Tratamento Jurídico da greve.pdf

5/22/2018 Tratamento Jurdico da greve.pdf

1/17

O tratamento jurdico da greve no incio do sculo XX: o direito e a violncia na greve de 1906 68Gustavo Silveira Siqueira, Fatima Gabriela Soares de Azevedo

DOI 10.12957/dep.2013.7285

Revista Direito e PrxisVol. 4, n. 7, 2013, pp. 68-84.

O tratamento jurdico da greve no incio do sculo XX: o direito e a violncia

na greve de 190612

The legal treatment of the strike in the early twentieth century: the

right and violence in the strike of 1906

Gustavo Silveira Siqueira3

Fatima Gabriela Soares de Azevedo4

Resumo:

O presente artigo discute o direito de greve no incio do sculo XX no Brasil. Sob a influnciada Constituio de 1890, o direito de greve era considerado pela doutrina jurdica da poca epelos tribunais como um direito consagrado dos trabalhadores em todos os pasescivilizados. Tericos civilistas e penalistas da poca eram concordantes em afirmar que pelalegislao brasileira Constituio e Cdigo Penal o direito de greve estava garantido aostrabalhadores brasileiros, de modo que em 1920, o Supremo Tribunal Federal reconheceueste direito, posio j adotada por vrios tribunais inferiores. Por outro lado, a prtica do

Poder Executivo era distinta: combatia as greves como se uma guerra fosse. Ao primeiro gritode greve, soldados, navios de guerra e policiais eram enviados para conter esta perturbaoda ordem. Desta forma, o presente texto visa a investigar a relao da doutrina e da

jurisprudncia brasileira com as prticas do Poder Executivo republicano na greve dosferrovirios de 1906, a maior paralisao de trabalhadores do pas at ento. O objetivo tensionar, colocar em embate as narrativas, e verificar como a relao entre as diversasfontes de histria do direito e os movimentos sociais podem contribuir para uma pesquisahistrico jurdica crtica e problematizante.

Palavras-chave: Direito de greve Movimentos sociais Histria do Direito.

1 Agradecemos as gentis observaes feitas sobre este trabalho pelas Professoras Rosngela Luft e CarolinaVestena. O presente artigo uma verso revisada e ampliada do artigo Repblica e greve no incio do sculoXX: um debater entre a greve de 1906 e a histria do direito publicado na Revista Novos Estudos Jurdicos, v.18, n. 3, p. 474-491, Nov. 2013. ISSN 2175-0491.2Artigo recebido em 3 de setembro de 2013 e aceito em 13 de novembro de 2013.3Professor Adjunto da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ, Rio de Janeiro-RJ, Brasil. E-mail: [email protected] Historiadora; Mestranda do Programa de Ps Graduao em Direito da Universidade do Estado do Rio deJaneiro UERJ linha de Teoria e Filosofia do Direito.


2/17


DOI 10.12957/dep.2013.7285


Abstract:

This article discusses the right to strike in beginning of twentieth century in Brazil. Under theinfluence of the 1890 Constitution, the right to strike was considered by the legal doctrine ofthe time and by the courts as "a right guaranteed to the workers in all civilized countries."Contemporary authors were consistent in stating that under Brazilian law - Constitution andPenal Code - the right to strike was guaranteed to workers in the country. Actually, in 1920,the Supreme Court recognized that right, expressing a position that has already beenadopted by many other inferior courts. On the other hand, the practice of the Executivepower was different: the strikes were treated as if they were wars. At the first scream ofstrike, soldiers, warships and police were sent to fight this "disturbance of order." Thus, thistext intends to discuss the relationship of national doctrine and jurisprudence with thepractices of the Republican Executive Power in rail strike of 1906, the largest work stoppagein Brazil. The objective is to tense, put the narratives in confrontation and see how therelationship between the diverse sources of legal history and social movements cancontribute to a more critical research on legal history.

Key-words: Right to strike Social Movements Legal History

Introduo

A problemtica do presente texto consiste na investigao do controverso direito de

greve na primeira Repblica brasileira, que assegurado pelo aparato legal, pela doutrina ejurisprudncia, era rechaado pelo executivo, poder que o tratava, no bojo do que ora se

definia como questo social, como caso de polcia. Greve para o executivo era guerra,

conforme se pretende demonstrar a partir da anlise do episdio da Greve dos Ferrovirios

ocorrida no interior do Estado de So Paulo, em 1906.

Apresentamos a explorao de fontes primrias e dos pensadores do perodo sob

uma metodologia da histria do direito problematizante. Ou seja, aqui tomada no como

uma narrativa rumo ao progresso, um caminhar da razo ou uma histria evolutiva, mas sim

a partir da compreenso de que: o direito deve ser entendido em seu tempo e no

simplesmente como um caminhar em direo ao progresso, [de modo que] no possvel

dizer que o passado era melhor ou pior, ele apenas mudou, apenas era diferente e a tarefa

do historiador um constante complexificar a histria.5

5 SILVEIRA SIQUEIRA, Gustavo. Histria do direito pelos movimentos sociais: cidadania, experincias e


3/17


DOI 10.12957/dep.2013.7285


A tarefa do historiador do direito perceber as contradies, ambiguidades e tenses

que coexistem com a norma jurdica. Assim, pode ele entender o passado com suas

caractersticas e singularidades, e no como uma prvia do agora: o passado deixa de ser

precursor do presente, um ensaiador de solues que vieram a ter um completo

desenvolvimento do presente. E, com isto, deixa de ter que ser lido na perspectiva do que

veio depois. O passado libertado do presente. A sua lgica e as suas categorias ganham

espessura e autonomia. 6

Desta forma, neste texto se pretende desconstruir ideias de que o direito de greve

nunca existiu ou que fazer greve sempre foi crime. A inteno mostrar como este direito

coexistiu com a violncia e com os preconceitos que lhe eram imputados, utilizando a

histria do direito como metodologia para afirmar uma narrativa dentre as milhares que

seriam possveis, [afinal] a histria do direito o direito e o que foi feito dele.7

1. A Repblica e a greve: o episdio de 1906

A consolidao da Repblica dependia da construo de sua legitimidade social e a

caracterizao da nova nao, nesse sentido, implicava na oposio a regimes anteriores. O

trabalho assalariado devia ser forjado como aquilo que radicalmente distinto da escravido

ao menos no discurso8, pois a Repblica precisava ser o contrrio da Monarquia. A

apropriao da linguagem da liberdade pela fora de trabalho central na compreenso do

surgimento de um movimento dos trabalhadores no Brasil9e como tambm eles passam a

ser sujeitos no traado republicano.

antropogafia jurdica nas estradas de ferro (Brasil, 1906). Tese. 207fls. (Doutorado em Direito). Faculdade deDireito da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2011, p. 21.6 HESPANHA, Antnio Manuel. Cultura jurdica europia: Sntese de um milnio. Florianpolis: Fundao

Boiteux, 2005, p.43.7SILVEIRA SIQUEIRA, Gustavo. Histria do direito pelos movimentos sociais...p. 24.8 importante destacar os limites dessa possibilidade discursiva. Segundo ngela de Castro Gomes,Confrontando-se com outros discursos republicanos e, principalmente, rompendo com a tradio dapropaganda abolicionista, os socialistas debateram-se com a fora de nosso passado escravista no universo dapoltica. Sua proposta organizacional de formao de um partido poltico operrio decorreu de uma anlise queacreditava na congruncia entre as questes do trabalho livre e da Repblica recm-proclamada. Contudo, talproposta no se viabilizou nesse perodo frente resistncia da velha poltica. Vide GOMES, ngela de Castro.A inveno do trabalhismo. 3 Ed. Rio de Janeiro: FGV, 2005, pp 269GOMES, ngela de Castro. Idem.


4/17


DOI 10.12957/dep.2013.7285


no incio do sculo XX que se do as experincias que serviro de liga para a

formao da identidade da classe trabalhadora no pas. Usando da metfora discursiva,

pode-se compreender a fora da classe na relao com o Estado, aqui em oposio ao que se

estabelece durante o Estado Novo, da seguinte maneira, segundo ngela de Castro Gomes:

A palavra neste perodo est com lideranas vinculadas classe trabalhadora (intelectuais

ou no), que indiscutivelmente assumem a construo de propostas sobre sua identidade.10

A propagao de uma tica do trabalho como forma de valorizao do trabalhador

um desses elementos de coeso que forjam as condies para a insero poltica11 do

trabalhador. A sua participao interessante para o Estado e as empresas, que fomentam a

cultura do trabalho em oposio cultura do cio e da vadiagem, e para sua prpria classe,

como forma de auto-valorizao de seu papel como pilar da sociedade trao muitssimo

explorado, por exemplo, pelo movimento anarquista.O enrijecimento das condies de participao eleitoral na Repblica no traduziu,

nesse sentido, uma no atividade poltica dos trabalhadores no novo sistema de governo 12.

Assim, desde o engajamento em jornais at a participao em sindicatos, associaes, aes

diretas diversas e greves13, o trabalhador se encontra consigo mesmo e com o Estado na

exigncia de respeito sua figura no jogo republicano a partir da reivindicao de

direitos14.Em outras palavras, o trabalhador se forja e participa da conformao da Repblica

10GOMES, ngela de Castro. Idem, pp: 24.11Aqui entendida no s como a filiao a uma ideologia especfica, mas de insero cultural do trabalhador,que pode participar ou no das eleies, mas deve ser letrado e ter acesso arte, por exemplo.12 Marcelo Badar Mattos traz importante reflexo para o paradoxo da modernidade no Brasil e,especificamente, em sua capital, o Rio de Janeiro: ao mesmo tempo em que se dificultava o acesso polticaeleitoral, se intensificava os processos de controle poltico sobre a vida, o que forou a insero poltica dostrabalhadores em outros formatos. Mas esse quadro de baixa participao poltica nas eleies, dominadanaquela fase pelas oligarquias regionais de grandes proprietrios, no deve ofuscar a participao emmanifestaes cujo cunho poltico no pode ser ocultado. Como os protestos coletivos violentos. Somente noRio de Janeiro,entre 1880 e 1904, pelo menos cinco grandes revoltas urbana foram registradas, com apopulao promovendo quebra-quebras e envolvendo-se em choques com a polcia, motivada por aumentosconsiderados extorsivos em tarifas pblicas (em especial a passagem do bonde). Revoltavam-se tambm contrao que consideravam intervenes abusivas do poder pblico na vida privada dos indivduos (como o levante

contra a vacinao obrigatria de 1904, conhecido como Revolta da Vacina). Por detrs desses motins,evidencia-se o contraste entre a capital da Repblica que se queria transformar em carto-postal do Brasil parao mundo civilizado, e as grandes massas de despossudos urbanos, atingidos diretamente por reformas que osexpulsavam do centro da cidade para os distantes subrbios, ou morro acima para as primeiras favelas.(MATTOS, 2009, p.43)13 Nas palavras de Badar: Talvez a manifestao poltica mais organizada dos trabalhadores no perodopartisse justamente dos sindicatos, que, embora no se constitussem em instrumentos de interveno no jogopoltico eleitoral, eram os porta-vozes mais ntidos das propostas de mobilizao, reivindicao e transformaosocial. Nada mais eminentemente poltico que a prtica sindical. (MATTOS, 2009, p. 45)14Segundo Jos Murilo de Carvalho, a Repblica no Brasil tinha a misso de trazer consigo a modernidade, e na


5/17


DOI 10.12957/dep.2013.7285


ao confrontar-se diretamente com o Estado no exerccio de seu direito assegurado

legalmente. Vale lembrar, neste tocante, a condio de misria da classe trabalhadora,

segundo Marcelo Badar Matos, naquele momento "trabalhava-se muito, ganhava-se pouco

e pagava-se caro para viver mal.15

A greve se constitui, dessa forma, como importante instrumento de organizao da

classe em formao. No por outro motivo que seus nmeros perfazem uma trajetria

ascendente. No interior do Estado de So Paulo, por exemplo, entre 1888 e 1900 ocorrem 12

greves, ao passo que entre 1901 e 1914 o nmero passa para 81 movimentos grevistas16. O

setor ferrovirio dos mais importantes na dinmica das greves paulistas17.

Um desses episdios a greve de 1906, que ora se analisar. O movimento envolveu

as duas principais companhias ferrovirias do Estado de So Paulo: A Paulista e a Mogyana.

Considerada a maior greve no Brasil at ento, iniciada em Maio e finda em Junho, impediu otransporte de caf principal produto de exportao brasileiro , de pessoas, de

correspondncia e at mesmo dos servios bancrios.

Literalmente, grande parte da movimentao econmica do pas foi paralisada nessa

greve. Iniciada contra os abusos dos engenheiros chefes, a essncia das reivindicaes foi o

repdio violao da dignidade operria. No Manifesto Grevista de 15 de Maio de 1906, a

Liga Operria conclamava os trabalhadores luta contra as perseguies, redues de

ordenado e demisses que vem ofender a nossa dignidade de honestos operrios, que

no se julgam escravos nem querem submeter-se s arbitrariedades dos superiores

dspotas, no podem nem devem continuar, lanando-se luta com a constncia e o

entusiasmo que a justia da nossa causa nos d.18Pedindo a demisso dos funcionrios que

velocidade das rpidas locomotivas utilizadas no perodo. Contudo, a poltica, em suas vertentes modernas,fazia-se presente na vida da populao, sobretudo dos trabalhadores, a partir de greves, quebra-quebras,arruaas e revoltas como a da vacina, ocorrida no Rio de Janeiro em 1904. Quanto poltica representativa, noRio republicano, por exemplo, nem mesmo os que podiam votar o faziam em peso. primeira Repblica apenaspareciam bem os partidos nicos e a estes muitos eleitores no eram afeitos. verdade que a Repblica

realizou o feito de diminuir o nmero de eleitores em relao ao quadro do Imprio. (CARVALHO, 2010).15MATTOS, Marcelo Badar. Trabalhadores e sindicatos no Brasil. So Paulo: Editora Expresso Popular, 2009.pp. 4316MOREIRA, S. So Paulo na Primeira Repblica, p. 14. APUD MATTOS, 2009. pp.5317Para Badar, Em So Paulo, os ferrovirios iniciavam nessa poca [primeira dcada do XX] o que viria ser suatradio de lutas. Em 1905, por exemplo, pararam os ferrovirios da Cia. Paulista, recebendo a solidariedade demanifestaes e greves de apoio na capital do Estado e em outras regies, assim como sofrendo uma durarepresso policial. (MATTOS, 2009, p. 55)18Publicado no Jornal do Commrcio de So Paulo de 15 de Maio de 1906, no Jornal da Cidade de Campinas de16 de Maio de 1906 e no Jornal A Terra Livre de 16 de Maio de 1906.


6/17


DOI 10.12957/dep.2013.7285


violavam a dignidade operria, a greve termina sem a contemplao das reinvindicaes.

Se observa na edio do Jornal do Commrcio de So Paulo de 16 de Maio de 1906,

dia seguinte publicao do Manifesto, a resposta armada do Estado, com o envio de

soldados para cidades do interior de So Paulo. Para os reprteres, as referidas localidades

estavam calmas. Na mesma data, o Jornal do Commrcio do Rio de Janeiro noticiava a

garantia dada aos trabalhadores que desejassem voltar ao trabalho, fazendo tambm

referncia acusao feita aos grevistas: terem sujado as linhas que ligam Campinas a Rio

Claro com leo e sabo. O Jornal Estado de So Paulo, ainda na mesma data, noticiava a

paralisao total dos servios ferrovirios da Cia. Paulista nas cidades de Campinas, Jundia e

Rio Claro. Informava tambm o envio de dez praas armados para a estao ferroviria de

Campinas.

O manifesto da Liga Operria de Jundia, publicado em 19 de maio de 1906 naprimeira pgina do Jornal do Commrcio de So Paulo, afirmava: nossa causa justa e

santa e por isso mesmo devemos trabalhar unidos e de comum acordo para a conquista do

direito que nos assiste e para salvaguardar a nossa dignidade de homens. Este trecho

demonstra, indubitavelmente, que os trabalhadores acreditavam que fazendo greve

exerciam um direito.

O comrcio de Rio Claro fechou as portas em solidariedade aos grevistas ao passo que

o comrcio de Jundia reclamava dos prejuzos sofridos com a greve. No mesmo dia, a

Federao dos Operrios publicou manifesto com o seguinte teor: Na noite de hontem para

hoje (de 16 para 17), a administrao da Companhia Paulista mandou espalhar fora armada

por toda a linha, deixando 1 praa de 100 em 100 metros, e que dizem terem retirado

trilhos da mesma. Os operrios em greve protestam contra esses actos de vandalismo

atribuindo-as mesma Companhia, com o fim de nos prejudicar, e tanto mais evidente

torna-se esta suspeita, considerando-se que a linha ficou em bom estado at que no foi

guardada pela polcia.

No mesmo Jornal, o reprter em Jundia informa: deixo de remetter pormenores,

porque est estabelecida a censura.

Em 19 de maio do mesmo ano, Joaquim da Silveira, Joaquim Barros e Crizanto Pinto

publicam um Manifesto Positivista na cidade de So Paulo. Para os positivistas: as greves

no constituem crime, no so atos passveis de pena; ao contrrio: elas constituem um


7/17


DOI 10.12957/dep.2013.7285


recurso normal de que o proletariado deve lanar mo contra os abusos de seus chefes

industriais e decorrem do princpio da liberdade profissional, estatudo pela constituio.

No sendo crime, o papel da polcia manter a ordem a todo transe e garantir a mais

completa liberdade tanto para os que desejarem voltar ao servio como para os que

preferem conservar-se em greve. A inteno dos positivistas era alcanar consenso, em seus

manifestos, conforme mostra o trecho ora destacado, se pode perceber o reconhecimento

do direito de greve.

Por outro lado, em 25 de Maio de 1906, o Jornal O Estado de So Paulo publica carta

do advogado da Cia. Paulista, Pedro Villaboim, que defendia as aes de combate greve: A

ao de mera defesa, combinada entre a Cia. e o governo para resguardar as propriedades j

danificadas por alguns dos chamados grevistas, para garantir a segurana do transporte ao

pblico que se utiliza das estradas e para assegurar a liberdade de trabalho aos que noacompanham a absteno, est sendo apontada como uma violncia ao direito de greve e j

se anunciam pedidos de garantia aos tribunais contra a fantasiada opresso dos operrios.

() Ora, at aqui, ningum da Cia. ou do governo recusou esse direito de greve aos

trabalhadores da Cia. Paulista; ningum lhes negou o direito de, por um acordo ou por uma

resoluo coletiva, recusarem seus servios empresa.

O advogado afirmava que na Cia ningum recusava o direito de greve, que

simplesmente agia-se para combater, com o auxlio do governo, a greve violenta. Continuava,

por outro lado, afirmando que a Cia respeitou os direitos dos trabalhadores e estes no

respeitaram os direitos da Cia, ao inutilizar mquinas para o servio e arrancar trilhos, por

exemplo. Em sua viso, os grevistas no se limitaram pois, ao exerccio de um direito;

atentaram contra os da Cia. por atos criminosos, como tais previstos e punidos pelo Cdigo

Penal. Assim sendo, a polcia agiu dentro dos limites de extrema moderao, sem fazer a

menor violncia a quem quer que seja. O advogado conclui seu argumento afirmando que:

o que est em questo no , portanto, o direito de greve. Contra esta arma lcita e

poderosssima das reivindicaes operrias ningum se insurge, ao contrrio, todos a

consideram sempre com grande simpatia.

No dia 27 de Maio de 1906, o delegado de Campinas instaurou um inqurito policial

para investigar os crimes cometidos pelos funcionrios das Cias. em greve. No despacho de

abertura a preocupao principal era com os bens da Cia. estragados durante a greve, como


8/17


DOI 10.12957/dep.2013.7285


trilhos, telgrafos entre outros. O mais interessante que nada conseguiu-se apurar aps a

oitiva de 22 testemunhas sobre a autoria dos referidos danos. No foi possvel identificar

quem depredou os bens das Cias. Indubitavelmente, mesmo sem apontar a autoria dos

danos, o documento contem uma narrativa interessante sobre a (criminalizao da) greve19.

A ao da polcia buscava a volta dos grevistas ao trabalho. Era preciso evitar que a

greve se espalhasse por outros setores e, sobretudo, que prejudicasse o comrcio do Brasil.

Os grandes cafeicultores, financiadores da campanhas eleitorais e scios das companhias

ferrovirias, no poderiam aceitar tamanha paralisao. O governo do Estado deveria agir, a

todo custo, para dar fim a esse prejuzo. Assim o Governo do Estado de So Paulo e o

Governo Federal fizeram: usaram de toda a sua fora, legal e ilegal, para dar fim greve.

Na verdade, em poucos dias a greve causou imensos transtornos para a economia do

pas. As sacas de caf pararam de ser enviadas para Santos, alm disso, o abastecimento dascidades, o correio, o sistema bancrios e o transporte de pessoas foram prejudicados pela

greve. Diversos setores da sociedade manifestavam-se em relao paralisao dos

trabalhadores.

Estava claro que o debate no apenas era jurdico. Pouco importavam as leis, a

constituio. Os dispositivos legais seriam desrespeitados para o restabelecimento do que o

governo acreditava que era certo. A economia do pas no podia parar por insatisfao de

trabalhadores, tendo eles diretos ou no. No importavam as regras estabelecidas, valia o

embate entre as foras. O governo agia, por essa razo, constantemente contra o direito

daqueles cidados.

Mesmo assim no era prudente negar discursivamente o direito de greve. Por isto,

todo combate aos movimentos grevistas pautava sua legitimao na alegao de que a

greve no era pacfica. O direito de greve era reconhecido, mas combatido na prtica sob a

transmutao da greve em greve violenta. A clara disputa da opinio pblica reside,

portanto, no debate sobre a forma de exerccio do direito e no na sua existncia.

19No inqurito h alguns relatos de ameaas dos grevistas contra os chamados fura-greve, alm da conclusodo delegado que afirmava que os grevistas no identificados (o que pe em questo, portanto, se foramrealmente eles que danificaram os bens da Cia., quando alguns acreditavam que esses danos foram obra desoldados da Fora Pblica, indignados com as pssimas instalaes que foram recebidos nas cidades do interior)teriam praticado os crimes previstos nos artigos 149 (danificar estradas de ferro), 153 (danificar telgrafos) e205 (ameaar trabalhadores para greve) do Cdigo Penal de 1890, mesmo sem provas para comprovar a tese.Para o delegado, por mais que os grevistas distribussem panfletos afirmando que a greve era pacfica, ela noera, os grevistas eram criminosos que, por suas artimanhas, no foram identificados. Em sendo assim, oinqurito foi arquivado.


9/17


DOI 10.12957/dep.2013.7285


Assim, atravs da afirmao do direito de greve e do combate sua forma violenta, as

Companhias, aliadas ao Executivo estadual e Executivo federal, usavam sua fora contra todo

e qualquer movimento paradista . A greve, violenta ou no, era tomada como uma

perturbao ordem pblica que deveria ser prontamente combatida, para o bem da

Repblica, da nova forma de Estado que emergia das cinzas monrquicas.

Desta forma, a greve de 1906 foi escolhida por representar um excelente momento

para entender as tenses jurdicas existentes em torno do direito de greve. Neste episdio

estavam envolvidas as Ligas Operrias, advogados, o Estado de So Paulo, a Polcia, o

Exrcito, entre outros atores. Trata-se, portanto, de movimento rico e bem documentado,

capaz de demonstrar a vivncia poltico-jurdica do perodo.

2. O tratamento jurdico da greve no incio do sculo XX direito ou no ?

Sessenta dias aps a promulgao do Cdigo Penal de 1890 que criminalizava a greve

em seus artigos 205 e 206, o governo provisrio altera a redao com o decreto n 1162:

O Chefe do Governo Provisrio da Republica dos Estados Unidos do Brazil,considerando que a redaco dos arts. 205 e 206 do Codigo Criminal pode naexecuo dar logar a duvidas e interpretaes erroneas e para estabelecer a clarezaindispensavel, sobretudo nas leis penaes, decreta:Art. 1. Os arts. 205 e 206 do Codigo Penal e seus paragraphos ficam assimredigidos:Art. 205. Desviar operarios e trabalhadores dos estabelecimentos em que foremempregados, por meio de ameaas e constrangimento:Penas de priso cellular por um a tres mezes e de multa de 200$ a 500$000.

Art. 206. Causar ou provocar cessao ou suspenso de trabalho por meio deameaas ou violencias, para impr aos operarios ou patres augmento oudiminuio de servio ou salario:Penas prizo cellular por um a trez mezes.

Pela nova redao, a greve pacfica deixou de ser crime, persistindo o tipo penal

apenas para a greve violenta, de modo que convocar trabalhadores para fazer greve sem

ameaa e sem constrangimento era lcito. Evaristo de Moraes comentava, em 1905, o Cdigo

Penal, afirmando que pela lei penal vigente no Brasil, o direito de greve est plenamente

reconhecido () assim como um operrio pode isoladamente deixar de trabalhar, muitos

operrios tm o direito de recusar os esfros dos seus braos ao chamamento e s

necessidades dos patres. Nem seria compatvel com um governo republicano a negao


10/17


DOI 10.12957/dep.2013.7285


desse direito, que deriva das condies econmicas do nosso tempo 20.

Se a Constituio de 1891 garantia o direito de reunio (Art. 72 8), a liberdade de

manifestao do pensamento (Art. 72 12), e de profisso (Art. 72 24), exercer greve,

com a inexistncia de um tipo penal, era um direito. Se o trabalhador podia trabalhar,

tambm podia no trabalhar e se reunir para manifestar o seu pensamento. Desta forma,

entender que a greve era um direito, ao que parece, compatvel com um Estado

influenciado pelo liberalismo do incio do sculo XX.

Comentando o Cdigo Penal de 1891, Nelson Hungria afirmou:

O objecto da protao penal , aqui, a liberdade de trabalho contra a imposio dagrve ou do lock-out. O crime o constrangimento cessao (paralyzaodefinitiva ou por longo tempo) ou suspenso (paralyzao transitoria) dotrabalho. A greve e o lock-out no so crimes em si mesmos: representam, ao

contrario, um direito, devendo mesmo considerar-se constrangimento illegal (art.180 Consol.) a opposio ao seu exercicio. O que a lei pune o forar ou coagir osoperrios greve, ou os patres ao lock-out, coalizo.21

Neste mesmo sentido, posicionou-se o Supremo Tribunal Federal em 1920, ao julgar o

Habeas Corpus de um grevista estrangeiro expulso do pas pelo governo paulista por

participar do movimento de 1906 ora analisado:

Considerando que a grve pacifica um direito que pde ser livremente exercido

pelo operario, e que o exercicio de um direito em qualquer paiz livre e policiadono constitue delicto, nem colloca o seu titular em situao de ser considerandoum elemento pernicioso sociedade e compromettedor da tranquillidade publica;Considerando que dos documentos offerecidos se prova, evidencia, que opaciente, intervindo na grve da Mogyana com intuito de acalmar os animosexaltados dos grvistas, nem um acto praticou, isoladamente contra pessoas ecousas, definido pela Lei penal, e nem qualquer outra manifestao por palavras,ou factos teve como indicativo de ser elle um elemento pernicioso sociedada,na qual vive h vinte e quatro annos, e em cujo meio presta assitencia a 7 filhosbrasileiros,Considerando que o paciente brasileiro, porquanto, tem filhos brasileiros, epossue um immovel urbano em Campinas, ut documento de fls. 27, pelo que contribuinte dos cofres municipaes por impostos devidos pela propriedade predial.

Considerando que, nessa situao, a Constituio da Republica, no art. 96pargrafo 5, considera o extrangeiro naturalizado brasileiro para todos os effeitoslegaes, e que a lei de expulso invocada no se applica a brasileiros.O Supremo Tribunal FederalD PROVIMENTO ao recurso interposto, para que csse todo e qualquerconstrangimento contra o paciente, oriundo da portaria de expulso. Custas ex-causa.

20MORAES, Evaristo de. Apontamentos de direito operrio. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1905, pp.57-58.21HUNGRIA, Nelson. Compndio de direito penal. Rio de Janeiro: Jacyntho, 1936, p. 385.


11/17


DOI 10.12957/dep.2013.7285


Supremo Tribunal Federal, 14 de Junho de 1920. Pedro Mibielli, Relator: aindaque extrangeiro fsse o paciente, provado que residente, eu concederia ohabeas-corpus, no termos do art. 72 da Constituio da Republica. Pedro Lessa.

Leoni Ramos. Pedro dos Santos. Viveiros de Castro Godofredo Cunha. Sebastio de Lacerda. Muniz Barreto. Germenegildo de Barros Joo Mendes. 22

A lei, a Constituio, a doutrina e a jurisprudncia majoritria23 concordavam que a

greve pacfica era um direito do trabalhador. Interessante era verificar que tal entendimento

tambm era comungado pelos trabalhadores e pelos empregadores. Contudo, a partir da

anlise de panfletos e manifestos utilizados na greve de 1906 possvel perceber as

contradies e tenses do perodo configuradas na reao dos grevistas, dos proprietrios de

empresas e do governo estadual paulista naquele momento.

3. O tratamento violento ao exerccio de um direito

A greve e outras formas de no trabalho constituam comumente caso de polcia na

Primeira Repblica brasileira. Com isto no se quer dizer que o tratamento greve tenha sido

uma resposta violenta absolutamente uniforme do poder executivo e seus braos armados.

De um s episdio no se pode induzir toda a complexidade de um contexto poltico, de

modo que a greve de 1906 deve ser analisada como possibilidade de ao durante um

episdio grevista no perodo. Ou seja, ela deve ser investigada com o fito de ilustrar e no de

produzir generalizao, posto que cada movimento deve ser compreendido em suas

singularidades.

A primeira reao da Companhia Paulista (ao saber da greve) foi a de intimar os

grevistas, ameaando demiti-los, alm de pedir o apoio policial ao governo do Estado.24Um

22Publicado na Revista do Supremo Tribunal Federalde Outubro de 1920, Fasc. 1, volume XXV, Rio de Janeiro,pp. 149-150 (HC n 5.910)23Mas tambm necessrio entender que no possvel afirmar que toda doutrina ou toda a jurisprudnciaera favorvel ao direito de greve. Algumas decises como do Tribunal de Justia de So Paulo (e doutrinadorescomo Baptista Pereira), em diversos momentos, criticavam o direito de greve ou dificultavam ilegalmente seuexerccio. Sim, era possvel encontrar decises do judicirio, no expressamente opostas aos entendimentos doSupremo Tribunal Federal, mas que no reconheciam o direito de greve como exercvel. Algumas destasdecises esto reproduzidas em LEME, Dulce Maria Pompeo de Camargo. Hoje h ensaio: a greve dosferrovirios da Cia Paulista 1906. Dissertao (Mestrado em Sociologia). Universidade Estadual de Campinas,1984.24NOMELINI, Paulo Christina Bin. Mutualismo em Campinas no incio do sculo XX: possibilidades para o estudodos trabalhadores. Revista Mundos dos Trabalhadores, vol.2, n.5, agosto-dezembro de 2010, pp.143-173, p.


12/17


DOI 10.12957/dep.2013.7285


dia aps a decretao da greve, o presidente da Cia. Paulista dirigiu-se para Campinas

levando 50 praas da polcia para guarnecer as linhas e pontes, ameaados pelos grevistas

exaltados:25 Um dos meios mais utilizados pelos patres para conter essas manifestaes

grevistas era a represso. O menor rumor de um movimento paredista colocava a polcia em

estado de prontido, com intuito de manter a ordem, garantir os bens das companhias.26

A violncia seria utilizada contra os grevistas, pouco importa se a greve era pacfica.

Em 17 de Maio de 1906 o Jornal Cidade de Campinas, informa que a situao em Jundia e

Rio Claro da mais completa tranquilidade. Na cidade de Campinas, informa o jornal, os

nimos s se alarmaram quando soldados que chegavam de So Paulo excederam-se dando

coronhas em algumas pessoas que gritavam contra os policiais chegados da Capital: O dr.

Bandeira de Melo (delegado de Campinas) comunicou o facto ao comandante do

destacamento para que ele providenciasse. No incio da noite os grevistas fizeram umareunio, com cerca de 2000 pessoas, na qual decidiram pela manuteno da greve. Na

reunio tambm estava presente o delegado de polcia: O dr. Bandeira de Mello pronunciou

tambm rpida(s) palavras aconselhando calma aos operrios em greve. A reunio dissolveu-

se na melhor ordem, s 7 horas da noite.

O debate sobre a greve tambm acontecia nos tribunais. Em 23 de Maio de 1906, o

advogado da Liga Operria de Jundia, Affonso Celso Garcia, apresentou habeas corpus27

preventivo em favor dos membros da Liga, ameaados de priso. Alegava o defensor que

uma das armas que move a classe operria para realizar as suas reivindicaes ,

incontestavelmente, a greve e que nenhum governo vedar a greve sem golpear a

liberdade de trabalho, a liberdade de associao, a liberdade de reunio, trs direitos que a

lei suprema dos povos cultos consagra como preciosa conquista. Sendo assim, as greves,

posto que condenadas em outros tempos, quando pacficas so hoje um direito incontestvel

no mundo civilizado28. No sendo proibidas as greves no Brasil, pedia-se o habeas corpus

164. No mesmo dia, o Segundo Delegado Auxiliar da Polcia do Estado de So Paulo, Augusto Pereira Leite,assegura aqueles que querem trabalhar a garantia da polcia, bem como que esta manter a ordem, em casode perturbao..25 ZAMBELLO, Marco Henrique. Ferrovia e memria: Estudo sobre o trabalho e a categoria dos antigosferrovirios da Vila Industrial de Campinas. Dissertao (Mestrado em Sociologia). Universidade de So Paulo.Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, 2005, p. 84.26LEME, Dulce Maria Pompeo de Camargo. Hoje h ensaio, p. 100.27A Liga Operria fez publicar o pedido de habeas corpus no Jornal Commrcio de So Paulo de 24 de Maio de1906, nas pginas 1 e 2.28A anlise da retrica do mundo civilizado de grande importncia para a compreenso do momento poltico


13/17


DOI 10.12957/dep.2013.7285


preventivo para que os membros da Liga no fossem presos ilegalmente pela polcia pelo

exerccio de um direito.29

A pea do advogado era uma afirmao da greve como exerccio de reivindicaes

dos operrios e uma defesa do direito de greve consagrado no mundo civilizado. Outros

habeas corpus foram impetrados alegando tambm haver uma quebra das garantias

constitucionais liberdade de ao, pensamento e locomoo, preservadas por qualquer

regime republicano.30

As greves, neste perodo, eram tratadas como rebelio e, ao serem combatidas com

energia, o governo e o capital mostravam sua fora sobre o trabalho. 31O direito de reunio,

garantido pela Constituio da Repblica era questionado: em nome da manuteno da

ordem, as pessoas foram perdendo a possibilidade de associarem livremente para reclamar e

solicitar providncias dos poderes pblicos, quando injustiados.32

Em 23 de maio de 1906, no Jornal Il Secolo, a Unio dos Trabalhadores Grficos

protestava contra a dissoluo de uma reunio pela polcia. Para eles a polcia atenta contra

a constituio do pas, pois que no estamos em estado de stio e por essa violncia policial

ser mais uma provocao ao operariado, a Unio vem protestar () Fabricam-se leis

librrimas neste pas, ao povo se promete um regime tranqilo, sem sombra de tirania e de

opresso, entretanto, tais leis no se executam e a fora armada, numa revoltante

parcialidade, tenta sufocar a voz dos operrios a fim de melhor garantir os ricos.

Pouco importava o direito de greve, as leis ou a constituio. A greve era considerada

uma perturbao a ordem e seria descrita como uma guerra,33como uma violao mxima

normalidade das coisas. Pouco importava se o servio era pblico ou privado, combater as

do pas. A Repblica o momento da entrada do discurso da modernidade no Brasil. O executivo, o legislativo eo judicirio de todos os mbitos uniam-se no compromisso com a superao do atraso colonial-monrquico,todos os esforos eram vlidos na tentativa de aproximar as cidades e a economia do pas com a esttica, atica, a higiene e a organizao europeias. Nesse sentido se tem a reforma Pereira Passos no Rio de Janeiro(prefeito indicado durante o governo Rodrigues Alves) e uma srie de construes legais a forjar um novocenrio brasileiro, da noite para o dia.29SILVEIRA SIQUEIRA, Gustavo. Histria do direito pelos movimentos sociais..., p. 105.30LEME, Dulce Maria Pompeo de Camargo. Hoje h ensaio, p. 119.31LEME, Dulce Maria Pompeo de Camargo. Hoje h ensaio, p.192.32LEME, Dulce Maria Pompeo de Camargo. Hoje h ensaio, p.192.33O Jornal Minas Geraes de 21 de Maio de 1906 descreve o clima de guerra no Estado de So Paulo, relatando omovimento dos quarteis e dos soldados para combater o movimento. No dia 23 de Maio de 1906 o mesmo

jornal noticia a censura que os telegrafos paulistas vinham sofrendo, assim como o pedido de auxilio feito peloGovernador paulista, Jorge Tibiri ao presidente da Repblica Rodrigues Alves. O jornal tambm noticia a visitado chefe de polcia a casa do Presidente da Cia. Paulista e Prefeito nomeado de So Paulo, Antonio Prado. Pradodizia-se satisfeito com a prontido da polcia para acabar com a greve.


14/17


DOI 10.12957/dep.2013.7285


greves era tarefa tambm do Estado:

Diante dos fatos, o presidente do Estado telegrafou ao presidente da Repblica,Rodrigues Alves, notificando a adeso da Mogiana e a provvel adeso das Docas deSantos e do pessoal da zona da Central. Em resposta, o presidente da Repblica

enviou vasos de guerra para o porto de Santos e a polcia teve ordens para adotarmedidas cade vez mais enrgicas.34

A jovem Repblica, no podia permitir perturbaes como as grandes greves. Para se

afirmar, direitos eram restringidos, afastando-se, sejam as garantias constitucionais, sejam

as garantias jurdicas consagradas naquele perodo. Mas claro que, no discurso, a Repblica

no poderia demonstrar este combate. Sob o argumento de se combater as greves violentas,

a polcia e as foras armadas eram mobilizadas para combater greves (violentas ou no).

Em 21 de Maio de 1906 chegou ao porto de Santos o cruzador Barroso, moderna

arma naval de guerra da poca.35O cruzador Tiradentes foi enviado para Santos em 26 de

Maio de 1906.36 Navios de guerra e soldados foram enviados para evitar a propagao da

greve.

4. Consideraes Finais

Da anlise das fontes primrias combinadas com a construo terico-tcnica do

perodo objeto deste artigo, se conclui que a positivao de um direito no significa seu

exerccio, ou melhor, a positivao de um direito apenas uma parte do longo processo de

luta pela sua efetiva existncia. Isto significa dizer que um direito o resultado de batalhas

entre atores que se colocam em distintos locais de poder, e s legitimado um direito pode

ser exercido por e contra todos.

No caso especfico estudado, o direito de greve, mesmo consagrado nos mbitos

jurdicos, era constantemente violado por um Estado republicano que se forjava em meio

construo da modernidade no Brasil e suas diversas tradues peculiares - e que se

preocupava mais com os prejuzos econmicos do que os direitos naquele perodo. Para

34LEME, Dulce Maria Pompeo de Camargo. Hoje h ensaio, pp. 100-101.35Notciado pelo Jornal Commrio do Rio de Janeiro de 22 de Maio de 1906.36Notciado pelo Jornal Commrio do Rio de Janeiro de 27 de Maio de 1906.


15/17


DOI 10.12957/dep.2013.7285


satisfazer seus interesses, e de particulares travestidos, tal nascente Estado viola direitos dos

cidados. Ao mesmo tempo que o direito de greve visto como dado nos pases civilizados,

combatido como fato poltico em meio ao processo civilizatrio brasileiro.

Assim, importante perceber que o direito de greve estava na conscincia dos

trabalhadores e de parte da sociedade brasileira. Por mais que no fosse positivado, tal

direito era reconhecido e simultaneamente combatido pelo Estado.

A criminalizao da greve na dcada de 30, no esgota os sentimentos e a conscincia

jurdica em relao a este direito. Em verdade, j antes o Estado h de ser entendido como o

principal agente das aes ilegais, em relao direta com a existncia de um sentimento de

juridicidade em relao greve. Ou seja, a criminalizao demonstra como o processo de

construo de um direito tambm sujeito a tropeos, no linearidade, a contratempos e

contradies.37

Sendo assim, a metodologia aqui empregada a da histria do direito - no pode

conceber seu objeto e seu sujeito de forma esttica e progressista, ela mesmo feita de

falhas, contingncias, violncias e, essencialmente, luta por direitos. possvel afirmar que o

direito de greve existiu na Primeira Repblica, enquanto exerccio de direito e enquanto

exerccio da poltica, e que a sua criminalizao no Estado Novo no ps fim sua forma de

luta constante at como processo de construo e afirmao de um ator coletivo, que

influencia e influenciado pela forma do Estado.

Se as leis, a jurisprudncia e a doutrina dariam apenas uma viso romntica do

recorte temporal apresentado, ou seja, por estas fontes o direito se daria por garantido,

preciso verificar quais experincias e seus relatos - existiam em torno de determinado

direito. Por isto interessante ver, como, por exemplo, os movimentos sociais, podem

enriquecer a histria do direito, trazendo novos elementos para o debate e, essencialmente,

possibilitando novas interpretaes das infinitas experincias jurdicas possveis.

Entendendo as experincias jurdicas como todas as relaes possveis com o

sentimento de jurdico (incluindo suas violaes e interpretaes contraditrias), para alm

das leis e para alm dos valores e sentimentos positivados (ou no) por elas 38 (aqui,

37CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Democracia sem espera e processo de constitucionalizao Umacrtica aos discursos oficiais sobre a chamada transio poltica brasileira. In CATTONI DE OLIVEIRA, MarceloAndrade e MACHADO, Felipe (Coord.). Constituio e Processo: A resposta do constitucionalismo banalizao do terror.Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 367-399.38SILVEIRA SIQUEIRA, Gustavo. Histria do direito pelos movimentos sociais..., p. 73.


16/17


DOI 10.12957/dep.2013.7285


portanto, tambm da prpria historiografia) pode-se, cada vez mais, incluir cores, desenhos,

vidas e pinturas, nestas linhas, muitas vezes pintadas de preto e branco, da histria do

direito.

Referncias Bibliogrficas

BENCHIMOL, Jaime Larry. Pereira Passos: um Haussmann tropical. Rio de Janeiro:SecretariaMunicipal de Cultura, Turismo e Esportes, 1990.

CARVALHO, Jos Murilo de. Os bestializados: O Rio de Janeiro e a Repblica que no foi.So Paulo: Companhia das Letras, 1987

CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Democracia sem espera e processo deconstitucionalizao Uma crtica aos discursos oficiais sobre a chamada transio polticabrasileira. In CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade e MACHADO, Felipe (Coord.).Constituio e Processo: A resposta do constitucionalismo banalizao do terror.BeloHorizonte: Del Rey, 2009.

COSTA, Pietro. The Rule of Law: A Historical Introduction in COSTA, Pietro; ZOLO, Danilo(orgs). The rule of law.Dordrecht: Springer, 2007

GOMES, ngela de Castro. A inveno do trabalhismo.3 Ed. Rio de Janeiro: FGV, 2005

HESPANHA, Antnio Manuel. Cultura jurdica europia: Sntese de um milnio.Florianpolis: Fundao Boiteux, 2005.

HUNGRIA, Nelson. Compndio de direito penal. Rio de Janeiro: Jacyntho, 1936.

LEME, Dulce Maria Pompeo de Camargo. Hoje h ensaio: a greve dos ferrovirios da CiaPaulista 1906. Dissertao (Mestrado em Sociologia). Universidade Estadual de Campinas,1984.

MATTOS, Marcelo Badar. Trabalhadores e sindicatos no Brasil. So Paulo: Editora ExpressoPopular, 2009.

MORAES, Evaristo de. Apontamentos de direito operrio. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional,1905.

NOMELINI, Paulo Christina Bin. Mutualismo em Campinas no incio do sculo XX:possibilidades para o estudo dos trabalhadores. Revista Mundos dos Trabalhadores, vol.2,n.5, agosto-dezembro de 2010, pp.143-173.


17/17


DOI 10.12957/dep.2013.7285


Revista do Supremo Tribunal Federal de Outubro de 1920, Fasc. 1, volume XXV, Rio deJaneiro, pp. 149-150 (HC n 5.910)

SILVEIRA SIQUEIRA, Gustavo. Histria do direito pelos movimentos sociais: cidadania,experincias e antropogafia jurdica nas estradas de ferro (Brasil, 1906). Tese. 207fls.(Doutorado em Direito). Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. BeloHorizonte, 2011.

ZAMBELLO, Marco Henrique. Ferrovia e memria: Estudo sobre o trabalho e a categoria dosantigos ferrovirios da Vila Industrial de Campinas. Dissertao (Mestrado em Sociologia).Universidade de So Paulo. Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, 2005.

Peridicos:

Revista do Supremo Tribunal Federal de Outubro de 1920, Fasc. 1, volume XXV, Rio deJaneiro, pp. 149-150 (HC n 5.910)

Os jornais foram consultados no Arquivo Edgard Leuenroth da UniversidadeEstadual de Campinas Unicamp. Os jornais de Minas Gerais foram consultados naHemeroteca da Biblioteca Pblica Estadual de Minas Gerais Luiz de Bessa.

Jornal Cidade de Campinas

Jornal Commrcio de So Paulo

Jornal Commrio do Rio de Janeiro

Jornal A Terra Livre

Documents

Tratamento Jurídico da greve.pdf