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"Para ler o livro ilustrado", de Sophie Van der Linden, Cosac Naify, 2010. (Capa + Sumário + Introdução). "Para ler o livro ilustrado", de Sophie Van der Linden, Cosac Naify, 2010. (Capa + Sumário + Introdução).
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Para ler o livro ilustrado
Sophie Van der LindenPa
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o
Para ler o livro ilustrado, de Sophie Van der Linden, lança um novo
olhar sobre este gênero que, segundo a especialista, remonta ao
século xix com o britânico Randolph Caldecott e se consolida com
Onde vivem os monstros (1963), do norte-americano Maurice
Sendak. A autora dá especial atenção ao papel das pequenas edi-
toras francesas que, nos anos 1990, ampliaram as possibilidades
criativas do livro ilustrado. Para além da reflexão teórica, a obra
discute mais de trezentos títulos e traz quase seiscentas imagens
e depoimentos de editores, autores e diretores de arte.
A análise não se restringe à França. Ao contrário, uma de suas
virtudes é justamente o diálogo constante com os principais ar-
tistas que fizeram do livro ilustrado a vertente mais inventiva da
literatura internacional: do italiano Bruno Munari à alemã Jutta
Bauer, da tcheca Kve ta Pacovská à japonesa Keiko Maeo, da fran-
cesa Anne Brouillard ao húngaro Istvan Banyai.
Ao lado de Crítica, teoria e literatura infantil, de Peter Hunt,
e Era uma vez uma capa, de Alan Powers, esta obra alça o livro
ilustrado a um novo patamar de discussão.
Lembro de uma senhora me contar, numa feira de
livros, que coordenaria uma área de literatura infan-
tojuvenil por ter apresentado à editora uma proposta
convincente: publicaria só best-sellers!
Naquele mesmo dia, perguntaram-me sobre a
linha editorial da Rouergue, então dirigida por mim.
Não soube responder. Eu atuava de acordo com um
“não-método”. Sem pensar em termos de progra-
mação, avançava sobre uma unidade de base: o livro.
Seguia procurando criadores inspirados por este
espaço próprio do livro ilustrado: um lugar a ser ex-
plorado, onde a novidade é a regra do jogo e todas
as transgressões são possíveis.
Existe uma certa desobediência, de ponta a ponta,
na edição de um livro ilustrado. A ficção não segue ne-
nhuma lei. O sucesso não pode ser previsto. Quando
me perguntaram qual seria a editora ideal, pensei
em uma que estimulasse e desse vida a projetos de
qualidade. Esse era o meu capricho. O desejo de ser
livre e poder brincar. Alguns livros alcançaram um su-
cesso inesperado.
Essas obras eram taxadas de vanguardistas (ou
seja, fora de seu tempo) – e isso me intrigava. Passa-
dos muitos anos, é com o livro que ainda quero ter
esse diálogo, essas criações, essas incógnitas, pois
seu público é atento, curioso e sem expectativas, che-
gando até a fingir que não sabe, quando lhe convém.
Escrevo da França e vibro ao imaginar que uma
história inventada também seja lida no Brasil, que tão
longe daqui as mesmas perguntas sejam necessárias.
Gosto que este papel irradiador não tenha fronteiras.
Penso agora nas crianças, que tornam tudo possí-
vel e facultam este espaço de criação. Elas é que são
a vanguarda.
olivier douzou
A leitura da imagem possui características próprias e
um modo distinto de ver, ler e interpretar seus signi-
ficados: é ao mesmo tempo total e particular, tempo-
ral e atemporal; pode-se ler as partes sem entender
o todo. No caso das palavras, ocorre uma sucessão
temporal de letras, sílabas e vocábulos, que formam
conceitos e ideias.
Estão aí localizados a grande diferença conceitual
e o desafio entre estes dois modos de ler o texto e
a imagem. As leituras da ilustração, do detalhe e do
conjunto da imagem é um fenômeno quase simultâ-
neo, sem contar que possui uma plasticidade variada,
exercida por meio de cores e texturas, das formas dos
objetos, das relações de profundidade etc. No en-
tanto, a estética da ilustração – diferente da de uma
pintura – se explica e se justifica quando estabelece-
mos o elo independente e dependente com a palavra.
Esta é, sem dúvida, a grande questão no estudo do
relacionamento entre a palavra escrita e a imagem
narrativa nos livros.
A importância da pesquisa que a professora Sophie
Van der Linden ora nos apresenta está justamente no
fato de que suas análises das ilustrações são referen-
ciadas diretamente ao texto literário. Concluímos que
a ilustração jamais é a paráfrase de um texto, ou seja, a
função da ilustração não é torná-lo mais fácil ou com-
preensível, e, até certo ponto, vulgarizá-lo. Ao apoiar
suas observações com livros publicados, a autora
torna a leitura da imagem mais aberta e autônoma.
Para ler o livro ilustrado é uma obra essencial, não
apenas para professores, educadores de arte, bibliote-
cários, editores, ilustradores e até mesmo escritores.
Este livro também projeta suas reflexões para os estu-
diosos de arte, de modo geral, uma vez que a imagem
narrativa e sua relação com o texto – mesmo no livro-
imagem – é uma das mais legítimas e antigas expres-
sões das artes visuais. Sem dúvida, trata-se de um
trabalho que acrescenta um rico mosaico de conheci-
mento em um gênero de estudo que cada vez mais
afirma a sua importância no aprimoramento da inteli-
gência visual da criança e do jovem. Além de propiciar
uma visão artística, pessoal e criativa do livro.
rui de oliveira
Sophie Van der Linden
para ler o livro ilustrado capa.indd 1 4/11/11 6:55 PM
6 Introdução
10 Evolução do lIvro Ilustrado
11 Origens 15 Surgimento do livro ilustrado moderno16 Rumo ao livro ilustrado contemporâneo
22 o quE é o lIvro Ilustrado?
23 O livro ilustrado e outros que contêm imagens
27 depoimento de michel defourny
Quando os artistas entram na história
29 O livro ilustrado é um gênero?
29 a questão do leitorado
32 depoimento de gaël rougy
33 Uma pausa na imagem do livro ilustrado
33 a produção da imagem
34 depoimento de élisabeth cohat
38 katy couprie
A superfície e o fundo
39 alguns estilos
44 diferentes status da imagem
46 depoimento de nicolas bianco-levrin
As sequências de imagens
47 Existe um texto específico para o livro ilustrado?
50 depoimento de henri meunier
50 depoimento de marie saint-dizier
Penetrar no livro ilustrado
51 Nas fronteiras do livro
51 Materialidade do livro
52 do formato ao fólio
56 depoimento de annie mirabel
64 PágInas E EsPaços do lIvro
65 A página dupla
66 a dobra: contingências e riquezas
67 diversidade e flexibilidade
68 tipos de diagramação
71 aplicação dos códigos
78 De uma página à outra
78 a montagem
81 depoimento de anne brouillard
Sobre l’orage
82 a junção
83 variações de diagramação
86 Conclusão parcial: como definir o livro ilustrado contemporâneo?
88 tExtos E ImagEns
92 Aspectos formais
92 Mensagens linguísticas e mensagens visuais
93 iconicidade ou plasticidade do texto?
97 depoimento de béatrice poncelet
98 tensões no espaço da página ou da página dupla
102 A expressão do tempo e do espaço
102 introdução de tempo e movimento na imagem isolada
105 recursos plásticos, códigos gráficos ou icônicos
105 entre sucessividade e simultaneidade
107 expressão do tempo, do espaço e do movimento
por meio de imagens sequenciais
110 a função do texto
112 depoimento de hélène riff
113 articulações temporais numa sequência de imagens e textos
114 uso do suporte
118 sugerindo o espaço
120 Aspectos narrativos
120 a relação entre o texto e a imagem
122 as respectivas funções do texto e da imagem
127 depoimento de fabienne séguy e yann fastier
A relação texto / imagem
128 realizações na escala do livro
130 o ponto de vista
136 lEIturas dE lIvros Ilustrados
138 La Terre tourne anne brouillard
144 Chut ! Elle lit béatrice poncelet
150 Papa se met en quatre hélène riff
156 ConClusão
161 notas
168 Bibliografia
172 Índice onomástico
[detalhe]Latifa MargioCécile Gambini (ils.)Du ski dans la purée[esqui no purê]le-Puy-en-velay: l’atelier du Poisson soluble, 2005
introdução
7
Pelas imagens notáveis, pelas narrativas cativantes, pela originalidade
de produção ou ainda pelo humor, o livro ilustrado infantojuvenil seduz
de imediato seus leitores.
Mas se a leitura dele parece tão natural, por que lhe dedicar uma
obra reflexiva?
[detalhe]Latifa MargioCécile Gambini (ils.)Du ski dans la purée[esqui no purê]le-Puy-en-velay: l’atelier du Poisson soluble, 2005
Os leitores entretidos em uma página por um detalhe específico, atentos aos efeitos da
diagramação, surpresos pela ousadia de uma representação ou encantados por uma
inesperada relação texto/ imagem descobrem nesses momentos uma dimensão suple-
mentar à história. Ao passo que outros há muito tempo já consideram o livro ilustra-
do um tipo de obra cujas amplitude de criação e habilidade dos autores e ilustradores
apelam para ferramentas que permitem apreciar ao máximo o seu funcionamento.
Tocamos aqui no aspecto paradoxal do livro ilustrado: inicialmente destinado
aos mais jovens, a priori menos experientes em matéria de leitura, ele se consolida
como uma forma de expressão por seu todo, e não exige menos competência estabe-
lecida e diversificada de leitura.
[acima e à esquerda]Jean TardieuCécile Gambini (ils.)Comptine[versinho infantil]Paris: rue du Monde, 2004Paris: Gallimard, 1979 (para o texto)
8
De imediato, o livro ilustrado evoca duas linguagens: o texto e a imagem. Quando
as imagens propõem uma significação articulada com a do texto, ou seja, não são
redundantes à narrativa, a leitura do livro ilustrado solicita apreensão conjunta
daquilo que está escrito e daquilo que é mostrado.
As imagens, cujo alcance é sem dúvida universal, não exigem menos do ato de
leitura. Nisso talvez resida um mal-entendido crucial. Considerada adequada aos
não alfabetizados – a quem esses livros são destinados em particular –, é raro que a
leitura de imagens resulte de um aprendizado, uma vez que ela irá paulatinamen-
te desaparecer da nossa trajetória de leitores. Ora, assim como o texto, a imagem
requer atenção, conhecimento de seus respectivos códigos e uma verdadeira inter-
pretação.
Ao longo de sua evolução histórica, o livro ilustrado infantil conheceu grandes
inovações. A imagem foi gradativamente conquistando um espaço determinante.
Hoje, ela revela sua exuberância pela multiplicação dos estilos e pela diversidade das
técnicas utilizadas. Os ilustradores exploram ao máximo as possibilidades de produ-
zir sentido.
Assim, ler um livro ilustrado não se resume a ler texto e imagem. É isso, e muito mais.
Ler um livro ilustrado é também apreciar o uso de um formato, de enquadramentos,
François DavidGéraldine Alibeu (ils.)On n’aime pas les chats
[a gente não gosta de gato] Paris: sarbacane, 2006
9
da relação entre capa e guardas com seu conteúdo; é também associar representações,
optar por uma ordem de leitura no espaço da página, afinar a poesia do texto com a
poesia da imagem, apreciar os silêncios de uma em relação à outra... Ler um livro ilus-
trado depende certamente da formação do leitor.
Para explicar esses aspectos, auxiliar no entendimento das implicações dessa
produção, a bibliografia crítica francesa dedicada ao livro ilustrado ainda se mostra
muito escassa. O trabalho de Marion Durand e Gérard Bertrand, L’Image dans le livre pour enfants (1975), assentava as bases de uma reflexão sobre os grandes princípios
de funcionamento do livro com ilustração. Desde então, na França, as tentativas de
análise do livro ilustrado enquanto tal, como obra, permanecem parciais ou restritas
ao campo da didática.1
O presente trabalho, à maneira de Zoom (1995/ 1996 ),* do húngaro Istvan Banyai,
pretende acompanhar o leitor nesse distanciamento indispensável para a compreen-
são total do livro ilustrado. Parte da imagem e do texto, unidades da página dupla,
para alcançar uma visão global do livro. No intuito de demonstrar a especificidade
do livro ilustrado contemporâneo, este estudo o considera não apenas um objeto
cujas mensagens contribuem para a produção do sentido, mas um conjunto coe-
rente de interações entre textos, imagens e suportes.
* a primeira data se refere ao ano de publicação da edição original e a segunda ao de publicação no Brasil. [n.e.]