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TRÊS MOMENTOS DE LEITURA NAS AULAS DE MATEMÁTICA… · 2.2 Leitura e literatura nas aulas de Matemática O professor em sala de aula tem autonomia para desenvolver sua prática

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TRÊS MOMENTOS DE LEITURA NAS AULAS DE MATEMÁTICA: uma

experiência em uma turma de sexto ano do Ensino Fundamental

Olivia Genozilda de Quadros1

Leoni Malinoski Fillos2

RESUMO

Este artigo apresenta os resultados da implementação da unidade didática, produzida como parte das atividades do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE, turma 2010, promovido pela Secretaria de Estado da Educação do Paraná. O estudo teve por objetivo investigar os limites e as potencialidades da utilização de textos literários no ensino da Matemática e verificar se tais textos despertam o interesse para a aprendizagem de conteúdos matemáticos. Buscou-se a ampliação dos conceitos referentes às operações básicas, sistema de numeração decimal e sistema de medidas a partir de atividades relacionadas a textos clássicos da literatura infantil, respectivamente envolvendo a fábula “A Formiga e a Pomba”, a lenda “O Negrinho do Pastoreio” e o conto “O Gigante Egoísta”. Os alunos envolvidos no processo de implementação são de uma turma de 6º ano do Ensino Fundamental de uma escola estadual da região Sul do Paraná. O material de análise é constituído pelos registros escritos dos alunos e das observações diretas da pesquisadora: situações, comentários, atitudes, questionamentos, facilidades e dificuldades apresentadas, que foram anotadas em um diário de bordo. O estudo aponta que a Literatura possibilita maior dinamismo às aulas de Matemática, a contextualização dos conteúdos da disciplina, a comunicação de ideias, o registro textual e pictórico de diferentes estratégias para a resolução de problemas, a sistematização de conceitos, bem como a atribuição de significados e sentidos ao “fazer matemático”.

Palavras chave : Educação Matemática, Literatura, Leitura, Escrita.

1 Professora da disciplina de Matemática da Rede Estadual de Ensino do Paraná, participante do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE - 2010. Email: [email protected]. 2 Professora do Departamento de Matemática da Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO - Campus Irati, Mestre em Educação (UFPR). Email: [email protected].

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1 INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, diversos educadores e pesquisadores têm apresentado

estudos, no campo da Educação Matemática, que buscam promover o ensino e a

aprendizagem da Matemática nas escolas, tornando o processo educativo da

disciplina mais dinâmico, eficiente e atrativo. Dentre esses estudos, destacam-se as

propostas que enfatizam a literatura, especialmente a literatura infanto juvenil, como

recurso pedagógico fértil para a produção de experiências e aprendizagens em

Matemática. Essa perspectiva tem como referência estudos de Smole e Diniz (2001),

Danyluk (1994), Nacarato e Lopes (2005) e Neves (2003).

Os resultados sobre o ensino e aprendizagem da Matemática, revelados por

meio do desempenho dos alunos em avaliações institucionais e as de sala de aula,

apontam que aprender Matemática depende da capacidade de ler, escrever e

compreender textos, em que se congregam a língua materna e a linguagem

matemática para representar ideias e descrever relações e símbolos matemáticos.

Atuando, como professora de Matemática do 6º ano do ensino fundamental

nos últimos anos, percebo que os desafios que se apresentam para os docentes

desta disciplina são imensos, pois a maioria dos alunos apresenta dificuldades na

leitura e na escrita, desconhece a linguagem matemática e não consegue interpretar

e relacionar dados referentes às operações básicas (adição, subtração,

multiplicação e divisão) quando se depara com situações-problema. Em geral, diante

das dificuldades de interpretação o aluno acaba desistindo de resolver o problema

que lhe foi proposto ou espera a solução do colega ou do professor.

É sabido, entretanto, que a resolução de problemas está intimamente ligada

à interpretação do enunciado. O aluno que não entende o que lê, não consegue

explorar os caminhos que levam à solução do problema e não desenvolve sua

capacidade de abstrair os conceitos matemáticos.

Por isso, é necessário que o professor trabalhe também nas aulas de

Matemática com textos diversos a fim de ampliar o domínio do aluno em relação à

leitura e à escrita e desenvolver habilidades de expressão e raciocínio matemático,

buscando uma aproximação significativa entre a matemática, a língua materna e a

vida do dia-a-dia. Pois, conforme Smole e Diniz (2001), a compreensão de uma

leitura envolve interpretação, análise, comparação, classificação, quantificação,

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medida, generalização, que são elementos fundamentais para o processo de ensino-

aprendizagem da Matemática.

Para Smole e Diniz (2001), a utilização de textos literários nas aulas de

Matemática, como histórias infantis, contos, fábulas, poesias, lendas e outros,

possibilita o desenvolvimento da imaginação e da escrita, contribui para a formação

de alunos leitores e para um aprendizado mais dinâmico e envolvente. Oportuniza

ainda a abordagem de conceitos de forma natural e prazerosa, estimula a

investigação e a reflexão e, possibilita ao estudante se apropriar de uma linguagem

adequada, relacionando o conteúdo com o cotidiano e com outras áreas do

conhecimento. Para as autoras, é primordial que o aluno leia e compreenda o que

leu e observe que a Matemática, tal como a língua materna, estabelece sentido ao

mundo em que vivemos.

Nessa perspectiva, esse artigo insere-se nestas discussões ao apresentar o

resultado de um projeto, desenvolvido em uma turma de 6º ano do Ensino

Fundamental, em que se buscou a superação das dificuldades de interpretação dos

alunos por meio da proposição da leitura e de atividades relacionadas a textos

literários. O objetivo do estudo foi investigar os limites e as potencialidades da

utilização desses textos no ensino da Matemática, no 6º ano do ensino fundamental

e, verificar se tais textos despertam o interesse pela aprendizagem de conteúdos

matemáticos. Buscou-se a ampliação dos conceitos referentes às operações

básicas, sistema de numeração decimal e sistema de medidas a partir de atividades

relacionadas a clássicos da literatura infantil, respectivamente envolvendo a fábula

“A Formiga e a Pomba”, a lenda “O Negrinho do Pastoreio” e o conto “O Gigante

Egoísta”.

Para a apresentação do estudo, faz-se primeiramente uma breve discussão

teórica sobre a Educação Matemática e seus fundamentos e dialoga-se sobre

integração entre literatura e matemática em contextos pedagógicos. Em seguida,

são apresentados os resultados da intervenção realizada na escola e, por fim,

discute-se e avalia-se a proposta.

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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 Educação Matemática: aspectos históricos e teó ricos

No final do século XIX e início do século XX, as discussões entre

educadores matemáticos de diversos países, já apontavam para a necessidade de

uma proposta pedagógica que demarcasse nos currículos escolares a possibilidade

da participação ativa do aluno. Essas discussões enfatizavam a necessidade da

atribuição de significado ao conteúdo que se aprendia em sala de aula, levando o

aluno a pensar criticamente, analisar, relacionar ideias, realizar descobertas, criar e

estabelecer relações entre os conhecimentos. Tais discussões e avanços

culminaram no surgimento de um movimento internacional, mais tarde denominado

Educação Matemática, que representa um campo de estudo que fundamenta o fazer

pedagógico do professor.

Na década de 1920, com o movimento da Escola Nova, surgem os primeiros

“educadores matemáticos” no Brasil e os primeiros manuais de orientação

pedagógica de matemática. Nomes de destaque são Everardo Backheuser, na

escolarização primária, e Euclides Roxo, na escolarização secundária e nas

reformas curriculares. Tempos depois, décadas de 1940 e 1950, outros nomes

entram em evidência como Júlio César de Mello e Souza (Malba Tahan), Ary

Quintela e Manoel Jairo Bezerra (FIORENTINI; LORENZATO, 2006).

Nessa época, tiveram início os primeiros Congressos Nacionais em que o

ensino de Matemática passou a ser discutido com mais intensidade. Foram

momentos de enorme expansão na pesquisa em Educação Matemática em todo o

mundo, despertando novas organizações profissionais.

Em 1958, a sociedade norte-americana de Matemática direcionou suas

pesquisas ao desenvolvimento de um novo currículo escolar de Matemática, tendo a

participação de diversos grupos de pesquisas matemáticas, educadores e

psicólogos. Nos Estados Unidos deu-se início aos primeiros programas de mestrado

e doutorado em Educação Matemática.

A Educação Matemática, enquanto campo de investigação surge no Brasil a

partir do Movimento da Matemática Moderna (MMM), final dos anos de 1970 e nos

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primeiros anos de 1980 (FIORENTINI; LORENZATO, 2006). Em 1983 é fundada a

Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM) e, a partir dessa época,

surgem vários programas de pós-graduação em Educação Matemática e novas

linhas de estudos como a etnomatemática, modelagem matemática, resolução de

problemas, currículo escolar, formação de docentes, dentre outros.

Segundo Fiorentini e Lorenzato (2006), os anos de 1980 representam um

período de amplas discussões políticas, sociais e ideológicas.

De ‘como ensinar?’ passamos para ‘por que, para que e para quem ensinar?’ Se a pesquisa contribuiu, de um lado para elucidar alguns determinantes socioculturais e políticos; de outro, priorizou os aspectos pedagógicos mais amplos do fenômeno educacional em detrimento daqueles mais específicos relacionados aos conteúdos matemáticos (FIORENTINI; LORENZATO, 2006, p. 34).

No final do século XX, a região de inquérito da Educação Matemática

amplia-se significativamente. Mais de duas dezenas de educadores matemáticos

que concluíram doutoramento em outros países retornam ao Brasil, fazendo da

Educação Matemática seu principal campo de atividade e de produção de

conhecimento. Outras linhas de investigação ganham adeptos como a informática, a

educação estatística e a psicoanálise, havendo maior consistência e teor

metodológico no desenvolvimento das pesquisas (FIORENTINI; LORENZATO,

2006).

Estudos recentes enfatizam que a Educação Matemática busca balizar a

prática pedagógica dos professores oferecendo subsídios teóricos e práticos para

suas aulas. A Educação Matemática, desse modo, tem por objetivos principais a

melhoria do processo educativo da disciplina e o desenvolvimento de pesquisas e

produção de conhecimentos científicos na área.

Nos últimos anos, a Educação Matemática vem sendo discutida e divulgada

amplamente em congressos, seminários, nos cursos de formação de professores e

nas escolas, fundamentando propostas curriculares. Exemplo disso observa-se no

documento das Diretrizes Curriculares da Educação Básica do Estado do Paraná

(2008), que explicitamente propõe que o ensino da Matemática nas escolas esteja

pautado na Educação Matemática, ou seja, que o processo pedagógico dessa

disciplina propicie ao aluno o acúmulo de conhecimentos matemáticos e, ao mesmo

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tempo, desenvolva valores e atitudes de segurança, investigação e reflexão,

contribuindo para uma formação mais integral, humana e crítica do estudante

(Paraná, 2008).

Conforme o documento almeja-se, pela Educação Matemática, um ensino

que motive os alunos para a aprendizagem e possibilite a apropriação de conceitos

e a formulação de ideias de forma crítica e reflexiva. Nessa perspectiva, a Educação

Matemática abre novos caminhos para o professor, tendo como objetivo a formação

plena do aluno fazendo da sala de aula um ambiente de discussão, reflexão e

construção de conhecimento.

É preciso, ainda, considerar que pela Educação Matemática almeja-se um ensino que possibilite aos estudantes análises, discussões, conjecturas, apropriação de conceitos e formulação de idéias. Aprende-se Matemática não somente por sua beleza ou pela consistência de suas teorias, mas, para que, a partir dela, o homem amplie seu conhecimento e, por conseguinte, contribua para o desenvolvimento da sociedade (PARANÁ, 2006, p. 25).

Desse modo, considera-se importante ensinar Matemática numa concepção

mais ampla, adotando uma prática de sala de aula voltada para a Educação

Matemática onde o aluno aprenda a desenvolver procedimentos, formas diferentes

de pensar e habilidades básicas como verbalizar, ler e interpretar textos de outras

áreas do conhecimento, bem como resolver situações-problemas de seu dia-a-dia

de forma inteligente e precisa. Para isso, é necessário que o professor crie um

ambiente favorável e trabalhe de forma contextualizada por meio de atividades que

provoquem o interesse e a curiosidade do aluno e o conduza a perceber a

aplicabilidade da Matemática na realidade em que vive.

2.2 Leitura e literatura nas aulas de Matemática

O professor em sala de aula tem autonomia para desenvolver sua prática e

essa prática reflete sua concepção de Matemática, de ensino e de aprendizagem,

sendo considerados dois aspectos distintos:

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[...] pode-se conceber a Matemática tal como ela vem exposta na maioria dos livros didáticos, como algo pronto e acabado, em que os capítulos se encadeiam de forma linear, seqüencial e sem contradições; pode-se acompanhar a Matemática em seu desenvolvimento progressivo de elaboração, de modo a descobrir-se suas hesitações, dúvidas, contradições, as quais um longo trabalho de reflexão e agrupamento consegue eliminar, para que logo surjam outras contradições no fazer matemático. Isto é, sempre haverá novos problemas por resolver. (CARAÇA, 2002; p.XXIII).

A preocupação com a leitura e a escrita nas aulas de Matemática é recente

e de grande valia, uma vez que ensinar Matemática implica em construir estratégias

de leitura a partir da vivência do aluno e que saber ler e escrever são ações

fundamentais para o processo de ensino-aprendizagem.

Nossas escolas em geral não têm um currículo voltado à formação de

leitores, pois a maioria dos professores não tem hábito da leitura. Os livros expostos

na biblioteca acabam por não cumprir a finalidade de despertar o imaginário e

enriquecer o vocabulário dos alunos, pois esse espaço é pouco explorado para o

desenvolvimento das aulas. Faz-se necessário, portanto, que o corpo docente divida

essa tarefa com os professores da Língua Portuguesa e desenvolva projetos

atraentes que despertem o interesse dos alunos para a leitura.

Kleiman (2004 a. p.13) diz que “a leitura é considerada um processo

interativo” que permite ao indivíduo relacionar a realidade ficcional com a realidade

vivida no cotidiano. Por meio dela, o leitor constrói imagens, fantasias, viaja e realiza

sonhos acerca do que está lendo, adquirindo mais conhecimentos e cultura.

A leitura e a escrita são fatores relevantes para melhorar o desempenho

escolar de nossas crianças. Por isso, é importante estimular desde cedo a literatura

também nas aulas de Matemática, aproveitando o universo infantil para as diversas

possibilidades de aprendizagem. Isso vem ao encontro à Lei de Diretrizes e Bases

da Educação Nacional, nº 9394/96, que, em seu artigo 32, explicitamente preconiza

que um dos objetivos do ensino fundamental é “a formação básica do cidadão”,

mediante “o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios

básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo” (inciso I).

Segundo Nacarato e Lopes (2005, p.158), “o indivíduo ao ler, interpreta e

compreende de acordo com sua história de vida, seus conhecimentos e suas

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emoções”. O aluno, em seu cotidiano, está rodeado de saberes e fazeres próprios

de sua cultura. É uma etnomatemática não aprendida na escola, mas no ambiente

de sua convivência familiar, colegas, brinquedos. Por isso, o professor deve

relacionar os conceitos matemáticos com situações vivenciadas pelos alunos,

aproximando os conteúdos de uma linguagem acessível que auxilie no processo de

ensino-aprendizagem.

Nesse sentido, Neves enfatiza que:

Ensinar é ensinar a ler para que o aluno torne capaz dessa apropriação, pois o conhecimento acumulado está escrito em livros, revistas, jornais, relatórios, arquivos. Ensinar é ensinar a escrever porque a reflexão sobre a produção de conhecimentos se expressa por escrito. (NEVES, 2003).

A escrita matemática é muito rica em sinais especiais criados para

representar conceitos. A simbologia para expressar informações, na realidade, é

uma segunda língua e exige do aluno compreensão entre a linguagem materna e a

linguagem matemática, sendo um grande desafio a ser enfrentado. Para isso, é

necessário que o professor recorra a histórias variadas, podendo ser contos, textos,

recorte de jornais e de revistas e outros, com o intuito de levar os alunos a

compreender os conceitos matemáticos, bem como despertar o interesse,

curiosidade, criatividade, imaginação, desenvolvimento do raciocínio lógico e

ampliação dos conhecimentos de Matemática por meio da leitura e escrita.

A articulação da Literatura e com a Matemática possibilita ao professor

realizar um trabalho interdisciplinar, integrando leituras diversas às aulas e

promovendo o desenvolvimento intelectual e criativo na interpretação de problemas.

Segundo Smole e Diniz (2001, p. 82),

A leitura em Matemática também requer a leitura de outros textos com grande quantidade de informações numéricas e gráficas. Eles podem ser encontrados em uma notícia ou anúncio publicados em jornais e revistas. Nesses casos, a leitura pode ser enfatizada quando propomos vários questionamentos que requerem várias idas até o texto para a seleção das informações que respondem às perguntas feitas. Esse tipo de atividade pode abranger o desenvolvimento de noções, conceitos e habilidades de matemática e do tratamento de informações, (SMOLE e DINIZ, 2001, p.82)

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Acredita-se, assim, que um ambiente pedagógico em que a leitura tenha

lugar de destaque possibilita um ensino mais dinâmico e um aprendizado mais

significativo dos conteúdos matemáticos, bem como um processo dialógico entre

alunos e professor. Nessa esteira de entendimento, desenvolveu-se o projeto a

seguir descrito, inserido no Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE/2010)

e implementado em uma turma do Ensino Fundamental.

3 METODOLOGIA DO ESTUDO

Uma das importantes ações para o desenvolvimento deste estudo foi a

oportunidade de socialização e discussão do projeto, desde o início, com um grupo

de professores de Matemática de distintas regiões do Paraná, o Grupo de Trabalho

em Rede – GTR.

Tais discussões, realizadas na plataforma Moodle, possibilitaram o

aprimoramento do projeto e do material didático produzido para a implementação,

além da troca de experiências e relatos que enriqueceram a prática pedagógica de

todos os cursistas participantes. Dos quinze inscritos no curso, treze concluíram.

Efetivamente, o projeto foi desenvolvido em sala de aula no segundo

semestre de 2011, no Colégio Estadual Antonio Xavier da Silveira, Irati – PR. Foram

catorze aulas ao todo, numa turma de 6º ano, constituída de trinta e cinco alunos -

dezessete meninos e dezoito meninas. A turma era considerada pelo coletivo dos

professores como difícil de trabalhar, por ser bastante heterogênea e por agregar

vários alunos com déficit de atenção, hiperativos e com defasagens de

aprendizagem, sendo que muitos deles frequentavam a Sala de Apoio ou a Sala de

Recursos.

Antes de apresentar a proposta à turma, buscou-se investigar os anseios

dos alunos em relação à disciplina de Matemática. Vários deles relataram que não

conseguem assimilar os conteúdos, acham a matéria muito difícil e, por isso, não

gostam das aulas da disciplina. Disseram também que não entendem o que deve

ser feito quando um problema ou atividade é proposta, não sabem qual operação

realizar, não conseguem interpretar e não veem utilidade em estudar os conteúdos.

Ficou evidente, portanto, a necessidade do desenvolvimento de um trabalho

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diferenciado com a turma, de forma que os alunos se sentissem motivados em

aprender e enxergassem com outro olhar a disciplina, percebendo a relação do que

estudam com o cotidiano.

A proposta, quando apresentada para a turma, foi recebida com certo

estranhamento, pois, em geral, as atividades de ler e escrever não são comuns nas

aulas de Matemática. Na verdade a impressão que se teve é que os alunos pensam

que ler pertence somente à disciplina de Língua Portuguesa. Segundo Machado

(1990, p. 22), “é como se as duas disciplinas, apesar da longa convivência sob o

mesmo teto – a escola – permanecessem estranhas uma à outra, cada uma

tentando realizar sua tarefa isoladamente ou restringindo ao mínimo as

possibilidades de interações intencionais”. O autor enfatiza a importância de mostrar

aos alunos onde está à ligação de Literatura e Matemática, pois estas linguagens se

misturam em leituras de jornais, revistas, propagandas, gráficos, entre outros.

Para o desenvolvimento das ações em sala de aula, o principal material de

apoio foi a unidade didática: Ensinando Matemática na 5ª série por meio da

Literatura, produzida no segundo período do PDE. Tal unidade didática consiste em

uma sequência de três atividades, que contemplam o ensino da Matemática por

meio da Literatura, sendo uma fábula, uma lenda e um conto, respectivamente A

Formiga e a Pomba, O Negrinho do Pastoreio e O Gigante Egoísta. Estas atividades

têm por foco a interpretação e a resolução de situações problemas, especialmente

relacionadas às operações básicas, ao sistema de numeração decimal e ao sistema

de medidas.

Para a apresentação e análise da intervenção em sala de aula, as ações

estão subdivididas em três momentos a seguir descritos e discutidos. Ressalta-se

que foram trabalhadas todas as atividades contidas no material didático, porém,

neste artigo apresenta-se somente um tópico referente a cada atividade, devido à

limitação de laudas.

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4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

4.1 Primeiro momento

O primeiro momento da implementação do projeto refere-se à aplicação da

atividade inicial do material didático e foi realizada em setembro de 2011. Foram

utilizadas quatro horas-aula e foram trabalhados exercícios matemáticos

relacionados à fábula A formiga e a Pomba.

No primeiro dia a turma estava muito agitada e eufórica, pois haviam voltado

da aula de Educação Física, sendo preciso primeiramente e, como de costume,

acalmar e organizar os alunos presentes, antes de dar início às atividades.

Depois de acomodada, a turma foi questionada sobre a importância da

leitura nas aulas de Matemática e sobre o que é uma fábula. Alguns alunos disseram

que precisam ler para responder o que pede um problema e para não ser logrado na

hora de receber o troco num pagamento. Também expuseram que por meio da

leitura adquirem novos conhecimentos, novas palavras para o seu vocabulário e

melhor fluidez para a interpretação das situações problemas.

Em relação ao segundo questionamento, observou-se que os alunos não

sabiam ou não lembravam o que é uma fábula, pois ninguém respondeu. Para

instigá-los, afirmou-se que certamente haviam lido uma fábula e, que se tratava de

uma pequena história imaginária, em que os personagens são geralmente animais

falantes que pensam, agem e sentem como seres humanos. Foi dado um exemplo

do autor da Grécia Antiga, Esopo, século VI a. C., que em suas histórias utilizava

animais como formigas, cigarras e raposas, para tecer críticas sobre os valores da

sociedade da época. Explicou-se também que nas fábulas tudo é possível, pois é

um mundo de fantasias e o comportamento dos animais representa as qualidades,

os defeitos, o egoísmo e os vícios dos seres humanos. Ainda que, no final, cada

fábula traz uma lição de moral com objetivo de passar uma mensagem positiva para

a vida e possibilitar ao leitor a reflexão sobre as atitudes cotidianas.

Depois dessa fala, alguns alunos se manifestaram dizendo que já haviam

lido fábulas, mas não lembravam os nomes, comentando que a professora das

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séries iniciais lia e às vezes contava essas histórias, que eles desenhavam no

caderno. Salientaram, porém, que não era na aula de Matemática e sim de

Português.

Após essa discussão, foram distribuídas cópias para os alunos da fábula A

Formiga e a Pomba para que realizassem primeiramente uma leitura individual e

silenciosa. Depois foi feita uma leitura coletiva com alguns alunos lendo uma frase

do texto. Percebeu-se, nesse momento, que alguns estudantes não conseguiam

acompanhar a leitura, apresentavam dificuldades em ler ou não entendiam o que

estavam lendo. Alguns sequer queriam ler, pois se sentiam constrangidos perante a

turma. Sabe-se, porém, que a leitura é um dos instrumentos primordiais para a

emancipação do homem e para o desenvolvimento da consciência crítica (FREIRE,

1980). O indivíduo que não lê fica impossibilitado de acesso a muitos bens materiais

e culturais que a sociedade tem acumulado e fica alheio às diferentes informações

que circulam na sociedade.

Na aula seguinte, após uma releitura do texto, buscou-se envolver a turma

numa discussão sobre as atitudes dos personagens. Uma aluna, que não estava

presente na aula anterior, mas durante a semana procurou a professora solicitando

o texto, disse que a mensagem da fábula é que “as pessoas devem ser solidárias e

devem ajudar umas às outras quando precisam”. Foram então propostas algumas

atividades de interpretação do texto, que eram precedidas por atividades relativas a

cálculos matemáticos.

Os alunos acharam estranhas as questões de interpretação e, inicialmente,

se negaram a respondê-las, indo diretamente para as atividades relacionadas aos

cálculos. Fez-se então uma intervenção para que primeiro respondessem as

questões interpretativas para melhor entendimento do que foi lido e depois

realizassem as atividades que envolviam matemática.

Os alunos apresentaram dificuldades em responder as questões de

interpretação, sendo necessária a interferência da professora o tempo todo.

Somente um aluno deixou de realizar as atividades e foi para os cálculos. Quando

questionado o porquê dessa atitude, ele disse que não gostava de ler, gostava

somente de “fazer conta”.

As atividades de cálculo envolviam os seguintes conteúdos matemáticos:

operações básicas (adição e subtração), divisibilidade, medidas de tempo e sistema

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de numeração decimal. Uma das atividades, contida no material didático e proposta

aos alunos, foi a seguinte:

Figura 1 - atividade 1.6 Fonte : material didático produzido pelas autoras

Devido à dificuldade na resolução da primeira questão, foi mostrado na

régua que cada intervalo ou espaço entre dois “risquinhos” corresponde a um

milímetro e que do zero até o um equivale a um centímetro. Para fixação, os alunos

mediram comprimentos como do lápis, da borracha e do tampo da carteira. Foi

necessário também retomar no quadro de giz o algoritmo da adição e subtração com

números decimais, para que a atividade fosse realizada por todos.

Na atividade relativa aos recipientes (letra b), a maioria dos alunos

respondeu que eram 36 patas. Por meio de desenho foi explicada a questão e então

alguns alunos resolveram fazendo uma adição (36+36+36+36+36+36= 216) e outros

uma multiplicação (36x6= 216).

Ao recolher as cópias pode-se observar que alguns alunos deixaram de

resolver algumas questões, pois não entenderam o enunciado, não tinham

conhecimento do conteúdo ou não se lembravam de conceitos como dúzia, dezena

ou centena. Por isso, esses conteúdos foram retomados nas aulas seguintes.

Essa primeira experiência de trabalhar literatura juntamente com os

conteúdos matemáticos não foi fácil. Percebeu-se que alguns alunos não gostaram

de fazer leitura e cálculos ao mesmo tempo e reclamaram que ler e escrever são

exercícios para a aula de Português. Pode-se constatar o quanto é difícil trabalhar

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textos literários nas aulas de Matemática, pois o aluno não está habituado a

aprender dessa forma e precisa de muita motivação para que entenda que a leitura

está presente no conteúdo matemático.

No desenvolvimento de atividades dessa natureza, o professor precisa de

muita paciência e persistência perante alguns alunos, muito conhecimento e

exemplos para cativá-los, a fim de que gostem de realizar as atividades. Sneyders

(1996, p.36) diz que “Educar é ir em direção à alegria”.

Esse primeiro momento foi primordial para o desenvolvimento do projeto,

pois era preciso que os alunos percebessem que podem aprender Matemática de

uma forma diferente. Foi um momento de experiência, de mudança e de angústia

também, porque tudo o que é novo gera receio. Penso, entretanto, que a realização

de uma aula diferenciada nos faz crescer como profissionais e possibilita até mesmo

melhorar o relacionamento com os alunos.

3.2 Segundo momento

O segundo momento da implementação do projeto ocorreu no início do mês

de outubro, quando foi trabalhada a lenda O Negrinho do Pastoreio , em quatro

horas-aula.

Antes da leitura do texto, os alunos pintaram com lápis de cor o desenho

ilustrativo que antecedia o texto. Percebeu-se bastante empolgação da turma e que

atividades enfatizando o lúdico, textos, desenhos, pinturas permite o envolvimento

de todos os alunos no processo de ensino.

Segundo Almeida (1995, p.41),

A educação lúdica contribui e influencia na formação da criança, possibilitando um crescimento sadio, um enriquecimento permanente, integrando-se ao mais alto espírito democrático enquanto investe em uma produção séria do conhecimento. A sua prática exige a participação franca, criativa, livre, crítica, promovendo a interação social e tendo em vista o forte compromisso de transformação e modificação do meio.

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Após os alunos terem colorido o desenho, buscou-se destacar que a lenda é

um texto que tem uma base histórica e, muitas vezes, é de criação coletiva de um

povo. No caso da lenda O Negrinho do Pastoreio, sua origem remonta o final do

século XIX, no estado do Rio Grande do Sul.

Após a discussão de alguns exemplos de lendas, iniciou-se a leitura coletiva

do texto, oportunizando a cada aluno ler uma parte. Como todos queriam participar,

o texto foi lido duas vezes. Depois os alunos buscaram no dicionário o significado

das palavras desconhecidas por eles, como pastoreio, tropilha, potros, baio, tordilho,

coto, tropeiros, estancieiros, campeava. Enriqueceram, assim, seu vocabulário com

uma lista de palavras novas por meio da integração da Matemática à Literatura.

Conforme Smole (1995, p. 24),

[...] interrogado pelo texto, o leitor volta a ele muitas vezes para acrescentar outras expectativas, percepções e experiências. Desta forma, a história contribui para que os alunos aprendam e façam matemática, assim como explorem lugares, características e acontecimentos nas histórias, o que permite que habilidades matemáticas e de linguagem desenvolvam-se juntas. (SMOLE, 1995, p. 24)

Nessa perspectiva, a literatura passa a ter sentido quando o aluno investiga,

encontra o significado das palavras e mergulha no texto. As histórias inventadas são

importantes para que o aluno perceba que estas não fazem parte do seu mundo,

mas permitem dar asas à imaginação, ampliando seus conhecimentos em relação

ao mundo em que vive.

Foi aberto, em seguida, um espaço para discussão sobre o que foi lido.

Alguns estudantes falaram que já conheciam a lenda e um deles relatou que o avô

sempre dizia que quando se perde algum animal de estimação é só acender uma

velinha para o negrinho que o animal logo aparece.

Na aula seguinte foi dada a continuidade do trabalho com a retomada do

texto e a realização de atividades de interpretação e de conteúdos matemáticos,

envolvendo a adição de números decimais e medidas de comprimento. Dentre os

exercícios propostos que mais chamaram a atenção dos alunos está o seguinte:

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Figura 2 - atividade 2.4 Fonte : material didático produzido pelas autoras

Após uma discussão e exploração sobre o conteúdo do texto, foi proposta a

construção de uma fita métrica, subdividida em cem centímetros. Foi utilizado papel

e barbante para que cada aluno visualizasse as medidas e imaginasse cada

centímetro como se fosse uma formiga, o que facilitou a compreensão do exercício.

Logo os alunos perceberam que em meio metro teriam 50 formigas e em um metro

100 formigas. Para um quilômetro não apresentaram dúvidas, nem questionamentos

e responderam com facilidade 1000 formigas.

Nesse sentido, por meio da lenda foi possível contextualizar e problematizar

uma série de atividades matemáticas, pois esta área, a literatura, se configura como

um campo propício para que isso aconteça. Para Moysés (1997, p. 76), “a escola

desenvolve o trabalho matemático sem se preocupar muito com a questão da

contextualização. Ele se faz essencialmente com base em fórmulas, equações e

todo tipo de representações simbólicas”. Assim, a literatura infanto juvenil constituí-

se um dos caminhos para que mudanças se efetivem no ensino e aprendizagem da

disciplina.

Com a finalização desse segundo momento percebeu-se que a maioria dos

alunos já estava envolvida com a leitura e sabendo como agir durante a aula.

Coloriram com entusiasmo os desenhos, participaram das discussões e realizaram

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ativamente as atividades matemáticas. Foi uma aula divertida, quase todos queriam

relatar alguma fala de seus avós ou pais sobre as lendas que conheciam. Ao final

inclusive questionaram: Quando que vai se a próxima aula de leitura?

Em relação às atividades envolvendo a lenda, destaca-se o relato feito por

uma professora em um fórum no GTR. Conforme suas palavras,

Aproveitei as atividades sobre a lenda do Negrinho do Pastoreio para trabalhar o “Dia da Consciência Negra”. Nessa semana, a nossa escola está trabalhando esse tema, então achei que a atividade seria excelente para ser apresentada para os meus alunos da 6ª série. Com essa atividade pude englobar vários temas e os alunos participaram, o que tornou a aula muito alegre e divertida.

Destaca-se assim, que atividades dessa natureza podem ser aproveitadas em

outros momentos na escola e possibilitar um trabalho interdisciplinar e de

conscientização, com discussões que extrapolam os limites dos conteúdos

específicos de cada disciplina.

3.3 Terceiro momento

O terceiro momento da implementação ocorreu na segunda quinzena de

outubro de 2011, perfazendo um total de seis horas-aula. O texto trabalhado foi o

conto O Gigante Egoísta.

Na primeira aula a classe foi divida em seis grupos. Após a distribuição do

texto para os alunos, os grupos se dirigiram até o bosque do colégio para fazer a

leitura do conto. Enfatizou-se para os alunos que conto é uma estória curta, menor

que uma novela. É um texto narrativo centrado no relato de um determinado

acontecimento, que pode ser real, como uma notícia de jornal, ou fictício, resultante

de algo imaginário. Os contos abordam somente um conflito, um drama ou uma

ação no tempo e no espaço. É objetivo, não se prende em pormenores, segue

diretamente ao assunto.

A leitura do conto ocupou uma aula inteira, pois cada aluno do grupo lia um

parágrafo e o outro continuava, até assim terminar o texto. De volta à sala de aula, o

conto foi lido pela professora com entonação de voz a fim de envolver os alunos na

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história e possibilitar uma reflexão sobre atitudes egoístas e sobre a importância de

se ter paciência e cooperação, especialmente com os colegas, professores e

funcionários com os quais eles convivem todas as tardes.

Percebeu-se que os alunos já estavam mais habituados com a aula de

leitura, interpretação e depois cálculos matemáticos, também que estavam gostando

da nova forma de aprender e fazer matemática.

Nas aulas seguintes, após uma breve retomada do texto, foram realizadas

algumas atividades matemáticas relacionadas ao conto. Deu-se ênfase às

operações básicas, especialmente à multiplicação e à divisão, números pares e

ímpares, medidas de tempo e de comprimento, além de porcentagem.

Uma das atividades que foi trabalhada e que faz parte do material didático é

a seguinte:

Figura 3 - atividade 3.10 Fonte : material didático produzido pelas autoras

Cinco alunos da turma necessitaram de auxílio para realizar a atividade, pois

não lembravam o que quer dizer perímetro e área. Este auxílio veio dos próprios

colegas que responderam: “na letra a somam-se todos os lados da figura e na letra b

a conta é de vezes e na letra c também”. Tal ideia foi reforçada pela professora, que

ressaltou que perímetro é a soma das medidas dos lados de um polígono e área é a

superfície ocupada pelo terreno. No caso do jardim, que tem o formato retangular, a

área é determinada multiplicando-se a medida do comprimento pela medida da

largura. Houve a intervenção da professora em relação à medida da largura para

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que houvesse melhor entendimento da fração ½. Já na questão c alguns alunos

resolveram por meio da adição e outros pela multiplicação, conforme se observa nos

registros abaixo, realizados por dois alunos da turma.

Figura 4 : cálculos realizados pelo aluno X Fonte : arquivo da professora

Figura 5 : cálculos realizados pelo aluno Y Fonte : arquivo da professora

Para conclusão do projeto cada aluno escolheu um dos textos trabalhados e

relatou o que a atividade contribuiu para a aprendizagem do conteúdo matemático.

Em geral, pode-se constatar que a maioria gostou das atividades do projeto,

sugerindo que o mesmo continuasse. Em um dos relatos o aluno enfatiza que:

Aprendi fazer matemática junto com a leitura e que a gente tem que saber ler para

resolver o problema. Tive dificuldades, mas depois que a professora fez os

desenhos no quadro, entendi e aprendi (aluno E)

Em vários momentos no desenvolvimento das aulas os alunos elaboraram

textos referentes ao conteúdo que estava sendo trabalhado e fizeram desenhos

ilustrativos, tais como os indicados a seguir:

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Figura 6 : texto e imagem do aluno A Fonte : arquivo da professora

Figura 7 : texto e imagem do aluno A Fonte : arquivo da professora

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Destacam-se ainda as contribuições dos professores do GTR, que avaliaram

a proposta e a validade do trabalho docente a partir da integração da Literatura à

Matemática. A seguir, estão alguns fragmentos contemplados nos registros dos

professores no fórum da plataforma Moodle, demonstrando as opiniões:

A metodologia utilizada pode contribuir para uma aprendizagem mais significativa, visto que o professor vai resgatar o hábito da leitura e interpretação, levando os alunos a resolver situações problemas de forma atraente e prazerosa (Professora A).

Certamente utilizar leituras nas aulas de Matemática representa mudança no modo tradicional de ensino, pois os alunos podem enxergar o ensino da matemática com outro olhar. É uma alternativa, considerando a necessidade de que todo e qualquer cidadão precisa saber ler, escrever e interpretar o mundo que os rodeia (Professora B).

Acredito que suas aulas foram legais, pois essa forma de trabalho desperta a curiosidade, a imaginação das crianças. Até o momento não havia pensado em trabalhar essa metodologia com os meus alunos de 5ª a 8ª série. Parabéns pela sua iniciativa e por estar nos incentivando a mudar, a tentar diferente, pois o que realmente queremos, são alunos leitores e capazes de interpretarem os problemas matemáticos que propomos (Professora C).

Acredito que é possível despertar a comunidade dos educadores matemáticos, um maior interesse pela prática de leituras nas suas aulas. É um grande desafio para nós professores desenvolver a capacidade em nossos alunos de ler, pois muitos deles querem tudo pronto (Professora D).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste estudo, procurou-se oportunizar aos alunos de um 6º ano do Ensino

Fundamental aprimoramento de seus conhecimentos matemáticos, por meio de

atividades fundamentadas na Literatura. Buscou-se investigar os limites e as

potencialidades da utilização de textos literários no ensino da Matemática e verificar

se tais textos despertam o interesse para a aprendizagem de conteúdos

matemáticos.

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Com a análise dos três momentos de leitura em sala de aula - da fábula, da

lenda e do conto – é possível inferir que a Literatura possibilita maior dinamismo às

aulas de Matemática, a contextualização dos conteúdos, a comunicação de ideias, o

registro textual e pictórico de diferentes estratégias para a resolução de problemas,

a sistematização de conceitos matemáticos, bem como a atribuição de significados e

sentidos ao “fazer matemático”.

Pode-se constatar, portanto, que atividades dessa natureza favorecem o

processo ensino-aprendizagem de Matemática e estimulam a leitura, o que

possibilita ao indivíduo estabelecer relações com o mundo e compreender a

realidade, permitindo assim sua inserção na sociedade em que vive (SMOLE e

DINIZ, 2001).

Conforme as palavras de uma professora no fórum do GTR,

Certamente utilizar leituras nas aulas de Matemática representa mudança no modo tradicional de ensino, que poderá transformar essa realidade, possibilitando ao aluno enxergar a Matemática com outro olhar. É uma alternativa em potencial, considerando a necessidade de que todo e qualquer cidadão precisa saber ler, escrever e interpretar o mundo que os rodeia (Professora E).

Por isso, defende-se a importância da criação de um ambiente em que a

Matemática seja trabalhada na sala de aula articulada à Literatura, com o

desenvolvimento de situações de ensino e de aprendizagem a partir de textos

literários diversos. Levar para as aulas textos é possibilitar a aprendizagem dos

conteúdos matemáticos de forma lúdica, oportunizando aos alunos ampliar o

vocabulário, criar, discutir, descrever, interagir com os colegas, resultando em um

processo educativo extremamente rico, dinâmico e significativo, que contribui tanto

para a aquisição de conceitos matemáticos como para a prática de bons leitores

(SMOLE; DINIZ, 2001).

É importante ressaltar que em todas as áreas do conhecimento o domínio da

leitura, escrita e sua interpretação, são requisitos básicos à aprendizagem. Essa

proposta, portanto, abre caminhos para subsidiar reflexões teóricas acerca da

importância da inserção de textos literários nas aulas de Matemática, bem como de

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oferecer sugestões de atividades didático-pedagógicas aos professores da disciplina

interessados na temática.

Existem obstáculos, pois ensinar Matemática por meio da leitura não é tarefa

fácil, principalmente quando as turmas são grandes, heterogêneas e com muitos

alunos de inclusão. Ressalta-se o estranhamento dos alunos em trabalhar com

leitura e interpretação nas aulas de Matemática e a resistência de alguns para a

realização de atividades não comuns na disciplina. Tornar o aluno leitor nas aulas de

Matemática é uma tarefa difícil e árdua para o professor, mas é necessário, pois o

leitor deve conhecer a linguagem e os símbolos matemáticos para encontrar sentido

no que lê. Vencer tais obstáculos representa um desafio para o professor, pois exige

paciência, tempo, persistência e muita dedicação, tanto no preparo das aulas como

na condução das atividades. Conforme nos diz Freire (1996, p.52), “ensinar não é

transferir conhecimento”, mas sim, criar condições para que os alunos construam o

seu conhecimento.

Ao finalizar o trabalho é possível inferir que trabalhar Literatura em conexão

com a Matemática representa uma alternativa metodológica que deverá ser utilizada

pelo professor em todos os anos do Ensino Fundamental e mesmo no Ensino Médio,

pois desperta nos alunos o gosto pela Matemática. Observar os olhos brilhando ao

final da aula e ouvir pedidos para que a próxima aula fosse com leitura foi realmente

um convite para continuar e ampliar a proposta.

REFERENCIA:

ALMEIDA, Paulo Nunes de. Educação lúdica: técnicas e jogos pedagógicos . São Paulo: Loyola, 1995.

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DANYLUK, Ocsana Sonia. Alfabetização Matemática: O Cotidiano da Vida Escolar, 3ed. Caxias do Sul: EDUCs, 1994.

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MOYSÉS, Lucia. Aplicações de Vygotsky à Educação Matemática. Campinas: Papirus, 1997. (Coleção Magistério: Formação e Trabalho Pedagógico.

NACARATO, Adir Mendes; LOPES, Celi Espasandin (Orgs). Escritas e Leituras na Educação Matemática . Belo Horizonte: Autêntica. 2005.

NEVES, Iara Conceição Bittencout (org) e outros. Ler e Escrever: compromisso de todas as áreas. 5. Ed. Porto Alegre: UFRGS, 2003.

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SMOLE, Kátia C. Stocco. Matemática e Literatura Infantil. Belo Horizonte. Editora Lê. 1995.

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