem emergente no contexto do poder

temporal (os novos “Estados” devem ficar fiéis e a égide da Igreja, e a protege-la –

caso necessário for). Frederico II, enfrenta o sucessor de Gregório VIII, Inocêncio III

(1198-1216), (Burns, 1988). Quando Frederico II toma essa iniciativa, então, os

tronos da Alemanha se rebelam. A crise alcança a Inglaterra e lentamente o Império

Cristão (a Igreja Católica) começa a desmoronar em seu absoluto poder temporal.

Torna-se necessária uma nova ordem, uma adaptação, uma assimilação. A Igreja

como mantenedora do conhecimento, deve ser mantida pelos novos Estados que

surgem, pois os reis dela em muito dependeriam.

O Tratado da Lei é escrito em um momento em que se desenhará o modelo de

Estado, e, ainda, se promulgará o Estado de Direito do final do século XVIII, com a

Revolução Francesa. De toda a forma, todos os conceitos gestados pela teoria

moderna do Estado são oriundos das concepções teológicas seculares, concebidas

nos momentos das primeiras transições do feudalismo para o Estado Absoluto

(Schmitt, 1988).

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As questões políticas que se oferecem ao pensamento cristão no que tange as

relações entre Igreja e Estado são complexas e variadas. Os filósofos e os

governantes durante todo o trajeto da história buscam elaborar doutrinas e sistemas

administrativos que sirvam de critério para os planos políticos. De toda a forma, a

Lei humana prescinde de uma Lei natural, conforme o Artigo II, da Questão XCV,

(Da Lei Humana), do Tratado da Lei. No mesmo artigo, Santo Tomás, cita

Agostinho no tocante a natureza da Lei, quando diz que a Lei está ligada a sua

justiça, pois todo o empreendimento humano deve estar de acordo com a razão.

Isto posto, toda a ordem de relações entre Igreja e Estado está fundada em uma

razão que visa um bem maior. É uma ordem natural de coisas (Garcia, 1958), que

respeita o livre-arbítrio do homem, o reconhece como falível, mas, que não o poupa

do julgamento e reprimenda por seus erros. A razão da relação entre o edifício

erguido a partir da estrutura romana administrativa de governo (a Igreja Católica) e

o Estado é de natureza tal que ultrapassa o mero sentido do humano. Entretanto,

tais relações são sabidas e empreendidas tendo a Igreja fora da atribuição de

governar, (na atualidade), mas, sim, em sua participação no bem comum de todos

os povos, cristãos ou não e no bem comum dos Estados.

Filósofos e legisladores se esforçam por conjugar o binômio transcendental homem-

Estado, juntamente com outro paralelo: autoridade e liberdade. Lutero (Lutero,

1995) quando do evento da Reforma, assentado sobre as bases do século XIII,

propõe que tal problema seja resolvido da seguinte forma: o homem é tão senhor de

si mesmo que deva ser o maior dos servos; pois isso prova a sua superioridade e

atende aos desígnios de Deus.

No século XIII, um século de alvorecer da cultura greco-romana, e de seu

redescobrimento, a proposta luterana seria, por demais avançada. A necessidade

de harmonização das estruturas de poder diante da nova realidade a emergir é a de

manter coeso o edifício da Igreja em consonância com o inevitável avanço da

organização das estruturas de poder.

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A solução proposta pelo Tratado da Lei mostra-se humana, racional, filosófica,

porém montada em uma ordem sobrenatural. O Estado é vontade de um Deus

criador, realidade suprema, autor da vida, e é o dirigente da humanidade por todos

os seus caminhos. Sem, de nenhuma forma, contradizer as Sagradas Escrituras, os

livros dos primeiros padres da Igreja e toda a teologia científica dos santos

doutores, dá a Igreja um salto espetacular na manutenção do poder da Boa Nova, e

se amalgama as estruturas dos Estados nascentes. Está, dessa forma, garantido e

fortificado o novo leque de relações do império cristão, pois a humanidade guiada

por Deus tem um fim, nem que seja de ordem transcendente ao humano.

Sobre a base religiosa do Estado se assenta o seu fundamento moral. Está feito o

primeiro amalgama de vinculação do poder secular sob o temporal. O Estado, nos

séculos de XIII a XVIII desenvolverá, sob a proteção da Igreja, e de seus filósofos

(principalmente nos séculos XIII e XIV), os vínculos éticos e jurídicos que ligam os

homens dentro da ordem social, determinando o conjunto de seus deveres e

modelando a realidade para que esta possa alcançar um fim: o advento do Estado

de Direito.

No século XIII, o Doutor Angélico pensa uma norma universal (e por isso católica)

de retidão moral que se aplica a vida política. A solução de Santo Tomás, embora

um pouco distante da de Lutero, prenuncia um novo caminho no desenvolvimento

do direito. Diz o Santo Doutor que sendo a primeira Lei, a Lei natural, todas as

outras se encontram abaixo, e o que estiver errado, o homem o sabe, pois a sua

consciência o acusará. Sendo, desta forma, toda e qualquer lei injusta é uma

corrupção (um desvio) do todo da Lei. Isto posto, reis e príncipes devem buscar a

justiça e a retidão através de leis justas, e o homem deve obedecer a Lei, por ser

isto natural, e por ser civilizado que o seja. Assim, toda a vida que é regulada pela

Lei, oferece referencial e padrão adequado a forma das obrigações sociais. A Lei

que busca manter a sociedade funcionando de maneira mais equilibrada o possível

é também a Lei que está mais próxima da perfeição.

Quando a comunidade se desenvolve até atingir o momento de viver sob os

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auspícios de uma Lei, a comunidade passa a regular direitos, deveres, obrigações,

impostos, tarefas do Estado e do cidadão. A sociedade pode garantir a justiça, pois

havendo monitoramento da atividade social, previne-se a arbitrariedade. O

amálgama entre os ideais cristãos, que estão por bem conduzir a sociedade, dão ao

Estado condições de se pensar, quando se tem em vista que o caminho do

desenvolvimento lhe foi apontado e definido.

As relações entre Igreja e Estado até o século XIV foram condicionadas por uma

interferência, muitas vezes conflitiva, mas no todo de certa harmonia, entre os

espaços seculares e temporais. A Igreja toma conta da vida dos povos por suas

razões religiosas, e o papado empreende a Igreja no campo político. A partir do

século XV, a Igreja assume outras atribuições a medida que o Estado ganha

maturidade.

No inicio de sua vida, a Igreja Católica conta com a proteção de uma série de

governos que protegem a ela dos ataques dos próprios romanos que assistem a

ruína de seu império. Entre os séculos IV e V a.D., começa a derrocada da Roma

imperial. Os germânicos ocupam os territórios romanos e visam se apoderar de

suas riquezas e a governar as novas terras. Isto em contrário as pretensões da

Igreja que pretendia erguer o seu império aproveitando a vacuidade das estruturas

de poder romanas.

A Igreja Católica se constitui, então, a suprema autoridade espiritual, e

politicamente empreende campanhas violentas para a expansão e enriquecimento

de seu império sob o comando político do papado.

Entre os séculos V e VIII de nossa era, a Igreja através de uma série de alianças

com reis germânicos (Jaguaribe, 2001), preserva uma margem significativa de

autoridade e vai consolidando o seu poder nos principados, feudos e domínios sob

a sua influência. Desta forma, a Igreja ajuda e é ajudada pelos germânicos, e esta

em 936 leva ao trono germânico Oto, que resolve uma série de problemas com os

17

Page 15: Tratado Da Lei - Monografia e Bibliografia - Tese Revisada e Aumentada - 0105

Estados vizinhos, controla rebeliões e fortifica a influência política da Igreja.

Em 951, Oto é coroado rei da Itália. Em 962, o Papa João XII conferia a Oto a coroa

imperial (sobre todo o império romano conquistado), (Jaguaribe, 2001). Oto se

rebela contra o Papa e manda demiti-lo, isto em um concilio realizado em dezembro

de 963. Com a nomeação de Leão VIII, o Sacro Império Romano (a Igreja) se

afirma ao mundo, e promove assim a tão desejada unidade política do mundo

ocidental (Jaguaribe, 2001, pp. 388). Entretanto, a prática da simonia (tráfico de

coisas sagradas; venda dos bens espirituais) e a permissividade dos costumes dos

clérigos torna-se insustentável, e, então, governantes e povo clamam por reforma,

que vise a retornar a Igreja ao seu estado moral original. É reflexo disso a fundação,

em 910, da abadia de Cluny, por vontade e empreendimento do Duque da Aquitânia

(atual região histórica da França), Guilherme III. Ficava a abadia vinculada

diretamente ao papa. Nela se prepara o cimento da reforma interna da Igreja

Católica. Logo após, a independência da Igreja em relação ao Estado é afirmada

por Leão IX (1049-1054), (Jaguaribe, 2001, pp. 388).

No século XII, Bernardo de Clairvaux, místico e homem de ação, faz a Igreja

enfrentar a reforma de costumes, e a mantém como exemplo aparentemente

edificante. Entretanto, foi com Gregório VII (1073-1085) que a Igreja passou por

uma reforma profunda, com a condenação de todas as formas de simonia e licença

sacerdotal. Com o seu dictatus papae o papa Gregório instituiu, entre outros

princípios, a supremacia papal sobre o imperador, na qualidade de portador de duas

espadas, assim como o direito papal de destronar os imperadores que

desmerecessem a sua posição (Jaguaribe, 2001, pp. 388). No século XIII, os papas

fortes Inocêncio III e Gregório IX, e, ainda, Inocêncio IV (1243-1254), estabeleceram

a supremacia papal. O curso da história segue, como vimos, e mais atrás Frederico

II, homem de talento extraordinário se mostra contrário ao poder temporal do papa.

O Tratado da Lei, influencia a Igreja, os governantes que não o leram e as formas

de Estado do século XIII. Mesmo mostrando-se contrário ao poder temporal da

Igreja, Frederico II age de acordo com os moldes cristãos na edificação de seu

18

Page 16: Tratado Da Lei - Monografia e Bibliografia - Tese Revisada e Aumentada - 0105

estado, que antecipa o da Ilustração em cinco séculos (Jaguaribe, 2001, pp. 394).

Ele introduz na Sicília e nas áreas da Itália sob o seu controle um Estado moderno

centralizado, inspirado nos princípios da justiça e da eqüidade e caracterizado pela

eficiência administrativa, fiscal e militar (Jaguaribe, 2001, pp. 394).

Da mesma forma que influenciou aos governantes e a Igreja do século XIII, as

doutrinas relativas a Lei de Santo Tomás prenunciavam e já faziam acontecer o

Estado de Direito. O Tratado da Lei vem então a influenciar Maquiavel, que na

esteira de seu pensamento, o desenvolve ainda mais, se bem que consoante outros

estudos do Angélico. Outros tantos pensadores vão na esteira desse Santo Doutor,

e eles vão de Grotius a Hobbes e Locke, e influenciam o cenário da Revolução, que

dá inicio ao Estado de Direito em que vivemos, onde a Lei é passiva de

interpretação, alvorece o principio de eqüidade.

19

Page 17: Tratado Da Lei - Monografia e Bibliografia - Tese Revisada e Aumentada - 0105

3. FILOSOFIA DO ESTADO EM SANTO TOMÁS – A IGREJA E O ESTADO

Não há na área lingüística indo-européia uma matriz comum aos vocábulos que

significam Direito. O direito surge envolto em regras de convivência envolvidas por

costumes religiosos ainda na pré-história. Esse direito primitivo não é de nenhuma

forma o direito que hoje conhecemos, que é obra primeira dos gregos,

sistematizada pelos romanos e hierarquizada filosófica e teologicamente pelos

Doutores da Igreja.

Para melhor ilustrar o nosso pensamento, tomamos a liberdade de transcrever o

que se segue, que é advindo da segunda parte, da Introdução ao Tratado da Lei,

(Tomás, de Aquino, Santo, 1956, pp.5), da Edição BAC, por Fr. Santiago Ramires,

O.P.:

La palabra “Ley”, como es sabido, admite múltiples significados. “Etimológicamente”

es difícil señalar su verdadero origen. Los autores, ya desde el tiempo de los

clásicos, no andan concordes. Cicerón, en su famoso tratado “De Legibus” (I c.6),

hace derivar a la ley, “lex”, del latín “delectus” (deligere), elegir, ya que la ley

señalaría una equidad, una distribución justa, una selección...

O homem nasce sob os auspícios da Lei, e, desde o advento da modernidade, e,

principalmente após 1789, ele vive sob a guarda e segurança do Estado. O Estado

é formado pela sociedade, que é produto de uma série de laços que os indivíduos

produzem entre si (e que os une). O Estado através da sociedade assegurará aos

indivíduos uma série de bens, previstos em Lei, que visam a garantir o

desenvolvimento de suas aptidões físicas, morais e intelectuais. De toda a forma, a

vida do homem em sociedade é regulada pela Lei, e sancionada pelo costume de

viver sob a diligência desta, como forma de manter coeso o edifício social. A Lei

então inclina para o bem, guia o homem, rumo ao mais perfeito ideal de sociedade.

Sêneca (o filósofo, 4 A.C. – 65 A.D.), preceptor de Nero, concorda que a Lei

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Page 18: Tratado Da Lei - Monografia e Bibliografia - Tese Revisada e Aumentada - 0105

assegura uma eqüidade, uma igualdade, ou, ainda, uma justiça tão certa que possa

ser aplicada a todos sem igual. Santo Agostinho, prevê, ainda que a Lei é

instrumental de eleição tal, que por ser natural, é a régua pela qual todos devem ser

medidos (Agostinho, 1989), e dela não se escapará, pois a Lei humana é um reflexo

de uma outra Lei mais perfeita que foi entregue ao homem no Monte Sinai, (Êxodo,

capítulo III, versículo 20), (Bíblia Sagrada, 1968, pp.57).

Ainda na fundamentação de nosso pensamento, optamos pela transcrição do que

segue, sendo a fonte a mesma de nosso segundo parágrafo, deste capítulo três

(Tomás, de Aquino, Santo, 1956, pp.5):

Cicerón señala también a continuación que, según el uso vulgar, se dice “lex a

legendo”, porque se escribe y todos en los escritos pueden leerla y conocerla. Es la

etimología que adopta San Isidoro, que la contrapone así a la costumbre, que es

una ley no escrita.

Otra etimología famosa, que tuvo gran éxito durante siglos, hace derivar del latín

“ligando – ligare –“, fijándose en el carácter obligatorio de la ley. Casiodoro parece

ser uno de los primeros en proponer esta interpretación, y de él la han recogido

posteriormente muchos maestros escolásticos del siglo XIII, incluyendo a San

Buenaventura, San Alberto Magno y el mismo Santo Tomás, como puede verse en

el Articulo I de esta cuestión. Esta significación tiene su fundamento en algunos

textos de la Sagrada Escritura, tal como los interpretaba, sobre todo, la glosa

[instrumento do qual se utilizavam os canonistas para o ensino e explicação dos

textos canónicos. Explicação dada pelos juristas medievais ao texto legal (litera),

“lendo-os” aos estudantes]; pero filológicamente es casi insostenible, lo cual no

impide que pudiera servir a Santo Tomás y a otros escolásticos anteriores o

posteriores – Medina y Suárez entre otros – como punto de partida de su

investigación de la ley. El carácter obligatorio es uno de los atributos fundamentales

y más evidentes de la ley, aunque no responda al sentido etimológico.

21

Page 19: Tratado Da Lei - Monografia e Bibliografia - Tese Revisada e Aumentada - 0105

Ainda apreciando os primórdios do direito na pré-história, parece que o mesmo vem

sendo aplicado consoante uma “norma sagrada” (oriunda do sobrenatural, de uma

espécie de “revelação”), e, que vai se humanizando. No processo de humanização

do direito, este começa a visar o homem e a proteção da propriedade, e a garantir

os privilégios de certos grupos, através da artificialização da vida (a escolha do

soberano, em tese com poderes divinos). Os primeiros legisladores (soberanos e

figuras religiosas) começam a vivenciar o mosaico de experiências humanas e a

fundar aí normas que convergem com (e para) a “verdade religiosa”; ou seja, os

primeiros legisladores começam a ganhar habilidade e a criar uma certa

jurisprudência, a qual, igualmente, não deve ser confundida com a dos gregos,

romanos e com os cânones romanos, oriundos da interpretação filosófico-teológica

do direito (Cornford, 1981).

A produção jurídica dos primeiros tempos está ligada diretamente a figura do

soberano ou a figura do líder religioso. O direito primitivo, e após, o direito produzido

pelas primeiras formas de Estado está embasado em uma “palavra eficaz”

(Cornford, 1981), que é a do soberano, do líder religioso ou a do Faraó, quando da

fundação do Estado (Grimal, 1988).

Os primeiros rudimentos de Estado aparecem no final do IV milênio a.C.. As

cavernas dão lugar a casas feitas de vime (haste ou vara delgada e flexível, de cor

amarela, que se tira de uma planta da família das salicáceas), revestido de adobe

(tijolo cru e secado ao sol), e essa espécie de construção suplanta as primeiras

cabanas que sucederam as cavernas.

Com o progresso técnico alcançado, tais casas passam a formar aldeias, que

devem ser fortificadas em virtude das guerras. As aldeias passam a funcionar como

“máquinas sociais”, e tem, em virtude do funcionamento maquínico, uma

ordenação. A ordenação visa a regulação das relações entre os habitantes, e o

valor justo que deve ser cobrado e pago em virtude de trabalho. A regulação das

atividades laborativas, econômicas e comunitárias dá origem ao nascimento gradual

das primeiras cidades-Estado, isto ainda por volta do IV milênio a.C..

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Page 20: Tratado Da Lei - Monografia e Bibliografia - Tese Revisada e Aumentada - 0105

A história do surgimento do Estado fica vinculada ao esgotamento das aldeias

neolíticas que deixam o modo comunal de viver, e, sob a direção e controle do

soberano, dos lideres religiosos e das primeiras burocracias, estabelecem Leis

territoriais, normas de comércio exterior, impostos e o distanciamento do povo e de

seu soberano que graças a guerras, pilhagens e comércio, se estabelece no

palácio. A máquina se subdivide e dá origem a outras. Passa a existir uma

“máquina religiosa” (que constrói a palavra eficaz), a “máquina de guerra” (que

protege o Estado, seu soberano e seus burocratas – mantendo-os distantes do

povo). A propriedade privada precisa ser protegida, e, desta forma, parte da

“máquina de guerra” deve protege-la do povo, e, então, inventa-se a policia (não da

forma como conhecemos hoje, mas, em rudimento).

O período de que falamos acima é o período pré-urbano, e foi nele que a

estratificação social se desenvolveu, vindo a atingir a sua maior extensão nas

primeiras cidades-Estado, apesar de o seu inicio e desenvolvimento se detectar já,

graças ao contributo da arqueologia no VI, V e IV milênios a.C. (Dani, 1996, pp. 4 e

5). No inicio do IV milênio a.C. a estratificação estava praticamente completa no

Egito e na Mesopotâmia (Dani, pp. 5).

O direito é, então, resultado da organização e estratificação da sociedade. O direito

vem de sua constituição, e como diz Santo Tomás de Aquino no Tratado da Lei, a

Lei é inerente a comunidade que alcançou determinado nível civilizatório.

Em um primeiro momento, o que temos é a formação das cidades-Estado, e das

máquinas governantes, e há uma Lei divina sob os homens. Somente na Grécia

inicia-se o processo do direito, como produto do pensar e do alvorecer da filosofia,

aproximadamente no III milênio a.C..

O direito, após a conquista dos Gregos pelos Romanos dá um salto e se

singulariza. A norma passa a reger a vida de toda a comunidade, do Estado, das

relações exteriores, da condição do estrangeiro, das relações comerciais, do estado

23

Page 21: Tratado Da Lei - Monografia e Bibliografia - Tese Revisada e Aumentada - 0105

de guerra e das relações entre cidadão e Estado.

A Filosofia do Estado têm o seu berço na Grécia, e é aperfeiçoada pelos

legisladores e filósofos romanos. Depois no seio do Império Cristão vem a tomar

forma definida no desenvolvimento de uma filosofia coesa na Alta Escolástica

Medieval. O direito natural aí, então, confunde-se com a Filosofia do Estado, e seus

elementos pretendem a própria Filosofia do Direito, e a inauguração do Estado de

Direito em 1789.

O Estado para Santo Tomás é o conjunto de instituições de uma comunidade. É

como um organismo que funciona em regime interdependente, pois cada instituição

pressupõe e sustenta o funcionamento das demais. A Igreja é uma parte do Estado,

é ela a “máquina” que produz significado. Ela depende do Estado na mesma razão

que o Estado depende do seu poder de criar símbolos e faze-los valer como se tais

fossem reais (e, não inventados, datados). O poder de criar símbolos e

representações confere à Igreja Cristã a “palavra eficaz”, ao molde da palavra

proferida pelo Faraó. A máquina de produção de simbologias mantém a

estratificação social e a hierarquização político-teológica do Estado, visando o

desenvolvimento da riqueza e prestígio de ambos.

De toda a forma, a teologia prevê (ancorada em seu instrumental filosófico) que o

Estado é uma superestrutura de uma outra realidade, e, por isso, ele deve ser

natural.

Existindo o Estado, devido ao processo civilizatório do homem, e pela vontade de

Deus (que guia o homem no trajeto de sua história pessoal e comunitária), é, então,

a Filosofia do Estado (de influência teológica) uma teleologia. É natural, desta

forma, o papel relevante da Igreja, e do Tratado da Lei no desenho das relações

entre Igreja e Estado, sob os auspícios da Filosofia do Estado.

O Estado que busque o equilíbrio em todos os setores de sua administração, que

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aplique a justiça de forma igualitária tanto à cidadãos quanto à estrangeiros, realiza

o ideal do cristianismo e aproxima a obra do homem à de Deus, já que o homem é

feito a Sua Imagem e Semelhança, em conformidade com o Autor Sagrado no

versículo 26, capítulo I, do livro do Gênesis (Bíblia Sagrada, 1968).

O advento do cristianismo vem a modificar os valores concernentes à noção de

Estado e força os legisladores que vem a partir de então, a repensar a sua filosofia:

A doutrina de Cristo vinha subverter realmente a noção de Estado totalitário e

despótico, única que o mundo antigo conhecera. E mesmo depois da conversão de

Constantino e do triunfo completo do cristianismo, essa luta não cessaria. Toda a

Idade Média, notadamente no apogeu do Santo Império Romano Germânico,

testemunhara as tentativas incansáveis de reis e imperadores para reunir

novamente os dois gládios [espada de dois gumes, poder, força, poder divino

(Koogan/Houaiss, 1999, pp.755)] submetendo os papas ou, se preciso, tomando o

lugar deles e restabelecendo a onímoda [onímodo: aquilo que se dá de todos os

modos (Koogan/Houaiss, 1999, pp.1171] dominação do Estado sobre as pessoas e

as almas (Azambuja, 1986, pp.143).

Falamos no capítulo dois que as idéias luteranas de conformação do homem diante

da centralização do Estado seriam por demais avançadas no contexto do Tratado

da Lei. O homem é livre, pois o Estado o é, nesse sentido, percebemos no Tratado

da Lei o gérmen do grande salto que a história daria com a “Reforma Protestante”,

mas, não podemos de forma alguma, deixar de afirmar que o Angélico já previa

uma certa fórmula que sairia nos moldes do indignado frei agostiniano:

La moral teologica trata del hombre como imagen operativa de Dios, en cuanto es

principio y señor de sus actos, por su libre albedrío (1-2 Pról.). La moral,

efectivamente, estudia los actos del hombre, no su esencia ni su alma;

especialmente los actos de las potencias apetitivas, con sus hábitos

correspondientes, y mas directamente los actos y los hábitos de la voluntad, en

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Page 23: Tratado Da Lei - Monografia e Bibliografia - Tese Revisada e Aumentada - 0105

virtud de la cual el hombre es dueño de su vida y goza de libertad en sus

operaciones (Tomás, de Aquino, Santo, 1956, pp. 3, “Introducción al Tratado de la

Ley”, I.; por Fr. Santiago Ramírez, O.P.).

Podemos notar que o Angélico já pensa em algo do gênero: homem tão senhor do

mundo que é o seu maior servo (Lutero, 1995; Tomás, de Aquino, Santo, 1956, pp.

38 e 39 – 1-2 q.90 a.2 & a.3), já que submete o homem a Lei, e como a Lei deriva

do Primeiro Principio de Causa Eficiente, logo, o homem é agente da Lei, mas, a

sua ação, embora prática, terá sempre como meta o bem comum do todos, e nesse

sentido, o homem que obedece a Lei, atinge o objetivo do Estado, rende honra ao

soberano e atinge o fim último da vida humana: a felicidade; (considerando-se que

as Leis aplicadas pelos legisladores sejam justas, pois, se não, dá-se a corrupção

da Lei, por essa não se harmonizar com a ordem natural das coisas).

O Estado governando pelo soberano visa sempre a realização do homem na

história. Já dissemos ser o Estado uma superestrutura, reflexo de um mundo

sobrenatural. Mas, temos necessidade de ancorar a nossa história na conformidade

do que nos conta a filosofia. Neste sentido, voltamos à Aristóteles (tal como o

Angélico volta, em 1-2 q.90 (Tomás, de Aquino, Santo, 1956)), onde nos é dito ser a

política a ciência arquitetônica do Estado, visando, então, o bem comum

(Aristóteles, 1985). Desta forma:

Los actos de caridad sobrenatural, que tienen a Dios como objeto inmediato, serán

por eso la realización más perfecta en este mundo de su condición de imagen divina

y constituyen el tema más directo de la moral teológica, que encuentra en ellos la

encarnación más plena de su objeto formal (Tomás, de Aquino, Santo, 1956, pp.3;

“Introducción al Tratado de la Ley”, I.; por Fr. Santiago Ramírez, O.P.).

A filosofia do Estado pensada por Santo Tomás no Tratado da Lei, como

começamos a observar na introdução deste trabalho, se abstrai de alguns

conceitos. De toda a forma, devemos observar ser o Tratado da Lei um “pacto”

26

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ideal, pois ainda o Angélico não considera nele nada em que o âmbito da maldade

se interponha, e nesse sentido é ideal por não levar em questão certa inclinação

para o mal, que é próprio do homem pois este nasce sob a marca do pecado, e o

pecado é o mal, o desvirtuamento de uma regra ideal (Tomás, de Aquino, Santo,

1956, pp. 4; “Introducción al Tratado de la Ley”, I.; por Fr. Santiago Ramírez, O.P.).

Então, embora a questão do mal seja importante para o cristianismo, e para todo o

monoteísmo, o Angélico compreende (no curso do pensamento de Aristóteles) ser o

Estado produto natural do desenvolvimento da vida social do homem.

A história é uma obra da coletividade, e, desta forma, ela é movida pelo

entendimento e pela vontade do homem: puesto que la operación humana no es

mas que el acto deliberado de la voluntad, se sigue evidentemente que solo aquel

capaz de mover eficazmente a estas dos facultades superiores será causa

extrínseca verdadera del acto, cosa que compete unicamente a Dios. Por la ley,

efectivamente, Dios ilustra o instruye el entendimiento, dirigiendo su función prática,

y por la gracia instiga y mueve ala voluntad, acomodándose al orden natural, a

través de ella, en toda la actividad exterior. (Tomás, de Aquino, Santo, 1956, pp. 4;

“Introducción al Tratado de la Ley”, I.; por Fr. Santiago Ramírez, O.P.).

A Filosofia do Estado em Tomás de Aquino é suportada por um amálgama de várias

Leis confluentes: a Lei Eterna, a Lei Natural e a Lei Humana (Lei Positiva). A Lei

Positiva é um reflexo transcendental e nela co-existem elementos divinos e

humanos. O Estado, então, através da Lei, e em harmonia com o seu povo, deve

ser o incentivador da vida moral, como algo tão certo, que o ajude a alcançar o seu

mais alto nível de vida, por intermédio da virtude: dirigiéndole activamente hacia su

último destino, tanto em el orden temporal de la convivência y del vivir sociales com

em el plano espiritual y transcendente de su vida personal y sobrenatural. (Tomás,

de Aquino, Santo, 1956, pp. 4; “Introducción al Tratado de la Ley”, I.; por Fr.

Santiago Ramírez, O.P.).

Já repetimos algumas vezes ser o Estado produto de uma superestrutura.

Dissemos que é natural, na medida em que é regido pela Lei, que é natural nas

27

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comunidades que alcançam um desenvolvimento tal que os seus indivíduos vivam

de bom grado sob tal regulação, tendo em vista o bem comum. Dissemos também

que a Lei está em tudo, e que as leis mesmas são naturais, pois são aplicadas a

tudo, e para a regulação das coisas existentes em todo o universo por uma

instância supra-humana, e portanto, transcendente. O homem é parco imitador da

Lei, pois as leis humanas são apenas desenhos das Leis Divinas instituídas para o

governo do universo. Por isso, o homem não é o autor da Lei, e sim o descobridor

dos princípios operativos do universo; é como se houvesse um brinquedo chamado

Natureza, que a medida em que o homem descobre suas Leis, melhor pensa que a

inventa (pois a partir daí, produz o homem a artificialidade, não tão somente no

âmbito do Estado, mas, também no âmbito dos instrumentos que o servem). Desta

forma, podemos afirmar que as Leis Físicas que governam o universo, e que são

apreendidas pela matemática, conforme ao que o Angélico diz na primeira parte da

Summa, não são mais que o fruto concreto da Lei Eterna de Deus, que criou as

coisas a partir de si e geometricamente, amparado na matemática que concebeu.

Ainda, desta forma, podemos afirmar que as Leis de Governo que regem a

sociedade não se equiparam a Lei Divina que é a ordem imperante de todo o

universo (Tomás, de Aquino, Santo, 1956, pp. 5):

Por eso las leyes naturales son creación de Dios, no del hombre, aunque éste las

descubre en las cosas y en el mundo puesto que dependen de el, Dios puede

dispensar esas leyes con vistas a fines superiores, como en caso de los milagros,

cuando no afectan a condiciones metafísicas, que son de suyo indispensables.

(Tomás, de Aquino, Santo, 1956, pp. 4; “Introducción al Tratado de la Ley”, II.; por

Fr. Santiago Ramírez, O.P.).

O Estado, então, produto da atividade psicológica e moral do homem (Tomás, de

Aquino, Santo, 1956, pp.6) é um fim último e desejável de organização humana, e,

por isso é produto do desenvolvimento natural do homem. É natural que o homem

almeje a perfeição, pois descende dela, e para ela se dirige através de suas

atividades organizativas.

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A Lei Artificial que rege a vida dos cidadãos na comunidade, é formada de um

conjunto de regras que dirigem o existir produtivo da sociedade. Ela torna possível a

organização do homem em vista à seus fins (e de sua obrigação, de seus direitos)

pessoais e comunitários. A sociedade tende a um fim, na medida em que se faz

regulada pela Lei, e é natural que o homem atenda a seus desígnios, tendo-se em

vista ainda, que a Lei o ampara em sua condução moral.

A Lei apresenta sentido concreto nas atividades de regulação dos vários edifícios

(das várias instâncias das obrigações sociais). Dissemos ser o Estado produto

primeiro da atividade regulatória da vida em sociedade, nos primórdios do advento

do direito, e que devido a sua natureza moral, é, ainda, produto da atividade

psicológica do homem. Neste sentido, construído e datado historicamente, como já

vimos. A fim de reforçar o que tratamos, transcrevemos o que segue (Tomás, de

Aquino, Santo, pp.6):

Son las normas o reglas, por ejemplo, que dirigen la actividad moral del hombre

ordenado a su fin último – ley eterna, ley positiva divina y ley natural – o al fin de la

sociedad perfecta, tanto civil como eclesiástica – ley positiva humana, civil y

eclesiástica - . (Tomás, de Aquino, Santo, 1956, pp. 4; “Introducción al Tratado de la

Ley”, II.; por Fr. Santiago Ramírez, O.P.).

A Filosofia do Estado esboçada por Santo Tomás, conflui para o próprio ideal

natural de Estado. O Estado Grego se imiscuía em tudo na vida de seus cidadãos,

ele dispunha do corpo e da alma de todos no limite da Polis (Azambuja, 1986, pp.

140). O Estado Romano era em tudo semelhante ao Grego, entretanto, o destino

dos Romanos era a universalidade, e para onde Roma se expandia ela levava o

Direito consigo (Azambuja, 1986, pp. 141).

O Cristianismo trouxe uma revolução profunda no conceito de Estado que toda a

antiguidade elaborara. O preceito de Cristo: “daí a César o que é de César e a Deus

o que é de Deus”, continha e impunha a separação dos poderes temporal e

29

Page 27: Tratado Da Lei - Monografia e Bibliografia - Tese Revisada e Aumentada - 0105

espiritual, pois se de um lado mandava obedecer as leis e autoridades do Estado,

de outro declarava a independência da consciência humana, libertando-a da tutela

opressiva de reis e imperadores. O Estado era soberano em seu domínio, mas esse

domínio era agora limitado; a alma e o seu destino na pertenciam aos príncipes,

mas a Deus. Além disso, o cristianismo, pregando a igualdade e a fraternidade

entre todos os homens, substituía pelo amor o ódio ao estrangeiro [próprio do

período divino dos Césares] e o chamava à comunhão dos mesmos direitos

(Azambuja, 1986, pp. 142 e 143).

Com a ascensão do cristianismo a condição de religião hegemônica, torna-se

necessário amalgamar o que está dito pelos filósofos clássicos, o que é dito pelo

Autor Sagrado nas Escrituras e os escritos dos primeiros padres da Igreja. No

silêncio dos conventos, toda a produção greco-romana é recapitulada com fins a re-

erguer o edifício do Estado em bases sólidas. Desta forma, o Estado é suportado

por um direito natural de origem extra-mundana, ao qual toda a atividade humana

converge e ao qual está o Estado subordinado. Existe um direito positivo de que o

Estado é criador, mas que também se deve harmonizar com o direito natural e,

tende a realizar o bem público. Seus preceitos mais gerais são obrigatórios,

também para o chefe de Estado (Azambuja, 1986, pp. 144).

Para Santo Tomás todas as realidades jurídicas que se estudam hoje (filosofia do

direito, ciência jurídica e jurisprudência) pertencem a filosofia moral. Da filosofia

moral emergem: a moral individual, a moral familiar e a moral social (ou política).

Entende, Santo Tomás, que todas essas realidades são realidades sociais e que

convergem para a construção de uma Filosofia do Estado.

As noções gerais de direito e de justiça serão competência de uma moral geral

(Tomás, de Aquino, Santo, 1956, pp.8). O direito público, tanto natural quanto

positivo, deve ser objeto da política e deve ser pensado no âmbito da filosofia.

Novamente buscaremos a afirmação de nosso pensamento no transcrito que segue:

30

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En todas estas investigaciones filosóficas, el derecho positivo es considerado

únicamente en su derivación del natural y en cuanto a su caracterización general o

universal, pues el estudio del derecho positivo en si mismo y en su contenido

concreto, fruto de una sociedad determinada, de una autoridad particular y de

condiciones familiares limitables y variables, pertenece a las ciencias jurídicas

concretas, distintas específicamente de la filosofía moral, aunque necesariamente

subalternadas a ella, de la que reciben sus principios y validez científica (Tomás, de

Aquino, Santo, 1956, pp. 8; “Introducción al Tratado de la Ley”, III.; por Fr. Santiago

Ramírez, O.P.).

As Leis Positivas, como fontes concretas do direito, se dão de modo similar em

cada Estado que se organiza. Esse caráter similar que a Lei possui é garantido pela

filosofia moral que a embasa, e da qual a filosofia do direito recebe os seus

alicerces. De toda a forma, a Lei Eclesiástica, que é fruto da autoridade legislativa

da Igreja e que norteia a vida jurídica dos cristãos (isto principalmente entre os

séculos XIII e XVI A.D.), é objeto de ciência do Direito Canônico, o qual fica

subordinado diretamente a teologia. Por essa razão a Lei Eclesiástica não é alvo de

estudo direto não Tratado da Lei (Tomás, de Aquino, Santo, 1956, pp.8) e nossas

conclusões acerca da Filosofia do Estado, e das relações entre Igreja e Estado, são

vistas no âmbito do movimento do homem no caminhar da história, da forma como

ela nos é contada pela filosofia.

Isto posto, vemos que a Filosofia do Estado é um reflexo, é uma antecipação

(igualmente) do conhecimento do valor da Lei e do seu efeito na vida prática.

Vemos, então, que o conhecimento da Lei, embora de natureza racional, tem um

componente intuitivo de seus efeitos, e desta forma, deve-se predicar o que o

Estado venha a ser visando o embasamento moral.

31

Page 29: Tratado Da Lei - Monografia e Bibliografia - Tese Revisada e Aumentada - 0105

4. O Tratado da Lei

Devemos, primeiramente, situar a importância deste tratado na organicidade da

Summa Theologica: Tomás de Aquino concebeu a segunda parte da Summa, parte

esta onde está incluso o Tratado da Lei, como o movimento que a criatura racional

realiza aos olhos de Deus (Primeira Parte da Segunda Questão, Prólogo). Esse

movimento é uma conversão a Deus, um retorno ao Primeiro Princípio de Causa

Eficiente, e, portanto, o homem se dirige a origem de tudo o que há. O retorno, o

vislumbre, que o homem realiza para alcançar intelectivamente a razão, é um

movimento de conversão onde a razão erige um primado, e um domínio sobre o

corpo; desta forma orientando as suas faculdades rumo a civilidade, a urbanidade. A

vontade do homem tendo esse fim é objetivo de suprema bem-aventurança e o

Criador percebendo que o homem a Ele se dirige em todo o seu movimento o dota

de graça inigualável a fim de fortificar em seu espírito virtude ainda maior de que o

homem é capaz.

O mérito desse vislumbre pertence ao homem, e segundo, ainda, a visada de Santo

Tomás acerca da questão, a moral deve tratar o homem como imagem operativa de

Deus, na medida em que este ao tomar o modelo da lei para erigir a lei secular,

torna-se, desta forma, senhor de sua atividade, por seu livre-arbítrio (Primeira Parte

da Segunda Questão, Prólogo). A lei secular é a lei da Igreja, e nela estão inclusos

os Dogmas e Juízos Eclesiásticos. Engloba, ainda, os tratados romanos acerca da

lei e as doutrinas ensinadas pelos Primeiros Padres da Igreja em matéria de

legislação. Na definição teológica, é uma prescrição religiosa, conjunto de regras

que emanam da autoridade pontifícia e interpretadas pelo homem de acordo com a

Revelação. São exemplos das leis seculares: as Leis Mosaicas, as do Corão, as

Doutrinas de Jesus aos Doutores da Lei.

A moral, em seu nível prático, estuda os atos do homem (atos efetivos de efeito

singular) e não a essência que muitos acreditam haver, e busca excluir do estudo

(se bem que não por completo) os aspectos relativos a salvação, e ainda aproveita

da Revelação muitos dos aspectos concernentes ao que é melhor para o homem

enquanto aquele que realiza, enquanto vivente no mundo do sensível.

32

Page 30: Tratado Da Lei - Monografia e Bibliografia - Tese Revisada e Aumentada - 0105

Tomás de Aquino, então, busca conciliar o haver prático do homem com aspectos

da Revelação que devem nortear as suas realizações, o seu bem-estar e o

desenvolvimento de suas qualidades práticas mais úteis. A moral, então, se ocupa

do concupiscente, dos hábitos que o homem constrói na cotidianidade do viver, dos

sistemas de pensamento que guiam o espírito no concurso de sua atividade

intelectiva; mais diretamente dos atos governados pela vontade do homem.

A vontade é motivo de especial atenção, pois esta é o que norteia o homem,

primariamente a ser dono de si e a usar de imperatividade sobre a natureza. Foi a

vontade que permitiu ao homem sobrepujar os animais. A vontade é o atributo que

permite ao homem usar de força para subjugar a natureza.

A moral a que se pretende Santo Tomás é filosófica e afirmativa, na medida em que

se baseia em uma evidência concreta do Principio Imovente: Deus. Desta forma,

Deus é objeto direto da consideração de Tomás, pois é tomado como fim último,

especificador e configurador da atividade livre do homem. Deus, é, então, o modelo,

a regra a ser seguida. O homem afirma, então, Deus como aquele a quem se

assemelha, ainda que de forma distante.

Tudo o que se move tem como término um objetivo. Na natureza tudo tem

finalidade, e o homem não fere a esse princípio de identidade enquanto parte de um

todo. Desta forma, o homem segue em direção a Deus, e tendo a lei a norteá-lo, ele

contempla a Deus como fim último e bem-aventurança suprema. Isto posto, Deus

resulta em um termo (uma regra) que especifica o movimento de conversão do

homem.

O Tratado da Lei é o estudo da moral do homem, pois ele se estabelece na regra

primeira, no Princípio Primeiro; e, a partir daí descende à vida singular do homem.

Através do estudo dos atos humanos, Santo Tomás empreende o seu exame, que

se dá em dois momentos distinguíveis: Primeiro em Geral (Prima Secundae), parte

na qual se faz analisar as características e os princípios comuns a todo o obrar, que

são especificados logo mais em particular na Secunda Secundae, onde Tomás lança

os princípios que devem estabelecer a vida moral e aponta o que é danoso a esta

própria vida (Primeira Parte da Segunda Parte, Questão 6 – Prólogo).

33

Page 31: Tratado Da Lei - Monografia e Bibliografia - Tese Revisada e Aumentada - 0105

O Tratado da Lei pertence a Prima Secundae e se dedica ao estudo dos atos

humanos em geral ou em comum. A lei constitui um dos ingredientes mais

fundamentais de todos os atos humanos. Os atos humanos recebem o seu caráter

moral a partir do advento da lei. O advento da lei se dá quando a Lei de Moisés é

instituída. É, a partir da lei, que se impõe ordem a comunidade e se faz com que os

atos humanos venham a convergir para o bem último.

Depois de examinar os atos humanos em si mesmos (Primeira Parte da Segunda

Parte, Questões de 6 a 48), passa Tomás de Aquino ao estudo dos princípios ou

causas desses atos, que podem ser em primeiro lugar, intrínsecos ou interiores ao

homem, como a vontade que é a fonte de onde brotam as operações humanas. Ao

estudo desses princípios interiores dedica Santo Tomás muitas questões em sua

Summa. Acerca das potências ou faculdades, Tomás escreveu amplamente no

Tratado do Homem (Primeira Parte, Questões de 78 a 83) e acerca dos hábitos em

geral e em específico, sendo ainda a análise em tomo tantos dos bons, como dos

maus hábitos, tanto quanto acerca das virtudes, quanto sobre os vícios, tem Tomás

de Aquino escrito na Prima Secundae (Questões de 49 a 89). Dizemos ser do

homem as faculdades ou potências, pois as do homem são potenciais, na medida

em que agem. Isto posto, as faculdades são singulares em Deus e no homem, a

diferença é que Deus está em ato – Princípio Imovente, causa de Si-Próprio – e as

faculdades de Deus, são, portanto, perfeitas.

Os princípios exteriores que afetam a vida do homem foram tratados de forma geral

quanto Tomás pontifica acerca da moral (Primeira Parte da Segunda Parte, Questão

9, Artigos de 4 a 6, Questão 10, Artigo 4). De toda forma, na Questão 90, Tomás

inicia um estudo mais detido. Os princípios ou causas exteriores da bondade dos

atos são a lei e a graça de Deus, de onde se excluem expressamente os princípios

exteriores do mal, que se reduzem aos diabos e aos anjos diabólicos, e ainda aos

demais homens que não conhecem o advento da lei, acerca dos quais Tomás tratou

em outras partes da Summa (Primeira Parte, Questão 114, Primeira Parte da

Segunda Parte, Questões de 80 a 83).

O que move o agir exterior, singular, do homem são os princípios interiores do

entendimento e da vontade. Isto posto, concluímos, então, ser o homem governado

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Page 32: Tratado Da Lei - Monografia e Bibliografia - Tese Revisada e Aumentada - 0105

mais pela vontade que pelo entendimento. Somente aquele que puder mover

eficazmente a ambas as faculdades superiores é que pode ser causa extrínseca,

verdadeira do ato, coisa que compete unicamente a Deus. Através da lei, Deus

ilustra o entendimento, dirigindo a sua função prática. Pela graça, Deus instiga o

homem e move a sua vontade fazendo com que este busque acomodar-se a ordem

natural do mundo. Este acomodar começa na inteligência e se solidifica em sua

vontade e se estende a toda atividade exterior do homem. Deste modo, o princípio

austero que move o homem ao bem, externo ao mesmo e que ao mesmo tempo se

compartilha (por imagem e semelhança), é Deus, que nos instruí pela lei e nos

concede a graça. Admitindo-se a evidência da metodologia divina nesse obrar

acerca do homem, Tomás de Aquino concebe que dentro desta lógica teria que vir

primeiro o Tratado da Lei (Questões de 90 a 108) antes do Tratado da Graça

(Questões de 109 a 114), que apresentam-se, ambos, perfeitamente correlativos

dentro da concepção de vida moral do homem.

Santo Tomás, desde cedo, concebe a lei como pedagoga da vida moral, pois estuda

o desenvolvimento do homem como um todo. Isto posto, resulta ser a lei uma

disciplina inevitável e fecunda a qual irá submeter-se o homem para alcançar seu

mais alto nível de vida por intermédio da virtude; desta forma o homem dirige a sua

finalidade a Deus, tanto no domínio temporal do viver social, como no plano

espiritual e transcendente de sua vida pessoal e sobrenatural. Isto posto, convém

explicar os tipos de lei com os quais Santo Tomás trabalha:

1. Lei Eterna: conjunto de regras que emanam da Providência Divina e dadas

ao homem pela Revelação;

2. Lei Natural: corpo de leis ou princípio fundamentado na razão e na eqüidade,

de decorrente da natureza do bom-senso ou da religião, eticamente

compulsório para as sociedades cultas, por assegurar a dignidade da

existência e os direitos individuais da honra e da liberdade – direito, princípio;

3. Lei Positiva: lei dos legisladores que impõe preceitos obrigatórios divididos

em caracteres positivos e negativos – complemento da lei natural: caráter

positivo: lei humana, caráter negativo: lei divina.

A palavra “lei” contém ampla significação, mas, de toda forma, lei é toda prescrição

35

Page 33: Tratado Da Lei - Monografia e Bibliografia - Tese Revisada e Aumentada - 0105

que emana da autoridade e se impõe a todos os indivíduos por igual e que a estes

não é lícito alegar o seu desconhecimento quaisquer que sejam os fins.

O homem, em seu curso evolutivo, tem se ocupado em descobrir os princípios sobre

os quais Deus edificou o universo. Sendo lícito o caminhar do homem neste fim, as

suas descobertas vem, de primeiro, ordenadas nas leis menos mutáveis como as

leis de gravidade, de atração das massas e outras; e que dão origem ao que se

convencionou chamar “ciência”. As “leis cientificas” são assim chamadas

“princípios”, pois refletem àquilo que pensamos ser as regras da natureza que

expressam o modo de produção das coisas e dos fenômenos, em conformidade com

seus respectivos fins.

As leis que a ciência toma por princípio, nada mais são que o reflexo singular da lei

eterna de Deus, que criou tudo a partir de Si. Isto posto, as leis que o homem pensa

descobrir nada mais são que criação de Deus. O homem as descobre por processos

e sistemas empíricos, busca assemelhar-se a elas, pois que são perfeitas, no

compartilhar da grande obra. Em ser empírico, o homem descobre que as leis

eternas são forma reflexiva permanente dos princípios científicos e estão no

macrocosmo e no microcosmo de toda a criação. Posto que toda lei depende de

Deus, este a pode dispensar com vistas a fins superiores como no caso dos

milagres.

Observa-se um sentido concreto no haver da lei, nos âmbitos moral e psicológico do

homem. Isso se dá no haver tanto social quanto político. São as normas ou regras,

por exemplo, que dirigem a atividade moral do homem guiando-o a sua finalidade.

Essas normas diretivas são as leis eterna, positiva divina (lei que Deus como

Legislador Onipotente do universo impõe como diretriz, ex.: “a lei mosaica”) e a lei

natural. Por sua vez, essas normas tem como finalidade nos conduzir a um estágio

de perfeição social. Os reflexos práticos dessas leis são:

1. A Lei Positiva Humana: lei que se limita ao haver e fazer do homem, que

regula o direito comum, limitando os campos de atuação das leis aplicáveis e

organizando as relações jurídicas. Relacionando as suas respectivas

natureza e objeto.

2. Lei Civil: cada uma das leis que regulamentam as relações dos indivíduos no

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Page 34: Tratado Da Lei - Monografia e Bibliografia - Tese Revisada e Aumentada - 0105

plano particular, sua vida, atividades, obrigações, direitos e tudo que se referir

ao cidadão como indivíduo.

3. Lei Eclesiástica: tentativa de reproduzir, de imitar e impor aos crentes uma

prescrição religiosa nos moldes de uma teologia. Tal como o direito tem a sua

ciência e filosofia, a lei eclesiástica toma a teologia por ciência e os juízos

eclesiásticos e Dogmas da Igreja por diretrizes.

Tomás de Aquino assinala os princípios filosóficos das leis naturais ao escrever

acerca da Providência, da criação e do governo de Deus sobre o mundo e tudo o

que criou. Esses princípios filosóficos são interpretados por Tomás como leis em

razão da Providência, onde residiriam como se fossem códices da lei eterna. No

mundo criado, as leis eternas agiriam de modo passivo, por participação, ou

impressão da lei divina. Santo Tomás disserta no Tratado da Lei (Questão 91, Artigo

Primeiro e Questão 93) acerca da lei eterna como uma das espécies ou

determinações do conceito geral de lei, e a essa doutrina o entendimento deverá,

pois, alcançar perfeitamente, para que se possa compreender a ordem das leis do

universo. De toda forma, mesmo assim sendo, Tomás circunscreve o seu campo de

investigação acerca da lei neste tratado ao campo moral da atividade humana, que

possui sua fonte e raiz última na lei eterna de Deus. O homem, então, participa da lei

eterna formalmente através da lei natural que rege concretamente a vida humana

moral.

A lei moral é o principio extrínseco (que não pertence a essência de algo – que é

exterior) formal dos atos humanos.

A lei pode se dar a conhecer a partir dos moldes mais diversos que se apresentam

ao conhecimento: teológicos, filosóficos (filosofia moral, filosofia do direito),

científicos (ciência jurídica), jurisprudenciais (tanto civil quanto eclesiástica). Essas

disciplinas restringem a seu modo, com mais ou menos amplitude, a natureza, o

conteúdo e as propriedades das leis que nos governam:

1. Teológicos: A Teologia é a ciência absolutamente primeira, diz Aristóteles,

tem por objetivo os seres ao mesmo tempo separados e imóveis, e como o

divino, se estiver presente em alguma parte, o está, segundo Aristóteles,

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Page 35: Tratado Da Lei - Monografia e Bibliografia - Tese Revisada e Aumentada - 0105

nestas naturezas. A Teologia ou Filosofia Teológica é a mais elevada dentre

todas as ciências elevadas. Um dos segmentos da Teologia ou Filosofia

Teológica é a “Teologia Natural”, mais própria do filósofo que do teólogo, pois

tem como critério a “luz da razão”. A Teologia Natural é um saber de Deus

com base no conhecimento do mundo; por isso às vezes se diz que a

Teologia Natural pode conhecer “sem fé”.

2. Filosóficos: A Filosofia é um conjunto de especulações teóricas que

compartilham com a Religião a busca das verdades primeiras e

incondicionadas, tais como as relativas a natureza de Deus, da alma e do

universo, divergindo entretanto da fé por utilizar procedimentos

argumentativos, lógicos e dedutivos.

3. Filosofia do Direito: Embora os Gregos não falassem de “direito”

expressamente, deixaram especulações de definitivo interesse sobre o poder,

a convivência, a ordem, os valores e as normas sociais. Os Romanos

enriqueceram certos temas com correlações políticas e desenvolveram

largamente a prática do direito, como novas vivências institucionais e com

uma linguagem jurídica que se consolidou bastante e influiu sobre todos os

séculos medievais e modernos.

Pensou-se muito durante a Idade Média sobre o direito, entendido como algo

de origem divina, correlato do poder mais limitador deste. O direito, centro da

vida social, se expressaria por intermédio dos costumes da comunidade, e

seria sempre aplicado como derivação da justiça.

4. Filosofia Moral: Fim essencial da razão humana. Embasada pela Teologia e

pela Revelação. A Filosofia Moral explicita as razões da lei, tanto revelada

quanto feita pelas próprias mãos do homem.

5. Científicos: A Ciência é um processo racional usado pelo homem para se

relacionar com a natureza e assim obter resultados que lhe sejam úteis.

Corpo de conhecimentos sistematizados que, adquiridos via observação,

identificação, pesquisa e explicação de determinadas categorias de

fenômenos e fatos, são formulados metódica e racionalmente.

6. Ciência Jurídica: A Chamada “ciência européia do direito” nasce em Bolonha

no séc. XI. Com base ns textos Justinianeus (Littera Boloniensis), os juristas

desenvolveram uma técnica especial de abordagem, caracterizada pela glosa

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Page 36: Tratado Da Lei - Monografia e Bibliografia - Tese Revisada e Aumentada - 0105

gramatical e filológica, pela exegese ou explicação do sentido, pela

concordância e pela distinção. Neste confronto do texto estabelecido e do seu

tratamento explicativo é que nasce a Ciência do Direito com seu caráter

eminentemente dogmático, ou seja, como um processo de conhecimento

cujas condicionantes fundamentais ora são dadas e predeterminadas, e, ora

são dadas pela imposição da autoridade.

7. Jurisprudenciais: A Jurisprudência é a Ciência do Direito e das Leis.

Conjunto de decisões e interpretações das leis feitas pelos tribunais

superiores, adaptando as normas às situações de fato.

Outra definição de jurisprudência é sendo a mesma ciência do direito

igualmente, onde se compõe como instrumento do arbítrio ou conjunto de

decisões de justiça pertinentes a dado período de tempo ou concernente a

dada matéria jurídica (jurisprudência eclesiástica). Ramo ou brecha na lei que

obriga a construção de juízo por arbítrio do que seja mais justo (jurisprudência

civil, fiscal, etc.). Conjunto dos códigos do direito.

8. Lei Natural: Em sentido lato, corpo de leis ou principio fundamentado na

razão e na eqüidade, decorrente da natureza do bom senso ou da religião,

eticamente compulsório para as sociedades cultas, por assegurar a dignidade

da existência e os direitos individuais da honra e da liberdade; direito,

princípio. Escolástica: Lei de Deus. Catolicismo: Conjunto de preceitos

estabelecidos por Jesus Cristo e relatados nos Evangelhos.

A teologia estuda a lei moral em toda a sua amplitude, focando a lei eterna e a lei

positiva divina. A lei natural é, então, uma participação da lei eterna. A teologia,

obrigatoriamente, deve estudar todas as leis que afetam os atos humanos morais e

representa uma visão abrangente, panorâmica, que se pode ter acerca da realidade

completa da lei.

O olhar da filosofia moral é complementar, embora autônomo ao teológico. O campo

de investigação da filosofia moral é extenso, pois abarca todas as leis que se

referem a ordem natural. Diretamente, a filosofia moral, toma por objeto central a lei

natural. A filosofia não está preocupada com pretensas razões de uma possível

ordem sobrenatural, mesmo admitindo a lei como princípio dado ao homem

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Page 37: Tratado Da Lei - Monografia e Bibliografia - Tese Revisada e Aumentada - 0105

extrinsecamente, pois caminha com a teologia e observa o movimento histórico.

Santo Tomás considera que a ciência do direito e toda jurisprudência pertencem ao

ramo da filosofia moral. A filosofia moral tem um leque muito extenso. Ela transita

desde a moral individual, discorre acerca da família, e, isto posto, fala, inclusive, da

moral econômica, pois os antigos assinalavam que ambos os aspectos: familiar e

econômico, tinham uma só acepção. A filosofia moral trata ainda da moral social ou

política, e compreendendo em sentido mais amplo, podemos dizer que a filosofia

moral abarca toda realidade social do homem.

Santo Tomás estudará no Tratado da Lei as noções gerais do direito e da justiça

como ingredientes edificadores de todo sistema moral. As noções de direito e justiça

são comuns a todas as espécies do direito, tanto do privado, quanto do natural e do

positivo. A filosofia moral estará garantindo as noções com que trabalha o direito,

principalmente, o direito da família e o direito público. Em todas as investigações

filosóficas a que o Tratado da Lei se pretende, o direito positivo é considerado

unicamente na medida em que deriva do direito natural, e, ainda, em relação a seu

conteúdo universal. O estudo do direito positivo tem em si mesmo um conteúdo

concreto, fruto de uma sociedade determinada, de uma autoridade particular, e,

pertence ao âmbito das ciências jurídicas, mesmo que tenha que se reportar a

filosofia moral.

Segundo o exposto acima, a lei natural, em toda sua amplitude, incluindo a matéria

jurídica e a lei positiva, enquanto derivada da lei natural, e, consideradas em caráter

geral, devem ser aplicáveis a toda lei humana.

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5. Conclusão

A moralidade é fruto da lei eterna, da lei positiva divina e da lei natural. Essas leis

determinam o caráter dos atos humanos. A lei é a fonte radical e exclusiva do direito.

Em maior ou menor grau, todos os filósofos admitem a relação primal entre lei e

direito em todas as suas manifestações. Isto posto, não deve nos soar estranho que

os séculos que viriam após o XIII, e ainda ao fim da escolástica e inicio da

modernidade, tenham considerado o Tratado da Lei uma das fontes mais

importantes do pensamento jurídico.

Santo Tomás divide a sua consideração acerca da lei a maneira de Aristóteles.

Primeiro estuda a lei em geral, De Lege in Communi, e após, a lei no particular, De

Singulis Legibus.

A primeira parte se refere a lei considerada em sua significação analógica, comum a

todas as classes de lei. Trata, Tomás, dessa forma, de dar acepção aplicável a tais

classes, de forma que possamos, a parti daí descobrir a estrutura essencial de toda

a lei. Este conhecimento nos é necessário para que com acerto possamos

compreender filosoficamente o problema do advento da lei, e, ainda, analisar todos

os problemas que a lei representa. No estudo da lei em geral, realiza Santo Tomás,

considerando primeiro sua essência ou definição (Questão 90), que corresponde a

uma simples apreensão ou primeira operação da mente. Depois, em segundo,

Tomás considera: que há divisão das leis e isto justifica a sua existência, pois é o

direito amplo (Questão 91). Nas considerações da Questão 91, Santo Tomás diz que

lei corresponde a juízo, ou a uma operação da mente. Na terceira consideração,

Santo Tomás, fala dos efeitos próprios da lei que se apresentam como propriedades

de uma essência (Questão 92). A terceira consideração corresponde a terceira

operação da mente.

Na segunda parte do Tratado da Lei, sob a luz dos conceitos gerais e comuns

elaborados na primeira parte, examina Tomás cada uma das diversas leis e os

variados problemas que os circundam. Em primeiro lugar, as leis são estabelecidas,

por terem essência que as congregue (serem reconhecidas enquanto tal); isto inicia

na lei suprema, imparticipada e incriada, descende à lei eterna (Questão 93), e

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Page 39: Tratado Da Lei - Monografia e Bibliografia - Tese Revisada e Aumentada - 0105

seguindo pela lei natural participa então o Princípio da Lei com o universo criado

(Questão 94).

Após, as leis positivas, criadas pelo homem e estabelecidas pela autoridade

legislativa, pertencem ao arbítrio da lei humana, as leis positivas, assim devem ser

consideradas em si mesmas (Questão 95); e segundo seus atributos mais

fundamentais, admitindo as diferenças inerentes a sociedade e o conteúdo de suas

obrigações (Questão 96) devem ser consideradas, as leis positivas, inscritas na

historicidade. A mutabilidade da lei é atributo de sua natureza singular (Questão 97).

A autoridade que estabelece positivamente a lei é Deus, sendo assim, Deus

estabelece a chamada lei positiva divina, que é dual: 1 – a Lei Antiga: que é a do

Antigo Testamento; e a: 2 – Nova Lei: que é a lei do Novo Testamento.

A Lei Antiga é estudada por Santo Tomás em várias questões do Tratado. 1 – Em Si

Mesma: Questão 98; 2 – Acerca dos Preceitos que Contém, Considerados em

Geral: Questão 99; 3 – Em Suas Distintas Classes Morais: Questão 100; 4 – Leis

Cerimoniais: Questões de 101 a 103; e: 5 – Leis Judiciais: Questões de 104 a 105.

Santo Tomás estuda a Nova Lei em primeiro lugar, com relação a sua natureza,

tanto absolutamente quanto em si mesma (Questão 106); depois, a estuda em

relação a Lei Antiga (Questão 107); e, por último, acerca dos preceitos que contém

(Questão 108).

A lei está inscrita no movimento histórico. Uma definição exata de lei tem que visar o

panorama da historicidade. Santo Tomás ao buscar uma definição de lei optou por

instaurar a mesma na universalidade, por isso, é o Tratado da Lei um códice acerca

dos princípios gerais pelos quais a lei é interpretada (princípio fundante do direito).

Santo Tomás nos explica que a lei deve ser apreciada sob duas formas ou sentidos:

I. Sentido Formal: em função de sua organicidade nas mãos do legislador.

Na medida em que a lei ainda é motivo de ponderação na mente do

legislador. In mensurante et regulante.

II. Sentido Passivo: sentido material da lei e/ou singular, unívoco

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(fenomênico). Sentido aplicado àqueles que são objeto da lei, e que

participam dela, no sentido de que por ela são movidos. In regulato et

mensurato.

Na Questão 90, Tomás pergunta se há lei em um sentido ativo, próprio, essencial.

Se há, em que princípio reside? Em que nós asseguramos a realidade própria da

lei? Se há seguro em uma causa primeira, de que modo são os seus efeitos

produzidos a partir dela?

5. 1 Afirmações Advindas da Questão 90:

I. A lei é constituída pela razão prática, mediante necessidade imperiosa,

que implica em uma ordenação (educação) prévia da vontade;

II. A lei não é “ato” da razão, mas algo produzido pela razão através das

proposições universais da razão prática.

Não devemos tomar toda lei como natureza unívoca e que dessa univocidade se

possa passar a outras leis, ou seja, confundir a sua essência com os códices

erigidos pela razão prática. Isto posto, não devemos confundir a ordem social civil e

a ordem moral com a ordem universal, ou com o que advém do humano. Não

devemos confundir a lei enquanto tal com as leis particulares. A lei eterna

corresponde a ordem universal, a lei divina a ordem moral ou sobrenatural, a lei

natural a ordem moral natural; e a lei humana enquanto derivada da lei natural, é a

ordem social civil. De toda forma, a lei enquanto tal é objeto de estudo no que

tange a ordem humana em geral, mas que realiza analogias com o conjunto descrito

acima.

5.2 Questão 90 – Resumo:

I. A lei moral é a lei dos atos humanos. Seu objeto é o bem comum por

essência. O bem comum reside (tende ao) Primeiro Princípio de Causa

Eficiente, fim último e perfeito da vida humana.

II. Toda lei obedece a seu fim. A lei objetiva sempre o bem da comunidade.

Os códices são distintos entre si, entretanto se complementam e se

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estabelecem em ordem, pois residem no princípio de relação necessária,

e visam o bem comum como fim último.

III. Os “bens comuns” derivados do princípio primeiro de “bem comum” por

essência, recebem o seu gênero moral dentro da razão prática que ordena

a lei. A razão prática da lei é sempre imediata e tem, igualmente, como fim

o bem comum.

A lei tem como fim a ordenação da vontade por intermédio da razão. A perfeição não

pode ser alcançada se não houver uma direção, um “fio seguro” que guie o homem

em seu caminhar histórico. Isto posto, Tomás afirma se a lei um bem comum

limitado dentro da organicidade da sociedade. Os homens, sendo cada um singular

em sua natureza, com características próprias, não podem prescindir do bem que é

a lei; pois, então, se prescindirem não podem ser considerados civilizados.

A paz e a união entre os homens, que vem a ser o objeto central da lei humana

positiva, são os motivos que guiam a sociedade a uma abundância de bens

espirituais e, conseqüentemente, materiais (Questão 98, Artigo I). Então, deduzimos

ser a lei fruto de uma comunidade ou sociedade perfeita. A lei tende a perfeição,

pois, quando justa contempla o homem em sua integralidade. Para os indivíduos que

dão a si preceitos no afã de substituir a lei, ou a ignora-la, caso haja, toma-se a

esses por imperfeitos, pois não desejam entender a Boa Nova e nem a lei, que

deveria orientar os seus espíritos rumo a transcendentalidade. Isto posto, as

sociedades atrasadas que, ainda, não tem a lei como diretiva, se conquistadas, não

a entenderão; a tal tipo de sociedade o soberano deve regular por estatutos. Nas

sociedades organizadas a regulação da sociedade se faz por acordo, pois, a priori,

todos, devido a sua maturidade psicológica, tendem ao bem comum. Isto posto, a

lei positiva humana, juntamente com a lei natural, em sua posição de justiça plena,

criam e mantém a ordem política e social no interior da comunidade.

Novamente, tomaremos a palavra de Fr. Santiago Ramirez, O.P., a pp. 27, da

Introdução da “Suma Teológica” de Santo Tomás:

“A la luz de estos principios es fácil comprender la verdad absoluta de aquella frase

de Santo Tomás: “bonum commune potius est bono privato si sunt euisdem generis;

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sed potest esse quod bonum privatum sit melius secundum suum genus” (2-2, Q.

152, a.4, AD3). La primacía del bien común sobre el bien particular o privado es

absoluta, si se trata de realidades del mismo género; en órdenes distintos, un bien

particular de un género mas perfecto puede ser superior al bien común de género

inferior, como el bien privado sobrenatural de un hombre, cuando es auténtico bien,

es superior a su bien común político.”

Ao erigirmos como primado o bem comum acima da pessoa humana, não se vai

contra ao caráter próprio e superior da dignidade humana. O bem comum na medida

em que é mais extenso que o bem particular, é o bem comum, mais necessário e

mais perfeito que o bem particular; pois, o bem particular estende a sua participação

a muito poucos.

“El bien común es, pues, el bien por excelencia de la persona, el que

verdaderamente la perfecciona dentro de cada orden de su actividad.”

A noção universal e comum de lei não se pode conhecer perfeitamente, mas tão

somente a sua essência, investigada na Questão 90. Não conhecemos também,

embora já tenhamos feito distinção, as distintas classes de lei que realizam

diversamente a essência comum. Santo Tomás tenta aclarar ao espírito, na Questão

91, essa classe de distinções.

A noção de lei não é unívoca, por isso não devemos falar de espécies, mas de

modos diversos de leis que se diversificam não tão somente por diferenças

extrínsecas (que não pertencem a essência de uma coisa), mas intrinsecamente

(intrínseco é aquilo que é próprio ou essencial, “qualidade intrínseca”), na mesma

razão de lei. Nesta Questão, Santo Tomás indica a existência e a razão de ser de

cada uma das leis.

Os Estóicos (estoicismo, doutrina filosófica de Zenão, chamada “doutrina do pórtico”)

identificaram o “logos” com a divindade que rege a ordem do cosmos. Cícero dizia

que a lei não havia sido instaurada pelo gênio dos homens, nem pelo decreto dos

povos, mas é, sim, algo eterno que rege o mundo eterno. Sendo assim, é Deus que

instaura a lei, e é ele que manda ou proíbe, pois nada do que é feito o é sem que a

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Sabedoria Suprema permita.

Deus é o supremo governante da comunidade perfeita que é o universo. Ele rege a

tudo por meio da Providência, que é a sua prudência governativa, através da qual o

entendimento e a vontade divinos dirigem ao bem todas as coisas, sendo o bem o

fim último, e bem comum, de todo o universo. Seguimos com a palavra de Fr.

Santiago Ramirez, O.P., à pp. 45 da “Suma Teológica de Santo Tomás de Aquino”:

“la providencia divina, según nuestro modo de concebir, posee un plan, una razón de

gobierno que encarna perfectamente la esencia de la ley, y que se llama ley eterna,

porque todo lo concebido en la razón de Dios tiene que ser eterno (a.I c).

“Santo Tomás concibe la ley eterna como verdadera ley: un dictamen de la razón

prática de Dios, príncipe del universo, que ordena todas las cosas a un bien común,

que es El mismo (a.I c et Ad3). Posee verdadera promulgación, que por parte del

legislador, que es Dios mismo, es eterna como el verbo, y el Libro de la Vida…”

A experiência intima, fruto do agir de Deus sobre o homem, indica claramente a

existência da lei natural quando distinguimos perfeitamente de uma maneira geral o

bem do mal, o justo e o injusto, ou sentimos remorso ou aprovação interior.

A lei natural se deduz da lei eterna, pois essa é a própria lei de Deus. A lei eterna é

a razão divina, governadora do universo, pois ordena todas as criaturas a um fim

último. Os seres racionais participam da ordenação do universo, mas não de um

modo passivo. A participação do homem é ativa, pois por sua inteligência e livre-

arbítrio pode dirigir a si mesmo e criar sua própria vida moral com vistas ao fim

último. A participação da lei eterna no homem é a lei natural. A lei natural diferencia

o homem dos seres irracionais, pois o homem pode receber essa lei suprema de

modo intelectual e racional. A lei concerne a razão. Seguimos com Frei Santiago

Ramirez, O.P., a pp. 48: “ la razón especulativa debe partir necesariamente de unos

primeros principios firmes indemostrables, evidentes por sí, de cuya certeza

participan todas las demás verdades o conocimientos.” Deste mesmo modo, a razão

prática é inconcebível sem esses princípios práticos, firmes e evidentes, pois são

normas imutáveis. Os primeiros princípios, pois, são constituintes da lei natural.

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O fim ultimo da comunidade é viver em acordância com a virtude, desta forma vive-

se bem. Aquele que vive fora da comunidade não vive bem, pois a boa vida é a que

está em acordância com a virtude e a vida virtuosa é o propósito da congregação, da

comunidade. Um único povo que seja visto como comunidade deve viver sob as

mesmas leis e sob o mesmo regime de governo. O governo deve dirigir o povo para

a melhor vida dos que vivem em seu reino.

Todas as organizações, pessoas e indivíduos que vivam na comunidade política

devem ter seus interesses dirigidos pela lei, pois essa é a diretiva da comunidade. A

congregação deve se dirigir a propósitos irrestritos deve dirigir-se a beatitude e desta

forma tornar-se cada vez menos imperfeita. Assim, a comunidade caminha para o

ideal da justiça comum, começando-se pelo amor ao mais próximo indivíduo da

comunidade. Deve-se começar a amar o mais próximo, para depois amar o mais

distante.

Tudo isso começa na família que participa da comunidade política e seus membros

cooperam para a virtude.

O assentamento da lei deve ser induzido pelo medo das sanções, para todo aquele

que com a lei não queira cooperar. A força coercitiva da lei deve ser usada contra os

violadores da mesma. A coerção é necessária para que se assegure o lugar central

da autoridade. A lei deve estar presente não tão somente na idéia do legislador, mas

também na idéia de quem ela se dirige. Sendo assim, os cidadãos são o objetivo da

lei. O plano principal da lei (sua diretriz e meta) é proteger e preservar o bem

comum.

O governo deve servir ao povo livre e a lei deve estar em coordenação com o

governo e o povo. Devido a isto, a lei em seu público caráter (em sua promulgação)

deve ser clara, geral, estável e prática, e, ainda fazer parte da razão pública.

A lei deve ser obedecida por todo aquele à qual a mesma é aplicável.

Conseqüentemente, é evidente que o efeito da lei é elevar os indivíduos a sua

própria virtude, e a virtude é o que torna os indivíduos bons. Por isso, o legislador

deve se inclinar ao bem verdadeiro, que tende ao bem comum regulado de acordo

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com a justiça divina. Sendo assim, a lei, por efeito, torna os homens bons.

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