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TRÊS EXPERIÊNCIAS EM PLANTÃO PSICOLÓGICO MORATO, H. T. P. (coord.) Aconselhamento Psicológico Centrado na Pessoa: novos desafios. SP: Casa do Psicólogo, 1999. Cap. 8: “Plantão psicológico na escola: uma experiência”,pp. 145-160 MORATO, H. T. P. (coord.) Aconselhamento Psicológico Centrado na Pessoa: novos desafios. SP: Casa do Psicólogo, 1999. Cap. 9: “Plantão psicológico em hospital psiquiátrico”,pp.161-176; ROSENTHAL, RAQUEL W. Plantão de Psicólogos no Instituto Sedes Sapientiae: uma proposta de atendimento aberto à comunidade. IN: Mahfoud, Miguel (org.). Plantão Psicológico: novos horizontes. São Paulo: Editora Companhia Ilimitada, 1999. Pg. 15-28. 1. As experiências A) Raquel W. Rosenthal relata sua experiência de implantação do Plantão Psicológico no Instituto SEDES SAPIENTIAE, em 1980. A implantação do serviço foi desenvolvida pelo Centro de Desenvolvimento da Pessoa, como um curso de Expansão Cultural, de duração semestral. Segundo a autora, o primeiro passo foi a decisão pela implantação do serviço, fundamentado nas idéias de Raquel Lea Rosenberg. Seguiu-se a seleção dos psicólogos plantonistas, cuidando-se para que fossem “especialmente sensibilizados pela natureza do serviço proposto” (pg. 17). Organizou-se o Plantão em duas noites, das 20 às 22 horas, e duas equipes, que se alternavam no Plantão e na Supervisão. A supervisão ficava também disponível para as necessidades dos plantonistas, no próprio momento do atendimento. Por parte da instituição, havia uma preocupação de que a nova modalidade de atendimento gerasse maiores filas de espera, todavia, havia especial abertura para a proposta. Era parte da proposta um atendimento diferente da triagem, um atendimento cuja finalidade fosse o próprio encontro, no momento presente, o que resolvia a preocupação quanto a filas de espera. Para a divulgação do serviço, imprimiram-se cartazes: Somos um grupo de psicólogos prontos para ouvir, trocar idéias, esclarecer dúvidas. Enfim, estar com você no momento em que sentir que um psicólogo pode ajudar.

Tres Experiencias de Plantao Rosenthal, Mahfoud, Cautella Jr

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TRÊS EXPERIÊNCIAS EM PLANTÃO PSICOLÓGICO

MORATO, H. T. P. (coord.) Aconselhamento Psicológico Centrado na Pessoa: novos desafios. SP: Casa do Psicólogo, 1999. Cap. 8: “Plantão psicológico na escola: uma experiência”,pp. 145-160MORATO, H. T. P. (coord.) Aconselhamento Psicológico Centrado na Pessoa: novos desafios. SP: Casa do Psicólogo, 1999. Cap. 9: “Plantão psicológico em hospital psiquiátrico”,pp.161-176; ROSENTHAL, RAQUEL W. Plantão de Psicólogos no Instituto Sedes Sapientiae: uma proposta de atendimento aberto à comunidade. IN: Mahfoud, Miguel (org.). Plantão Psicológico: novos horizontes. São Paulo: Editora Companhia Ilimitada, 1999. Pg. 15-28.

1. As experiências

A) Raquel W. Rosenthal relata sua experiência de implantação do Plantão Psicológico no Instituto SEDES SAPIENTIAE, em 1980. A implantação do serviço foi desenvolvida pelo Centro de Desenvolvimento da Pessoa, como um curso de Expansão Cultural, de duração semestral. Segundo a autora, o primeiro passo foi a decisão pela implantação do serviço, fundamentado nas idéias de Raquel Lea Rosenberg. Seguiu-se a seleção dos psicólogos plantonistas, cuidando-se para que fossem “especialmente sensibilizados pela natureza do serviço proposto” (pg. 17). Organizou-se o Plantão em duas noites, das 20 às 22 horas, e duas equipes, que se alternavam no Plantão e na Supervisão. A supervisão ficava também disponível para as necessidades dos plantonistas, no próprio momento do atendimento. Por parte da instituição, havia uma preocupação de que a nova modalidade de atendimento gerasse maiores filas de espera, todavia, havia especial abertura para a proposta. Era parte da proposta um atendimento diferente da triagem, um atendimento cuja finalidade fosse o próprio encontro, no momento presente, o que resolvia a preocupação quanto a filas de espera. Para a divulgação do serviço, imprimiram-se cartazes:

Somos um grupo de psicólogos prontos para ouvir, trocar idéias, esclarecer dúvidas. Enfim, estar com você no momento em que sentir que um psicólogo pode ajudar.

Foram feitas também divulgações na imprensa televisiva e impressa.

A experiência inicial durou três semestres, com 117 casos novos e 28 retornos. Das 117 pessoas ouvidas, 52% eram mulheres. As profissões eram variadas. Dos 68 depoimentos deixados, vários abordaram a importância daquele momento de escuta.

Os plantonistas vivenciaram algumas dificuldades: a sua ansiedade, a preocupação com o desligamento dos clientes, o que gerou grande número de encaminhamentos e intervenções mais diretivas. Os psicólogos também traziam a convicção de que, para ser eficiente, a intervenção deveria prolongar-se, a priori. O contato com clientes de menor poder aquisitivo gerou outras tantas questões, entre as quais a dúvida sobre a capacidade do próprio cliente resolver suas necessidades.

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B) Miguel Mahfoud relata a experiência de implantação do Plantão Psicológico em uma escola, na década de 1990. Na escola envolvida, Miguel exercia a função de psicólogo, enquanto outros profissionais exerciam a orientação educacional, a coordenação pedagógica e disciplinar. Ele optou pelo Plantão Psicológico na escola, como forma de estruturar a sua atuação, considerando que o primeiro objetivo da educação é a formação da pessoa humana, e que esta seria uma forma privilegiada de constituir sua presença na escola. Para isso, preparou panfletos na forma de uma música (para o colegial / Ensino Médio) e em forma de historinha (para o nível ginasial / Ensino Fundamental Ciclo II), nos quais buscava questionar os alunos sobre a possibilidade de terem na escola um espaço de reflexão pessoal, acompanhados pelo psicólogo. Nos panfletos, descaracterizava a busca do psicólogo como uma iniciativa vinculada à existência de “problemas”, caracterizando-a, antes, como uma possibilidade de crescimento e uma decisão consciente pelo desenvolvimento pessoal. Observou-se uma significativa adesão dos alunos, que se mostrou mais positiva à medida que a experiência pessoal confirmava o plantão psicológico como “um espaço para as pessoas, mais do que para os problemas” (pg. 147). Os alunos se mostravam disponíveis, de uma forma diferente do habitual, pois sabiam que, mesmo quando comportamentos e notas eram discutidos, o essencial era a sua pessoa e a sua resposta à situação, tal como ele decidisse configurar. Foi necessário um cuidado especial com os professores e a instituição, pois os professores a princípio perceberam o Plantão negativamente, como um espaço aliado dos alunos e contrário aos docentes. Para Miguel, foi uma rica experiência, como educador e psicólogo, uma possibilidade de realmente voltar-se para a pessoa humana, como centro de sua atuação profissional.

C) Walter Cautella Jr. relata a experiência de implantação do Plantão Psicológico no Hospital Nossa Senhora de Fátima, em São Paulo, uma instituição hospitalar psiquiátrica religiosa, caracterizada por internações breves e uma ideologia humanista. Segundo Walter, o hospital abriga pacientes psiquiátricos e drogadictos em fase aguda ou sub-aguda de seu quadro clínico, momento em que apresentam riscos para si e para os outros, justificando a necessidade de sua internação. O hospital tem como trabalho principal a atuação médica psiquiátrica, que é responsável pelo diagnóstico e determinação do tratamento para os pacientes. Essa equipe médica participa de uma equipe multi-profissional, formada por assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, psicólogos e uma nutricionista. A atuação psicológica é mais voltada à fase sub-aguda da internação, quando o paciente já apresenta melhora em seu estado e maior capacidade de relacionamento e elaboração. Na fase aguda, quer pelos sintomas do próprio quadro que o distanciam da realidade e da possibilidade de reflexão ou vinculação, quer pelo impacto da medicação que diminui a capacidade de elaboração, o trabalho psicológico é menos acentuado. No hospital, à época em que Walter implantou o Plantão Psicológico, o trabalho dos psicólogos se voltava para psicoterapia de grupo e psicoterapia individual. Todavia, analisava-se que a motivação dos pacientes era mais voltada ao desejo de obtenção de alta, do que de fato a uma busca pessoal por psicoterapia. Diante disso, optou-se pela implantação do Plantão Psicológico, como possibilidade paralela às psicoterapias individuais e grupais. Walter entendeu que, no Plantão, rompia-se com as dificuldades observadas, uma vez que em

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primeiro lugar, era o paciente quem decidia se queria comparecer ao Plantão. Por outro lado, uma vez que o terapeuta plantonista não estabelece um foco e não se preocupa com os sintomas, mas com a pessoa do paciente, criava-se aí uma possibilidade inédita de encontro do paciente psiquiátrico consigo mesmo.

2. Aspectos conceituais dos relatos

“Muitas pessoas, em determinada circunstância de suas vidas, poderiam se beneficiar ao encontrar uma interlocução diferenciada, que lhes propiciasse uma oportunidade também de escutar a si mesmos, identificando e reconhecendo seus próprios sentimentos e possibilidades de auto direção, no momento em que enfrentam a dificuldade, sem que necessariamente tenham que se submeter a atendimento sistemático, prolongado, como tradicionalmente oferecerem as psicoterapias.” (pg 16-17)

“Se atendermos à complexidade da vida humana com olhar justo, temos que reconhecer que, numa hora ou menos, é altamente improvável que possamos reorganizar a estrutura de vida de um indivíduo. Se pudermos reconhecer este limite e nos abstivermos de desempenhar o papel de Deus, poderemos oferecer um tipo muito precioso de ajuda, de esclarecimento, mesmo num curto espaço de tempo. Podemos permitir ao cliente que exprima seus problemas e sentimentos de forma livre, e deixá-lo com o reconhecimento das questões que enfrenta.” (Rogers apud Rosenthal, pg. 16)

“Mesmo no caso de problemas graves ou dificuldades antigas, conclui-se que o princípio de tudo-ou-nada – ou seja, terapia profunda e prolongada ou nenhuma assistência psicoterápica – não tem real validade. Especialmente em pontos críticos do desenvolvimento ou da vivência, uma intervenção adequada tem, além de efeitos terapêuticos, caráter preventivo de conflitos maiores posteriores” (Rosenberg apud Rosenthal, pg. 18-19).

“... nossa proposta não era criar um serviço para emergências psiquiátricas e sim oferecer escuta imediata, recebendo a pessoa no momento da dificuldade, sem que necessariamente a intensidade dessa dificuldade tivesse atingido um ponto crítico que representasse ameaça iminente à sua integridade ou à de outros (...). ” (pg. 19)

“O Plantão Psicológico não foi concebido como uma alternativa ‘tampão’ para acabar com filas de espera em serviços de assistência psicoterapêutica, já que não pretende substituir a psicoterapia. Não acreditamos que uma única sessão seja capaz de resolver sérios problemas emocionais ou promover resultados reconstrutivos da personalidade.” (pg. 19)

“A grande descoberta deste século para as Ciências Humanas é a descoberta terapêutica da escuta. Não há melhor entendimento que alguém possa nos prestar do que servir-nos de ouvido para as falas baixas e quase imperceptíveis da nossa existência”. (Bonder apud Rosenthal, pg. 27)

“Ouvir pode sugerir uma atitude passiva, mas não é. Ouvir implica acompanhar, estar atento, estar presente. Presença inteira.” (pg. 27)

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“Isso fez com que mesmo quando precisávamos chamar alguém para conversar por pedidos da coordenação pedagógica ou disciplinar, ou por pedido de algum professor, a disponibilidade de tratar dos problemas fosse já diferente, porque o interesse era por ele, e não por suas notas ou comportamentos. Então, até suas notas e comportamentos eram discutidos; suas queixas intermináveis, ouvidas; mas sua pessoa continuava a ser o centro, e a resposta à situação assim como é ainda cabe a ele, que poderia agora ter alguém a quem se referir, com quem se avaliar, em quem se apoiar.” (pg. 148)

“A consciência ampla do educador, ali frente ao aluno, traduz-se também em disponibilidade e cumplicidade, para que o aluno viva com realismo e cuidado consigo mesmo.” (pg. 148)

“O primeiro conceito define a doença mental como uma ‘patologia da liberdade’ (Sonenreich, C. e Bassit, W., 1979). (...) Neste conceito, a palavra ‘liberdade’ refere-se à capacidade de o indivíduo optar, ou seja, de criar normas para se gerenciar. O doente mental seria aquele indivíduo que perdeu a capacidade de optar e passa a viver regido pelas normas ditadas pela sua patologia.” (pg. 164)

“O segundo conceito vem para complementar e aprofundar o que foi acima citado. Segundo Alfredo Moffatt (1983), a patologia seria uma desorganização da temporalidade e, consequentemente, da identidade. (...) Para ele, a consciência é um processo pontual que ocorre de momento a momento, e o homem através de um longo processo evolutivo conseguiu desenvolver uma construção imaginária que lhe assegura a continuidade de seu psiquismo (tempo) e, consequentemente, de sua identidade. Desta forma, o que nos difere dos animais é que esse só possui um presente imediato, enquanto que o homem, através dessa trama, possui o presente, sabe de seu passado e pode inferir sobre seu futuro. Essa continuidade no processo de consciência permite que o indivíduo crie sua identidade. O ponto central dessa teoria define que a doença mental é a destruição dessa trama de sustentação da continuidade do EU. Consequentemente, a pessoa se fragmenta e dissolve a sua vivência de existir (crise). Ela descobre que o tempo não existe e cai em um vazio paralisante e insuportável. Para superar essa situação, o indivíduo tenta construir uma nova trama de continuidade, que nada mais é que uma restituição neurótica ou psicótica. Essa trama não é compartilhada por todos. O sujeito cria um novo EU isolado e alheio à cultura geral.” Pg. 165

“Quanto ao plantonista, esse deve estar preparado para uma situação terapêutica muito diferente das abordagens tradicionais. O profissional deve estar ciente e disposto a se defrontar com o não planejado (...).” pg. 167

“Tanto o cliente como o profissional devem saber da possibilidade de esse encontro ser único. A percepção da limitação temporal vai gerar uma modificação interna nos participantes do encontro. Possibilitará ao plantonista uma maior sensibilidade frente às questões do cliente, e esse, por sua vez, tentará reorganizar sua demanda de maneira a hierarquizar e priorizar aquilo que é mais importante para si naquele momento.” (pg. 167)

“ O plantonista (...) deve se propor a responder à demanda do cliente naquele momento. Essa proposta, aparentemente impossível, torna-se viável quando o profissional coloca-se à disposição para acolher a experiência do cliente e não apenas seus sintomas.” (pg. 167)

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“O que se deseja é que o cliente perceba-se inserido no mundo e passe a compreender suas questões e sintomas não mais dissociados do geral, e, sim, como parte integrante desse todo.” (pg. 168)

“Quando o plantão psicológico propicia ao cliente uma visão mais clara e abrangente de si de de suas perspectivas frente à problemática, ele está promovendo saúde, como a compreendemos. Quando o indivíduo se questiona e se posiciona frente a seus conflitos, ele está fazendo opções e percebendo sua existência inserido em um contexto histórico-sociocultural. Nesse momento, há um resgate da capacidade de optar e da própria identidade do sujeito. Mesmo que esse resgate seja momentâneo – como muitas vezes acontece – e o indivíduo mergulhe na estagnação e nulidade patológica em seguida, esses núcleos devem ser valorizados, pois falam de um potencial de saúde.” (pg. 168)

“A experiência desenvolvida pelo psicoterapeuta de aceitar incondicionalmente a experiência do cliente permite que se estruture um campo onde este pode entrar em contato com os fatores que vêm causando desorganização na sua relação com o mundo e, a partir daí, tentar uma organização mais eficiente.” (pg. 168)

“O plantonista não deve estar atento apenas às queixas psicológicas do cliente, mas sim, no modo como a situação conflitiva interfere nas várias esferas da vida da pessoa. Acolher a experiência global do cliente, e não orientar os rumos do encontro pela sua especialidade, coloca o plantonista em uma posição privilegiada (...).” pg. 171