Trecho Arquetipo Jung

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Trechos sobre Arqutipo nas Obras Completas de C. G. Jung Texto: O Inconsciente pessoal e o inconsciente suprapessoal ou coletivo 1916. Afora as recordaes pessoais, existem em cada indivduo as grandes imagens primordiais, como foram designadas acertadamente por Jackob Burckhardt, ou seja, a aptido hereditria da imaginao humana de ser como era nos primrdios... Isso no quer dizer, em absoluto, que as imaginaes sejam hereditrias; hereditria apenas a capacidade de ter tais imagens, o que bem diferente. A caracterizao de duas camadas no inconsciente. Temos que distinguir o inconsciente pessoal do inconsciente impessoal ou suprapessoal. Chamamos este ltimo de inconsciente coletivo, porque desligado do inconsciente pessoal e por ser totalmente universal; E tambm porque seus contedos podem ser encontrados em toda parte, o que obviamente no o caso dos contedos pessoais. O inconsciente coletivo representa a parte objetiva do psiquismo; o inconsciente pessoal, a parte subjetiva. O inconsciente pessoal contm lembranas perdidas, reprimidas ( propositalmente esquecidas), evocaes dolorosas, percepes que, por assim dizer, no ultrapassaram o limiar da conscincia ( subliminais), isto , percepes dos sentidos que por falta de intensidade no atingiram a conscincia e contedos que ainda no amadureceram para a conscincia. Muitas vezes j me perguntaram de onde provm esses arqutipos ou imagens primordiais. Suponho que sejam sedimentos de experincias constantemente revividas pela humanidade. ...O arqutipo uma espcie de prontido para reproduzir constantemente as mesmas idias mticas... Parece que aquilo que se impregna no inconsciente exclusivamente a idia da fantasia subjetiva provocada pelo processo fsico. Logo, possvel supor que os arqutipos sejam as impresses gravadas pela repetio de reaes subjetivas. bvio que tal suposio s posterga a soluo do problema. Nada nos impede de supor que certos arqutipos j estejam presentes nos animais, pertenam ao sistema da prpria vida e, por conseguinte, sejam pura expresso da vida, cujo modo de ser dispensa qualquer outra explicao. Ao que parece, os arqutipos no so apenas impregnaes de experincias tpicas, incessantemente repetidas, mas tambm se comportam empiricamente como foras ou tendncias repetio das mesmas experincias. Cada vez que um arqutipo aparece em sonho, na fantasia ou na vida, ele traz consigo uma influncia especfica ou uma fora que lhe confere um efeito numinoso e fascinante ou que impele ao. Esta a manifestao caracterstica do arqutipo: uma espcie de fora primordial se apodera da psique e a impele a transpor os limites do humano dando origem aos excessos, presuno ( inflao!), compulso, iluso ou comoo, tanto no bem como no mal. A est a razo porque os homens sempre precisaram dos demnios e no puderam prescindir dos deuses. O homem tem o direito de achar sua razo bela e perfeita, mas nunca, em hiptese alguma, ela deixar de ser apenas uma das funes espirituais possveis, e s cobrir o lado dos fenmenos do mundo que lhe diz respeito. A razo, porm, rodeada de todos os lados pelo irracional, por aquilo que no concorda com ela. Essa irracionalidade tambm uma

funo psquica, o inconsciente coletivo, enquanto a razo essencialmente ligada ao consciente. Assim que comeamos a falar do inconsciente coletivo, ns nos colocamos numa esfera, numa etapa do problema que no pode ser levada em conta no incio da anlise prtica de jovens ou de pessoas que ficaram por demasiado tempo no estgio infantil. Quando as imagens de pai e me ainda tm que ser superadas e quando ainda tem que ser conquistada uma parcela de experincia da vida exterior, que o homem comum possui naturalmente, melhor nem falar de inconsciente coletivo, nem do problema dos contrrios. Mas, assim que as coisas transmitidas pelos pais e as iluses juvenis estiverem superadas ou, pelo menos, a ponto de serem superadas, est na hora de falar do problema dos contrrios e do inconsciente coletivo. Neste ponto j nos encontramos fora do alcance das redues freudianas e adlerianas. O que nos preocupa no mais a questo de como desembaraar-se de todos os empecilhos ao exerccio de uma profisso, ao casamento ou a fazer qualquer coisa que signifique expanso da vida. Estamos diante do problema de encontrar o sentido que possibilite o prosseguimento da vida ( entendendo-se por vida algo mais do que simples resignao ou saudosismo). A camada pessoal termina com as recordaes infantis mais remotas; o inconsciente coletivo, porm, contm o tempo pr-infantil, isto , os restos da vida dos antepassados. As imagens das recordaes do inconsciente coletivo so imagens no preenchidas, por serem formas no vividas pessoalmente pelo indivduo. Quando, porm, a regresso da energia psquica ultrapassa o prprio tempo da primeira infncia, penetrando nas pegadas ou na herana da vida ancestral, a despertam os quadros mitolgicos: os arqutipos. Abre-se ento um mundo espiritual interior, de cuja existncia nem sequer suspeitvamos. ( Nota: o leitor ver que aqui se insere um elemento novo no conceito de arqutipo, que no tinha sido mencionado antes. Essa mistura no significa uma falta de clareza involuntria, mas uma ampliao intencional do arqutipo, atravs do importantssimo fator do carma da filosofia indiana. O aspecto do carma indispensvel compreenso mais profunda da natureza de um arqutipo). Os acontecimentos indizveis provocados pela regresso ao tempo pr-infantil no exigem sucedneos, mas uma realizao individual na vida e na obra de cada um. Aquelas imagens se formaram a partir da vida, do sofrimento e da alegria dos antepassados e querem voltar de novo vida, com experincia e como ao. Mas por causa de sua oposio conscincia no podem ser traduzidas imediatamente para o nosso mundo, mas preciso achar um caminho intermedirio conciliatrio entre a realidade consciente e a inconsciente. Texto : Os arqutipos do inconsciente coletivo 1916. S a partir do Iluminismo que se passou a negar a existncia real dos deuses e a consider-los como projees. Foi o fim dos deuses, mas no da funo psquica correspondente, que ficou reprimida no inconsciente. Isso fez com que o prprio homem ficasse intoxicado por um excesso de libido, antes aplicada ao culto da imagem divina. A desvalorizao e represso de uma funo to importante como a religiosa tem, naturalmente, enormes repercusses na psicologia do indivduo. Pelo refluxo dessa libido, o inconsciente se fortalece extraordinariamente, passando a exercer uma influncia colossal

sobre a conscincia, atravs de seus contedos arcaicos coletivos. O perodo do Iluminismo encerrou-se, como sabido, com os horrores da Revoluo Francesa. Nos dias de hoje, estamos presenciando novamente ao levante das foras destrutivas inconscientes da psique coletiva. O resultado foi um morticnio em massa, sem precedentes. No h outra soluo a no ser reconhecer o irracional como funo psquica necessria, porque sempre presente, e considerar os seus contedos, no como realidades concretas ( o que seria um retrocesso!), mas como realidades psquicas realidades, uma vez que so atuantes, isto , verdadeiras. O inconsciente coletivo uma figurao do mundo, representando a um s tempo a sedimentao multimilenar da experincia. Com o correr do tempo, foram-se definindo certos traos nessa figurao. So os denominados arqutipos ou dominantes os dominadores, os deuses, isto , configuraes das leis dominantes e dos princpios que se repetem com regularidade medida que se sucedem as figuraes, as quais so continuamente revividas pela alma.( Nota: como j dissemos acima, os arqutipos podem ser interpretados como efeito e sedimento de experincias realizadas, mas tambm se manifestam como fatores que provocam tais experincias). Na medida em que essas figuraes so retratos relativamente fiis dos acontecimentos psquicos, os seus arqutipos, ou melhor, as caractersticas gerais que se destacam no conjunto das repeties de experincias semelhantes, tambm correspondem a certas caractersticas gerais de ordem fsica. Este o motivo pelo qual possvel transferir figuraes arquetpicas, como conceitos ilustrativos da experincia diretamente ao fenmeno fsico ao ter, o elemento arcaico do sopro ou da alma, representado na imaginao geral, ou energia, a fora mgica outra idia universalmente difundida. Devido ao seu parentesco com as coisas fsicas, os arqutipos quase sempre se apresentam em forma de projees, e quando estas so inconscientes, manifestam-se nas pessoas com quem se convive, subestimando ou sobre-estimando-as, provocando desentendimentos, discrdias, fanatismos e loucuras de todo tipo. O conhecimento dos arqutipos significa um avano importante. O efeito mgico ou demonaco sobre a pessoa do outro desaparece, porque a sensao perturbadora restituda a uma dimenso definitiva do inconsciente coletivo. Em compensao, -nos proposta uma tarefa totalmente nova: a questo de como e de que maneira o eu deve lidar com esse noeu psicolgico. imprescindvel reunificar essas duas partes; em caso contrrio, no haveria dvida quanto ao resultado: o inevitvel aniquilamento do primitivo, pela represso. O nico meio de evit-lo que uma religio vlida, ainda viva, proporcione condies satisfatrias para que o homem primitivo se exprima atravs de uma simbologia fartamente desenvolvida. Em seus dogmas e ritos, essa religio necessita de imaginao e ao, inspiradas no que h de mais arcaico. Isso se d no catolicismo: sua maior fora, mas tambm o seu maior perigo. Os contedos do inconsciente coletivo so, no s os resduos de modos arcaicos de funes especificamente humanas, como tambm os resduos das funes da sucesso de antepassados animais do homem, cuja durao foi infinitamente maior do que a poca relativamente curta do existir especificamente humano. ( Nota: Hans Ganz, em sua dissertao filosfica sobre o inconsciente em Leibniz, 1917, recorreu teoria do engrama de Semon, para explicar o inconsciente coletivo. O conceito de Semon da

mnemeantropolgica cobre apenas parcialmente o conceito por mim elaborado do inconsciente coletivo). Tais resduos, ou para usar a expresso de Semon os engramas, quando ativos, tm a propriedade no s de interromper o desenvolvimento, como tambm de faz-lo regredir, enquanto no estiver consumida toda a energia ativada pelo inconsciente coletivo. Mas a energia ser recuperada, quando pudermos tomar conscincia dela pela confrontao consciente com o inconsciente coletivo. As religies estabeleceram de modo concretstico esse circuito energtico, atravs da relao cultual com os deuses. Mas esta soluo fica fora de cogitao para ns por ser grande demais a sua contradio com o intelecto e sua moral de reconhecimento; alm disso foi, historicamente, totalmente superada pelo cristianismo. Mas quando concebemos as figuras do inconsciente como fenmenos ou funes da psique coletiva, no entramos em contradio com a conscincia intelectual. uma soluo racionalmente aceitvel. Com isso adquirimos tambm a possibilidade de lidar com os resduos ativados da nossa histria antropolgica, o que permitir que se transponha a linha divisria anteriormente existente. Por isso, chamei-lhe funo transcendente, porque equivale a uma evoluo progressiva para uma nova atitude. Texto: Inconsciente pessoal e inconsciente coletivo - 1916 geralmente conhecido o ponto de vista freudiano segundo o qual os contedos do inconsciente se reduzem s tendncias infantis reprimidas, devido sua incompatibilidade de seu carter. A represso um processo que se inicia na primeira infncia sob a influncia moral do ambiente, perdurando atravs de toda a vida. Mediante a anlise, as represses so abolidas e os desejos reprimidos conscientizados. O inconsciente possui, alm deste, um outro aspecto, incluindo no apenas contedos reprimidos, mas todo o material psquico que subjaz ao limiar da conscincia. impossvel explicar pelo princpio da represso a natureza subliminal de todo este material; caso contrrio, a remoo das represses proporcionaria ao indivduo uma memria fenomenal, qual nada escaparia. Alm do material reprimido, o inconsciente contm todos aqueles componentes psquicos subliminais, inclusive as percepes subliminais dos sentidos. Tambm inclui componentes que ainda no alcanaram o limiar da conscincia. Constituem eles as sementes de futuros contedos conscientes. O inconsciente jamais se acha em repouso, no sentido de permanecer inativo, mas est sempre empenhado em agrupar e reagrupar seus contedos. S em casos patolgicos tal atividade pode tornar-se completamente autnoma; de um modo normal ela coordenada com a conscincia, numa relao compensadora. Pode-se afirmar que esses contedos so pessoais, na medida em que forem adquiridos durante a existncia do indivduo. Sendo esta ltima limitada, tambm deveria ser limitado o nmero de contedos adquiridos e depositados no inconsciente. Se assim fosse, haveria a possibilidade de esgotar o inconsciente mediante a anlise ou o inventrio exaustivo dos contedos inconscientes; isto, se admitssemos o fato de que o inconsciente no pode produzir algo diferente dos contedos j conhecidos e recolhidos pela conscincia. Os contedos inconscientes so de natureza pessoal quando podemos reconhecer em nosso passado seus efeitos, sua manifestao parcial, ou ainda sua origem especfica. So partes integrantes da personalidade, pertencem a seu inventrio e sua perda produziria na conscincia, de um modo u de outro, uma inferioridade. A natureza desta inferioridade no

seria psicolgica como no caso de uma mutilao orgnica ou de um defeito de nascena, mas o de uma omisso que geraria um ressentimento moral. Trata-se de uma imagem histrica que se propagou universalmente e irrompe de novo na existncia atravs de uma funo psquica natural...Minha paciente veio ao mundo com um crebro humano cujas funes continuam a ser as mesmas que entre os antigos germanos. o caso de um arqutipo reativado, nome com que designei estas imagens primordiais. Mediante a forma primitiva e analgica do pensamento peculiar aos sonhos, essas imagens arcaicas so restitudas vida. No se trata de idias inatas, mas de caminhos virtuais herdados. O inconsciente contm, no s componentes de ordem pessoal, mas tambm impessoal, coletiva, sob a forma de categorias herdadas ou arqutipos. Texto: Fenmenos resultantes da assimilao do inconsciente Nossa psique consciente e pessoal repousa sobre a ampla base de uma disposio psquica herdada e universal, cuja natureza inconsciente; a relao da psique pessoal com a psique coletiva corresponde, mais ou menos, relao do indivduo com a sociedade. Do mesmo modo que o indivduo no apenas um ser singular e separado, mas tambm um ser social, a psique humana tambm no algo isolado e totalmente individual, mas tambm um fenmeno coletivo. E assim como certas funes sociais ou instintos se opes aos interesses dos indivduos particulares, do mesmo modo a psique humana dotada de certas funes ou tendncias que, devido sua natureza coletiva, se opem s necessidades individuais. Isto se deve ao fato do homem nascer com um crebro altamente diferenciado, que o dota de uma ampla faixa de funes mentais possveis; estas no foram adquiridas ontogeneticamente, nem foram por ele desenvolvidas. Na medida em que os crebros humanos so uniformemente diferenciados, nessa mesma medida a funo mental possibilitada coletiva e universal. Assim que se explica o fato de que os processos inconscientes dos povos e raas, separados no tempo e no espao, apresentem uma correspondncia impressionante, que se manifesta, entre outras coisas, pela semelhana fartamente confirmada de temas e formas mitolgicas autctones. A semelhana universal dos crebros determina a possibilidade universal de uma funo mental similar. Esta funo a psique coletiva. Na medida em que h diferenciaes correspondentes raa, tribo ou mesmo famlia, tambm h uma psique coletiva que pertence raa, tribo e famlia, alm de uma psique coletiva universal. Empregando uma expresso de Janet (1909), a psique coletiva compreende as parties infrieures das funes psquicas, isto , a parte solidamente fundada, herdada e que, por assim dizer, funciona automaticamente, sempre presente ao nvel impessoal ou suprapessoal da psique individual. Quanto ao consciente e inconsciente pessoais, podemos dizer que constituem as parties suprieures das funes psquicas, isto , a parte adquirida e desenvolvida ontogeneticamente. Por conseguinte, o indivduo que incorporar a priori e inconscientemente a psique coletiva preexistente, a seu prrio patrimnio ontogentico, como se a primeira fosse parte deste ltimo, estender de modo ilegtimo os limites de sua personalidade, com as conseqncias correspondentes. Texto: Anima e Animus

Sabemos que toda e qualquer experincia humana s possvel, dada a presena de uma predisposio subjetiva. Mas em que consiste essa predisposio? Em ltima instncia, consiste numa estrutura psquica inata, que permite ao homem ter tais experincias. Assim, todo o ser do homem, corporal e espiritualmente, j pressupe o da mulher. Seu sistema est orientado a priori para ela, do mesmo modo que para um mundo bem definido, em que h gua, luz, ar, sal, hidratos de carbono, etc. A forma do mundo em que nasceu j inata no homem, como imagem virtual. Assim que pais, mulher, filhos, nascimento e morte so, para ele, imagens virtuais, predisposies psquicas. Tais categorias apriorsticas so de natureza coletiva: imagens de pais, mulher, filhos em geral, e no constituem predestinaes individuais. Devemos pensar nestas imagens como isentas de um contedo, sendo portanto inconscientes. Elas adquirem contedo, influncia e por fim tornam-se conscientes, ao encontrarem fatos empricos que tocam a predisposio inconsciente, infundindo-lhe vida. Num certo sentido, so sedimentos de todas as experincias dos antepassados, mas no essas experincias em si mesmas. ( Devo confessar que at agora no encontrei uma prova infalvel da herana das imagens mnemnicas; em todo o caso no posso assegurar a impossibilidade absoluta de que, ao lado desses sedimentos coletivos, desprovidos de qualquer carter especfico individual, possam ocorrer memrias hereditrias individualmente determinadas). No fundo, o fator histrico no se liga apenas ao arqutipo do feminino, mas tambm ao arqutipo em geral, isto , a todas as unidades herdadas, sejam elas fsicas ou espirituais. Nossa vida continua a ser como sempre foi. Em nossa mente nada h de transitrio, pois os processos fisiolgicos e psicolgicos dos homens que viveram h centenas de milhares de anos continuam dando-nos o sentimento ntimo e profundo da continuidade eterna do que vivo. Nosso si-mesmo, como sntese de nosso sistema vivo, no s contm o sedimento e a soma de toda a vida vivida, como tambm o ponto de partida, o ventre materno grvido de toda a vida futura e cujo pressentimento se encontra tanto no sentimento subjetivo, como no aspecto histrico. De tais bases psicolgicas brota legitimamente a idia de imortalidade. Texto: Instinto e inconsciente 1919. S se deveria considerar como instintos os processos inconscientes e herdados que se repetem uniformemente e com regularidade por toda parte. Ao mesmo tempo eles devem possuir a marca da necessidade compulsiva, ou seja, um carter reflexo. A intuio um processo anlogo ao instinto, apenas com a diferena de que, enquanto o instinto um impulso predeterminado que leva a uma atividade extremamente complicada, a intuio a apreenso teleolgica de uma situao, tambm extremamente complicada. Em certo sentido, a intuio o reverso do instinto. Eu defino o inconsciente como a totalidade de todos os fenmenos psquicos em que falta a qualidade da conscincia. O inconsciente o receptculo de todas as lembranas perdidas e de todos aqueles contedos que ainda so muito dbeis para se tornarem conscientes. Estes contedos so produzidos pela atividade associativa inconsciente que d origem tambm aos sonhos. Alm desses contedos devemos considerar tambm todas aquelas represses mais ou menos intencionais de pensamentos e impresses incmodas. soma de todos

estes contedos dou o nome de inconsciente pessoal. Mas afora esses, encontramos tambm as qualidades que no foram adquiridas individualmente mas so herdadas, ou seja, os instintos enquanto impulsos destinados a produzir aes que resultam de uma necessidade interior, sem uma motivao consciente. Devemos incluir tambm as formas a priori, inatas de intuio, quais sejam os arqutipos da percepo e da apreenso que so determinantes necessrias e a priori de todos os processos psquicos. Da mesma maneira como os instintos impelem o homem a adotar uma forma de existncia especificamente humana, assim tambm os arqutipos foram a percepo e a intuio a assumirem determinados padres especificamente humanos. Os instintos e os arqutipos formam conjuntamente o inconsciente coletivo...O instinto essencialmente um fenmeno de natureza coletiva, isto , universal e uniforme, que nada tem a ver com a individualidade do ser humano. Os arqutipos tm esta mesma qualidade em comum com os instintos, isto , so fenmenos coletivos. Nota: Os termos imagem primordial e arqutipo so usados aqui e em outros escritos em sentido equivalente. Isto deu origem opinio errnea de que Jung pressupe a hereditariedade das representaes ( idias ou imagens), ponto de vista este que Jung retificou por vrias vezes. Mas a expresso imagem primordial em si sugere um contedo muito mais preciso do que o termo arqutipo, que como o prprio Jung explica em outro local representa um contedo essencialmente inconsciente e conseqentemente desconhecido, um fator formativo ou um elemento estrutural. O arqutipo s se herda enqunto elemento estrutural, como fator ordenado presente no inconsciente, ao passo que a imagem ordenadapor ele e percebida pela conscincia volta sempre a aparecer como variante subjetiva na vida de cada indivduo. Os instintos so formas tpicas de comportamento, e todas as vezes que nos deparamos com formas de reao que se repetem de maneira uniforme e regular, trata-se de um instinto, quer esteja associado a um motivo consciente ou no. Plato confere um valor extraordinariamente elevado aos arqutipos como idias metafsicas, em relao s quais as coisas reais se comportam meramente como imitaes, cpias. Como bem se sabe, a filosofia medieval desde Agostinho do qual tomei emprestado a idia de arqutipo at Malebranche e Bacon ainda se encontra em terreno platnico, sob este aspecto, embora na escolstica j desponte a noo de que os arqutipos so imagens naturais gravadas no esprito humano, e com base nas quais este forma os seus juzos. O termo archetypus se encontra em Dionsio Areopagita e no Corpus Hermeticum. Assim nos diz Herbert of Cherbury: Os instintos naturais so atos daquelas faculdades de onde derivam aqueles conhecimentos gerais ( numa analogia interior com as coisas naturais) que se formam de maneira espontnea e no-discursiva quando se tem por objeto a causa, o meio e a finalidade das coisas boas, o mal, o belo, o agradvel, etc. A partir de Descartes e Malebranche, porm, o valor metafsico da idia, do arqutipo, declina sensivelmente. Torna-se um pensamento, uma condio interna do conhecimento, como o diz claramente Spinoza: Por idia entendo um conceito da mente que a mente forma. Finalmente Kant reduz os arqutipos a um reduzido nmero de categorias da razo. Schopenhauer vai mais longe ainda no processo de simplificao, embora ao mesmo tempo volte a conferir um valor quase platnico aos arqutipos.

A maneira como o homem retrata interiormente o mundo , apesar de todas as diferenas de detalhes, to uniforme e regular como seu comportamento instintivo. Da mesma forma como somos obrigados a formular o conceito de um instinto que regula ou determina o nosso comportamento consciente, assim tambm, para explicar a uniformidade e a regularidade de nossas percepes, precisamos de um conceito correlato de um fator que determina o modo de apreenso. precisamente a este fator que eu chamo de arqutipo ou imagem primordial. A imagem primordial poderia muito bem ser descrita como a percepo do instinto de si mesmo ou como o auto-retrato do instinto, semelhana da conscincia que nada mais , tambm, do que uma percepo interior do processo vital objetivo. D mesmo modo como a apreenso consciente imprime forma e finalidade ao nosso comportamento, assim tambm a apreenso inconsciente determina a forma e a destinao do instinto, graas ao arqutipo. Assim como dizemos que o instinto refinado, assim tambm a intuio, que pe em ao o instinto, isto , a apreenso mediante o arqutipo, de incrvel preciso. A psicologia analtica deve se ocupar diariamente, junto a pessoas sadias e enfermas, com perturbaes das imagens primordiais no processo de apreenso consciente. As aes exageradas devidas interferncia do instinto so provocadas pelas formas intuitivas de apreenso postas em ao pelos arqutipos, formas estas que nos levam a impresses superintensas e muitas vezes verdadeiramente distorcidas. Os arqutipos so formas de apreenso, e todas as vezes que nos deparamos com formas de apreenso que se repetem de maneira uniforme e regular, temos diante de ns um arqutipo, quer reconheamos ou no o seu carter mitolgico. O inconsciente coletivo constitudo pela soma dos instintos e dos seus correlatos, os arqutipos. Assim como cada indivduo possui instintos, possui tambm um conjunto de imagens primordiais. A prova convincente disto encontramo-la antes de tudo na psicopatologia das perturbaes mentais em que h irrupo do inconsciente coletivo. o que acontece na esquizofrenia. Aqui podemos observar a emergncia de impulsos arcaicos, associados a imagens inequivocamente mitolgicas. Na minha opinio impossvel dizer o que vem em primeiro lugar: se a apreenso ou o impulso a agir. Parece-me que os dois constituem uma s e mesma coisa, uma s e mesma atividade vital que temos de conceber como dois processos distintos, a fim de termos uma compreenso melhor. Texto: O significado da constituio e da herana para a psicologia 1929 A existncia do inconsciente coletivo indica que a conscincia individual no absolutamente isenta de pressupostos. Ao contrrio: acha-se condicionada em alto grau por fatores herdados, sem falar, evidentemente das inevitveis influncias que sobre ela exerce o meio ambiente. O inconsciente coletivo compreende toda a vida psquica dos antepassados desde os seus primrdios. o pressuposto e a matriz de todos os fatos psquicos e por isto exerce tambm uma influncia que compromete altamente a liberdade da conscincia, visto que tende constantemente a recolocar todos os processos conscientes em seus antigos trilhos. este perigo positivo que a explica a extraordinria resistncia que a conscincia contrape ao inconsciente. No se trata aqui da resistncia sexualidade,

destacada por Freud, mas de algo muito mais geral: o medo instintivo de perder a liberdade da conscincia e de sucumbir ao automatismo da psique inconsciente. Para certos tipos de pessoas o perigo parece consistir na sexualidade, porque a que elas temem perder sua liberdade. Para outros, o perigo se situa em regies inteiramente diversas, precisamente sempre onde se nota uma certa fraqueza, ou seja, portanto, onde no possvel opor uma alta barragem ao inconsciente. Texto: Determinantes psicolgicas do comportamento humano 1936 Os fatores psquicos que determinam o comportamento humano so sobretudo os instintos enquanto foras motivadoras do processo psquico. Considero a compulsividade caracterstica do instinto como um fator extrapsquico, o qual, no entanto, psicologicamente importante, porque produz estruturas que podemos considerar como determinantes do comportamento humano...Nestas circunstncias, o fator determinante imediato no o instinto extrapsquico, mas a estrutura que resulta da interao do instinto com a situao do momento. O fator determinante seria, por conseguinte, um instinto modificado, e o que a acontece talvez tenha o mesmo significado que a diferena entre a cor que ns vemos e o comprimento objetivo de onda que a ocasiona. O instinto como fator extrapsquico desempenharia o papel de mero estmulo. O instinto como fenmeno psquico seria, pelo contrrio, uma assimilao do estmulo a uma estrutura psquica complexa que eu chamo psiquificao. Assim, o que chamo simplesmente instinto seria um dado j psiquificado de origem extrapsquica. O instinto psiquificado perde sua inequivocidade at certo ponto, e ocasionalmente chega a ficar sem sua caracterstica mais essencial que a compulsividade, porque j no mais um fato extrapsquico inequvoco mas uma modificao ocasionada pelo encontro com o dado psquico. Como fator determinante o instinto varivel, e, por isso, passvel de diferentes aplicaes. Qualquer que seja a natureza da psique, ela dotada de extraordinria capacidade de variao e transformao. Instinto de auto-conservao ( fome), instinto de conservao da espcie ( sexualidade), impulso ao ( impulso a viajar, o amor mudana, o desassossego e o instinto ldico), instinto de reflexo, instinto criativo... Do ponto de vista psicolgico possvel distinguir cinco grupos principais de fatores instintivos, a saber: a fome, a sexualidade, a atividade, a reflexo e a criatividade. Em ltima anlise, os instintos so certamente determinantes extrapsquicas. Texto: A estrutura da alma 1928 Devemos distinguir, por assim dizer, trs nveis psquicos, a saber: 1) a conscincia; 2) o inconsciente pessoal que se compe, primeiramente, daqueles contedos que se tornam inconscientes, seja porque perderam sua intensidade e, por isto, caram no esquecimento, seja porque a conscincia se retirou deles ( a chamada represso) e, depois, daqueles contedos, alguns dos quais percepes sensoriais, que nunca atingiram a conscincia, por causa de sua fraqussima intensidade, embora tenham penetrado de algum modo na conscincia e 3) o inconsciente coletivo, que, como herana imemorial de possibilidades de

representao, no individual, mas comum a todos os homens e mesmo a todos os animais, e constitui a verdadeira base do psiquismo individual. Todos estamos convencidos de que seria totalmente impossvel entender o organismo vivo sem considerar sua relao com as condies ambientais. ...O mesmo se pode dizer a respeito da alma. A sua organizao peculiar deve estar intimamente ligada s condies ambientais. Esperaramos que a conscincia reaja e se adapte apo presente, porque a conscincia , por assim dizer, aquela parte da alma que tem a ver sobretudo com fatos do momento, ao passo que do inconsciente coletivo, como psique atemporal e universal, esperaramos reaes s condies mais universais e permanentes, de carter psicolgico, fisiolgico e fsico. O inconsciente coletivo, at onde nos possvel julgar, parece ser constitudo de algo semelhante a temas ou imagens de natureza mitolgica, e, por esta razo, os mitos dos povos so os verdadeiros expoentes do inconsciente coletivo. Toda a mitologia seria um espcie de projeo do inconsciente coletivo....Podemos estudar o inconsciente coletivo de duas maneiras: na mitologia ou na anlise do indivduo. Da mesma forma que o organismo vivo com suas caractersticas especiais constitui um sistema de funes de adaptao s condies ambientais,assim tambm a alma deve apresentar aqueles rgos ou sistemas de funes que correspondem a acontecimentos fsicos regulares. No me refiro s funes sensoriais que dependem de rgos, mas, antes, a uma espcie de fenmenos psquicos paralelos aos fatos fsicos regulares. Ex: curso dirio do sol. O que podemos dizer sobre as imagens mticas , em primeiro lugar, que o processo fsico penetrou na psique claramente sob esta forma fantstica e distorcida e a se conservou, de sorte que o inconsciente ainda hoje reproduz imagens semelhantes. Surge a pergunta: por que a psique no registra o processo natural, mas unicamente as fantasias em torno do processo fsico? Se nos transportarmos para a mente do primitivo compreenderemos a razo. Ele vive num tal estado de particapation mystique , como Levy-Bruhl chamou este fato psicolgico, que entre o sujeito e o objeto no h aquela distino absoluta que se encontra na mente racional. O que acontece fora, acontece tambm dentro dele, e o que acontece dentro dele, acontece tambm fora. No so as tempestades, no so os troves e os relmpagos, nem a chuva e as nuvens que se fixam como imagens na alma, mas as fantasias causadas pelos afetos. Da mesma maneira que as condies do meia ambiente, as condies fisiolgicas, tambm as pulses glandulares provocam fantasias carregadas de afetos. A sexualidade aprece como um deus da fertilidade, como um demnio feminino ferozmente sensual,como o prprio diabo, com pernas caprinas dionisacas e gestos obscenos, ou como uma serpente terrificante que procura sufocar suas vtimas at a morte. As condies psicolgicas do meio ambiente naturalmente deixam traos mticos semelhantes atrs de si. Situaes perigosas, sejam elas perigos para o corpo ou ameaas para a alma, provocam fantasias carregadas de afeto, e na medida em que tais situaes se

repetem de forma tpica, do origem a arqutipos, nome que dei aos temas mticos similares em geral. O que dizer dos eventos mais corriqueiros, das realidades mais imediatas e mais prximas de ns, como o marido, a mulher, o pai, a me, os filhos? Os fatos mais comuns da vida cotidiana, que se repetem eternamente, produzem os arqutipos mais poderosos, cuja atividade incessante imediatamente reconhecvel em toda parte, mesmo em nossa poca racionalista. Tomemos como exemplos os dogmas cristos... A sedimentao de todas as poderosas experincias ancestrais de toda a humanidade ricas de afetos e de imagens com o pai, a me, os filhos, o marido e a mulher, com a personalidade mgica, com os perigos do corpo e da alma, erigiu este grupo de arqutipos em princpios formuladores e reguladores supremos da vida religiosa e at mesmo da vida poltica, num reconhecimento inconsciente de suas tremendas foras psquicas. O inconsciente, enquanto totalidade de todos os arqutipos, o repositrio de toadas as experincias humanas desde os seus mais remotos incios: no um repositrio morto por assim dizer um campo de destroos abandonados mas sistemas vivos de reaes e aptides, que determinam a vida individual por caminhos invisveis e, por isto mesmo, so tanto mais eficazes. Mas o inconsciente no , por assim dizer, apenas um preconceito histrico gigantesco; tambm a fonte dos instintos, visto que os arqutipos mais no so do que formas atravs das quais os instintos se expressam. Mas tambm da fonte viva dos instintos que brota tudo o que criativo; por isto, o inconsciente no s determinado historicamente, mas gera tambm o impulso criador semelhana da natureza que tremendamente conservadora e anula seus prprios condicionamentos histricos com seus atos criadores. O inconsciente coletivo a formidvel herana espiritual do desenvolvimento da humanidade que nasce de novo na estrutura cerebral de todo ser humano. A conscincia, ao invs, um fenmeno efmero, responsvel por todas as adaptaes e orientaes de cada momento, e por isso seu desempenho pode ser comparado muitssimo bem com a orientao no espao. O inconsciente, pelo contrrio, a fonte de toadas as foras instintivas da psique e encerra as formas ou categorias que as regulam, quais sejam precisamente os arqutipos. Todas as idias e representaes mais poderosas da humanidade remontam aos arqutipos. Isto acontece especialmente com as idias religiosas. Mas os conceitos centrais da Cincia, da Filosofia e da Moral tambm no fogem a esta regra. Na sua forma atual eles so variantes das idias primordiais, geradas pela aplicao e adaptao conscientes dessas idias realidade, pois a funo da conscincia no s a de reconhecer a assumir o mundo exterior atravs da porta dos sentidos, mas traduzir criativamente o mundo interior para a realidade visvel. Texto: Consideraes tericas sobre a natureza do psquico 1946 Os arqutipos, quando surgem, tm um carter pronunciadamente numinoso, que poderamos definir como espiritual, para no dizer mgico....Pode ser curativo ou destruidor, mas jamais indiferente, pressupondo-se, naturalmente, um certo grau de clareza. Este aspecto merece a denominao de espiritual por excelncia. Isto , acontece no raras vezes que o arqutipo aparece sob a forma de esprito nos sonhos ou nos produtos

da fantasia, ou se comporta inclusive como um fantasma. H uma aura mstica em torno de sua numinosidade, e esta exerce um efeito correspondente sobre os afetos. Ele mobiliza concepes religiosas e filosficas justamente em pessoas que se acreditam a milhas de distncia de semelhantes acessos de fraqueza. Freqentemente ele nos impele para o seu objetivo, com paixo inaudita e lgica implacvel que submete o sujeito ao seu fascnio, de que este, apesar de sua resistncia desesperada, no consegue e, finalmente, j no quer se desvencilhar, e no o quer justamente porque tal experincia traz consigo uma plenitude de sentido at ento considerada impossvel. Malgrado ou talvez por causa de sua afinidade com o instinto, o arqutipo representa o elemento autntico do esprito, mas de um esprito que no se deve identificar com o intelecto humano, e sim com o seu spiritus rector ( esprito que o governa). O contedo essencial de todas as mitologias e religies e de todos os ismos de natureza arquetpica. O arqutipo esprito e no-esprito, e o que ele , em ltima anlise, depende da atitude da conscincia. O arqutipo e o instinto constituem os opostos da mais extrema polaridade.... Um pressupe o outro como fatores correspondentes... ambos subsistem lado a lado como as idias que o homem tem a respeito dos opostos subjacentes a todo energismo psquico. O homem se encontra ao mesmo tempo como um ser impelido interiormente a agir, mas capaz de pensar e refletir. A confrontao com o arqutipo ou com o instinto um problema tico de primeira ordem, cuja urgncia, porm, s sentida por aquelas pessoas que se vem em face da necessidade de tomar uma deciso quanto assimilao do inconsciente e integrao de sua personalidade. Mas esta necessidade s acomete aqueles que se do conta de estarem com uma neurose ou de que nem tudo vai bem com sua constituio psquica. Mas estes, certamente, no so a maioria. O arqutipo natureza pura, no deturpada e a natureza que faz com que o homem pronuncie palavras e execute aes de cujo sentido ele no tem conscincia, e tanto no tem, que ele j nem pensa nelas. A natureza do arqutipo no devemos confundir as representaes arquetpicas que nos so transmitidas pelo inconsciente com o arqutipo em si. Essas representaes so estruturas amplamente variadas que nos remetem para uma forma bsica, irrepresentvel que se caracteriza por certos elementos formais e determinados significados fundamentais, os quais, entretanto, s podem ser apreendidos de maneira aproximativa. O arqutipo em si um fator psicide que pertence, por assim dizer, parte invisvel e ultravioleta do espectro psquico. Em si, parece que o arqutipo no capaz de atingir a conscincia....Qualquer coisa de natureza arquetpica percebida pela conscincia parece representar um conjunto de variaes sobre o mesmo tema fundamental....A verdadeira natureza do arqutipo incapaz de tornar-se consciente, quer dizer, transcendente, razo pelas qual eu a chamo de psicide. Alm disto, qualquer arqutipo torna-se consciente a partir do momento em que representado, e por esta razo difere, de maneira que no possvel determinar, daquilo que deu origem a essa representao....Aquilo que entendemos por arqutipo , em si, irrepresentvel, mas produz efeitos que tornam possveis certas visualizaes, isto , as representaes arquetpicas. Encontramos situao semelhante a esta na Fsica, onde as partes mnimas so em si irrepresentveis, mas produzem efeitos de

cuja natureza possvel deduzir um certo modelo. A representao arquetpica, o chamado tema ou mitologema, uma construo deste gnero. A conscincia do eu parece depender de dois fatores: primeiramente das condies da conscincia coletiva, isto , social, e em segundo lugar, depende dos arqutipos ou dominantes do inconsciente coletivo. Os arqutipos se dividem fenomenologicamente em duas categorias: uma instintiva e outra arquetpica. A primeira constituda pelos impulsos naturais, e a segunda pelas dominantes que irrompem na conscincia como idias universais....Um estudo consciencioso destes fenmenos nos mostraria sua imensa importncia e dificilmente podemos evitar a concluso de que entre a conscincia coletiva e o inconsciente coletivo h um contraste quase intransponvel no qual o prprio sujeito se acha envolvido. Via de regra a conscincia coletiva que prevalece com suas generalidades razoveis que no causam nenhuma dificuldade compreenso mediana. Ele continua a acreditar na conexo necessria entre causa e efeito e quase no tomou conhecimento do fato de que a causalidade foi relativizada ... Quando a conscincia subjetiva prefere as idias e opinies da conscincia coletiva e se identifica com elas, os contedos do inconsciente coletivo so reprimidos. A represso tem conseqncias tpicas: a carga energtica dos contedos se adiciona, at certo ponto, carga do fator repressivo cuja importncia efetiva aumente em conseqncia disto. ( Nota: muito provvel que os arqutipos enquanto instintos possuam uma energia especfica que no lhe pode ser tirada com o decorrer do tempo. A energia peculiar do arqutipo normalmente no suficiente para eleva-lo at a conscincia. Par isto, necessrio uma determinada quantidade de energia que flui da conscincia para o inconsciente, seja porque a conscincia no utiliza esta energia, seja porque o arqutipo a atrai espontaneamente para si mesmo. O arqutipo pode ser privado desta carga suplementar, mas no de sua energia especfica). Quanto mais o nvel da carga energtica se eleva, tanto mais a atitude repressiva assume um carter fantico e, por conseguinte, tanto mais se aproxima da converso em seu oposto, isto , da chamada enantiodromia. Quanto maior for a carga da conscincia coletiva, tanto mais o eu perde sua conscincia prtica. , por assim dizer, sugado pelas opinies e tendncias da conscincia coletiva, e o resultado disto o homem massificado, a eterna vtima de qualquer ismo. O eu s conserva sua independncia se no se identificar com um dos opostos mas conseguir manter o meio-termo entre eles. Isto s se torna possvel, se ele permanece consciente dos dois ao mesmo tempo. Mas esta percepo dificultada no s pelos chefes sociais e polticos, como tambm pelos mentores religiosos. Os arqutipos so formas tpicas de comportamento que, ao se tornarem conscientes, assumem o aspecto de representaes, como tudo o que se torna contedo da conscincia. Os arqutipos s se manifestam atravs da observao e da experincia, ou seja, mediante a constatao de sua capacidade de organizar idias e representaes, o que se d sempre mediante um processo que no pode ser detectado seno posteriormente. Eles assimilam material representativo cuja procedncia a partir do mundo dos fenmenos no pode ser contestada, e com isto se tornam visveis e psquicos. Texto : Definies Vol VI, par 827 e seguintes 1921

Qualifico a imagem como primordial quando ela possui carter arcaico. E s falo de carter arcaico quando a imagem apresenta uma concordncia explcita com motivos mitolgicos conhecidos. Neste caso, expressa, por um lado, sobretudo materiais derivados do inconsciente coletivo e, por outro, mostra que a situao momentnea da conscincia mais influenciada coletiva do que pessoalmente. A imagem primordial que tambm chamei de arqutipo sempre coletiva, ou seja, , no mnimo, comum a todos os povos e tempos. Provavelmente so comuns tambm a todas as raas e pocas os principais motivos mitolgicos. Do ponto de vista causal e cientfico-natural, podemos considerar a imagem primordial como sedimento mnmico, um engrama ( SEMON) que surgiu da condensao de inmeros processos semelhantes entre si. Neste sentido um sedimento e, com isso, uma forma tpica fundamental de certa experincia psquica que sempre retorna. Na qualidade de motivo mitolgico uma expresso sempre ativa e que sempre retorna, evocando a experincia psquica em questo ou formulando-a de maneira apropriada. Sob este aspecto, expresso psquica de uma disposio fisiolgica e anatomicamente determinada. Assumindo algum o ponto de vista de que uma estrutura anatmica determinada produto de condies ambientais atuando sobre a matria viva, ento a imagem primordial, em sua ocorrncia constante e universal, corresponde a uma influncia externa igualmente universal e constante que, por isso, deve ter o carter de lei natural. Dessa forma poderamos relacionar o mito com a natureza, por exemplo, os mitos solares com o nascer e o pr do sol dirios, bem como a mudana, perceptvel aos sentidos, das estaes do ano, o que realmente foi e feito por muitos mitlogos. Mas isto no responde pergunta por que ento o sol, por exemplo, e suas aparentes transformaes, no constituem direta e abertamente o contedo do mito. O fato de o sol, a lua ou os processos meteorolgicos aparecerem, no mnimo, em forma alegrica, indica uma colaborao autnoma da psique que, neste caso, no pode ser mero produto ou esteretipo das condies ambientais. Donde lhe adviria a capacidade de buscar um ponto de vista fora da percepo sensorial? ...A teoria causal e cientfico-natural dos engramas, de Semon, j no satisfaz. Somos forados a admitir que a estrutura cerebral dada no deve sua natureza peculiar apenas influncia ads condies ambientais, mas tambm qualidade peculiar e autnoma, da matria viva, isto , a uma lei inerente vida. A constituio dada do organismo produto das condies externas, por um lado, e das condies inerentes ao vivente, por outro lado. Segue disso que a imagem primordial est sempre relacionada, por um lado, com certos processos da natureza, perceptveis aos sentidos, em constante renovao e sempre atuantes e, por outro lado, tambm sempre relacionada com certas condies internas da vida do esprito e da vida em geral. O organismo confronta a luz com um novo rgo: o olho; o esprito confronta o processo da natureza com a imagem simblica que o apreende to bem quanto o olho apreende a luz. Assim como o olho um testemunho da atividade criativa, especfica e autnoma da matria viva, tambm a imagem primordial expresso da fora criadora, nica e incondicionada do esprito. A imagem primordial , portanto, expresso condensada do processo vivo. D um sentido ordenado e coerente s percepes sensoriais e s percepes interiores do esprito que parecem, a princpio, desordenadas e incoerentes e liberta, assim, a energia psquica da vinculao, pura e incompreendida percepo. Mas vincula, ao mesmo tempo, as energias liberadas pela percepo dos estmulos a um sentido determinado que dirige a ao dentro

dos parmetros condizentes com este sentido. Libera energia acumulada e sem aplicao, conduzindo o esprito para a natureza e dando uma forma espiritual ao instinto puramente natural. A imagem primordial tem sobre a clareza da idia, a vantagem de ser viva. um organismo de vida prpria, dotado de fora geradora , pois uma organizao herdada da energia psquica, sistema slido que no apenas expresso mas tambm possibilidade de desencadear do processo energtico. Caracteriza, por um lado, o modo como o processo energtico sempre ocorreu desde as mais remotas eras e torna possvel que continue ocorrendo regularmente, ao ensejar tal apreenso ou compreenso psquica de situaes, que a vida possa receber sua continuidade. Constitui, portanto, a necessria contrapartida do instinto, que um agir teleolgico, mas que pressupe tambm uma apreenso sensria teleolgica da situao momentnea. Esta apreenso da situao dada garantida pela imagem existente a priori. Representa a frmula aplicvel e sem a qual seria impossvel a apreenso de uma nova situao. Texto: Sobre os arqutipos do inconsciente coletivo Vol. IX/1 1934 O termo archetypus j se encontra em FILO JUDEU como referncia imago dei no homem. Em IRINEU tambm, onde se l : O criador do mundo no fez essas coisas diretamente a partir de si mesmo, mas copiou-as de outros arqutipos. No Corpus Hermeticum , Deus denominado a luz arquetpica. Em DIONISIO AREOPAGITA encontramos esse termo diversas vezes como os arqutipos imateriais, bem como De divinis nominibus. O termo arqutipo no usado por Agostinho, mas sua idia no entanto est presente; por exemplo em idias...que no so formadas, mas esto contidas na inteligncia divina. Archetypus uma perfrase explicativa do eidos platnico. Para aquilo que nos ocupa a denominao precisa e de grande ajuda, pois nos diz que, no concernente aos contedos do inconsciente coletivo, estamos tratando de tipos arcaicos ou melhor- primordiais, isto , imagens universais que existiram desde os tempos mais remotos. O termo reprsentations collectives, usado por LVY-BRUHL para designar as figuras simblicas da cosmoviso primitiva, poderia tambm ser aplicado aos contedos inconscientes, uma vez que ambos tm praticamente o mesmo significado. Os ensinamentos tribais primitivos tratam de arqutipos de um modo peculiar. Na realidade, eles no so mais contedos do inconsciente, pois j se transformaram em frmulas conscientes, transmitidas segundo a tradio, geralmente sob a forma de ensinamentos esotricos. Outra forma bem conhecida de expresso dos arqutipos encontrada no mito e no conto de fada. ... O arqutipo representa essencialmente um contedo inconsciente, o qual se modifica atravs de sua conscientizao e percepo, assumindo matizes que variam de acordo com a conscincia individual na qual se manifesta. O significado do termo arqutipofica sem dvida mais claro quando se relaciona com o mito, o ensinamento esotrico e o conto de fada. O assunto se complica, porm, se tentarmos fundament-lo psicologicamente.

Todos os acontecimentos mitologizados da natureza, tais como o vero e o inverno, as fases da lua, as estaes chuvosas, etc., no so de modo algum alegorias destas, experincias objetivas, mas sim, expresses simblicas do drama interno e inconsciente da alma, que a conscincia humana consegue apreender atravs da projeo isto , espelhadas nos fenmenos da natureza. O inconsciente coletivo, tal como hoje o conhecemos, nunca foi assunto de psicologia, pois antes da Igreja crist existiam os antigos mistrios, cuja origem remonta s brumas do neoltico. A humanidade sempre teve em abundncia imagens poderosas que a protegiam magicamente contra as coisas abissais da alma, assustadoramente vivas. As figuras do inconsciente sempre foram expressas atravs de imagens protetoras e curativas, e assim expelidas da psique para o espao csmico. O inconsciente coletivo tudo, menos um sistema pessoal encapsulado, objetividade ampla como o mundo e aberta ao mundo. Eu sou o objeto de todos os sujeitos, numa total inverso de minha conscincia habitual, em que sempre sou sujeito que tem objetos. L eu estou na mais direta ligao com o mundo, de forma que facilmente esqueo quem sou na realidade. Perdido em si mesmo uma boa expresso para caracterizar este estado. Este si-mesmo, porm, o mundo, ou melhor, um mundo, se uma conscincia pudesse v-lo. Por isso devemos saber quem somos. Texto: O conceito de inconsciente coletivo 1936 ...Os contedos do inconsciente coletivo nunca estiveram na conscincia e portanto no foram adquiridos individualmente, mas devem sua existncia apenas hereditariedade. O conceito de arqutipo...indica a existncia de determinadas formas na psique, que esto presentes em todo tempo e em todo lugar. A pesquisa mitolgica denomina-as motivosou temas; na psicologia dos primitivos elas correspondem ao conceito das reprsentations collectives de LEVY-BRHUL e no campo das religies comparadas foram definidas como categorias da imaginaopor HUBERT e MAUSS. ADOLF BASTIAN designou-as bem antes como pensamentos elementares ou primordiais. A partir dessas referncias tornase claro que a minha representao do arqutipo literalmente uma forma preexistente no exclusivamente um conceito meu, mas tambm reconhecido em outros campos da cincia. Minha tese a seguinte: diferena da natureza pessoal da psique consciente, existe um segundo sistema psquico, de carter coletivo, no-pessoal e que mesmo quando lhe acrescentamos como apndice o inconsciente pessoal consideramos a nica psique passvel de experincia. O inconsciente coletivo no se desenvolve individualmente, mas herdado. Ele consiste de formas preexistentes, arqutipos, que s secundariamente podem tornar-se conscientes, conferindo uma forma definida aos contedos da conscincia. Nossa psicologia mdica que se desenvolveu atravs da prtica profissional insiste na natureza pessoal da psique. Refiro-me principalmente s opinies de FREUD e ADLER. Trata-se de uma psicologia da pessoa, e seus fatores etiolgicos ou causais so considerados quase sempre como pessoais por sua natureza. No entanto, esta psicologia se

baseia em certos fatores biolgicos universais, por exemplo, o instinto sexual ou a exigncia de auto-afirmao e de modo algum apenas em qualidades pessoais. A psicologia da pessoa forada a isso, uma vez que pretende ser uma cincia explicativa. Nenhuma dessas concepes nega os instintos, que so comuns aos animais e aos homens, nem a influncia que exercem sobre a psicologia pessoal. Os instintos so entretanto fatores impessoais, universalmente difundidos e hereditrios, de carter mobilizador, que muitas vezes se encontram to afastados do limiar da conscincia, que a moderna psicoterapia se v diante da tarefa de ajudar o paciente a tomar conscincia dos mesmos. Alm disso os instintos no so vagos e indeterminados por sua natureza, mas foras motrizes especificamente formadas, que perseguem suas metas inerentes antes de toda conscientizao, independendo do grau de conscincia. Por isso eles so analogias rigorosas dos arqutipos, to rigorosas que h boas razes para supormos que os arqutipos sejam imagens inconscientes dos prprios instintos; em outras palavras, representam o modelo bsico do comportamento instintivo. O inconsciente coletivo no uma questo especulativa nem filosfica, mas sim emprica....O diagnstico do inconsciente coletivo nem sempre tarefa fcil. No basta ressaltar a natureza arquetpica, muitas vezes bvia, dos produtos inconscientes, pois estes tambm podem provir de aquisies mediante a linguagem da educao. A criptomnsia tambm deveria ser descartada, o que em muitos casos praticamente impossvel. Apesar de todas essas dificuldades, restam casos individuais em nmero suficiente, mostrando o ressurgimento autctone de motivos mitolgicos que desafiam a toda dvida racional. Ex.: temas da dupla me na pintura de Leonardo da Vinci. Uma vez que na maioria dos casos as neuroses no so apenas fenmenos particulares, mas sim sociais, devemos admitir geralmente a presena de arqutipos: o tipo de arqutipo que corresponde situao reativado, e disso resultam as referidas foras motrizes ocultas nos arqutipos que, por serem explosivas, so to perigosas e de conseqncias imprevisveis. A pessoa sob o domnio de um arqutipo pode ser acometida de qualquer mal. ...A vida privada, motivos e causas particulares e neuroses pessoais quase se tornaram uma fico no mundo hodierno. O homem do passado, que vivia num mundo de reprsentations collectives arcaicas, ressurgiu para uma vida visvel e dolorosamente real, e isto no s em alguns indivduos desequilibrados mas em muitos milhes de seres humanos. H tantos arqutipos quantas situaes tpicas na vida. Interminveis repeties imprimiram essas experincias na constituio psquica, no sob a forma de imagens preenchidas de um contedo, mas precipuamente apenas formas sem contedo, representando a mera possibilidade de um determinado tipo de percepo e ao. Quando algo ocorre na vida que corresponde a um arqutipo, este ativado e surge uma compulso que se impe a modo de uma reao instintiva contra toda razo e vontade, ou produz um conflito de dimenses eventualmente patolgicas, isto , uma neurose. O mtodo de comprovao O modo pelo qual pode ser provada a existncia dos arqutipos. Visto que estes produzem certas formas anmicas, temos que explicar onde e como podemos apreender o material que torna tais formas visveis. A fonte principal est nos sonhos, que tm a vantagem de serem produtos espontneos da psique inconsciente, independentemente da vontade, sendo, por

conseguinte, produtos da natureza, puros e no influenciados por qualquer inteno consciente...devemos procurar motivos que simplesmente no poderiam ser do conhecimento do sonhador e mesmo assim eles se comportam em seus sonhos funcionalmente, de forma a coincidir com a dinmica dos arqutipos, tal como a conhecemos pelas fontes histricas. Outra fonte de acesso ao material necessrio a imaginao ativa. Entende-se por esta ltima uma seqncia de fantasias que gerada pela concentrao intencional. ...No se trata da livre associao como a que Freud recomendava para a anlise dos sonhos, mas da elaborao da fantasia atravs da observao de outro material da mesma, tal como este naturalmente agregado ao fragmento acima referido... A seqncia de fantasias que vm tona alivia o inconsciente e representa um material rico de formas arquetpicas. Finalmente como fonte interessante de material arquetpico, dispomos dos delrios dos doentes mentais, das fantasias em estado de transe e dos sonhos da primeira infncia ( dos 3 aos 5 anos de idade ). Podemos encontrar uma enorme quantidade desse material, mas ele de nada valer se no conseguirmos encontrar paralelos histricos convincentes. ...Para traarmos paralelos vlidos necessrio conhecer o significado funcional de um smbolo individual. Depois descobriremos se o smbolo mitolgico dado como paralelo pertence mesma circunstncia e se tem o mesmo significado funcional. Estabelecer tais fatos no apenas uma questo de pesquisa laboriosa, mas tambm um objeto ingrato de demonstrao. Como os smbolos no podem ser arrancados de seu contexto, devemos apresentar descries exaustivas, tanto da vida pessoal como do contexto simblico. Um exemplo Por volta do ano 1906 deparei com a curiosa fantasia de um indivduo internado h muitos anos. O paciente sofria de uma esquizofrenia incurvel desde a sua juventude. Freqentara a escola pblica e trabalhara como empregado de escritrio. Ele no era especialmente bem-dotado e nessa poca eu mesmo no tinha conhecimento algum de mitologia ou arqueologia; a situao portanto no era suspeita. Certo dia encontrei-o junto janela, movendo a cabea de um lado para o outro, piscando para o Sol. Pediu-me que fizesse o mesmo, prometendo que eu veria algo muito importante. Ao perguntar-lhe o que estava vendo, ele espantou-se porque eu nada via, e disse: O senhor est vendo o pnis do Sol quando movo a cabea de um lado para outro ele tambm se move e esta a origem do vento. Naturalmente nada compreendi desta estranha idia, mas anotei- Cerca de quatro anos depois, ao estudar mitologia, descobri um livro de ALBRECHT DIETERICH, o conhecido fillogo que esclareceu tal fantasia. Esta obra, publicada em 1910, trata de um papiro grego da Bibliothque Nationale de Paris. DIETERICH acreditou ter descoberto numa parte do texto uma liturgia mitraica. O texto sem dvida uma prescrio religiosa para a realizao de certas invocaes nas quais Mitra chamado. Ele provm da escola do misticismo alexandrino e coincide no tocante ao seu sentido com o Corpus Hermeticum. Lemos as seguintes instrues no texto de DIETERICH: Procura nos raios a respirao, inspira trs vezes to fortemente quanto puderes e sentir-tes erguido e caminhando para o alto, de forma que acreditars estar no meio de regio area... O caminho dos deuses visveis aparecer atravs do Sol, o Deus, meu pai; do mesmo modo, tornar-se- visvel tambm o assim chamado tubo, a origem do vento

propiciatrio. Pois vers pendente do disco solar algo semelhante a um tubo. E rumo s regies do oeste, um contnuo vento leste; se o outro vento prevalecer em direo ao leste, vers, de modo semelhante, a face movendo-se nas direes do vento. necessrio provar agora que nesses dois casos particulares no se trata apenas de coincidncia meramente casual. Devemos mostrar portanto que a idia de um tubo de vento em conexo com Deus, ou com o Sol, tem uma existncia coletiva, independente desses dois testemunhos. Ou, em outras palavras, ela ocorre sem relao com tempo e lugar. Algumas pinturas medievais representam a Anunciao como um dispositivo tubular ligando o trono de Deus ao ventre de Maria e podemos ver uma pomba ou o menino Jesus descendo por ele. A pomba significa o fecundador , o vento de Esprito Santo. fora de cogitao que o paciente tenha tido algum conhecimento de um papiro publicado quatro anos depois, sendo extremamente improvvel que sua viso tivesse algo a ver com a figura medieval da Anunciao, admitindo a hiptese quase impensvel de ter ele visto uma representao dessa pintura. O paciente foi declarado doente mental aos vinte anos de idade. Nunca viajara. Em sua cidade natal, Zurique, no h qualquer galeria de arte pblica que expusesse um tal quadro. Texto: O arqutipo com referncia especial ao conceito de anima Vol. IX/1 - 1936 ...A imago parental no se forma no perodo da pr-puberdade, ou em algum outro estgio da conscincia mais ou menos desenvolvido, mas sim nos estados iniciais da conscincia, entre o primeiro e o quarto ano de vida, ou seja, numa fase em que a conscincia ainda no apresenta uma continuidade real, mas um carter de descontinuidade insular. A relao com o eu, indispensvel para uma continuidade da conscincia, s existe parcialmente, de modo que grande parte da vida psquica naquele estgio se desenvolve num estado que s podemos designar como relativamente inconsciente.... Na minha opinio, um grande equvoco supor que a alma do recm-nascido seja uma tabula rasa, como se no houvesse nada dentro dela. Na medida em que a criana vem ao mundo com um crebro diferenciado, predeterminado pela hereditariedade e portanto individualizado, ela responde aos estmulos sensoriais externos, no com quaisquer predisposies, mas sim com predisposies especficas, que condicionam uma seletividade e organizao da apercepo que lhe so prprias( individuais). Tais predisposies so comprovadamente instintos herdados e pr-formados. Estas ltimas so as condies apriorsticas e formais da apercepo, baseada nos instintos. Sua presena imprime no mundo da criana e do sonhador o timbre antropomrfico. Trata-se dos arqutipos que determinam os rumos da atividade da fantasia, produzindo desse modo nas imagens fantsticas dos sonhos infantis, bem como nos delrios esquizofrnicos, surpreendentes paralelos mitolgicos, como os que tambm encontramos de forma algo atenuada nas pessoas normais e neurticas. No se trata portanto de idias herdadas, mas de suas possibilidades. No se trata tambm de heranas individuais, mas gerais, como se pode verificar pela ocorrncia universal dos arqutipos. Assim como os arqutipos ocorrem a nvel etnolgico, sob a forma de mitos, tambm se encontram em cada indivduo, nele atuando de modo mais intenso, antropomorfizando a realidade, quando a conscincia mais restrita e fraca, permitindo que a fantasia invada os

fatos do mundo exterior. Esta condio dada indubitavelmente na criana em seus primeiros anos. Para mim mais provvel que a forma arquetpica do par divino recubra e assimile a imagem dos pais verdadeiros, num primeiro momento, at que, com o desenvolvimento da conscincia, a forma real dos pais seja percebida, no raro para o desapontamento da criana. Ningum sabe melhor do que o psicoterapeuta que a mitologizao dos pais se prolonga muito tempo atravs da idade adulta, e s abandonada aps uma grande resistncia. Texto: Aspectos psicolgicos do arqutipo materno Vol. IX/1 1939 O conceito de arqutipo Em pocas passadas apesar de existirem opinies discordantes e tendncias de pensamento aristotlicas no se achava demasiado difcil compreender o pensamento de PLATO, de que a idia preexistente e supra-ordenada aos fenmenos em geral. Arqutipo nada mais do que uma expresso j existente na Antiguidade, sinnimo de idia no sentido platnico. Por exemplo, quando Deus designado por a luz arquetpica no Corpus Hermeticum, provavelmente datado do sculo III, expressa-se com isso a idia de que ele preexistente ao fenmeno da luz e imagem primordial supraordenada a toda espcie de luz. ... A teoria das categorias de KANT, a qual sufoca j no embrio qualquer tentativa de retomada de uma metafsica em seu sentido antigo, prepara por outro lado um renascimento do esprito platnico: uma vez que no pode haver uma metafsica que ultrapasse a capacidade humana, no existe tambm qualquer conhecimento emprico, o qual j no esteja aprioristicamente preso e limitado por uma estrutura cognitiva. Nos cento e cinqenta anos transcorridos desde a Crtica da Razo Pura, pouco a pouco foi-se abrindo caminho intuio de que o pensar, a razo, a compreenso, etc., no so processos autnomos, livres de qualquer condicionamento subjetivo, apenas a servio das eternas leis da lgica, mas sim funes psquicas agregadas e subordinadas a uma personalidade. A pergunta no mais se isto ou aquilo foi visto, ouvido, tocado com as mos, pesado, contado, pensado e considerado lgico. Mas : quem v, quem ouve, quem pensou? Comeando com a equao pessoalna observao e medida dos menores processos, esta crtica prossegue at a criao de uma psicologia emprica, como nunca foi conhecida antes. Estamos convencidos atualmente que em todas as reas do conhecimento h premissas psicolgicas, as quais testemunham decisivamente acerca da escolha do material, do mtodo de elaborao, do tipo de concluses e da formulao de hipteses e teorias. ...H um fator apriorstico em todas as atividades humanas, que a estrutura individual inata da psique, pr-consciente e inconsciente. A psique pr-consciente, como por exemplo a do recm-nascido, no de modo algum um nada vazio, ao qual sob circunstncias favorveis, tudo pode ser ensinado. Pelo contrrio, ela uma condio prvia tremendamente complicada e rigorosamente determinada para cada indivduo, que s nos parece um nada escuro, porque no a podemos ver diretamente. No entanto, assim que ocorrem as primeiras manifestaes visveis da vida psquica, s um cego no veria o carter individual dessas manifestaes, isto , a personalidade singular. impossvel supor que todas essas particularidades sejam criadas s no momento em que aparecem. Se se

tratar, por exemplo, de predisposies mrbidas. Que j existem nos pais, inferimos uma transmisso hereditria pelo plasma germinal.... O reaparecimento de comportamentos instintivos complicados em animais que nunca viram seus pais, tendo sido impossvel portanto que os mesmos os tivessem educado, pode ser explicado da mesma maneira. Hoje em dia devemos partir da hiptese de que o ser humano, na medida em que no constitui uma exceo entre as criaturas, possui, como todo animal, uma psique prformada de acordo com sua espcie, a qual revela tambm traos ntidos de antecedentes familiares, conforme mostra a observao acurada. No temos razo alguma para presumir que certas atividades humanas ( funes) constituem excees a esta regra. No temos a menor possibilidade de saber como so as disposies ou aptides que permitem os atos instintivos do animal. Da mesma forma, impossvel conhecer a natureza das disposies psquicas inconscientes, mediante as quais o homem capaz de reagir humanamente. Deve tratar-se de formas de funo as quais denominamos imagens. Imagensexpressam no s a forma da atividade a ser exercida, mas tambm, simultaneamente, a situao tpica na qual se desencadeia a atividade. Tais imagens so imagens primordiais, uma vez que so peculiares espcie, e se alguma vez foram criadas, a sua criao coincide no mnimo com o incio da espcie. O tpico humano do homem a forma especificamente humana de suas atividades. O tpico especfico j est contido no germe. Uma vez que tudo o que psquico pr-formado, cada uma de suas funes tambm o , especialmente as que derivam diretamente das disposies inconscientes. A estas pertence a fantasia criativa . Nos produtos da fantasia tornam-se visveis as imagens primordiais e aqui que o conceito de arqutipo encontra sua aplicao especfica. No de modo algum merito meu ter observado esse fato pela primeira vez. As honras pertencem a PLATO. O primeiro a pr em evidncia a ocorrncia, na rea da etnologia, de certas idias primordiais que se encontram em toda parte foi ADOLF BBASTIAN. Mais tarde, so dois pesquisadores da escola de DURKHEIM, HUBERT e MAUSS, que falam de categorias prprias da fantasia. A pr-formao inconsciente na figura de um pensamento inconsciente foi reconhecida pelo eminente HERMANN USENER. Se de algum modo contribu no tocante a essas descobertas, di por ter provado que os arqutipos no se difundem por toda parte mediante a simples tradio, linguagem e migrao, mas ressurgem espontaneamente em qualquer tempo e lugar, sem a influncia de uma transmisso externa. No podemos subestimar o alcance desta constatao, pois ela significa nada menos do que a presena, em cada psique, de disposies vivas inconscientes, nem por isso menos ativas, de formas ou idias em sentido platnico que instintivamente pr-formam e influenciam seu pensar, sentir e agir. Os arqutipos so determinados apenas quanto forma e no quanto ao contedo, e no primeiro caso, de um modo muito limitado. Uma imagem primordial s pode ser determinada quanto ao seu contedo, no caso de tornar-se consciente e portanto preenchida com o material da experincia consciente. Sua forma, por outro lado, como j expliquei antes, poderia ser comparada ao sistema axial de um cristal, que pr-forma, de certo modo, sua estrutura no lquido-me, apesar de ele prprio no possuir uma existncia material. Esta ltima s aparece atravs da maneira especfica pela qual os ons e depois as molculas se agregam. O arqutipo um elemento vazio e formal em si, nada mais sendo

do que uma facultas praeformandi, uma possibilidade dada a priori da forma de sua representao. O que herdado no so as idias, mas as formas, as quais sob esse aspecto particular correspondem aos instintos igualmente determinados por sua forma. Provar a existncia dos arqutipos em si uma possibilidade to remota quanto a de provar a dos instintos, enquanto os mesmos no so postos em ao in concreto. No tocante ao carter determinado da forma, elucidativa a comparao com a formao do cristal, na medida em que o sistema axial determina apenas a estrutura estereomtrica, no porm a forma concreta do cristal particular. Este pode ser grande ou pequeno ou variar de acordo com o desenvolvimento diversificado de seus planos ou da interpenetrao recproca de dois cristais. O que permanece apenas o sistema axial em suas propores geomtricas, a princpio invariveis. O mesmo se d com o arqutipo: a princpio ele pode receber um nome e p ssui um ncleo de significado invarivel, o qual determina sua aparncia, apenas a princpio, mas nunca concretamente. Texto: A psicologia do arqutipo da criana Vol IX/1 1940 Na realidade nunca nos libertaremos legitimamente do fundamento arquetpico, a no ser que estejamos dispostos a pagar o preo de uma neurose, da mesma forma que no nos livraremos de nosso corpo e de seus rgos sem cometer suicdio. J que no podemos negar os arqutipos ou torn-los incuos de algum modo, cada nova etapa conquistada na diferenciao cultural da conscincia confronta-se com a tarefa de encontrar uma nova interpretao correspondente a essa etapa, a fim de conectar a vida do passado, ainda existente em ns com a vida do presente, se este ameaa furtar-se quele. Se esta conexo no ocorrer cria-se uma conscincia desenraizada, que no se orienta pelo passado, uma conscincia que sucumbe desamparada a todas as sugestes, tornando-se suscetvel praticamente a toda epidemia psquica. Texto: segunda conferncia Vol. XVIII 1935 Dei o nome de arqutipos a esses padres, valendo-me da expresso de Santo Agostinho: Arqutipo significa um Typos ( impresso, marca-impresso), um agrupamento definido de caracteres arcaicos, que em forma e significado, encerra motivos mitolgicos, os quais ressurgem em forma pura nos contos de fadas, nos mitos, nas lendas e no folclore. Embora uma criana no nasa consciente, sua mente no tabula rasa; ela vem ao mundo com uma interioridade definida, e a mente de uma criana inglesa no a mesma, nem trabalha como a de um pretinho australiano, mas sim, no mesmo sentido que o faz uma pessoa dos dias atuais na Inglaterra. O crebro nasce com uma estrutura acabada, funcionar de maneira a inserir-se no mundo de hoje, tendo entretanto a sua histria. Foi elaborado ao longo de milhes de anos e representa a histria da qual resultado. Naturalmente traos de tal histria esto presentes como em todo o corpo, e se mergulharmos em direo estrutura bsica da mente, por certo encontraremos traos de uma mente arcaica. A camada mais profunda que conseguimos atingir na mente do inconsciente aquela em que o homem perdea sua individualidade particular, mas onde sua mente se alarga mergulhando na mente da humanidade no a conscincia mas o inconsciente, onde

todos somos iguais. Como o corpo tem sua conformao anatmica com dois olhos, duas orelhas, um nariz e assim por diante, e apenas ligeiras diferenas individuais, o mesmo se d com a mente em conformao bsica. A esse nvel no somos mais entidades separadas, somos um....A conformao mental do primitivo exprime a estrutura bsica da mente humana, aquela camada psquica, que para ns o inconsciente coletivo, aquele nvel subjacente que em todos ns o mesmo, e devido a tal igualdade no se podem fazer distines pessoais nas experincias que se do nesse nvel.