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Tribunais ganham 54 milhões ao trocar julgamentos por multas Justiça. Suspensão provisória do processo permite que arguidos com crimes de menor gravidade paguem a instituições e libertem tribunais São 54 milhões de euros que o Esta- do lucrou em cinco meses, de ju- nho a outubro, com verbas resul- tantes da suspensão provisória do processo, medida que permite ao Ministério Público propor aos ar- guidos, de crimes como condução sob efeito de álcool ou sem carta, o pagamento de multas em vez de o caso seguir para julgamento. Advo- gados e magistrados concordam com esta aplicação, atual págs. 4 e 5

Tribunais ganham milhões ao trocar julgamentos por multas · A SPP é uma solução processual aplicada em crimes de reduzida ... processo penal não pode es- ... Perguntas da polícia

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Tribunais ganham54 milhões ao trocarjulgamentos por multasJustiça. Suspensão provisória do processo permite que arguidos comcrimes de menor gravidade paguem a instituições e libertem tribunais

São 54 milhões de euros que o Esta-do lucrou em cinco meses, de ju-nho a outubro, com verbas resul-tantes da suspensão provisória do

processo, medida que permite aoMinistério Público propor aos ar-guidos, de crimes como conduçãosob efeito de álcool ou sem carta, o

pagamento de multas em vez de o

caso seguir para julgamento. Advo-gados e magistrados concordamcom esta aplicação, atual págs. 4 e 5

Tribunaisde Lisboadão a ganhar54 milhõesao EstadoReceitas. Suspensão provisória de processopermite resolver casos sem julgamento.Advogados, magistrados do MinistérioPúblico e juizes concordam com aplicaçãoda medida que ajuda à eficácia dos tribunais

LUÍS FONTES

Representantesdas classes

que trabalhama justiçaconcordamgenericamentecom a aplicaçãoda suspensãoprovisóriade processo.

Quais asdiferençasque dividemmagistrados,advogadose juizes?

O Estado lucrou 54 milhões de eu-ros em cinco meses, de junho a ou-tubro de 2012, com multas resul-tantes da resolução de casos quenem chegaram a julgamento. Istosó naáreadaProcuradoria-GeraldeLisboa (PGDL) do Ministério Públi-co que trata 40% do total de crimescometidos em Portugal.

Os arguidos acusados de "cri-mes riscais contra o Estado e Segu-rança Social" e "crimes de corrup-ção e afins" foram confrontadospelo Ministério Público coma figu-ra da suspensão provisória de pro-cesso (SPP) e preferiram pagar ourealizar trabalho comunitário do

que ir a julgamento.A SPP é uma solução processual

aplicada em crimes de reduzidagravidade (pena inferior a cincoanos) em que o MP, com o acordodo arguido, determina, com a ho-mologação do juiz, a

sujeição do arguido a

regras de comporta-mento ou "injunções"(multas) durante umdeterminado período.A SPP aplica-se a cri-mes como conduçãoem estado de embria-

guez, falta de carta, certos casos deviolência doméstica.

Não existem dados relativos àcriminalidade resolvida através deSPP no primeiro semestre. Só emjunho a Procuradoria-Geral de Lis-boa (PGDL) começou a solicitar osdados ao Tribunal de Primeira Ins-tância. Em relação ao total do País,não há qualquer ferramenta infor-mática que agregue os montantes

pagos ao Estado e também a enti-dades de solidariedade social de-correntes da SPE

Se para a pena de trabalho a favor

da comunidade a Direção-Geral de

Reinserção Social (DGRS) forneceuma lista de entidades que possambeneficiar da SPE para o pagamen-to de multas a entidades de solida-riedade social o critério que preva-

lece é o do magistrado do ME"Tal insere-se na autonomia do

magistrado", explica ao DN Rui Car-

doso, presidente do Sindicato dos

Magistrados do Ministério Público.

Segundo este procurador adjunto,um arguido que seja apanhado emLisboa com excesso de álcool, porexemplo, poderá pagar umamultaou fazer trabalho comunitário noCentro de Medicina de Reabilitaçãode Alcoitão. "Se o crime for o de lan-

çar fogo a um caixote do lixo, porexemplo, o crime pode reverter a fa-vor dos bombeiros da área de resi-

dência", explica Rui Cardoso.A ideia será a do arguido ressarcir

o crime de forma ressocializanteem instituições localizadas na áreaonde o dano foi cometido. "Muitas

vezes a pedido do ar-guido na sua área deresidência", remata o

magistrado do MEA simplificação

processual existe hácerca de 20 anos mas,só em 20 10, uma cir-cular do ex-provedor

Pinto Monteiro voltou a alertar os

magistrados para a necessidade deuma maior aplicação da medida.No ano passado, a PGDL começoua elaborar um plano de ação paraagilizar a aplicação desta medida de

justiça. Foi dada especialização amagistrados na área e foram esta-belecidas metas. Do total de proces-sos que dão entrada no MP foi colo-cada a fasquia nos 60% para que se-

ja aplicada a figura da SPP paradesta forma agilizar a justiça.

Na área da PGDL, Francisca vanDunen tem conseguido resultados

em crescendo desde 2010, ano emque 47% dos processos foram re-solvidos com SPP; em 20 1 1, a fas-

quia subiu para 50,9%; no primei-ro trimestre de 2012 para 57,4%; e

no primeiro semestre deste ano

para 59,7%.A realidade dos números e da

avaliação de desempenho só estátratada informaticamente em Lis-boa. As restantes procuradorias-ge-rais-Porto, Coimbra e Évora -estãoalerta e a aplicar a SPP, mas não exis-

tem dados públicos que permitamavaliar o desempenho.

Uma das "penas" usadas paraa SPP pode também passar pelotrabalho comunitário. Os númerosda DGRS enviados ao DN demons-tram a atual apetência dos ma-gistrados do MP pela medida."Constata-se que foram efetuadosa nível nacional, aos serviços de

reinserção social para execuçãode prestação de serviço de interes-se público, com uma média de

duração de 40 horas, por injunção,determinada a cada indivíduo",refere por correio eletrónico Luís

Couto, subdiretor-geral da DGRS,

que avança com números: "No anode 2010 foram solicitados 3298 pe-didos, em 201 1 o número sobe pa-ra4lB6, e de 1 de janeiro a 16 de ou-tubro de 2012 registaram-se 4979 ",

diz Luís Couto.

A suspensão provisória do

processo é positiva. Se o Esta-do conseguir atingir os seusobjetivos de fornia mais ba-rata e menos onerosa é umprincípio elementar de bomsenso de economia proces-sual. Penso que esta medidanão deve ser decidida porum órgão intermédio da es-trutura hierárquica do MP.Esta medida tem de sofreralterações da lei. Quanto ao

estabelecimento de metasconsidero um absurdo. O

processo penal não pode es-tar ao serviço da política cri-minal. Esta é que tem de estarao serviço da investigação epunição dos crimes. Tudo istodeve ser repensado sob penade acontecer em processo--crime o que acontece muitasvezes em processo civil, emque as pessoas acusadas in-justamente de um crime sãoaconselhadas a aceitarem adesistência.

A SPP deve ser utilizadasempre que existam condi-ções para tal. O MinistérioPúblico está apto a fazê-losempre que se justifique.Quanto às metas que pos-sam ser fixadas deverão serentendidas como meramen-te indicativas. Num mês,um magistrado pode ter90% dos processos comobrigatoriedade de seguirpara julgamento e numoutro mês remeter 80%dos casos para suspensãoprovisória do processo.A questão dos números nãopode ser vista de uma formafixa. Defendo isto há mais dequatro anos. A medida nãoé nova, mas está a ser maisaplicada em todo o País.Os magistrados têm a devidaformação para a plicar asuspensão provisóriado processo mas não deve-rão estar submetidosa números.

Todas as medidas quepossibilitem a simplificaçãodos procedimentos sãopositivas. No caso concretoda suspensão provisória doprocesso é uma medida quefoi criada há muitos anos e

que deve ser potencializadapelo Ministério Público.Defendo há muitos anos quese devem utilizar mecanis-mos de diversificação queexistem no Código de Pro-cesso Penal, evitando que

cheguem a julgamento casos

que poderiam ter sido resol-vidos de forma antecipada.Isto pode ser feito com a sus-pensão provisória do proces-so, quer por arquivamentocondicional quer por proces-

sos especiais. Isto é o queacontece por exemplo naAlemanha, em que só vai ajulgamento aquilo que temmesmo de ir. Este sistemausa maciçamente esseprocedimento.

Perguntas da políciapodem ajudar umajustiça mais rápidaplano de ação Questionáriopolicial com dadossocioeconómicos do

arguido agilizam articula-ção com Ministério Público

O plano de ação que está a ser de-senvolvido pela Procuradoria-Ge-ral Distrital de Lisboa (PGDL) des-de fevereiro de 201 1 estende-se amontante até aos órgãos de polí-cia criminal. Se um condutor, porexemplo, for detetado a conduzirembriagado, o agente da PSP ouGNR que o encontrar pode alerta-do logo no momento da identifi-cação e preenchimento dos autos

para a figura da SPR

Em caso de disponibilidade doinfrator, o agente recolhe de ime-diato dados económicos e fami-liares para, quando o caso chegarao MP e quando o arguido fornovamente confrontado com a

suspensão, o processo de decisãodo magistrado [caso a decisão do

arguido seja a mesma] seja maiscélere.

O "inquérito simplificado" seráfeito com "diligências-tipo" para a

realização do inquérito em 60 dias.Nas várias comarcas da PGDL foipedida uma "lista de fenómenos

criminais" para tratamento sim-plificado" que seja "congruente"com as listas policiais.

Segundo documento da PGDL,de 25 de fevereiro do ano passado,"propõe-se a criação na comar-ca/círculo de uma lista de injun-ções-tipo para suspensão provisó-ria do processo bem como umalista de sanções-tipo a plicar no

processo sumaríssimo". "Em al-guns casos, estas injunções-tipopodem ser objeto de protocolos aestabelecer com entidades exter-

nas, nomeadamente DGRS, pro-cedimento corrente em casos deviolência doméstica e que podeser alargada a outros fenómenoscriminais", afirma-se no mesmodocumento.

Da informação já disponível naárea da PGDL, entre janeiro e ou-tubro registaram-se 1407 SPP emcasos de condução sem habilita-ção legal; 1254 por condução emestado de embriaguez, 515 porviolência doméstica; 388 porofensa à integridade física; 382

por furto; 254 por posse de armaproibida; 122 por desobediência;122 por tráfico de estupefacientese 2606 por outras infrações legais.Um total de 7050 crimes foramalvo de SPR

TIPO DE CRIMES

ÁLCOOL> Excesso de álcool ao volante

implica o pagamento de multa e,

ou, trabalho em instituições queintervenham na temática da si-nistralidade além de frequênciado programa "Taxa 0".

CARTA> Condução de veículo sem

habiLitação Legal é um dos crimesmais comuns. A muLta é decidida

peLo MP, a que pode ser acresci-da a obrigação de inscrição em

escoLa de condução.

ARMA> Posse de arma proibida faz

parte da lista de crimes com so-

lução abreviada. A suspensão do

processo tem a duração de seis

meses e o arguido pagará 350 a

IPSS a indicar por magistrado.

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA> Crime de violência domésticaé punido com muLta e, em deter-minados casos, obrigação do

arguido de frequentar programade combate ao alcoolismo

ou para agressores de violência

doméstica.

DECLARAÇÕES FALSAS> Falsas decLarações em proces-so judicial podem ser punidas em

SPP com o pagamento por partedo arguido de 300 euros a uma

instituição particular de solida-riedade social.

Banco Alimentar contraa Fome recebeu 48 mil eurosPROTOCOLO O Banco Alimentarcontra a Fome angariou, em 2011,48 mil euros através da SPE Em vezde irem a julgamento, condutores

apanhados com uma taxa supe-riora 1,2 de álcoolforam convida-dos pelo MP a doar uma determi-nada verba ao Banco Alimentar deLisboa - única entidade comquem foi firmado um protocolo e

para o qual foi criada uma referên-cia multibanco para pagamento.

Por esse motivo foi possível sa-

ber qual o montante doado à ins-

tituição. Na PGDL, onde se trataquase 40% da criminalidade regis-tada em Portugal, em 2011 foramfindos 235 736 processos de umtotal de 3 1 4 870 movimentados.Entre os findos, a suspensão pro-visória do processo foi aplicadaem 8130 casos, o processo abre-viado em 2263 e o processo suma-ríssimo em 2522. 0 arquivamentocom dispensa de pena foi aplica-do em 948 casos.

Arguido não pagou à Igrejamas deu dinheiro à Mesquitaautonomia Os vários ativistas de-tidos pela PSP nas recentes mani-festações, na sua maioria, têm sido

sujeitos à suspensão provisória de

processo. Na manifestação Cercoa São Bento, a 15 de outubro, vá-rios ativistas detidos foram ques-tionados se desejariam beneficiarda medida. Um deles colocou umdesafio ao MP. Desejava benefi-ciar, mas não estava disposto a en-tregar o dinheiro a uma igreja deLisboa, predefinida pelo ME O ati-

vista acabou por aceder entregar50 euros mas... à Mesquita de Lis-boa. Um dos ativista daTugaleaksnão aceitou o convite do MP e quisir a julgamento. Acabou por ser ili-bado. Também detidos em inci-dentes desportivos têm sido puni-dos da mesma forma. Em dezem-bro do ano passado um jovem foicondenado a seis meses de traba-lho comunitário depois de con-frontos entre claques do Benfica edo Sporting.