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Tribunal de Contas do Estado do Ceará

Instituto Escola de Contas e Capacitação Ministro Plácido Castelo

Revista Controle – Vol VIII – Nº 1– Setembro 2010 11

Dez Anos da Lei de Responsabilidade Fiscal: Avanços e Percalços

Edilberto Carlos Pontes Lima

Doutor em Economia pela Universidade de Brasília. Bacharel em Direito e Economia.

Conselheiro do TCE-CE

Resumo: A Lei de Responsabilidade Fiscal trouxe grandes expectativas. Muitos a apontavam como uma mudança profunda na forma de gerir as finanças públicas no Brasil. Os diversos mecanismos de controle inseridos pela lei impediriam que uma série de práticas corriqueiras, mas extremamente nocivas para a administração pú-blica brasileira, continuassem a existir. Suas regras – que incluíam limites de gastos de pessoal por Poder, limites de endividamento público, de operações de crédito, mecanismos para evitar que uma gestão transferisse ônus para as gestões seguintes, entre outros instrumentos de austeridade - teriam aplicações em todos os Poderes e em todas as esferas de governo. Desde o início, reconhecia-se que os desafios para a implementação seriam enormes, porque a lei contrariava uma cultura política há muito consolidada. O primeiro grande teste pelo qual a lei passou foi o da sua cons-titucionalidade. Foi ajuizada por 3 partidos políticos – e apoiada por diversas asso-ciações de magistrados e de membros do Ministério Público - uma ADI que im-pugnava a constitucionalidade de toda a lei, por suposto vício formal, além de di-versos dispositivos essenciais. O segundo grande teste foi o da modificação. Muitos analisavam que assim que o grupo de forças que a patrocinou deixasse o Poder, ela seria alterada em seus objetivos mais importantes. Nesses quase 10 anos de vigência da Lei de Responsabilidade Fiscal, esta só foi alterada uma vez, alteração que refor-çou os seus objetivos, uma vez que ampliou a obrigatoriedade de transparência. Por fim, no teste da implementação, houve alguns problemas, notadamente na interpre-tação dos gastos com pessoal, em algumas unidades da federação, mas, de uma forma geral, a lei tem sido bem-sucedida.

1. Introdução

Em maio de 2010, a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101, de 2000) completou 10 anos. Muitos não acredi-tavam que ela seria aprovada e que, se isso acontecesse, não seria respeitada ou mesmo que seria modificada em sua essência assim que o grupo de forças que a patrocinou deixasse o poder.

Também se questionava a constitucionalidade de diversos de seus dispositivos mais relevantes. Diversas ações diretas de inconsti-

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tucionalidade foram ajuizadas que, se julgadas procedentes, desfigu-rariam, em grande parte, os seus objetivos.

Em todos esses anos, a LRF sofreu apenas uma modificação, embora inúmeros projetos de lei tenham tramitado e ainda tramitem no Congresso Nacional com esse intuito.

Uma questão que sempre intrigou os mais críticos foi a sua e-fetividade. Argumentava-se que ela poderia vigorar, mas que seria minada na prática, com seus ditames sendo seguidos formalmente, mas, que, de fato, seriam desrespeitados. Sem compromisso político, a lei seria mera peça decorativa, incapacitada de conter o descontro-le fiscal.

Esse debate é internacional. Como se sabe, o Brasil foi um en-tre inúmeros países que adotaram regras com a finalidade de restrin-gir a liberdade do governo de gastar, arrecadar e se endividar. Os ar-gumentos dos críticos desse tipo de política centravam-se no fato de que o mais importante é o compromisso político. Com ele, os limites impostos seriam supérfluos, porque os governantes buscariam o e-quilíbrio das contas públicas por eles mesmos, sem necessidade de regras de autorrestrição. Ao contrário, caso não desejassem o equilí-brio fiscal, as regras tenderiam a ser ignoradas em face de interesses políticos distintos (Alesina e Perroti, 1996). Para reforçar o argumen-to, essa corrente costuma apontar a experiência dos Estados Unidos com o Budget Enforcement Act, que passou a ser desrespeitado quando os republicanos retomaram o poder nos anos 90 e do próprio Trata-do de Maastricht, ano após ano desrespeitado por França e Alema-nha, sem maiores consequências.

É verdade que a chamada “contabilidade criativa” desafia a contabilidade pública da mesma forma que o faz com a contabilida-de privada. Os escândalos nesse campo nos Estados Unidos, com o emblemático caso da Enron, mostram que o problema – além da es-cala internacional - também atinge o setor privado, não sendo exclu-sividade do setor público ou de países com instituições mais frágeis.

No caso da Lei de Responsabilidade Fiscal, as dúvidas mais citadas eram a contabilização das despesas com pessoal, dos limites de endividamento e da receita corrente líquida. A forma de contabi-lização poderia alterar os limites sem modificação na situação real das contas públicas. Nesse campo, registraram-se alguns problemas

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ao longo dos anos, de forma heterogênea entre os diversos entes fe-derativos, mas que não chegaram a comprometer com profundidade a integridade da lei.

Um órgão central, o Conselho de Gestão Fiscal, que iria har-monizar as diferentes interpretações e padronizar os demonstrativos contábeis, embora previsto pela LRF, até hoje não foi instalado, por falta de aprovação de lei ordinária para definir sua composição e forma de funcionamento. Na ausência do referido conselho, a Secre-taria do Tesouro Nacional é a responsável pela padronização, mas com um déficit de legitimidade muito grande, pois se trata de um órgão exclusivamente do governo federal. O referido conselho, ao contrário, teria representantes de todas as esferas de governo e de todos os poderes. No desenho original, o papel da STN - nitidamen-te precário nesse campo - seria transitório.

Já no teste da constitucionalidade, a LRF foi bem-sucedida, pois o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucionais – em cará-ter cautelar, ressalte-se - apenas dispositivos acessórios, mantendo intacto o seu núcleo essencial.

Uma questão que vem intrigando os defensores mais conserva-dores da Lei de Responsabilidade Fiscal é a aprovação, em 2009, pe-la Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei Complementar n° 132, que modifica a LRF, eliminando a restrição para operações de crédi-to do ente federativo em que um de seus órgãos exceda os limites das despesas com pessoal. No texto vigente, se o Poder Judiciário, por exemplo, excedesse os limites de despesa com pessoal, o Estado ficaria impedido de realizar operações de crédito. Com a modifica-ção, apenas se o Poder Executivo vier a exceder o seu limite é que as operações de crédito ficariam vedadas.

O modelo original partiu do pressuposto de que o aumento das despesas de pessoal de qualquer órgão ou poder é uma decisão conjunta, envolvendo necessariamente o Poder Legislativo e o Poder Executivo. Por exemplo, se o Ministério Público quiser implementar um plano de carreira para seus servidores, este deverá ser aprovado pelo parlamento e sancionado pelo Governador ou Presidente da República, conforme a esfera. Além disso, o Poder Executivo, como se sabe, exerce forte influência sobre a agenda legislativa, sendo normalmente difícil serem aprovados projetos de lei que não o inte-

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ressem. Por tal razão é que, além da sanção direta ao órgão que a infringiu, estabeleceu-se uma sanção também ao ente federativo co-mo um todo, vedando-lhe novas operações de créditos. Com isso, imaginava-se criar os incentivos para forçar o Chefe do Executivo a coibir excessos nos outros Poderes.

Os defensores mais aguerridos dos termos originais da lei lan-çaram um movimento nacional contra a modificação proposta, ava-liando-a como um afrouxamento dos seus propósitos. O jornal “O Estado de São Paulo”, em editorial de 9 de junho de 2009, classifi-cou a mudança como “Golpe de Morte na Lei Fiscal”. No momen-to, o projeto tramita no Senado.

Talvez essa alteração desvirtue parte dos objetivos da lei, mas a postura rígida, que não permite aperfeiçoamentos do texto aprova-do em 2000, também não parece o melhor caminho. Embora seja inegável que a LRF trouxe avanços, cometeram-se alguns equívocos que devem ser corrigidos. No caso mesmo dos limites de despesa com pessoal, dividiu-se a despesa entre os órgãos com base em uma média dos últimos três anos que antecederam à lei. Com esse proce-dimento, alguns órgãos ficaram em situação extremamente difícil e outros em situação muito confortável. Por exemplo, um órgão que tivesse com boa parte de sua força de trabalho próxima da aposenta-doria em 2000, por exemplo, ficou impossibilitado de repor os servi-dores nos anos seguintes, para não ultrapassar os limites. Muitos ór-gãos essenciais tiveram por isso suas atividades comprometidas.

Por outro lado, houve muito do que a literatura tem chamado de efeito-farol, isto é, para alguns órgãos os limites foram tão altos que, em vez de restringir, serviram como referencial para a expansão das despesas (Pinheiro e outros, 2008).

Além disso, o engessamento da divisão dos limites entre os ór-gãos não corresponde à dinâmica da sociedade, que altera perma-nentemente as prioridades e, consequentemente, demanda mudan-ças no escopo de atuação dos órgãos públicos. É preciso, pois, criar espaços para revisões periódicas na divisão, de modo a não inviabi-lizar o funcionamento de instituições importantes. Nesse sentido, a proposta apresentada pelo Conselho de Altos Estudos da Câmara dos Deputados, no âmbito do documento “Responsabilidade da Gestão Pública”, editado em novembro de 2008, em que se criam

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mecanismos de revisão da repartição de limites, conforme sugestão do conselho de gestão fiscal, é oportuna.

Nesses dez anos, o balanço é positivo, mas com alguns percal-ços relevantes. A cultura da responsabilidade fiscal se incorporou ao dia a dia das administrações país afora. Muitos gestores deixaram de conceder benefícios e realizar certas despesas temendo sanções, no-tadamente no fim de mandato, prática que era corriqueira e com-prometia as gestões seguintes. Os resultados das contas públicas, por sua vez, melhoraram de uma forma geral, não só pelo efeito da lei, é claro, mas por ela também. Infelizmente, apesar da criação de me-canismos de maior controle social, este não se intensificou na pro-porção esperada. As audiências públicas registram baixo compare-cimento popular e há poucas entidades não-estatais que colocam o acompanhamento sistematizado do orçamento público como priori-dade. Além disso, algumas regras não têm sido observadas, como as duras exigências para a criação de despesas permanentes, e os gastos com pessoal, em alguns Estados, têm sido interpretados de forma flexível, permitindo a expansão, além do que se imaginava na dis-cussão original da lei.

Nas seções seguintes, sem a preocupação de ser exaustivo, a-nalisam-se com mais detalhes a aplicação da Lei de Responsabilida-de Fiscal ao longo dos anos, identificando alguns problemas.

2. Teste da Constitucionalidade

Um dos grandes testes por que passou a Lei de Responsabili-

dade Fiscal foi sobre a sua constitucionalidade. Três partidos políti-cos (Partido dos Trabalhadores – PT, Partido Comunista do Brasil – PCdoB e Partido Socialista Brasileiro – PSB) ajuizaram, em 29 de junho de 2000, após menos de dois meses, portanto, de aprovada a lei, a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2238-5, em que se questionava a constitucionalidade da lei como um todo, além de di-versos dispositivos específicos, que, se julgados procedentes, desca-racterizariam em boa parte os seus objetivos.

O Supremo Tribunal Federal até a presente data não se pro-nunciou em definitivo sobre a matéria. No julgamento do pedido de cautelar, entretanto, muitos aspectos do julgamento de mérito foram

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aprofundados, constituindo profícuo debate. É de se notar, todavia, que a composição do Supremo Tribunal Federal foi muito alterada desde o início da apreciação da cautelar, ocorrida ainda em 2000 e só concluída em 2007, com o voto do Ministro Sepúlveda Pertence, sobre os arts. 56 e 57.

Dos ministros que compunham o Supremo, em 28 de setem-bro de 2000, data do início do julgamento da cautelar, nove se apo-sentaram, incluindo o próprio relator original, Ministro Ilmar Gal-vão. Daquele julgamento só restam os Ministros Celso de Mello e Marco Aurélio.

Tal fato é relevante porque, embora muitas considerações de mérito tenham sido feitas no julgamento da cautelar, que tem mais de 200 páginas, o julgamento definitivo, em tese, pode ser bem dife-rente.

O interessante é que os partidos que patrocinaram a ADI não mais manifestam oposição política à lei, que, de uma forma geral, goza de significativo apoio popular. Isso pode ser constatado pelas fortes críticas sofridas por aqueles que tentam modificar os termos mais significativos da lei1 .

O primeiro ponto apontado na ADI foi a inconstitucionalida-de formal, por suposta desobediência ao parágrafo único do art. 65 da Constituição Federal, que estabelece que um projeto de lei inicia-do em uma Casa legislativa e emendada pela outra deve retornar à Casa iniciadora. Como a matéria iniciou na Câmara dos Deputados, foi modificada pelo Senado e seguiu para sanção presidencial, ale-gou-se que o devido processo legislativo foi ferido, o que constituiria atentado contra o sistema bicameral, mesmo que alterações fossem apenas de redação, uma vez que a Carta da República não fez dis-tinções entre o caráter de emendas, sendo tal distinção apenas ati-nente aos regimentos internos das casas legislativas, regimentos que não poderiam – obviamente - sobrepor-se ao texto constitucional. A inicial comparou o texto aprovado na Câmara dos Deputados com o texto aprovado pelo Senado Federal, buscando evidenciar que os arts. 3º, 5º, 20 e 63 foram modificados na Casa Revisora.

1 Por exemplo, o editorial “O Estado de São Paulo”, 1/06/2008, e a reportagem na “Folha de São Paulo”, 27/04/2009.

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No art. 5º, nota-se um efeito claro da intervenção do Senado. Embora não tenha havido nenhuma modificação de conteúdo, a mudança realizada possibilitou que o Presidente da República vetas-se o dispositivo modificado. É que, nos termos do § 2º do art. 66 da Constituição Federal, o veto parcial somente abrangerá texto inte-gral de artigo, de parágrafo, de inciso ou de alínea. No projeto apro-vado na Câmara, o mandamento de que o projeto de lei do plano plurianual de cada ente fosse enviado ao Poder Legislativo até 30 de abril do primeiro ano do mandato do Chefe do Poder Executivo constava do caput do artigo. Para vetá-lo, o presidente da República teria que vetar todo o caput. Com a alteração da redação dada pelo Senado, incluindo tal disposição em parágrafo à parte (§ 7º) e reti-rando-a do caput, o veto se tornou possível, como de fato veio a a-contecer.

Comparem-se os textos: Texto aprovado pela Câmara:

Art. 5°. O projeto de lei; orçamentária anual, e-laborado de forma compatível com o plano plu-rianual, com a Lei de diretrizes orçamentárias 8 com as normas desta Lei Complementar, será encaminhado ao Poder Legislativo até o dia 15 de agosto de cada ano, e

Texto aprovado pelo Senado:

“Art. 5º.. O projeto de lei orçamentária anual, elaborado de forma compatível com o plano plu-rianual, com a lei de diretrizes orçamentárias e com as normas desta Lei Complementar: ..... § 7º O projeto de lei orçamentária anual será en-caminhado ao Poder Legislativo até o dia 15 de agosto de cada ano.”(grifos nossos)

No art. 20, houve algo semelhante ao ocorrido no art. 5º, mas

com repercussões muito mais importantes. O Senado retirou do ca-

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put a disposição de que a repartição dos limites globais referentes a despesas de pessoal seria a fixada pela Lei de Responsabilidade Fis-cal, caso a lei de diretrizes orçamentárias não fixasse repartição dis-tinta, e o incluiu como § 6º. Texto aprovado pela Câmara dos Deputados:

“Art. 20. A repartição dos limites globais do ar-tigo anterior, caso não seja fixada na lei de dire-trizes orçamentárias, não poderá exceder os se-guintes percentuais: ….

Texto aprovado pelo Senado:

“Art. 20. A repartição dos limites globais do art. 19 não poderá exceder os seguintes percentuais: ….. § 6º Somente será aplicada a repartição dos limi-tes estabelecidos no caput, caso a lei de diretrizes orçamentárias não disponha de forma diferen-te.” (grifos nossos)

O Presidente da República vetou o § 6º, o que fez com que a

Lei de Responsabilidade Fiscal restasse como o único diploma a fi-xar a repartição dos limites globais. Isso teve um impacto substanci-al, porque a lei de diretrizes orçamentárias é uma lei anual, com vi-gência limitada no tempo. A possibilidade de ela disciplinar a maté-ria daria muito mais flexibilidade à repartição, que seria negociada ano a ano entre os diferentes órgãos referidos na lei.

Com o veto, a divisão de limites tornou-se fixa, não existindo nenhum mecanismo previsto de revisão periódica. Como a divisão de limites foi feita a partir de uma média simples de gastos de pesso-al nos três anos anteriores à publicação da lei, muitas distorções sur-giram, porque alguns órgãos estavam no pico do gasto de pessoal e outros, no vale, em razão de alguma dificuldade pontual para reali-zar concurso público, por exemplo.

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Isso ensejou muitas interpretações “criativas” sobre o que seria classificado como gastos de pessoal, exatamente para tentar contor-nar os rígidos limites a que muitos órgãos ficaram submetidos, as-sunto que este trabalho trata mais à frente com mais detalhes.

A modificação também acabou por ensejar a controvérsia mais acirrada sobre a constitucionalidade da Lei de Responsabilida-de Fiscal, com um apertado placar de 6 ministros votando pela im-procedência da inconstitucionalidade e 5 ministros entendendo o contrário, ponto que se analisará em mais detalhes quando da análi-se específica do art. 20.

Essas impugnações foram rejeitadas por unanimidade pelo STF. O Relator, Ministro Ilmar Galvão, citando precedente da Cor-te na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 3, argumentou que o parágrafo único do art. 65 do texto constitucional só determi-na o retorno do projeto à Casa iniciadora se a modificação realizada pela outra Casa alterar o sentido da proposição jurídica, produzindo proposição jurídica distinta da proposição emendada.

Ao argumento de que as modificações do Senado permitiram o veto presidencial, o que, como se demonstrou acima, acabou por modificar o sentido da lei. O Relator entendeu que mesmo que a modificação empreendida pelo Senado tenha sido feita com o intuito de ensejar o veto, não pode o STF declarar inconstitucional o novo texto, uma vez que a ADI tem necessariamente natureza abstrata, devendo, o texto normativo impugnado, ser examinado de forma objetiva, sem considerações à vontade ou à intenção do legislador. Afirmou o Relator ainda que, mesmo se a alteração realizada pelo Senado fosse considerada substancial, não teria ela o condão de comprometer todo o texto da lei (ADI 2.238-MC/DF, pág. 49):

“Ademais, não se pode deixar de ter em conta que a alteração, se considerada substancial, não teria o efeito de comprometer todo o texto da lei, como sustentado na inicial.” (grifos nossos)

Note-se que é muito relevante esse ponto do voto do Relator:

não bastaria que uma parte da lei fosse modificada no mérito pela outra Casa Legislativa, sem o previsto retorno à Casa iniciadora, pa-

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ra que fosse considerada formalmente inconstitucional, nos termos do parágrafo único do art. 65 da CF.

Seria preciso, como também apontou o Ministro Sepúlveda Pertence, que os dispositivos alterados tivessem entrelaçamento tal com o restante da lei a ponto de gerar a sua inconstitucionalidade total.

Com isso, o STF aprovou a seguinte ementa referente a essa parte da ação ajuizada:

“Lei Complementar nº 101/2000. Vício formal. Inexistência. III – O parágrafo único do art. 65 da Constitui-ção Federal só determina o retorno do projeto de lei à Casa iniciadora se a emenda parlamentar introduzida acarretar modificação no sentido da proposição jurídica.”

Outro ponto objeto de impugnação na Ação Direta em análise

foi a regulamentação parcial de dispositivo constitucional. Argu-mentou a inicial que a Lei Complementar nº 101/2000 só regula-mentou uma parte do art. 163 da Constituição Federal, dos incisos I a IV, não tratando dos incisos seguintes.

Apontou que havia decisão do próprio STF sobre a obrigatori-edade de regulamentação total (ADI nº4-7, Relator Ministro Sydney Sanches). Ponderou ainda que o art. 30 da Emenda Constitucional nº 19/98 teria exigido um único projeto de lei complementar para regulamentar o art. 163 de CF e o citou expressamente:

“Art. 30. O projeto de lei complementar a que se refere o art. 163 da Constituição Federal será a-presentado pelo Poder Executivo no prazo má-ximo de cento e oitenta dias da promulgação desta Emenda.” (grifos na citação original)

O argumento é que, ao utilizar o artigo definido “o” antece-

dendo “projeto de lei complementar”, em vez de artigo indefinido, a Emenda teria tornado obrigatório que apenas uma única lei com-plementar regulamentasse o art. 163.

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O argumento é obviamente frágil, porque o método de inter-pretação gramatical é insuficiente (Maximiliano, 1940). Apegar-se apenas a esse detalhe para declarar inconstitucional toda uma lei complementar, aprovada por ampla maioria política, seria subesti-mar o STF.

O Ministro-Relator apontou que o precedente citado tratava de situação distinta. Ali, o objeto de lei complementar era o art. 192 da Constituição Federal, que disporia de um único assunto, o Siste-ma Financeiro Nacional, a demandar um tratamento global. Já o art. 163 da CF referir-se-ia a matérias de diversas ordens, como or-çamento, dívida pública, concessão de garantias, fiscalização de ins-tituições financeiras, operações de câmbio e desenvolvimento regio-nal, não conformando, assim, um único corpo, impossibilitado de ser regulamentado por partes. Concluiu o Relator (pág. 50):

“Assim, não obstante a EC nº 19/98 houvesse preconizado, no art. 30, a apresentação do proje-to de lei complementar prevista no art. 163, ine-xiste razão para que a lei seja uma só, abrangen-te dos diversos assuntos enfocados no referido dispositivo.” (grifos nossos)

O voto foi acolhido pela Corte, vencido apenas o Ministro

Marco Aurélio, que entendeu que o art. 30 da Emenda Constitucio-nal nº 19 determinava que o art. 163 fosse disciplinado por uma úni-ca lei complementar. O STF, contudo, assentou a seguinte ementa:

“Lei Complementar nº 101/2000. Vício for-mal. Inexistência. IV. Por abranger assuntos de natureza diversa, pode-se regulamentar o art. 163 da Constituição por meio de mais uma de uma lei complemen-tar.” (grifos no original)

Em seguida, a inicial da ação ajuizada passa a impugnar dis-positivos específicos. O primeiro é o inciso II do § 2º do art. 4º, que assim dispõe:

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“Art. 4º A lei de diretrizes orçamentárias atende-rá o disposto no § 2º do art. 165 da Constituição e: .................. §2º O anexo conterá ainda: .................... II – demonstrativo das metas anuais, instruído com memória e metodologia de cálculo que jus-tifiquem os resultados pretendidos, comparando-as com as fixadas nos três exercícios anteriores, e evidenciando a consistência delas com as pre-missas e os objetivos da política econômica na-cional. ”

Alegou que, como a Lei Complementar nº 101/2000 se aplica

a todas as esferas de governos - União, Estados e municípios –, a o-brigatoriedade de Estados e municípios apresentarem demonstrativo evidenciando a consistência de suas metas anuais com as premissas e objetivos da política econômica nacional afrontaria o princípio da autonomia das unidades federativas, cláusula pétrea da Carta da República (art. 60, § 4º, I), uma vez que a política econômica nacio-nal seria de competência exclusiva da União.

O Relator, no entanto, entendeu que o dispositivo não obriga-va os entes federativos a seguirem a política econômica nacional. A exigência alcançaria apenas a demonstração da viabilidade das me-tas anunciadas com a política econômica definida pelo governo fe-deral para o período. O Ministro Nelson Jobim também se manifes-tou especificamente sobre a matéria (pág. 160):

“Como bem referiu o Relator, não há absoluta-mente nenhuma integração do Poder Executivo ou do Estado federado à política econômica na-cional. O governo do Estado, por lei, vai fixar a sua própria meta. Ao fazer isso, é evidente que esta terá de ter certa consistência com as tendên-cias da economia nacional, porque não pode uma meta fiscal, estabelecida no orçamento do Estado federado, prever, por exemplo, uma ex-pansão acelerada da arrecadação, se você encon-

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tra em grave crise mundial uma situação eco-nômica recessiva. Ora, prever numa situação e-conômica recessiva uma grande arrecadação, é falso.”

A despeito do entendimento do STF, parece que a norma ins-

culpida na Lei de Responsabilidade Fiscal tinha objetivos mais am-biciosos: envolver todos os entes da federação na chamada função estabilizadora do governo.

É que vem de longe a crítica de que as responsabilidades pelo controle da inflação e o crescimento da economia são excessivamen-te concentradas na União, o que acaba por obrigar a União a adotar uma política monetária muito restritiva, uma vez que esta controla-ria a política fiscal apenas em parte, pois parcela substancial das de-cisões de gastos e de arrecadação ocorre nos Estados e municípios (Velloso, 1996). Por exemplo, em um momento de tentativa de con-trole da inflação, recomenda-se uma política fiscal mais restritiva, com redução de gastos públicos e aumento da tributação, mas, de fato, o que pode estar havendo é uma expansão dos gastos públicos de alguns Estados, com concessão de aumentos de salários para ser-vidores, além de redução de alíquotas de tributos.

Veja-se, portanto, que a União restringe e alguns Estados ex-pandem, quando o correto, do ponto de vista macroeconômico, seria que todos os entes caminhassem na mesma direção. Como não nem sempre é o caso, a União, para atingir seus objetivos de controle in-flacionário, acaba por ter que carregar demais no instrumento que ela de fato controla, a política monetária, notadamente a taxa de ju-ros básica.

Ao lado de diversos outros mecanismos, o previsto no inciso II, § 2º do art. 4º foi uma tentativa de obrigar os Estados e municí-pios a se integrarem aos objetivos da política nacional. A inicial per-cebeu esse objetivo, daí o argumento de que o dispositivo violaria o princípio da autonomia das unidades federadas.

A interpretação dada pelo STF, contudo, reduziu sobremanei-ra a sua densidade normativa, uma vez que entendeu que a norma deve ser interpretada como mera indicação, demonstração, pelo ente federado, da compatibilidade de suas metas com a política econômi-

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ca nacional, sem maior força para obrigar os entes federados a se a-dequarem à política econômica nacional. De fato, com o caráter de mera indicação, não há que se discutir o ataque ao princípio da au-tonomia das unidades federativas.

Também impugnado foi o § 4º do art. 4º:

Art. 4º...... §4º. A mensagem que encaminhar o projeto da União apresentará, em anexo específico, os obje-tivos das políticas monetária, creditícia e cambi-al, bem como os parâmetros e as projeções para seus principais agregados e variáveis, e ainda as metas de inflação, para o exercício subsequen-te.”

O argumento da inicial foi que os objetivos das políticas mo-

netária, creditícia e cambial deveriam constar do corpo da lei de di-retrizes orçamentárias, e não da mensagem que encaminhasse o pro-jeto de LDO ao Congresso Nacional.

A ementa da decisão refletiu com precisão o voto do Relator, que também mereceu comentários do Ministro Nelson Jobim:

“Lei Complementar nº 101/2000. Vícios materi-ais. Cautelar indeferida. VI – Art. 4, § 4º: a circunstância de certos ele-mentos informativos deverem constar de deter-minado documento (Lei de Diretrizes Orçamen-tárias) não impede que venham eles a ser repro-duzidos em outro, principalmente quando desti-nado à apresentação do primeiro, como simples reiteração dos argumentos nele contidos.”

A inicial partiu de pressuposto de que o fato de a Mensagem

trazer as informações implicaria a exclusão das mesmas informações do corpo da norma. O que há, na prática, é que a mensagem traz in-formações detalhadas, com memória de cálculos, tabelas, parâme-tros muito desagregados, possibilitando aos técnicos do Congresso Nacional recalcularem os valores apresentados. No texto da lei, tais

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informações constam de forma mais agregada, sem maiores explica-ções sobre os pressupostos que levaram aos números apresentados.

Foram impugnados ainda diversos outros dispositivos, dispos-tos em artigos, parágrafos e incisos, mas este artigo vai se restringir a comentar aqueles que geraram maior controvérsia.

O primeiro item que teve a cautelar deferida foi o §3º do art. 9º, que assim dispõe:

“Art. 9º........... §3º No caso dos Poderes Legislativo e Judiciário e o Ministério Público não promoverem a limi-tação no prazo estabelecido no caput, fica o Po-der Executivo autorizado a limitar os valores fi-nanceiros segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias”

O argumento da inicial é que o dispositivo implicaria a interfe-

rência do Poder Executivo nos demais Poderes, o que o colocaria na condição de “superpoder”. Tal interferência afetaria o princípio da separação de Poderes, infringindo, entre outros artigos da Constitui-ção Federal, o art. 60, § 4º, cláusula pétrea.

O STF entendeu como procedente, caracterizando-a como hi-pótese de interferência indevida do Poder Executivo nos demais Po-deres e no Ministério Público.

Relevante o fato de o Relator, Ministro Ilmar Glavão, não ter, de início, acatado o argumento da inicial. Transcreve-se o seu voto:

“O mal entendido é patente. O que se tem não é interferência do Poder Executivo nos outros Po-deres, mas providência destinada a prevenir os efeitos de inobservância de limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, pelos meios suscetíveis de serem utilizados pelo primeiro, ou seja, a limitação dos valores financeiros”

O voto do Ministro Sepúlveda Pertence é que acabou prevale-

cendo, fazendo alguns ministros, além do próprio Relator, alterar o seu entendimento inicial. Em síntese, argumentou o Ministro Per-

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tence que o texto impugnado permitiria que o Poder Executivo jul-gasse se os outros Poderes haviam descumprido a lei de diretrizes orçamentárias e, ele próprio, executaria ações que os outros Poderes deveriam ter executado. O Ministro Jobim mostrou-se muito resis-tente aos argumentos do Ministro Pertence. Vale a pena transcrever um trecho do debate, com as palavras do Ministro Jobim (pág. 170):

“Mas, veja bem, a Lei de Diretrizes Orçamentá-rias, isso não foi atacado, alínea b do inciso I do art. 4º, vai determinar critérios e formas de limi-tação de empenho. Se a Lei de Diretrizes Orça-mentárias fixa critérios e formas de limitação de empenho naquela hipótese ocorrida, o art. 9º de-termina que cada um dos Poderes o faça. O que eu concordaria é que se os Poderes e o Ministé-rio Público, por ato próprio, fixam os montantes necessários nos trinta dias, mas mesmo assim não cumprem, como é que faz?” (grifos nossos)

Ao que o Ministro Pertence respondeu convencendo toda a

Corte, incluindo o Ministro Jobim (pág. 170):

“E se o Poder Executivo não cumprir, Ministro, como é que faz? Isso se chama autonomia finan-ceira, onde se cometem ilegalidades. Nenhum Poder será juiz do outro.” (grifos nossos)

A controvérsia mais significativa do julgamento da cautelar foi

em torno do art. 20, que, como se mencionou anteriormente, foi de-cidida por 6 votos pela constitucionalidade do dispositivo e 5 votos contrários, com o Ministro Marco Aurélio alterando o voto inicial pela inconstitucionalidade. Vale a pena reproduzir o artigo na ínte-gra:

“Art. 20. A repartição dos limites globais do art. 19 não poderá exceder os seguintes percentuais: I - na esfera federal:

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a) 2,5% (dois inteiros e cinco décimos por cento) para o Legislativo, incluído o Tribunal de Con-tas da União; b) 6% (seis por cento) para o Judiciário; c) 40,9% (quarenta inteiros e nove décimos por cento) para o Executivo, destacando-se 3% (três por cento) para as despesas com pessoal decor-rentes do que dispõem os incisos XIII e XIV do art. 21 da Constituição e o art. 31 da Emenda Constitucional no 19, repartidos de forma pro-porcional à média das despesas relativas a cada um destes dispositivos, em percentual da receita corrente líquida, verificadas nos três exercícios financeiros imediatamente anteriores ao da pu-blicação desta Lei Complementar; d) 0,6% (seis décimos por cento) para o Ministé-rio Público da União; II - na esfera estadual: a) 3% (três por cento) para o Legislativo, incluí-do o Tribunal de Contas do Estado; b) 6% (seis por cento) para o Judiciário; c) 49% (quarenta e nove por cento) para o Exe-cutivo; d) 2% (dois por cento) para o Ministério Público dos Estados; III - na esfera municipal: a) 6% (seis por cento) para o Legislativo, incluí-do o Tribunal de Contas do Município, quando houver; b) 54% (cinquenta e quatro por cento) para o Executivo. § 1º Nos Poderes Legislati-vo e Judiciário de cada esfera, os limites serão repartidos entre seus órgãos de forma proporcio-nal à média das despesas com pessoal, em per-centual da receita corrente líquida, verificadas nos três exercícios financeiros imediatamente anteriores ao da publicação desta Lei Comple-mentar.

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§ 2º Para efeito deste artigo entende-se como órgão: I - o Ministério Público; II- no Poder Legislativo: a) Federal, as respectivas Casas e o Tribunal de Contas da União; b) Estadual, a Assembleia Legislativa e os Tribu-nais de Contas; c) do Distrito Federal, a Câmara Legislativa e o Tribunal de Contas do Distrito Federal; d) Municipal, a Câmara de Vereadores e o Tri-bunal de Contas do Município, quando houver; III - no Poder Judiciário: a) Federal, os tribunais referidos no art. 92 da Constituição; b) Estadual, o Tribunal de Justiça e outros, quando houver. §3º Os limites para as despesas com pessoal do Poder Judiciário, a cargo da U-nião por força do inciso XIII do art. 21 da Cons-tituição, serão estabelecidos mediante aplicação da regra do § 1º. §4º Nos Estados em que houver Tribunal de Contas dos Municípios, os percen-tuais definidos nas alíneas a e c do inciso II do caput serão, respectivamente, acrescidos e redu-zidos em 0,4% (quatro décimos por cento). § 5º Para os fins previstos no art. 168 da Constituição, a entrega dos recursos fi-nanceiros correspondentes à despesa total com pessoal por Poder e órgão será a resultante da aplicação dos percentuais definidos neste artigo, ou aqueles fixados na lei de diretrizes orçamen-tárias. § 6º (VETADO)

A ADI argumentou que a repartição dos limites de pessoal en-

tre os Poderes e o Ministério Público seria inconstitucional, pois vio-laria o art. 169 da Constituição Federal:

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“Art. 169. A despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites esta-belecidos em lei complementar.”

Segundo a inicial, o Congresso Nacional já deparara com a

tentativa de dividir os limites de gasto de pessoal por Poder, quando da tramitação da Emenda Constitucional nº 19/1998, cuja redação aprovada na Comissão Especial – mas rejeitada pelo plenário da Câmara dos Deputados - estabelecia que lei complementar traria di-visão de gasto de pessoal por Poder.

Argumentou ainda que, segundo o § 1º do art. 99, apenas a lei de diretrizes orçamentárias é que poderia fixar limites totais de gas-tos, mas tais limites seriam fixados conjuntamente pelos 3 Poderes, e não unilateralmente, ou sem a participação de um dos Poderes.

A divisão de limites por lei complementar afrontaria a Consti-tuição porque esta previra expressamente que apenas a lei de dire-trizes orçamentárias poderia dispor sobre o limite de gastos, e tal disposição seria conjunta. Além da espécie de norma ser diferente da prevista na CF, lei complementar só conta com a participação do Poder Legislativo e do Poder Executivo, que tem a iniciativa e o ve-to como prerrogativas. Assim, violaria o art. 99, § 3º, que dispõe que os limites seriam estabelecidos conjuntamente.

Reforça o argumento com o fato de que o texto aprovado pelo Congresso Nacional – anteriormente reproduzido - fixava expressa-mente que a repartição dos limites entre os Poderes só prevaleceria se a lei de diretrizes orçamentárias não dispusesse de forma diferen-te, dispositivo vetado pelo presidente da República, sob o argumento de que iria de encontro ao interesse público, uma vez que o gasto de pessoal de um Poder poderia crescer em detrimento dos outros, o que pressionaria o limite total, comprometendo os objetivos da Lei de Responsabilidade Fiscal.

O Ministro-Relator acolheu o argumento da inconstitucionali-dade quanto à repartição dos limites por lei complementar. Escreveu o relator:

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“Na verdade, o que foi reservado à lei comple-mentar pelo referido art. 169 foi a fixação de li-mites de despesa com pessoal, para a União, pa-ra os Estados e para os Municípios, e não a fixa-ção de limites pelos Poderes e pelos órgãos inte-grantes da estrutura de tais entes, como aconte-ceu, cuja rigidez desconsidera dessemelhanças de realidades e diversidade de circunstâncias conjunturais, impossibilitando ajustes e acomo-dações, suscetíveis de ser postas em prática, sem afetar o todo, que é, justamente, a observância do teto preconizado pela Constituição.”

Concluiu o Ministro que o referido artigo estaria restringindo,

sem amparo da Constituição, a autonomia dos Estados e Municí-pios, com ofensa ao princípio federativo.

Abriu divergência o Ministro Nelson Jobim, que fez um longo histórico sobre os limites de gastos de pessoal. Mostrou que a Lei Camata, que precedeu a Lei de Responsabilidade Fiscal e trazia li-mite global de gastos de pessoal, não teve a efetividade esperada, pois apenas o Poder Executivo é que acabava por arcar com o ônus de perseguir os limites. Os demais Poderes e órgãos alegavam que não tinham responsabilidade pelos limites ali impostos e não havia meios de envolvê-los de forma compulsória.

Mostrou uma série de dados sobre a evolução de gastos com pessoal em vários Estados, procurando evidenciar como, na prática, em muitas unidades da federação, havia descontrole e descompasso em alguns órgãos e Poderes, o que tornaria patente a necessidade das providências adotadas pela LRF de impor limites separados.

Por fim, ponderou que não havia vedação constitucional na distribuição de limites entre poderes e órgãos (art. 169).

O voto mais contundente pela inconstitucionalidade foi o do Ministro Néri da Silveira. Após tecer longas considerações sobre a independência do Poder Judiciário, fazendo uma análise histórica a partir da Constituição do Império, o Ministro retomou o argumento do Relator de que a lei complementar só poderia estabelecer limites globais. Apenas a lei de diretrizes orçamentárias é que poderia esta-

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belecer limites por Poder, e tais limites seriam estabelecidos conjun-tamente pelos Poderes.

Ele ponderou que fora desejo da própria Constituição que os Poderes dialogassem a cada ano, por ocasião da elaboração da lei de diretrizes orçamentárias, sobre os limites de despesa com pessoal.

Sobre a falta de efetividade da regra que, afinal, era a que es-tava em vigor antes da LRF, argumento do Ministro Nelson Jobim, o Ministro apontou a necessidade de se reforçarem os canais institu-cionais de diálogo, considerando não admissível que, por conta de dificuldades, a lei complementar infringisse a Constituição Federal.

O Ministro Carlos Velloso, que também entendeu como in-constitucional o dispositivo, apontou ainda ofensa ao princípio da autonomia das unidades federativas, pois seria atribuição de cada Estado e de cada Município dividir, por decisão conjunta, na respec-tiva lei de diretrizes orçamentárias, os limites de cada com pessoal por Poder e órgão.

O que decidiu a matéria – seis votos contra cinco –, como mencionado anteriormente, foi a mudança de voto do Ministro Marco Aurélio, que anteriormente votara pela inconstitucionalidade do dispositivo, sob o argumento de que o art. 20 discreparia da pre-visão do art. 99, § 1º da CF, repetindo o argumento esposado por outros ministros de que os limites haveriam que ser estipulados con-juntamente.

No seu novo voto, o Ministro Marco Aurélio trouxe uma série de considerações sobre o descontrole de gastos de pessoal, notada-mente nos Poderes Judiciário e Legislativo. Entendeu, por fim, ser salutar a divisão por Poder, de forma a comprometer todos os Pode-res com os limites, não sobrecarregando o Poder Executivo, como, na prática, acontecia sob a vigência da Lei Camata. Observe-se um trecho de seu novo voto:

“Valho-me, Senhor Presidente, de artigo publi-cado no “Estado de São Paulo”, do último dia oito, revelando a situação dos Estados e certa diminuição, que posso asseverar sem receio de erro, decorrente de atividade desenvolvida ape-nas por um dos Poderes, o Poder Executivo. O

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enxugamento das despesas fez-se, isso é notório, no âmbito do Poder Executivo. Passamos, en-tão, a ter o seguinte quadro: Rio Grande do Sul, absorção de 81,1% da receita; Distrito Federal, 75,4% - bem acima, portanto, da percentagem de 60%, percentagem-teto, que, a meu ver, já é ele-vada -; Alagoas, 74,3%; Rondônia, 73,9% (...). Quinze Estados não lograram o enquadramento das despesas na percentagem máxima de 60%. Não lograram, repito, porque o enxugamento deu-se, apenas de forma setorizada, no âmbito do Poder Executivo.” (grifos nossos)

O Supremo Tribunal Federal entendeu procedentes ainda a

impugnação do art. 23, §§ 1º e 2º, que trazia a possibilidade de redu-ção dos valores dos cargos e funções, a fim de adequação aos limites de despesa de pessoal (§1º) e possibilitava redução de carga horária, com adequação dos vencimentos à nova carga horária (§ 2º). O STF decidiu que tal redução feriria o princípio constitucional da irreduti-bilidade da remuneração e extrapolava providências autorizadas no art. 169, § 3º da Constituição Federal.

Por fim, em 2007, sete anos, portanto, do início do julgamen-to, com o voto-vista do Ministro Sepúlveda Pertence, os arts. 56 e 57 foram, ainda em caráter cautelar, considerados inconstitucionais. O art. 56 incluía, nas contas prestadas pelo Chefe do Poder Executivo, além das próprias, as dos Presidentes dos órgãos do Poderes Legisla-tivo, do Judiciário e a do Chefe do Ministério Público, para fins de parecer prévio pelos Tribunais de Contas. O STF entendeu que dis-positivo contraria o art. 71, II da CF, que restringe a apreciação pelo Congresso Nacional apenas às contas do Presidente da República.

Já o art. 57, § 2º, incluía referência a parecer prévio de contas de Poder ou órgão. O STF decidiu que dispositivo afrontava CF, uma vez que as contas dos Poderes ou órgãos abrangem os cálculos decorrentes da atividade financeira dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos, estando sujeitos a julgamento pelos Tribunais de Contas (art. 71, II da CF), e não a parecer prévio. Além disso, reafirmou o STF o entendimento que

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somente o Tribunal de Contas respectivo julga tais contas e não o Poder Legislativo.

Outra ação direta (ADI 2250-4) foi ajuizada pelo Governador de Minas Gerais, questionando os arts. 35 e 51, sob a alegativa de que violariam o princípio federativo, ao retirar dos entes federados autonomia para realizar operações de créditos por meio de fundos (art. 35) e atribuir supremacia à União ante os estados, dando-lhe o controle sobre as transferências voluntárias (art. 51). O STF enten-deu que o art. 35 estava em consonância com o § 9º, II do art. 165 da CF e que o art. 51 guarda conformidade com a referida norma constitucional.

Nota-se, portanto, que o núcleo essencial da LRF foi conside-rado constitucional pelo STF, afastando, cautelarmente, repita-se, os contundentes argumentos sobre sua inconstitucionalidade. 3. Teste da Modificação

Inúmeros projetos de lei tramitaram ao longo dos anos com o intuito de modificar a LRF. A maior parte propunha alterações pon-tuais, mas outros a alteravam profundamente, implicando a desfigu-ração quase que total da lei.

Em maio de 2009, foi sancionada a primeira modificação, a Lei Complementar nº 131/2009, alterando o art. 48 e acrescentando três novos artigos. Reforçou-se o espírito original da lei, no sentido de ampliar a transparência das contas públicas. Nos termos origi-nais, não havia referência a acesso, em tempo real, de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira. Preo-cupou-se a alteração da lei em definir que tipo de informação deve-ria estar disponibilizada (art. 48-A). Na despesa, a disponibilização de todos os atos praticados pelas unidades gestoras no decorrer da execução da despesa, incluindo o número do processo, o bem forne-cido ou o serviço prestado, o nome da pessoa física ou jurídica bene-ficiária do pagamento e o procedimento licitatório realizado, quando for o caso. Na receita, o lançamento e o recebimento de toda a recei-ta das unidades gestoras, inclusive referente a recursos extraordiná-rios. Também determinou que os entes federativos adotassem siste-

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ma integrado de administração financeira e controle, que atenda a padrão mínimo fixado pelo governo federal.

Além disso, deixou claro (art. 73-A) que qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para de-nunciar ao respectivo Tribunal de Contas e ao órgão competente do Ministério Público o descumprimento de preceitos da LRF.

Como se nota, as alterações foram muito positivas, reforçando a transparência e facilitando o controle social. Não é pouca coisa que em uma década apenas essa modificação tenha sido aprovada, tendo em vis-ta que quase 150 projetos de lei complementar propon-do alterações foram apresentados. É verdade, contudo, que alguns deles são muito semelhantes, outros tratam das mesmas matérias, razão por que diversos desses projetos tramitam conjuntamente. Como dito anteriormente, algumas modificações propostas são pon-tuais, muitas até aperfeiçoariam certos dispositivos, mas outros pro-jetos reduziriam boa parte da eficácia da lei.

É o caso do PLP nº132/2007, do Poder Executivo, já apro-vado na Câmara dos Deputados, que visa a modificar o art. 23 da LRF para que apenas o órgão ou Poder que desrespeite os limites de despesa de pessoal receba as sanções previstas (não-recebimento de transferências voluntárias, não-obtenção de garantias de outro ente e proibição de se contratar operações de crédito). No texto original da lei, as sanções se aplicam ao ente como um todo se qualquer dos Poderes ou órgão ultrapassar os limites de despesa de pessoal. A ló-gica que dirigiu essa regra foi de que o gasto de pessoal de qualquer Poder é uma decisão conjunta dos Poderes. Se o Ministério Público ou o Poder Judiciário, por exemplo, desejarem implementar um aumento de salários para seus servidores, o projeto de lei terá que necessariamente ser aprovado pelo Poder Legislativo e sancionado pelo Chefe do Poder Executivo. Além disso, como se sabe, o Chefe do Executivo costuma ter relativo controle sobre a agenda legislati-va, sendo difícil a aprovação de projetos de lei sem um sinal positi-vo. Assim, estabelecer sanções pelo descumprimento da despesa de pessoal de qualquer órgão ou Poder para o ente como um todo foi estratégico. É um forte incentivo para que o Chefe do Poder Executi-vo busque conter pressões por expansões excessivas das despesas de pessoal dos outros Poderes. As sanções estabelecidas são pratica-

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mente supérfluas para os demais Poderes. Elas são, ao contrário, de-cisivas para o Poder Executivo, responsável pelo recebimento de transferências voluntárias, de garantias e pela contratação de opera-ções de crédito.

Se alteração enviada pelo Poder Executivo já enfraquecia a disposição inicial da lei, muito mais longe foi a Câmara dos Depu-tados ao aprovar seu substitutivo (PLP 132-B), já tramitando no Se-nado. É que ele excluiu das sanções impostas pelo descumprimento dos limites das despesas de pessoal as operações de reestruturação e recomposição de principal de dívidas. Além disso, permitiu que a União concedesse garantia às operações de reestruturação e recom-posição de principal de dívidas para entes federativos que não tives-sem prestado contas de recursos anteriormente recebidos e que não tivessem cumprido os limites constitucionais relativos à educação e à saúde, bem como não houvessem respeitado os limites das dívidas consolidada e mobiliária, de operações de crédito, inclusive por an-tecipação de receita, de inscrição de Restos a Pagar e despesa total de pessoal. Tais propostas foram classificadas pelo jornal “O Estado de São Paulo” como “Golpe de morte na Lei Fiscal” (editorial de 01/06/2008).

4. Teste da Interpretação

Aqui, os resultados são mais heterogêneos. Alguns dispositi-vos têm sido interpretados de maneira bastante elástica, distancian-do-se dos objetivos de rigor fiscal. É o caso da criação de despesas de caráter continuado e da concessão de incentivos fiscais, das despesas com terceirizados, dos limites de despesa de pessoal por órgão e po-der.

O cumprimento das exigências para a criação de despesas de caráter continuado é talvez uma das maiores fragilidades da LRF ao longo dos anos. Aqui, a lei foi extremamente cuidadosa. De fato, bastaria este artigo, dispensados todos os demais artigos da LRF, pa-ra se ter uma postura fiscal extremamente austera. É que o art. 17, § 2º, inspirado na experiência do governo federal americano do Budget Enforcement Act (“pay-go bill”), implementado nos anos 90 (retomado no governo Obama), exige expressamente que lei, medida provisória

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ou ato administrativo normativo que crie despesas com duração em mais de dois exercícios financeiros devem ter seus efeitos financeiros compensados, nos períodos seguintes, pelo aumento permanente de receita ou pela redução permanente de despesa. O cumprimento da exigência deve ser expressamente demonstrado e a despesa só será executada após a implementação das medidas de compensação (art. 17, § 5º). Apenas as despesas destinadas ao serviço da dívida pública e ao reajuste geral de pessoal foram excetuadas da regra. Assim, pla-nos de carreira, de reestruturação administrativa, criação de cargos públicos, ampliação de benefícios previdenciários e assistenciais, tu-do estaria sujeito à regra da compensação.

Por exemplo, se o governo federal desejasse expandir o “Bol-sa-Família”, deveria cortar ou reduzir outro programa de igual mag-nitude ou aumentar alíquota ou base de cálculo de tributo. Uma primeira interpretação que se fez, já afrouxando os termos iniciais da lei, foi a da margem de expansão de despesa a partir do crescimento automático da receitas em virtude do crescimento do PIB. Assim, seria possível criar novos cargos públicos sem aumentar alíquotas de tributos, criar tributos novos ou cortar despesas permanentes. É me-nos restritivo que a ideia inicial, mas é uma interpretação aceitável, pois do contrário a despesa iria cair continuamente em proporção do PIB. Por tal interpretação pelo menos se evita que a despesa cresça como proporção do PIB, o que já é algo bastante razoável, tendo em vista o crescimento da despesa pública brasileira nos últimos 50 a-nos.

Um exame das práticas dos governos Brasil afora, governo fe-deral inclusive, mostra que o art. 17 tem sido praticamente ignorado. As medidas provisórias não costumam trazer nenhuma indicação de medidas compensatórias, os projetos de lei tampouco. O máximo que se faz é garantir que os limites de despesas de pessoal (art. 20) não são alcançados e que há compatibilidade com a lei orçamentária anual.

Há inúmeros exemplos que ilustram o que se afirmou. Citam-se 2 casos, em 2 governos distintos, apenas para ilustrar que o pro-blema não é exclusividade de governo específico. O primeiro, em 2002, pleno governo Fernando Henrique, que patrocinou a LRF. A MP nº 21/2002 instituiu o Auxílio-aluno, com recursos de R$ 105

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milhões. A exposição de motivos explica que os recursos virão de empréstimos externos e do Fundo do Amparo ao Trabalhador, não fazendo nenhuma menção a corte de despesas ou aumento de recei-tas.

No governo Lula, o procedimento é semelhante. A MP 441, de 2008, que dispõe sobre a estruturação e reestruturação de planos de cargos e planos de carreiras e a reorganização e simplificação das estruturas remuneratórias, com impactos de algumas centenas de mi-lhões de reais, não traz nenhuma medida de compensação. Repro-duzo a única referência ao art. 17 da LRF:

“125. Quanto ao disposto nos artigos 16 e 17 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF, pode-se considerar atendido, uma vez que o Pro-jeto de Orçamentária Anual para 2008 contem-pla reserva alocada no Ministério do Planeja-mento, Orçamento e Gestão, destinada à rees-truturação da remuneração de cargos, funções e carreiras no âmbito do Poder Executivo suficien-te para suportar as despesas previstas.”

Como se nota, não há nenhuma observação sobre a criação de

receitas permanentes ou a redução de despesas de caráter continua-do. Apenas se mencionou que a lei orçamentária reservou recursos para tal despesa. Como se mencionou, as exigências são muito mais amplas. De fato, a referência que foi feita só atende o inciso I do § 1º do art. 16, que se reproduz:

“Art. 16.... §1º Para os fins desta Lei Complementar, consi-dera-se: I – adequada com a lei orçamentária anual, a despesa objeto de dotação específica e suficiente, ou que esteja abrangida por crédito genérico, de forma que somadas todas as despesas da mesma espécie, realizadas e a realizar, previstas no pro-

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grama de trabalho, não sejam ultrapassados os limites estabelecidos para o exercício.”

Outra interpretação flexível Lei de Responsabilidade Fiscal foi

com as despesas com servidores terceirizados. O art. 18 assim defi-niu as despesas de pessoal:

Para os efeitos desta Lei Complementar, enten-de-se como despesa total com pessoal: o somató-rio dos gastos do ente da Federação com os ati-vos, os inativos e os pensionistas, relativos a mandatos eletivos, cargos, funções ou empregos, civis, militares e de membros de Poder, com quaisquer espécies remuneratórias, tais como vencimentos e vantagens, fixas e variáveis, sub-sídios, proventos da aposentadoria, reformas e pensões, inclusive adicionais, gratificações, ho-ras extras e vantagens pessoais de qualquer natu-reza, bem como encargos sociais e contribuições recolhidas pelo ente às entidades de previdência. § 1º Os valores dos contratos de terceirização de mão-de-obra que se referem à substituição de servidores e empregados públicos serão contabi-lizados como "Outras Despesas de Pessoal.”

A questão, no caso em tela, é a interpretação do parágrafo 1º.

Que gastos com terceirizados devem ser contabilizados como despe-sas de pessoal? De certo, a intenção do legislador não era incluir to-dos os gastos com terceirizados na despesa de pessoal, senão qual a razão da qualificação “que se referem à substituição de servidores e empregados públicos”?

A Lei de Diretrizes Orçamentárias federal desde 2001 (o art. 89 da LDO para 2009 repete o entendimento) vem dispondo expres-samente que não considera como substituição de servidores e em-pregados públicos – e portanto, nos termos da LRF, não se contabi-liza nas despesas de pessoal, os contratos de terceirização relativos à execução indireta de atividades que contenham simultaneamente as seguintes características:

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I) sejam acessórias aos assuntos que constituem área de com-petência legal do órgão;

II) não sejam inerentes a categorias funcionais abrangidas no plano de cargos do órgão;

III) não caracterizem relação direta de emprego. Em síntese, a LDO vem excluindo da despesa de pessoal toda

a despesa com atividade-meio exercida por cargo que não conste no PCC respectivo e que seja objeto de contratação indireta. Assim, motoristas, copeiras, analistas de sistema, recepcionistas, todos fo-ram excluídos dos limites dos gastos com pessoal, o que acabou por constituir um incentivo adicional para a expansão desse tipo de gas-to. Muitos órgãos que contavam com essas categorias de servidores em sua estrutura de cargo acabaram por extingui-las, passando a contar com terceirizados no lugar. Como os servidores que ocupa-vam as funções eram estáveis e não podiam ser demitidos, os gover-nos os aproveitam em outras áreas. Dessa forma, na prática, o gasto de pessoal sobe, mas a contabilidade não registra o incremento para fins de cumprimento dos limites da LRF.

Esse tipo de interpretação, repita-se, patrocinado pelo governo federal, artífice e principal interessado na LRF, abriu caminho para que Estados e Municípios também afrouxassem os controles sobre essa categoria de despesa.

Outro problema, em parte relacionado com o problema da classificação de servidores terceirizados, é o da contabilização das despesas de pessoal por órgão e poder. Em muitos estados, as despe-sas com pessoal de alguns órgãos estavam muito próximos do limite quando a LRF foi sancionada. A “solução” para se enquadrar no limite foi excluir certos itens de despesa, notadamente as despesas com inativos e pensionistas, mas também o Imposto de Renda retido na fonte de servidores públicos estaduais (Afonso e Nóbrega, 2009). Em outros, quando o ente como um todo tinha alguma folga, trans-feriam-se as despesas com inativos e pensionistas para o Poder Exe-cutivo, sob o argumento de que o pagamento desses servidores deve ficar a cargo dos institutos de previdência e não do órgão ou poder a que o servidor estava vinculado quando ativo. Trata-se do problema da efetividade outra vez. A lei é formalmente respeitada, mas, na

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prática, a despesa de pessoal não foi contida dentro dos limites esta-belecidos. Ela pode até crescer em relação à situação anterior à a-provação da lei, um resultado oposto ao seu objetivo.

A Folha de São Paulo detectou esse problema em matéria de 27 de abril de 2009 (“Estados maquiam gastos com pessoal para cumprir LRF”), em que se apontam diversos Estados que utilizam esse tipo de interpretação.

Esse problema surgiu, em parte, porque os limites – principal-mente a sua repartição entre os órgãos e poderes – foram estabeleci-dos pela observação da média dos três anos anteriores à aprovação da LRF, sem mecanismos de revisão para tal distribuição. No caso da União, do limite de 50% da receita corrente líquida, o art. 20 es-tabeleceu 2,5% para o Poder Legislativo, incluindo o Tribunal de Contas da União, 40,9% para o Poder Executivo e 6% para o Poder Judiciário e 0,6% para o Ministério Público da União. Do limite de 60% nos Estados, 3% vão para o Legislativo, incluindo os Tribunais de Contas dos Estados (nos Estados que também tiverem Tribunais de Contas dos Municípios, esse limite é acrescido de 0,4%, reduzin-do no mesmo montante destinado ao Poder Executivo). Nos muni-cípios, 54% são destinados ao Poder Executivo e 6% ao Poder Legis-lativo. 2

Naquele momento, muitos órgãos, por uma razão ou por ou-tra, poderiam estar com seus gastos de pessoal muito baixos. Outros, ao contrário, poderiam estar em momento de pico, com contrata-ções e aumentos de salários recentes. A média simples, sem previsão de nenhum mecanismo de ajuste ao longo do tempo, gerou inevitá-veis pressões para a distensão dos limites. Como não há fórmula na LRF para tanto, esse tipo de arranjo em muitos Estados acabou por acontecer. De outro modo, argumenta-se que os órgãos morreriam por inanição, restringindo-se a pagar inativos e pensionistas, prati-camente sem espaço para reposição de servidores e cumprir suas a-tribuições fixadas pela Constituição e pela leis. Mencione-se, ainda,

2 Aqui, surgiu uma questão interessante quando a Câmara Legislativa do Distrito Federal entendeu que o DF deveria, para efeitos de LRF, ser tratada como município e não como estado (limite menor para o Poder Legislativo), o que foi rejeitado pelo Supremo Tribunal Federal (ADI 3756).

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o fato de que os órgãos vão adquirindo novas atribuições ao longo do tempo. É o caso dos próprios tribunais de contas, que receberam diversas competências novas da LRF.

O projeto de lei proposto pelo Conselho de Altos Estudos da Câmara dos Deputados, anteriormente referido, cria mecanismo de ajustes periódicos da divisão dos limites, que resolve questão que não foi bem tratada pela LRF. 4. Outras Questões Efeito-farol

Fioravante, Saboya e Vieira (2008) mostram que a Lei de Res-ponsabilidade Fiscal paradoxalmente contribuiu para aumentar as despesas de pessoal de muitos municípios. É que o limite de 60% da receita corrente líquida acabou por funcionar como um parâmetro para muitos municípios que estavam bem abaixo do limite. Como a regra foi única para todos os municípios, para muitos deles a LRF funcionou como um incentivo para expansão de despesas. Os auto-res mostram que a média de despesas de pessoal, antes e depois da LRF permaneceu praticamente a mesma, mas o desvio padrão di-minuiu de 0,22 para 0,07. Concluem (pág. 71):

“Quando a lei impôs um limite universal para todos os municípios, sem discriminação, os gas-tos municipais tornaram-se mais homogêneos (quantitativamente), o que parece ser contraditó-rio em relação à realidade deles. Há que se veri-ficar se os municípios que aumentaram seus gas-tos realmente apresentavam essa necessidade e, por outro lado, se os municípios que diminuíram seus gastos não estão passando por um estrangu-lamento de serviços públicos”

Os autores destacam um aspecto do problema que já se co-

mentou aqui, qual seja o da homogeneidade de regras nacionais a-plicáveis a todos os municípios, sem respeitar as especificidades. Se muitos gestores reclamam que tiveram que interromper programas

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governamentais importantes para se adaptar aos limites, muitos ou-tros devem ter contratado servidores ou concedido aumentos sem maiores critérios, atendendo a pressões políticas respaldadas não in-tencionalmente pela LRF.

Quanto aos limites de endividamento, os mesmos mostram que houve redução substancial da dívida consolidada em relação à receita corrente líquida na média dos municípios, embora não esteja perfeitamente claro que esse fato se deve principalmente à LRF. Uniformidade de Exigências para Todos os Entes da Federação

Esse é um problema comum a outras leis nacionais. Como se sabe, a federação brasileira é muito assimétrica, mas membros da fe-deração muito distintos recebem o mesmo tratamento. Desde apre-sentação de relatórios (metas fiscais, riscos fiscais) até limites de despesas (embora nesse caso, seja atenuado o efeito por ser percen-tual da receita respectiva), tudo é uniformizado nacionalmente. Pe-quenos municípios (menos de 50 mil habitantes) recebem apenas a vantagem de apresentarem alguns relatórios semestralmente em vez de quadrimestralmente (art.63). O resultado é que, como as burocra-cias dos pequenos municípios são geralmente incipientes, a elabora-ção dos relatórios acaba ficando a cargo de escritórios de assessoria a prefeituras, que, em muitos casos, os elaboram de maneira padroni-zada, com os números pouco refletindo a realidade do município em apreço. Em outras palavras, cumpre-se uma formalidade exigida pe-la lei, mas não se tem o instrumento de planejamento e transparên-cia que é o objetivo dos dispositivos. Há relatos de técnicos de tribu-nais de contas sobre municípios que apresentam tais relatórios exa-tamente com os mesmos números, mudando apenas o cabeçalho com o nome do município... Capacidade de adaptação ao ciclo econômico

Além das questões já referidas, um dos grandes desafios da LRF é a capacidade de resistir ao ciclo econômico, particularmente a crises. Como se sabe, o crescimento da economia faz as receitas subirem e algumas despesas públicas caírem. São os estabilizadores

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automáticos que aplainam as flutuações da renda. Tais estabilizado-res também operam quando o produto declina, fazendo a receita cair e a despesa subir, consequentemente piorando o déficit. Esse meca-nismo natural de ajuste da economia, que funciona com mais inten-sidade quanto mais sofisticados forem os sistemas tributários e de dispêndio, não pode ser impedido de funcionar por conta da Lei de Responsabilidade Fiscal. Ou seja, a LRF não pode se constituir em camisa de força, que aprofunde crises da economia.

Pensando nisso, a LRF estabeleceu mecanismos que permitem alguma flexibilidade para seus limites. Os prazos para enquadramen-to são tratados no art. 66:

“Art. 66.Os prazos estabelecidos nos arts. 23, 31 e 70 serão duplicados no caso de crescimento re-al baixo ou negativo do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, regional ou estadual por período igual ou superior a quatro trimestres.”

O prazo do art. 23 se refere à eliminação do percentual exce-

dente no limite de gastos de pessoal nos dois quadrimestres seguin-tes, sendo pelo menos um terço no primeiro quadrimestre. A exigên-cia de redução persiste na crise, mas o prazo para o ajuste se amplia para quatro quadrimestres. O prazo do art. 31 é o da recondução da dívida consolidada ao limite estabelecido pelo Senado Federal (2 ve-zes a receita corrente líquida para Estados e 1,2 vez para Municí-pios) até o término dos três quadrimestres subsequentes, reduzindo já em 25% no primeiro quadrimestre. Amplia-se, assim, tal prazo pa-ra seis quadrimestres. Por fim, a regra do art. 70 foi apenas para as-segurar a transição para o enquadramento aos limites da LRF após o início de sua vigência, não mais se aplicando, portanto.

Os limites de endividamento e de operações de crédito podem ser revistos por proposta do Presidente da República, sempre que al-terados os fundamentos das propostas que fundamentaram tais limi-tes, em razão de instabilidade econômica ou alteração na política monetária ou cambial (art. 30, § 6º).

Fica claro, portanto, que a Lei de Responsabilidade Fiscal não traz óbice intransponível para políticas anticíclicas e prevê me-

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canismos de adaptação para situações de crise econômica. Os limites de pessoal podem ter seus prazos de enquadramento adiados e os limites de endividamento e de operações de crédito podem ser am-pliados.

É fato que, em quase uma década de Lei de Responsabilidade Fiscal, o governo não alterou nem uma vez os limites previstos. É fato também que, até 2009, o espaço para políticas anticíclicas estava muito reduzido. Em 2009, o governo começou a ensaiar esse tipo de política, com redução de alíquotas de IPI para alguns setores e de Imposto de Renda, além de expansão do investimento público, em-bora, neste caso, por uma série de razões, não se tenha avançado muito. Não se cogitou, contudo, modificar os limites fixados. A ra-zão talvez seja que os limites de endividamento para a União – prin-cipal patrocinadora das políticas anticíclicas – não tenham sido esta-belecidos até agora, ou seja, não há que se alterar um limite inexis-tente.

A falta de crescimento do PIB, caso de 2009, dobra, portanto, o prazo de enquadramento dos entes federativos que ultrapassarem os limites com despesas de pessoal. Se o PIB permanecer dois ou três anos sem crescimento, algo que, sabe-se, já ocorreu algumas vezes na história brasileira, os prazos de ajustamento vão sendo sucessi-vamente estendidos. Embora esse entendimento não esteja expresso na LRF, parece esta a melhor interpretação, já que enquanto a eco-nomia não se recuperar, a receita pública também não se recupera, o que dificulta ajustes mais drásticos na despesa de pessoal. A LRF fixa (art. 66, § 3º), entretanto, que as demais medidas de ajuste (ve-dação de concessão de vantagens, de criação de cargos, de alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa, entre ou-tras) sejam mantidas. 5. Comentários Finais

A Lei de Responsabilidade Fiscal representou um avanço sig-nificativo. Se outra providência não tomou, no mínimo trouxe o fo-co para a questão da disciplina fiscal, do equilíbrio intertemporal do orçamento, da necessidade de planejamento, de não-oneração das futuras administrações.

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Como qualquer lei, a implementação é quase tão importante quanto à existência da lei. Como se sabe, a referência a “leis que pe-gam” e “leis que não pegam” é um velho bordão nacional. Analisou-se aqui que muitos dispositivos da LRF não têm sido aplicados ade-quadamente. Além disso, providências importantes, como o Conse-lho de Gestão Fiscal, ainda não foram implementadas.

Também relevantes são os movimentos de modificação no sentido de afrouxamento de alguns de seus dispositivos que, até o momento, não têm sido bem-sucedidos. Tais pressões, contudo, são legítimas. É a regra do jogo da democracia. Aliás, é talvez a única forma legítima. Em vez de interpretações “criativas”, que distanciam a lei de seus objetivos de austeridade fiscal, a via legislativa da modi-ficação, quando a maioria entender conveniente, é o caminho con-dizente com o princípio democrático.

Outro grande desafio é a intensificação do controle social, ob-jetivo explicito da lei. Na prática, pouco se avançou nesse campo. As audiências públicas para tratar das questões orçamentárias regis-tram baixo comparecimento e poucas instituições da sociedade civil se organizaram para fazer um acompanhamento sistemático das contas públicas, fenômenos que se repetem em todo o Brasil. A a-provação da Lei Complementar 131, em maio de 2009, que apro-funda as exigências de transparência para todas as esferas de gover-no, é um passo importante nessa direção. Referências AFONSO, J. R. R e NÓBREGA, M. Responsabilidade Fiscal – uma obra inacabada. Revista Controle, Fortaleza, v. VII, nº1, p. 15-30, abril 2009. ALESINA, A e PERROTI, R. Budget deficits and budget institutions. NBER Working Paper, nº 5556,1996. FIORAVANTE, D. G, SABOYA, M e Vieira, R . Finanças Públicas Municipais: uma reflexão dos impactos da Lei de Responsabilidade Fiscal”. Em Responsabilidade Gestão Pública: Os Desafios dos

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Municípios. Série Avaliação de Políticas Públicas, Brasília, nº 2., 2008 LIMA, E.C.P. Regras Fiscais: Teoria e Evidência. Brasília: Editora Plenarium, 2005.

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Teto Remuneratório dos Servidores dos Tribunais de Contas

Fernando Luiz Ximenes Rocha

Mestre em Direito Público, Professor de Direito Constitucional da Universidade Federal do Ceará (UFC) e

Desembargador do Tribunal de Justiça do Ceará

Resumo: A Constituição de 1988, desde seu texto original, ocupou-se em fixar um limite máximo de remuneração dos servidores públicos das diversas esferas de Po-der – como meio de corrigir as distorções verificadas, ao longo do tempo, no sis-tema remuneratório do serviço público brasileiro, fruto de uma má política de re-cursos humanos detectada em todos os níveis de governo – não tendo, contudo, al-cançado os fins almejados ante as minudências e imperfeições das normas constitu-cionais sobre a matéria, a ensejar uma permanente atuação do Poder Judiciário na busca de interpretação adequada, com o escopo de lhes dar efetiva concretude, o que não tem sido uma tarefa simples. Essa dificuldade se amplia quando se cuida dos servidores públicos dos Tribunais de Contas Estaduais e Distrital, já que o art. 37, inciso XI, da Constituição Federal, ao estatuir na órbita dos Estados-Membros e do Distrito Federal os chamados subtetos, com a fixação de limites diferenciados de remuneração para os servidores do Legislativo, do Executivo e do Judiciário, esten-dendo o deste último aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos, não faz qualquer alusão aos servidores das Cortes de Contas, deixando ao intérprete a incumbência de enquadrá-los corretamente em um dos pa-radigmas constitucionais. Para se proceder adequadamente a esse enquadramento, é imperioso penetrar na natureza jurídica dos Tribunais de Contas, a fim de desven-dar a posição destes dentro da estrutura orgânica do Estado brasileiro. Sempre que semelhante tema vem à tona, traz consigo os mais diversos entendimentos doutriná-rios, desde aqueles que os concebem como órgãos integrantes do Poder Legislativo ou como seu órgão auxiliar na missão constitucional de realizar a fiscalização con-tábil, financeira, orçamentária e patrimonial da Administração direta, autárquica e fundacional de todas as ambiências estatais; bem como aqueles que os reconhecem como órgãos independentes, desvinculados da estrutura de quaisquer Poderes do Estado. Apesar da autonomia e independência dos Tribunais de Contas em relação aos Poderes Políticos, são inegáveis suas afinidades históricas e funcionais com o Poder Legislativo, com o qual sempre colaboram intimamente na fiscalização fi-nanceira e orçamentária da gestão pública, o que torna razoável sustentar a submis-são de seus servidores ao teto estabelecido constitucionalmente para esse Poder, qual seja, o subsídio dos Deputados Estaduais ou Distritais. Por outro lado, o Supe-rior Tribunal de Justiça, por força de simetria constitucional (arts. 73, § 3º, e 75 da Constituição) e partindo da premissa de que os Tribunais de Contas não guardam vínculo de subordinação com o Poder Legislativo, entendeu devesse ser aplicado, no âmbito das Cortes de Contas dos Estados, o subteto estabelecido para os servido-

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res do Poder Judiciário, ou seja, os subsídios dos Desembargadores dos Tribunais de Justiça e não necessariamente e para todos os efeitos, o teto máximo atinente ao valor dos subsídios dos Deputados Estaduais. Asseverou-se, também, que o art. 73, § 3º, da Carta Política, explicitamente previu que os Ministros do Tribunal de Con-tas da União teriam as mesmas garantias e prerrogativas dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça, inclusive no aspecto vencimental, o que demonstra não estarem relacionados a parâmetros pertinentes ao Poder Legislativo, porém atrelados aos referenciais do Poder Judiciário Federal. Tal compreensão se estenderia para as Cortes de Contas estaduais, em face do que dispõe o art.75 da Constituição da Re-pública. Quanto aos Conselheiros dos Tribunais de Contas dos Estados, não paira qualquer dúvida de que o limite máximo de sua remuneração é idêntico ao dos De-sembargadores dos Tribunais de Justiça, por força das disposições constitucionais mencionadas; o mesmo ocorre com os Auditores, porque atuam como substitutos dos Conselheiros, sendo-lhes assegurados as mesmas garantias, impedimentos e vencimentos dos titulares, por conta do que estabelece o § 4º do art. 73, combinado com o art. 75 da Lei Fundamental. O problema aflora quando se trata dos demais servidores das referidas Cortes de Contas, ante a ausência de norma constitucional expressa sobre a matéria, pelo que só resta ao intérprete palmilhar dois únicos ca-minhos possíveis: aplicar-lhes como limite máximo de seus estipêndios o subsídio dos Deputados Estaduais, em decorrência do liame funcional existente entre o Par-lamento e os Tribunais de Contas; ou, com esteio nos os fortes argumentos delinea-dos no acórdão do Superior Tribunal de Justiça, apoiado na dicção dos arts. 73, § 3º, e 75, da Constituição Federal, atribuir-lhes como teto remuneratório o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça. Ambas as interpretações encontram respaldo constitucional, cabendo ao legislador fazer sua opção política por dessas alternativas. Eis aí as reflexões que permeiam este trabalho. Palavras chaves: Tribunal de Contas. Autonomia. Estrutura orgânica do Estado brasileiro. Vinculação finalística com o Legislativo. Prerrogativas do Judiciário. Servidores. Teto Remuneratório. Subtetos. Omissão constitucional. Interpretações legitimas. Opção política do legislador. Sumário: 1. Introdução. 2. Teto remuneratório dos agentes públicos. 3. Au-tonomia dos Tribunais de Contas e a posição destes na estrutura orgânica do Estado brasileiro. 4. O teto remuneratório dos servidores dos Tribunais de Contas. 5. Conclusão. Bibliografia. 1. Introdução

O presente trabalho tem por escopo uma breve reflexão sobre um tema que, desde a promulgação da Carta Política de 1988, vem

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sendo objeto de permanente discussão pelos tribunais pátrios, sem-pre apresentando peculiaridades em face das minúcias e imperfei-ções das normas constitucionais que tratam do assunto, o que tem tornado problemáticas sua eficiência e execução, a ensejar contínua atuação do Judiciário na missão de interpretar tais preceptivos, para aplicá-los aos casos concretos, com suas respectivas nuanças. Esta-mos a falar dos famigerados tetos remuneratórios dos agentes públi-cos.

Nosso estudo tem como foco os servidores dos Tribunais de Contas Estaduais, porquanto a maior dificuldade se encontra no âmbito dos Estados-Membros e do Distrito Federal, já que para estes entes federativos o constituinte derivado, por meio da Emenda Constitucional nº 41, que alterou uma vez mais o art. 37, XI, da Constituição, estabeleceu o que se convencionou chamar de subteto, fixando três limites remuneratórios distintos: o subsídio do Gover-nador para os servidores do Poder Executivo; o dos Deputados Es-taduais e Distritais para os servidores do Poder Legislativo, e para os do Poder Judiciário o subsídio dos Desembargadores, os quais, por sua vez, têm sua remuneração limitada a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Mi-nistros do Supremo Tribunal Federal, aplicável aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e Defensores Públicos, não fa-zendo qualquer referência expressa aos servidores dos Tribunais de Contas, cabendo ao intérprete, portanto, enquadrá-los adequada-mente em um dos paradigmas contemplados na Carta da República. Para tanto, faz-se necessário incursionar no âmbito da autonomia administrativa e financeira das Cortes de Contas e de sua posição na estrutura orgânica do Estado brasileiro.

Por tais razões é que dividimos este breve ensaio em três itens. No primeiro, abordaremos de uma maneira geral a instituição de li-mites máximos de remuneração de agentes públicos das diversas es-feras de Poder, que teve assento constitucional a partir da Lei Fun-damental de 1988, cuja eficácia e aplicabilidade têm gerado muita polêmica nos campos doutrinário e jurisprudencial.

Em seguida, discorreremos a respeito da independência das Cortes de Contas e da expansão de suas competências e garantias, com a incumbência de promover a fiscalização contábil, financeira e

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orçamentária, operacional e patrimonial de todos os órgãos e enti-dades da administração direta, autárquica e fundacional dos três Po-deres do Estado.

Finalmente, ingressaremos no tema central do nosso lavor, concernente ao teto remuneratório dos servidores dos Tribunais de Contas, levando em consideração toda essa problemática atinente à limitação de remuneração dos agentes públicos, a complexa natu-reza jurídica desses colegiados e seu espaço no sistema tripartite do Poder estatal adotado pela ordem constitucional vigente. Eis aí o de-safio. 2. Teto Remuneratório dos Agentes Públicos

Iniciando a apreciação do tema, achamos de bom alvitre tra-zer à baila comentário do consagrado constitucionalista José Afonso da Silva sobre a má política de recursos humanos que impera na Administração Pública brasileira, a gerar graves distorções no ser-viço público, a ponto de o constituinte de 1988 se ocupar de inserir na Lei Maior regra que viesse corrigir ou pelo menos inibir esses desvirtuamentos. Diz o mestre:

A má política de recursos humanos em todos os níveis de governo possibilitou enormes distor-ções no sistema remuneratório do serviço pú-blico, de tal sorte que alguns servidores, por di-versos meios legais até, ou mesmo na via judi-cial, obtiveram vencimentos muito acima da média do funcionalismo, enquanto a massa dos servidores públicos sempre esteve muito mal-remunerada. Em consequência dessas distor-ções, os governantes, em vez de implementar uma política de pessoal condizente com o inte-resse público, passaram a buscar mecanismos para tolher esses abusos de uns poucos. Com is-so se vão enxertando na Constituição minúcias regulatórias despropositadas, e nem sempre efi-cazes enquanto perdurar a desastrosa política de

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recursos humanos no serviço público. (Silva, 2006)

De fato, no texto constitucional originário ficou estatuído, em seu art. 37, inciso XI, que a lei fixaria o limite máximo e a relação de valores entre a maior e a menor remuneração dos servidores públi-cos, observando-se como limites máximos, no âmbito dos respecti-vos Poderes, os valores percebidos como remuneração, em espécie, a qualquer título, por membros do Congresso Nacional, Ministros de Estado e Ministros do Supremo Tribunal Federal e seus correspon-dentes nos Estados, no Distrito Federal e nos Territórios, e, nos Municípios, os valores percebidos, em espécie, pelo Prefeito. Essa norma, contudo, não atingiu seu desiderato, em face de controvér-sias em sua interpretação, notadamente pelo Judiciário que, a partir de seu órgão de cúpula, entendeu estarem excluídas do teto remune-ratório as denominadas vantagens pessoais, por força do que dispu-nha o §1º do art. 39 da Carta da República, em sua redação de ori-gem.

Foi editada então a Emenda Constitucional nº 19/1998, que alterou o texto inicial, para instituir um teto único, que seria o subsí-dio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Fede-ral. Entretanto, para dar eficácia a esse dispositivo, a mesma Emen-da acrescentou ao art. 48 o inciso XV, determinando que o tal subsí-dio fosse fixado em lei de iniciativa conjunta dos Presidentes da Re-pública, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do próprio Supremo Tribunal Federal.

Não é difícil perceber que esse mecanismo jamais poderia dar certo, porquanto bastava que um só dos agentes políticos menciona-dos divergisse para que nada se concretizasse. Foi o que efetivamen-te ocorreu. E não poderia ser diferente, pois, como ensina o já citado José Afonso da Silva, a regra importava em conferir a outras autori-dades poderes de intromissão em tema que a Constituição tinha re-servado apenas à Corte Suprema, retirando-lhe, por via de conse-quência, uma prerrogativa expressamente estabelecida, consistente

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no poder de iniciativa exclusiva para deflagrar o processo legislativo sobre a fixação de subsídios de seus membros (CF, art.96, II, b).1

Por fim, sobreveio a Emenda Constitucional nº 41/2003, a modificar uma vez mais o artigo 37, XI, da Constituição, dispondo acerca do limite máximo da remuneração e do subsídio dos ocupan-tes de cargos, funções e empregos públicos da Administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos de-tentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos nos se-guintes termos:

Art. 37. A administração pública direta e indire-ta de qualquer dos Poderes da União, dos Esta-dos, do Distrito Federal e dos Municípios obe-decerá aos princípios de legalidade, impessoali-dade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: […] XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da ad-ministração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municí-pios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos, e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cu-mulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não po-derão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, a-plicando-se como limite, nos Municípios, o sub-sídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Fe-deral, o subsídio mensal do Governador no âm-bito do Poder Executivo; o subsídio dos De-putados Estaduais e Distritais no âmbito do Po-der Legislativo; e o subsídio dos Desembargado-res do Tribunal de Justiça, limitado a noventa

1 Idem, ibidem, p. 341.

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inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos De-fensores Públicos;

Pela leitura do comando constitucional acima transcrito, de redação não muito primorosa, verifica-se existir um teto uniforme, o qual serve de parâmetro para todos os servidores e agentes políticos da União. Da mesma forma os servidores e agentes políticos muni-cipais têm um teto único, que é a remuneração do Prefeito. No que respeita às regras remuneratórias na órbita estadual e distrital, obser-vam-se três limites máximos, quais sejam: na esfera do Poder Judici-ário prevalece o subsídio dos Desembargadores de Tribunal de Justi-ça; no âmbito do Poder Executivo, a remuneração paga ao Gover-nador e, finalmente, no campo do Poder Legislativo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais.

Fácil é constatar que o legislador constitucional derivado con-sagrou regras de pertinência da remuneração dos servidores e agen-tes públicos com balizas próprias em cada esfera de Poder.

As exceções correm por conta dos membros do Ministério Pú-blico, dos Procuradores e dos Defensores Públicos, que têm seus te-tos remuneratórios vinculados ao limite constitucionalmente estabe-lecido para o Poder Judiciário.

Nesse contexto, a ausência de referência aos Tribunais de Contas no dispositivo citado acima leva o intérprete a concluir que o silêncio do constituinte reformador se deu por duas razões: a primei-ra pelo fato de os subsídios dos Ministros da Corte de Contas da U-nião serem regulamentados pelo artigo 73, § 3º, da Constituição, que os vincula aos do Poder Judiciário; e a segunda para demonstrar a necessária inclusão do corpo de servidores dos Tribunais de Contas no artigo 37, inciso XI, da Constituição Federal, dentro dos para-digmas ali mencionados, já que nenhuma ressalva foi feita quanto a estes.

Impende ressaltar, porém, que a Emenda Constitucional nº 47, de 5 de julho de 2005, acrescentou ao art. 37 o § 12, facultando

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aos Estados e ao Distrito Federal fixar, em seu âmbito, mediante emenda às respectivas Constituições e Lei Orgânica, como teto úni-co, o subsídio dos Desembargadores do respectivo Tribunal de Justi-ça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, não se aplicando o disposto nesse parágrafo aos subsídios dos Deputados Estaduais e Distritais e dos Vereadores. 3. Autonomia dos Tribunais de Contas e a posição destes na Es-trutura Orgânica do Estado Brasileiro

Sempre que a doutrina procura estudar a natureza dos Tribu-nais de Contas, surgem inevitavelmente altercações acerca de sua in-serção na estrutura organizacional dos Poderes do Estado. Odete Medauar, ao examinar a matéria, afirma, de logo, que dificilmente se defenderia a inclusão TCU no âmbito do Poder Executivo, até mesmo porque desde a sua origem lhe fora confiada a função de au-xiliar o Congresso Nacional na tomada de contas do Executivo, não se podendo cogitar de subordinação de órgão controlador a órgão controlado.(Medauar, 1993)

No que tange ao Poder Judiciário, assevera que a Corte de Contas não está arrolada entre os órgãos que integram esse Poder. Tanto isso é verdade que o art. 73 da Constituição Federal determi-na a aplicação ao Tribunal de Contas, no que couber, das disposi-ções do art. 96, relativas à eleição de seus dirigentes, organização dos serviços e elaboração de regimentos internos; o § 3º do mesmo artigo concede as garantias, prerrogativas e impedimentos dos inte-grantes do Judiciário. Daí inferir a citada autora: Se detivesse a nature-za de órgão do Poder Judiciário desnecessários seriam preceitos desse teor.2

A respeito de sua vinculação ao Poder Legislativo, pondera que a menção do Tribunal de Contas como órgão auxiliar desse Po-der acarreta uma ideia de subordinação. Porém, na verdade, em ar-tigo algum a Constituição utiliza a expressão órgão auxiliar; dispõe apenas que o controle externo será exercido pelo Congresso Nacio-nal com o auxílio do Tribunal de Contas. A sua função, portanto – 2 4 Idem, ibidem.

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argumenta a ilustre administrativista – é de exercer o controle financeiro e orçamentário da Administração em auxílio ao poder responsável, em últi-ma instância, por essa fiscalização.3 Diz mais, se a própria Constituição assegurou ao Tribunal de Contas as mesmas garantias de indepen-dência do Poder Judiciário, impossível considerá-lo subordinado ao Legislativo ou inserido em sua estrutura.4

Por fim, conclui que se a função da Corte de Contas é a de a-tuar em auxílio ao Poder Legislativo, sua natureza, em razão das próprias normas constitucionais, é a de órgão independente, desvin-culado da estrutura de qualquer dos três Poderes.5

Nessa esteira, leciona Carlos Ayres de Brito que o Tribunal de Contas não é órgão do Poder Legislativo, pois é a própria Constitui-ção que diz, em seu art. 44, que esse Poder é exercido pelo Congres-so Nacional, que se compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Logo, não faz parte do Parlamento brasileiro o Tribunal de Contas da União. Afirma, ademais, que a sua atuação jurídica se dá a latere do Congresso, junto dele, mas não do lado de den-tro.(BRITO, 2002)

Comungando com esse pensamento, Lucas Rocha Furtado aponta como sendo um equívoco do texto constitucional a inserção do Tribunal de Contas da União no Poder Legislativo feita pelo art. 71, em contradição com o disposto no art. 44, supramencionado. E diz mais: A vinculação entre o TCU e o Poder Legislativo se estabelece tão somente em razão de ser conferida ao Congresso Nacional competência para indicar seis dos nove membros do TCU (CF, art.49, XIII). (Furtado, 2007)

Sustenta ainda o mencionado autor que a Constituição, ao dispor sobre o exercício do controle externo pelo Parlamento com o auxílio do Tribunal de Contas, está a indicar que apenas por inter-médio do TCU pode o Congresso Nacional exercer suas atribuições constitucionais constantes do art. 71, relacionadas ao controle finan-ceiro da atividade administrativa do Estado.6

3 Id., ibid. 4 Id., ibid. 5 Id, ibid., p.141. 6 Idem, ibidem.

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Não há negar que, com o advento da Constituição de 1988, os Tribunais de Contas adquirem plena autonomia administrativa e fi-nanceira, tendo sido suas competências e garantias ampliadas como forma de assegurar o exercício pleno de suas relevantes funções re-publicanas, consoante bem destacou o ilustre Ministro Celso de Mel-lo, em questão posta perante o Supremo Tribunal Federal, in verbis:

Com a superveniência da nova Constituição, ampliou-se, de modo significativo, a esfera de competência dos Tribunais de Contas, os quais, distanciados do modelo inicial consagrado na Constituição republicana de 1891 – que limitava sua atuação à mera liquidação das contas da re-ceita e à verificação de sua legalidade (art. 89) – foram investidos de poderes mais amplos, que ensejam, agora, a fiscalização contábil, financei-ra, orçamentária, operacional e patrimonial das pessoas estatais e das entidades de sua adminis-tração direta e indireta.7

Seguindo essa mesma trilha, é a lição de Eduardo Lobo Bote-

lho Gualazzi, ao proclamar:

A nova Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, possibilitou que a instituição Tribunal de Contas, no Brasil, evoluísse definiti-vamente da mera apreciação passiva da legali-dade formal para a configuração de órgão admi-nistrativo de inquirição permanente, a priori, concomitantemente ou a posteriori, ativa e de ofício, a respeito de todos os ângulos jurídicos e extrajurídicos, atinentes à gestão administrativa integral do Estado, com relação às receitas e despesas públicas. (Gualazzi, 1992)

Deveras, os Tribunais de Contas são órgãos públicos especia-lizados, que têm por finalidade precípua auxiliar e orientar o Poder

7 STF, Med. Caut. na ADI 215-5-PB, j. em 07.06.1990, DJ 03.08.1990.

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Legislativo no exercício do controle externo da pública Administra-ção, sem, contudo, subordinarem-se ao Parlamento. Por isso, possu-em total independência, cumprindo-lhes, primordialmente, praticar atos de fiscalização contábil, financeira e orçamentária, operacional e patrimonial de todos os órgãos e entidades da administração dire-ta, autárquica e fundacional dos três Poderes do Estado.

Todavia, tal autonomia não faz dos Tribunais de Contas um quarto Poder, pois a Constituição Federal adota a teoria da triparti-ção dos Poderes, compreendendo as três funções essenciais do Esta-do – executiva, legislativa e judiciária – pelo que descabe, nessa es-trutura estatal, dizer que as Cortes de Contas constituem um poder fora dessa trilogia. Em razão disso é que grande parte dos doutrina-dores nacionais entendem ser os Tribunais de Contas vinculados or-ganicamente ao Poder Legislativo; alguns chegando ao exagero de dizer que tal órgão integra o Congresso Nacional, como é o caso de José Carvalho dos Santos (Santos, 2009). Manuel Gonçalves Ferrei-ra Filho afirma que, embora vinculado ao Legislativo, o Tribunal de Contas é assimilado aos tribunais judiciários no tocante às garantias de sua independência (Ferreira Filho, 2006). Nelson Nery da Costa e Geraldo Magela Alves, não obstante o qualifiquem como órgão auxiliar do Poder Legislativo, reconhecem tratar-se de um órgão administrativo, com funcionamento autônomo, cuja função consiste em exercer o controle externo sobre a execução finaceira-orçamentária, em face dos três Poderes Políticos (Costa, 2006). Essa vinculação orgânica assinalada por um segmento da doutrina decor-re do fato de que a própria Lei Maior, ao tratar do Tribunal de Con-tas da União, o coloca expressamente no Capítulo I – Do Poder Le-gislativo, Seção IX – Da fiscalização contábil, financeira e orçamen-tária, como órgão executor do controle externo a cargo do Congres-so Nacional, sem que isto, naturalmente, signifique qualquer sub-missão hierárquica.

Nesse sentido é o escólio de Helio Saul Mileski, verbis:

Não sendo poder, na forma da organização esta-tal utilizada, o Tribunal teria de participar de um dos Poderes do Estado. O escolhido foi o Poder Legislativo, na medida em que é ele o detentor

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do controle externo, mas sem estabelecer qual-quer espécie de submissão hierárquica, possibili-tadora de violência à autonomia e à indepen-dência do Tribunal de Contas perante o Legisla-tivo. Tanto assim é que, no art. 71 da Constitui-ção, são estabelecidas competências exclusivas e indelegáveis para o Tribunal de Contas, com e-xercício sobre os três Poderes do Estado, em que, evidentemente, inclui-se o Legislativo, com estabelecimento de uma composição, a cujos membros são destinadas as mesmas garantias e prerrogativas da magistratura, que lhe assegurem uma atuação com absoluta independência (Mi-leski, 2003).

Na verdade, apesar da autonomia e independência dos Tribu-nais de Contas em relação aos Poderes do Estado, são inegáveis suas afinidades históricas com o Poder Legislativo, com o qual sempre colaboraram intimamente na fiscalização financeira e orçamentária da gestão pública. Daí assentar Castro Nunes, citado por Victor Nu-nes Leal, que as Cortes de Contas não são delegações do Parlamento, são órgãos autônomos e independentes. Mas elas existem em função da atribui-ção política dos parlamentos no exame das contas de cada exercício financei-ro (Leal, 1997). Diante dessa afinidade é que José Afonso da Silva assere: As Cortes de Contas sempre seguem as posições do Poder Legislativo. Quando este está sufocado pelo autoritarismo ou pela perda de atribuições básicas, aquelas sofrem as consequências em grau mais profundo (Silva, 2005).

Essa indisfarçável proximidade entre os Tribunais de Contas e o Parlamento não os tornam vinculados organicamente ao Poder Legislativo, haja vista não integrarem as Cortes de Contas nenhum dos Poderes Políticos; elas atuam entre eles e não no interior deles. Por isso, deduz-se que o vínculo que une tais órgãos e o Legislativo é unicamente finalístico, em face da missão constitucional que lhes é confiada de exercer a fiscalização contábil, financeira, orçamentária e patrimonial da Administração Pública, agindo os Colegiados de Contas como órgãos técnicos especializados e plenamente indepen-dentes em auxílio ao Parlamento, que é o Poder, em última instân-

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cia, responsável por este controle externo. Daí assistir razão a Pedro Roberto Decomain, ao dizer que, para a finalidade do controle ex-terno da Administração Federal pelo Congresso Nacional e do pon-to de vista estritamente funcional, não é despropositado afirmar-se ser o Tribunal de Contas da União auxiliar do Poder Legislativo, no sentido de prestar-lhe efetiva colaboração, sem significar que lhe es-teja subordinado, o que não ocorre nem mesmo quando exerce as funções previstas nos incisos I, IV e VII do art. 71 da Carta Política, concernentes em ofertar parecer prévio para apreciação das contas do Presidente da República, atender às requisições de auditorias e prestar informações solicitadas pelo Congresso Nacional (Decoma-in, 2006). 4. O Teto Remuneratório dos Servidores dos Tribunais de Contas

A completa autonomia dos Tribunais de Contas não autoriza, por si só, apartá-los da sistemática constitucional de fixação do teto remuneratório, nem lhes garante o direito de criar exceções não pre-vistas na Lei Suprema em prol de seus servidores.

No que toca ao Tribunal de Contas da União, nenhuma difi-culdade há com relação ao assunto, porquanto na esfera federal exis-te um único teto para todos os seus servidores, correspondente ao subsídio mensal, em espécie, percebido pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal, incluindo-se nessa moldura, por via de consequên-cia, aqueles servidores pertencentes aos quadros da citada Corte de Contas.

Já quando se trata dos Tribunais Estaduais e do Distrital, ape-sar, como já reportado anteriormente, de tais órgãos não se subordi-narem ao Poder Legislativo ante a autonomia constitucional que lhes é garantida, indubitável é a afinidade histórica que os une, ense-jando que alguns doutrinadores, inclusive, admitam integrem orga-nicamente a estrutura do Parlamento; enquanto outros negam qual-quer vínculo orgânico com este Poder, nada obstante reconheçam haver um elo funcional decorrente das atribuições constitucionais que lhes são conferidas para a fiscalização financeira e orçamentária dos órgãos e entidades da Administração Publica direta, autárquica e fundacional dos Poderes do Estado.

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Em face de tudo isso e diante do silêncio do legislador consti-tuinte quanto à indicação em qual dos paradigmas estampados na Constituição estariam enquadrado os servidores dessas Cortes de Contas, é razoável sustentar ser o mais correto conceber que eles se submetam ao teto estabelecido constitucionalmente para o Poder Legislativo, qual seja, o subsídio dos Deputados Estaduais ou Distri-tais, haja vista a atuação conjunta desses Tribunais de Contas com as Casas Legislativas dos Estados-Membros e do Distrito Federal no exercício do controle externo das contas públicas dos órgãos e entes que compõem os Poderes estatais.

Contudo, em julgamento recente, decidiu o Superior Tribunal de Justiça que, por força de simetria constitucional (arts. 73, § 3º, e 75 da Constituição da República), haveria de ser aplicado, na órbita das Cortes de Contas dos Estados, o subteto estabelecido para os servidores do Poder Judiciário, ou seja, o subsídio dos Desembarga-dores dos Tribunais de Justiça, embora reconheça ser facultado aos Estados Federados, discricionariamente, fixar, por lei, subteto re-muneratório inferior àquele limite máximo extraído da sistemática constitucional, motivo pelo qual sequer cogitou, no caso concreto, declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 13.464/2004 do Estado do Ceará, que limitou a maior remuneração dos servidores do Tri-bunal de Contas do Estado ao valor do subsídio dos Deputados Es-taduais; apenas não admitiu a supressão de valores excedentes per-cebidos por tais servidores antes da fixação do subteto instituído pela legislação estadual, em nome do princípio da irredutibilidade de vencimentos prevista no art. 37, inciso XV, da Carta Magna, de-vendo as importâncias que sobejam ser convertidas em VPNI (Van-tagem Pessoal Nominalmente Identificável) até sua absorção grada-tiva pelos eventuais reajustes vencimentais da categoria, consoante se observa da ementa que segue transcrita:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL. RE-MUNERAÇÃO. TETO. ART. 37, INCISO XI, CF/88. OMISSÃO. ARTS. 73, §3º, E 75, CF/88. SUBTETO. PODER JUDICIÁRIO

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ESTADUAL. APLICAÇÃO SIMETRIA. LEI Nº 13.464/2004 DO ESTADO DO CEARÁ. SUBTETO. DEPUTADO. PATAMAR INFE-RIOR. POSSIBILIDADE. I – O art.37, inciso XI, da CF/88, ao definir os limites remuneratórios aplicáveis aos servidores estaduais, não cuidou expressamente do subteto dos membros dos respectivos Tribunais de Con-tas, o que não significa estejam eles imunes a qualquer limitação estipendial. II – Por simetria constitucional (arts. 73, § 3º, e 75 da Constituição Federal), há de se aplicar, no âmbito das Cortes de Contas dos Estados, o sub-teto estabelecido para os servidores do Poder Judiciário (limitado a 90,25% do subsídio dos ministros do e. STF). III – Mesmo assim, ainda é facultado aos Esta-dos Federados, discricionariamente, fixar, por lei, subteto remuneratório inferior àquele limite máximo extraído da sistemática constitucional – tal qual verificado, in casu, com a edição da Lei Estadual nº 13.464/04. Precedentes do e. STF. SUBTETO. FIXAÇÃO POR LEI. REMUNE-RAÇÃO. DECESSO. IMPOSSIBILIDADE. IRREDUTIBILIDADE DE VENCIMENTOS. ART. 37, INCISO XV, CF/88. IV – Não é admitida a supressão de valores exce-dentes (percebidos anteriormente à fixação do subteto instituído por legislação estadual), nas hipóteses em que a remuneração do servidor já se enquadrava dentro do máximo admitido pelas regras constitucionais. Aplicação, na hipótese, do princípio da irredutibilidade de vencimentos e subsídios (art. 37, inciso XV, da Constituição Federal). V- In casu, os valores excedentes anteriormente pagos aos recorrentes deverão ser convertidos em VPNI, a ser absorvida gradativamente pelos eventuais reajustes vencimentais da categoria.

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Recurso ordinário provido.8

Em trecho de seu voto, o eminente Relator, Ministro Felix

Fischer esclarece que, partindo da premissa de que os Tribunais de Contas não guardam vínculo de subordinação com o Poder Legisla-tivo, não encontra razão jurídica para deduzir que aos servidores dessas Cortes haveria de se aplicar, necessariamente e para todos os efeitos, o teto máximo atinente ao valor dos subsídios dos Deputa-dos Estaduais.

Prossegue afirmando que o art. 73, § 3º, da Carta Política, ex-plicitamente previu que os Ministros do Tribunal de Contas da Uni-ão teriam as mesmas garantias e prerrogativas dos Ministros do Su-perior Tribunal de Justiça, inclusive no aspecto vencimental, o que demonstra não estarem relacionados a parâmetros pertinentes ao Poder Legislativo, porém atrelados aos referenciais do Poder Judici-ário Federal.

Desse modo, e levando em conta o que dispõe o art. 75 da Constituição da República, que manda aplicar aos Tribunais de Contas dos Estados, as normas estabelecidas para o Tribunal de Contas da União no que pertine à organização, composição e fisca-lização, conclui que o limite remuneratório máximo constitucional dos servidores das Cortes de Contas Estaduais não poderia ser outro senão o referencial do respectivo Poder Judiciário.

Em amparo ao seu posicionamento, recorre à lição de Marçal Justen Filho que, analisando a redação da Emenda Constitucional nº 41 a respeito do teto máximo remuneratório, pontua:

E, quanto ao Poder Judiciário, o teto é o subsí-dio de Desembargador, que será limitado a 90,25% do subsídio mensal do Ministro do Su-premo Tribunal Federal. Esses limites são apli-cáveis ao Ministério Público. Embora o silêncio constitucional, também se estende a regra aos Conselheiros dos Tribunais de Contas Estaduais, por efeito da regra constitucional que subordina

8 STJ, RMS nº 30.878-CE, Rel. Min. Felix Fischer, j. 20.04.2010, DJE 2.8.2010.

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seu regime ao dos Ministros do Tribunal de Contas da União (os quais têm remuneração e-quivalente à do Ministro do STJ, conforme o art. 73, § 3º, da Constituição) (Justen Filho, 2006).

Quanto aos Conselheiros dos Tribunais de Contas dos Esta-dos, entendemos não pairar qualquer dúvida de que o limite máxi-mo de sua remuneração é idêntico ao dos Desembargadores dos Tri-bunais de Justiça, por força das disposições constitucionais mencio-nadas, o que encontra agasalho na doutrina supracitada de Marçal Justen Filho; o mesmo ocorre com os Auditores, porque atuam co-mo substitutos dos Conselheiros, sendo-lhes assegurados as mesmas garantias, impedimentos e vencimentos dos titulares, por força do disposto no § 4º do art. 73, combinado com o art. 75 da Constituição Federal, a fim de que exerçam a substituição com autonomia e inde-pendência, não se sujeitando a qualquer tipo de pressão ou ameaça.

A esse propósito, trazemos à colação, uma vez mais, o ensina-mento de Helio Saul Mileski, ao afirmar:

Na realidade, o Auditor, em decorrência da atri-buição de substituir Ministros ou Conselheiros, função que, embora de natureza eventual, é pra-ticada regularmente, não pode nem deve, após a substituição, ser conduzido a uma atividade su-balterna, inexpressiva e vulnerável, que violente a garantia de atuação da substituição. Ele neces-sita, mesmo fora da substituição, de atividade que mantenha a dignidade e independência do exercício dessa substituição. Esta, a nosso ver, a intenção constitucional: manter o Auditor, mesmo quando não em substituição a Ministro ou Conselheiro, em atividade compatível com a do cargo substituído, inclusive com a mesma se-gurança e as mesmas garantias, a fim de que este não fique vulnerável nas substituições que venha a efetuar.9

9 Op. cit., p. 226.

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Em razão disso é que, como bem lembra o citado autor, a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União (Lei nº 8.443/1992), em seu art. 78, parágrafo único, atribui competências ao Auditor, quan-do não convocado para substituir Ministro, de presidir a instrução dos processos que lhe forem distribuídos, relatando-os como propos-ta de decisão a ser tomada pelos integrantes do Pleno ou da Câmara a que estiver designado.10

A dificuldade desponta quando se trata dos demais servidores das referidas Cortes de Contas ante a ausência de norma constitu-cional expressa sobre a matéria, pelo que só resta ao intérprete pal-milhar dois únicos caminhos possíveis: o primeiro é entender que a esses se aplica, como limite máximo de seus estipêndios, o subsídio dos Deputados Estaduais, em decorrência do liame funcional exis-tente entre o Parlamento e os Tribunais de Contas, haja vista a efeti-va colaboração que estes prestam ao Poder Legislativo como órgão de auxílio no exercício da fiscalização contábil, financeira, orçamen-tária, operacional e patrimonial da Administração Pública, mediante controle externo, fato que, dentro da teoria tripartite do Poder ado-tada em nossa organização estatal, colocaria as Cortes de Contas bem mais próximas do Legislativo do que de qualquer outro Poder, em face da indisfarçável vinculação finalística que os une. O segun-do encontra-se expresso nos fortes argumentos esposados no citado voto do Ministro Felix Fischer, apoiado na dicção dos arts. 73, § 3º, e 75, da Constituição, os quais, respectivamente, estabelecem sejam asseguradas aos Ministros do Tribunal de Contas da União as mes-mas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vanta-gens dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça, e aplicadas, no que couber, as normas atinentes à Corte de Contas da União, aos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como aos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios. Nesse caso, toma-se como referencial o teto remuneratório dos servidores do Poder Judiciário, qual seja o subsídio dos Desembargadores do Tri-bunal de Justiça.

Em reforço a esse segundo caminho, poder-se-ia invocar mais uma vez as lições de Carlos Ayres de Brito, ao preconizar: 10 Id., ibid.

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A referência organizativo-operacional que a Lei Maior erige para os Tribunais de Contas não re-side no Poder Legislativo, mas no Poder Judici-ário. Esta a razão pela qual o art. 73 da Carta de Outubro confere ao Tribunal de Contas da Uni-ão “no que couber”, as mesmas atribuições que o art. 96 outorga aos tribunais judiciários. [...] Mas não se esgota nas atribuições dos tribunais judiciários o parâmetro que a Lei das leis estabe-lece para o Tribunal de Contas da União, muta-tis mutandis. É que os ministros do Superior Tribunal de Justiça também comparecem como referencial (em igualdade de condições, averbe-se) para “garantias, prerrogativas, impedimen-tos, vencimentos e vantagens” dos ministros do TCU, tudo conforme os expressos dizeres do § 3º do art. constitucional de n. 73.11

Aliás, há autores que defendem que o Tribunal de Contas da

União deveria compor o Poder Judiciário, como é o caso de Ives Gandra Martins (Bastos, 1997) e de Lucas Rocha Furtado. Este úl-timo chega mesmo a recomendar que em possíveis futuras revisões do modelo constitucional brasileiro de controle externo se deveria considerar a possibilidade de inserir o TCU no Poder Judiciário – à semelhança do que ocorre no modelo português –, o que, segundo afirma, conferiria maior efetividade às decisões do Tribunal, além de reduzir o nível de interferência política decorrente da proximidade entre os Tribunais de Contas e as Casas Legislativas.12

Retomando a polêmica a respeito do teto remuneratório dos servidores das Cortes de Contas dos Estados e do Distrito Federal, impõe-se concluir que, diante do silêncio da Carta da República so-bre a matéria, o legislador infraconstitucional poderá adotar na norma de regência qualquer uma das interpretações expostas, uma vez que ambas encontram respaldo constitucional, cabendo ao legis-lador fazer a opção política, pois, consoante ensina Carlos Maximi- 11 Op. cit., p. 73. 12 Op. cit., p. 1091.

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liano, se existirem duas interpretações defensáveis ou duas correntes de ideias apoiadas por jurisconsultos de valor e o Poder Legislativo adotar uma delas, seu ato prevalece, não podendo o Judiciário inva-lidá-lo, porquanto só fará valer essa sua prerrogativa quando o Par-lamento violar claramente o estatuto básico e não quando apenas optar por determinada hermenêutica não de todo desarrazoada (Maximiliano, 1981). Assim, poderá estabelecer como limite máxi-mo de remuneração dos servidores das Cortes de Contas dos Esta-dos e do Distrito Federal tanto o subsídio dos Deputados Estaduais ou Distritais como o dos Desembargadores do Tribunal de Justiça.

Passemos, agora, ao exame da temática com relação aos Tri-bunais de Contas dos Municípios. Nesse caso, é preciso analisar, i-nicialmente, se, na espécie, trata-se de Corte de Contas integrante da organização administrativa de um determinado Município, como ocorre unicamente com as cidades de São Paulo e do Rio de Janei-ro;13 nessa hipótese, não há dúvida de que seus servidores, por per-tencerem ao ente federativo municipal, têm como limite máximo remuneratório o subsídio do Prefeito, como dispõe o inciso XI do art. 37 da Constituição Federal.

Todavia, quando se cuidar de um órgão estadual que tenha por atribuição precípua a fiscalização contábil, financeira, orça-mentária e patrimonial de todos os Municípios que formam um determinado Estado-Membro, em auxílio às respectivas Câmaras dos Vereadores, como é o caso do Tribunal de Contas dos Municí-pios do Estado do Ceará, cuja competência é semelhante à exercida pelo Tribunal de Contas do Estado, quando este auxilia a Assem-bleia Legislativa, o mesmo entendimento acima esposado deve ser estendido aos vencimentos de seus servidores. De outra parte, é bom que se frise, para reforço dessa compreensão, que nos Estados Fede-rados em que não há Tribunais de Contas dos Municípios, as atribu-ições destes são conferidas às Cortes de Contas Estaduais.

13 Esses tribunais foram criados antes da vigente Constituição, porquanto esta veda a criação desses órgãos municipais, nos termos de seu art. 31, § 4º. Sobre a matéria, vede FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Direito Municipal. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 209-210.

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5. Conclusão

Para concluir, reiteramos que a preocupação do Constituinte de 1988 em fixar um limite máximo de remuneração dos servidores públicos das diversas esferas de Poder – como meio de corrigir as distorções verificadas, ao longo do tempo, no sistema remuneratório do serviço público brasileiro, fruto de uma má política de recursos humanos detectada em todos os níveis de governo – não tem alcan-çado os fins almejados ante as minudências e imperfeições das nor-mas constitucionais sobre a matéria, a ensejar uma permanente atu-ação do Poder Judiciário na busca de interpretação adequada, com o escopo de lhes dar efetiva concretude, o que não tem sido uma tarefa simples.

Essa dificuldade se amplia quando se cuida dos servidores pú-blicos dos Tribunais de Contas Estaduais e Distrital, já que o art. 37, inciso XI, da Constituição Federal, ao estatuir na órbita dos Estados-Membros e do Distrito Federal os chamados subtetos, com a fixação de limites diferenciados de remuneração para os servidores do Legis-lativo, do Executivo e do Judiciário, estendendo o deste último aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos, não faz qualquer alusão aos servidores das Cortes de Con-tas, deixando ao intérprete a incumbência de enquadrá-los correta-mente em um dos paradigmas constitucionais.

Para se proceder adequadamente a esse enquadramento, é im-perioso penetrar na natureza jurídica dos Tribunais de Contas, a fim de desvendar a posição destes dentro da estrutura orgânica do Esta-do brasileiro. Sempre que semelhante tema vem à tona, traz consigo os mais diversos entendimentos doutrinários, desde aqueles que os concebem como órgãos integrantes do Poder Legislativo ou como seu órgão auxiliar na missão constitucional de realizar a fiscalização contábil, financeira, orçamentária e patrimonial da Administração direta, autárquica e fundacional de todas as ambiências estatais, bem como aqueles que os reconhecem como órgãos independentes, desvinculados da estrutura de quaisquer Poderes do Estado.

Na verdade, apesar da autonomia e independência dos Tribu-nais de Contas em relação aos Poderes Políticos, são inegáveis suas

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afinidades históricas e funcionais com o Poder Legislativo, com o qual sempre colaboraram intimamente na fiscalização financeira e orçamentária da gestão pública, o que torna razoável sustentar a submissão de seus servidores ao teto estabelecido constitucionalmen-te para esse Poder, qual seja, o subsídio dos Deputados Estaduais ou Distritais.

Contudo, em julgamento recente, decidiu o Superior Tribunal de Justiça que, por força de simetria constitucional (arts. 73, § 3º, e 75 da Constituição), haveria de ser aplicado, no âmbito das Cortes de Contas dos Estados, o subteto estabelecido para os servidores do Poder Judiciário, ou seja, os subsídios dos Desembargadores dos Tribunais de Justiça.

O eminente Relator, Ministro Felix Fischer, esclarece em seu voto que, partindo da premissa de que os Tribunais de Contas não guardam vínculo de subordinação com o Poder Legislativo, não en-contra razão jurídica para deduzir que aos servidores dessas Cortes haveria de se aplicar, necessariamente e para todos os efeitos, o teto máximo atinente ao valor dos subsídios dos Deputados Estaduais.

Assevera, ademais, que o art. 73, § 3º, da Carta Política, expli-citamente previu que os Ministros do Tribunal de Contas da União teriam as mesmas garantias e prerrogativas dos Ministros do Superi-or Tribunal de Justiça, inclusive no aspecto vencimental, o que de-monstra não estarem relacionados a parâmetros pertinentes ao Po-der Legislativo, porém atrelados aos referenciais do Poder Judiciário Federal.

Desse modo, e levando em conta o que dispõe o art. 75 da Constituição da República, que manda aplicar aos Tribunais de Contas dos Estados as normas estabelecidas para o Tribunal de Con-tas da União, infere que o limite remuneratório máximo constitu-cional dos servidores das Cortes de Contas Estaduais não poderia ser outro senão o referencial do respectivo Poder Judiciário.

Quanto aos Conselheiros dos Tribunais de Contas dos Esta-dos, não paira qualquer dúvida de que o limite máximo de sua re-muneração é idêntico ao dos Desembargadores dos Tribunais de Justiça, por força das disposições constitucionais mencionadas; o mesmo ocorre com os Auditores, porque atuam como substitutos dos Conselheiros, sendo-lhes assegurados as mesmas garantias, im-

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pedimentos e vencimentos dos titulares, por força do disposto no § 4º do art. 73, combinado com o art. 75 da Lei Fundamental.

O problema aflora quando se trata dos demais servidores das referidas Cortes de Contas ante a ausência de norma constitucional expressa sobre a matéria, pelo que só resta ao intérprete palmilhar dois únicos caminhos possíveis: aplicar-lhes como limite máximo de seus estipêndios o subsídio dos Deputados Estaduais, em decorrên-cia do liame funcional existente entre o Parlamento e os Tribunais de Contas; ou, com esteio nos fortes argumentos delineados no cita-do voto do Ministro Felix Fischer, apoiado na dicção dos arts. 73, § 3º, e 75, da Constituição Federal, atribuir-lhes como teto remunera-tório o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça.

Nessas condições, e diante do silêncio da Carta da República a respeito do tema, impõe-se a conclusão de que o legislador ordinário está autorizado a adotar na norma de regência qualquer uma das in-terpretações colacionadas, uma vez que ambas encontram respaldo constitucional, cabendo àquele fazer sua opção política. Assim, po-derá estabelecer como limite máximo de remuneração dos servidores dos Tribunais de Contas do Estado tanto o subsídio dos Deputados Estaduais como o dos Desembargadores do Tribunal de Justiça. Referências BRITO, C. A. de. O regime constitucional dos tribunais de contas. Revista da Esmese, Sergipe, n. 2, p. 71-84, 2002. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/22287>. Acesso em: 29.07.2010. BASTOS, C. R. e MARTINS, I. G.. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1997. 4º vol., tomo II. COSTA, N. N. da e ALVES, G. M. Constituição federal anotada e aplicada. 3ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2006. DECOMAIN, P. R. Tribunais de contas no Brasil. São Paulo: Dia-lética, 2006.

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FERRARI, R. M. M. N. Direito Municipal. 2ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. FERREIRA FILHO, M. G. Curso de direito constitucional. 32ª edição. São Paulo: Saraiva, 2006. FURTADO, L. R. Curso de direito administrativo. Belo Horizon-te: Fórum, 2007. GUALAZZI, E. L. B. Regime jurídico dos tribunais de contas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1992. JUSTEN FILHO, M. Curso de direito administrativo. 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 2006. LEAL, V. N. Problemas de direito público e outros problemas. Brasília: Ministério da Justiça, vol. 1, 1997. MAXIMILIANO, C. Hermenêutica e aplicação do direito. 9ª ed. Rio Janeiro: Forense, 1981. MEDAUAR, O. Controle da administração pública. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993. MILESKI, H. S. O controle da gestão pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. SANTOS, J. C. dos. Manual de direito administrativo. 22ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. SILVA, J. A. da. Comentário contextual à constituição. 2ª edição. São Paulo: Malheiros, 2006. ______. Curso de direito constitucional positivo. 24ª edição. São Paulo: Malheiros, 2005.

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Controle Social das Políticas Públicas no Brasil

Jacqueline Maria Cavalcante da Silva Mestra em Direito Constitucional pela Universidade de

Fortaleza/UNIFOR. Especialista em Direito Público pela Universidade Vale do Acaraú/UVA. Graduada em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Ceará.

Graduada em Direito pela Faculdade Farias Brito. Analista de Finanças e Controle da Controladoria-Geral da União,

onde exerce as atividades de auditoria e Fiscalização dos recursos públicos federais.

Resumo: O controle social das políticas públicas no Brasil é o foco deste artigo. Seu objetivo principal foi investigar se o controle social é um instrumento com capaci-dade para induzir o Estado a otimizar a execução das políticas públicas em busca da efetividade dos fins constitucionais. O enfoque metodológico quanto à natureza é qualitativo, quanto ao tipo bibliográfico, quanto ao fim explicativo e, relativamente à utilização dos resultados, pura. Conclui-se que o controle social, conforme exerci-do até então, não demonstra capacidade plena para uma efetiva interferência nas ações do Estado concernentes às políticas públicas, sendo essa situação decorrente das resistências impostas por parte de governos e políticos, situação que é favoreci-da pelas limitações dos cidadãos. Palavras-chave: Orçamento participativo; Organizações não-governamentais; Con-selhos.

Introdução

O controle social, na perspectiva democrática contemporânea, tem suas bases na teoria de Rousseau que atribuiu ao povo o poder de con-trolar as ações do executivo, numa visão ideal do Estado totalmente controlado pelo povo, por ser este o real detentor da soberania e, o Estado a expressão da vontade geral. O controle da so-ciedade sobre o Estado em defesa do interesse público sobre o interesse privado nos negócios públicos é um bom referencial para analisar a atual realidade das políticas públicas no Brasil. (Correia, 2004).

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A Constituição Federal brasileira de 1988, em seu artigo 3°, estabelece como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o de-senvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e promover o bem de to-dos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Esses objetivos são reforçados em outros artigos da Constituição, em especial, no 6° (assistência aos desamparados), 170 (conforme os ditames da justiça social), 193 (como objetivo o bem-estar e a justiça sociais) e 219 (o mercado in-terno viabilizar o bem-estar da população).1 As políticas públicas são o principal instrumento disponível ao Estado para consecução dos fins constitucionais, mediante atuação da Administração Pública na utilização dos recursos públicos que, em razão de serem escassos, exige sejam estabelecidas prioridades frente à gama de direitos a se-rem concretizados.

Mas será que no momento de estabelecer essas prioridades a Administração Pública o faz do melhor modo possível, otimizando os recursos e buscando a máxima efetividade dos fins constitucio-nais? Seria o controle social uma forma eficaz para induzir a Admi-nistração Pública à prática dessa otimização?

Em face desse contexto, o objetivo principal desta pesquisa foi investigar se o controle social tem capacidade para induzir o Estado a otimizar a execução das políticas públicas em busca da efetividade dos fins constitucionais. Como objetivos específicos buscou-se anali-sar as formas de participação direta da sociedade no que concerne ao controle da atuação do Estado na execução das políticas públicas e

1 “Art. 6o São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:” “Art. 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.” “Art. 219. O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e socioeconômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal”. (grifos nossos)

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os fatores que impedem o crescimento dessa participação com a con-sequente geração de resultados concretos.

A metodologia utilizada consiste nas seguintes características: quanto à natureza é qualitativa, por ter partido do referencial teórico existente em direção a uma maior abrangência e aprofundamento do tema; quanto ao tipo é bibliográfica, haja vista ter buscado as diver-sas visões sobre o assunto a partir de referencial teórico; quanto ao fim é explicativa porque buscou aprofundar o conhecimento da rea-lidade sob o ângulo em estudo e por fim, no que concerne à utiliza-ção dos resultados, é pura porque não se considera suficiente para alterar a realidade – apenas contribuir.

Os principais pontos abordados dizem respeito ao mapea-mento das formas de participação popular mais difundidas no País, com suas características e principais fragilidades, tendo se concluído que o controle social, nos moldes em que exercido até então, não se mostra um instrumento com capacidade plena para induzir o Estado a otimizar a execução das políticas públicas no sentido da efetivi-dade dos fins constitucionais. Por outro lado, a pesquisa demonstrou que os processos de participação ou controle social no Brasil, de maneira geral, não têm conquistado grandes avanços em função das resistências impostas por parte de governos e políticos quanto a im-pedir a sua realização efetiva, situação que é favorecida pelas limita-ções dos cidadãos.

1. A Construção dos Espaços de Participação da Sociedade

No Brasil, as primeiras experiências de participação da socie-

dade civil na gestão pública, visando democratizá-la, com o sentido que tem hoje, ocorreram ainda nos anos 1970 em Lages/SC e Boa Esperança/ES e nos anos de 1980 em Vila Velha/ES, todas voltadas para a participação da sociedade na gestão. (Oliveira, 2004).

A Igreja Católica exerceu importante papel na construção de ba-ses para efetivar os espaços de participação e conscientizar o ci-dadão. Com fundamento na Teologia da Libertação, pregada por adeptos como Leonardo Boff e Frei Beto, inseriram-se padres, frei-ras e membros da ação pastoral na função de orientar o povo em seu dia a dia para construção das ideias de organização, conquista e de-

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fesa de direitos sociais – as chamadas “organizações de base”, cujas palavras de ordem eram: educação popular (fundamentada no mé-todo de Paulo Freire), autonomia, auto-organização, independência, direitos humanos, democracia direta, etc. (Carvalho, 1998). Esse en-gajamento da Igreja propiciou mudança histórica na conscientização do homem simples, funcionando como propulsora de desenvolvi-mento econômico e de construção de uma democracia mais social, tendo sido, também, o processo embrionário da formação dos movi-mentos sociais despontados nas décadas de 1970 e 1980, os quais ti-veram grande participação no processo constituinte, sendo co-res-ponsáveis pela ampliação, no texto constitucional vigente, das for-mas de participação popular. (Carvalho, 1998). A Constituição Fe-deral de 1988 inseriu o sentido de controle social como forma de participação da população na elaboração, implementação e fiscali-zação das políticas sociais.

Dentre os movimentos sociais despontados nos anos de 1980, dá-se destaque ao organizado pelos trabalhadores da metalurgia, em São Paulo, com a criação da Central Única dos Trabalhadores (CUT), com representação nos três níveis federativos e a fundação do Partido dos Trabalhadores pelo Lula, mediante a percepção de que os trabalhadores deveriam fazer política partidária como forma de transformar em lei as conquistas obtidas nas lutas reivindicató-rias. Da mesma forma que os movimentos conduzidos pela Igreja Católica, foram capazes de romper com a tradicional subordinação e condição de cidadãos de segunda classe, mediante a conquista de espaços próprios, sendo por isso, considerados construtores de uma nova esfera pública no Brasil, implicando, também, em avanço da autonomia dos trabalhadores organizados frente ao Estado.

2. Alguns Exemplos de Controle Social no Brasil

Com a abertura propiciada pela Constituição Federal de 1988,

além da continuidade de algumas formas de participação que já exis-tiam com o sentido de controle social, surgiram outras formas, dan-do-se destaque para as que representam cogestão, em função da pos-sibilidade de influência nas políticas públicas e por entendê-las em consonância com as ideias de um Estado Democrático de Direito

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que busca a legitimidade de suas ações nos seus cidadãos, conforme exemplos: o orçamento participativo, os conselhos gestores de políti-cas públicas e as organizações não-governamentais.

2.1.O Orçamento Participativo Um exemplo de participação direta da sociedade é o orçamen-

to participativo, instrumento que potencializa a interlocução e a ne-gociação entre os diversos membros da sociedade e o Estado, desafi-ando a capacidade de ouvir, argumentar e conciliar interesses confli-tantes, proporcionando a publicização das políticas públicas e o des-pertar do interesse coletivo nos indivíduos. Tem autorização consti-tucional para sua institucionalização no inciso XII do art. 29 da Constituição Federal de 1988, tendo ganhado força com o disposto no art. 48, parágrafo único, inciso I da Lei de Responsabilidade Fis-cal (LRF) – Lei Complementar n° 101, de 4/5/2000 – o qual reza que será assegurada a transparência, mediante incentivo à participa-ção popular e realização de audiências públicas durante os processos de elaboração e de discussão dos planos, leis de diretrizes orçamen-tárias e orçamentos.

Essa prática de participação teve sua implementação pioneira no município de Porto Alegre/RS, em 1989. O processo inicia-se mediante discussões ativas nos bairros visando à escolha das de-mandas e prioridades de cada localidade, para, em seguida, a Prefei-tura organizar reuniões plenárias por temas, os quais são discutidos com os delegados regionais objetivando a aprovação de propostas por áreas de investimentos, sendo, posteriormente, consolidadas no Conselho Municipal do Plano de Governo e Orçamento. Durante os fóruns regionais para aprovação do plano de investimento, são elei-tas as comissões de fiscalização, cuja missão consiste em fiscalizar a implementação do orçamento, com vistas a certificar-se de que ocor-re nos termos em que aprovado. (Garcia, 2003).

Na gestão de 1997-2000, o orçamento participativo ganhou força e atingiu 140 municípios em todas as regiões do Brasil, tendo se diversificado e atingido outros grandes centros urbanos como São

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Paulo, Goiânia, Recife e outras cidades como Campina Grande (PB), Santo André (SP), Maringá (PR), Camaragibe (PE), Icapuí (CE), Alagoinha (PI) e outros. (Oliveira, 2004).

Da prática do orçamento participativo destacam-se como efei-tos positivos: o fato de representar instrumento com potencial de democratização e inversão de prioridades, mediante o direciona-mento dos recursos públicos para os reais interesses da população; a quebra da rigidez e centralização da máquina administrativa; a ca-pacidade de atrair a camada mais pobre da população; e o fato de propiciar a participação dos indivíduos em outros fóruns e espaços de negociação a partir dessa experiência. Com relação aos efeitos negativos, o destaque é para a falta de qualificação técnica e política das lideranças sociais, no que diz respeito ao encaminhamento de propostas, de negociação e de superação dos particularismos corpo-rativos e ideológicos. Essas fragilidades fazem dessas lideranças pre-sas fáceis dos “tentáculos da cooptação”.

Outro fator importante a considerar é o aspecto do compro-misso dos governos que, em alguns casos, reduz-se a “marketing” e “fachada democrática” a cargo de alguma secretaria de “relações com a comunidade” com permanência das setorizações tecnocráti-cas nas demais secretarias, ou mesmo, quando submete à delibera-ção do Conselho do Orçamento um percentual irrisório dos recur-sos, numa clara demonstração de querer parecer uma administração democrática, mas sem nenhum interesse efetivo, prática que só tem sido possível em face do despreparo de algumas lideranças sociais. (Carvalho, 1998).

Todavia, os processos do orçamento participativo têm sido al-vo de crítica de Câmaras Municipais Legislativas, com base no ar-gumento de que os vereadores detêm uma maior legitimidade em face do maior número de votos com que foram eleitos nos municí-pios maiores. (Carvalho, 1998). Essa crítica exige que se traga à tona a questão da soberania popular, na afirmativa de que o povo é o real detentor do poder e, embora eleja representantes, mantém legitimi-dade para participar das decisões e exercer controle. Ademais, as re-ais razões dessas críticas residem no fato de que esses vereadores, via de regra, propõem emendas à proposta de orçamento apresentada pelo Executivo, com base em compromissos clientelistas estabeleci-

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dos nos “currais eleitorais”. Assim, o orçamento participativo fun-ciona, também, como um instrumento de redução dessas práticas clientelistas por parte do Legislativo.

Dois aspectos merecem reflexão: o primeiro consiste em iden-tificar se as linhas dominantes dos debates e das decisões nesse pro-cesso de participação têm origem genuína nos indivíduos participan-tes ou se são frutos de ideias induzidas por uma elite dominante por meio de agentes políticos, vereadores, por exemplo, que, embora te-nham discurso pró-comunidade, trabalham a favor dessas elites; o segundo consiste em identificar até que ponto a prática fortalece or-ganizações sociais autônomas em nível suficiente para mantê-las funcionando, mesmo quando não possam contar com o apoio de go-vernos.

Com relação ao primeiro aspecto, não se tem registro estatís-tico dos níveis de interferência negativa de agentes políticos, mas sa-be-se que ocorre em face da já mencionada falta de qualificação téc-nica e política de algumas lideranças sociais. Quanto ao segundo as-pecto, de acordo com registros de Carvalho (1998), os processos de orçamento participativo têm promovido mais a participação indi-vidual do que o fortalecimento do tecido social, situação evidenciada em Porto Alegre, por exemplo, em que determinadas regiões já apre-sentam sinais de desconstituição de espaços próprios, embora, em outras épocas, tenham sido mais atuantes, sendo isso resultado da dificuldade de ultrapassar as barreiras ideológicas e corporativas e pensar a cidade como um todo, ao invés de segregar os interesses em função de um bairro, uma comunidade, uma rua, etc.

Entende-se que o orçamento participativo, além de representar uma efetiva forma de controle social, tem o condão de propiciar o desenvolvimento da cultura da participação entre os indivíduos que compõem a sociedade, implicando na minimização das lacunas exis-tentes no funcionamento da democracia representativa, a qual passa a ser complementada pela democracia participativa. Mas não é só. Uma de suas principais virtudes consiste em possibilitar aos próprios destinatários das políticas públicas o questionamento acerca de even-tuais propostas de redução dos recursos públicos destinados às polí-ticas sociais, propostas essas que não têm clareza quanto a de-monstrar que não implicam em descumprimento do Princípio Cons-

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titucional da Vedação ao Retrocesso Social. No entanto, o processo requer aperfeiçoamentos, conforme registro das fragilidades, os quais podem ser promovidos, dentre outros meios, mediante a reali-zação de fóruns entre as mais diversas regiões com as respectivas li-deranças para a troca de experiências e a promoção de cursos pro-movidos pelo Estado sob o formato de estágios.

2.2 Os Conselhos Gestores de Políticas Públicas

Outro exemplo de participação direta dos cidadãos ocorre por

meio da integração nos conselhos gestores de políticas públicas, os quais funcionam ou, pelo menos, deveriam funcionar, como canais efetivos de participação, possibilitando que o cidadão saia do papel de mero expectador dos negócios do Estado para exercer papel ativo nas decisões que afetam sua comunidade, seu bairro, ou seu municí-pio. Todavia, o funcionamento dessa participação embora se consi-dere direta, devido aos conselhos serem integrados por cidadãos, o-corre nos moldes da democracia representativa, em função dos membros serem escolhidos pelos próprios pares para atuar vocali-zando demandas com poderes de decisão pelos representados.

Os formatos dos conselhos brasileiros variam de acordo com o vínculo das ações em foco, podendo ser gestores de programas go-vernamentais ou temáticos, quando envolvidos, além das políticas públicas, com temas transversais que permeiam os direitos da socie-dade, destacando-se como exemplos temáticos os conselhos de de-senvolvimento municipal e os de desenvolvimento urbano. (Stefa-nello, 2009). Os conselhos têm composição plural e paritária entre Estado e sociedade civil, com natureza deliberativa e consultiva, po-dendo funcionar nas três instâncias de governo (federal, estadual e municipal). Via de regra, são compostos por um número par de con-selheiros, em que para cada conselheiro representante do Estado ha-verá um representante da sociedade civil. Mas há exceções a essa re-gra da paridade. Os conselhos de saúde, por exemplo, são compos-tos por 25% de representantes de entidades governamentais, 25% de representantes de entidades não-governamentais e 50% de usuários dos serviços de saúde do SUS. A seguir, alguns exemplos de conse-lhos gestores de políticas públicas:

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CONSELHO DE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR: trata-se de um colegiado deliberativo, instituído no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, conforme estabelecido na Resolução FNDE/CD nº 32, de 10/8/2006. Tem por função controlar a execu-ção do recurso público destinado à merenda escolar (parte federal e parte das prefeituras), mediante acompanhamento junto à Prefeitura e às escolas. Compõe-se de sete membros: um representante de Po-der Executivo, um do Legislativo, dois entre professores, dois entre pais de alunos e um da sociedade civil;

CONSELHO DE SAÚDE: trata-se de órgão colegiado, em caráter permanente e deliberativo, que atua na formulação de estra-tégias e no controle da execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, cu-jas decisões serão homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera do governo, conforme Lei nº 8.142, de 28/12/1990. É composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários;

CONSELHO DE CONTROLE SOCIAL DO BOLSA FA-MÍLIA: com orientação para serem criados em âmbito local e esta-dual, por instância, conselho ou comitê, instalado pelo respectivo Poder Público, respeitada a intersetorialidade e a paridade entre go-verno e sociedade, conforme Instrução Normativa MDS nº 1, de 20/5/2005.2 São órgãos de caráter permanente, com as funções de acompanhar, avaliar e fiscalizar a execução do Programa Bolsa Fa-mília, devendo ser compostos, sem prejuízo de outras áreas, que o Poder Público julgar convenientes, por integrantes das áreas de assis-tência social; saúde; educação; segurança alimentar; e da criança e do adolescente, quando existentes;

CONSELHO DO FUNDEF:3 trata-se de um órgão colegiado, cuja função principal, nos termos do art. 4º Lei nº 9.424, de 24/12/1996, é proceder ao acompanhamento e controle social sobre a repartição, a transferência e a aplicação dos recursos do Fundo em cada esfera Municipal, Estadual ou Federal. Compõe-se, no míni-

2 MDS=Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. 3 FUNDEF=Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e

de Valorização do Magistério.

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mo, de quatro membros os quais representam a Secretaria Municipal de Educação; os professores e os diretores de escolas públicas muni-cipais do ensino fundamental; os pais de alunos do ensino funda-mental público municipal; e os servidores das escolas públicas muni-cipais do ensino fundamental; e

CONSELHO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: tem a atuação regulada pela Lei nº 8.742, de 7/12/1993. Suas instâncias deliberati-vas do sistema descentralizado e participativo de assistência social, de caráter permanente e composição paritária entre governo e socie-dade civil, são: Conselho Nacional de Assistência Social; Conselhos Estaduais de Assistência Social; Conselho de Assistência Social do Distrito Federal; e Conselhos Municipais de Assistência Social, sen-do que, em relação aos três últimos, serão instituídos mediante lei específica. O Conselho Nacional compõe-se de 18 (dezoito) mem-bros dos quais 50% provêm da sociedade civil. A principal função desses conselhos é acompanhar a chegada e aplicação dos recursos destinados aos programas de assistência social.

Esses conselhos, embora nascidos dos movimentos populares, gozam de um certo estado de permanência em relação às mudanças de perfis de governo (de maior ou menor abertura à participação so-cial) em função de terem sua atuação normatizada. Ao mesmo tem-po, têm grande capacidade de absorção dos movimentos organiza-dos por tratarem de políticas públicas presentes no dia-a-dia da mai-oria das pessoas, como saúde, educação, moradia, etc., mas, da mesma forma que as lideranças sociais que lidam com o orçamento participativo, seus integrantes sofrem pela deficiência de capacitação técnica para formulação e análise das políticas públicas com poste-rior discernimento de prioridades e decisões, o que lhes tornam vul-neráveis a ação de governos quanto a alijá-los dos processos decisó-rios ou lhes destinar apenas assuntos periféricos. Quando os gover-nos objetivam decisões corporativas ou clientelistas, derivadas de acordos políticos escusos, agem pela via da burla e da desqualifica-ção dos conselhos.

De acordo com estudo realizado na década de 1990, abran-gendo 1.422 (um mil, quatrocentos vinte e dois) secretários munici-pais de saúde, foi obtido o índice 62,7% (sessenta e dois vírgula sete por cento) de secretários que consideram o Conselho de Saúde a for-

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ça municipal mais influente na definição das prioridades em saúde, cujo poder de influência é bem superior ao exercido pelo Poder Le-gislativo, pelas políticas isoladas ou por outros órgãos municipais. (Carvalho, 1998).

Todavia, não obstante o índice positivo apresentado pelo cita-do estudo no que concerne aos conselhos de saúde, de maneira ge-ral, considerando-se os mais variados conselhos municipais, não têm sido identificados registros de participação popular satisfatória na definição do âmbito de atuação ou da respectiva composição desses conselhos gestores de políticas públicas, situação confirmada a partir da verificação da atuação desses conselhos, efetuada pela Controla-doria-Geral da União, envolvendo em sua maioria os exercícios de 2003 a 2007, cujos relatórios sinalizam que o funcionamento ocorre de modo precário e sem a efetiva participação dos cidadãos, uma vez que a composição, via de regra, ocorre pela indicação de paren-tes do chefe do Poder Executivo local, com o fim de garantir a não interferência efetiva dos membros da comunidade na respectiva ges-tão e, em função disso, os respectivos conselheiros, na maioria dos casos, alegam desconhecimento de suas funções. (Brasil, CGU, 2007 online).

Os conselhos integram um lugar de disputas entre atores soci-ais que buscam legitimação de suas ações, inclusive o próprio Esta-do, sendo parte do mecanismo de realização dos interesses e expec-tativas desses atores, mediante ritos burocráticos e processos de legi-timação do discurso competente “configurando um organismo que encena um roteiro para-estatal, devido às ações que realizam, seus ritos e seu baixo grau de autonomia política [...]”, embora responda por certa ampliação da cidadania à medida que convoca para o es-paço público atores sociais até então ausentes da cena política, não obstante em muitos casos se constituam apenas como lugar de aten-dimento de demandas pontuais, balconizáveis, ou simples aparelhos do Executivo em busca de racionalidade estatal. (Silva, 2008, p. 122, 125).

Por outro lado, não se pode esquecer que esses conselhos mes-mo representando uma conquista da sociedade civil com vistas a imprimir uma maior democratização nas políticas públicas, foram inseridos no contexto constitucional ao tempo em que o movimento

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internacional desencadeava o fortalecimento de ideologias contrárias à universalização dos direitos sociais, buscando o crescimento do processo de privatização do público, mediante o esvaziamento das responsabilidades públicas, a desqualificação das instâncias de repre-sentação coletivas, a fragmentação do espaço público e até a despoli-tização da política (Raichelis, 2006), não sendo um momento muito fértil para a boa atuação desses conselhos que, em função disso, nem sempre cumprem sua função de instância de socialização da política e de democratização do Estado, em razão de por vezes re-presentarem interesses particularistas de organizações ou movimen-tos.

Dadas essas situações, a conclusão é no sentido de que, na grande maioria dos municípios, não são identificados avanços con-cretos nos processos decisórios concernentes às políticas públicas, a partir da atuação dos conselhos gestores de políticas públicas, até o momento. A grande maioria desses conselhos funciona na prática, como mera fachada de legitimidade das ações, em função da grande resistência por parte das forças políticas em democratizar as estrutu-ras de poder e permitir que esses conselhos integrem o espaço deci-sório que lhes cabe. Mas considerando-se que a resistência e os con-flitos em torno dessa forma de participação da sociedade por si só sinalizam a importância da criação desses conselhos, deve a socie-dade empreender esforços no sentido de vencer os desafios de orga-nização e manutenção de mobilização das bases para intervir de forma real nos espaços institucionais conquistados, possibilitando uma efetiva resistência à dominação e a construção de alternativas e partilha de poder.

2.3 As Organizações Não Governamentais – ONGs

As ONGs ou redes movimentistas, nascidas nos anos 70 sob a

forma de movimentos sociais relativos a direitos civis e combate à pobreza, tratam-se de entidades de natureza privada que integram, nos dias atuais, o chamado terceiro setor, pois não obstante de regi-me predominantemente privado, o mesmo pode ser derrogado por normas de direito público. Desempenham serviços não exclusivos

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do Estado, mas em colaboração com ele podendo receber algum tipo de incentivo para isso.

O termo ONG foi atribuído pela Organização das Nações U-nidas (ONU), em 1946, com a definição de que se tratava de organi-zação estabelecida por acordo intergovernamental. No Brasil, inici-almente, o termo foi usado apenas para definir as organizações que financiavam projetos de organizações brasileiras, tendo sido adotado nos anos 80 por parte dos centros de assessoria ligados a movimen-tos sociais, os quais posteriormente fundariam a Associação Brasilei-ra de Organizações Não-Governamentais (Abong). (Teixeira, 2002).

Ocorre que em dado momento, essas ONGs que fizeram his-tória ao longo de décadas no papel de apoio aos movimentos sociais ou de agentes de educação popular, assumiram nova postura, não mais subsidiária, mas de atores com papel específico e independente. (Carvalho, 1998). Essa ruptura do papel de apoio aos movimentos sociais pelas ONGs teve como principal razão a mudança de conjun-tura relativa ao financiamento externo – principal fonte financeira de recursos dessas organizações. Para Ricci (2008), foi decorrente do aprofundamento dos mecanismos de cogestão pública, a partir da Constituição de 88 e de leis que a sucederam, mas, também, em fun-ção da queda do Muro de Berlim que gerou uma nova leitura da ge-opolítica dos investimentos externos, com a necessidade de maior aporte de recursos para o Leste europeu com vistas à consolidação de sua tênue democratização e o despontamento da África como continente mais necessitado de apoios financeiros, bem como, em face da imposição de monitoramento e agendas europeias como con-traponto ao financiamento externo, requerendo a observação de re-sultados concretos de mudança da qualidade de vida da base social atingida por ações de ONGs financiadas por entidades da Alema-nha, França e Holanda, por exemplo, mas também do Japão, Esta-dos Unidos e Canadá e, em razão disso, agendas de ambientalistas e direitos da mulher (tipicamente europeias) passaram a integrar os projetos de entidades brasileiras, enquanto outras propostas, como as de agriculturas familiares, por exemplo, passaram a ser questio-nadas pelas agências financiadoras externas em face de serem identi-ficadas como ações de baixa efetividade na mudança social, sendo

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esse contexto o responsável pela queda acentuada de financiamentos às ONGs a partir do final dos anos 80 e início dos anos 90.

Diz-se que as ONGs dos anos de 1990 são de dois tipos: as mi-litantes ou cidadãs que são as herdeiras da cultura participativa, i-dentitária e autônoma dos anos de 1970 e 1980 e as propositivas que atuam segundo ações estratégicas, com recursos de lógicas instru-mental, racional e mercadológica. As militantes dos anos de 1980 lutaram pela igualdade com justiça social, criaram o discurso da par-ticipação popular, construíram um conjunto de práticas que se tra-duzem em cultura de cidadania, abriram espaços de interlocução en-tre o Estado e a sociedade civil, ou seja, contribuíram para a cons-trução de uma efetiva democracia. As propositivas surgiram, em sua maioria, pela iniciativa de empresários e grupos econômicos, não querem ser confundidas com as antigas ONGs (preferem autodeno-minar-se terceiro setor), atuam sob a forma de redes associativas e tem discurso muito próximo das agências financeiras internacionais e, de maneira geral, não é o “público alvo” que toma as decisões nos projetos, pois na maioria das vezes nem mesmo é consultado, em razão do foco da ação já vir predeterminado pela fonte financiadora, conforme já mencionado, comprometendo dessa forma a participa-ção e a possibilidade de controle social pelos beneficiários da ação. (Afonso et al. 2007). O Banco Mundial, por exemplo, utiliza essas ONGs para vender seus créditos aos governos, sem se preocupar propriamente com as propostas dessas entidades, pois embora captu-re sugestões e ideias das ONGs, na prática o que faz é vender as próprias ideias e legitimar-se perante os governos, razão pela qual entre 1973 e 1988 apenas 6% (seis por cento) dos projetos financia-dos por esse banco envolviam ONGs e em 1994 esse percentual já correspondia a 50% (cinquenta por cento) dos seus financiamentos. (Gohn, 2000).

Com o surgimento dessas entidades do terceiro setor, as ONGs militantes perderam espaço, pois o novo campo de atuação reduz o espaço de uma cidadania emancipatória e amplia o exercício de uma cidadania outorgada, de cima para baixo, que promove a in-clusão de indivíduos numa rede de serviços, em sua maioria, de ca-ráter assistencial, transformando os cidadãos em clientes de políticas públicas. Como essas novas ONGs não atuam contra as formas ge-

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radoras de exclusão, e sim sobre seus resultados, e se declaram apolí-ticas, embora atuem em consonância com as políticas neoliberais ex-cludentes, favorecem o voluntarismo e o individualismo e desfavore-cem a mobilização engajada. (Gohn, 2000).

Até 1990, o País contava com aproximadamente 38.000 (trinta e oito mil) ONGs e, em 2005, já atingia o total de 338.162 (trezentos trinta e oito mil, cento sessenta e duas), conforme estudo desenvol-vido pelos Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e Insti-tuto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em parceria com o Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife) e com a Abong (2002 e 2005 online). Entretanto, verifica-se que muitas dessas ONGs foram criadas como mera fachada de entidades sociais, mas com o único objetivo de obter recursos públicos e aplicá-los segundo inte-resse de grupos políticos. O Tribunal de Contas da União calculou que, em 2006, cerca de 50% (cinquenta por cento) dos recursos re-passados pela União para as ONGs e OSCIPs, o que corresponde aproximadamente a R$ 1,5 bilhão desviado da finalidade original dos convênios. (Moraes, 2007 online). O caso da “máfia das ambu-lâncias”, com oferecimento de Denúncia pelo Ministério Público Federal, em 1/6/2006, foi o mais famoso e recente escândalo, divul-gado pela mídia envolvendo essas organizações. Em razão dessa si-tuação, foi aprovado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cida-dania (CCJ) do Senado Federal, em 16/04/2008, o Projeto de Lei do Senado (PLS) n° 624/2007, o qual acrescenta dois parágrafos à Lei nº 8.666/03 (lei das licitações), para tornar obrigatória a licita-ção nos convênios entre o governo e as entidades sem fins lucrativos, nas quais se incluem as ONGs.

Os desvios de recursos identificados na atuação dessas organi-zações tornam evidente a necessidade de serem revistos os instru-mentos normativos de criação e fiscalização dessas entidades. Quan-to à contribuição dessas ONGs para organização e aumento de par-ticipação pela sociedade não tem se verificado, em função da mu-dança de foco e forma de atuação das novas ONGs, de caráter mais assistencialista, maior dependência com os governos e sem preocu-pação com engajamento político e construção da cidadania, como faziam as antigas ONGs e movimentos sociais. Assim, constata-se a

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incapacidade para gerarem o tecido social necessário à redução das desigualdades e fortalecimento dos processos democráticos.

2.4 Outras Formas de Controle Social

É importante mencionar que além dos exemplos de controle

social, destacados nesta pesquisa, há outras formas de participação não institucionalizada na gestão, entre os quais se relaciona: o MST (de participação social no campo), a Pastoral da Criança e a Ação da Cidadania, os Fóruns e as Audiências Públicas, que embora não a-tuem em co-gestão direta com o Estado têm tido papel relevante nos processos de participação da sociedade ao longo dos últimos anos.

Considerações Finais

A presente pesquisa buscou demonstrar que o controle social

das políticas públicas no Brasil é uma forma de participação cidadã com capacidade para induzir o Estado a otimizar a execução das po-líticas públicas em busca da máxima efetividade dos fins constitu-cionais relativos à redução das desigualdades sociais.

As formas de controle social (ou participação) delineadas nes-te trabalho, embora demonstrem que a maioria dos avanços obtidos foi fruto das lutas populares, as dificuldades pontuadas sinalizam que não tem havido a sedimentação da vontade política de repartir o poder por parte dos governantes que continuam usando de todos os expedientes possíveis visando à manipulação das lideranças comuni-tárias ou dos cidadãos participantes dos processos, tornando o que deveria ser “a era da democratização” na “era da hipocrisia públi-ca”, conforme afirmação de Afonso et al. (2007) e, em função disso, os embates das classes populares não têm sido capazes de provocar nenhuma aliança de classe do ponto de vista político e ideológico com consistência para por em xeque a hegemonia do capital. Entre-tanto, considerando-se que a massa de excluídos foi capaz de pro-porcionar avanços, deve continuar lutando para ampliar os espaços de participação para que possam avançar do nível local para o na-cional e posteriormente para o global. Os cidadãos precisam sair da

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inércia e efetivamente participar dos processos decisórios, batalhar por esse direito de participação, exercer a cidadania, sob pena de ha-ver uma constante renovação das formas de participação, sem que haja um aumento real na efetivação dos direitos fundamentais.

Assim, há que se reconhecer que muitos avanços já foram ob-tidos, mas é preciso ir além, é preciso evitar que esses instrumentos sejam meramente formais, evitar que pela via da burla ou manipula-ção os agentes políticos e/ou elites econômicas esvaziem os proces-sos de seus propósitos de cunho popular.

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O Empréstimo da Ata de Registro de Preços

Elisangela Fernandes dos Reis Consultora em Licitações e

Contratos da CONAM – Consultoria em Administração Municipal OAB/SP nº 221.019

Resumo: O sistema de registro de preços, previsto na Lei federal nº 8.666/93, se qualifica como um procedimento especial de licitação, e por meio de regulamentos, em diferentes esferas de governo. Inovações vêm sendo incorporadas a este proce-dimento, entre elas, talvez a mais incoerente seja a previsão de empréstimo de atas, a cada dia mais disseminada entre os órgãos públicos, originando os chamados “ca-ronas”, que apenas se beneficiam das atas de outrem, a elas aderindo mediante o cumprimento de poucas exigências. No presente estudo, realizaremos um paralelo entre as características intrínsecas da licitação perante essa inovação do “carona” e suas incompatibilidades com o sistema Constitucional e legal de contratações públi-cas.

O sistema de registro de preços, previsto no artigo 15, § 1º da

Lei federal 8.666/93, é uma excelente ferramenta gerencial, que permite ao Administrador Público adquirir determinado bem ou ser-viço de acordo com as necessidades do órgão licitante, ideal para aquelas contratações em que não se pode prever com exatidão a de-manda de determinado objeto.

Assim, realiza-se uma licitação, pelo menos com a estimativa de consumo do bem ou serviço, por meio das modalidades licitatórias concorrência ou pregão e dela origina-se uma ata, que tem o cunho de armazenar o melhor preço unitário do objeto licitado pelo período de um ano, podendo o órgão licitante, por meio dela, realizar sucessivas contratações, sem que isso configure fracionamento indevido do ajuste.

Essa sistemática do registro de preços é hoje instituída pela Lei federal nº 8.666/93 – Lei de Licitações, lei essa que em grande parte de seus dispositivos, inclusive os que disciplinam o instituto em refe-rência, possui status de norma geral de licitações e contratos, pois a Constituição Federal é clara quando indica em seu artigo 22, inciso XXVII, que a competência para editar normas gerais de licitações e contratações é privativa da União.

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E assim, por meio da Lei Federal 8.666/93, a União editou normas gerais de licitações e contratos, incluindo em seus dispositi-vos, precisamente no artigo 15, o sistema de registro de preços, a ser observado por toda a Administração Pública regida pela Lei de Lici-tações, que, por ser norma geral, somente poderá sofrer alterações e inovações por este mesmo instrumento normativo, a ser editado pela União, cabendo aos regulamentos apenas tornar prática sua adoção.

Invoca-se a figura do regulamento, pois a própria Lei de Lici-tações em seu artigo 15, § 3º, indica que o sistema de registro de pre-ços será regulamentado, no sentido de que a Administração terá que instituir um instrumento que indique a forma de operacionalização do sistema, regulamento esse “de execução” que, nas palavras de Márcio Cammarosano, assim é conceituado:

“Regulamentos de execução são aqueles com os quais o Executivo estabelece ‘regras orgânicas e processuais destinadas a pôr em execução os princípios institucionais estabelecidos pela lei. Desenvolvem os textos legais para efeito tão so-mente de sua aplicação, atendendo às peculiari-dades locais ou de tempo, às possibilidade de sua execução e às circunstâncias de sua atua-ção’. (...) Os regulamentos de execução, como o próprio nome indica, servem como instrumentos para a execução das leis, que lhes são hierarquicamente superiores. Diferem fundamentalmente da lei porque ela inova originalmente a ordem jurídica, submetida que é, tão somente, à Constituição. A lei é imediatamente infraconstitucional. Já o re-gulamento de execução não inova originalmente a ordem jurídica, de vez que não é imediata-mente infraconstitucional, mas infralegal”.

Assim, em relação ao sistema de registro de preços, qualquer

regulamento que venha a ser editado será de execução, ou seja, deve explicitar, dar operação, cumprir fielmente o que foi traçado pela lei,

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lembrando que regulamento não é lei, assim, não tem o condão de inovar na ordem jurídica, de criar direito novo.

Joel Menezes Niebuhr (2004) assim identifica essa questão:

“Em outras palavras, somente a lei pode obrigar alguém a fazer ou deixar de fazer alguma coisa; somente ela é quem pode criar primariamente direito. Os decretos do Presidente da República, dos governadores ou dos prefeitos estão sempre abaixo dela: servem apenas para dizer como elas devem ser cumpridas, operacionalizadas pela Administração Pública. Os decretos não criam direitos, apenas dizem como eles devem ser exe-cutados pela Administração Pública, e, no má-ximo, determinam como os cidadãos devem cumprir as suas obrigações, criadas por lei, pe-rante a mesma Administração Pública. Nota-se diferença de grau hierárquico entre as leis e os decretos. Além disso, de todo modo, há normas jurídicas que não podem ser baixadas a-través de decretos, mesmo que não sejam con-trárias a leis, dado que os mesmos não podem, repita-se, criar primariamente direitos, mas tão só estabelecer como eles devem ser cumpridos. Noutras palavras, há questões que, sob pena de serem reputadas inconstitucionais, não podem ser objeto de decreto; dependem de lei”.

Portanto, a Lei de Licitações disciplinou os contornos gerais desse

instituto, cabendo ao regulamento apenas dispor sobre questões de par-ticularidades regionais e de operacionalidade, como as hipóteses em que poderá ser adotado, indicação dos meios oficiais de publicação tri-mestral da ata, o alcance das disposições do regulamento, o órgão res-ponsável pela implantação, a competência de seu gerenciamento, entre outras disposições de procedimento que tornem possível sua execução, e assim vêm procedendo diversos órgãos da Administração Pública.

Ocorre que, em alguns regulamentos, como, por exemplo, o Decreto federal nº 3.931/01, o Decreto do Estado de São Paulo nº 47.945/03 e o Decreto do Município de São Paulo nº 44.279/03,

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adotou-se a prática de utilização da ata de registro de preços por ou-tros órgãos que não haviam participado do certame, perfazendo uma espécie de empréstimo do instrumento. Essa contratação adicional não está computada entre os quantitativos previstos originalmente por ocasião da licitação e o limite a ser respeitado é a observância, por cada órgão, de 100% dos quantitativos registrados.

À exemplo do que indica o Regulamento Federal, no seu artigo 8º1, qualquer órgão da Administração Federal pode socorrer-se do regis-tro de preços anteriormente realizado. Podemos exemplificar: realizado um certame por qualquer órgão da Administração Federal com o propó-sito de adquirir 100 veículos e constituída uma ata de registro de preços, poderá um ente da mesma esfera de Governo, que não aderiu ao certa-me, após consulta ao gerenciador da ata para conhecer o fornecedor e o preço, efetuar a compra do mesmo objeto no limite de 100 unidades.

Observa-se que o Regulamento não restringe o número de possíveis interessados no empréstimo, referindo-se à multiplicidade de órgãos e entidades; sendo assim, a ata que registrou o preço de 100 veículos para determinado órgão poderá, nos termos do Decre-to, ser utilizada por todos os demais órgãos da Administração, mul-tiplicando a quantidade estimada em inúmeras vezes.

1 Art. 8º A Ata de Registro de Preços, durante sua vigência, poderá ser utilizada por qualquer órgão ou entidade da Administração que não tenha participado do certame licitatório, mediante prévia consulta ao órgão gerenciador, desde que devidamente comprovada a vantagem. § 1º Os órgãos e entidades que não participaram do registro de preços, quando desejarem fazer uso da Ata de Registro de Preços, deverão manifestar seu interesse junto ao órgão gerenciador da Ata, para que este indique os possíveis fornecedores e respectivos preços a serem praticados, obedecida a ordem de classificação. § 2º Caberá ao fornecedor beneficiário da Ata de Registro de Preços, observadas as condições nela estabelecidas, optar pela aceitação ou não do fornecimento, independentemente dos quantitativos registrados em Ata, desde que este fornecimento não prejudique as obrigações anteriormente assumidas. § 3o As aquisições ou contratações adicionais a que se refere este artigo não poderão exceder, por órgão ou entidade, a cem por cento dos quantitativos registrados na Ata de Registro de Preços.(Incluído pelo Decreto nº 4.342, de 23.8.2002)

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Nesse mesmo aspecto, o Regulamento do Estado de São Pau-lo é ainda mais audacioso: indica, no seu artigo 15B2, que as entida-des e órgãos da Administração Estadual poderão utilizar ata de re-gistro de preços formalizada pela União, outros Estados, Distrito Federal e Municípios. Assim, além de permitir o empréstimo de su-as atas, admite também o aproveitamento de atas de órgãos de dife-rentes esferas de Governo, sem condicionar nem mesmo à necessá-ria autorização expressa desses órgãos, em regulamentos e editais, sobre o empréstimo de suas atas.

Essa sistemática, conforme verificado do Decreto Municipal nº 5.866/2009, artigos 14 e 15, também foi regulamentada no âmbi-to do Município de Jaú, que prevê a hipótese de empréstimo de suas atas e ainda a possibilidade de a Administração Municipal pegar “carona” em atas de outros órgãos.

É sustentado por seus entusiastas que a validade dessa prática consiste na desnecessidade de repetição de um processo oneroso, lento e desgastante, quando já alcançada a proposta mais vantajosa, sendo então um sistema desburocratizante, bastando os agentes ad-ministrativos encontrarem alguma ata de registro de preços pertinen-te ao objeto que se pretenda contratar, e, se as condições forem con-venientes, contratarem diretamente, sem maiores burocracias e for-malidades, sendo avesso ao princípio licitatório.

O empréstimo da ata de registro de preços aparentemente a-meniza formalidades e burocracias, que não podemos dizer desne-cessárias ou ilegais, oferecendo celeridade às contratações, mas não podemos afirmar que ele seja a salvação para todos os males.

Referidas facilidades não têm o cunho de amenizar as irregu-laridades dessa prática que largamente vem sendo utilizada pelos ór-gãos públicos, devendo ser sopesado ainda que certas formalidades e burocracias são inerentes ao sistema de administração dos órgãos,

2 Artigo 15B - Os órgãos e entidades da Administração estadual poderão utilizar-se de Atas de Registros de Preços realizadas pela União, Distrito Federal, outros Estados e Municípios, desde que demonstrada a vantagem econômica em tal adesão comparativamente aos preços registrados no Sistema Integrado de Informações Físico-Financeiras - SIAFISICO ou aos praticados no mercado. (Acrescentado pelo Decreto nº 51.809 de 2007).

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não podendo ser consideradas como algo ruim ou ineficiente, e sim como uma sistemática de controle.

Teoricamente, inegáveis são os benefícios advindos com a uti-lização da ata; porém, necessário verificar o alcance malévolo dessa inovação e suas repercussões nas licitações e contratações da Admi-nistração Pública.

1 - Primeiramente, cabe destacar que essa prática, conhecida como “carona”, não possui previsão na Lei federal nº 8.666/93, concluindo-se que, por meio de regulamentos, diversos órgãos tra-zem inovações de grande porte na ordem jurídica, especialmente nas aquisições governamentais, o que, em princípio, só poderiam ser previstas em lei geral sobre licitações, nos termos indicados no artigo 22, XXVII, da Constituição Federal, resultando um procedimento que não tem amparo legal e que contraria preceitos constitucionais, legais e procedimentais, transmitindo a ideia de que a qualquer pre-ço se busca a “desburocratização” e celeridade nas contratações, mesmo que para isso se executem atos ilegais.

Ressalta-se que a Lei federal 10.191/2001, que dispõe sobre a aquisição de produtos para a implementação de ações de saúde no âmbito do Ministério da Saúde, em seu artigo 2º3 prevê a possibili-dade de os Estados, Distrito Federal, Municípios, bem como as res-pectivas autarquias, fundações e demais órgãos vinculados, utiliza-rem a ata de registro do Ministério da Saúde, quando a finalidade for a compra de materiais hospitalares, medicamentos e outros in-sumos da área da saúde.

Verifica-se tratar de uma hipótese de empréstimo de ata com previ-são legal; contudo, este fato apenas atenua uma das irregularidades do

3 Art. 2o O Ministério da Saúde e os respectivos órgãos vinculados poderão utilizar reciprocamente os sistemas de registro de preços para compras de materiais hospitalares, inseticidas, drogas, vacinas, insumos farmacêuticos, medicamentos e outros insumos estratégicos, desde que prevista tal possibilidade no edital de licitação do registro de preços. § 1o Os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, bem como as respectivas autarquias, fundações e demais órgãos vinculados, também poderão utilizar-se dos registros de preços de que trata o caput, desde que expressamente prevista esta possibilidade no edital de licitação.

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empréstimo da ata, que é a falta de previsão legal, mas, como aqui desta-caremos, não abranda outros problemas advindos dessa prática.

2 - O procedimento de empréstimo da ata fere ainda o princí-pio da Licitação, consagrado no artigo 37, XXI, da Constituição Federal. Licitar é a regra para a Administração contratar, e o Decre-to, ao instituir o empréstimo de ata entre órgãos, afronta ainda o ar-tigo 2º da Lei de Licitações4.

Uma das inovações evidentes trazidas pelo empréstimo da ata de registro de preços é a possibilidade de o órgão adquirir determi-nado objeto, deixando de realizar o regular processo licitatório pela conveniência de se utilizar uma ata de outro órgão, perfazendo uma espécie de dispensa licitatória arbitrária. Ora, em termos práticos, o procedimento de empréstimo da ata possibilita ao órgão carona a contratação de determinado objeto sem a instauração de licitação alguma, sendo isso, para Toshio Mukai, (2008), considerado crime em matéria de licitações e contratos (art. 89 da Lei 8.666/93).

Pode-se argumentar em favor do empréstimo o fato de a ata ter sido originada de um certame licitatório e, por isso, não se con-fundir com uma hipótese de dispensa; porém, o certame foi realiza-do por outro órgão, estritamente de acordo com suas particularida-des5 (quantidades estimadas para o seu consumo, disponibilidade de pagamento, formas de publicidade próprias, especificações do objeto a ele imprescindível etc.), devendo ser considerado ainda que a regra

4 Art. 2º As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei. 5 Em relação às particularidades de cada órgão licitante que interferem no certame e no preço final, e que impossibilitam seu aproveitamento por outro ente, o TCU considerou regular a utilização de Sistema de Registro de Preços para a contratação de operadora de planos de saúde, impondo a condição de o edital vedar a utilização da ata de registro de preços por órgãos/entidades não-participantes. Embora não tenha apresentado restrições à tese de adesão de não-participantes – caronas – nesse caso específico, entendeu não haver possibilidade de aferir se o preço vencedor será mais vantajoso ou compatível com a faixa etária do quadro de pessoal do “carona”, pois o valor original da contratação é vinculado às peculiaridades das faixas etárias do pessoal do órgão gerenciador. TCU - Plenário. Processo TC n.º 004.709/2005-3. Acórdão 668/2005.

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constitucional e legal é clara quando indica que a Administração, para suas contratações, deve realizar processo licitatório, não se refe-rindo à possibilidade de aproveitamento de processo licitatório de terceiros.

Cabe ressaltar que o fato de um órgão utilizar a ata de registro de preços originada de um certame realizado por outro ente, deixan-do de realizar sua própria licitação, contraria ainda o artigo 20 da Lei de Licitações6, que determina que as licitações sejam realizadas no local onde se situar a repartição interessada.

Deve ser ainda sopesado que a Administração tem obrigação de realizar processo licitatório que assegure igualdade de condições para todos os concorrentes e que garanta vantagem para a Adminis-tração; nestes termos, quais as garantias que o “carona” possui de que o procedimento que originou a ata observou todas as regras le-gais e que foi realizado com lisura? Ou de que o preço registrado é o mais vantajoso? Ou ainda de que a formalidade do certame corres-ponde àquelas que lhe são próprias?

3 - A sistemática do empréstimo da ata de registro de preços afeta também o princípio da igualdade, pois a licitação pública tem como um de seus objetivos propiciar tratamento isonômico aos inte-ressados em contratar com o Poder Público, sendo o meio eleito pela Constituição Federal para que isso seja assegurado.

Inegável é que aquele que travar uma relação negocial com a Administração Pública terá benefício econômico; assim, nada mais justo que propiciar uma concorrência entre interessados, porém com trata-mento igualitário.

Assim, o princípio da igualdade é essencial na atuação do Es-tado, e, pretendendo o Poder Público firmar um ajuste, deve previ-amente proceder à licitação pública para garantir a observância desse princípio; na hipótese de ausência de licitação, em termos não auto-rizados por lei, este princípio estará vulnerável, pois dessa forma não se terá concedido a oportunidade de todos os interessados concorre-rem ao contrato, sendo isso o que ocorre quando um órgão opta em utilizar ata de outro ente em vez de realizar seu próprio certame.

6 Art. 20. As licitações serão efetuadas no local onde se situar a repartição interessada, salvo por motivo de interesse público, devidamente justificado.

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Interessante é a observação de Joel de Menezes Niebuhr

(2006) que, sobre essa questão, exemplifica:

“O carona viola o princípio da isonomia porque ele pressupõe contrato sem licitação. Explicando melhor: a entidade ‘A’ faz licitação para registro de preços de 500 computadores. Com base nessa licitação, o vencedor dela assina a ata de registro de preços, da qual decorre ou decorrem contra-tos para a aquisição dos 500 computadores que foram licitados pela entidade ‘A’. Ocorre que, com o carona, a entidade ‘B’, que não promoveu licitação alguma, vale-se da ata de registro de preços da entidade ‘A’ e, por via de consequên-cia, da licitação promovida pela entidade ‘A’, para também comprar 500 computadores. Ora, o contrato pertinente à aquisição de 500 computa-dores firmado pela entidade ‘B’ não foi precedi-do de licitação pública e, em decorrência disso, os interessados em vender os 500 computadores à entidade ‘B’ não tiveram oportunidade de dis-puta, não foram tratados com igualdade. Imagine-se, continuando com o exemplo, que a entidade ‘A’ seja do Sul do País e mal pagadora. Por isso, fornecedor do Norte do País não se inte-ressou em participar da licitação para registro de preços promovido pela entidade ‘A’. No entanto, a entidade ‘B’ é do Norte do País, do Estado do fornecedor que não se interessou em participar da licitação promovida pela entidade ‘A’, e boa pa-gadora, costuma honrar religiosamente em dia os seus compromissos. Sob esse quadro, o fornece-dor, que legitimamente não quis participar da lici-tação promovida pela entidade ‘A’, quer e tem o direito de participar de licitação para disputar o contrato da entidade ‘B’. Com efeito, o contrato a ser firmado pela entidade ‘B’ não tem nada a ver com o contrato a ser firmado pela entidade ‘A’. Sem embargo, valendo-se do carona, a entidade ‘B’ não abre licitação, adere à ata de registro de

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preços da entidade ‘A’ e firma contrato em razão dela. Dessa maneira, o fornecedor do Norte do País, que não quis participar da licitação promo-vida pela entidade ‘A’, vê frustrado o seu direito de participar de licitação para vender para a enti-dade ‘B’, o que implica, por via de consequência, em violação ao princípio da isonomia, ao direito do referido fornecedor de disputar em condições de igualdade a contratação com a entidade ‘B’”.

Portanto, a figura do carona propicia a contratação direta, sem li-

citação, fora das hipóteses de dispensa e inexigibilidade que a Lei de Li-citações contempla, vulnerando o princípio da igualdade.

4 - O princípio da impessoalidade que deve cercar os atos da Administração Pública também é atingido, na medida em que as reutilizações de determinada ata de registro de preços concedem, ao fornecedor vencedor de uma única licitação, a possibilidade de ven-das e contratações infinitas, caracterizando indevidamente um tra-tamento benéfico.

A prática do empréstimo da ata ainda é ofensiva ao princípio da impessoalidade no sentido de propiciar ao administrador a opção de ado-tar uma ata que tenha como beneficiário um fornecedor de sua preferên-cia, em vez de realizar o regular certame.

5 - Consagrado no caput do artigo 37 da Constituição Federal, o princípio da moralidade, que caracteriza os padrões éticos e morais a serem seguidos pelo administrador, também é atingido pela prática do empréstimo de ata de registro de preços. Por conta desse princípio, a atuação administrativa não pode contrariar a lei, a moral, os bons cos-tumes, a honestidade e os deveres da boa administração; sendo assim, aquele que opta pelo empréstimo da ata pratica ato não admitido em Lei, burla a licitação e privilegia um procedimento que enseja favore-cimentos.

6 - Ainda em relação à violação de princípios, inclusive aque-les da licitação, temos que o empréstimo da ata também desvirtua as disposições e quantidades estimadas no instrumento convocatório e registradas na ata, ferindo assim o princípio da vinculação ao edi-tal.

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Quando da instauração do certame, o órgão deve realizar um planejamento e indicar quantidades estimadas para seu consumo no edital; sendo assim, a Administração e o fornecedor beneficiário da ata se conectam àquelas quantidades, em observância ao princípio da vinculação ao edital, com a possibilidade de serem ou não contra-tadas.

Referido princípio é referência nas licitações públicas, disposto inclusive no artigo 3º da Lei federal 8.666/937, como também é ex-pressamente indicado em seu artigo 41, que dispõe que “a Adminis-tração não pode descumprir as normas e condições do edital, ao qual se acha estritamente vinculada”.

O instrumento convocatório tem o poder de vincular todo o procedimento licitatório e os atos dele decorrentes; assim, inconce-bível é que as contratações que dele advenham distorçam o seu con-teúdo, ferindo a isonomia entre os interessados, já que, se os termos do ajuste forem diferentes em relação aos do edital, outros poderiam se interessar pelo certame, constituindo outra realidade de disputa, talvez mais vantajosa para a Administração.

O procedimento de empréstimo da ata viola claramente o princí-pio da vinculação ao edital, no sentido de propiciar uma contratação que não estava prevista originalmente no instrumento, pois o ajuste se efetivará por um órgão que não integra o certame e em quantidades di-ferentes daquelas especificadas, às quais não foi dada a devida publici-dade.

7 - Outro ponto que deve ser levado em consideração é o com-prometimento à regular execução do contrato, isso em virtude dos quantitativos que serão solicitados pelos “caronas” e compromissos assumidos pelo beneficiário da ata que, de forma direta, pode impac-tar as contratações da Administração.

7 Art. 3o A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.

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O Regulamento federal, por exemplo, admite que o carona, quando da adoção da ata de outro órgão, utilize até 100% do quanti-tativo nela estabelecido.

Apesar da ressalva que o artigo 8º faz no § 2º, de que o benefi-ciário da ata poderá aceitar ou não o fornecimento, e que, se aceitá-lo, as obrigações assumidas anteriormente não deverão ser prejudi-cadas, temos que, na prática, isso tende a não ocorrer.

Dificilmente um particular, quando da solicitação de um ca-rona, considerando sua atividade comercial, irá se recusar a assumir o compromisso de fornecimento; sendo assim, poderá ocorrer preju-ízo ao órgão que diligentemente realizou o certame, quando o forne-cedor se comprometer a atender a diversos órgãos e acabar prejudi-cando o fornecimento da quantidade inicialmente estimada.

Isso porque o fornecedor que a princípio havia formulado proposta e se preparado para possivelmente executar um forneci-mento de 100 unidades de determinado produto, com a nova solici-tação do carona passa a ter reduzida a disponibilidade do produto, consequentemente, reduzindo a cota dos participantes originais.

8 - Outro problema que se origina com o empréstimo da ata de registro de preços é a possibilidade de o Administrador optar entre rea-lizar o certame e adotar ata de outro órgão.

Essa discricionariedade é irregular, primeiro porque a Lei de Licitações, excetuando as hipóteses de dispensa, determina que seja instituído procedimento licitatório para as contratações, não confe-rindo discricionariedade ao Administrador; e segundo, porque a op-ção de escolha propicia risco de infração ao princípio da igualdade e da moralidade. Assim, um Administrador de má fé, verificando que determinado fornecedor de sua preferência e/ou com o qual tenha relação de afeição possui ata em vigência, pode optar em realizar o empréstimo para beneficiá-lo em vez de realizar o regular processo licitatório, no qual daria oportunidade de competição para todos os interessados em situação de igualdade, sem a interferência de prefe-rências pessoais.

9 - Considerando as facilidades que o empréstimo da ata de registro de preços propicia, sua utilização decerto acarretará mudan-

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ças na organização da Administração Pública, como a falta de pla-nejamento e de organização.

Isso porque, com a possibilidade de a qualquer momento um órgão utilizar-se de uma ata de registro de preços em vigência, favo-recida estará a desídia, a falta de organização e planejamento, não sendo mais de primeira necessidade o estudo das necessidades ad-ministrativas, a averiguação do que realmente é viável e sua real demanda de determinado objeto, medidas necessárias para a instau-ração de um processo licitatório que atenda às necessidades particu-lares de cada órgão.

Tudo será então “copiado” do órgão diligente que realizou o certame de acordo com suas necessidades.

Considerando que cada certame reflete as necessidades indivi-duais de cada órgão, em relação às especificações do objeto, quanti-dades, prazos de entrega, disponibilidade orçamentária etc., necessá-rio é que cada órgão instaure o seu procedimento ou, quando muito, conjuntamente com outros órgãos, desde o início da instauração, pactue do mesmo certame, pois aqueles que acabam optando pelo empréstimo de certa forma evidenciam que não adotaram medidas tempestivas para promover, isoladamente ou em conjunto com ou-tros órgãos, a implantação de seu próprio certame ou até mesmo de seu próprio registro de preços.

Nota-se que uma das utilidades do sistema de registro de pre-ços é para atender a necessidades da Administração Pública de con-tratações frequentes. Poderia um órgão que tenha necessidades fre-quentes de determinado objeto deixar de realizar processo licitatório para registrar preços e passar a aderir às atas vigentes? Isso decerto evidencia uma alteração na rotina das contratações públicas, com a tendência de que somente alguns órgãos realizem licitações para re-gistro de preços e todos os demais simplesmente passem a aderir a suas atas.

10 - Outra irregularidade na adoção do carona advém da possibi-lidade de órgão carona escolher a marca do bem que pretende adqui-rir, sem que para isso apresente qualquer justificativa. Basta necessitar de determinado objeto para passar a procurar, nas diversas licitações de registro de preços, uma ata que tenha registrado o bem de seu interesse na marca de sua preferência. Destaca-se que a Lei de Licitações veda

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expressamente a escolha de marca sem que haja uma justificativa plau-sível8.

11 - Além de todas essas implicações sobre o aproveitamento da ata de registro de preços, podemos citar ainda a perda de econo-mia de escala, já que as aquisições ultrapassam e muito a quantida-de estimada, e ainda o risco no aproveitamento de certames reali-zados por terceiro, pois questões particulares de cada licitação inter-ferem no momento de os licitantes elaborarem suas propostas, espe-cialmente nos preços ofertados.

Certo é que, em um certame, as propostas são moldadas con-forme as condições da contratação, forma de pagamento, local de entrega, quantidades, e até mesmo conforme o órgão licitante, já que, no mercado, determinado contratante pode ser conhecido como bom ou mau executor de suas obrigações. São condições diversas que, perante outras realidades, poderiam ensejar um outro quadro de ofertas; sendo assim, uma ata de determinado órgão dificilmente servirá como uma luva para outro, pois não retratará sua realidade.

Para determinado órgão, com a imposição de certas exigências, deter-minada proposta verificou-se a mais vantajosa, mas qual é a garan-tia de que essa também seja a melhor proposta para o órgão que adotará a ata? Será que um certame individualizado, de acordo com suas particu-laridades, não poderia ser mais vantajoso?

Outro ponto que deve ser considerado é o fato de o órgão ca-rona não ter assegurado se o processo licitatório atendeu aos princí-pios jurídicos, exigências legais e formalidades a ele inerentes, cor-rendo então o risco de adotar uma ata originada de um certame di-recionado ou com preços superfaturados, por exemplo.

Assim, não é só ilegal a prática do empréstimo da ata, mas tam-bém é incompatível e arriscado o aproveitamento de processo licitatório realizado por outro órgão, ainda mais quando os aderentes não acompa-nham sua instauração e desenvolvimento. 8 Artigo 7º - (...) § 5o É vedada a realização de licitação cujo objeto inclua bens e serviços sem similaridade ou de marcas, características e especificações exclusivas, salvo nos casos em que for tecnicamente justificável, ou ainda quando o fornecimento de tais materiais e serviços for feito sob o regime de administração contratada, previsto e discriminado no ato convocatório.

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12 - Mais um aspecto importante é o fato de que as adesões às atas de registro de preços restringem a fiscalização dos órgãos de controle e o direito de impugnação tanto dos interessados como dos cidadãos.

É certo que, sendo instaurado o certame para registro de pre-ços para determinado órgão, aberta está a possibilidade de ser fisca-lizado; contudo, quando da adoção da ata pelo órgão carona, difi-cultado estará o controle desta contratação, até mesmo para saber se o preço registrado realmente lhe é mais vantajoso.

13 - Quanto à análise das Cortes de Contas sobre a questão, poucos são os pronunciamentos até o momento, porém, verificam-se indícios de como poderá ser considerada a prática do empréstimo da ata.

O Tribunal de Contas da União, no Acórdão 1487/07 – Ple-nário, relatado pelo Ministro Valmir Campelo, que analisou a licita-ção para registro de preços realizada pelo Ministério da Saúde, na qual estimavam-se contratações no valor de 32 milhões de reais, e na qual outros 62 órgãos valeram-se do sistema de empréstimo, perfa-zendo um total de aproximadamente 2 bilhões de reais, aborda a questão da impropriedade do decreto regulamentar para disciplinar a matéria, e, ainda, polemiza questão relativa aos princípios constitu-cionais, determinando ao Ministério que sejam reavaliadas as regras do sistema de registro de preços, estabelecendo limites para sua ade-são, ou seja, necessidade de limitar a utilização da ata pelos órgãos não participantes.

O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo também possui posição contrária à prática do empréstimo de ata prevista em editais e decretos. Trazemos trechos de decisões que evidenciam tal enten-dimento:

“Exame Prévio de Edital. Pregão visando ao Registro de Preços para prestação de serviços de vigilância/ segurança patrimonial. Possibilidade de se adotar modalidade pregão, não descaracte-rizando o atributo de “serviço comum”, as mi-nuciosas especificações técnicas e memorial des-critivo constantes do edital. Inadmissibilidade de

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utilização do Sistema do Registro de Preços para contratação de serviços de natureza continuada. Impossibilidade de se prorrogar o prazo de vali-dade da Ata de Registro de Preços por conta do princípio da reserva de lei. Desnecessidade de divulgação de orçamento estimado em planilhas de quantitativos e custos. Recomendação, no en-tanto, para que se divulgue valor total estimado; que se abstenha de exigir 2 (dois) atestados para demonstração de qualificação técnica, bem co-mo de admitir a figura do “carona”. Determi-nação de anulação do certame, com recomen-dações”. (TC-038240/026/08) (destaque nosso) É por esse e outros motivos que o E. Plenário desta Corte vem fortalecendo entendimento, mormente retratado em sede de Exame Prévio de Edital, pela inviabilidade da utilização do “carona”, nos termos ora instituído por decre-to, nas contratações públicas, tendo em vista que tal admissão frauda o princípio informador da licitação, insculpido na Constituição Federal, consoante o artigo 37, inciso XXI que prescreve “ressalvados os casos especificados na legisla-ção, as obras, serviços, compras e alienações se-rão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabe-leçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”. (TC-023456/026/08) (destaque nosso) Contratante: Prefeitura Municipal de Hortolân-dia. Contratada: Delta Construções S/A. Autoridade(s) que firmou(aram) o(s) Instrumen-to(s): Ângelo A. Perugini (Prefeito). Objeto: Execução de serviços de manutenção, reparação e complementação de infraestrutura

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urbana em áreas com ocupação urbana consoli-dada e que apresentem problemas com benfeito-rias públicas precárias, compreendendo em pa-vimentos, sistemas de drenagem, consolidação de taludes, muros de arrimo, obras de terra e demais serviços. (...) Ante o exposto, e por tudo o mais consignado nos autos, VOTO no sentido da IRREGULA-RIDADE do ajuste em apreciação, representa-do pela ade-são à Ata de Registro de Preços nº 011/07, decorrente da Concorrência nº 027/06, da Prefeitura Municipal de Campinas. (TC-002638/003/07) (destaque nosso)

Em suma, pode-se afirmar que a prática do carona, na mais

tênue hipótese, impõe agravos aos princípios constitucionais, entre outras inúmeras irregularidades, sendo uma prática inválida desde a sua instituição até sua operacionalidade. Referida solução encontra-da pelo Governo Federal e demais entes da Federação é inconcebí-vel. Para se ter uma pequena ideia do seu despropósito, basta se lembrar do caso examinado pelo Tribunal de Contas da União, aqui citado, no qual o Ministério da Saúde realizou licitação para registro de preços, visando à contratação com valor estimado em 32 milhões de reais, e no qual outros 62 órgãos valeram-se do sistema de em-préstimo, perfazendo um total de aproximadamente 2 bilhões de re-ais.

Esperamos, assim, que este trabalho possa contribuir, ainda que de forma modesta, para uma reflexão mais aprofundada acerca do sistema de registro de preços e, em especial, sobre a prática do empréstimo da sua ata.

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Referências CAMMAROSANO, M Regulamentos. In RDP 51/52, Estudos e Comentários, pág. 130. NIEBUHR, J. M. Pregão Presencial e eletrônico. Curitiba: Zênite, 2004, pág. 29. NIEBUHR J. M. “Carona” em ata de registro de preços: Atentado veemente aos princípios de direito administrativo. Revista Zênite de Licitações e Contratos – ILC, Curitiba: Editora Zênite, nº 143, p.13, janeiro de 2006. MUKAI, T. Registro de Preços no Governo do Estado de São Pau-lo: “Caronas”, estaduais e nacionais. In: Revista O Pregoeiro, ano IV – Janeiro de 2008, pág. 30.

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Lei de Responsabilidade Fiscal: art. 16. Subsídios para Interpretação

Austen S. Oliveira

Consultor em Orçamento e Contabilidade da CONAM – Consultoria em Administração Municipal.

Resumo: O artigo 16 da Lei de Responsabilidade Fiscal, que dispõe sobre a ne-cessidade de elaboração de estimativa do impacto orçamentário financeiro para três exercícios e a declaração do ordenador da despesa sobre sua compatibilidade com o Plano Plurianual, com as Diretrizes Orçamentárias e com o Orçamento, quando ela decorrer da criação, ampliação ou aperfeiçoamento da ação governa-mental com aumento de gastos, ora vem sendo interpretado como aplicável a to-do e qualquer contrato, ora só com aqueles decorrentes da execução de projetos (não de atividades). O artigo procura dar subsídios à interpretação da norma, mostrando que ela se aplicaria de maneira diferente, em execução tanto de proje-tos quanto de atividades, mas só quando há aumento da despesa orçamentária fixada e por decorrência de criação expansão ou aperfeiçoamento da ação gover-namental. Não se aplicaria, portanto, na execução normal das ações consignadas na Lei Orçamentária.

1. Tenho visto com alguma frequência servidores públicos

manifestarem seu entendimento de que as disposições do art. 16 da Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF se aplicam a todos os con-tratos de obras, serviços e fornecimentos, por exemplo, aos contra-tos de fornecimento de combustíveis para a frota de veículos da Administração.

Penso que essa não é a norma extraída do dispositivo pela interpretação.

2. Para o perfeito entendimento das disposições do art. 16 da Lei de Responsabilidade Fiscal, cabe ser transcrito o seu “ca-put”1:

1 Art. 16. A criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental

que acarrete aumento da despesa será acompanhado de: I - estimativa do impacto orçamentário financeiro no exercício em que

deva entrar em vigor e nos dois subsequentes;

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Art. 16. A criação, expansão ou aperfeiçoamen-to de ação governamental que acarrete aumen-to da despesa será acompanhado de I - estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subsequentes; II - declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e fi-nanceira com a lei orçamentária anual e com-patibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias.

No livro “O Município e a Lei de Responsabilidade Fiscal”,

editado no mesmo ano de publicação da Lei, escrevi, com meus companheiros da CONAM, o seguinte texto:

Os grandes objetivos da Lei Complementar no 101 são a obtenção e a preservação do equilí-brio nas contas públicas. Para atingi-los ela im-

II - declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação

orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias.

§ 1o Para os fins desta Lei Complementar, considera-se: I - adequada com a lei orçamentária anual, a despesa objeto de dotação

específica e suficiente, ou que esteja abrangida por crédito genérico, de forma que somadas todas as despesas da mesma espécie, realizadas e a realizar, previstas no programa de trabalho, não sejam ultrapassados os limites estabelecidos para o exercício;

II - compatível com o plano plurianual e a lei de diretrizes orçamentárias, a despesa que se conforme com as diretrizes, objetivos, prioridades e metas previstos nesses instrumentos e não infrinja qualquer de suas disposições.

§ 2o A estimativa de que trata o inciso I do caput será acompanhada das premissas e metodologia de cálculo utilizadas.

§ 3o Ressalva-se do disposto neste artigo a despesa considerada irrelevante, nos termos em que dispuser a lei de diretrizes orçamentárias.

§ 4o As normas do caput constituem condição prévia para: I - empenho e licitação de serviços, fornecimento de bens ou execução de

obras; II - desapropriação de imóveis urbanos a que se refere o § 3o do art. 182 da

Constituição.

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põe condutas responsáveis, limites, condições e metas. Nesse contexto é que se deve interpretar todos os dispositivos da Lei e particularmente os arti-gos 16 e 17. Note-se na redação de ambos a preocupação com o aumento da despesa, com o cumprimen-to de metas e com a adequação orçamentária e às Leis de Diretrizes Orçamentárias e do Plano Plurianual. Para se interpretar o “caput” do artigo 16 é pre-ciso conhecer o significado das expressões “cri-ação, expansão ou aperfeiçoamento da ação governamental” e “aumento da despesa”. No que concerne à primeira expressão, aqueles que militam na área de planejamento e orça-mento se sentirão provavelmente inclinados a sugerir uma relação com o instrumento de pro-gramação denominado pela legislação federal como projeto. De fato, assim já estabelecia a Portaria no 9/74, do então Ministro do Planejamento e Coorde-nação Geral, e estabeleceu mais recentemente a Portaria no 42/99, do Ministro do Orçamento e Gestão: Projeto, um instrumento de programação para alcançar os objetivos de um programa, envol-vendo um conjunto de operações limitadas no tempo, das quais resulta um produto final que concorre para a expansão ou o aperfeiçoamento da ação do Governo. Abrangência da expressão contida no artigo 16 vai além dos projetos, para atingir a totalidade dos programas, incluindo, portanto, também as atividades (ver as mesmas Portarias). É que normalmente a implementação de um projeto tem como consequência a geração de despesas com a manutenção do “produto” ob-tido, que passarão a constituir ou a integrar uma atividade.

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Um projeto que envolva a construção de uma escola, por exemplo, acarretará a necessidade de contratação de professores e servidores de apoio, de material escolar e de manutenção do prédio e do serviço nele prestado. São todas despesas que não integram o projeto, vez que este é limitado no tempo e tais despesas são permanentes, refletindo nos orçamentos futu-ros. A realização do projeto normalmente pro-voca impacto na despesa, particularmente na classificada como corrente. Não teria sentido, portanto, controlar as despe-sas de projetos, olvidando-se as das atividades. A expressão aumento da despesa, decorrente da criação, expansão ou aperfeiçoamento da ação governamental, precisa se referir a uma base (aumento em relação a que?). Quando o inciso I, do § 1o, determina que o gestor deve somar todas as despesas da mesma espécie, realizadas e a realizar, previstas no programa de trabalho, fica evidente que o au-mento da despesa deve ser considerado não a-penas no âmbito de cada crédito orçamentário, mas, sobretudo, dentro do respectivo projeto ou atividade. Como normalmente está possibilitado o rema-nejamento de dotações dentro da mesma cate-goria de programação (artigo 167, inciso VI, Constituição), o aumento de despesa que a cria-ção, o aperfeiçoamento ou a expansão da ação governamental pode provocar deve ser aprecia-do em relação aos projetos e atividades existen-tes. Se assim não fosse, todo e qualquer ato gerador de dispêndio necessitaria do estudo prévio e da declaração do ordenador referidos nos incisos I e II do “caput” do artigo 16. O parâmetro global, portanto, é a despesa fixa-da na Lei Orçamentária vigente, que congrega a totalidade dos projetos e atividades.

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Sob o enfoque do equilíbrio das contas públi-cas, a criação de uma ação governamental e a expansão das já existentes normalmente provo-cam aumento na despesa orçamentária. Quando isso ocorrer, o impacto no orçamento do ano e nos dois subsequentes deverá ser esti-mado, e mais do que isso em relação ao primei-ro ano de vigência: neste deverá ocorrer prévia adequação orçamentária, normalmente via cré-ditos adicionais. Com isso se possibilitará a afe-rição descrita no inciso I do § 1o do mesmo ar-tigo 16. Somente quando houver um aumento na des-pesa orçamentária fixada, decorrente da criação de ação governamental (nova) ou de expansão ou aperfeiçoamento das ações existentes, é que os ordenadores de despesas precisarão cumprir o disposto no artigo 16. Para as despesas conti-das nos limites dos valores dos projetos e ativi-dades não haverá necessidade de qualquer pro-vidência, vez que o impacto orçamentário e a adequação à Lei de Diretrizes Orçamentárias e à Lei do Plano Plurianual já foram verificados na oportunidade da elaboração da Lei Orça-mentária do exercício. O § 3o do artigo exclui das disposições deste a despesa considerada irrelevante, nos termos em que dispuser a LDO. É importante observar que essa despesa irrele-vante excluída é aquela que decorre da criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação gover-namental e que provoca aumento da despesa. Portanto, a LDO deverá estabelecer o que é despesa irrelevante, para que o gestor saiba, quando pretender criar, expandir ou aperfeiço-ar a ação governamental com aumento da des-pesa, se precisará ou não observar o contido nos incisos I e II do artigo.

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Em 2002, o Prof. Kiyoshi Harada, em seu livro “Responsabi-lidade Fiscal”, fez os seguintes comentários ao citado art. 16 da Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF:

Este dispositivo, inovando a legislação sobre a matéria, buscou atingir a despesa pública em sua origem, antecipando-se à própria autoriza-ção orçamentária. Tanto é que toda criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação gover-namental que acarrete aumento de despesas se-rá acompanhada da estimativa do impacto or-çamentário-financeiro no exercício em que de-va entrar em vigor e nos dois subsequentes, nos termos do inciso I. Além das atividades gover-namentais em curso, cobertas pelas dotações orçamentárias consignadas na LOA, poderão existir outras, decorrentes de criação ou da ex-pansão ou do aperfeiçoamento da atividade es-tatal existente.

E mais:

É claro que para as despesas contidas nos limi-tes dos valores de projetos e atividades fixados na LOA não haverá necessidade da elaboração de qualquer estimativa. De fato, o seu impacto orçamentário, bem como, a sua adequação ao plano plurianual e à lei de diretrizes orçamentá-rias já foram verificados por ocasião da feitura da lei orçamentária anual.

Também em 2002 os eméritos profissionais do Tribunal de

Contas do Estado de São Paulo, Flávio C. de Toledo e Sérgio Ci-quera Rossi, editaram o livro “Lei de Responsabilidade Fiscal co-mentada por artigo”, onde ensinam:

Mais ação governamental gera, quase sempre, despesa adicional. Por visar, prioritariamente, o equilíbrio entre receitas e despesas, a LRF não

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se furtaria à imposição de cautelas quanto a es-se tipo de crescimento do gasto público.

E mais adiante:

Vale ponderar, não é qualquer aumento de gas-to público que precisa submeter-se ao ritual administrativo antes descrito. Livres dessas cautelas estão as despesas corriqueiras, habitu-ais, relacionadas, apenas e tão-somente, à ope-ração e manutenção dos serviços preexistentes e que nada tenham a ver com criação, expan-são ou aperfeiçoamento da ação governamen-tal. Essas atividades rotineiras não se preveem na LDO nem no PPA. A rigor, as despesas iniciadas sob a categoria projeto atenderão aos quesitos do artigo em de-bate, sem embargo de que, ao longo dos três exercícios da estimativa orçamentária e finan-ceira, os gastos decorrentes já não mais e classi-fiquem naquela categoria, mas, sim, como atualidade. Exemplo: suponho que a construção de um pronto-socorro tenha se dado num único exercício financeiro; nele, tal despesa será tipificada como projeto; depois, nos dois anos seguintes, a operação do investimento será tida como atividade (folha salarial dos médicos, enfermeiros; aquisição de medicamentos e material de enfermagem etc.); nesse cenário, quer projeto, quer atividade, a despesa gerada sujeita-se aos trâmites do art. 16; contudo, importante destacar, é preciso que se inicie como projeto, ou seja, a categoria de programação relacionada à criação, expansão ou aperfeiçoamento da ação governamental.

(...) Assim, o objeto do art. 16, a criação, expansão ou aprimoramento da ação de governo, rela-ciona-se, num primeiro momento, ao conceito de projeto; depois, claro, ao de atividade, visto

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que indispensável operar e manter o produto criado pelo projeto, seja uma escola, um posto de saúde ou a instalação da Guarda Municipal. No dispositivo em análise, a LRF acautela-se com gastos que se reproduzem ao longo dos exercícios financeiros, com potencial multipli-cador; não é o caso, pois, da manutenção asfál-tica de espaços urbanos ou da maior aquisição de material de escritório para as lides adminis-trativas; tais gastos, além de tudo, não se inse-rem na lei de diretrizes orçamentárias e no pla-no plurianual, um dos pressupostos da criação, expansão ou aperfeiçoamento da ação de go-verno (inciso II do caput).

3. Peço licença para observar que a Lei do Plano Plurianual e, consequentemente também a Lei de Diretrizes Orçamentárias, envolvem não só projetos como as atividades igualmente, desde que estejam elas inseridas nos programas de duração continuada – que usualmente são os mais expressivos – ou envolvam despesas de capital (nas atividades, sim, cabem despesas de capital!). É o que prevê a Constituição (art. 165, § 2º).

E uma atividade consignada na lei de orçamento pode ser expandida ou aperfeiçoada, provocando, conforme o caso, um au-mento da despesa orçamentária. Nesta hipótese, incidem as dispo-sições do art. 16.

Pode ocorrer, também, que a expansão ou o aperfeiçoamento dessa ação governamental consignada numa atividade não provo-que aumento da despesa orçamentária porque os créditos consig-nados na Lei Orçamentária são suficientes. No caso, portanto, não haverá aplicação das disposições do art. 16 da LRF, porque inocor-rente uma das suas duas condições: a de aumento da despesa.

Precisa ficar evidenciado que a execução de projetos pode, igualmente, gerar ou não a incidência do art. 16.

Quando se executa um projeto que está consignado na Lei Orçamentária, sob a cobertura de dotações suficientes, não há que se falar em “aumento da despesa” e nem mesmo de impacto.

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Pode ocorrer, entretanto, que a Administração deseje realizar um projeto novo, “criando”, portanto, uma despesa nova que, con-sequentemente, provoca um aumento da despesa total. Aí estarão presentes as duas condições: haverá criação de ação governamental e aumento da despesa. Neste caso aplica-se o disposto no artigo 16.

Como disse antes, não teria sentido controlar apenas as des-pesas de projetos, olvidando-se as atividades.

Relembro que tanto as atividades como os projetos relativos a programas de duração continuada constam do PPA, da LDO e da LOA, e que o controle do aumento das despesas orçamentárias, decorrentes da criação, expansão ou aperfeiçoamento da ação go-vernamental, só através dos projetos, deixaria fatia substancial da despesa orçamentária podendo ser aumentada, contribuindo para o agravamento da situação fiscal.

O que fica fora do controle nos termos do art. 16, além das despesas para as quais há crédito orçamentário suficiente, são as definidas legalmente como irrelevantes, normalmente de pequena monta. Pode então, a Administração realizar despesas decorrentes da criação, expansão ou aperfeiçoamento da ação governamental que aumentam a despesa orçamentária, quando forem irrelevantes, independentemente do cumprimento das disposições do art. 16.

4. Assim, no exemplo citado inicialmente – de contrato de fornecimento de combustíveis para a frota da Administração – é preciso lembrar que normalmente eles, os combustíveis, destinam-se à execução de atividades e raramente à de projetos. Objetivam os contratos manter ativos os veículos e máquinas na execução de serviços públicos.

Penso que tais contratos – como os demais de obras, forne-cimentos e serviços – que não decorram de qualquer criação, am-pliação ou aperfeiçoamento da ação governamental, seja ela execu-tada através de projeto ou atividade, e nem decorrendo deles qual-quer aumento da despesa orçamentária fixadas, já que atendidos por dotações de créditos constantes do Orçamento, não estão sub-metidos às disposições do art. 16 da LRF.

Se o legislador desejasse que para todos os contratos (e em-penhos, e desapropriações) a Administração devesse cumprir o

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contido nos incisos do artigo em questão, teria dito isso de forma simples.

Referências HARADA, K. Responsabilidade fiscal. São Paulo: Juarez de O-liveira, 2002. OLIVEIRA, A. da S., RODRIGUEZ, F. A. M., POLO, J. C. PA-LAVÉRI, M., CAETANO, W. P.. O Município e a Lei de Res-ponsabilidade Fiscal. São Paulo: Mageart, 2000. TOLEDO, F. C. de, ROSSI, S. C. Lei de Responsabilidade Fis-cal comentada por artigo. 2. ed. São Paulo: NDJ, 2002.

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Relativizando o Parágrafo Único do art. 21 da Lei de Responsabilidade Fiscal

José Ivan Rodrigues de Sousa Filho

Bacharelando em Direito pela Universidade Federal do Ceará Licenciado em Letras Vernáculas pela Universidade Estadual do Ceará

Estagiário do Tribunal de Contas do Estado do Ceará Resumo: A investigação avante condensada objetiva demonstrar que a vedação do parágrafo único do art. 21 da LRF, absoluta no plano da forma, é relativa no plano do conteúdo. O télos de tal dispositivo – elemento basilar e preponderante de sua interpretação e aplicação – traduz o critério necessário e suficiente para o desvela-mento do autêntico alvo de sua hostilidade e, portanto, para a detecção casuística de fenômenos que dela se esquivam. Agrilhoar-se aqui ao plano da forma, doutra perspectiva, redundaria em monumental desproporcionalidade – logo é a interpre-tação teleológica aqui coincidente com a interpretação conforme a Constituição. Palavras-Chave: Interpretação Literal; Interpretação Teleológica; Princípio da Pro-porcionalidade; Interpretação Conforme a Constituição. 1. Do Lógos

Assim enuncia o parágrafo único do art. 21 da Lei de Respon-sabilidade Fiscal (LRF): “Também é nulo de pleno direito o ato de que resulte aumento da despesa com pessoal expedido nos cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato do titular do respectivo Poder ou órgão referido no art. 20”.

É, portanto, indubitável, no plano da forma, que fulminado, imediata e insanavelmente, resta todo ato que congregue estes dois predicados: provocar aumento da despesa com pessoal e ser expedi-do nos cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato de titular de Poder ou órgão mencionado no art. 20. Isso significa não apenas que seus efeitos concretos devem ser desconstituídos de sorte a res-gatar-se o status quo ante, mas também que não ostenta qualquer fun-damento de validade, constituindo autêntica anomalia invasora do sistema jurídico.

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Convém, pois, aqui esclarecer, laconicamente, o que é despesa com pessoal.

Despesa com pessoal é o somatório dos gastos de Poder ou

órgão citado no art. 20 com parcelas remuneratórias de qualquer es-pécie, encargos sociais e contribuições previdenciárias, em benefício de seus ativos, inativos e pensionistas, durante a competência em análise (a qual abrange o mês em referência e os onze imediatamen-te anteriores). Incluem-se aí, sob a rubrica “Outras Despesas de Pes-soal”, os gastos relativos a contratos de fornecimento de mão-de-obra empregada na atividade-fim da unidade: não obstante a Súmula nº 331 do TST excomungue a contratação, por interposta persona, de mão-de-obra aplicada no empreendimento capital do empregador, compondo-se, então, o elo empregatício diretamente com o dissimu-lado tomador dos serviços, exceto quando este for unidade adminis-trativa, em virtude da obrigatoriedade de concurso público para ad-missão aos quadros burocráticos (art. 37, II, da CF), a LRF antevê a possibilidade de inobservância de tal disposição sumular pelo gestor público, não descurando de sua ressonância fiscal – pode-se, portan-to, asseverar que a LRF objetiva aí aniquilar a burla ao controle de despesa com pessoal mediante o artificial cerceamento dos gastos com quadros concursados e o simétrico incremento dos gastos com quadros terceirizados anti-juridicamente alocados. Excetuados da-quele somatório estão os gastos com 1) indenizações por exoneração de servidor estável, medida derradeira para adaptação ao limite de despesa com pessoal fixado pela LRF, (art. 169, §§ 4º e 5º, da CF) e por dispensa sem justa causa do servidor celetista; 2) programas de incentivo à demissão voluntária; 3) cumprimento de decisões judici-ais relativas a causas de pedir que não remontem à competência em análise; 4) Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, polícias civil e militar e corpo de bombeiros militar, realizados pelo Distrito Federal e custeados pela União (art. 21, XIII e XIV, da CF); 5) o quadro em extinção da Administração Pública Federal lotado nos ex-Territórios do Amapá e de Roraima, realizados por estes e custeados pela União (art. 31 da EC nº 19); e 6) inativos, custeados por recursos provenientes da arrecadação de contribuições previden-

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ciárias dos segurados, de compensação financeira (art. 201, § 9º, da CF) ou de fundos de finalidade previdenciária.

São exorcizados, no plano da forma, durante o período estig-matizado, pois, a concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, a criação de cargos, empregos e funções, a alteração de estrutura de carreiras e a admissão ou contratação de pessoal a qualquer título. Tal ilação resulta de uma interpretação exclusiva-mente literal do dispositivo referido.

2. Do Télos

A Escola da Exegese, que grassara na França oitocentista,

hipnotizada pelo monumental Código Civil definidor do novo modus vivendi, criptografado no verso “liberdade, igualdade e fraternida-de”1, e que se erigira sobre o dogma da intangibilidade da lei, consi-derada expressão autêntica da soberania popular mediante a repre-sentação parlamentar2, rendera à interpretação literal capital centra- 1 A respeito da tríplice falácia embutida em tal bordão, Grau (2007: 22) desvela, quanto ao primeiro ideal, que “a pretexto de defesa da concorrência haviam sido suprimidas as corporações de oficio, mas isso ensejou, em substituição do domínio pela tradição, a hegemonia do capital. A liberdade econômica, porque abria campo às manifestações do poder econômico, levou à supressão da concorrência. O proprietário de uma coisa (...) impõe sua vontade; o poder sobre as coisas engendra um poder pessoal; a propriedade, assim, de mero título para dispor de objetos materiais, se converte em um título de poder sobre pessoas e, enquanto possibilita o exercício do poder no interesse privado, converte-se em título de domínio”. Quanto ao segundo ideal, Grau (2007: 22-23) patenteia que “cuidava-se de uma igualdade à moda do porco de Orwell, no bojo da qual havia – como há – os ‘iguais’ e os ‘mais iguais’. O próprio enunciado do princípio – ‘todos são iguais perante a lei’ – nos dá conta de sua inconsistência, visto que a lei é uma abstração, ao passo que as relações sociais são reais. Daí a tão brusca quanto verdadeira assertiva de Adam Smith: do ‘governo’, o verdadeiro fim é defender os ricos contra os po-bres”. Quanto ao terceiro ideal, Grau (2007: 25) desvenda que “a toda evidência não poderia [a fraternidade] ser lograda no seio de uma sociedade na qual compareciam o egoísmo e a competição como motores da atividade econômica. O próprio Adam Smith sustentava que a melhor contribuição que cada um poderia dar à ordem social seria a contribuição do seu egoísmo pessoal. Como poderia uma ordem tal e qual realizar a fraternidade?”. 2 A imunização da lei contra a relativização interpretativa do magistrado constitui corolário da subserviência estatal ao poder econômico capitalista, a qual

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lidade. Ao magistrado competia, dessa forma, somente a concretiza-ção da lei, irrepreensível e perfeita, sendo-lhe proibido distorcer o sentido e o alcance originários dos comandos legais; caso contrário, incorreria em usurpação do Poder Legiferante. O fetichismo legal gestava, pois, a apoteose da interpretação literal. Porém, “o processo de industrialização veio a invalidar as premissas da Escola da Exe-gese, porquanto alterou sensivelmente as relações socioeconômicas, contribuindo para evidenciar o descompasso entre o Código e a no-va realidade” (Magalhães Filho, 2002, p. 50). Carecendo-se da “re-construção” do conteúdo da lei em face da obsolescência de sua forma, von Ihering sustenta que “a sociedade é o palco de uma luta de interesses, e as normas jurídicas protegem aqueles interesses que conseguirem impor-se socialmente. Os direitos subjetivos são inte-resses juridicamente protegidos, os quais continuam a ser amparados pela ordem jurídica à medida que os membros da sociedade lutam por eles” (idem, ibidem, p. 53) e, portanto, o intérprete da lei deve perseguir seus fins sociais, vetores políticos a cuja orientação devem conformar-se todas as medidas legais. Além disso, a emergência do constitucionalismo e do Estado de Direito contemporâneo e a su-cumbência do legalismo e do Estado de Direito moderno, desde a Segunda Guerra Mundial, transformaram a Constituição no substra-to único no qual toda lei deve prospectar seu fundamento de valida-de e despojaram os princípios constitucionais de sua aparência de utopias longínquas, desvelando sua essência de normas nucleares3.

Grau (2007: 32) condensa assim: “(i) a sociedade capitalista é essencialmente jurídica e nela o direito atua como mediação específica e necessária das relações de produção que lhe são próprias; (ii) essas relações de produção não poderiam estabelecer-se nem poderiam reproduzir-se sem a forma do direito positivo, direito posto pelo Estado; (iii) este direito posto pelo Estado surge para disciplinar os mercados, de modo que se pode dizer que ele se presta a permitir a fluência da circulação mercantil, para domesticar os determinismos econômicos”. 3 Bonavides (2006: 424) explicita que “a consciência da garantia e efetivação da liberdade provém muito menos da lei do que da Constituição. Se o velho Estado de Direito do liberalismo fazia o culto da lei, o novo Estado de Direito de nosso tempo faz o culto da Constituição. A lei, às vezes, degrada e avilta, corrompe e escraviza em ocasiões sociais e políticas de profunda crise e comoção, gerando a legalidade das ditaduras, ao passo que a Constituição é, sempre, a garantia do poder livre e da autoridade legítima exercitada em proveito da pessoa humana”.

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Uma pura interpretação literal conduz apenas a uma modali-dade de aplicação do Direito que pode ser alcunhada de silogística ou lógico-dedutiva, porquanto reduzida a uma derivação (conclu-são) da operação cerebrina de absorvimento ou aglutinação de fatos (premissa menor) por normas (premissa maior), decodificada no se-guinte esquema: se E deve ser D (enunciado deôntico lapidado em uma norma), e se F é E (enunciado ôntico inscrito em um fato), en-tão F deve ser D (aplicação da norma ao fato). A interpretação lite-ral, assim, implica uma aplicação eminentemente formal ou behavi-orista do Direito, cujo pressuposto bussolar é a eliminação de toda indagação crítica do aplicador do Direito perante a ordem jurídica posta, a crença em sua infalibilidade ou a indiferença para com seus efeitos práticos e, portanto, sua cega imposição: o aplicador do Di-reito transmuda-se em um autômato projetado para traçar decisões quaisquer a partir de um algoritmo basilar. A ilustração avante re-portada descobre a medonha miopia da interpretação literal:

Interessante é o exemplo dado por Siches da es-tação ferroviária onde havia o aviso: “É proibida a entrada de cães”. Chega um homem com um urso e insiste em entrar, alegando que a proibi-ção se refere à entrada de cães, muito embora a entrada com um urso fosse mais inaceitável ain-da. Chegando, depois, um mutilado de guerra, cego, conduzido por um cãozinho, seu guia fiel, poderia ele ou não entrar com o cão? Pela interpretação literal e pela lógica formal de-dutiva, o homem com o urso entra, e o cego com o cãozinho, não. Pela lógica do razoável (teleológica) aconteceria o inverso. (Magalhães Filho, 2003, p. 42)

Imperativa e premente se evidencia, pois, a superação da in-terpretação literal, isto é, sua coordenação com outro processo her-menêutico que propicie ao aplicador do Direito submeter a ordem jurídica positivada ao crivo dos princípios constitucionais, nos quais se condensam os fins políticos. Não se pode, em todo caso, conde-nar ao ostracismo a interpretação literal, pois, sendo o Direito plas-

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mado na linguagem, a decodificação de elementos gramaticais cons-titui o ato primeiro da recepção dos diplomas jurídicos: a interpreta-ção literal é o preâmbulo de toda interpretação jurídica. Nesse senti-do, manifesta-se a irreprimível necessidade da interpretação teleoló-gica, que busca a inserção das normas, abstratas e empedernidas, na concreta dinâmica dos fatos. Tal inserção é mediada pelos valores socialmente prestigiados, os quais patenteiam as finalidades políticas básicas, fundamento imprescindível do pacto social. São tais alvos que devem presidir a interpretação de toda norma jurídica. A lógica que governará a interpretação jurídica não é, portanto, a de radical aristotélico, caracterizada por sua tônica formalista, mas a de inspi-ração do jusfilósofo Luis Recasens Siches, cognominada de “lógica do razoável”, de perfil pragmático. Tal lógica focaliza a norma jurí-dica em sua dimensão eficacial, sustentando que o espírito das leis reside em seu implícito complexo finalístico, constituindo instru-mentos de realização dos objetivos cardeais da pólis, nos quais se harmonizam os diversos interesses dos indivíduos que a compõem. O intérprete jurídico deve, pois, esquadrinhar as relações que apro-ximam as leis de seus objetivos a fim de não incorrer em disparata-das arbitrariedades:

O aplicador do direito, para fazer uso da lógica do razoável, deve investigar algumas relações de congruência. Especificamente, ele deve se inda-gar: quais são os valores apropriados à disciplina de determinada realidade (congruência entre rea-lidade social e valores)? Quais são os fins com-patíveis com os valores prestigiados (congruên-cia entre valores e fins)? Quais são os propósitos concretamente factíveis (congruência entre os fins e a realidade social)? Quais são os meios convenientes, eticamente admissíveis e eficazes, para a realização dos fins (congruência entre meios e fins)? (Coelho, 2004, p. 85)

Compete, dessa maneira, aqui perscrutar o núcleo teleológico revestido pela explicitude linguística do dispositivo glosado. Nesse diapasão, acolhe-se aqui a seguinte lição de Pietro (2009: 170):

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A intenção do legislador com a norma do pará-grafo único foi impedir que, em fim de mandato, o governante pratique atos que aumentem o to-tal de despesa com pessoal, comprometendo o orçamento subsequente ou até mesmo superan-do o limite imposto pela lei, deixando para o su-cessor o ônus de adotar as medidas cabíveis para alcançar o ajuste.

Transparece de tal escólio que o objetivo primordial da proibi-ção consiste em expurgar a irresponsabilidade fiscal sob o aspecto da transmissão, imprudente ou dolosa, para a gestão sucessora, de ônus financeiros. Tendo-se em vista o art. 42 da LRF (“É vedado ao titu-lar de Poder ou órgão referido no art. 20, nos últimos dois quadri-mestres do seu mandato, contrair obrigação de despesa que não pos-sa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibi-lidade de caixa para este efeito”), infere-se que tal objetivo, constitu-tivo do arcabouço jurídico da LRF, traduz verdadeiro dogma ou princípio regulador das contas públicas nacionais. Entretanto, com-porta a proibição outro objetivo, o de combate à manipulação eleito-ral através de favorecimentos pecuniários ou burocráticos, o qual se desvela apenas secundariamente, já que não se debruça, especifica-mente, a LRF sobre a seara eleitoral. Assim, assenta-se, portanto, que a proibição só se invectiva contra os fenômenos que, além de se enquadrarem no tipo que antevê no plano da forma, não se confor-mam aos objetivos a ela subjacentes. Noutras palavras, os objetivos da proibição consubstanciam o decisivo critério implícito para a i-dentificação dos fenômenos a serem por ela fulminados: desconside-rar tais objetivos é esvaziar ou omitir essencial parcela do conteúdo jurídico da proibição.

3. Do Métron

A fim de demonstrar-se a necessidade de perfuração da crosta

denotativa e extração da finalidade política do referido dispositivo,

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pince-se, como critério de aferição da oportunidade da interpretação literal in casu, o princípio da proporcionalidade, a cuja luz se esclare-cerá se a vedação indiscriminada de atos de incremento da despesa com pessoal nos derradeiros cento e oitenta dias de mandato de titu-lar de Poder ou órgão apontado no art. 20 revela-se como meio pro-porcional para a realização dos fins de não endividamento da admi-nistração subsequente e não manipulação eleitoreira. Convém, pois, aqui delinear uma breve explanação a respeito do conteúdo e da função do dito princípio.

Em três dimensões manifesta-se o princípio da proporcionali-dade, a saber: Geeignetheit (adequação), Erforderlichkeit ou Übermass-verbot (necessidade ou proibição de demasia) e Verhältnismässigkeit im engeren Sinne (proporcionalidade stricto sensu). O subprincípio da a-dequação exclui o arbítrio da eleição de meios absolutamente im-próprios para a realização do fim almejado, isto é, imanentemente incapazes de possibilitar sua consecução: o primordial requisito de validade de uma medida estatal traduz-se em sua compatibilidade para propiciar o fim a que se dirige. O subprincípio da necessidade impele a autoridade competente a escolher só as medidas indispen-sáveis ao esforço de consecução exigido pelo fim, eliminando a ado-ção de medidas que transbordem sua conservação: “de todas as me-didas que igualmente servem à obtenção de um fim, cumpre eleger aquela menos nociva aos interesses do cidadão”, ou seja, “de dois males, faz-se mister escolher o menor”, devendo-se perfazer a “esco-lha do meio mais suave” (Bonavides, 2006, p. 397). O subprincípio da proporcionalidade stricto sensu denota a obrigação do uso do meio que congrega mais vantagens, levando em conta o maior número de interesses em jogo.

No princípio da proporcionalidade reside o fundamento for-mal da unidade axiológica da Constituição ou “a norma regulamen-tadora da realização prática e unitária da Constituição” (Magalhães Filho, 2002, p. 230), porquanto nele se efetua a coerência integrativa dos direitos fundamentais, isto é, em emergindo antagonismo con-creto entre direitos fundamentais, o princípio da proporcionalidade opera como instrumento de sua síntese dialética conciliatória, ilidin-do a exclusão de um deles, a qual redundaria no enfraquecimento de seu suporte único, a dignidade da pessoa humana. Efetivamente,

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“um direito fundamental não pode excluir o outro quando há entre eles colisão no caso concreto, pois a dignidade da pessoa humana é o núcleo essencial de todos os direitos fundamentais, o que significa que o sacrifício total de algum deles importaria uma violação do va-lor da pessoa humana” (idem, ibidem, p. 228). Sendo o “instrumen-to mais poderoso de garantia dos direitos fundamentais contra pos-síveis e eventuais excessos perpetrados com o preenchimento do es-paço aberto pela Constituição ao legislador para atuar formulativa-mente no domínio das reservas da lei” (Bonavides, 2006, p. 425), o princípio da proporcionalidade erige-se, então, como “princípio dos princípios, já que somente através dele os outros encontram a sua condição de aplicabilidade e eficácia” (Magalhães Filho, 2002, p. 230).

Sob a perspectiva do subprincípio da adequação, é indubitável que a vedação traçada no dispositivo enfocado é expediente perti-nente ou apto à coibição da leviana legação de dívidas públicas e de manobras clientelistas: o período a que se circunscreve a vedação, em virtude de sua tônica renovadora, ou seja, de sua ambígua pecu-liaridade de ocaso duma gestão e anúncio doutra, pode inspirar hu-mores inconsequentes para com a res publica, precipitando supérfluos gastos por cujo árduo gerenciamento responsabilizar-se-á o infausto gestor subsequente; pode inspirar também projetos paternalistas para com os quadros burocráticos, parindo concessões qualitativas e quantitativas cuja subliminar condição é a rendição da consciência democrática; constituindo, destarte, aquele período gleba especial-mente propícia ao cultivo desses viciados frutos, sua devastação constitui medida adequada à eliminação de tal cultivo.

Sob a perspectiva do subprincípio da necessidade, porém, é questionável que a vedação asseverada no dispositivo destacado tra-duza o método menos drástico ou mais moderado para a consecu-ção de seus fins políticos: todos os incrementos da despesa com pes-soal perfeitos no período devastado não são, por força do simplório atributo de serem perfeitos em tal período, demonstrações de irres-ponsabilidade fiscal ou de cooptação eleitoral; todos os adensamen-tos da despesa com pessoal deflagrados naquele período e que não discrepem dos fins políticos da vedação respectiva, não redundando em antijurídico gravame financeiro para a gestão ulterior, nem com-

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portando o dolo de aliciamento eleitoral, não incorrem naquela ve-dação; preconizar a irrestringibilidade da proibição in casu equivale a desdenhar sua cardeal nuança teleológica e, consequentemente, des-virtuar a mesma proibição, infundindo-lhe o timbre da arbitrarieda-de e, ainda, instigá-la a confrontar, ingloriamente, normas constitu-cionais, como a que possibilita a contratação temporária de servido-res públicos (art. 37, IX, da CF)4 e a que prescreve a revisão geral anual da remuneração e do subsídio dos agentes estatais (art. 37, X, da CF). Portanto, o imprescindível critério que norteia a delimitação da vedação mencionada, decepando-lhe todo o truculento excesso, assiste na conformação de seu núcleo teleológico: somente as eleva-ções da despesa com pessoal perpetradas no período devastado que destoem dos objetivos políticos da proibição são por ela vergastadas. Na plástica experiência administrativa, eclodirão, então, múltiplos singulares fenômenos que, engastando-se à superfície da norma, não se assimilarão, contudo, à sua profundidade. Por exemplo, os atos administrativos vinculados que ocasionem acréscimo da despesa com pessoal expedidos no período suspeitoso, em virtude de sua própria natureza de atos vinculados (independentes da discricionari-edade do gestor público, animados apenas pela vontade da lei e, as-sim, insuscetíveis de serem viciados pelo componente volitivo da sa-botagem fiscal da gestão próxima e da fraude eleitoral), fogem à in-cidência da proibição: são, assim, válidos, caso conformados à disci-plina legal específica, a concessão de vantagens, reajustes e reposi-ções de qualquer sorte, a concessão de promoções e o provimento de cargos, empregos e funções.

Sob a ótica do subprincípio da proporcionalidade stricto sensu, é também discutível que a proibição proclamada no dispositivo co-mentado constitua-se no meio mais vantajoso ou que albergue a maior gama de interesses envolvidos para a concretização de seus

4 Bonavides (2006: 435) surpreende em tal norma constitucional emanação singular ou índice particular do subprincípio da necessidade que volve contra sua banalização empírica: “A vedação de excessos (Übermassverbot), ínsita ao inciso IX do art. 37 da Constituição Federal, rege a aplicação da norma aí contida, a qual, sendo restritiva, de natureza, não pode – por obra do arbítrio do legislador ordinário – converter-se em regra de ação do Poder Público para derrogar princípios constitucionais estabelecidos no caput daquele artigo”.

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alvos políticos: a radical generalização da proibição conota a priori-zação de somente dois interesses envolvidos, a saber, a neutralização da transmissão de déficits públicos e a lisura eleitoral, inviabilizan-do, pois, o interesse, inadiável e insubjugável, da não paralisação da Administração Pública. Se o desequilíbrio fiscal e a trapaça eleitoral impactam o administrado somente de maneira mediata e prospecti-va, a ineficiência dos serviços públicos o faz de maneira imediata e atual, embora o primeiro impacto possa evidenciar-se tão pernicioso quanto o segundo: não se pode, portanto, imolar a indispensável uti-lidade prática dos serviços públicos em fanática adoração da higidez fiscal e da honradez eleitoral, embora não se possa também preterir essas em nome daquela. A mais desejável solução in casu é a concili-ação, concebível e realizável, de tais três interesses: tal obra requer somente a relativização teleológica da proibição referida, isto é, o cerceamento de sua abrangência aos atos previstos que deturpem seus fins políticos.

Constata-se, dessa forma, que a proibição traçada no parágra-fo único do art. 21 da LRF, caso apreendida exclusivamente em seu sentido literal, decepando-se-lhe a matéria teleológica subjacente, é inconstitucional por patente inobservância de dois subprincípios do princípio da proporcionalidade. Tal inconstitucionalidade é especi-almente nefanda, pois o princípio ferido é o fundamento formal da unidade axiológica da Constituição, enquanto “garante uma solução dialética para a colisão entre os direitos fundamentais no caso con-creto, assim como impede a arbitrariedade, exigindo uma aproxima-ção entre os meios escolhidos e os fins de um Estado Democrático de Direito” (Magalhães Filho, 2002, p. 238). Por conseguinte, urge proceder-se à interpretação conforme a Constituição, a cuja luz “a dúvida em relação à constitucionalidade de uma norma jurídica plu-rissignificativa é resolvida em favor de sua conservação” (Moraes, 2003, p. 131) e que ostenta dois aspectos:

O primeiro, com espeque na doutrina norte-americana, funciona como critério de interpreta-ção pelo qual a norma jurídica só pode ser decla-rada inconstitucional quando a invalidade seja manifesta e inequívoca. O segundo, com esteio

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na doutrina alemã, funciona como técnica de decisão pela qual uma norma jurídica não deve ser declarada inconstitucional quando possa ser interpretada em consonância com a Constitui-ção, de maneira que o órgão judicial elimina as possibilidades de interpretação incompatíveis com o ordenamento constitucional, com redu-ção do conteúdo normativo, sem afetar a expres-são literal da norma subjugada a controle de constitucionalidade (idem, ibidem, p. 132)

Clarifique-se, então, quanto ao primeiro aspecto, que só have-rá deturpação do princípio da proporcionalidade in casu se o aplica-dor do Direito agrilhoar-se à interpretação literal do dispositivo; en-focando-lhe o télos, porém, propiciar-lhe-á a conformidade com a Constituição; assim, não é irrefutável e incontornável a inconstitu-cionalidade do dispositivo, pois somente se registrará se aferrar-se o aplicador do Direito à sua frígida letra. Clarifique-se também, quan-to ao segundo aspecto, que deve o aplicador do Direito, para urdir a harmonia da norma com a Constituição, preterir a ilação de ilimita-ção da vedação derivada de seu componente literal e perfilhar a ila-ção de limitação da vedação extraída de seu componente teleológi-co. Destarte, conclui-se que a interpretação conforme a Constitui-ção, neste caso, coincide com a interpretação teleológica, residido a constitucionalidade da norma em sua finalidade política.

Referências BONAVIDES, P. Curso de direito constitucional. 19. ed. São Pau-lo: Malheiros, 2006. COELHO, F. U. Roteiro de lógica jurídica. 5. ed. São Paulo: Sa-raiva, 2004. GRAU, E. R. A ordem econômica na Constituição de 1988. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

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MAGALHÃES FILHO, G. B. Hermenêutica e unidade axiológica da Constituição. 2. ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002. __________. Hermenêutica jurídica clássica. 2. ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. MORAES, G. P. de. Direito Constitucional: teoria da Constitui-ção. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. PIETRO, M. S. Z. Di. Arts. 18 a 28. In: MARTINS, I. G. da S.; NASCIMENTO, C. V. do. (Orgs.) Comentários à lei de responsa-bilidade fiscal. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

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A Natureza Jurídica do Abono de Permanência e o Limite de Gastos com Pessoal da IRF

Simone Coêlho Aguiar Mestranda em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza –

UNIFOR. Pós-graduada em Direito e Processo Administrativos pela Universidade de

Fortaleza – UNIFOR. Consultora Técnica lotada no Ministério Público Especial junto ao

Tribunal de Contas do Estado do Ceará. Resumo: Cuida-se de uma investigação acerca da natureza jurídica do abono de permanência, instituto inserido no ordenamento jurídico pátrio com o advento da Emenda Constitucional n.º 41, de 19 de dezembro de 2003, à Constituição Federal de 1988, cujo objetivo é, diante das várias interpretações existentes, identificar aque-la que mais se adequa à finalidade buscada pelo legislador constituinte derivado em face da Lei Complementar n.º 101, de 04 de maio de 2000, comumente chamada de Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF, no que diz respeito ao limite de gastos com pessoal. O presente estudo analisará a EC/41 e os dispositivos legais da LRF perti-nentes ao tema, além da jurisprudência afeta à matéria, para, em seguida, abordar as várias interpretações manifestadas sobre a natureza jurídica do instituto – se as-sistencial, remuneratória ou indenizatória –, e, ao final, indicar aquela tida como a mais adequada a conformar os elementos norteadores da norma constitucional re-formadora e os preceitos da citada lei, a saber, o abono de permanência, por não ter cunho remuneratório, nos termos do art. 18, caput, LRF, não se enquadra como despesa com pessoal para fins de apuração do limite com gastos de pessoal. Palavras-chave: Abono de permanência; EC/ 41; Natureza jurídica; LRF.

Considerações Iniciais

Historicamente, a doutrina aponta, como primeira referência ao abono de permanência, o Decreto do Príncipe Regente Dom Pe-dro de Alcântara, baixado em 01.10.1821 (Alvares, 2007, p. 181-182), tendo sido considerado de natureza remuneratória.

Sobre a ordem jurídica da Constituição da República Federa-tiva do Brasil de 1988, há de se ressaltar que alguns doutrinadores como Campos (2004) e Carvalho (2005) citam a Emenda Constitu-cional n.º 20, de 15 de dezembro de 1998, como a origem atual do

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abono de permanência. Para Campos (2004, p. 119), a “Emenda Constitucional n. 41/03

manteve, com algumas alterações, o abono de permanência” previsto na EC/20.

Todavia, convém recordar que os dispositivos específicos da EC/20, a saber, art. 3º, § 1º, e art. 8º, § 5º (revogado pela EC/41), referem-se à isenção (rectius, imunidade) de contribuição previdenci-ária, sequer mencionando a palavra abono. Ademais, o § 1º do art. 3º prevê hipótese de isenção em relação àquele que “tenha completado as exigências para a aposentadoria integral”, diferentemente da EC/41.

Contudo, somente com o advento da Emenda Constitucional n.º 41/2003 à Constituição Federal de 1988, a qual deu prossegui-mento à reestruturação do Regime Próprio de Previdência Social - RPPS, criou-se a figura do abono de permanência nos moldes em que é hodiernamente conhecido.

Conforme disposto na Emenda Constitucional nº 41 (2003, p.1, seção 1), segue abaixo a transcrição dos dispositivos atinentes ao tema ora tratado:

Art. 1º A Constituição Federal passa a vigorar com as seguintes alterações: Art. 40. [...] § 19. O servidor de que trata este artigo que te-nha completado as exigências para aposentado-ria voluntária estabelecidas no § 1º, III, a, e que opte por permanecer em atividade fará jus a um abono de permanência equivalente ao va-lor da sua contribuição previdenciária até completar as exigências para aposentadoria compulsória contidas no § 1º, II. Art. 2º Observado o disposto no art. 4º da E-menda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, é assegurado o direito de opção pela aposentadoria voluntária com proventos calcu-lados de acordo com o art. 40, §§ 3º e 17, da Constituição Federal, àquele que tenha ingres-sado regularmente em cargo efetivo na Admi-nistração Pública direta, autárquica e funda-

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cional, até a data de publicação daquela Emen-da, quando o servidor, cumulativamente: [...] § 5º O servidor de que trata este artigo, que te-nha completado as exigências para aposentado-ria voluntária estabelecidas no caput, e que op-te por permanecer em atividade, fará jus a um abono de permanência equivalente ao valor da sua contribuição previdenciária até completar as exigências para aposentadoria compulsória contidas no art. 40, § 1º, II, da Constituição Federal. Art. 3º É assegurada a concessão, a qualquer tempo, de aposentadoria aos servidores públicos, bem como pensão aos seus dependentes, que, até a data de publicação desta Emenda, tenham cumprido todos os requisitos para obtenção desses benefícios, com base nos critérios da le-gislação então vigente. § 1º O servidor de que trata este artigo que opte por permanecer em atividade tendo completa-do as exigências para aposentadoria voluntária e que conte com, no mínimo, vinte e cinco a-nos de contribuição, se mulher, ou trinta anos de contribuição, se homem, fará jus a um abo-no de permanência equivalente ao valor da sua contribuição previdenciária até completar as exigências para aposentadoria compulsória contidas no art. 40, § 1º, II, da Constituição Federal. (Grifou-se)

Infere-se, do trecho acima trasladado, que o direito ao abono

de permanência ocorre quando o servidor houver implementado os requisitos necessários à concessão das aposentadorias voluntárias dispostas: 1) no art. 40, § 1º, inciso III, alínea “a”, da Constituição Federal de 1988; 2) no § 5º do art. 2º da EC/41, caso o servidor te-nha ingressado regularmente em cargo efetivo na Administração Pública até a data da publicação da EC/20; e 3) § 1º do art. 3º da EC/41, ao servidor que, até a data da publicação desta emenda, te-

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nha cumprido todos os requisitos para a obtenção de aposentadoria com base na legislação pretérita à EC/41.

Uma vez destacadas essas notas introdutórias, tratar-se-á do conceito e da finalidade do abono de permanência, e de sua correla-ção com a LRF, para se adentrar à questão de sua natureza jurídica.

Conceito e Finalidade do Abono de Permanência

Dos dispositivos constitucionais específicos sobre a matéria, os

quais foram citados no tópico anterior, pode-se dessumir que o abo-no de permanência consiste na faculdade de que dispõe o servidor público que se encontra regido pelas regras do regime próprio de previdência social1 de, ao ter implementado os requisitos exigidos para a aposentadoria voluntária, optar por permanecer em ativida-de, fazendo jus, como consequência dessa opção, a um abono de permanência equivalente ao valor de sua contribuição previdenciá-ria, sendo o perfazimento das condições para a aposentadoria com-pulsória2 o limite máximo de duração desse direito.

É oportuno destacar que, para fazer jus à percepção do abono

1 É interessante mencionar que os agentes públicos adstritos ao Regime Próprio de Previdência Social são “os servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações” (art. 40, caput, da Constituição Federal de 1988), porque estão diretamente disciplinados por um estatuto jurídico legal. Na União, a Lei n.º 8112, de 11 de dezembro de 1990, é um exemplo de regime estatutário. De outro lado, os empregados públicos pertencem ao regime celetista, ou seja, seguem os ditames da Consolidação das Leis do Trabalho, e são vinculados ao Regime Geral de Previdência Social. Há de se ressaltar, ainda, que essa dicotomia de regimes, estatutário e celetista, teve sua existência questionada. A validade de alguns dispositivos da Emenda Constitucional n.º 19, de 04 de junho de 1998, está sendo debatida em sede da ADI n.º 2135-4, encontrando-se o art. 39, caput, CF/88, com a redação dada pela EC/19, com sua eficácia suspensa em virtude de liminar concedida nos autos do citado processo, cujos efeitos são ex nunc. Ou seja, está em vigor o texto original da Magna Carta, o qual prevê a existência de um regime jurídico único, ou estatutário ou celetista. 2 A aposentadoria compulsória dá-se aos setenta anos de idade, conforme estatui o art. 40, § 1º, II, da Constituição Federal de 1988.

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de permanência, por ser esta uma faculdade, é necessário que o ser-vidor público externe sua vontade, tal como ocorre com a opção por se aposentar, ou seja, deve ele formalizar, junto à Administração Pública, sua opção por permanecer em atividade, autorizando, desta feita, o pagamento do abono em questão.

Contudo, tal direito é devido não da data do requerimento, mas do implemento das condições para sua concessão (Dias; Macê-do, 2006, p. 172).

Uma vez apresentado o conceito de abono de permanência, algumas indagações surgem naturalmente: qual sua razão de existir no ordenamento jurídico? Sua finalidade? Seu efeito prático? Salien-te-se que a análise de tais questionamentos é essencial para uma me-lhor compreensão do tema e corroborar, mais à frente, o entendi-mento proposto em relação à LRF.

Para Maria Lúcia Miranda Álvares (2007, p. 180) “a intenção foi resolver o problema criado com a isenção conferida pela Emenda Consti-tucional n.º 20/98, relativo ao cômputo do tempo de contribuição dos servi-dores amparados pelo benefício”.

Num outro foco, consultando as razões que justificaram a propositura da Proposta de Emenda Constitucional n.º 40/20033, a qual deu origem à EC/41, pode-se encontrar uma excelente referên-cia à motivação do abono de permanência, conforme adiante se vê:

[...] É sugerida, ainda, para o servidor que tenha completado as exigências para aposentadoria vo-luntária (55 e 60 anos de idade e 30 e 35 anos de tempo de contribuição, respectivamente para mulheres e homens) e opte por permanecer em atividade, a instituição de um abono de perma-nência em serviço, equivalente ao valor da sua contribuição previdenciária, até aposentar-se vo-luntariamente ou completar as exigências para a aposentadoria compulsória. Faculta-se, assim, ao servidor continuar a exercer a mesma ativi-dade, outorgando-se-lhe um plus salarial, co-

3 Esclareça-se que a PEC n.º 40/2003 refere-se ao número designado na Câmara dos Deputados.

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mo forma de incentivá-lo a permanecer no car-go. É dupla a vantagem: para o servidor, em face do ganho salarial; para a administração pública, por não necessitar de contratar um novo servidor e por poder postergar as despe-sas com o pagamento dos correspondentes pro-ventos (Câmara Dos Deputados, 1998, p. 19, grifo nosso).

Na lição de Eduardo Rocha Dias e José Leandro Monteiro de

Macedo (2008, p. 780) sobre a finalidade do abono de permanência:

[...] O abono de permanência em serviço estimu-la o servidor a permanecer em atividade, pois, ao postergar a sua aposentadoria, haverá o au-mento do valor líquido da sua remuneração. O abono também é interessante para o Estado, que não precisará repor, de imediato, a mão-de-obra, onerando ainda mais a folha de pessoal. [...] O legislador reformador optou pelo abono de permanência em serviço no lugar da isenção de contribuição (embora o efeito prático seja o mesmo), em razão do novo critério de cálculo dos proventos de aposentadoria introduzido pela Emenda Constitucional 41/2003 (remuneração sobre as quais incidiu contribuição previdenciá-ria), para que ficassem registrados, mês a mês, os valores sobre os quais incidiu contribuição previdenciária.

A título ilustrativo, é oportuno transcrever trecho das valiosas

observações contidas no Sistema de Informações para Auditoria e Prestação de Contas – SIAPC (2008, p. 32, grifo nosso) do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, sobre o modus operandi do custeio do abono de permanência:

No caso do abono de permanência, que é con-cedido aos servidores que optem por permanecer em atividade após terem completado as exigên-

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cias para aposentadoria voluntária, não haverá, a princípio, reflexo na Contabilidade do RPPS, pois o ônus da indenização correspondente à contribuição previdenciária, paga a esse servi-dor até completar as exigências para a aposen-tadoria compulsória, recairá sobre o ente pú-blico que o mantiver em sua força de trabalho. (Destacado)

Em síntese, o procedimento ocorre da seguinte maneira: a

contribuição previdenciária é debitada da remuneração do servidor, sendo creditada na conta do Regime de Previdência, contudo, igual valor é devolvido ao servidor, na forma de abono de permanência, à conta do órgão ou ente ao qual o mesmo se encontra funcionalmen-te vinculado.

Dos argumentos acima apresentados, pode-se perceber que as razões norteadoras do abono de permanência relacionaram-se com a geração de uma economia para o Estado, uma vez que, ao estimular a permanência em serviço de servidor em condições de se aposentar, evitaria, em certa medida, onerar ainda mais seus gastos com pesso-al decorrentes da concessão de nova aposentadoria e do ingresso em seus quadros de novo servidor.

Então, como meio de se estimular o servidor a continuar em atividade, postergando assim sua aposentação, criou-se um abono equivalente ao desconto da contribuição previdenciária do servidor, ou seja, o abono de permanência.

O Abono de Permanência e a LRF

Em relação aos dispositivos da Lei Complementar nº 101

(2000, p. 1, seção 1) diretamente relacionados ao presente estudo, encontram-se os seguintes artigos:

Art. 18. Para os efeitos desta Lei Complementar, entende-se como despesa total com pessoal: o somatório dos gastos do ente da Federação com os ativos, os inativos e os pensionistas, re-lativos a mandatos eletivos, cargos, funções ou

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empregos, civis, militares e de membros de Poder, com quaisquer espécies remuneratórias, tais como vencimentos e vantagens, fixas e va-riáveis, subsídios, proventos da aposentadoria, reformas e pensões, inclusive adicionais, grati-ficações, horas extras e vantagens pessoais de qualquer natureza, bem como encargos sociais e contribuições recolhidas pelo ente às entida-des de previdência. [...] Art. 19. Para os fins do disposto no caput do art. 169 da Constituição, a despesa total com pesso-al, em cada período de apuração e em cada ente da Federação, não poderá exceder os percentu-ais da receita corrente líquida, a seguir discri-minados: [...] Art. 20. A repartição dos limites globais do art. 19 não poderá exceder os seguintes percentu-ais: [...] (Grifos não originais)

Tendo em vista os dispositivos legais acima transcritos, afigu-ra-se que a LRF associa despesa com pessoal à percepção de remu-neração; e, ainda, que a despesa total com pessoal não poderá exce-der determinados percentuais estabelecidos na Lei de Responsabili-dade Fiscal.

Há de se reconhecer que o advento do abono de permanência culminou por refletir na LRF uma vez que gerou questionamentos sobre se esse abono deveria ser contabilizado para fins de cômputo do limite de gastos com pessoal. Ressalte-se que a resposta a tal in-dagação reveste-se de extrema relevância, pois reflete em toda da Administração Pública, seja ela federal, estadual, distrital ou muni-cipal, mormente no Relatório de Gestão Fiscal de cada órgão, por-que pode vir a ser um fator a influenciar, positiva ou negativamente, no equilíbrio financeiro do ente.

Diante dessa situação, perquire-se: o abono de permanência tem natureza jurídica de remuneração e, portanto, está inserta no

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conceito de despesa total com pessoal da LRF?

Dos Vários Entendimentos sobre a Natureza Jurídica do Abono de Permanência

A Secretaria do Tesouro Nacional – STN entende como assis-

tencial o abono de permanência, consoante o 2º Manual Técnico de Demonstrativos Fiscais, Volume III – Relatório de Gestão Fiscal, vigente pelo exercício de 2010, aprovado pela Portaria n.º 462, de 05 de agosto de 2009, conforme adiante se vê:

Benefícios previdenciários são as despesas liqui-dadas a título de aposentadorias, reformas e pensões59. O auxílio-reclusão também compõe os benefícios previdenciários60. Não se incluem nessa linha quaisquer despesas de caráter assis-tencial, tais como auxílio-funeral, auxílio-creche ou assistência pré-escolar, auxílio-natalidade, a-bono de permanência do servidor ativo e outros assemelhados definidos na legislação própria de cada ente da Federação (MANUAL TÉCNICO DE DEMONSTRATIVOS FISCAIS, v. 3, p. 21, grifo nosso).

Em contrapartida, o Tribunal de Contas do Estado do Rio

Grande do Sul, em resposta à consulta formulada pelo Instituto de Previdência e Assistência Municipal de Caxias do Sul – IPAM, en-tende como de cunho indenizatório o abono de permanência, con-forme se observa:

[...] o abono de permanência, com amparo, e-xemplificativamente, no disposto no inciso XI ao art. 1º da Lei Federal nº 9.717/98, acrescen-tado pela citada Lei nº 10.887/2004, no art. 4º desta última, bem como no regrado pela alínea “b” do art. 5º da Lei Complementar Estadual nº 12.066/2004, que “dispõe sobre o Fundo de Assis-tência à Saúde – FAS/RS, e dá outras providências”,

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e pelo disciplinado pela alínea “b” do art. 16 do Projeto de Lei Complementar nº 090/2004, que objetiva reestruturar o RPPS dos servidores es-taduais, ora em tramitação na Assembléia Legis-lativa do Estado, tendo em vista buscar incenti-var o servidor a não requerer sua aposentado-ria, objetiva indenizá-lo pelas despesas que continuaria a ter, permanecendo em atividade, das quais se liberaria se solicitasse a aposenta-doria. Por tal motivo, a despesa com o abono em foco não apresentaria nem cunho remune-ratório e nem previdenciário, possuindo natu-reza indenizatória. Destarte, não poderia ser custeada à conta dos recursos alocados ao RPPS, e não seria considerada como despesa com pessoal a que se refere o art. 18 da Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF, a teor do con-tido na Informação nº 049/2002 (subitens 2.2.1 a 2.2.4) (Tribunal De Contas Do Estado Do Rio Grande Do Sul, 2004, p. 6, grifo nosso).

Na mesma esteira, o Tribunal de Contas do Estado do Ceará, em face de consulta formulada pela Secretaria de Planejamento e Gestão – SEPLAG, posicionou-se pelo caráter indenizatório do a-bono de permanência nos termos seguintes:

RESOLVE O TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO CEARÁ, por unanimidade de votos, receber a presente consulta para respondê-la, dando-se ciência do teor da decisão ao consu-lente, da seguinte forma: a) O Abono de Permanência previsto na EC nº 41/2003 (CF/88), por não ter natureza remune-ratória nos termos do art. 18, caput, da LRF, não deve ser incluído no cômputo das despesas com pessoal para fins de cumprimento dos limi-tes de gastos com pessoal da Lei de Responsabi-lidade Fiscal; [...] (TCE, Pleno, Consulta, Pro-cesso n.º 03875/2007-4, Resolução n.º

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2582/2009, Rel. Cons. Subs. Itacir Todero, DOE 28.12.2009).

Já no Superior Tribunal de Justiça Identificam-se Dois Posi-

cionamentos Opostos. De um lado, a 2ª Turma do STJ compreende o abono de per-

manência como remuneratório para fins de incidência de imposto de renda sobre ele4, conforme se infere do aresto abaixo transcrito:

Ementa TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. A-BONO DE PERMANÊNCIA. INCIDÊNCIA. NATUREZA REMUNERATÓRIA. 1. Incide imposto de renda sobre o abono de permanência, por possuir natureza remunera-tória e conferir acréscimo patrimonial ao bene-ficiário. Precedentes. 2. Recurso especial provido. Acórdão Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Mi-nistros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso nos termos do voto do Sr. Ministro Rela-tor. Os Srs. Ministros Humberto Martins (Presi-dente), Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques e Eliana Calmon votaram com o Sr. Ministro Relator. (STJ, 2ª Turma, RESP 1.178.479/SE, Min. Rel. CASTRO MEIRA, j. 20.04.2010, p. DJe 29.04.2010, grifo nosso).

De outro lado, a 1ª Turma do STJ se filia à natureza indeniza-

tória do abono de permanência, como demonstra o julgado atinente à matéria que segue trasladado:

4 No mesmo sentido: Resp 1.105.814/SC, AgRg no Ag 1203675/PE.

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Ementa TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. A-BONO PERMANÊNCIA. CF, ART. 40, § 19. IMPOSTO DE RENDA. NÃO INCIDÊNCIA. CPC, ART. 535. OFENSA NÃO CARACTE-RIZADA. CPC, ART. 273. MATÉRIA NÃO PREQUESTIONADA. SÚMULA 211/STJ. I - Não ficou demonstrada a alegada violação ao art. 535, do Código de Processo Civil. II - Não está prequestionada a matéria atinente aos requisitos para a antecipação dos efeitos da tutela (CPC, art. 273), sendo inadmissível recur-so especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi a-preciada pelo Tribunal a quo (Súmula 211/STJ). III - O constituinte reformador, ao instituir o chamado "abono permanência" em favor do servidor que tenha completado as exigências para aposentadoria voluntária, em valor equi-valente ao da sua contribuição previdenciária (CF, art. 40, § 19, acrescentado pela EC 41/2003), pretendeu, a propósito de incentivo ao adiamento da inatividade, anular o descon-to da referida contribuição. Sendo assim, ad-mitir a tributação desse adicional pelo imposto de renda, representaria o desvirtuamento da norma constitucional. IV - Agravo regimental improvido. Acórdão Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Mi-nistros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça: A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Luiz Fux, Teori Albino Zavascki, Denise Arru-da (Presidenta) e Hamilton Carvalhido votaram com o Sr. Ministro. (STJ, 1ª Turma, AgRg no Resp 1021817/MG, Min. Rel. FRANCISCO FALCÃO, j. 19/08/2008, DJe 01.09.2008, grifo

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nosso). Observa-se, na legislação federal, que a Lei n.º 10.887, de 18

de junho de 2004, a qual dispõe sobre a aplicação de disposições da EC/41, altera dispositivos da Lei n.º 9.717, de 27 de novembro de 1988 e dá outras providências, em seu art. 4º, § 1º, exclui da base de contribuição do vencimento do cargo efetivo o abono de perma-nência, fato o qual aponta para a natureza não remuneratória do mesmo.

Art. 4o A contribuição social do servidor público ativo de qualquer dos Poderes da União, incluí-das suas autarquias e fundações, para a manu-tenção do respectivo regime próprio de previ-dência social, será de 11% (onze por cento), in-cidente sobre a totalidade da base de contribui-ção. § 1o Entende-se como base de contribuição o vencimento do cargo efetivo, acrescido das van-tagens pecuniárias permanentes estabelecidas em lei, os adicionais de caráter individual ou quais-quer outras vantagens, excluídas: [...] IX - o abono de permanência de que tratam o § 19 do art. 40 da Constituição Federal, o § 5o do art. 2o e o § 1o do art. 3o da Emenda Constitu-cional no 41, de 19 de dezembro de 2003. (LEI Nº 10.887, 2004, grifo nosso)

Diante das considerações suso articuladas, é possível identifi-car os mais diversos entendimentos sobre a natureza jurídica do a-bono de permanência, alguns deles inclusive diametralmente opos-tos, como mostra a divergência entre a Primeira e a Segunda Turmas do STJ. Com efeito, é oportuno ressaltar que o presente trabalho não tem pretensões de exaurir ou solucionar tal questão, mas visa tão somente a buscar uma interpretação que coadune a finalidade alme-jada pela teleologia da EC/41 ao introduzir no ordenamento pátrio o abono de permanência nos moldes em que é atualmente conheci-do. É o desafio que adiante se propõe.

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Nosso Posicionamento sobre a Natureza Jurídica do Abono de Permanência

Tendo em vista que o enfoque deste estudo é averiguar se o abono de permanência enquadra-se, ou não, como despesa com pes-soal para fins de cômputo do limite de gastos com pessoal da LRF e, dados os mais variados entendimentos sobre a natureza jurídica do citado abono, buscou-se extrair do próprio texto da Lei de Respon-sabilidade Fiscal a resposta para tal questionamento.

É mister recordar que a LRF tem próprio conceito de despesa total com pessoal, sempre associando esta à percepção de remunera-ção (art. 18, caput).

Sobre os conceitos de remuneração e vencimento, José dos Santos Carvalho Filho (2007, p. 623) nos ensina:

Remuneração é o montante percebido pelo ser-vidor público a título de vencimentos e vanta-gens pecuniárias. É, portanto, o somatório das várias parcelas pecuniárias a que faz jus, em de-corrência de sua situação funcional.305 Vencimento é a retribuição pecuniária que o servidor percebe pelo exercício de seu cargo, conforme correta conceituação prevista no esta-tuto funcional federal (art. 40, Lei n.º 8112/90).

Então, utilizando uma interpretação a contrario sensu do art.

18, caput, LRF, pode-se dessumir que não estarão contidos no con-ceito de despesa com pessoal gastos que não possam ser qualifica-dos como “quaisquer espécies remuneratórias”. Acredita-se ser este o ca-so do abono de permanência, posto ser ele um mecanismo para es-timular o servidor que, mesmo tendo preenchido os requisitos da aposentadoria voluntária nos termos da EC/41, optou por perma-necer na ativa em face da compensação do desconto da contribuição previdenciária com o abono oferecido. Com efeito, afasta-se do con-ceito de remuneração insculpido no art. 18, caput, da LRF, não de-vendo, por conseguinte, ser computado no cálculo da despesa com pessoal para fins de cumprimento dos limites da LRF.

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Destarte, é inconteste que o abono de permanência integrará o contracheque do servidor; contudo, sua finalidade, tal como a ajuda de custos, parece ser indenizatória, porque representa apenas a com-pensação pelo desconto da contribuição previdenciária já efetuado, configurando tão-somente um incentivo ao servidor apto a se apo-sentar voluntariamente que, ao optar por permanecer em atividade, libera-se, na prática, de desconto com que não arcaria caso passasse à inatividade, salvo nas hipóteses de contribuição de inativo e nos moldes em que esta incide. Conclusão

Das breves notas acima expostas, pôde-se inferir que, moder-namente, o abono de permanência ingressou no ordenamento jurídi-co pátrio através da EC/41, consistindo numa faculdade do servidor público que implementou os requisitos necessários à aposentadoria voluntária nos termos da EC/41, a optar por permanecer em ativi-dade, fazendo jus, consequentemente, a um abono de permanência equivalente ao valor de sua contribuição previdenciária, até, se assim desejar, completar as condições para a aposentadoria compulsória.

Observou-se, também, que a finalidade do abono de perma-nência era gerar uma economia para a Administração Pública que, ao manter na ativa o servidor apto à aposentaria voluntária nos ter-mos da EC/41, desoneraria sua folha de pessoal, pois postergaria a concessão de nova aposentadoria, bem como a entrada de novo ser-vidor.

Verificou-se, outrossim, o reflexo do advento do abono de permanência na Lei de Responsabilidade Fiscal, tendo em vista que esta lei complementar estabelece percentuais máximos de despesas com gastos de pessoal. Desta feita, gera-se a dúvida sobre o cômpu-to, ou não, do abono de permanência para fins de observância do limite desses gastos. Daí a necessidade de se investigar a natureza jurídica do citado abono para, empós, enquadrá-lo, ou não, no con-ceito inserto no art. 18, caput, LRF, e averiguar a ocorrência ou não de sua inserção na apuração deste limite.

Na sequência, foram informados os mais diversos entendi-mentos sobre a natureza jurídica do abono de permanência, foco

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central do presente estudo, tendo-se observado que:

1. A doutrina e a jurisprudências apresentam posicionamentos os mais variados sobre a natureza jurídica do abono de permanên-cia, e, em alguns casos, firmam opiniões diametralmente opostas;

2. A Secretaria do Tesouro Nacional compreende o abono como de natureza assistencial;

3. O Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul e o Tribunal de Contas do Estado do Ceará entendem que a faculdade em questão tem natureza indenizatória, assim como a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça;

4. A 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça percebe como remuneratória a natureza jurídica do abono de permanência.

Em face dos entendimentos colacionados, buscou-se adotar a

interpretação que melhor a colmatasse a finalidade almejada pelo legislador constituinte derivado, ao criar o abono de permanência. Ademais, procurou-se extrair da própria Lei de Responsabilidade Fiscal a resposta para o questionamento em apreço.

Considerando as diretrizes acima informadas, argumentou-se: 1. O art. 18, caput, LRF, relaciona o conceito de despesa total

com pessoal à percepção de remuneração; 2. Realizando, assim, uma interpretação a contrario sensu do

mencionado artigo, observa-se que não se enquadrará como despesa com pessoal despesa que não configure “quaisquer espécies remunera-tórias”;

3. Dando-se prosseguimento à presente linha de raciocínio, de-fendeu-se que o abono de permanência afasta-se do conceito trazido no mencionado dispositivo, posto ser ele um mecanismo para esti-mular o servidor que, mesmo tendo preenchido os requisitos da apo-sentadoria voluntária nos termos da EC/41, optou por permanecer na ativa em face da compensação do desconto da contribuição pre-videnciária com o abo-no oferecido. Com efeito, não poderia ser considerado no cálculo de despesa com pessoal para fins de cum-primento do limite de despesas com pessoal.

Diante da análise acima, conclui-se: o abono de permanência, por

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não ter caráter remuneratório nos termos do art. 18, caput, da LRF, não deve ser computado como despesa com pessoal para fins de limite de gastos com pessoal.

Referências ALVARES, M. L. M. Regime Próprio de Previdência Social. São Paulo: NDJ, 2007. BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Proposta de Emenda Constitucional nº 40, de 1998. Câmara dos Deputados - Sistema de Legislação, Brasília, 15 dez. 1998. Disponível em <www.camara.gov.br/sileg/integras/129815.pdf>. Acesso em 6 set. 2009. BRASIL. Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003. Modifica os arts. 37, 40, 42, 48, 96, 149 e 201 da Constituição Fede-ral. Presidência da República – Casa Civil – Subchefia para Assun-tos Jurídicos, Brasília, 31 dez. 2003. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/emc41.htm >. Acesso em 29 jun. 2009. BRASIL. Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000. Estabe-lece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências. Presidência da República – Casa Civil – Subchefia para Assuntos Jurídicos, Brasília, 5 maio. 2000. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp101.htm>. Acesso em 29 jun. 2009. BRASIL. Lei nº 10.887, de 18 de junho de 2004. Dispõe sobre a a-plicação de disposições da Emenda Constitucional no 41, de 19 de dezembro de 2003. Presidência da República – Casa Civil – Subche-fia para Assuntos Jurídicos, Brasília, 21 jun. 2004. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004- 2006/2004/Lei/L10.887.htm >. Acesso em 29 jun. 2009.

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BRASIL. Ministério da Fazenda. Secretaria do Tesouro Nacional. Portaria n.º 577, de 15 de outubro de 2008. Manual Técnico de De-monstrativos Fiscais, Volume III – Relatório de Gestão Fiscal, vi-gente pelo exercício de 2009. Disponível em <http://www.stn.fazenda.gov.br/legis-lacao/download/contabilidade/Portaria577.pdf>. Acesso em 29 jun. 2009. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Resp 1021817/MG. Tributário e processual civil. Abono permanência. Disponível em< https://ww2. stj.jus.br/revistaeletronica/ Abre_ Documen-to.asp?sSeq=824178&sReg=200800036099&sData=20081013&formato=PDF>. Acesso em 29 jun. 2009. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp 1178479/SE. Tributá-rio. Imposto de renda. Abono de permanência. Incidência. Natureza remuneratória. Disponível em < https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201000211141&dt_publicacao=29/04/2010>. Acesso em 30.07.2010. CAMPOS, M. B. L. B. de. Regime Próprio de Previdência Social dos Servidores Públicos. Belo Horizonte: Líder, 2004. CARVALHO, S. M. G. de. O Servidor Público e as Reformas da Previdência (Emendas Constitucionais nos. 20/98 e 41/2003). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. CARVALHO FILHO, J. dos S. Manual de Direito Administrativo. 17. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. CEARÁ. Tribunal de Contas do Estado do Ceará. Processo nº 03875/2007-4. Consulta acerca do cômputo do abono de permanên-cia, contribuição de servidores e contribuição patronal para fins de cumprimento dos limites estabelecidos nos arts. 19 e 20 da Lei com-plementar nº 101/2000 (LRF). Disponível em

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<http://www.tce.ce.gov.br/sitetce/arq/Secretaria/resolucao/2009/RES200925822007038754.PDF>. Acesso em 21 jun. 2010. DIAS, E.; MACÊDO, J. L. de. Curso de Direito Previdenciário. São Paulo: Método, 2008. DIAS, E.; MACÊDO, J. L. de. Nova Previdência Social do Servi-dor Público. 2. ed. São Paulo: Método, 2006. MARTINS, I. G. da S.; NASCIMENTO, C. V. do (Org.). Comen-tários à lei de responsabilidade fiscal. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul. Processo n.º 3.889-02.00/04-9 – Informação nº 024/2004 . Disponível em <http://www.tce.rs.gov.br/ consul-tas/Informacoes/Info-2004/pdf/24_2004.pdf >. Acesso em 7 set. 2009. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul. Sistema de Informações para Auditoria e Prestação de Contas – SIAPC, novembro/2008. Disponível em <http://www.tce.rs.gov.-br/sistemas_controle/SIAPC/eventos/SIAPC_2008a.pdf>. Acesso em 29 jun. 2009.

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Tomada de Contas Especial: Uma Medida de Exceção no Controle Administrativo

Antonio Paulo da Silva

Especialista em Direito e Gestão Tributária. Bacharel em Direito.

Mestre em Física da Matéria Condensada. Auditor de Controle Interno da Controladoria e Ouvidoria Geral do Estado

do Ceará.

Resumo - O presente trabalho trata da análise da natureza jurídica e dos fatos gera-dores que ensejam a instauração da Tomada de Contas Especial. Aborda-se a auto-rização constitucional para a criação do referido instituto jurídico bem como a sua excepcionalidade em relação aos outros instrumentos do sistema de controle admi-nistrativo. Evidenciam-se as dificuldades práticas encontradas na identificação dos fatos geradores devido a sua identidade com outros instrumentos de controle. Re-força-se o caráter de subsidiariedade do instrumento tendo em vista que, antes da instauração da referida medida de exceção, é imposto ao administrador público en-vidar todos os esforços no sentido de sanar o eventual dano ao Erário. Palavras-chave: Tomada de Contas Especial; Controle; Fatos geradores; Instaura-ção. 1. Introdução

A Tomada de Contas Especial constitui-se em um instrumento de controle administrativo que visa sanar os eventuais danos ao Erá-rio advindos do mau uso dos recursos públicos. Como uma medida de exceção - e a posteriori, tendo em vista já configurada a situação de dano quando da sua utilização -, só deverá ser utilizada nas situa-ções, especificamente, previstas na legislação. Ressalte-se, portanto, o caráter de subsidiariedade em relação aos demais instrumentos administrativos, ou seja, quando não for possível sanar o dano por outros meios a disposição do administrador público, e presentes cer-tos requisitos para a sua instauração, é que tal medida será posta em prática.

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Desta forma, tem-se na TCE um instrumento administrativo de rito próprio cujo objetivo é a apuração das responsabilidades por ocorrência de dano ao erário público, procurando determinar a iden-tificação do responsável, a quantificação do dano e o seu respectivo ressarcimento.

Neste trabalho, busca-se analisar as peculiaridades dos fatos que ensejam a instauração da TCE procurando delimitá-los para evi-tar eventuais confusões com outros instrumentos de controle admi-nistrativo. Neste desiderato enfatiza-se o aspecto de excepcionalida-de da medida, utilizada quando, na maioria das vezes, outros ins-trumentos de controle se mostraram ineficazes.

2. Conceito Jurídico de TCE

A Administração Pública utiliza-se de diversos instrumentos

de controle administrativos, que, em seu conjunto, são designados de sistema de controle. A depender do objeto, estes instrumentos podem ser classificados como controle da legalidade, de mérito e de gestão; quanto ao momento de sua realização, podem ser prévio, concomitante ou a posteriori; quanto ao modo de instauração, estes podem ser de ofício ou por provocação. Neste contexto, a Tomada de Contas Especial pode ser classificada como um controle a posterio-ri, podendo ser instaurada de ofício ou por provocação e voltada ao controle da gestão pública.

Um dos aspectos a ser enfrentado para o entendimento do ins-tituto em estudo é a mudança em sua natureza e forma, ao longo de seu desenvolvimento, iniciando-se como um procedimento interno aos órgãos e entidades, e finalizando-se em um legítimo processo administrativo. Desta forma, qualquer tentativa de conceituá-la de-verá levar em consideração estas duas distintas fases.

Benjamim Zymler (2005) procura demonstrar - diga-se, em uma realidade bastante apropriada nesse estudo -, as diferenças exis-tentes entre os conceitos de procedimento e processo, sob o ponto de vista subjetivo. Para este, o procedimento latu sensu se dividiria nas espécies em sentido estrito e processo. Tem-se, nas palavras do au-tor:

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O procedimento em sentido estrito carac-teriza-se por uma sucessão de atos realizados pe-lo mesmo sujeito, ou por diversos órgãos do mesmo sujeito que deve editar o ato final. É a forma pela qual a Administração Pública trans-forma seus poderes, legalmente estatuídos, exer-citando uma dada função administrativa, em a-tos concretos, visando à satisfação de interesses da coletividade ou do Estado. Somente de forma reflexa serão atendidos interesses pessoais dos administrados.

Quando, no entanto, o procedimento necessita da atuação de

diversos sujeitos, distintos daqueles a quem cabe tomar uma decisão e que colaboram para a edição do ato administrativo, tem-se uma espécie distinta de procedimento, designada por processo. Observe-se que, no processo, os colaboradores, com seus atos processuais, vi-sam a defender um interesse próprio e, somente de forma mediata, atendem a interesse da Administração Pública. (Zymler, 2005, p.390).

Considerando-se a distinção apontada, Ulisses Jacoby Fer-nandes (2005) traz à baila um conceito estático e outro dinâmico pa-ra o instrumento de controle em estudo. No aspecto estático, a TCE seria “um instrumento excepcional de natureza administrativa que visa apurar responsabilidade por omissão ou irregularidade no dever de prestar contas ou por dano causado ao erário”. Considerando-se o fato de haver uma movimentação entre as fases interna e externa, propõe o autor, o seguinte conceito dinâmico:

Tomada de Contas Especial é, na fase in-terna, um procedimento de caráter excepcional que visa determinar a regularidade na guarda e aplicação de recursos públicos e, diante da irre-gularidade, na fase externa, um processo para julgamento da conduta dos agentes públicos. (Fernandes, 2005, p.31).

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Em síntese, tem-se que a Tomada de Contas Especial consti-tui-se num instrumento administrativo, com rito próprio, cujo obje-tivo é a apuração da responsabilidade por omissão ou irregularidade no dever de prestar contas ou a ocorrência de dano causado ao pa-trimônio público, procurando viabilizar, de forma célere, a quantifi-cação do dano e a recomposição do erário.

Destaca-se, portanto, um único instrumento de controle ad-ministrativo composto por duas fases de naturezas jurídicas distin-tas. Este aspecto evidencia o caráter sui generis do instrumento em estudo.

3. Autorização Constitucional para a Instituição da TCE

Muito embora não haja uma previsão constitucional expressa

para a instituição da TCE pelos tribunais de contas, a sua autoriza-ção encontra-se exarada no Art. 71 da Constituição da República de 1988. Após definida a competência do Tribunal de Contas da União para emitir parecer prévio das contas do Presidente da República, tem-se a seguinte determinação:

Art. 71. O controle externo, a cargo do Congres-so Nacional, será exercido com o auxílio do Tri-bunal de Contas da União, ao qual compete: [...] II- julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públi-cos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo poder público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irre-gularidade de que resulte prejuízo ao Erário pú-blico. (Constituição, 1988).

Identifica-se, na leitura do dispositivo, que a Constituição da

República previu duas competências ao Tribunal de Contas da Uni-ão. A primeira, o julgamento das contas anuais dos administradores caracterizada como uma competência ordinária e comum, desempe-nhada anualmente. A segunda, uma competência especial, cujo ob-jeto dependerá da ocorrência de alguns fatos acompanhados de uma

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qualificadora, que é a possibilidade de ocasionar prejuízo ao Erário. Assim, serão objetos de apreciação e julgamento pelo Tribunal de Contas da União os fatos apurados que derem causa à perda, extra-vio ou à outra irregularidade, potencialmente, capazes de ocasiona-rem prejuízo.

Ressalte-se que a competência determinada ao Tribunal de Contas da União pela Constituição da República foi estabelecida como paradigma para todos os tribunais de contas do país. Assim, o instrumento em estudo, não poderá ser substituído por quaisquer ou-tros procedimentos administrativos, desconsiderando os delineamen-tos estabelecidos pela Constituição Federal. É o que se depreende na leitura do Art. 75 da Constituição da República ao afirmar: “As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber à orga-nização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Es-tados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios.”.

Deve-se considerar o fato de que a Administração Pública, ao instaurar a TCE, poderá verificar que o dano, ou não se mostrou e-xistente, ou não se constituiu em valor relevante, ficando abaixo dos valores de alçada de remessa para o Tribunal de Contas. No primei-ro caso, a administração tem o poder de arquivar o procedimento, sem qualquer ingerência do Tribunal de Contas; no segundo caso - valores abaixo do alçado pelo tribunal -, a TCE será elaborada de forma simplificada e enviada junto com as prestações de contas anu-ais.

Com relação ao aspecto da instauração, considerem-se as de-terminadas de ofício pelos Tribunais de Contas. Nestas, ao contrário das simplificadas, a remessa à Corte de Contas, independentemente dos resultados apurados, será obrigatória.

A seguir, nos ocuparemos no estudo do ato de instauração da TCE, considerando os delineamentos constitucionais e os regramen-tos estabelecidos pelas Cortes de Contas.

4. Ato de Instauração da TCE

A instauração representa o ato administrativo por meio do

qual a administração inaugura a fase procedimental da TCE. Consi-

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derando-se o fato de a TCE representar uma medida de exceção e ser utilizada de forma subsidiária aos outros instrumentos de contro-le, pode-se afirmar que ao proceder com a instauração, o adminis-trador público acaba por reconhecer a ineficiência de outras medidas de controle adotadas. Assim, tem-se que a instauração, sob pena de responsabilidade solidária, representa um encargo atribuído ao ad-ministrador público para que este possa avaliar, com mais detença, os fatos relacionados a algum dano que não foi solucionado pelo sis-tema de controle administrativo. Neste sentido é o comando do Art. 8° da Lei 8.443/92 com relação ao Tribunal de Contas da União:

Art.8° Diante da omissão do dever de prestar contas, da não-comprovação da aplicação dos recursos repassados pela União, na forma previs-ta no inc. VII do art. 5° desta Lei, da ocorrência de desfalque ou desvio de dinheiros, bens ou va-lores públicos, ou, ainda, da prática de qualquer ato ilegal, ilegítimo ou antieconômico de que re-sulte dano ao Erário, a autoridade administrati-va competente, sob pena de responsabilidade so-lidária, deverá imediatamente adotar providên-cias com vistas à instauração da Tomada de Contas Especial para apuração dos fatos, identi-ficação dos responsáveis e quantificação do da-no.

Identifica-se, claramente, que o comando normativo direcio-

nado à autoridade administrativa competente, constitui-se numa o-brigação cuja omissão traz a responsabilidade solidária. Assim, uma vez conhecedor de algum dos fatos elencados pelo dispositivo, a au-toridade administrativa vê-se na obrigação de proceder com a instau-ração do aludido procedimento.

Não obstante a regra seja a obrigatoriedade da instauração de imediato, devem-se considerar algumas situações existentes que dis-pensam tal procedimento. Registre-se, não caberá a TCE nos casos em que se aplicam procedimentos administrativos destinados a apu-ração de infrações administrativas, visando ao ressarcimento de va-lores pagos indevidamente a servidor; nos casos de prejuízos causa-

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dos por descumprimento de cláusulas contratuais, legitimamente a-cordadas, quando houver o recolhimento do débito no âmbito inter-no, dentre outras.

Como todo ato administrativo, a instauração da TCE deverá estar revestida de algumas formalidades mínimas necessárias. O simples envio de um ofício ou de um processo de sindicância admi-nistrativa a um referido setor, com a determinação de apuração em sede de Tomada de Contas Especial, não é suficiente para dar início ao procedimento. Podem-se enumerar, sob pena de nulidade, requi-sitos formais como a devida assinatura do ato por autoridade com-petente, sua materialização por meio de um ato administrativo ordi-natório, como uma portaria ou decreto, a indicação dos membros da comissão de apuração e o objeto da apuração.

No que se refere à competência para a prática do ato de ins-tauração esta ganha especial atenção do ponto de vista jurídico. A ausência de tal requisito possibilita a revisão do ato administrativo por parte do Poder Judiciário. Fernanda Marinela de Sousa Santos (2006) chama a atenção, além da importância da competência, para a capacidade e aptidão jurídica do agente. Assim, nas palavras da citada autora:

É necessária, ainda, para a prática de um ato administrativo, a análise da capacidade jurídica desse agente e do ente a que ele pertence, a quantidade de atribuições do órgão que o pro-duziu, a competência do agente emanador e a inexistência de óbces à sua atuação no caso con-creto, tais como afastamentos legais, impedi-mentos e outros. Além da aptidão para a reali-zação de atos administrativos, o seu exercício, conforme já dito, deve estar previsto na órbita de competência do agente. Entende-se por compe-tência o conjunto de atribuições das pessoas ju-rídicas, órgãos e agentes, fixados pelo direito po-sitivo, representando a esfera de atuação do a-gente; é o círculo definido por lei dentro do qual podem os agentes exercer legitimamente sua ati-vidade. (Santos, 2006, p.184).

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Verifica-se que os gestores administrativos, considerando-se os

requisitos acima expostos, de uma forma geral, podem estar sujeitos ao encargo da instauração da TCE, desde que a este seja dada a competência necessária. Além destes, diretamente ligados aos even-tos causadores do dano, tem-se ainda o relevante papel desempe-nhado pelos órgãos responsáveis pelo controle administrativo, seja interno ou externo.

No âmbito interno, este controle é desempenhado por órgãos especializados tais como a Controladoria Geral da União (CGU), na esfera federal; as secretarias e órgãos de controle, no âmbito dos es-tados, em que é exemplo, a Controladoria e Ouvidoria Geral do Es-tado (CGE). Tais órgãos, no desempenho de suas funções fiscaliza-doras, podem determinar aos órgãos e entidades fiscalizadas, a ins-tauração de TCE para a apuração de determinado fato ensejador de eventual dano.

No âmbito externo, as cortes de contas também possuem competência para determinar que a administração proceda com o ato de instauração. No entanto, ao contrário dos órgãos de controle interno, estes tribunais têm poder de aplicar penalidades, de forma que suas determinações possuem inegável coerção. Ressalta-se que a legitimidade das cortes de contas advém do fato de serem órgãos técnicos especializados no conhecimento das contas públicas, tendo como uma tarefa constitucionalmente estabelecida, o auxílio ao Po-der Legislativo no desempenho da fiscalização dos gastos públicos.

O papel dos órgãos de controle internos e externos, no que concerne ao momento de instauração da TCE, não pode ser confun-dido com a efetividade de tal ato. Deve-se entender esta participação não como a competência para a instauração do ato em substituição aos órgãos e entidades, mas, tão-somente, consistente na determina-ção de que tais órgãos e entidades venham a envidar esforços no sen-tido da constituição do ato. Ou seja, uma vez identificado por estes órgãos de controle algum evento que enseje uma TCE, estes oficia-rão às autoridades competentes dos órgãos e entidades para que, no prazo legal, sob pena de responsabilidade solidária, tomem as provi-dências necessárias a sua constituição.

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Evidenciou-se, até este momento, a necessidade de as autori-dades competentes procederem com a devida instauração do ato de imediato, sob pena de incorrem em responsabilidade solidária. No entanto, as autoridades devem ficar atenta à precisa compreensão do que devem ser, na prática, entendido como instauração imediata. Tome-se, como exemplo, dada à uniformização das normas aplica-das à matéria, o que determina o Art. 1° da I.N. n°56 de dezembro de 2007, acerca dos prazos considerados para a constituição do ato:

Art. 1º Diante da omissão no dever de prestar contas, da não comprovação da aplicação de re-cursos repassados pela União mediante convê-nio, contrato de repasse ou instrumento congê-nere, da ocorrência de desfalque, alcance, desvio ou desaparecimento de dinheiros, bens ou valo-res públicos, ou de prática de ato ilegal, ilegítimo ou antieconômico de que resulte dano à admi-nistração pública federal, a autoridade adminis-trativa federal competente deve adotar providên-cias para apuração dos fatos, identificação dos responsáveis, quantificação do dano e obtenção do ressarcimento. § 1º A ausência de adoção das providências mencionadas no caput deste artigo no prazo de 180 (cento e oitenta) dias caracteriza grave infra-ção a norma legal e sujeita a autoridade adminis-trativa federal omissa à responsabilização solidá-ria e às sanções cabíveis. (TCU, 2007)

Veja-se que a norma refere-se à perda do prazo como uma

grave infração a norma legal, sujeitando a autoridade à responsabili-zação solidária. Tem-se, portanto, que quando uma autoridade ad-ministrativa toma conhecimento de alguma prática ensejadora de TCE, esta terá um prazo, dentro do qual, uma vez instaurada a TCE, não haverá quaisquer penalidades. Recorde-se que a instaura-ção pressupõe a anterior adoção de outras medidas administrativas no sentido de se sanar o dano. Assim, entende-se que tal prazo per-

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mite que a autoridade busque a solução por outras vias administrati-vas. Neste sentido é o que preceitua o § 3° do mesmo dispositivo:

§ 3º Esgotadas as medidas administrativas inter-nas sem obtenção do ressarcimento pretendido, a autoridade administrativa federal competente deve providenciar a imediata instauração de to-mada de contas especial, observado o disposto nesta Instrução Normativa.

Após o ato de instauração, em que se determinam o objeto a

ser investigado e os servidores que comporão a comissão de apura-ção, tem-se o procedimento em andamento na sua plenitude.

5. Fatos Ensejadores da Instauração da TCE

As causas ensejadoras da instauração da TCE advêm de uma

conduta do agente público que pode ser omissiva ou comissiva. Tal conduta não necessariamente será materializada por meio de atos administrativos, mas podem advir de um simples fato administrativo desprovido de qualquer formalidade.

Questão importante diz respeito ao descabimento da TCE nos casos em que se vislumbra, como responsável pelo dano, um particu-lar sem qualquer vínculo funcional com a Administração Pública. Neste caso, excetuam-se duas situações em que o instrumento pode-rá ser utilizado: no primeiro, quando houver disposição de lei no sentido, como ocorre nos convênios em que são transferidos recur-sos públicos para serem empregados em finalidade específica e o responsável pela aplicação, ou não presta contas ou não devolve os saldos financeiros; no segundo, quando o particular causa dano aos cofres públicos em coautoria com servidor público.

O fato de o particular não estar sujeito ao instrumento da TCE deve-se à sua condição de inexigibilidade de prestação de contas, fa-to exigido apenas nas situações excepcionais acima apontadas. Tal situação não deve ser confundida com o dever de responder pelo res-sarcimento ao Erário. É de se notar que o dever de ressarcimento a-tinge, indistintamente, todos aqueles causadores de dano ao erário

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independentemente de estarem obrigados à prestação de contas, ou não. O dever de prestar contas, conforme preceitua o parágrafo úni-co do Art.70 da Constituição da República, representa uma obriga-ção imposta a “qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou priva-da, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária.”.

Para Ulisses Jacoby Fernandes (2005, p.101), “a causa deter-minante da instauração da TCE, em sentido amplo, advém de uma conduta do agente público em desconformidade com a lei, seja por meio de um ato omissivo ou comissivo”. O citado autor, após enfa-tizar que as diversas normas infralegais guardam razoável uniformi-dade, elenca as seguintes causas determinantes: a) omissão no dever de prestar contas; b) prestação de contas de forma irregular, abran-gendo o desfalque e o desvio de recursos; c) dano causado ao erário, decorrente de ato ilegal, ilegítimo ou antieconômico.

O dever de prestar contas representa uma obrigação imposta constitucionalmente a todos os responsáveis por recursos públicos. A compreensão da natureza jurídica desta obrigação é de fundamen-tal importância para o entendimento da omissão de prestar contas. José dos Santos Carvalho Filho (2006) bem define este encargo atri-buído aos administradores públicos chamando a atenção para o fato de não ser apenas um encargo da administração centralizada. Tem-se nas palavras do referido autor:

A prestação de contas de administradores pode ser realizada internamente, através dos órgãos escalonados em graus hierárquicos, ou externa-mente. Neste caso, o controle de contas é feito pelo Poder Legislativo por ser ele o órgão de re-presentação popular. No Legislativo se situa, or-ganicamente, o Tribunal de Contas, que, por sua especialização, auxilia o Congresso Nacional na verificação de contas dos administradores. No art. 71 da Constituição Federal estão enumera-das as várias funções do Tribunal de Contas vol-tadas para o controle da atividade financeira dos agentes da Administração. Registre-se, ainda,

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que o dever de prestar contas alcança não só a Administração centralizada, mas também os a-gentes de entidades a ela vinculadas e até mes-mo outras pessoas que recebam subvenção go-vernamental. (Carvalho Filho, 2006, p.53).

O entendimento, portanto, da omissão no dever de prestar

contas será desenvolvido por meio da compreensão da citada obri-gação constitucional.

Tem-se assim, com base na Teoria Geral das Obrigações, que as classifica nas espécies de dar, fazer e não fazer, que o dever de prestar contas representa um exemplo de obrigação de fazer indivisí-vel, não personalíssima, sendo instantânea ou periódica conforme o caso. Indivisível pela impossibilidade jurídica de se apresentá-la por parte; não personalíssima, devido ao princípio da impessoalidade na administração pública permitir que outro agente venha prestar con-tas de gestões anteriores.

Ressalta-se que não há que se confundir uma obrigação não personalíssima com a responsabilização pelo ressarcimento do dano. No primeiro caso, a obrigação de prestar contas poderá ser transmi-tida, enquanto o ressarcimento recairá apenas sobre o responsável. Neste sentido, a Súmula 230 do Tribunal de Contas da União con-firma a obrigação do prefeito sucessor com relação à prestação de contas de recursos utilizados por seu antecessor.

Compete ao prefeito sucessor apresentar as con-tas referentes aos recursos federais recebidos por seu antecessor, quando este não o tiver feito ou, na impossibilidade de fazê-lo, adotar as medidas legais visando ao resguardo do patrimônio pú-blico com a instauração da competente Tomada de Contas Especial, sob pena de co-responsabilidade. (TCU, 2007)

A omissão no dever de prestar contas, além de ser passível de

instauração de TCE, poderá enquadrar-se, dependendo do caso, em crime de responsabilidade e ato de improbidade administrativa. É o

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que se depreende do inciso VI, do Art. 11, da Lei n° 8.429, de 2 de junho de 1992:

Art.11. Constitui ato de improbidade adminis-trativa que atenta contra os princípios da Admi-nistração Pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, e notada-mente: [...] VI – deixar de prestar contas quando obrigado a fazê-lo.

Identifica-se, com relação ao presidente da República, que a omissão no dever de prestar contas representa ainda uma conduta tipificada como crime de responsabilidade. É o que preceitua o inci-so II do Art. 9° da Lei n° 1.079, de 10 de abril de 1950:

Art.9° São crimes de responsabilidade contra a probidade na administração: I – omitir ou retardar dolosamente a publicação das leis e resoluções do Poder Legislativo ou dos atos do Poder Executivo; II – não prestar ao Congresso Nacional, dentro de sessenta dias após a abertura da sessão legis-lativa, as contas relativas ao exercício anterior.

Note-se que o dever de prestar contas representa um encargo

inarredável, imposto constitucionalmente àqueles responsáveis por recursos públicos, cuja omissão no seu cumprimento submete o a-gente à Tomada de Contas Especial, independentemente de outras medidas administrativas ou judiciais.

Outra situação de obrigatória instauração da TCE é aquela em que o agente, não se omitindo no dever de prestar contas, o faz de forma irregular com desfalque ou desvio de recursos. Neste ponto, faz-se necessário atentar para o fato da distinção entre uma presta-ção de contas com irregularidade, apresentada a uma unidade admi-nistrativa, como por exemplo, aos órgãos de controle da administra-

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ção pública, daquelas apresentadas às Cortes de Contas. No primei-ro caso, a irregularidade desencadeia de imediato a Tomada de Con-tas Especial, não se vislumbrando qualquer discricionariedade por parte dos órgãos de controle; no segundo, no âmbito das Cortes de Contas, os tribunais notificam o responsável para que este venha a sanar as eventuais falhas. Tal postura ocorre em respeito ao princí-pio do contraditório e da ampla defesa, mitigado na fase interna, no âmbito dos órgãos, mas encontrando plena aplicação nos tribunais.

A situação de irregularidade das contas pode ocorrer em duas espécies: por desfalque e por desvio de recursos. No desfalque, por vezes também chamado de alcance, identifica-se uma redução, ou diminuição, no valor ou no preço obtendo-se vantagem pessoal; no desvio de recursos, por sua vez, o agente não tira proveito pessoal ou de outrem, neste caso, os recursos são empregados em situação di-versa da prevista em lei.

No que concerne ainda ao desvio de recursos, pode-se afirmar que tal conduta representa um caso típico de desvio de poder. Neste sentido, um agente que pratica um desvio de recursos enquadra-se perfeitamente na conduta descrita no inciso II do Art.11 da Lei 8.429/90 que afirma ser ato de improbidade a “prática de ato visan-do a fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto na regra de competência”.

Ressalte-se que não basta apenas a evidência de um dano ao Erário para justificar a instauração de uma Tomada de Contas Espe-cial. Casos há em que resta definitivamente comprovado o dano e nem assim se pode falar em TCE. De plano, afastam-se duas situa-ções: a primeira, por economia processual, o dano em que a reper-cussão no patrimônio seja de tal monta que não justifique os custos para a instauração da TCE, ou seja, faz-se necessário que o dano te-nha significado econômico relevante; o segundo caso está nas situa-ções em que o causador do dano não é jurisdicionado ao Tribunal de Contas. É o caso do particular que, sem qualquer vínculo funcional com a administração, e nem agindo em coautoria com servidor pú-blico, vem a provocar algum dano ao erário. Neste sentido é a Sú-mula 187 do Tribunal de Contas da União:

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Sem prejuízo da adoção pelas autoridades ou pe-los órgãos competentes, nas instâncias, próprias e distintas, das medidas administrativas, civis e penais cabíveis, dispensa-se, a juízo do Tribunal de Contas, a tomada de contas especial, quando houver dano ou prejuízo financeiro ou patrimo-nial causado por pessoa estranha ao serviço pú-blico e sem conluio com servidor da Adminis-tração Direta ou Indireta e de Fundação institu-ída ou mantida pelo Poder Público, e, ainda, de qualquer outra entidade que gerencie recursos públicos, independentemente de sua natureza ju-rídica ou do nível quantitativo de participação no capital social. (TCU, 2007).

Não obstante as hipóteses acima abordadas representem ca-

sos de instauração obrigatória de uma Tomada de Contas Especial, estas pressupõem que, no desempenho do controle administrativo, a administração já tenha se utilizado de diversos meios para evitar as condutas maléficas ao interesse público.

Fato importante a ser registrado diz respeito à desnecessidade da participação dos responsáveis, no momento da instauração, exer-cendo qualquer tipo de defesa. A participação destes, na maioria das vezes, restringe-se ao fornecimento de informações que se encon-tram em seu poder.

A colaboração com as informações, no âmbito interno, não pode ser confundido com o exercício do princípio do contraditório e da ampla defesa, mas por um simples dever constitucional de prestar contas. Tal situação não significa a inaplicabilidade do referido prin-cípio ao instrumento de controle em estudo tendo em vista a sua plena manifestação na fase externa, no âmbito dos tribunais de con-tas. 6. Conclusão

A Tomada de Contas Especial representa um instrumento de

controle administrativo de utilização subsidiária e posterior a ocor-rência do dano ao Erário. Não obstante os casos de instauração i-

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mediata, sua utilização, depois de envidados todos os esforços para o saneamento do dono, acaba demonstrando, de certa forma, a falha dos demais instrumentos do sistema de controle administrativo.

Na fase procedimental, em que são apuradas as informações para a quantificação do dano e a qualificação do responsável, o princípio constitucional do dever de prestar contas é o que prevalece; externamente, na fase processual, todos os princípios constitucio-nais, sobretudo o da ampla defesa e do contraditório, devem ser ple-namente respeitados.

No que pese a necessidade de o administrador público proce-der com diligência, no momento da instauração, para não incorrer em uma responsabilização solidária, este deve sempre procurar certi-ficar-se da possibilidade da aplicação de outros instrumentos de con-trole. Ademais, não se deve esquecer o descabimento da TCE nos casos em que se vislumbra, como responsável pelo dano, um particu-lar sem qualquer vínculo funcional com a Administração Pública. Excetuam-se, no entanto, duas situações em que o instrumento po-derá ser utilizado: nos convênios em que são transferidos recursos públicos para serem empregados em finalidade específica e o respon-sável pela aplicação, ou não presta contas ou não devolve os saldos financeiros, e no caso de o particular causar dano aos cofres públicos em coautoria com servidor público.

Referências BACELLAR FILHO, R. F. O Controle da Administração Pública. Paraná, 2003. Disponível em < http://www.biblioju-ridica.org/libros/5/2396/9.pdf>. Acesso em 10 jan. 2008. BRASIL. Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.

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_________. Constituição da República dos Estados Unidos do Bra-sil de 1891. Sala das Sessões do Congresso Nacional Constituinte na Cidade do Rio de Janeiro. Rio de janeiro, 1891. _________. Tribunal de Contas da União. Instrução Normativa nº 56, de 05 de dezembro de 2007. Diário Oficial da União, Poder Le-gislativo, Brasília, 07 dez. 2007. Seção1, p.145. _________. Tribunal de Contas da União. Resolução n° 155, de 4 de dezembro de 2002. Aprova o Regimento Interno do Tribunal de Contas da União. Diário Oficial da União, Brasília, 9 dez. 2002. Disponível em <https:\\contas.tcu.gov.br\juris\Web\Juris\Com sultarAtoNormativo\ConsultarAtoNormativo.faces>. Acesso em 15 mar. 2009. _________. Tribunal de Contas da União. Súmula n° 86. Disponível em http://portal2.tcu.gov.br\portal\page\portal\TCU\ jurispru-dencia\sumulas\BTCU_ ESPECIAL_06_DE_ 04_12_2007_SUMULAS.pdf . Acesso em 15 mar. 2009. _________. Tribunal de Contas da União. Súmula nº 186. Disponí-vel em http://portal2.tcu.gov.br\portal\page\portal\TCU\ juris-prudencia\sumulas\BTCU_ESPECIAL_06_ DE_04_12_2007_SUMULAS.pdf >. Acesso em 15 mar. 2009. _________. Tribunal de Contas da União. Súmula n° 187. Disponí-vel em <http://portal2.tcu.gov.br\portal\page \portal\TCU\jurisprudencia\sumulas\BTCU_ESPECIAL_ 06_DE_04_12_2007_SUMULAS.pdf>. Acesso em 15 mar. 2009. _________. Tribunal de Contas da União. Súmula nº 230. Disponí-vel em <http://portal2.tcu.gov.br\portal\page\portal \TCU\jurisprudencia\su-mulas\BTCU_ESPECIAL_06_DE_04_12_2007_SUMULAS.pdf>. Acesso em 15 mar. 2009.

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_________. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n° 21.841, de 22 de junho de 2004. Disciplina a prestação de contas dos partidos polí-ticos e a Tomada de Contas Especial. Diário da Justiça, Brasília, v. 1, p. 3, 11 ago. 2004. Disponível em <http://www.tse.gov.br\ in-ternet\jurisprudencia\index.htm>. Acesso em 15 mar. 2009. BRÜNING, R. J. Processo Adinistrativo Constitucional. Floria-nópolis: Conceito Editorial, 2007. CARVALHO FILHO, J. dos S. Manual de Direito Administrati-vo. 16. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. FERNANDES, J. U. J. Tomada de Contas Especial: processo e procedimento nos Tribunais de Contas e na Administração Pública. 3. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2005. ROCHA, C. A. A. Especialização e Autonomia Funcional no Âm-bito do tribunal de Contas da União. Câmara dos deputados, Brasí-lia, jan. 2009. Temas. Disponível em <http://www.camara.gov.br/ internet/infdoc/novoconteudo/ acervo/temas/Tema> . Acesso em 30 jan. 2009. SANTOS, F. M. de S. Direito Administrativo. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2006. ZYMLER, B. Direito Administrativo e Controle. Belo Horizonte: Fórum, 2005.

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Atuação dos Tribunais de Contas na Análise dos Contratos da Administração Pública

Christine Pontes Ramos

Formada em 2009.1 pela Faculdade 7 de setembro (FA7) Pós-graduada em Processo Civil na Faculdade 7 de setembro (FA7)

Resumo: O presente artigo trata de um estudo sobre a atuação dos Tribunais de Contas nos contratos da administração pública e o seu papel na proteção do patri-mônio público e controle. Previstos na Constituição da República, os Tribunais de Contas são autônomos e com características singulares que ajudam o Poder Legisla-tivo em suas atividades de controle externo, inclusive quanto à apreciação de leis e atos administrativos, no que diz respeito a constitucionalidade dos mesmos. Palavras-chave: Tribunal de Contas; Natureza Jurídica; Fundamento Constitucio-nal; Contratos Administrativos.

1. Controle da Administração

“Controlar é uma função inerente ao poder e à administra-ção”, e o objeto da função de controle deve ser compreendido em uma visão mais ampla, “enquanto vetor do processo decisório na busca do redirecionamento das ações programadas”, abrangendo a revisão dos atos, a anulação e a punição dos agentes (Fernandes, 2003, p. 31-33).

Em relação aos tipos de controle, estes irão variar de acordo com o órgão ou a autoridade que o exercite ou o fundamente.

No sistema que é definida no Brasil, a forma de controle e fis-calização dos atos da Administração Pública, duas são as formas de controle. A primeira é feita através do controle interno, e a segunda através do controle externo.

A existência de mecanismos de controle da Administração Pública encontra expressa previsão constitucional:

Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Ju-diciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de:

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I - avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União; II - comprovar a legalidade e avaliar os resulta-dos, quanto à eficácia e eficiência, da gestão or-çamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado; III - exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem como dos direitos e have-res da União; IV - apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional. § 1º - Os responsáveis pelo controle interno, ao tomarem conhecimento de qualquer irregulari-dade ou ilegalidade, dela darão ciência ao Tri-bunal de Contas da União, sob pena de respon-sabilidade solidária. § 2º - Qualquer cidadão, partido político, associ-ação ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União.

1.1. Controle Interno

Controle interno é exercido pela administração pública ou pe-lo próprio órgão da administração onde gerou o ato. “É aquele exer-cido por órgãos de um Poder sobre condutas administrativas produ-zidas dentro de sua esfera” (Carvalho Filho, 2002, p. 747).

Com isso a Administração Pública mantém um sistema de controle interno onde se avaliam as metas previstas nos planos e programas de governo estão sendo cumpridos.

Desencadeia-se no plano da administração direta, em virtude da subordinação hierárquica existente entre seus diversos órgãos, de forma a garantir a legalidade dos atos administrativos. (Pessoa, 2000, p. 466).

O controle abrange os aspectos administrativo, orçamentário, patrimonial e financeiro, buscando-se, com isso, fiscalizar a aplica-

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ção dos recursos públicos. “Esse controle interno é feito, normal-mente, pelo sistema de auditoria, que acompanha a execução do or-çamento, verifica a legalidade na aplicação do dinheiro público e auxilia o Tribunal de Contas no exercício de sua missão institucio-nal” (Di Pietro, 2006, p. 673).

De acordo com o Verbete n. 473 da Súmula do Supremo Tri-bunal Federal,

A administração pública pode anular seus pró-prios atos, quando eivados de vícios que os tor-nem ilegais, porque deles não se originaram di-reitos; ou revogá-los, por motivo de conveniên-cia ou oportunidade, respeitados os direitos ad-quiridos, e ressalvada em todos os casos a apre-ciação judicial.

Isso quer dizer que qualquer ato administrativo quando prati-

cado ilegalmente ou com vícios que o torne ilegal, pode ser anulado ou revogado pelo próprio órgão que o expediu.

1.2 Controle Externo

O controle externo é feito pelo Poder Legislativo, com o auxí-lio do Tribunal de Contas e pelo Poder Judiciário quando for provo-cado.

Para Robertônio Pessoa, o exercício do controle externo cons-titui um poder-dever para as casas legislativas, do qual elas não se podem furtar (PESSOA, 2000, p. 472).

Contudo, para efeitos deste trabalho, fixar-se-á a atenção no controle do tribunal de contas.

No Brasil, “o Tribunal de Contas situa-se no ordenamento ju-rídico-constitucional como órgão público especializado e indepen-dente que colabora com o Poder Legislativo no exercício do controle da atividade financeira pública, prestando-lhe auxílio técnico” (Wil-leman, 2008, p. 280).

É o controle externo, que a Constituição disciplina exatamente no capítulo intitulado “Constituição Financeira”, capítulo este des-

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tinado à fiscalização contábil, financeira e orçamentária, visando a resguardar a probidade da Administração e a regularidade da guarda e do emprego dos bens, valores e dinheiros públicos, assim como a fidelidade na execução do orçamento:

Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orça-mentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicida-de, aplicação das subvenções e renúncia de re-ceitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder. Parágrafo único. Prestará contas qualquer pes-soa física ou jurídica, pública ou privada, que u-tilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, as-suma obrigações de natureza pecuniária.

“O caput do artigo 70 da Constituição da República deixa cla-

ro, outrossim, que a controlabilidade ali prevista transcende a apre-ciação da legalidade formal da gestão dos valores públicos, esten-dendo-se, necessariamente, aos aspectos de legitimidade e economi-cidade” (Willeman, 2008, p. 281).

Pelo aspecto da legalidade, o administrador público deve se sujeitar aos mandamentos legais, só sendo permitido agir de acordo com a lei:

[...] especificamente em termos de gestão de re-cursos públicos, o exame da legalidade requer a apreciação da validade formal e da adequação dos atos da administração pública em face dos preceitos orçamentários, das normas pertinentes à licitação e à contratação administrativa e das regras de direito financeiro, em especial aquelas estabelecidas na Lei de Responsabilidade Fiscal. (Willeman, 2008, p. 281-282).

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Importante destacar que o exame da legalidade pelos órgãos de contas não inclui competência para declarar a inconstitucionali-dade de lei ou ato normativo em abstrato, mas o podem fazer no ca-so concreto, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, em sua Súmula, Enunciado n. 3471, conforme já delineado em tópi-co anterior:

[....] assim sendo, os Tribunais de Contas po-dem/devem deixar de aplicar um ato por consi-derá-lo inconstitucional (como, por exemplo, deixar de registrar aposentadorias concedidas com arrimo em lei inconstitucional). Podem, ademais, sustar atos praticados com base em leis inconstitucionais, por força da faculdade que lhes atribui o inciso X do artigo 71 da CRFB”. (Willeman, 2008, p. 282).

Compete ainda fazer o exame da legitimidade, importando em

confrontar-se a gestão da coisa pública com o sacrifício econômico sofrido por parte do cidadão, bem como o da economicidade, par-tindo-se do pressuposto de que, para que se faça efetivamente ativi-dade de controle, devem-se fazer tanto análises quantitativas quanto qualitativas, “perquirindo-se em que, quando e para que foram as receitas aplicadas, sem olvidar do exame da avaliação do resultado balizado pela concepção do custo/benefício” (Willeman, 2008, p. 283). Há de se analisar, dessa forma, se para aquele determinado gasto, não há solução alternativa mais barata e igualmente eficaz.

1 “Nada obstante a referida orientação pretoriana, o tema relativo à possibilidade de os Tribunais de Contas deixarem de aplicar leis ou atos normativos que reputem inconstitucionais vem sendo atualmente revisitado pelo próprio Supremo Tribunal Federal (STF), em decisões monocráticas adotadas em mandados de segurança envolvendo a submissão da Petrobras ao Regulamento de Procedimento Licitatório Simplificado (art. 67 da Lei n. 9.478/97)” (Willeman, 2008, p. 282). Cf. decisões dos Mandados de Segurança 25888, 25986, 26783, 27232 e 27743 do STF.

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2. Decisões dos Tribunais de Contas e os Contratos

Já restou consignado, que o tribunal de contas não exerce fun-ção jurisdicional.

De igual forma, de função legislativa não se trata. Os julgamentos dos Tribunais de Contas são objetivos, com

parâmetros de ordem técnica-jurídica, ou seja, subsunção de fatos às normas. Já o Poder Legislativo julga com critérios políticos de con-veniência e oportunidade, de caráter subjetivo.

Os processos das Cortes são processos de contas, e não judici-ais, parlamentares ou ainda administrativos. Lembra-se de que, nos processos judiciais, há função jurisdicional, que é exclusiva do Poder Judiciário, e tem como característica non ex-officio, com participação de advogados e litigantes. Já na Corte, os advogados não participam necessariamente, não está ela situada no rol do artigo 92 da Consti-tuição, nem tampouco é órgão essencial à função jurisdicional.

“Se não é correto aproximar as decisões dos Tribunais de Con-tas da decisão judicial, porquanto aquelas sujeitam-se, pelo menos em princípio, a controle jurisdicional”, entende Robertônio Pessoa que também não seria tecnicamente apropriado aproximar tais deci-sões das decisões puramente administrativas, “sob pena de desfigu-rar a função controladora das cortes de contas” (Pessoa, 2000, p. 480).

Tais decisões se encontram a meio caminho, segundo o autor, entre a função jurisdicional e a administrativa:

[....] Ou seja, sob alguns aspectos aproximam-se da função jurisdicional (respeito às garantias processuais do contraditório e ampla defesa, prerrogativas de magistrados dos ministros e conselheiros), e sob outros ângulos, da função administrativa (revisibilidade e mutabilidade de suas decisões), sem, contudo, identificar-se ade-quadamente com uma ou com outra função. (Pessoa, 2000, p. 480).

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O Tribunal de Contas tem competência para decidir a susta-ção de contratos nos casos que eles estiverem detectada prática de ilegalidade e tenha sido fixado prazo ao órgão para correção e este não tenha adotado providências para sua regularização (artigo 2º, inciso XIV da LC nº 709/93). Decidida a sustação do contrato, o tribunal comunica à Assembleia Legislativa ou à Câmara Municipal competente, conforme se trate de órgão, entidade ou empresa per-tencente ao Estado ou a Município. A partir de então, o órgão terá um prazo de noventa dias para efetivar as medidas apropriadas, se não o tribunal decidirá a respeito.

Esta comunicação ao Poder Legislativo o tribunal também faz nos casos de julgamento de ilegalidade de contratos e quando verifi-ca qualquer irregularidade nas contas ou na gestão pública.

Em se tratando de julgamento final de ilegalidade de uma lici-tação ou contratação em que se verificou irregularidade na despesa, essa não pode ser suportada pelo Poder Público, e deve a Adminis-tração ser ressarcida desses valores.

Por essa razão é que, em face da lei de licitações (Lei n. 8.666), os órgãos fiscalizados devem demonstrar a regularidade da execução contratual. Assim, mesmo que uma licitação e posterior contratação venham a ser julgadas regulares, posteriormente pode ocorrer decretação de ilegalidade de toda ou de parte da despesa de-corrente. Isso porque, do exame da documentação, o tribunal de contas pode verificar a ocorrência de irregularidades.

A decisão do tribunal de contas pode revestir-se sob a forma de acórdão.

Haverá acórdão condenatório quando a corte de contas obriga o responsável a reparar o dano a que deu causa e/ou impõe o paga-mento de multa pelo ato irregular praticado.

Para que essas decisões provenham de um processo célere e consistente juridicamente, e, por conseguinte, operem de pleno sua eficácia, defende Odilon Cavallari de Oliveira que as mesmas reque-rem a fiel observância dos princípios e das regras processuais e de direito material, especialmente os concernentes à responsabilização de agentes públicos lato sensu, pois não se pode olvidar do devido processo legal. (Oliveira, 2007, p. 70).

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O processo é conduzido por um relator, que leva à câmara respectiva ou ao plenário a motivação da decisão e a proposta de de-cisão tomada.

Do resultado do julgamento notifica-se o responsável. Tanto para que ele possa ter ciência da rejeição das suas alegações, quanto para tomar conhecimento do prazo que a corte lhe concedeu para recolher seu débito ou multa. Claro que dessa decisão é cabível re-curso.

Interessante, e tal já foi explicitado, que as decisões do tribunal de contas têm a eficácia de título executivo, se resultar de imputação de débito (artigo 71, parágrafo 3º, da Constituição Federal, e artigo 24 da Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União).

Acerca da rescisão das decisões da Corte pelo controle judici-al, veja-se um trecho de uma decisão do Superior Tribunal de Justi-ça:

É logicamente impossível desconstituir ato ad-ministrativo aprovado pelo Tribunal de Contas, sem rescindir a decisão do colegiado que o apro-vou; e para rescindi-la é necessário que nela se constatem irregularidades formais ou ilegalida-des manifestas (STJ. 1ª Turma, Recurso Especial 8970/SP. Rel. Min. Humberto Gomes de Bar-ros, Diário da Justiça, 09.03.93, p. 2533, apud Moraes, 2003, p. 1183).

3. Execução das Decisões dos Tribunais de Contas e os Contratos O artigo 71, § 3º, da Constituição Federal não outorga legiti-

mação ao tribunal de contas para executar suas decisões. Da mesma forma que, no âmbito dos Estados, a legislação não pode ir além do paradigma federal, ante o princípio da simetria - artigo 75 da Carta Magna.

Importante ressaltar que o tribunal de contas, antes mesmo de analisar o contrato, lança olhos sobre o procedimento da licitação,

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eis que é ela que vai dar origem ao contrato, na maior parte das ve-zes.

No caso de atos administrativos concernentes à licitação, não sendo adotadas as medidas reparadoras determinadas pela corte de contas, a mesma pode sustar a execução do ato impugnado, comu-nicando ao Poder Legislativo.

Mas, em se tratando de contrato, a situação é diversa, porque o tribunal de contas não pode diretamente determinar a sustação:

E se o ato administrativo impugnado for um contrato? A Constituição Federal determina que, nessa situa-ção, o ato de sustação será adotado diretamente pelo Parlamento, que solicitará, de imediato, ao Poder E-xecutivo as medidas cabíveis (CF, art. 71, § 1º). Sendo assim, é preciso que se compreenda o procedi-mento a ser seguido na hipótese de sustação de con-trato pela Casa Legislativa. O processo deve iniciar sempre no Tribunal de Contas por iniciativa própria, em razão de denúncia ou por provocação da Casa Le-gislativa. Se verificada ilegalidade, o Tribunal assinará prazo para que o órgão ou entidade adote as provi-dências necessárias ao exato cumprimento da lei. Per-sistindo a ilegalidade, o Tribunal de Contas encami-nhará a questão para o Poder Legislativo que, ao seu talante, adotará ou não, o ato de sustação e, se for o caso, solicitará, de imediato, ao Poder Executivo as medidas cabíveis (CF, art. 71, §1º). Note-se que a instrução do processo compete ao Tri-bunal de Contas, que deve observar o princípio do contraditório e da ampla defesa6. À Casa Legislativa cabe, mediante o processo instruído no Tribunal de Contas, decidir pela emissão ou não, do ato que susta o contrato. Se o Poder Legislativo, no prazo de no-venta dias, não decidir sobre a sustação do contrato, o Tribunal de Contas decidirá a questão sustando ou não, o contrato (CF, art. 71, § 2º) (Furtado, J.R., 2007, p. 68).

Assim, tem o tribunal de contas o poder de recomendar à

Administração que suste o contrato, mas, se a Administração não atender, ele não tem o poder de sustá-lo diretamente.

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A partir de então, cabe ao tribunal comunicar a recalcitrância ao Poder Legislativo, esse sim detentor da prerrogativa de sustar o contrato diretamente.

O ato de sustação pelo Poder Legislativo independe de nova e prévia comunicação porque ela já foi feita pelo tribunal de contas, apesar de não ter sido acatada pela Administração Pública.

Simultaneamente ao ato de sustação, cabe ao Poder Legislati-vo solicitar ao Poder Executivo as medidas cabíveis.

O Poder Legislativo terá o prazo de noventa dias, improrrogá-vel, para efetivar o ato de sustação, e adotar as medidas cabíveis.

Mas, se passado o prazo nada se fizer, o tribunal de contas de-cidirá a respeito.

Essa competência do tribunal de contas, sobre a qual já se ex-planou, incide sobre todas as espécies de contratos administrativos.

Inclusive, é bom ressaltar, sobre os contratos de gestão. Isso porque o Tribunal de Contas da União teve que expressa-

mente declarar que a existência de um contrato de gestão não afasta a jurisdição do Tribunal (Decisão 318/92, processo TC 014.115/90-9, publicada no Diário Oficial da União de 02 de julho de 1992, se-ção I, p. 8526).

Assim,

No caso dos contratos, a competência dos tribu-nais de contas é judicante (CF, art. 71, II), não havendo que se falar em parecer prévio e nem em limitação dessa competência por uma supos-ta capacidade do Legislativo de julgar o que a Constituição reservou com exclusividade a este órgão constitucional autônomo (BIM, 2006, p. 386)

E ainda que o presente trabalho se circunscreva a tratar dos

contratos administrativos, não custa apontar que o controle externo dos tribunais de contas também alcança mesmo os contratados da Administração Pública de natureza privada, ou seja, os contratos tí-picos de direito privado (Fernandes, 2003, p. 433).

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Por fim, analisando toda a posição e a importância que o tri-bunal de contas ocupa e tem, em face da revisão de seus julgamentos pelo Poder Judiciário, Francisco de Queiroz Cavalcanti afirma:

Pode-se afirmar que, após esse longo percurso e em particular a partir da Constituição Federal de 1988, consolidaram-se as Cortes de Contas, pela importante contribuição que têm ofertado à pro-teção da coisa pública. Com competência reco-nhecida para apreciar a constitucionalidade de leis e os atos do Poder Público (Súmula nº 347, do STF), determinando, quando for o caso, me-didas acautelatórias, os Tribunais de Contas vi-ram suas atribuições estendidas para além das discussões acerca da legalidade na efetivação do controle contábil, financeiro e orçamentário, emergindo a competência fiscalizadora fundada em razões de legitimidade e de economicidade. A ampliação de atuação gerou, de seu turno, o aprofundamento das discussões acerca dos pos-síveis vínculos entre as demais estruturas de po-der (e controle pressupõe exercício de poder) na otimização da atuação, e, particularmente, acer-ca da possibilidade de controle do controle, a di-zer, de controle jurisdicional das decisões dos Tribunais de Contas. [....] Urge, em relação às Cortes de Contas, para que possam, efetivamente, exercer os papéis consti-tucionais que lhes são postos, a implementação de medidas de várias ordens: Institucional 1. Que haja uma efetiva busca da eficiência, com aperfeiçoamento dos procedimentos e es-forço de legitimação pelo procedimento, evitan-do-se as perniciosas capturas políticas ou eco-nômicas. [....] Consolidando-se o entendimento de que os ele-mentos não tipicamente jurídicos, como os de e-

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ficiência e economicidade, apreciados pelas Cor-tes de Contas, a não ser em situações teratológi-cas, não seriam objeto de perquirição judicial, sob pena de repetição e reprodução desnecessá-ria de dois procedimentos sucessivos de contro-le. (Cavalcanti, 2007, p. 9, 16).

Em suma, as decisões editadas pelos tribunais de contas são

efetivas, dotadas de autoridade especial e, por essa razão, sobre-põem-se às autoridades administrativas, mesmo aquelas expedidas pela cúpula do Poder Executivo. Todos lhe devem integral acata-mento.

Considerações Finais

O controle exercido pelo tribunal de contas nos contratos rea-

lizados pelos órgãos da Administração Pública é tema que merece um estudo criterioso.

Até porque, para se chegar a alguma conclusão a respeito, é necessário perpassar-se por vários caminhos: desde a natureza jurí-dica desses órgãos até suas competências, dos conceitos e limites dos contratos administrativos.

As competências, como exposto, estão disciplinadas na Cons-tituição Federal (art. 70), bem como delineadas em constituições es-taduais e leis orgânicas.

As funções constitucionais reservadas pela Constituição ao Tribunal de Contas, podem ser assim classificadas: função de con-sulta; função de informação; função de fiscalização; função de jul-gamento; função de ouvidoria; função corretiva e função sanciona-dora.

O papel institucional do tribunal de contas é de muita impor-tância para a defesa dos interesses da sociedade.

Órgão autônomo e independente, com seus membros dotados de garantias constitucionais atribuídas aos membros do Poder Judi-ciário (como o expressa o artigo 75 da Constituição Federal), o que lhes assegura condições para desempenhar a missão de julgar, fa-zendo-o com isenção e imparcialidade.

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Os julgamentos técnicos dos tribunais de contas não têm o tra-ço da definitividade, podendo ser revistos pelo Poder Judiciário, tan-to em matéria de fato como na de direito.

Não ter traço de definitividade não significa que não tenham poderes análogos ao do Judiciário, especialmente o poder geral de cautela. Em função do seu status político constitucional privilegiado, recebendo diretamente da Constituição quase todas as suas funções institucionais, também gozam dos meios que não sejam vedados pe-la Lei Fundamental para cumprir essa gama de atribuições político-jurídicas que a Constituição lhes atribui.

Entre uma das atribuições político-jurídicas dos tribunais de contas se encontra a de julgar os contratos administrativos (CF, art. 71, incs. VIII, IX, X, §§1º e 2º). A dicção constitucional “contratos” deve ser lida com toda a força normativa que a Constituição reser-vou à função fiscalizatória dos tribunais de contas, devendo abarcar a fase prévia que antecede a conclusão do contrato, as licitações, mormente seu edital, um dos maiores responsáveis pelos desvios administrativos na realização da despesa pública. Não se pode con-trolar a juridicidade de um contrato administrativo se não se puder controlar os atos que o originam.

Como o controle dos contratos administrativos faz parte das funções institucionais dos tribunais de contas, eles têm o poder im-plícito de praticar atos que garantam a eficácia dessa função atribuí-da pela Constituição da República.

A Constituição não impôs nenhum limite ao poder geral de cautela dos tribunais de contas, inclusive em relação aos contratos.

A natureza da sustação é definitiva e pressupõe a desobediên-cia do órgão em tomar as providências cabíveis para sanar a irregu-laridade. Em o Legislativo se omitindo, a competência volta para o tribunal de contas de forma plena, incluindo a possibilidade de sus-tar o contrato.

E, para concluir, repete-se o último parágrafo do último ca-pítulo: as decisões editadas pelos tribunais de contas são efetivas, dotadas de autoridade especial e, por essa razão, sobrepõem-se às autoridades administrativas, mesmo aquelas expedidas pela cúpu-la do Poder Executivo. Todos lhe devem integral acatamento.

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A Imprescindibilidade do Parecer Prévio no Processo de Prestação de Contas mesmo em Caso

de Falecimento do Chefe do Poder Executivo

Diogo Ribeiro Ferreira Mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Técnico de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado de Minas

Gerais. Graduado em Direito pela UFMG. Especialista em Direito Público, com ênfase em Direito Constitucional,

pela Universidade Cândido Mendes/Instituto Praetorium. Professor de Direito.

Núbia de Bastos Morais Garcia

Acadêmica da Faculdade de Direito Milton Campos. Estagiária de Direito do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais.

Resumo: Por força de uma interpretação sistemática da Constituição da República, da Lei de Responsabilidade Fiscal e da Lei de Normas Gerais de Direito Finan-ceiro, as contas públicas deverão ser inexoravelmente prestadas e deverão receber parecer prévio, sob pena de prejuízo ao princípio republicano e à transparência na gestão pública. Abstract: Pursuant to a systematic interpretation of the Constitution of the Republic, the Fiscal Responsibility Law and the Law of the General Standards of Financial Law, the public accounts should be provided inexorably and receive accountability, under threat of injury to the republican principle and transparency in the management public. Palavras-chave: Imprescindibilidade; Parecer prévio; Prestação de contas públicas; Falecimento; Chefe do executivo municipal.

1. O Regime Jurídico Administrativo e o Parecer Prévio sobre Contas Públicas

Verifica-se, de início, que o regime jurídico administrativo possui dois princípios centrais. Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello (2004, p. 64 e 68-69), primeiramente há a supremacia do inte-resse público sobre o particular, a conferir diversas prerrogativas à

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atuação da Administração Pública1 no desempenho de seu mister constitucional. Em segundo lugar existe a indisponibilidade do inte-resse público, que traz limitações à atuação administrativa, sendo que a violação deste conduz à caracterização de ilícitos administrati-vos. Senão, vejamos a doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello (2004, p. 64 e 68-69) sobre a indisponibilidade do interesse público:

A indisponibilidade dos interesses públicos signi-fica que, sendo interesses qualificados como pró-prios da coletividade – internos ao setor público, não se encontram à livre disposição de quem quer que seja, por inapropriáveis. O próprio ór-gão administrativo que os representa não tem disponibilidade sobre eles, no sentido de que lhe incumbe apenas curá-los, o que é também um dever – na estrita conformidade do que predis-puser a intentio legis. [...] Encarta-se no princípio da legalidade o princípio da finalidade. Não se compreende uma lei, não se entende uma nor-ma, sem entender qual o seu objetivo. Donde, também não se aplica uma lei corretamente se o ato de aplicação carecer de sintonia com o esco-po por ela visado. Implementar uma regra de Direito não é homenagear exteriormente sua dicção, mas dar satisfação a seus propósitos. Lo-go, só cumpre a legalidade quando se atende ao fim legal [...]. O fim legal é, sem dúvida, um limi-te ao poder discricionário. Portanto, se a ação administrativa desatende a essa finalidade, deve-se concluir que extralimitou de sua zona livre, vi-olando uma prescrição jurídica expressa ou im-

1 Segundo José dos Santos Carvalho Filho (Manual de Direito Administrativo. 19ª ed., revista, ampliada e atualizada até 31/12/2007. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris. p. 9), a “administração pública” pode ser conceituada em dois sentidos, o objetivo e o subjetivo. O primeiro caracteriza a função administrativa, materializando-se pelos verbos administrar, gerir, zelar, enfim, praticar uma ação dinâmica de supervisão. Já o segundo tem o significado de conjunto de agentes, órgãos e pessoas jurídicas com a incumbência de executar as atividades administrativas.

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plícita, o que a transpõe, por definição, para a zona vinculada.

Nesse diapasão, por força do disposto no art. 70, parágrafo úni-

co, da Constituição da República, prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pe-cuniária. E, conjugando-se este dispositivo legal com o princípio da in-disponibilidade do interesse público, verifica-se que a atividade admi-nistrativa deverá sempre observar os limites pertinentes à sua atuação, sob pena de incorrer em vícios de enorme gravidade.

Nesse escopo, acredita-se que a principal regra jurídica rela-cionada ao tema sob comento, qual seja, falecimento do governante e rito do parecer prévio sobre contas públicas seja o art. 71 da Cons-tituição da República Federativa do Brasil, de 1988. Vejamos o refe-rido dispositivo legal:

Art. 71. O controle externo, a cargo do Congres-so Nacional, será exercido com o auxílio do Tri-bunal de Contas da União, ao qual compete: I – apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer pré-vio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento; [...] (negrito nosso)

Em obediência ao princípio da simetria consubstanciado no

art. 75 da Constituição da República, a CE/MG (Constituição Esta-dual mineira de 1989) determinou, em seu art. 76, que o Tribunal de Contas emita parecer prévio em relação às contas prestadas anual-mente pelo Chefe do Poder Executivo.

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2. A Titularidade das Contas Públicas e a Emissão de Parecer Pré-vio

Para o escopo deste trabalho é necessário diferenciar os atos de governo dos atos de gestão. Nesse sentido, existem os atos de ges-tão lato sensu, que se subdividem em atos de gestão stricto sensu e atos de governo. Assim, a expressão “atos de gestão” em sua acepção lata (ampla), conforme se depreende da linguagem informal e mesmo da linguagem jurídica menos precisa, engloba tanto os atos de gestão quanto os atos de governo.

Porém, numa visão especificamente técnico-jurídica, há que se diferenciar os atos de gestão dos atos de governo. Nesse diapasão, enquanto os atos de governo referem-se à condução política global e a determinação de diretrizes gerais para a atuação da Administração Pública, sendo da competência dos agentes políticos, os atos de ges-tão stricto sensu se referem à adoção das medidas para a consecução e materialização dos atos de governo, devendo ser adotados por todos os agentes públicos subordinados ao agente político detentor das ré-deas da Administração Pública.

Pelo que foi exposto acerca de tais vocábulos, dentro do pano-rama em que se insere este trabalho o gestor é, numa acepção ampla (lata), tanto quem dá as diretrizes de governo quanto quem os execu-ta. A seu turno, governante seria o agente político que traria as ré-deas para a atuação da Administração Pública, enquanto que o ges-tor, numa acepção estrita, seria o responsável pelo cumprimento das diretrizes fixadas pelo governante.

Veja-se, nesse rumo, a lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2001, p. 54), que traz, mutatis mutandis, a mesma distinção acima apresentada, porém denominando os atos de governo por função po-lítica e os atos de gestão por função administrativa (negrito no origi-nal):

Há ainda, outra distinção que alguns autores costumam fazer, a partir da ideia de que admi-nistrar compreende planejar e executar: a) em sentido amplo, a Administração Pública, subjetivamente considerada, compreende tanto

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os órgãos governamentais, supremos, constitu-cionais (Governo), aos quais incumbe traçar os planos de ação, dirigir, comandar, como tam-bém os órgãos administrativos, subordinados, dependentes (Administração Pública, em sentido estrito), aos quais incumbe executar os planos governamentais; ainda em sentido amplo, porém objetivamente considerada, a Administração Pública compreende a função política, que traça as diretrizes governamentais e a função admi-nistrativa, que as executa. b) em sentido estrito, a Administração Pública compreende, sob o aspecto subjetivo, apenas os órgãos administrativos e, sob o aspecto objetivo, apenas a função administrativa, excluídos, no primeiro caso, os órgãos governamentais e, no segundo, a função política.

Partindo-se do fato de que o parecer prévio dos Tribunais de

Contas refere-se à análise dos atos de governo (já que os atos de ges-tão são submetidos não a parecer prévio mas sim a julgamento, nos termos do art. 71, II, da Constituição da República2 e art. 76, II, da Constituição do Estado de Minas Gerais3 e art. 228, § 2º, do Regi-

2 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, art. 71: O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: I – apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento; II – julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público; [...] 3 Constituição do Estado de Minas Gerais de 1989, art. 76: O controle externo, a cargo da Assembleia Legislativa, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas, ao qual compete: I – apreciar as contas prestadas anualmente pelo Governador do Estado e sobre elas emitir parecer prévio, em sessenta dias, contados de seu recebimento; II – julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiro, bem ou valor públicos, de órgão de qualquer dos Poderes ou de entidade da administração indireta, facultado valer-se de certificado de

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mento Interno do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais4), indaga-se qual seria a consequência, no rito de julgamento do pare-cer prévio, advinda da morte do Chefe do Poder Executivo cujas contas estão sob análise dos Tribunais de Contas.

De fato, sobre o problema apresentado é possível, logo de iní-cio, a verificação de duas tendências ou vertentes. Ambas partem, em essência, da avaliação da titularidade do dever de prestação con-tas, já que caso se considere que as contas a serem julgadas sejam exclusivamente do gestor, então seu falecimento implicará em perda de objeto do julgamento, o que, como corolário, irá culminar na desnecessidade de lançamento de parecer prévio (caso ele ainda não tenha sido apresentado). Primeiramente poderia ser alegado, o que se reflete a título de concessão dialética e ponderação hermenêutica, que os atos de governo não seriam passíveis de verificação após a morte do gestor, pela falta de utilidade da análise do escopo impres-so pelo gestor falecido às diretrizes da Administração. Esse é o en-tendimento do ilustríssimo Conselheiro do Tribunal de Contas do Maranhão José Ribamar Caldas Furtado (2009, p. 364-389). Contu-do, acredita-se que esse não seja o mais adequado entendimento a ser perfilhado, pelas razões que se há de expor.

Com efeito, se a titularidade das contas for atribuída não ao gestor mas sim à administração pública ou, concomitantemente, à administração pública e ao gestor, ou seja, caso se entenda tratar-se

auditoria passado por profissional ou entidade habilitados na forma da lei e de notória idoneidade técnica; [...] 4 Regimento Interno do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (Resolução n. 12/2008), art. 228: As contas do Governador e dos Prefeitos serão apresentadas ao Tribunal, para fins de parecer prévio, na forma e nos prazos estabelecidos na Constituição do Estado, na Lei Complementar nº 102/2008, neste Regimento Interno e demais atos normativos do Tribunal. § 1º Na apreciação das contas a que se refere este artigo serão considerados os resultados dos procedimentos de fiscalização realizados, bem como os de outros processos que possam repercutir em sua análise. § 2º A emissão do parecer prévio não exclui a competência do Tribunal para o julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis, bem como daqueles que derem causa à perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao Erário, nos termos do artigo 71, inciso II, da Constituição da República de 1988 e do artigo 76, incisos II e III, da Constituição do Estado de 1989.

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de contas públicas, então o gestor seria um mero responsável direto pelo envio das mesmas, pelo que o seu falecimento não implicará, de nenhum modo, em arquivamento dos autos. Ao contrário, o julga-mento deverá prosseguir e o parecer prévio deverá ser inexoravel-mente emitido.

Grande lição se extrai, nesse sentido, do disposto na Lei 4.320/64, que determina que o Poder Executivo (não o agente polí-tico governante) prestará contas. Não é demais relembrar, nesse sen-tido, que foi a própria Lei 4.320/64 que materializou, no âmbito in-fralegal, os ditames constitucionais que concernem às normas gerais de Direito Financeiro: “Art. 82. O Poder Executivo, anualmente, presta-rá contas ao Poder Legislativo, no prazo estabelecido nas Constituições ou nas Leis Orgânicas dos Municípios. § 1º As contas do Poder Executivo serão submetidas ao Poder Legislativo, com Parecer prévio do Tribunal de Contas ou órgão equivalente.” (negrito nosso)

Pelo disposto na referida lei, não faz diferença se o Chefe do Poder Executivo que vem a apresentar as contas é o mesmo agente político que atuou anteriormente na condução do governo, já que ambos estarão agindo como dirigentes do Poder Executivo. Obser-va-se, nesse sentido, que a segunda teoria identifica a solução da questão através da indisponibilidade do interesse público (princípio identificado por Celso Antônio Bandeira de Mello como um dos dois principais pilares [pedras de toque] da administração pública, ao lado da supremacia do interesse público sobre o interesse priva-do).

Como consequência, permite-se concluir que, para a segunda corrente exposta, a emissão de parecer prévio em relação às contas do Poder Executivo deve dar-se independentemente da fase proces-sual em que se encontrar o processo, ainda que antes da citação do Chefe do Executivo, já que nesse caso haverá a substituição do ór-gão titular da chefia do Poder Executivo, mediante sucessão nessa chefia. É que, para essa vertente, o interesse público na publicidade dos atos de gestão é indeclinável.

Porém, cabe ainda uma ressalva pontual, que se faz também a título de concessão dialética. Com efeito, se a primeira corrente for temperada pela indisponibilidade do interesse público e pela supre-macia do interesse público sobre o interesse privado, também ela se

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inclinará pelo prosseguimento do rito de emissão de parecer prévio acerca das contas públicas, já que o fato de as contas pertencerem ao governante não implicaria perda de titularidade, pela sociedade, de seu interesse na explicitação da situação da gestão pública, como um desdobramento da questão concernente à moralidade, à publicidade e à eficiência aplicáveis ao caso. Em outras palavras, o fato de as contas serem do governante não implicaria em perda de titularidade, por parte da sociedade, de algo, diferente, de que ela é titular, qual seja, a moralidade, publicidade e eficiência, nos termos do art. 37, caput, da Constituição da República, na redação conferida pela E-menda Constitucional n. 19/1998.

Caso haja opção entre as duas correntes acima expostas, o de-senvolvimento do tema só poderá levar, no nosso sentir, à conclusão de que a atuação do Chefe do Poder Executivo é instrumental, visto que ele apenas desempenha sua função para a Administração Públi-ca, de modo que ele não é o “dono” das contas, apenas um depositá-rio das mesmas que está investido do múnus de devolver à sociedade uma prestação de contas ou, em outras palavras, uma satisfação a-cerca da destinação dos bens de que esta é titular, como corolário do que disposto no próprio art. 1º, parágrafo único, da Constituição da República, que traduz o princípio republicano, verbis:

Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. (negrito nosso)

Não fosse isso bastante, assim ficou consignado na Constitui-

ção do Estado de Minas Gerais, promulgada no Palácio da Inconfi-dência em 21 de setembro de 1989:

Art. 1º – [...] § 1º – Todo o poder do Estado e-mana do povo, que o exerce por meio de repre-sentantes eleitos ou diretamente, nos termos da Constituição da República e desta Constituição. [...] Art. 73 - A sociedade tem direito a governo honesto, obediente à lei e eficaz. (negritos nosso)

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É por isso que acreditamos que os objetivos colimados pelo art. 3º da Constituição da República, quais sejam, de construir uma sociedade livre, justa e solidária, garantir o desenvolvimento nacio-nal, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualda-des sociais e regionais, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de dis-criminação, como em geral todos os problemas que assolam a hu-manidade, seja na esfera pública ou até das nossas próprias vidas particulares, só podem ser resolvidos se houver ponto de partida em um prévio conhecimento do problema, já que é impossível agir para melhorar algo sem que se conheça a situação, e isso, em relação às contas públicas, só vem à tona com a apresentação das contas.

Dessa maneira, a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Comple-mentar n. 101/2000, com as alterações da Lei Complementar n. 131/2009) consagrou, em seu bojo, em capítulo específico sobre a transparência, o controle e a fiscalização, o princípio da transparên-cia, litteris:

Art. 48. São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulga-ção, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e leis de diretri-zes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumi-do da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos. Parágrafo único. A transparência será assegurada também mediante: (Redação da-da pela Lei Complementar nº 131/2009). I – in-centivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de e-laboração e discussão dos planos, lei de diretri-zes orçamentárias e orçamentos; (Incluído pela Lei Complementar nº 131/2009). II – liberação ao pleno conhecimento e acompanhamento da sociedade, em tempo real, de informações por-menorizadas sobre a execução orçamentária e financeira, em meios eletrônicos de acesso pú-

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blico; (Incluído pela Lei Complementar nº 131/2009). III – adoção de sistema integrado de administração financeira e controle, que atenda a padrão mínimo de qualidade estabelecido pelo Poder Executivo da União e ao disposto no art. 48-A. (Incluído pela Lei Complementar nº 131/2009). Art. 48-A. Para os fins a que se refere o inciso II do parágrafo único do art. 48, os entes da Fede-ração disponibilizarão a qualquer pessoa física ou jurídica o acesso a informações referentes a:(Incluído pela Lei Complementar nº 131/2009). I – quanto à despesa: todos os atos praticados pelas unidades gestoras no decorrer da execução da despesa, no momento de sua re-alização, com a disponibilização mínima dos dados referentes ao número do correspondente processo, ao bem fornecido ou ao serviço pres-tado, à pessoa física ou jurídica beneficiária do pagamento e, quando for o caso, ao procedimen-to licitatório realizado; (Incluído pela Lei Com-plementar nº 131/2009). II – quanto à receita: o lançamento e o recebimento de toda a receita das unidades gestoras, inclusive referente a re-cursos extraordinários. (Incluído pela Lei Com-plementar nº 131/2009). Art. 49. As contas apresentadas pelo Chefe do Poder Executivo ficarão disponíveis, durante to-do o exercício, no respectivo Poder Legislativo e no órgão técnico responsável pela sua elabora-ção, para consulta e apreciação pelos cidadãos e instituições da sociedade. Parágrafo único. A prestação de contas da União conterá demons-trativos do Tesouro Nacional e das agências fi-nanceiras oficiais de fomento, incluído o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e So-cial, especificando os empréstimos e financia-mentos concedidos com recursos oriundos dos orçamentos fiscal e da seguridade social e, no caso das agências financeiras, avaliação circuns-

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tanciada do impacto fiscal de suas atividades no exercício. (negrito nosso)

Nesse sentido já foi proferido pelo Tribunal de Contas de Per-

nambuco o acórdão TC 2050/01, mediante julgamento unânime, do qual se extraem os trechos abaixo:

EMENTA: Recurso acolhido por ter sido inter-posto em tempo hábil. No mérito, desprovido. VISTOS, relatados e discutidos os autos do Pro-cesso T.C. nº 0004290-0, referente ao RECUR-SO INTERPOSTO PELA SRª MARIA DO CARMO GOMES, CÔNJUGE SUPÉRSTITE, E OUTROS SUCESSORES DO FALECIDO EX-PREFEITO ADEMÁRIO GOMES DA SILVA, DO MUNICÍPIO DE TEREZINHA, AO PARECER PRÉVIO, DESTE TRIBU-NAL, QUE RECOMENDOU À CÂMARA DO CITADO MUNICÍPIO A REJEIÇÃO DAS CONTAS DO PREFEITO, REFE-RENTES AO EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 1994, E À DECISÃO T.C. Nº 1.690/00, DES-TA CORTE DE CONTAS, ACORDAM, à u-nanimidade, os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado, nos termos do voto do Rela-tor, que integra a presente decisão [...] EMITIU a Segunda Câmara do Tribunal de Contas do Estado, à unanimidade, em sessão ordinária rea-lizada no dia 17 de julho de 1997: PARECER PRÉVIO recomendando à CÂMARA MUNI-CIPAL DE PASSIRA a rejeição das contas do PREFEITO, relativas ao exercício de 1992, de acordo com o disposto nos artigos 31,§§ 1º e 2º, da Constituição do Brasil, e 86, § 1º, da Consti-tuição de Pernambuco, e [...] (negrito nosso)

De igual maneira registra-se a existência de decisão do Tribu-

nal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, em decisão que as-sim consignou:

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RELATÓRIO. Examina-se o Processo de Contas do Senhor JOÃO DOMINGOS RODRIGUES DA SILVA (Prefeito - falecido) e da Senhora SANDRA TEREZINHA SEBBEN (Vice-Prefeita), responsáveis pela gestão do Poder E-xecutivo Municipal de ALMIRANTE TA-MANDARÉ DO SUL, no exercício financeiro de 2007. [...] DECISÃO. Decisão nº 1C-1.066/2008. a) pela imposição de multa à Se-nhora Sandra Terezinha Sebben, no valor de R$ 1.200,00, por infração de normas de administra-ção financeira e orçamentária, conforme previs-to no artigo 67 da Lei Estadual nº 11.424/2000; b) pela remessa dos autos à Supervisão de Ins-trução de Contas Municipais para elaboração do respectivo demonstrativo de multa; [...] f) pela emissão de Parecer sob o nº 14.658, Favorável à aprovação das Contas do Senhor João Do-mingos Rodrigues da Silva (falecido) e da Se-nhora Sandra Terezinha Sebben (p.p. Doutor Adroaldo Gervásio Stürmer da Silveira, O-AB/RS nº 34.808, e Doutora Marcia Andreia Sonego da Silveira 72.487), Responsáveis pela gestão do Poder Executivo Municipal de Almi-rante Tamandaré do Sul, no exercício financeiro de 2007, com fundamento no artigo 5º da Reso-lução TCE nº 414/92; [...] (negrito nosso)

O mesmo entendimento é perfilhado pelo egrégio Tribunal de

Contas dos Municípios do Estado da Bahia, que assim entendeu no Parecer Prévio 251/01:

O TRIBUNAL DE CONTAS DOS MUNICÍ-PIOS DO ESTADO DA BAHIA, no uso de su-as atribuições legais, com fundamento no artigo 75, da Constituição Federal, art. 91, inciso I, da Constituição Estadual e art. 1º, inciso I da Lei Complementar nº 06/91, e levando em conside-

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ração, ainda, as colocações seguintes: Registre-se inicialmente que a presente prestação de contas é da responsabilidade do Gestor, Sr. Nilson da Rocha Brito, que assumiu a Chefia do Poder Executivo em substituição ao Sr. Agnaldo Fer-reira dos Santos, falecido em fevereiro/2000. [...] R E S O L V E : Emitir Parecer Prévio pela aprovação, porque regulares, porém com res-salvas, das contas da Prefeitura Municipal de SANTA LUZIA, exercício financeiro de 2000, constantes do processo nº 09765/01, com fun-damento no art. 40, inciso II, da Lei Com-plementar nº 06/91, da responsabilidade dos Gestores, Sr. Agnaldo Ferreira dos Santos (pe-ríodo de 01/01/2000 a 28/02/2000) e Sr. Nil-son da Rocha Brito (período da 29/02/2000 a 31/12/2000), dando-se aos mesmos quitação na forma do art. 42 do aludido diploma legal. (ne-grito nosso)

Também é esse o entendimento do Tribunal de Contas de Mi-

nas Gerais, explicitado através da Consulta 490.442, de 02/09/1998, Relator Conselheiro Maurício Aleixo, assim ementada.

Prefeito Falecido. Julgamento de Contas, medi-ante parecer prévio do TCMG. Atribuição da Câmara Municipal. Vista do processo aos suces-sores do prefeito.

Sobre essa consulta do TCE-MG, registra-se que ela recebeu

transcrição e concordância do magistério doutrinário de Allah Silva Góes (2009, p. 6), que assim firmou:

Assim, mesmo se o Gestor Público houver mor-rido durante o processo de apreciação de suas contas, estas devem ser julgadas em estreita ob-servação dos Princípios Constitucionais, isto conforme se observa de parecer respondido pelo

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Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais a respeito da matéria [...]

Mesmo havendo o entendimento jurisprudencial majoritário

de que não se deve ter o arquivamento das contas do chefe do poder executivo quando há o seu falecimento, há que se reconhecer que tal posicionamento não é unânime, o que se verifica exemplificativa-mente do acórdão relatado pelo Conselheiro Francisco Rocha Agui-ar, do Tribunal de Contas dos Municípios do Ceará, vazado no pa-recer prévio n. 2006.MRR.PCG.10.564/07, referente a Prestação de Contas da Prefeitura Municipal de Morrinhos, cujo extrato se vê a seguir:

O Pleno deste Tribunal, por diversas ocasiões, se manifestou no sentido de considerar Contas do Governador de Prefeitos falecidos, como iliqui-dáveis, com base no art. 20, da Lei Orgânica deste Tribunal. As contas iliquidáveis, conforme reza o citado artigo, seriam aquelas que se tor-nem materialmente impossíveis de apreciação, ficando trancadas e podendo ser reabertas dentro do prazo de cinco anos, o que não se coaduna com o caso ora examinado. Na verdade, o falecimento do Responsável torna ausente um dos pressupostos para a validade e regularidade do processo, face à impossibilidade do exercício de defesa em sua plenitude. O im-pedimento existente no presente caso não é, de modo algum, material, mas sim processual, pois consiste na ausência do pólo passivo da relação processual, pressuposto essencial para o exercí-cio pleno do direito ao contraditório e a ampla defesa. [...] No que tange o assunto, preconiza o código de processo civil pátrio, em seu art.267, inciso IV, invocado aqui subsidiariamente: “Art.267 - Extingue-se o processo sem julgamen-to de mérito; [...] IV- quando se verifica a ausên-cia de pressupostos de constituição e de desen-volvimento válido e regular do processo.” [...]

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3. Conclusão

Por todo o exposto, afigura-se plausível e adequado, a nosso

ver, o entendimento pela continuidade do processo de prestação de contas, mesmo em face do falecimento do então titular do Poder Executivo (que seria, a princípio, o responsável direto pelo envio da Prestação de Contas).

No caso específico do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, falta previsão legal para arquivamento do processo por tal fundamento, salvo se houver a previsão de um novo inciso para o art. 239 do RITC (Regimento Interno do Tribunal de Contas do Es-tado de Minas Gerais instituído pela Resolução 12/2008), já que tal artigo apenas trata da emissão de parecer prévio pela aprovação sem ressalvas, pela aprovação com ressalvas e pela rejeição.

Quanto às demais Cortes de Contas, entende-se, salvo melhor juízo, não ser possível arquivar o referido processo, já que o destina-tário da prestação de contas é o Poder Legislativo (art. 71 da CR/88 e, especificamente para Minas Gerais, os arts. 73, II e 74 da CEMG/89). De fato, os Tribunais de Contas não são, processual-mente falando, os destinatários finais das referidas contas, mas sim órgãos de assessoramento do Poder Legislativo. De fato, o próprio equilíbrio entre os poderes parte da sua harmonia e independência, o que, tendo sido concebido originariamente por Montesquieu em li-ção que foi apreendida por inúmeras nações, justificou sua inserção no art. 2º da Constituição da República e no art. 6º da Constituição do Estado de Minas Gerais.

Um claro exemplo dessa situação é, com efeito, o fato de que, pelo art. 235, § 2º, do RITCMG, a falta de apresentação das contas, por parte do Prefeito Municipal, ou o desatendimento dos requisitos legais e regulamentares quanto à sua correta instrução implicam não em arquivamento do processo que culminará no parecer prévio a ser emitido pelo Tribunal de Contas, mas sim comunicação do fato à Câmara Municipal (esta enquanto titular da função de Estado de fis-calização do Poder Executivo Municipal) para que esta, dentre ou-tras medidas, possa promover a respectiva tomada de contas, nos termos da legislação aplicável). Aliás, este dispositivo nada mais é

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que, mutatis mutandis, a mesma previsão feita em relação à Assem-bleia Legislativa, que procederá à Tomada de Contas quando o Go-vernador do Estado deixar de apresentar as contas ou as apresentar sem atender aos requisitos legais e regulamentares quanto à sua cor-reta instrução.

Assim, entende-se que, caso ocorra o falecimento do prefeito municipal, deverá ser chamado a integrar o processo de prestação de contas, em seu pólo passivo, o chefe do executivo que venha a suce-der o de cujus, que poderá ser o vice-chefe do Poder Executivo ou até mesmo o chefe do Poder Legislativo ou o membro do Poder Judiciá-rio. Nesse sentido, acredita-se que devam ser observados os arts. 43 (interpretando-se neste dispositivo o vocábulo “sucessor” como o chefe do Poder Executivo na linha de sucessão), 180 e 265, § 1º, to-dos do CPC. Caso desejem, os herdeiros do falecido podem pleitear sua habilitação nos autos como interessados, consoante o art. 3º do CPC, a fim de trazerem mais elementos à prestação de contas sob análise.

Apesar de todos os argumentos acima expostos, o tema não é remansoso, havendo entendimento de algumas Cortes de Contas em sentido contrário. A título exemplificativo, o Tribunal de Contas do Estado do Maranhão tem entendido, nessas situações, que as contas do exercício financeiro não poderiam ser apreciadas, devendo haver seu arquivamento sem exame de mérito.

Porém, a par dos argumentos jurídicos acima explicitados, também sob o ponto de vista contábil é forçoso divergir de tal enten-dimento, pois o saldo do exercício seguinte inicia-se com o saldo das contas no exercício anterior. Assim, ainda que o gestor tenha faleci-do, o patrimônio público continua. Essa premissa é conhecida con-tabilmente como princípio da entidade, conforme se depreende do art. 4º da Resolução 750/93 do Conselho Federal de Contabilidade, verbis:

Art. 4º - O Princípio da ENTIDADE reconhece o Patrimônio como objeto da Contabilidade e a-firma a autonomia patrimonial, a necessidade da diferenciação de um Patrimônio particular no universo dos patrimônios existentes, indepen-

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dentemente de pertencer a uma pessoa, um con-junto de pessoas, uma sociedade ou instituição de qualquer natureza ou finalidade, com ou sem fins lucrativos. [...]

De fato, a Contabilidade é a ciência que permite tecnicamente

o registro e controle da formação e das variações do patrimônio das entidades, fornecendo informações ao gestor para as tomadas de de-cisões, sendo de grande relevância não só que o governante saiba a-cerca das variações das contas públicas, mas também e principal-mente que a sociedade tenha acesso às contas que pertencem a ela mesma. Afinal, não é demais repetir que todo o poder emana do po-vo, nos exatos termos do art. 1º, parágrafo único, da Constituição da República. No caso do Prefeito, caso ele venha a falecer sem apre-sentar sua prestação de contas ou sem apresentar defesa, no caso das já prestadas, uma sugestão para que haja sua prestação pelo vice-prefeito seria o levantamento das contas que foram levadas a efeito pelo falecido, o que pode ser feito pelos órgãos de contabilidade do próprio Poder Executivo. Nesse caso, o julgamento das contas do governante estaria em segundo plano, sendo principalmente relevan-te que haja a demonstração, perante a sociedade, dos aspectos orça-mentários, patrimoniais, financeiros e operacionais evidenciados nos registros contábeis.

Ademais, no sopesamento entre a necessidade de divulgação das contas, a possível dificuldade de se coletarem elementos defensi-vos e o prejuízo que possivelmente adviria de um eventual julgamen-to desfavorável a alguém já falecido, há que se entender pela indis-ponibilidade do interesse público. Afinal, também não poderia ser alegado prejuízo direto decorrente da emissão de parecer desfavorá-vel às contas do governante falecido, o que se depreende do princí-pio “pas de nullité sans grief”, através do qual se conclui que o próprio falecido não sofrerá prejuízo jurídico direto decorrente da possibili-dade de eventual rejeição de suas contas. Finalmente, conforme a-cima exposto também não haverá prejuízo ao princípio da ampla de-fesa e contraditório, já que a legitimidade passiva para apresentar de-fesa no processo de prestação de contas não seria da pessoa do go-vernante, mas sim do Poder Executivo.

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Referências

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Sistema Integrado de Contabilidade (SIC) como Ferramenta de Controle Externo sob a Ótica dos Servidores do Tribunal de Contas do Estado do

Ceará (TCE)

Giovana de Albuquerque Andrade Assessora Contábil. Associação Cearense de

Estudos e Pesquisas - ACEP.

Maria da Glória Arrais Peter Doutora em Educação pela Universidade

Federal do Ceará - UFC (2007). Mestre em Contabilidade e Controladoria pela

Universidade de São Paulo - USP (2001). Especialista (1994) e Graduada (1979) em

Contabilidade pela UFC

Resumo: A Constituição determina que a fiscalização contábil, financeira, orça-mentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração di-reta e indireta será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder. No âmbito do Estado do Ceará, o Tribunal de Contas do Estado do Ceará (TCE) é o órgão de controle externo res-ponsável por essa fiscalização, utilizando o Sistema Integrado de Contabilidade (SIC) como ferramenta auxiliar na fiscalização dos jurisdicionados. Deste modo, objetivou-se no presente trabalho verificar a contribuição do SIC no contexto das atividades de controle externo exercidas pelos servidores do TCE. Para tanto, foi realizada inicialmente uma pesquisa bibliográfica acerca do controle externo, das competências do TCE e acerca do SIC. Em seguida, realizou-se uma pesquisa de campo, com aplicação de questionários junto aos servidores para a coleta dos dados sobre o sistema. Ressalte-se que o universo da pesquisa foi o total de servidores que executam atividades de controle, sendo adotado como critério na amostra intencio-nal, a utilização do SIC no desenvolvimento dessas atividades. Após a coleta, esses dados foram trabalhados e estudados, sendo demonstrados os resultados obtidos com o auxílio de tabelas, quadros e gráficos. Ao término, foi possível delinear o per-fil dos servidores que utilizam o SIC, bem como identificar a percepção destes quan-to aos benefícios e limitações desse sistema. Constatou-se, portanto, que o SIC con-tribui positivamente para as atividades de controle externo mais relevantes do TCE, contudo, é preciso aperfeiçoá-lo em alguns pontos, bem como é necessário que os

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servidores aprofundem o seu conhecimento no SIC por meio de treinamentos, vi-sando utilizá-lo de maneira mais eficiente. 1. Introdução

O termo controle externo nas atividades desenvolvidas pela

Administração Pública está intimamente ligado ao conceito de fisca-lização. Esse controle é o que se realiza por outro Poder ou órgão, distinto daquele responsável pela execução das atividades adminis-trativas suscetíveis de controle e visa a comprovar a probidade admi-nistrativa e a regularidade da guarda e do emprego dos bens, valores e dinheiros públicos, bem como a fiel execução do orçamento.

Na esfera federal, esse controle foi consolidado no artigo 70, caput, da Constituição, que determina que a fiscalização contábil, fi-nanceira, orçamentária, operacional e patrimonial da União será e-xercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo. Esse controle, a cargo do Congresso Nacional, conta com o auxílio do Tribunal de Contas da União (TCU), que exerce diretamente essa função fiscalizadora.

No âmbito do Estado do Ceará, seguindo o modelo jurídico heterônimo, o controle externo é exercido pelo Tribunal de Contas do Estado do Ceará (TCE), que tem a competência de julgar as con-tas dos administradores estaduais e demais responsáveis por dinhei-ro, bens ou valores públicos da administração direta e indireta, inclu-indo, também, as contas do Presidente da Assembleia Legislativa, além de emitir parecer prévio sobre as contas do Governador.

Para assegurar a eficácia do controle e para instruir o julga-mento das contas, o TCE efetua a fiscalização dos atos que resultam receitas ou despesas, praticados pelos responsáveis sujeitos à sua ju-risdição, através do acompanhamento das publicações do Diário O-ficial do Estado do Ceará e mediante consultas a sistemas informati-zados pela Administração Estadual.

Nesse contexto, o TCE acompanha a execução orçamentária, financeira, patrimonial e contábil dos órgãos jurisdicionados através de um software criado pelo Estado do Ceará, denominado Sistema Integrado de Contabilidade (SIC).

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Dessa forma, o presente trabalho estuda, de forma abrangente, o Sistema Integrado de Contabilidade, analisando-o como ferramen-ta de trabalho no âmbito do controle externo, em apoio às atividades desenvolvidas pelos servidores do Tribunal de Contas do Estado do Ceará.

O objetivo principal desse estudo é analisar o SIC no contexto do controle externo exercido pelos servidores do TCE. De forma es-pecífica, objetiva-se identificar o perfil dos servidores responsáveis pelas atividades de controle, evidenciar a percepção destes quanto aos benefícios e limitações do SIC, verificar a frequência de acesso a esse sistema, apresentar as principais rotinas utilizadas, bem como identificar possíveis melhorias na utilização do SIC como forma de apoio ao controle exercido pelo TCE.

2. Controle Externo

A necessidade de um órgão de controle dos atos de índole administrativo financeira surge com o próprio desenvolvimento do Estado, sobretudo no Estado em que os bens administrados perten-cem à coletividade, ao povo, como é o caso do Estado Republicano. O princípio do controle é, pois, corolário do princípio republicano.

Para Meirelles (2005), controle externo é o que se realiza por órgão distinto daquele responsável pelo ato controlado e visa a com-provar a probidade administrativa e a regularidade da guarda e do emprego dos bens, valores e dinheiros públicos, bem como a fiel exe-cução do orçamento.

Em resumo, controle externo sobre as atividades da Adminis-tração Pública é todo aquele exercido por um Poder ou órgão sobre a administração de outros. Nesse sentido, é controle externo o que o Judiciário efetua sobre os atos dos demais Poderes. É controle exter-no o que a Administração Direta1 realiza sobre as entidades da Ad-ministração Indireta2. É controle externo o que o Legislativo exerce

1 União, Estados, Distrito Federal e Municípios. 2 Autarquias, Empresas Públicas, Sociedades de Economia Mista e Fundações Públicas.

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sobre a Administração Direta e Indireta dos demais Poderes. Na terminologia adotada pela Constituição Federal, apenas este último é que recebe a denominação jurídico-constitucional de controle ex-terno conforme seus arts. 31 e 70 a 74 (Brasil, 1988).

A doutrina costuma identificar dois sistemas principais de con-trole externo, embora cada nação possa apresentar suas peculiarida-des resultantes de sua história, tradições, características políticas, administrativas, étnicas e religiosas. São eles: Tribunais (ou Conse-lhos) de Contas e Controladorias (ou Auditoria Geral).

O sistema de Controladoria caracteriza-se por ser, usualmente, um controle de caráter essencialmente opinativo ou consultivo, sem dispor de poderes jurisdicionais e coercitivos. É constituído por ór-gãos unipessoais cujas manifestações adotam a forma de pareceres ou recomendações e são subscritas de forma monocrática ou singu-lar pelo Controlador-Geral.

As duas características marcantes do sistema de Tribunal de Contas são o caráter colegiado de suas decisões e o seu poder coerci-tivo de impor sanções, pecuniárias ou não. Tais características afe-tam profundamente sua organização e formas de atuação. De fato, ao revestir-se de caráter jurisdicional, o controle externo é obrigado a atribuir maior ênfase ao processo, tendo procedimentos de fiscali-zação mais acentuadamente formais e legalistas.

Examinando a longa trajetória do Tribunal de Contas da Uni-ão (TCU) nas diversas Constituições brasileiras, constata-se que o prestígio da instituição está diretamente associado às liberdades de-mocráticas. De fato, por duas vezes suas atribuições foram reduzi-das: nas Cartas ditatoriais de 1937 (Estado Novo) e 1967 (ditadura militar). E por duas vezes, com a redemocratização, recuperou e ampliou suas atribuições nas Constituições democráticas de 1946 e 1988.

O termo controle externo nas atividades desenvolvidas pela Administração Pública está intimamente ligado ao conceito de fisca-lização. A princípio, a Lei nº 4.320 (Brasil, 1964) traz, no seu art. 81, que - “O controle da execução orçamentária, pelo Poder Legislativo, terá por objetivo verificar a probidade da administração, a guarda e

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legal emprego dos dinheiros públicos e o cumprimento da Lei de Orçamento”.

Com base no entendimento do art. 70, caput, da Carta Consti-tucional (Brasil, 1988), constata-se a abrangência da fiscalização que será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, conforme está preconizado:

Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orça-mentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicida-de, aplicação das subvenções e renúncia de re-ceitas será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.

O constituinte finaliza a seção de fiscalização contábil, finan-ceira e orçamentária com a determinação de que as normas estabele-cidas para o controle externo na esfera federal aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais ou Conselhos de Contas dos Municípios. Trata-se, portanto, de mo-delo jurídico heterônimo, cogente, a ser obrigatoriamente observado pelos ordenamentos jurídicos estaduais e municipais.

A Carta Maior de 1988, no art. 70 (Brasil, 1988), ao tratar da fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patri-monial a ser exercida sobre os atos da Administração Pública, direta ou indireta, dividiu o controle em duas formas, denominadas de in-terno e externo, distinguindo-os pelo critério de competência para o exercício dessa fiscalização.

Peter e Machado (2003) afirmam que a ideia central do con-trole interno é a prevenção e correção de erros ou desvios consistin-do no conjunto de atividades, planos, métodos e procedimentos que são utilizados para garantir que os objetivos dos órgãos e entidades da Administração Pública sejam alcançados, de forma confiável e concreta.

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O controle externo, entretanto, é exercido por órgãos autôno-mos, independentes da Administração, não participando, portanto, dos atos por ela praticados, cabendo-lhe, dentre as funções reserva-das pela Constituição, exercer a da fiscalização.

Conclui-se, com tudo que foi exposto, que o controle externo, no seio da Administração Pública, tem por objetivo verificar a pro-bidade da gestão, através da boa versação dos dinheiros públicos, a guarda e emprego legal dos mesmos e o cumprimento da Lei Orça-mentária, pois é através de um controle independente e atuante que tal objetivo será atingido, permitindo a obtenção do resultado má-ximo, com o mínimo de recursos, e também sem desvios e desperdí-cios.

A próxima seção versa sobre o Tribunal de Contas do Estado do Ceará (TCE), em que se abordam aspectos importantes pertinen-tes a este órgão, como atribuições e sua estrutura, visando evidenciar o contexto em que o TCE atua no âmbito do controle externo.

3. Tribunal de Contas do Estado do Ceará (TCE)

O Tribunal de Contas do Estado do Ceará (TCE) é o órgão de controle externo que auxilia a Assembleia Legislativa na fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do Es-tado, bem como de suas entidades da administração direta e indire-ta.

O auxílio do TCE é exercido por meio da apreciação das con-tas públicas, emitindo, assim, parecer prévio sobre as contas presta-das, anualmente, pelo Governador do Estado e julgando as dos ad-ministradores, inclusive as do Presidente da Assembleia Legislativa, bem como dos demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades sustentadas pelo Poder Público estadual, além das contas daqueles que causem prejuízo ao erário estadual.

Nessa Corte de Contas, o controle externo é exercido pela Se-cretaria de Controle Externo que é formada por uma Coordenadoria Técnica e onze Inspetorias, conforme segue:

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a) 1ª Inspetoria de Controle Externo: instrui processos rela-cionados ao registro de atos de aposentadoria e reforma, podendo realizar inspeções, pesquisas e diligências necessá-rias ao cumprimento das suas atribuições; b) 2ª, 3ª, 4ª, 5ª, 6ª e 9ª Inspetorias de Controle Externo: a-nalisam todos os processos, exceto os de consulta, referen-tes aos órgãos, entidades e fundos da Administração Públi-ca estadual, inclusive licitações, contratos, convênios e pa-trimônio; c) 7ª Inspetoria de Controle Externo: realiza instrução pro-cessual, inspeções, auditorias e representações relacionadas a licitações, contratos, convênios ou outros instrumentos congêneres celebrados pelo Poder Público estadual; d) 8ª Inspetoria de Controle Externo: realiza representa-ções, inspeções e auditorias no patrimônio dos órgãos e en-tidades da Administração Pública estadual, bem como fis-caliza a arrecadação e a renúncia de receitas públicas esta-duais; e) 10ª Inspetoria de Controle Externo: examina processos relacionados ao registro de atos de nomeação e pensão, po-dendo realizar inspeções, pesquisas e diligências necessá-rias ao cumprimento das suas atribuições; e f) 11ª Inspetoria de Controle Externo: fiscaliza, acompa-nha, avalia e inspeciona as obras financiadas com recursos estaduais, bem como pesquisa e desenvolve técnicas, méto-dos, rotinas, procedimentos, normas e manuais para orien-tar a fiscalização dessas obras além de realizar auditorias ambientais.

À Secretaria de Controle Externo compete gerenciar a área técnica e executiva de controle externo e, em especial, prestar asses-soria jurídica em questões de direito de maior complexidade, forne-cer subsídios doutrinários e jurisprudenciais necessários à elaboração de pareceres, certificados ou informações, elaborar informações em consultas sobre matéria jurídica formuladas ao Tribunal pelos titula-res de órgãos ou entidades sujeitos à sua jurisdição, bem como pre-

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parar planos anuais de inspeções e auditorias para apreciação e a-provação da Presidência.

O TCE, frente ao avanço da tecnologia da informação, está buscando aprimorar os métodos de trabalho, principalmente os rela-cionados à fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacio-nal e patrimonial, tendo em vista o julgamento das contas e a eficá-cia do controle. Nesse contexto, conta com o apoio do Sistema Inte-grado de Contabilidade (SIC), considerando que na busca perma-nente por melhorias no processo de fiscalização e controle, a utiliza-ção de sistemas de informações como instrumentos auxiliares deve ser intensificada pelo TCE. 4. Sistema Integrado de Contabilidade (SIC)

Segundo Padoveze (2004, p. 37), um sistema de informação pode ser definido com “um conjunto de recursos humanos, materi-ais, tecnológicos e financeiros agregados segundo uma sequência ló-gica para o processamento de dados e tradução em informações, pa-ra com o seu produto, permitir às organizações o cumprimento de seus objetivos principais”. O’Brien (2002) completa, ainda, que o su-cesso do sistema de informações pode ser calculado pela eficácia da tecnologia da informação utilizada, que auxilia o processo de trans-formação dos dados (entrada) em informações (saída).

Os sistemas de informações, quando eficientes e eficazes, são essenciais para as empresas e entidades, uma vez que podem trans-formar grande volume de dados em informações úteis, diminuindo, assim, o tempo para a geração dessa informação.

Em 1987, com a implantação do Sistema de Administração Financeira do Governo Federal (SIAFI), um moderno e eficaz ins-trumento de acompanhamento e controle dos gastos públicos, ini-ciou-se uma nova era na Contabilidade Pública Brasileira, e surgi-ram, nos Estados e Municípios, novos sistemas informatizados. Em nível estadual, o Ceará utiliza o Sistema Integrado de Contabilidade (SIC), que é o responsável pela realização, acompanhamento e con-trole da execução orçamentária, financeira, patrimonial e contábil da administração financeira cearense.

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A criação do Sistema Integrado de Contabilidade (SIC) teve como base o Decreto Estadual n° 14.222, de 26 de dezembro de 1980, que aprovou as instruções para o serviço de execução orça-mentária dos Órgãos da Administração Centralizada no Estado. Com base na Lei Estadual n° 11.714, de 25 de julho de 1990, que dis-põe sobre as diretrizes e ba-ses da Administração Estadual, foi regula-mentado o enquadramento de toda Administração Indireta (Autarqui-as, Fundações e Fundos) também no Sistema Integrado de Contabili-dade (CEARÁ, 1990).

Conforme informações fornecidas pela Secretaria de Tecno-logia da Informação do TCE, o sistema SIC só foi instalado no Tribunal de Contas do Estado do Ceará no ano de 1990, devido às dificuldades na infraestrutura e ao reduzido número de computa-dores disponíveis, tendo no processo de instalação, auxílio do Ser-viço de Processamento de Dados do Ceará (Seproce), entidade responsável pela manutenção do SIC à época.

A finalidade inicial do SIC no TCE, desde sua instalação em 1990, foi possibilitar aos auditores e técnicos de controle externo o acompanhamento do gasto público dos jurisdicionados, através de pesquisas realizadas diretamente nos terminais do SIC instalados no Tribunal.

Atualmente o SIC está sob a supervisão técnica da Secretaria da Fazenda (Sefaz), da Secretaria do Planejamento e Gestão (Se-plag) e da Empresa de Tecnologia da Informação do Ceará (Etice).

O TCE, dentro dos limites do seu nível de acesso às informa-ções, tem por intermédio desse sistema, assim como na SEFAZ, um acompanhamento e controle, de forma integrada e online, da execu-ção orçamentária, financeira, patrimonial e contábil das Unidades Gestoras sujeitas à sua jurisdição, que são definidas, segundo Manu-al do SIC (1981, p. 160), como “Órgão diretamente contemplado com dotação, [...], ou a unidade - orçamentária ou não - encarregada de gerir créditos, recursos financeiros e outros bens”.

Essa fonte de informação disponível ao Tribunal de Contas do Estado do Ceará, baseada nesse software, é de suma importância, tanto é que foi consagrada juntamente com o Diário Oficial do Es-

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tado do Ceará no art. 46 da Lei n° 12.509/95, conforme menciona-do a seguir:

Para assegurar a eficácia do controle e para ins-truir o julgamento das contas, o Tribunal efetua-rá a fiscalização dos atos que resultem receita ou despesa, praticados pelos responsáveis sujeitos à sua jurisdição, competindo-lhe, para tanto, em especial I – acompanhar, pela publicação do Diário Ofi-cial do Estado e mediante consulta a sistemas in-formatizados pela administração estadual, ou por outro meio adequado (CEARÁ, 1995).

O Sistema Integrado de Contabilidade registra a entrada dos dados referentes aos atos e fatos da gestão orçamentária, financeira e contábil por meio de documentos criados de modo a viabilizar o processamento de dados, devidamente preenchidos com base na do-cumentação originária.

Não só restringindo-se ao Balanço Orçamentário, Balanço Fi-nanceiro, Balanço Patrimonial, à Demonstração das Variações Patri-moniais e aos demais demonstrativos constantes no art. 101, da Lei Federal n° 4.320/64, o Sistema Integrado de Contabilidade emite re-latórios gerenciais que são utilizados para fins de supervisão, pois possibilitam avaliações qualitativas do gasto público.

O levantamento de todos os documentos previstos pelo Ma-nual do SIC e, também, todos esses demonstrativos, permite que a Contabilidade Pública estadual seja fonte segura e tempestiva na produção de informações para todos os níveis da administração, quando registra, analisa e interpreta os resultados econômicos e fi-nanceiros resultantes da ocorrência de atos e fatos administrativos. Logo, obtém-se com isso o conhecimento da composição orçamen-tária, financeira, contábil e patrimonial de toda a Administração Pú-blica cearense.

A seção seguinte aborda o resultado da pesquisa realizada en-tre os envolvidos com o controle externo no TCE, buscando eviden-

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ciar a percepção dos usuários do Sistema Integrado de Contabilidade (SIC) acerca da utilização desse sistema nas atividades de controle.

5. Metodologia e Resultados da Pesquisa de Campo

A presente seção evidencia os resultados da pesquisa realizada junto aos usuários do Sistema Integrado de Contabilidade (SIC) en-volvidos com o desenvolvimento das atividades de controle externo no âmbito do Tribunal de Contas do Estado do Ceará (TCE). A pes-quisa foi realizada com os próprios servidores das Inspetorias de Controle Externo, com o objetivo de identificar a percepção destes acerca do SIC, possibilitando evidenciar a contribuição do SIC para as atividades de controle.

5.1. Metodologia da Pesquisa

Visto que a finalidade do presente trabalho é analisar o SIC no

contexto das atividades de controle externo desenvolvidas pelo TCE, considerou-se extremamente relevante identificar a percepção dos usuários do sistema acerca das contribuições e possíveis limitações do sistema. Desta forma, o universo da pesquisa foi o total de servi-dores que executam atividades nas Inspetorias de Controle Externo, relacionadas diretamente com as atividades de controle.

Diante disso, excetua-se desse contexto a 11ª Inspetoria de Controle Externo, visto que foi recentemente implantada na estrutu-ra organizacional do TCE por meio da Resolução Administrativa nº 01, de 17 de fevereiro de 2009, encontrando-se, portanto, em fase de instalação.

A Tabela 1 apresenta os dados da população alvo da pesquisa, que abrange da 1ª até a 10ª Inspetoria. De acordo com os dados des-sa tabela, constatou-se que a população compõe-se de servidores e estagiários lotados nas Inspetorias do TCE, no total de 79 (setenta e nove) pessoas.

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Tabela 1 – População para a pesquisa de campo.

Unidade Técnicas Analistas Técnicos Auxiliares Estagiários Total

1ª Inspetoria 2 9 0 1 12

2ª Inspetoria 2 4 0 2 8

3ª Inspetoria 3 2 0 1 6

4ª Inspetoria 2 3 1 2 8

5ª Inspetoria 1 5 0 2 8

6ª Inspetoria 2 2 1 1 6

7ª Inspetoria 2 1 1 3 7

8ª Inspetoria 2 2 2 2 8

9ª Inspetoria 4 1 0 2 7

10ª Inspetoria 4 3 1 1 9

Total 24 32 6 17 79

Após a identificação da população, buscou-se definir uma a-

mostra de forma intencional, que, de acordo com Martins (1994), ocorre quando o investigador dirige-se propositalmente a um grupo de elementos dos quais deseja saber a opinião, para compor a amos-tra.

O fator relevante para a escolha da amostra foi o uso do SIC no desenvolvimento das atividades de controle externo. Portanto, foram excluídas da amostra a 1ª e a 10ª Inspetorias, posto que essas Unidades Técnicas são especializadas, responsáveis, respectivamen-te, por analisar os processos relativos aos atos de aposentadoria e re-forma e processos de atos de nomeação e instituição de pensão.

Não obstante a quantidade representativa de estagiários (21,52%), este grupo também foi excluído da amostra, pois se verifi-cou que, atualmente, a maioria dos estagiários trabalha no TCE há

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menos de um ano, além do fato de 47,06% desse grupo ser da área do Direito, ou seja, não têm afinidade com a área em estudo. Dessa forma, optou-se por trabalhar apenas com os servidores da 2ª até a 9ª Inspetoria, obtendo-se um número de 43 servidores integrantes da amostra.

Após a seleção dos eventos a serem analisados, procurou-se instituir uma tática para a coleta de dados, que teve como instru-mento o questionário. Segundo Marconi e Lakatos (2007, p. 98), o questionário “é um instrumento de coleta de dados constituído por uma série ordenada de perguntas que devem ser respondidas por es-crito e sem a presença do entrevistador”.

Ainda segundo as autoras (Marconi; Lakatos, 2007), as vanta-gens de se utilizar o questionário são as seguintes: economia de tem-po e pessoal, obtenção de respostas mais rápidas e precisas, maior liberdade nas respostas devido ao anonimato, bem como uniformi-dade na avaliação.

Por conseguinte, o questionário utilizado foi o de múltipla es-colha, dividido em dois blocos: perfil do respondente e perguntas so-bre o SIC. O primeiro bloco buscou informações gerais do pesquisa-do, tais como faixa etária, sexo, formação acadêmica, titulação e tempo de serviço no TCE. O segundo bloco foi subdividido em dois grupos de perguntas abordando autoavaliação e utilização do SIC. O primeiro grupo procurou evidenciar as habilidades dos servidores no uso do SIC e o segundo grupo englobou os questionamentos referen-tes à percepção do entrevistado sobre o SIC no desenvolvimento das atividades de controle.

Importa mencionar que o subdiretor da 8ª Inspetoria, Francis-co José Bernardino da Costa, antecipou aos integrantes da amostra da pesquisa sobre a aplicação do questionário. Em seguida, houve a abordagem direta, por meio de solicitação do seu preenchimento, que foi efetuado pelos próprios pesquisados.

O questionário foi aplicado no dia 27 de abril de 2009 e a se-guir são apresentados os principais resultados da pesquisa efetuada.

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5.2. Resultados Obtidos

Na data da aplicação do questionário, cinco servidores esta-vam ausentes, dentre os quais dois estavam executando trabalho ex-terno e três estavam de licença. Dessa forma, a amostra reduziu-se a 38 servidores, correspondendo a um decréscimo de 11,63% na amos-tra inicial.

Cumpre informar, ainda, que dos servidores abordados, 37 responderam ao questionário, representando 97,37% de participação da amostra e evidenciando que apenas 2,63% se recusaram a preen-chê-lo.

Os resultados obtidos na pesquisa, por meio da colaboração dos analistas, técnicos e auxiliares de controle externo do TCE, fo-ram segregados num único grupo, visto que, este corpo técnico atu-ante nas Inspetorias, na prática, possui atribuições semelhantes. A seguir serão evidenciados os resultados das perguntas contidas no questionário.

5.2.1. Perfil dos Respondentes

Inicialmente procurou-se identificar a faixa etária dos pesqui-

sados e percebeu-se que a maioria dos servidores possui entre 46 e 55 anos, precisamente 18 servidores.

Buscou-se também obter o perfil dos entrevistados quanto ao sexo, e visualizou-se a predominância masculina entre os servidores, uma vez que o sexo masculino representa, aproximadamente, 57% destes.

Logo após a definição do sexo, procurou-se identificar a for-mação acadêmica dos pesquisados, para ter-se uma noção da afini-dade destes com a área em estudo, ou seja, uso do sistema integrado de contabilidade nas atividades de controle externo. Verificou-se que a formação em Ciências Contábeis sobressai-se das demais, visto que 21,62% dos servidores são dessa área, apesar de 35,14% terem for-mação em outras áreas, revelando significativa dispersão. Em segui-da, na segunda colocação, estão os cursos de Direito e Ciências E-

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conômicas com participação de 13,51% cada e Engenharia, que tem 10,81% de representatividade.

Não obstante a maioria dos entrevistados serem da área de contabilidade, 62,16% possuem formação em outras áreas, portanto, seria interessante que a Secretaria de Controle Externo incentivasse os servidores a participarem de cursos na área finalística do TCE, buscando proporcionar maior facilidade no desenvolvimento das a-tividades de controle com o uso de informações contábeis.

Logo em seguida, procurou-se saber qual o nível de titulação e observou-se que 40,54% dos respondentes tem somente a graduação, enquanto 43,24% possui especialização. Apenas 10,81% dos pesqui-sados são mestres. Nenhum possui título de doutorado.

Por fim, procurou-se saber qual o tempo de serviço dos servi-dores no TCE. Empatados na primeira colocação estão os servidores que trabalham no TCE entre 16 e 20 anos e os que atuam entre 21 e 25 anos, tendo estes dois grupos uma participação total de 75,68% da amostra. Logo em seguida, cerca de 19% trabalham nessa Corte entre 11 e 15 anos e somente 5,41% estão no TCE há mais de 25 a-nos.

Do conjunto de respostas até o momento, foi possível traçar o perfil dos servidores, responsáveis, no âmbito do TCE, pela execu-ção das atividades de controle externo. Para a determinação desse perfil utilizou-se como medida de posição a “moda”. Segundo Triola (1999, p. 33), “a moda de um conjunto de dados é o valor que ocorre com maior frequência”.

Quadro 1 – Perfil dos pesquisados

Perfil Servidores

Faixa etária Entre 46 e 55 anos

Sexo Masculino Formação acadêmica Ciências Contábeis Titulação Especialista Tempo de serviço do TCE Entre 16 e 25 anos

Fonte: Pesquisa direta (2009)

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De acordo com o Quadro 1, observa-se que a maioria dos ser-

vidores do TCE, responsáveis pelas atividades de controle, possuem entre 46 e 55 anos, são do sexo masculino, têm graduação em Ciên-cias Contábeis e titulação de especialista, bem como praticam ativi-dades de controle externo há pelo menos 16 anos.

5.2.2. Perguntas sobre o SIC (Autoavaliação)

Primeiramente, questionou-se o nível de conhecimento sobre

o SIC, obtendo-se que cerca de 43% do total da amostra se auto ava-liou como tendo bom conhecimento sobre o SIC, 11% ótimo conhe-cimento e um pesquisado afirmou ter excelente conhecimento, o que pressupõe que a grande maioria sabe usar as ferramentas do sistema, satisfatoriamente. Constatou-se, também, que três integrantes da amostra afirmaram não possuir conhecimento no sistema, o que não é compreensível, uma vez que esse sistema está em uso no TCE des-de o ano de 1990.

Dentre os servidores, grande parte utiliza o SIC nas atividades de controle entre 8 e 12 anos e acima de 12 anos, com representati-vidade de 27,03% cada grupo. Do universo dos pesquisados, cerca de 19% empregam o SIC entre 3 e 7 anos. Três participantes afirma-ram utilizar o SIC há menos de 2 anos, o que não é compreensível, tendo em vista que o TCE disponibiliza o acesso a esse sistema há pelo menos 18 anos.

Observou-se, também, que sete servidores declararam não o-peracionalizar o sistema, o que é lamentável, visto que esse sistema é uma importante ferramenta de apoio às atividades de controle exter-no do TCE.

Por fim, procurou-se conhecer o grau de dificuldade dos usuá-rios na utilização do SIC e percebeu-se que apenas um servidor se avaliou como tendo total dificuldade em operar o sistema e que ne-nhum deles acredita possuir muita dificuldade. Observa-se, também, que a maioria dos usuários do sistema em estudo, precisamente 59,46%, possui média dificuldade. Referindo-se à questão acerca do

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nível de conhecimento, pode-se inferir que mesmo os servidores ten-do, em sua maioria, bom conhecimento no SIC, estes possuem difi-culdade em operacionalizar o sistema, precisando de ajuda para usar algumas ferramentas.

Da mesma forma, percebeu-se que cerca de 19% dos entrevis-tados, têm pouca dificuldade em operar o sistema, ou seja, sabem utilizar quase todas as ferramentas do SIC.

Do conjunto das respostas dos três questionamentos anterio-res, foi possível elaborar um resumo das autoavaliações realizadas pelos servidores, conforme exposto no Quadro 2. Mais uma vez uti-lizou-se a “moda” como medida de resultado na elaboração desse quadro.

Quadro 2 – Autoavaliação dos pesquisados

Auto-avaliação Servidores

Nível de Conhecimento no SIC Bom conhecimento

Tempo que utiliza o SIC nas atividades de con-trole externo

Acima de 8 anos

Grau de dificuldade no uso do SIC Média dificuldade

Fonte: Pesquisa direta (2009)

Conforme o Quadro 2, observa-se que a maioria dos servido-res do TCE utilizam o SIC há mais de oito anos e possuem bom co-nhecimento sobre esse sistema. No entanto, grande parte também afirmou possuir média dificuldade no SIC, podendo-se inferir que os servidores sentem dificuldade na operacionalização efetiva do siste-ma. Portanto, seria interessante que a Secretaria de Controle Exter-no promovesse a elaboração de manual ou guia de orientação para os servidores se ambientarem com o sistema e o utilizarem de ma-neira mais eficiente.

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5.2.2 Perguntas sobre o SIC (Utilização)

Nesse grupo de perguntas, inicialmente, buscou-se saber como os servidores qualificam o SIC quanto aos objetivos desse sistema de informação e obteve-se que a grande maioria qualifica o SIC como sistema de escrituração contábil, precisamente 73% da amostra. Des-ta feita, percebe-se que os servidores detêm conhecimento das finali-dades do SIC, ou seja, reconhecem que o SIC é um sistema que foi criado para processar a execução orçamentária, financeira, patrimo-nial e contábil das entidades que o integram.

Nessa questão, quatro servidores demonstraram desconheci-mento dos objetivos do SIC, tendo em vista que o qualificaram co-mo sistema de planejamento orçamentário e sistema de orçamento. Sabe-se que atualmente, o SIC não realiza atividades de planejamen-to orçamentário para o início das atividades dos órgãos, cabendo es-se procedimento a outro sistema da administração pública cearense, o Sistema Integrado de Acompanhamento de Programas (Siap). Em seguida, com a função de iniciar as atividades orçamentário-financeiras, é utilizado o Sistema Integrado de Orçamento e Finan-ças (Siof).

Em seguida, buscou-se evidenciar a frequência de acesso ao SIC para buscar informações relativas às atividades de controle ex-terno e observou-se que aproximadamente 38% dos servidores sem-pre acessam o SIC. A segunda opção mais assinalada foi a que os servidores acessam o SIC às vezes, representando 35,14% dos pes-quisados. Cumpre mencionar que sete servidores afirmaram nunca acessar o sistema, podendo-se inferir que estes sejam os mesmos que afirmaram não operacionalizar o sistema na questão do tempo de utilização.

Depois, foi questionada a rotina mais utilizada pelos usuários, obtendo-se que a rotina "Consultas" é a mais empregada pelos servi-dores do TCE, uma vez que aproximadamente 73% dos pesquisados marcaram essa opção. Por meio dessa rotina os usuários podem pes-quisar dados atualizados no nível de documentos que compõem as áreas orçamentária, financeira, contábil, patrimonial, extraorçamen-tária; Restos a Pagar; Despesas de exercícios anteriores e outros.

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A segunda rotina mais utilizada é "Relatórios", na qual são ge-rados demonstrativos e relatórios de forma setorial etc., tendo a pre-ferência de 5,41% da amostra, seguida da rotina "Tabelas", que per-mite aos usuários consultar plano de contas atualizado, programas de governo, suprimentos de fundos dentre outras opções, com repre-sentatividade de apenas 3% da amostra. Do mesmo modo da ques-tão anterior, 18,92% dos pesquisados afirmaram não utilizar ne-nhuma rotina.

A próxima questão teve como objetivo conhecer a opinião dos servidores com relação a contribuição do SIC para as atividades de controle externo exercidas no TCE. O gráfico 1 demonstra mais cla-ramente o resultado obtido.

Gráfico 1 – Contribuição do SIC para as atividades de controle externo Fonte: Pesquisa direta (2009)

De acordo com o gráfico 1, nota-se que a maioria dos servido-res, aproximadamente 49%, afirmaram que o SIC auxilia no julga-mento das contas dos administradores estaduais. No tocante à agili-dade das auditorias e inspeções realizadas pelos servidores do TCE, cerca de 29,73% apontaram que esta seja a contribuição do SIC, tendo em vista que o SIC permite verificar a exatidão e fidedignida-de das informações colhidas nas inspeções.

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Observa-se, também, que 8% dos pesquisados relataram que o SIC contribui para a apuração de irregularidades, na medida que permite o acompanhamento diário do gasto público e fornece infor-mações essenciais que constituem evidências nos processos sobre ir-regularidades encontradas na execução orçamentária, financeira, contábil etc. dos jurisdicionados.

Cerca de 5,41% da amostra respondeu que o SIC contribui pa-ra a elaboração do parecer prévio sobre as contas do Governador do Estado do Ceará. Na opinião de um servidor, o SIC contribui, ain-da, com a fiscalização dos repasses feitos aos fornecedores de bens e serviços da administração pública, na medida que disponibiliza um cadastro com informações completas desses prestadores de serviços, bem como as transações realizadas com estes.

Solicitou-se em seguida que o usuário evidenciasse sua opini-ão sobre a limitação do SIC para as atividades de controle externo e percebeu-se que a maioria dos pesquisados, cerca de 32,43%, afirma-ram que a deficiência de conteúdo gerencial da estrutura dos relató-rios gerados pelo SIC é um fator limitante que dificulta o entendi-mento e análise dos dados fornecidos.

Observou-se, também, que 27,03% da amostra apontou que a defasagem tecnológica do SIC constitui uma limitação dos traba-lhos. Em terceiro lugar, com cerca de 19% das respostas, foi o fator indisponibilidade on-line dos relatórios consolidados da Administra-ção Pública, fato este que atrasa a análise de algumas espécies pro-cessuais, um vez que, com esta carência, se faz necessário que al-guns demonstrativos sejam montados em outros programas fora do SIC e em diversos casos tem-se que solicitar que outra entidade os elabore.

Com apenas 5,41% das respostas ficou o fator lentidão para a finalização de documentos ou demonstrações. Na opinião de um servidor, a falta de integração do SIC com os demais sistemas in-formacionais existentes no Estado constitui uma limitação, visto que esse fato acarreta duplicidade de informações no sistema, gerando com isso desperdício de informações hábeis e tempestivas que pode-riam ser utilizadas nas análises dos processos do TCE.

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Ressalte-se que cerca de 11% dos entrevistados afirmaram que o SIC não possui limitações, ou seja, estão plenamente satisfeitos com o sistema.

Ao final destas perguntas, definiu-se as respostas que tiveram maior representatividade, permitindo a elaboração do Quadro 3:

Quadro 3 – Utilização do SIC

Perguntas sobre o SIC (Utilização) Servidores

Qualificação do SIC quanto aos objetivos Sistema de Escrituração contá-bil

Frequência de acesso ao SIC Sempre Rotina mais utilizada do SIC Consultas

Contribuição do SIC para as atividades de controle externo

Auxilia no julgamento das con-tas dos administradores estadu-ais

Limitação do SIC para as atividades de contro-le externo

Deficiência de conteúdo geren-cial da estrutura dos rela-tórios gerados

Fonte: Pesquisa direta (2009)

Finalmente, perguntou-se que melhorias poderiam ser intro-duzidas na utilização do SIC como forma de apoio ao controle do TCE. Percebeu-se que grande parte dos servidores, aproximadamen-te 49%, acreditam que um treinamento sobre o SIC aperfeiçoaria o uso desse sistema utilizado nos exames técnicos do TCE. Diante dis-so, nota-se que a promoção de um treinamento por parte do Instituto Plácido Castelo (IPC) seria útil para auxiliar os servidores na utiliza-ção do SIC.

Quanto à atualização tecnológica do SIC, cerca de 43,24% dos pesquisados afirmaram que esta seria uma melhoria às atividades de controle. Sobre este ponto, vale informar o desenvolvimento pelo Estado do Ceará do Sistema de Gestão Governamental por Resulta-dos (S2GPR), que estuda a possibilidade de integração dos diferen-tes ambientes, sistemas, das plataformas, bases de dados e todos os demais ativos de informação existentes no Estado. Este projeto, quando concluído, estenderá os campos de atuação do controle ex-terno, tendo em vista que disponibilizará uma maior quantidade de

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informações aos servidores, suprindo, desta forma, muitas limitações hoje existentes no SIC.

Cerca de 8,11% dos servidores, sugeriram outras melhorias. Na opinião de um servidor, a criação de relatórios mais fáceis de ex-trair, bem como mais direcionados ao controle externo seria uma grande melhoria. Do mesmo modo, outro servidor opinou acerca da expansão de relatórios a serem extraídos contendo informações mais amplas sobre Licitações.

Outra sugestão de melhoria foi o desenvolvimento web do SIC, procedimento este que permitiria o acesso às informações por meio da internet, agilizando sobremaneira a execução das atividades de controle.

5.3. Considerações Gerais

Dos resultados obtidos, constatou-se que a maioria dos pes-quisados compreende que o SIC é um sistema de escrituração contá-bil, bem como sempre o acessam para buscar informações que auxi-liam na execução das atividades de controle. Do mesmo modo, a-firmou-se que o SIC contribui para as atividades de controle externo, sendo que a principal contribuição apontada foi no momento da a-nálise das Prestações de Contas dos administradores estaduais.

Portanto, percebe-se que o SIC contribui positivamente nas a-tividades de controle, segundo foi comprovado na presente pesquisa com base nas afirmações dos servidores das Inspetorias que atuam diretamente com o SIC. Contudo, ainda é preciso aperfeiçoá-lo em alguns pontos, bem como é necessário que os próprios servidores a-profundem o seu conhecimento no SIC, por meio de treinamentos ou palestras, para que possam utilizá-lo de maneira mais eficiente.

Desta forma, esses foram os assuntos abordados no questioná-rio aplicado com os usuários que desenvolvem as atividades de con-trole externo nas Inspetorias, por meio do qual se buscou analisar o SIC dentro do contexto dessas atividades.

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6. Conclusão

O presente trabalho buscou evidenciar a contribuição do Sis-tema Integrado de Contabilidade (SIC) como ferramenta de controle externo no Tribunal de Contas do Estado do Ceará (TCE), por meio da pesquisa documental e de campo, realizada com os servidores a-tuantes nas Inspetorias de Controle Externo dessa Corte de Contas.

Na percepção dos usuários, várias são as contribuições do SIC. Em primeiro lugar, auxilia na análise das Tomadas ou Presta-ções de Contas dos administradores estaduais, espécie processual es-ta que possui maior representatividade dentre todos os processos do TCE, tendo em vista seu caráter de obrigatoriedade. Portanto, per-cebe-se que o SIC cumpre importante papel no exame desses proces-sos, visto que para a confirmação das informações enviadas pelos gestores, basta acessar o banco de dados do sistema, que se obtêm em tempo real.

Em segundo lugar, agiliza as auditorias e inspeções, tendo em vista que o SIC permite verificar a exatidão e a fidedignidade das in-formações colhidas nas inspeções. Contribui, em terceiro lugar, para a apuração de irregularidades, uma vez que, tendo os servidores a possibilidade do acompanhamento diário dos gastos dos jurisdicio-nados, podem estes, através das evidências extraídas do sistema, re-latar os achados de auditoria por meio da espécie processual Repre-sentação do TCE.

O SIC contribui ainda para a elaboração do parecer prévio so-bre as contas do Governador do Estado do Ceará, na medida que, ao final de cada exercício, disponibiliza os Balanços Consolidados da Administração Pública, demonstrações estas que são de caráter essencial para a elaboração do Relatório Técnico que subsidiará a emissão do parecer prévio.

Por fim, a fiscalização dos repasses feitos aos fornecedores de bens e serviços da Administração Pública também foi apontada co-mo contribuição, visto que o SIC disponibiliza um cadastro com in-formações completas desses prestadores de serviços, bem como as transações realizadas com estes.

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Entretanto, observou-se também que ainda é preciso aperfei-çoar esse sistema, visto que utiliza uma tecnologia desatualizada e, principalmente, não contempla as melhores práticas para a geração de informações gerenciais.

Portanto, a introdução de algumas melhorias tais como a ex-pansão de relatórios que disponibilizem mais informações sobre Li-citações, a criação de relatórios direcionados ao controle externo, bem como o desenvolvimento web do SIC, seriam de grande valia para o controle exercido pelo TCE.

Ademais, percebeu-se que os próprios servidores não têm mui-to conhecimento do SIC, tampouco o utilizam de maneira eficiente, o que prejudica a execução das atividades de controle externo de maneira completa, visto que a maioria dos participantes da pesquisa afirmou possuir média dificuldade em relação a seu uso, bem como alguns servidores demonstraram desconhecer os objetivos do siste-ma.

Observou-se, também, que alguns servidores não utilizam o sistema. Esse fator deve ser considerado, pois a produtividade do TCE será maximizada na medida que os recursos humanos forem habilitados e envolvidos na operacionalização e gerenciamento do sistema SIC de forma a atender as novas atitudes e comportamentos modernos compatíveis com as aspirações da sociedade.

De acordo com as informações fornecidas pelos servidores, o SIC auxilia nas atividades mais relevantes do TCE, contribuindo po-sitivamente para a agilidade desses trabalhos. Dessa forma, percebe-se que ele constitui ferramenta de fundamental importância para es-sa Corte de Contas, contudo, ainda é preciso reformulações, bem como uma maior integração entre o sistema e os usuários.

Diante do exposto, sugere-se que o Instituto Plácido Castelo (IPC) invista em treinamentos específicos sobre o SIC para os servi-dores; e que a Secretaria de Controle Externo adote um guia para que os usuários utilizem durante o manuseio do SIC, a fim de que este contribua de forma efetiva na execução das atividades de con-trole externo, permitindo, assim, que o TCE exerça seu papel fiscali-zador de forma eficiente, eficaz e tempestiva.

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Pregão para contratação de Bens e Serviços em Tecnologia da Informação – Sistema (software) em

Gestão Pública

Gustavo Vidigal Costa Técnico Superior em Controle Externo do Tribunal de

Contas do Estado de Minas Gerais (TCE/MG). Instrutor da Escola de Contas e Capacitação

“Prof. Pedro Aleixo” do TCE/MG

Resumo: Este estudo de Direito Administrativo Aplicado, notadamente, o Instituto das Licitações aborda a forma adequada de Contratação de Bens e Serviços em Tecnologia da Informação de Sistemas em Gestão Pública. São delineados os con-ceitos, entendimentos do Tribunal de Contas da União, doutrina pátria que nortei-am a possibilidade de utilização da modalidade Pregão para contratação de tais bens e serviços em Tecnologia da Informação. Caracterização como bens e serviços comuns, parametrizáveis, usualmente encontrados no mercado que elidem a esco-lha do tipo “técnica e preço” para contratação. Interpretação atual da legislação so-bre a matéria. 1. Intróito. Conceito de Sistema em Gestão Pública

Situação que tem gerado enormes dúvidas nos operadores do

Direito, membros de Comissões de Licitação, Gestores Públicos e Tribunais de Contas referem-se à forma de escolha da modalidade e do tipo de licitação para contratação de bens e serviços em Tecnolo-gia da Informação, especialmente, softwares de Sistema em Gestão Pública.

Este artigo não tem a pretensão de solucionar todas as dúvidas acerca da forma de contratação de softwares de Sistema em Gestão Pública, que visam atender as necessidades dos diversos entes públi-cos no gerenciamento em áreas correlatas ao seu dia a dia.

Todavia, no decorrer deste estudo, as explanações irão nortear o Administrador Público e os Controladores Interno e Externo na obtenção e na fiscalização da melhor forma de contratação da pres-tação de serviços concernentes à implantação de softwares em gestão pública.

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Sistema em Gestão Pública é uma arquitetura de software que facilita o fluxo de informação entre todas as funções dentro de um ente público (Prefeituras, Câmaras, Autarquias, Empresas Públicas, Sociedades de Economia Mista etc), tais como Planejamento de Governo, Contabilidade Pública e Tesouraria, Controle Interno, Gestão de Contratações Públicas, Gestão de Almoxarifado, Gestão de Patrimônio Público, Gestão de Frotas, Gestão Tributária, Gestão de Pessoal e Folha de Pagamentos, Gestão de Processos – Protoco-lo, dentre outros.

O Sistema (software) em Gestão Pública automatiza os pro-cessos de um ente público, com a meta de integrar as informações através da organização, eliminando interfaces complexas e caras en-tre sistemas não projetados para conversarem.

Insta observar que o Sistema em Gestão Pública, que abrange vários subsistemas, tem o objetivo de facilitar a remessa de dados pa-ra o Controle Externo dos Tribunais de Contas, controle de esto-ques, licitações, orçamento público, folha de pagamento, controle de atendimento em Posto de Saúde, arrecadação de tributos, atendi-mento online pelos cidadãos, etc. Em suma, agilizar o fluxo das in-formações na rede de serviços, melhorando as condições de trabalho no atendimento do interesse público primário e secundário.

2. Da Modalidade e do Tipo de Licitação

É de se asseverar que “a definição do objeto é o ponto nevrálgico de

toda licitação, mormente se as características desse objeto forem sujeitas, co-mo o são os bens e serviços de informática, a pormenores de especificações técnicas, que variam ao sabor de alterações tecnológicas e flutuações de mer-cado, dependentes, a seu turno, de políticas e influências procedentes do Exte-rior”. (Pereira Júnior, 2000, p. 13).

Assim sendo, é usual, com base nas Análises Técnicas elabora-das pelo Egrégio Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais – TCE/MG (p.ex. Processo Administrativo nº 832.411/2010), que o objeto para contratação de software de gestão pública é assim deli-mitado, verbis:

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“contratação de empresa especializada em ces-são de direito de uso (locação) dos seguintes sis-temas integrados de gestão pública: (1) Contabi-lidade, Tesouraria e Planejamento Institucional (PPA, LDO e LOA); (2) Patrimônio Público e (3) Pessoal e Folha de Pagamento, além dos se-guintes serviços complementares: (I) Serviços de implantação dos sistemas; (II) Apoio Técnico a distância; (III) Atualização do sistema; (IV) Ma-nutenção do sistema; (V) Serviços avulsos de treinamento e (VI) Apoio Técnico presencial.” (Pregão Presencial nº 001/2010, promovido pelo Instituto de Previdência dos Servidores do Mu-nicípio de São Sebastião do Paraíso/MG (IN-PAR), item 2 do Edital).

Pois bem. No art. 46 da Lei 8.666/1993, caput, está disposto o

seguinte:

Art. 46. Os tipos de licitação "melhor técnica" ou "técnica e preço" serão utilizados exclusiva-mente para serviços de natureza predominan-temente intelectual, em especial na elaboração de projetos, cálculos, fiscalização, supervisão e gerenciamento e de engenharia consultiva em geral e, em particular, para a elaboração de estu-dos técnicos preliminares e projetos básicos e executivos, ressalvado o disposto no §4o do arti-go anterior. (grifo nosso)

Tendo em vista, de forma geral, que para contratação de em-presa especializada em cessão de direito de uso (ou locação, licen-ciamento) dos sistemas integrados em gestão pública e serviços complementares, o pressuposto é o de que sistema já exista (Acór-dão TCU nº 16/2004 – Plenário) e/ou pelo menos que “possa ser de-finido objetivamente e ter padrões de desempenho e qualidade especifica-dos” (Acórdão TCU nº 2658/2007 – Plenário), não há que se falar em serviço de natureza predominantemente intelectual, pois se trata

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de fornecimento de software e serviços interligados objetivamente obtidos no mercado.

Quanto à padronização de bens e serviços de informática, ca-racterística necessária para que sejam considerados comuns, esta não precisa ser absoluta. Nesse sentido, leciona Marçal Justen Filho:

“O resultado imediato da padronização consiste na ausência de variação das características do objeto a ser licitado. Um bem ou serviço é “co-mum” quando suas qualidades e seus atributos são predeterminados, com características invari-áveis ou sujeitas a diferenças mínimas e irrele-vantes.” (Justen Filho, 2005)

Também vale citar o professor Hely Lopes Meirelles, que em

seu livro “Direito Administrativo Brasileiro” afirma que “o que carac-teriza os bens e serviços comuns é sua padronização, ou seja, a possibilidade de substituição de uns por outros com o mesmo padrão de qualidade e eficiên-cia” (Meirelles, 2010).

Quanto à complexidade, esta não necessariamente descaracte-riza o bem ou serviço como comum. Destaca-se, nesse sentido, o re-latório relativo ao Acórdão n.º 313/2004, onde o Ministro Benjamin Zymler defende que:

“O administrador público, ao analisar se o obje-to do pregão enquadra-se no conceito de bem ou serviço comum, deverá considerar dois fatores: os padrões de desempenho e qualidade podem ser objetivamente definidos no edital? As especi-ficações estabelecidas são usuais no mercado? Se esses dois requisitos forem atendidos o bem ou serviço poderá ser licitado na modalidade pre-gão. A verificação do nível de especificidade do obje-to constitui um ótimo recurso a ser utilizado pe-lo administrador público na identificação de um bem de natureza comum. Isso não significa que somente os bens pouco sofisticados poderão ser

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objeto do pregão, ao contrário, objetos comple-xos podem também ser enquadrados como co-muns.”

O festejado Prof. Jessé Torres Pereira Júnior aduz que “em a-

proximação inicial do tema, pareceu que ‘comum’ também sugeria simpli-cidade. Percebe-se, a seguir, que não. O objeto pode portar complexidade téc-nica e ainda assim ser ‘comum”, no sentido de que essa técnica é perfeita-mente conhecida, dominada e oferecida ao mercado. Sendo tal técnica bas-tante para atender às necessidades da Administração, a modalidade pregão é cabível a despeito da maior sofisticação do objeto.”(Pereira Júnior, 2003, p. 1006)

Sedimentando ainda mais o tema, a Profa. Vera Scarpinella assevera que “bens e serviços com complexidade técnica, seja na sua defini-ção ou na sua execução, também são passíveis de ser contratados por meio de pregão. O que se exige é que a técnica nele envolvida seja conhecida no mer-cado do objeto ofertado, possibilitando, por isso, sua descrição de forma obje-tiva no edital.” (Scarpinella, 2003, p. 81)

Por este norte, entende-se que é cabível o tipo de licitação “menor preço”, pois o objeto, ainda que seja complexo, e ainda que necessite de adaptações das soluções já existentes, não trata de servi-ços em que a arte e racionalidade humanas são essenciais para sua execução satisfatória.

Com o escopo de propiciar melhor visualização acerca do te-ma aqui exposto, têm-se os entendimentos da “Nota Técnica nº 02/2008 – SEFTI/TCU” emitida pelo Tribunal de Contas da União, que corroboram acerca do enquadramento de bens e serviços em Tecnologia da Informação como “comuns”, passíveis de contratação pela modalidade Pregão, verbis:

“Entendimento I. A licitação de bens e serviços de tecnologia da informação considerados co-muns, ou seja, aqueles que possuam padrões de desempenho e de qualidade objetivamente defi-nidos pelo edital, com base em especificações usuais no mercado, deve ser obrigatoriamente realizada pela modalidade Pregão, preferencial-

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mente na forma eletrônica. Quando, eventual-mente, não for viável utilizar essa forma, deverá ser anexada a justificativa correspondente En-tendimento II. Devido à padronização existente no mercado, os bens e serviços de tecnologia da informação geralmente atendem a protocolos, métodos e técnicas pré-estabelecidos e conheci-dos e a padrões de desempenho e qualidade que podem ser objetivamente definidos por meio de especificações usuais no mercado. Logo, via de regra, esses bens e serviços devem ser considera-dos comuns para fins de utilização da modalida-de Pregão. Entendimento III. Serviços de TI cuja natureza seja predominantemente intelectual não podem ser licitados por meio de pregão. Tal natureza é típica daqueles serviços em que a arte e a racio-nalidade humanas são essenciais para sua exe-cução satisfatória. Não se trata, pois, de tarefas que possam ser executadas mecanicamente ou segundo protocolos, métodos e técnicas preesta-belecidos e conhecidos. Entendimento IV. Em geral, nem a complexida-de dos bens ou serviços de tecnologia da infor-mação nem o fato de eles serem críticos para a consecução das atividades dos entes da Admi-nistração descaracterizam a padronização com que tais objetos são usualmente comercializados no mercado. Logo, nem essa complexidade nem a relevância desses bens e serviços justificam o afastamento da obrigatoriedade de se licitar pela modalidade Pregão. Entendimento V. Nas aquisições mediante Pre-gão, o gestor deve avaliar a complexidade de-mandada na preparação das propostas pelos e-ventuais interessados e buscar definir o prazo mais adequado entre a data de publicação do a-viso do Pregão e a de apresentação das propos-tas, a qual nunca poderá ser inferior a 8 dias ú-teis, de modo a garantir a isonomia entre os inte-

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ressados que tenham acessado especificações do obje-to antecipadamente, por terem colaborado na fase de planejamento pelo fornecimento das informações mer-cadológicas e técnicas necessárias, e os demais interes-sados. Desse modo, procurar-se-á ampliar a possibili-dade de competição. Entendimento VI. A decisão de não considerar co-muns determinados bens ou serviços de tecnologia da informação deve ser justificada nos autos do processo licitatório. Nesse caso, a licitação não poderá ser do ti-po "menor preço”, visto que as licitações do tipo "me-nor preço” devem ser realizadas na modalidade Pre-gão.

Quanto ao artigo 45, § 4º, da Lei 8.666/93, que determina a adoção do tipo “técnica e preço” nas contratações de bens e serviços de informática, nos termos do artigo 3º da Lei 8.248/91, destaca-se que a Lei nº. 11.077, de 30 de dezembro de 2004, trouxe alterações ao artigo 3º da Lei no 8.248/91 que possibilitaram a aquisição de bens e serviços de informática comuns na modalidade pregão:

Art. 3º Os órgãos e entidades da Administração Pública Federal, direta ou indireta, as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público e as demais organizações sob o controle direto ou in-direto da União darão preferência, nas aquisi-ções de bens e serviços de informática e automa-ção, observada a seguinte ordem, a: (Redação dada pela Lei nº 10.176, de 11.1.2001) (Regula-mento) (...) §3º A aquisição de bens e serviços de informá-tica e automação, considerados como bens e serviços comuns nos termos do parágrafo único do art. 1º da Lei no 10.520, de 17 de julho de 2002, poderá ser realizada na modalidade pre-gão, restrita às empresas que cumpram o Proces-so Produtivo Básico nos termos desta Lei e da Lei no 8.387, de 30 de dezembro de 1991. (Re-dação dada pela Lei nº 11.077, de 2004)

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Ressalta-se que a leitura restritiva do §3º do art. 3º da Lei

8.248/91 poderia conduzir à conclusão de que a modalidade de Pre-gão apenas poderia ser utilizada para aquisição de bens e serviços comuns de informática e automação em que o licitante comprove o cumprimento do Processo Produtivo Básico definido pela Lei 8.248/91, no entanto, não é esta considerada a melhor interpretação segundo o Exmo. Sr. Ministro Walton Alencar Rodriguez, que no Acórdão nº 2.138/2005 manifestou o seguinte:

Contrariamente aos primados da hermenêutica, segundo os quais a busca do conteúdo e do sen-tido da norma deve ter em vista a finalidade da lei e a ordem social que a preside (art. 5º do De-creto-Lei 4.657/42), essa interpretação restrita conduz à esdrúxula situação em que a Adminis-tração Pública não poderá valer-se do Pregão para aquisição de bens e serviços comuns de in-formática e automação que não cumpram o Pro-cesso Produtivo Básico, o que poderá acarretar graves riscos de prejuízo aos cofres públicos. Su-cede que grande parte dos produtos da espécie ainda não dispõe de fabricação interna, embora essa produção nacional seja desejável do ponto de vista de desenvolvimento estratégico brasilei-ro, que será realizado paulatinamente por inter-médio de políticas públicas de incentivo ao pro-gresso tecnológico brasileiro. Enquanto não implementado integralmente um parque nacional produtivo de bens comuns de informática e automação, seria contrassenso im-por à Administração Pública procedimento mais gravoso para aquisição de produtos não fabrica-dos no Brasil, sob pena de ofensa aos princípios da eficiência e da economicidade. Essa possibi-lidade atenta contra o indeclinável interesse pú-blico, pois a utilização dessa modalidade licita-tória tem-se revelado econômica e eficiente na seleção de propostas mais vantajosas.

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Sob o prisma estritamente jurídico, a melhor in-teligência que se pode extrair da norma, a partir da compreensão sistemática e teleológica, resulta de pressuposto de que o art. 3º da Lei 8.248/91, em sua redação atual, tem por escopo o exercí-cio do direito de preferência como critério de de-sempate das melhores propostas obtidas em cer-tame público, destinadas ao fornecimento de bens e serviços tecnológicos de automação e in-formática. É nesse contexto que deve ser inter-pretado o parágrafo 3º do referido comando le-gal, ou seja, a verificação do Processo Produti-vo Básico nos procedimentos de Pregão decor-re tão somente da eventualidade de se aplicar a regra da preferência insculpida no caput do ar-tigo 3º da Lei 8.248/91 a que se vincula o men-cionado parágrafo, nada mais além disso. (grifo nosso)

Como leciona o ilustre Marçal Justen Filho:

“O §4º do art. 45 reflete um estágio inicial da evolução tecnológica, em que a inovação se traduzia na ausência de bens e serviços padro-nizados. O dispositivo perdeu (se é que algum dia o teve) sua razão de ser. Com a evolução e o progresso, os bens e serviços na área de informá-tica inseriram-se no processo de produção em massa. Perderam suas especificidades. Isso signi-fica que, tal como se passa com a maior parte dos produtos, os bens e serviços de informática podem ser distinguidos em duas categorias fundamentais. Há os padronizados, disponíveis facilmente no mercado, e há os dotados de pe-culiaridades e especificidades. Assim, é perfeitamente possível encontrar equi-pamentos de informática à venda em supermer-cados e lojas não especializadas. Ali também se vendem os chamados “softwares de prateleira”: programas com perfil não diferenciado, comer-

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cializados em massa e que podem ser facilmente instalados e operados. Ora, é evidente que essa espécie de bens e servi-ços não demanda licitação de técnica e preço, eis que não há sequer possibilidade de cogita-ção de variação técnica apta a satisfazer de modo mais adequado o interesse sob tutela do Estado. Aliás, o reconhecimento da procedência do raciocínio conduziu à possibilidade de utili-zação de pregão para contratação nessa área. Portanto, tem de interpretar-se o §4º de modo compatível com a Constituição, para evitar o re-sultado prático de a Administração ser obrigada a desembolsar valores superiores aos necessá-rios. A licitação do tipo técnica será aplicada sempre que a necessidade administrativa en-volver alguma característica especial ou pecu-liar, que não possa ser satisfeita por meio dos produtos padronizados. Para ser mais preciso, até se pode admitir que a Administração possa adquirir produtos sob encomenda, não disponí-veis no mercado, valendo-se de licitação de menor preço quando sua necessidade não exigir variações técnicas, qualidades especiais ou a-tributos diferenciados por parte dos bens e ser-viços que pretende adquirir. É imperioso, por tudo isso, que a adoção técnica e preço seja voltada a selecionar efetivamente os bens e serviços que apresentem desempenho e qualidades técnicas mais significativos.” (grifos nossos) (Justen Filho, 2008)

Nesse sentido, vale ainda citar o Exmo. Sr. Augusto Sherman

Cavalcanti, que no Acórdão 237/2009 afirmou o seguinte:

A despeito disso, entendo oportuno ressaltar as-pectos relevantes acerca da possibilidade de uti-lização do pregão como modalidade licitatória para a contratação de bens e serviços comuns de tecnologia da informação (TI), de maneira que

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reste clara a orientação do Tribunal sobre a ma-téria. 2. Desde que a licitação pela modalidade Pregão foi positivada no ordenamento jurídico, por meio da Medida Provisória 2.026/2000 (posteri-ormente convertida na Lei 10.520/2002) e regu-lamentada pelo Decreto 3.555/2000, a decisão de utilizar essa modalidade (pregão) ou outra (concorrência, tomada de preço...), pelo tipo técnica e preço, para contratação de bens e ser-viços de TI constituiu-se em assunto controver-so. Diversos outros normativos ao longo do tempo estabeleceram regramentos sobre o assun-to. Cito como exemplo as Leis 10.176/2001 e 11.077/2004, e os Decretos 3.693/2000, 3.784/2001 e 5.450/2005. As frequentes altera-ções legislativas tornaram o assunto ainda mais complexo e ampliaram as dúvidas dos gestores públicos sobre a modalidade e tipo de licitação a serem utilizados para a contratação de bens e serviços de TI. 3. A partir do ano de 2004, com a alteração do § 3º, do art. 3º, da Lei 8.248/91, pela Lei 11.077/04, a questão ganhou novos contornos, vez que o mencionado dispositivo expressamen-te declara que a aquisição de bens e serviços co-muns de informática poderia ser realizada na modalidade pregão. Note-se que o art. 45, § 4º da Lei 8.666/93, prescreve, também expressa-mente, que a administração deve observar o alu-dido art. 3º na contratação de bens e serviços de informática. 4. O art. 4º do Decreto 5.450/05, por sua vez, estabelece, para a Administração Federal, ser obrigatório (sendo preferencial a forma eletrôni-ca) o uso da modalidade pregão, na contratação de bens e serviços comuns, complementando o escopo legislativo sobre a matéria, de maneira que a interpretação conjunta e sistemática desses dispositivos, levaria à conclusão da obrigatorie-

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dade, no âmbito da Administração Pública Fe-deral, do uso da modalidade pregão na contrata-ção de bens e serviços comuns de informática. 5. Não obstante a indicação legislativa, a maté-ria continuaria controversa no âmbito da Admi-nistração Federal e desta Corte de Contas, talvez em razão da longa e sedimentada prática de con-tratação de bens e serviços de TI por licitação do tipo técnica e preço. E, também, da confusão que ainda hoje se faz quanto ao que se entende por "bens e serviços comuns”, no sentido de que seriam o oposto de "bens e serviços complexos”, de maneira que, os bens e serviços de TI, por se-rem muitas vezes considerados "complexos” (portanto não seriam comuns) não poderiam ser contratados por pregão. 6. Ocorre que "bem e serviço comum” não é o oposto de "bem e serviço complexo”. Bens e serviços comuns, segundo o art. 1º, § 1º, da Lei 10.520/02, são aqueles cujos padrões de desem-penho e qualidade possam ser objetivamente de-finidos por meio de especificações usuais no mercado. Isto é, são aqueles que podem ser es-pecificados a partir de características (de desem-penho e qualidade) que estejam comumente dis-ponibilizadas no mercado pelos fornecedores, não importando se tais características são com-plexas, ou não. 7. De qualquer modo, é de reconhecer que a ma-téria, por muito tempo, restou controversa. 8. No entanto, por ocasião da prolação do re-cente Acórdão 2.471/2008 - Plenário, da rela-toria do próprio Ministro Benjamin Zymler, a questão foi finalmente pacificada, e esta Corte adotou posicionamento pela obrigatoriedade da utilização da modalidade pregão para con-tratação de bens e serviços de informática con-siderados comuns, salvo se forem de natureza predominantemente intelectual, vez que, para estes, o art. 46 da Lei 8.666/93 exige licitação

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do tipo "melhor técnica” ou "técnica e preço” (incompatível com o pregão). (grifos nossos)

Cumpre informar, ainda, segundo publicação de 07/07/2009 do site Governo Eletrônico1, que o TCU tem defendido o uso de pregão eletrônico nos contratos realizados pelos órgãos públicos em tecnologia da informação (TI), considerando de natureza comum os bens e serviços mais contratados pela Administração Pública nessa área, como desenvolvimento de softwares, aquisição de banco de dados e atendimento aos usuários.

Diante disso, destaca-se o Acórdão 2.471/2008 - Plenário, do TCU, que recomenda ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG) que preveja em documento normativo, que trate exclusivamente de licitação e contratação de serviços de tecnologia da informação, orientação para os órgãos e as entidades federais no sentido de que seja obrigatório o uso do pregão para contratar bens e serviços de tecnologia da informação considerados comuns, in verbis:

“Vistos, relatados e discutidos estes autos que tratam de fiscalizações de orientação centraliza-da, realizadas no âmbito do Tema de Maior Sig-nificância "Terceirização na Administração Pú-blica Federal”, subtema "Terceirização em Tec-nologia da Informação”. ACORDAM os Minis-tros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão do Plenário, ante as razões expostas pelo Relator, em: [...] 9.2. recomendar ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão - MPOG que preveja, em documento normativo que trate exclusivamente de licitação e contratação de serviços de Tecno-logia da Informação, distinto da norma que se refere genericamente à contratação de outros serviços, que os órgãos e entidades da Adminis-tração Pública Direta, Autárquica e Fundacio-

1 http://www.governoeletronico.gov.br/noticias-e-eventos/noticias/tcu-defende-uso-de-pregao-eletronico-em-contratos-na-area-de-ti.

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nal devem utilizar o pregão para contratar bens e serviços de informática considerados comuns, observado o disposto abaixo: 9.2.1. A licitação de bens e serviços de tecnolo-gia da informação considerados comuns, ou se-ja, aqueles que possuam padrões de desempenho e de qualidade objetivamente definidos pelo edi-tal, com base em especificações usuais no mer-cado, deve ser obrigatoriamente realizada pela modalidade Pregão, preferencialmente na for-ma eletrônica. Quando, eventualmente, não for viável utilizar essa forma, deverá ser ane-xada a justificativa correspondente (Lei nº 10.520/2002, art. 1º; Lei nº 8.248/1991, art. 3º, § 3º; Decreto nº 3.555/2000, anexo II; Decreto nº 5.450/2005, art. 4º, e Acórdão nº 1.547/2004 - Primeira Câmara); 9.2.2. Devido à padronização existente no mercado, os bens e serviços de tecnologia da informação geralmente atendem a protocolos, métodos e técnicas pré-estabelecidos e conheci-dos e a padrões de desempenho e qualidade que podem ser objetivamente definidos por meio de especificações usuais no mercado. Logo, via de regra, esses bens e serviços devem ser conside-rados comuns para fins de utilização da moda-lidade Pregão (Lei nº 10.520/2002, art. 1º); 9.2.3. Bens e serviços de TI cuja natureza seja predominantemente intelectual não podem ser licitados por meio de pregão. Tal natureza é típi-ca daqueles serviços em que a arte e a racionali-dade humanas são essenciais para sua execução satisfatória. Não se trata, pois, de tarefas que possam ser executadas mecanicamente ou se-gundo protocolos, métodos e técnicas pré-estabelecidos e conhecidos; 9.2.4. Em geral, nem a complexidade dos bens ou serviços de tecnologia da informação nem o fato de eles serem críticos para a consecução das atividades dos entes da Administração des-

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caracterizam a padronização com que tais obje-tos são usualmente comercializados no merca-do. Logo, nem essa complexidade nem a rele-vância desses bens justificam o afastamento da obrigatoriedade de se licitar pela modalidade Pregão (Lei nº 10.520/2002, art. 1º, e Acórdão nº 1.114/2006 - Plenário); 9.2.5. Nas aquisições mediante Pregão, o gestor deve avaliar a complexidade demandada na pre-paração das propostas pelos eventuais interessa-dos e buscar definir o prazo mais adequado entre a data de publicação do aviso do Pregão e a de apresentação das propostas, a qual nunca poderá ser inferior a 8 dias úteis, de modo a garantir a isonomia entre os interessados que tenham aces-sado especificações do objeto antecipadamente, por terem colaborado na fase de planejamento pelo fornecimento das informações mercadoló-gicas e técnicas necessárias, e os demais interes-sados. Desse modo, procurar-se-á ampliar a pos-sibilidade de competição (Lei nº 8.666/1993, art. 3º; Lei nº 10.520/2002, art. 4º, V, e Acórdão nº 2.658/2007 - Plenário); 9.2.6. A decisão de não considerar comuns de-terminados bens ou serviços de tecnologia da informação deve ser justificada nos autos do processo licitatório. Nesse caso, a licitação não poderá ser do tipo "menor preço”, visto que as licitações do tipo "menor preço” devem ser re-alizadas na modalidade Pregão. (Lei nº 8.666/1993, art. 15, III; Lei nº 10.520/2002, art. 1º; Decreto nº 5.450/2005, art. 4º, e Acórdão nº 1.547/2004 - Primeira Câmara);” (grifos nossos)

Devido à padronização existente no mercado, os bens e servi-

ços de tecnologia da informação geralmente atendem a protocolos, métodos e técnicas pré-estabelecidos e conhecidos e a padrões de de-sempenho e qualidade que podem ser objetivamente definidos por meio de especificações usuais no mercado. Logo, via de regra, esses

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bens e serviços devem ser considerados comuns para fins de utiliza-ção da modalidade Pregão.

Em geral, nem a complexidade dos bens ou serviços de tecno-logia da informação nem o fato deles serem críticos para a consecu-ção das atividades dos entes da Administração Pública descaracteri-zam a padronização com que tais objetos são usualmente comercia-lizados no mercado. Logo, nem essa complexidade nem a relevância desses bens justificam o afastamento da obrigatoriedade de se licitar pela modalidade Pregão.

Nesta toada, tem-se o entendimento esposado pelo TCU no Acórdão nº 2658/2007 – Plenário, que assim está disposto, ipsis lit-teris:

“(...) Deve-se destacar, também, que o próprio Tribu-nal tem contratado serviços de TI com caracte-rísticas semelhantes a estes da Caixa utilizando-se da modalidade pregão, por entender que se trata de serviços comuns. Como exemplo, desta-cam-se três: os Pregões nos 27/2007, 68/2007 e 85/2007. O objeto do Pregão nº 68/2007 é muito seme-lhante ao objeto da contratação da caixa em análise: ‘prestação de serviços técnicos especiali-zados de informática, compreendendo planeja-mento, desenvolvimento, implantação e execu-ção da operação e monitoramento de ambiente de Tecnologia da Informação – TI, que envolve atividades de monitoramento de consoles, exe-cução e acompanhamento de rotinas de produ-ção, operação de equipamentos, identificação, análise e resolução de problemas por meio de s-cripts de produção, conforme especificações constantes do Anexo II – Especificações Técni-cas’ O Pregão nº 85/2007 também objetiva a contra-tação de serviços semelhantes aos pretendidos pela Caixa: ‘serviços técnicos especializados na área de tecnologia da informação para planeja-

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mento, desenvolvimento, implantação e execu-ção continuada de atividades de suporte técnico remoto e presencial a usuários de soluções de tecnologia da informação – TI, abrangendo a execução de rotinas periódicas, orientação e es-clarecimento de dúvidas e recebimento, registro, análise, diagnóstico e atendimento de solicita-ções de clientes, conforme especificações cons-tantes no Termo de Referência – Anexo I e Es-pecificações Técnicas – Anexo II’. Outro objeto de contratação do TCU que mere-ce ser lembrado é o relativo ao Pregão nº 27/2007 que trata da ‘prestação dos serviços de diagnóstico de maturidade organizacional do TCU quanto à adoção de gerência de serviços de TI e segurança da informação ao modelo I-TIL/NBR ISSO/IEC 17799:2005’ (...) Portanto, existe a possibilidade de realização da presente licitação na modalidade pregão, existe vantagem para a Administração Pública na utili-zação dessa modalidade sobre a opção de con-corrência do tipo ‘técnica e preço’ e, mais impor-tante, a legislação vigente é plenamente atendi-da”

Por derradeiro, entende-se que a utilização de licitação tipo

menor preço é própria para a contratação de Sistemas de Gestão Pú-blica, pois os bens e serviços previstos são comuns, sendo recomen-dada a utilização da modalidade Pregão, pois tudo indica que tal modalidade afigurar-se-á como a solução mais econômica, além de mais célere e ágil, possibilitando a obtenção de preços mais baixos.

Conclusão

De tudo o que foi exposto, é possível concluir que a contrata-

ção de bens e serviços de tecnologia da informação, notadamente, Sistemas em Gestão Pública, desde que possuam padrões de desem-penho e de qualidade objetivamente definidos pelo edital, com base

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em especificações usuais no mercado, deve ser obrigatoriamente rea-lizada pela modalidade Pregão.

Referências JUSTEN FILHO, M. Comentários à Legislação do Pregão Co-mum e Eletrônico. 4ª edição. Ed. Dialética, 2005. JUSTEN FILHO, M. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 12ª edição. Ed. Dialética, 2008. MEIRELLES, H. L. Direito Administrativo Brasileiro. 18ª edição. Atualizada em sua 18ª edição por Eurico de Andrade Azevedo, Dél-cio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho, Ed. Malheiros. PEREIRA JÚNIOR, J. T.. Comentário à Lei de Licitações e Con-tratos da Administração Pública. 6ª Ed. Editora Renovar, 2003. SCARPINELLA, V. Licitação na Modalidade de Pregão. Editora Malheiros, 2003, p. 81.

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Prescrição no Âmbito dos Tribunais de Contas

Karisa Carolina Teixeira de Sousa Mariano Advogada. Especialista em Processo Civil

pela FESAC – Fundação Escola Superior de Advocacia do Estado do Ceará.

Assessora do Tribunal de Contas do Estado do Ceará.

Resumo: A matéria aqui tratada é de alta complexidade e de muitas controvérsias. O presente estudo tem por finalidade suscitar alguns questionamentos sobre a apli-cabilidade do instituto da prescrição quinquenal aos processos afetos aos Tribunais de Contas, analisando a aplicação analógica com as regras do direito civil ou com as regras do direito administrativo, avaliando a prescrição como elemento do devi-do processo legal, necessário à resolução de conflitos, com a consequente pacifica-ção social. 1. Introdução

Segundo Pablo Stolze Gagliano, “a prescrição é a perda da

pretensão de reparação do direito violado, em virtude da inércia do seu titular, no prazo previsto pela lei”.

De acordo com Câmara Leal, a decadência e a prescrição se assemelham num ponto: “ambas se fundam na inércia continuada do titular durante um certo lapso de tempo, e têm, portanto, como fatores operantes a inércia e o tempo”.

Violado o direito, surge a pretensão, ou seja, aquele direito se torna exigível, devendo ser exercitado no prazo fixado em lei, caso contrário, opera-se a prescrição.

Na verdade, a prescrição não tem como objetivo extinguir a ação, pois mesmo que o instituto tenha sido reconhecido judicial-mente, ainda assim terá havido o exercício regular do direito de a-ção, conforme dispõe o art. 269, inciso IV, do Código de Processo Civil, portanto, o que a prescrição extingue é o direito de exigir a prestação da tutela, ou seja, a pretensão em si. A prescrição é, em síntese, a perda do direito de exigir a pretensão e não a perda do di-reito de ação.

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Como sabemos, “a todo direito corresponde uma ação que o assegura”. Mas, é evidente que toda ação, em regra, deve ter um prazo para ser proposta, para garantir a segurança nas relações jurí-dicas, sob pena de tumulto geral. É de conhecimento de todos, o ve-lho brocardo segundo o qual “a lei não socorre os que dormem”.

O prof. Sílvio Rodrigues, no seu Dir. Civil, vol. 1, 7ª ed, pág.314/316, leciona sobre a questão do tempo e da segurança nas relações jurídicas, dizendo que a prescrição se fundamenta

“...no anseio da sociedade em não permitir que demandas fiquem indefinidamente em aberto; no interesse social em estabelecer um clima de segurança e harmonia, pondo termo a situações litigiosas e evitando que, passados anos e anos, venham a ser propostas ações, reclamando direi-tos cuja prova de constituição se perdeu no tem-po. .... é do interesse da ordem e da paz social líqui-dar o passado e evitar litígios sobre atos cujos tí-tulos se perderam e cuja lembrança se foi.”

2. A Prescrição à Luz da Constituição Federal

A Constituição Federal adotou a prescritibilidade como regra

geral, e o fez no capítulo dos Direitos Individuais e Coletivos, expli-citando as exceções, em razão do alto relevo das questões envolvi-das, quais sejam, os crimes consistentes da prática de racismo, ações de grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado demo-crático, bem como as ações de ressarcimento por danos causados ao erário. A Carta Magna traça a norma geral sobre essa matéria, no art. 37 § 5º, determinando que “a lei estabelecerá os prazos” e “res-salvando as ações de ressarcimento ao erário”.

Apesar da discussão doutrinária acerca da prescritibilidade quanto às ações de ressarcimento por dano ao erário, constata-se do dispositivo constitucional supramencionado que referidas ações são imprescritíveis, vez que foram excluídos da competência do legisla-

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dor ordinário a fixação dos prazos prescricionais. Quanto a outras ações, a prescrição rege-se pelo código civil, penal e leis especiais.

A questão da imprescritibilidade das ações de ressarcimento, em razão de dano ao erário, prevista na parte final do citado §5º, do art.37, da Constituição Federal como óbice da aplicação do instituto da prescrição, requer uma interpretação mais cuidadosa, mesmo sem adentrar em uma discussão mais aprofundada do assunto.

Para alguns doutrinadores a imprescritibilidade mencionada na Constituição é tão somente em relação à propositura da ação pa-ra cobrar o dano ao erário, entendendo que o dano já tenha sido a-purado dentro do limite do prazo prescricional de 05 (cinco) anos. Não pode o Estado impor ao Administrado uma “expectativa de punição sem condicionantes ou limitações”, contrariando o ideal de Estado democrático. Para que possa ser dado tratamento isonômico entre as partes, não se pode admitir que a administração pública e-xerça o seu jus imperii a qualquer tempo, havendo privilégio unilate-ral.

Rita Andréa Rehem Almeida Tourinho entende que “No que se refere às ações de ressarcimento de danos decorrentes de atos de improbidades, ape-sar de a Constituição Federal tê-las excluído do prazo prescricional a ser estabelecido por lei, não afirmou que estas seriam imprescritíveis. Pensamos que o texto constitucional pretendeu que não fossem estabelecidos prazos inferiores ao constante no Código Civil. (...) Ora, o artigo 37, § 5°, da Constituição apenas a-firma que as ações de ressarcimentos decorrentes de prejuízos causados ao erário não estarão su-jeitas ao prazo prescricional a ser estabelecido em lei para ilícitos praticados por agentes públi-cos. Em momento algum afirmou que estas a-ções de ressarcimento seriam imprescritíveis.”

Neste sentido, merece especial atenção o prazo para que o Es-

tado possa apurar o dano causado ao erário, que não poderá se per-

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petuar indefinidamente no tempo. Assim, uma vez exercido o poder de império dentro do prazo quinquenal, prazo estabelecido em nor-mas de direito administrativo, nasce o direito a interposição da ação de ressarcimento que não se submete ao lapso temporal, conforme previsão do art.37, §5º da Constituição.

3. Prazo Prescricional aplicável à Administração Pública

O legislador estabeleceu regras de prescrição/decadência para

o exercício de atividades administrativas específicas, adotando o prazo de cinco anos como lapso temporal a partir do qual prescre-vem/decaem certas pretensões/direitos da Administração exercitá-veis contra seus agentes ou administrados.

Em linhas gerais, várias normas do Direito Administrativo disciplinam de modo específico a prescrição, como é o caso da Lei da Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92), que fixa o lapso prescricional em 5 (cinco) anos; a lei que regula a ação popular (Lei nº 4.717), prescreve igualmente em 5 (cinco) anos; o Decreto nº 20.910/32, que regulamenta a cobrança das dívidas passivas da Uni-ão, Estados, e Municípios, bem como todo e qualquer direito ou a-ção contra a Fazenda Pública está sujeita a um prazo prescricional de 05 (cinco) anos ; a Lei nº 9.784/99, que estabelece o prazo pres-cricional de 5 (cinco) anos para a Administração Pública Federal anular os seus próprios atos; a Lei do CADE (Lei nº 8.884/94), que trata das infrações da ordem econômica.

Tem ainda a Lei nº 9.873/99 que “estabelece prazo de prescri-ção para o exercício de ação punitiva pela Administração Pública Federal”, que fixa o lapso prescricional em 5 (cinco) anos. A ação para reparar danos causados por agentes de pessoa jurídica de direito público, como fixa a Lei nº 9.494/97 (com redação da MP 2.102-26 de 27-12-00) que prescreve em 5 (cinco) anos. O mesmo prazo é também estabelecido como limite máximo pelo Regime Jurídico Ú-nico dos Servidores Público Civis da União (Lei nº 8.112/90).

Como visto, percebe-se que são inúmeras as normas que defi-nem os prazos prescricionais no âmbito do Direito Público que im-põem o limite de cinco anos para atuação do Estado, o que se pode

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concluir que esse prazo é bastante razoável para servir de paradigma para aplicação nas Cortes de Contas.

4. Prazo Prescricional no âmbito dos Tribunais de Contas

O ordenamento legislativo atribui ao Tribunal de Contas da

União o direito de imputar débito e multa, mas não estabelece regra de prescrição para hipótese de inércia continuada por parte da ad-ministração, ou seja, do não exercício desse direito durante certo lapso de tempo.

Muito se questiona sobre a aplicação do instituto da prescrição quinquenal nos processos afetos aos Tribunais de Contas, cuja ação fiscalizatória deve se amparar na razoabilidade, eficiência e efetivi-dade, estabelecendo uma segurança jurídica entre as partes, obser-vando a celeridade nos processos de sua competência.

O mais coerente seria a aplicação do prazo previsto nas nor-mas de direito público ou aplicam-se as regras do direito privado? Em face da ausência de previsão legal expressa sobre prazo prescri-cional para atuação da Administração Pública nos processos da competência dos Tribunais de Contas, o correto não seria a aplica-ção a analogia com o Direito Civil, como vem fazendo o Tribunal de Contas da União, e sim com as normas do Direito Administrati-vo, por se tratar de relação de Direito Público, vez que o direito ad-ministrativo já alcançou sua autonomia científica, ou seja, possui re-gras e princípios próprios.

As ações contra as posturas municipais é matéria de cunho administrativo versando sobre direito público indisponível, afastan-do a aplicação do Código Civil. A sanção administrativa é consectá-rio do Poder de Polícia regulado por normas administrativas.

Segundo Jorge Ulisses Jacoby Fernandes existe uma lacuna na lei orgânica do Tribunal de Contas da União, no tocante ao instituto da prescrição, propondo o recurso à analogia para dirimi-la, median-te a seguinte ordem preferencial de normas aplicáveis: normas de di-reito administrativo, tributário, penal e, por último, de direito priva-do. O ilustre administrativista leciona que: “Dentre as várias nor-mas, a que guarda maior identidade com as situações do controle ex-terno e com a matéria de direito público, notadamente administrati-

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vo, é a Lei nº 9.873/99, que estabelece prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva pela Administração Pública, direta e indi-reta, por regular norma bastante semelhante, pertinente à prescrição da ação punitiva do poder de polícia”.

Luís Roberto Barroso defende o assunto com muita proprie-dade, em seu livro: A prescrição administrativa no direito brasileiro antes e depois da Lei nº 9.873/99. Revista Diálogo Jurídico. Ano I, Vol.I, nº 4. Julho de 2001. Salvador – Bahia.

“Assim, quando se afirma a autonomia do direi-to administrativo, isto significa que ele não é di-reito excepcional ou estrito relativamente a qualquer outro ramo do direito, mas apresenta institutos e instrumentos próprios, bem como princípios e regras que lhe são peculiares. Daí porque a interpretação de suas disposições será orientada por seus próprios princípios e a integração de suas lacunas deverá efetivar-se por normas que pertençam ao seu domínio, salvo se inexistentes. (...) Ora, os fatos que envolvem o consulente constituem, sem dúvida, uma relação de direito administrativo – pretensão punitiva da Adminis-tração contra o particular, com fundamento em seu poder de polícia – regida por uma norma de direito administrativo (Lei nº 4.131/62, art.23). Não existe, portanto, nenhuma razão plausível pela qual se deva suprir a omissão quanto ao prazo prescricional com recurso às normas de direito civil, e não às de direito administrativo. A analogia para determinação do prazo prescri-cional, na hipótese, deve ser estabelecida com o direito administrativo – e não com o direito civil – que sempre teve por regra, ainda quando não expressamente positivada, o prazo de prescrição máximo de 5 (cinco) anos. (...) Demonstrada, portanto, a impropriedade da aplicação analógica do Código Civil à espécie, verifica-se que o direito administrativo adotou

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como regra, desde sempre, o prazo máximo de prescrição de 5 (cinco) anos, tanto em favor da Administração, como contra ela. É a constata-ção inevitável que se extrai do exame: a) da le-gislação administrativa; b) da doutrina; c) da ju-risprudência e d) comportamento da própria administração.”

Como a Lei Orgânica dos Tribunais de Contas da União, do

Estado e do Município não preveem o prazo prescricional para os ilícitos praticados pelos administradores, entende-se que o mais ra-zoável seria aplicar o prazo de 5 (cinco) anos que é uma constante nas disposições gerais estatuídas em regras de Direito Público, que apresenta suas peculiaridades, além do dever de ser dado tratamento isonômico às partes, ainda que se trate de Administração Pública, vez que não há mais como admitir privilégios somente para o Poder Público.

Como diz o mestre Hely Lopes, com o apoio da Profª. Silvia Zanela Di Pietro:

“A prescrição administrativa opera a preclusão da oportunidade de atuação do Poder Público sobre a matéria sujeita à sua apreciação ... é res-trita à atividade interna da Administração e se efetiva no prazo que a norma legal estabelecer. Mas, mesmo na falta de lei fixadora do prazo prescricional, não pode o servidor público ou o particular ficar perpetuamente sujeito à sanção administrativa por ato ou fato praticado a muito tempo. A esse propósito, o STF já decidiu que ‘a regra é a prescritibilidade’ . Entendemos que, quando a lei não fixa o prazo da prescrição administrativa, esta deve ocorrer em cinco a-nos, à semelhança das ação pessoais contra a Fazenda Pública”. - in “Dir. Administrativo Brasileiro”, 23ª ed. Pág. 558.

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Admitir a não aplicação do instituto da prescrição quinquenal no âmbito da Administração Pública implica tornar perpétua a ação fiscalizatória, bem como a punição, causando, assim, notória insta-bilidade às relações jurídicas e sociais, vez que, não deve o gestor público ficar indefinidamente sujeito a fiscalização, quando muitas vezes já deixou o cargo ou expirou seu mandato há anos, acarretan-do-lhe dificuldades de fornecer provas.

Porém, nesse sentido, quanto ao instituto da prescrição, o Tri-bunal de Contas da União, salvo disposição legal específica para o caso, vem aplicando por analogia as regras do direito civil, adotando o prazo entre 10 (dez) e 20 (vinte) anos, dependendo se a hipótese for anterior ou posterior à vigência do novo código civil, observadas as regras de transição prevista no art. 2.028 do mesmo diploma.

A aplicação da regra geral do prazo prescricional previsto no Código Civil aos processos afetos ao Tribunal de Contas impõe aos gestores a obrigação de manter documentos arquivados durante vin-te ou dez anos, pois enquanto não decorrido mencionado prazo, po-derão ser demandados e condenados em processos de tomadas de contas ou prestação de contas. Será que a administração precisa de todo esse tempo para apreciar referidos processos? Será que a regra de prescrição prevista no Código Civil cumpre a função de concreti-zar o princípio da segurança jurídica, da eficiência, da efetividade e da celeridade processual?

Há quem sustente que a aplicação do prazo prescricional de 05 (cinco) anos aos processos submetidos ao órgão de controle externo pode favorecer gestores descompromissados com o Erário, gerando impunidade àqueles que praticaram desfalque ou desvio de recursos públicos, podendo ser beneficiados pelo instituto da prescrição, já que pelo decurso do tempo, os processos seriam arquivados. Perti-nente ressaltar que a demora na instrução dos processos é gerada pe-la inércia injustificada da própria Administração Pública, que não pratica nenhum ato processual, que efetivamente proceda à interrup-ção da prescrição, como a citação/notificação do interessado. O que se percebe são processos sem nenhuma movimentação há mais de dez anos.

Não é razoável que as relações jurídicas submetidas ao órgão de controle externo permaneçam sem a devida estabilização por i-

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nércia do próprio controlador. Nem se justifica o argumento de que, havendo o reconhecimento da prescrição, haveria renúncia a uma competência constitucionalmente atribuída à Corte de Contas. A fis-calização das contas públicas deveria ocorrer no momento em que os recursos financeiros estivessem sendo efetivamente utilizados, não necessitando de um prazo de dez anos para que essas contas fos-sem analisadas.

Observa-se que nos Tribunais de Contas, não obstante tenha sido iniciado o exercício da pretensão fiscalizatória dentro do prazo, percebe-se que há processos de prestação de contas e de tomada de contas paralisados por mais de 10 (dez) anos, aguardando instrução, outros processos, sem haver sequer citação/notificação dos gesto-res/responsáveis.

A Emenda à Constituição nº 45, inovando a ordem jurídico-processual, em seu artigo 5º, inciso LXXVIII, assegurou, nas esferas judicial e administrativa, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. Nestes termos, tem-se que o tempo decorrido entre a autuação dos processos e a cita-ção/notificação dos gestores, além de não guardar conformidade com a Constituição, compromete os resultados que se busca alcan-çar no Controle Externo.

O grande óbice em aplicar a prescrição vintenária prevista no Código Civil aos processos da competência dos Tribunais de Contas, paralisados há mais de dez anos, encontra-se na dificuldade de ins-trução probatória, vez que o gestor público quando deixa a adminis-tração, enfrenta inúmeros obstáculos para ter acesso novamente aos documentos que lá deixou, inviabilizando a comprovação dos fatos.

Em consequência da dificuldade em produzir provas para ins-trução regular do processo, não seria possível a punição de qualquer gestor, após anos da ocorrência dos fatos, não havendo meios mate-riais para apurar a prática de atos reputados ilícitos. Cabe a adminis-tração provar tanto a autoria do ilícito cometido quanto a materiali-dade do suposto prejuízo.

Impende destacar o entendimento do STJ acerca da prescrição aplicada nas Cortes de no recente julgamento do Recurso Especial n. 751.832 — SC, julgado em 07 de março de 2006, Relator para acór-dão Ministro Luiz Fux, cuja ementa transcrevo in verbis:

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“EMENTA: RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. EXECUÇÃO FISCAL. MULTA ADMINISTRTI-VA. PRESCRIÇÃO. ART. 1° DA LEI N. 9.873/99. PRAZO QUINQUENAL. INAPLICBI-LIDADE DO PRAZO VINTENÁRIO PREVITO NO CÓDIGO CIVIL. 1. A Administração Pública, no exercício do ius im-perii, não se subsume ao regime de Direito Privado. 2. Ressoa inequívoco que a inflição de sanção ao meio ambiente é matéria de cunho administrativo versando direito público indisponível, afastando por completo a aplicação do Código Civil a essas relações não encar-tadas no ius gestionis. 3. A sanção administrativa é consectário do Poder de Polícia, regulado por normas administrativas. A aplicação princípio lógico da iso-nomia, por si só, deduzidas em face da Fazenda e desta em face do administrado. 4. Deveras, e ainda que as-sim não fosse, no afã de minudenciar a questão, a Lei Federal n. 9.873/99, que versa sobre o exercício da a-ção punitiva pela Administração Federal, colocou uma pá de cal sobre a questão assentando em seu art. 1°, caput: ‘Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infra-ção à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continu-ada, do dia em que tiver cessado.’ 5. A possibilidade de a Administração Pública impor sanções em prazo vintenário, previsto no Código Civil, e o administrado ter a seu dispor o prazo qüinqüenal para veicular pretensão, escapa ao cânone da razoabi-lidade, critério norteador do atuar do administrador, máxime no campo sancionatório, onde essa vertente é lindeira à questão da legalidade. 6. Outrossim, as prescrições administrativas em geral, quer das ações judiciais tipicamente administrativas, quer do processo administrativo, mercê do vetusto prazo do Decreto n.

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20.910/32, obedecem à quinquenalidade, regra que não deve ser afastada in casu. (...) 8. Recurso Especial desprovido, divergindo do E. Rela-tor.” Assim, considerando o que se pode extrair do conjunto de normas administrativas existente em nosso orde-namento, defendo a adoção do prazo de 5 (cinco) anos para a prescrição.

É matéria extremamente delicada às Cortes de Contas, profe-

rirem julgamento de mérito em processos de prestação de contas ou tomada de contas instauradas 10 (dez) anos após o repasse dos re-cursos.

Conclui-se que julgar regular com ressalva, aplicando multa ao gestor ou julgar iliquidável os processos da competência dos Tri-bunais de Contas paralisados há mais de dez anos, por inércia da própria administração, seria uma verdadeira afronta aos Princípios Constitucionais da Segurança Jurídica, da Eficiência, da Razoabili-dade, que ficariam severamente comprometidos pela possibilidade da existência de processos eternos.

Em casos específicos, diante de processos que estejam despi-dos de qualquer elemento probatório, alguns Tribunais de Contas aplicam o instituto da prescrição, com extinção do processo, com re-solução de mérito, e consequente arquivamento, em face da dificul-dade de dilação probatória.

5. Prescrição Intercorrente – Aplicabilidade nas Cortes de Contas

A prescrição intercorrente é aquela que se opera no curso do

processo. Também denominada de superveniente, ou seja, é a perda da pretensão de atuar ou agir no andamento do processo.

A prescrição intercorrente é a prescrição extintiva que ocorre no decurso do processo, ou seja, já tendo o autor provocado a tutela jurisdicional por meio da ação. Obviamente, se o autor utiliza a ação para fugir à prescrição e, já sendo processada essa ação, o processo

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ficar paralisado, sem justa causa, pelo tempo prescricional, caracte-rizada está a desídia do autor, a justificar a incidência da prescrição.

A prescrição intercorrente ocorre no âmbito judicial quando o autor de uma demanda, por inércia ou negligência, deixa de movi-mentar o processo, ficando ele paralisado por tempo suficiente para restar configurado o instituto.

Maria Helena Diniz, assim define:

“... a prescrição intercorrente “é admitida pela doutrina e jurisprudência, surgindo após a pro-positura da ação. Dá-se quando, suspensa ou in-terrompida a exigibilidade, o processo adminis-trativo ou judicial fica paralisado por incúria da Fazenda Pública.”

Arruda Alvim faz a seguinte leitura para esta modalidade

prescricional: “A chamada prescrição intercorrente é aquela relacionada com o desaparecimento da proteção ativa ao possível direito material postulado, quando tenha sido deduzida pretensão: quer di-zer, é aquela que se verifica pela inércia continu-ada e ininterrupta no curso do processo por segmento temporal superior àquele em que se verifica a prescrição em dada hipótese.”

Sob o viés do Direito Administrativo, Marcos Rogério Pimen-

ta assevera que:

“no processo administrativo tributário, a prescrição intercorrente se verifica quando o julgamento da impugnação ou do recurso administrativo permane-ce paralisado durante um determinado lapso de tempo, pela inércia da administração.”

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No Direito Administrativo, a prescrição intercorrente está prevista de forma expressa, na Lei nº 9.873, de 23 de novembro de 1999, que estabelece prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva pela Administração Pública Federal, direta e indireta. Cumpre transcrever o dispositivo correlato:

“Art.1º - Prescreve em cinco anos a ação puniti-va da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, obje-tivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.”

No que toca ao Direito Tributário, a prescrição intercorrente

está expressamente prevista no §4º, do artigo 40 da Lei de Execução Fiscal (Lei nº 6.830/80), introduzido pela Lei nº 11.051/04. A Lei nº 8.906/94, denominada Estatuto da Advocacia, em seu art. 43, §1º, também tratou do assunto. Assim, verifica-se que a prescrição intercorrente está presente em vários ramos do direito.

Tanto a prescrição geral quanto a prescrição na modalidade intercorrente deveriam ser institutos de adoção incontestável nos processos dos Tribunais de Contas, cuja atuação deve ser fortemente amparada pelos princípios da eficiência e da razoável duração dos processos, conforme dispõe o art.5º, inciso LXXVIII, da Constitui-ção Federal.

Impende observar que apesar de alguns Tribunais de Contas procederem à fiscalização dentro do prazo de cinco anos, verifica-se que desde a autuação do processo até a primeira notificação do inte-ressado para apresentação de defesa, não há nenhum pronunciamen-to ou despacho por parte das Cortes de Contas. Existem casos que mesmo após a citação/notificação do interessado, o processo fica paralisado por mais de dez anos, sem nenhuma decisão ou determi-nação de diligência por parte do Tribunal.

Observa-se a interrupção do prazo prescricional com o aperfei-çoamento da relação processual no âmbito do Tribunal, ou seja, com a citação válida do responsável, conforme preceitua o art. 219

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do CPC, aplicado subsidiariamente aos processos de competência da Corte de Contas. Contudo, mesmo após a citação do interessado, ato que paralisa a fluência do prazo e, em alguns casos, mesmo com a manifestação dos gestores/responsáveis, percebe-se que decorre um lapso temporal superior a cinco anos para prática de qualquer ato processual por parte da Administração Pública, que tem o dever de diligenciar no processo para que este caminhe dentro de um pra-zo razoável.

Em regra, a invocação da prescrição intercorrente ocorre quando a ação é promovida e por falta de manifestação por ambas as partes, o processo permanece paralisado por mais de 5 (cinco) a-nos, sem haver nenhuma providência capaz de por fim ao litígio.

Feitas essa considerações, a pretensão punitiva da Administra-ção Pública não pode perdurar por mais dez anos, além do tempo em que o processo já ficou paralisado.

6. Considerações Finais

A aplicação do instituto da prescrição quinquenal sofre resis-

tência por parte de alguns Tribunais de Contas. Há controvérsias a-cerca do prazo prescricional aplicável a estas Cortes. Questiona-se, se o mais prudente seria a aplicação do prazo decenal, em analogia com as normas de Direito Civil, ou o prazo quinquenal, em analogia com as demais normas de Direito Público.

Apesar do entendimento do Tribunal de Contas da União, que aplica ao instituto da prescrição as regras do direito civil, tem-se que as Cortes de Contas deveriam aplicar o instituto da prescrição quin-quenal, em atenção aos princípios da segurança jurídica, da econo-micidade, da razoável duração do processo e da eficiência previstos na Constituição Federal.

Assim, a pretensão punitiva exercida pelo Estado contra o res-ponsável pela prática de ilícitos administrativo, contábil, financeiro, orçamentário, operacional e patrimonial não deveria perdurar por prazo superior a cinco anos.

Por fim, o instituto da prescrição, seja a geral ou a intercorren-te, tem que ser regulamentada pelas Cortes de Contas, para que haja uma uniformização nas decisões acerca da matéria, bem como para

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que seja exercido num prazo razoável de tempo o controle efetivo dos processos da competência dos Tribunais de Contas.

Referências CUNHA, L. J. C. da. A Fazenda Pública em Juízo. 5ª edição. São Paulo: Dialética, 2007. GAGLIANO, P. S. Novo Curso de Direito Civil. 6ª edição. São Paulo: Saraiva, 2005. FERNANDES, J. U. J. Tribunais de Contas do Brasil – Jurisdição e Competência. 2ª edição. Belo Horizonte: Fórum, 2005. LEAL, A. L. da C. Da prescrição e da decadência. 3ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1978. BARROSO, L. R. A prescrição administrativa no direito brasileiro antes e depois da Lei nº 9.873/99. Revista Diálogo Jurídico, Salva-dor, Ano I, Vol.I, nº 4. Julho de 2001. RODRIGUES, S. Direito Civil, 7ª edição. Vol.I, pág.314/316. ALVIM, A. Da prescrição intercorrente. Prescrição no novo códi-go civil – uma análise interdisciplinar. São Paulo: Saraiva, 2005. TOURINHO, R. A. R. A. A. prescrição e a lei de improbidade administrativa. Disponível em <www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5054>. MEIRELLES, H. L. Direito Administrativo Brasileiro. 23ª edição. Editora Malheiros.

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O Contraditório e a Invalidação de Ato Administrativo Concessório de Vantagens

Pecuniárias a Servidor Público

Lia Almino Gondim Procuradora do Estado do Ceará (PGE-CE).

Especialista em Direito e Processo Administrativos.

Resumo: A concepção de processualidade administrativa encontra-se hoje consoli-dada, no sentido de que a participação dos administrados se afigura essencial à to-mada de decisões pela Administração Pública. Sem desconsiderar tal aspecto, o pre-sente estudo analisa a possibilidade de se ter um contraditório diferido no âmbito do processo de invalidação de atos administrativos que deferem, sem qualquer respaldo legal, vantagens a servidores públicos. Na verdade, e sem a pretensão de solucionar a questão, apenas se propõe, com fundamento da doutrina e na Lei nº. 9784/99, uma forma de evitar que o patrimônio público sofra com pagamentos indevidos, que, por decorrerem de erro da Administração e terem como beneficiários servido-res de boa-fé, são irrepetíveis. Dessa forma, espera-se que este breve ensaio possa, ainda que minimamente, contribuir para a discussão em torno do tema. Palavras-chave: Invalidação; Ato administrativo; Vantagens; Servidor público; Contraditório. Abstract: Nowadays the concept of administrative procedure is consolidated in the sense that the participation of the citizens is essential for decision making. Without disregarding this aspect, the present study examines the possibility of having a deferred contradictory when it comes to invalidation administrative acts which accept, without any legal support, benefits to government employees. Indeed, without the intention to resolve the issue, it only proposes, based on the doctrine and the Law nº. 9784/99, a way to prevent damage of the public property with payments, which result from errors by the Administration and have as beneficiaries governments employees in good faith. Thus, it is hoped that this study may contribute to the discussion around the topic. Keywords: Invalidation; Administrative Act; Pecuniary Benefits; Government Employee; Contradictory. 1. Introdução

Com o amadurecimento das instituições democráticas, o pro-

cesso, antes restrito à atividade jurisdicional, passou a ser estendido

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às demais funções de Estado, sendo atualmente considerado essen-cial ao próprio exercício da função estatal.

No âmbito administrativo, a sua aplicação faz-se de forma ampla e irrestrita. O presente estudo, entretanto, foca-se no processo de invalidação de ato administrativo que, por erro da Administra-ção, confira, a servidor público, vantagem pecuniária em desacordo com a lei. Trata-se, pois, de modalidade de processo litigioso, no qual há um conflito de interesses entre Administração e administra-do.

E a justificativa para a escolha do tema reside na impossibili-dade de o erário, constatada a boa-fé do beneficiário, ver-se restituí-do dos valores despendidos com a prática do administrativo viciado, entendimento este que prevalece hoje na jurisprudência.

Dessa forma, e sem ter a pretensão de abordar todos os aspec-tos da discussão, examinar-se-á a viabilidade de a Administração, constatada a existência do vício, sustar de logo os efeitos do ato, di-ferindo-se o contraditório, a exemplo das liminares objeto de decisão judicial, para o momento imediatamente posterior à realização de tal providência.

Para tanto, serão analisados, à luz do ordenamento jurídico e da doutrina pátrios, os princípios processuais previstos na Constitui-ção, com destaque para o contraditório e seus desdobramentos, a in-validação a convalidação de atos administrativos e o processo admi-nistrativo de invalidação. Outrossim, serão examinadas algumas de-cisões judiciais que acabam por dispensar o referido princípio na hi-pótese aqui retratada.

2. Processualidade Administrativa: Evolução

Antes da década de 50, prevalecia a ideia de que o processo

era restrito à atividade jurisdicional. Posteriormente, e na esteira da evolução do Estado democrático, com ênfase para a participação do cidadão na formação da vontade estatal, o processo veio a ser enten-dido como necessário ao exercício das demais funções de estado, passando a significar o modo de exercício do poder estatal, segundo as finalidades previstas na lei.

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No que se refere especificamente ao processo administrativo, houve uma verdadeira mudança de paradigma, que, antes assentada na ideia de subjetividade, como meio de manifestação da vontade da “autoridade”, aproximou-se de uma concepção mais objetiva, na qual a consecução dos objetivos legais é o que importa.

Nas palavras de Odete Medauar (2008, p. 64), “a visão objeti-va, com fulcro na função, confere relevo jurídico à atividade que an-tecede o ato. Torna-se foco da atenção não só o ato final, mas tam-bém a atividade no seu todo”.

Outrossim, a crescente intervenção do Estado na sociedade, com a consequente ampliação de suas funções, mormente em rela-ção à Administração Pública, tornou de vital importância a figura do processo administrativo, como forma de “preservar, o quanto possí-vel, o equilíbrio entre Administração e administrados, garantindo a presença destes últimos na formação da vontade estatal”. (Mello, 2008, p. 488-489).

Ademais, o ato administrativo não surge do “nada”, como um passe de mágica. A sua produção pressupõe uma atividade anterior, na qual a Administração, fundamentada na lei, deverá explicitar as razões de fato e de direito que levaram à sua prática.

Segundo afirma Marcelo Haager (2008, p. 3), “o caráter fun-cional da atividade estatal implica, necessariamente, a utilização de um item que demonstre que as decisões proferidas e atitudes toma-das cumprem as finalidades previstas pelas normas”.

Verifica-se, pois, uma crescente valorização da figura do pro-cesso administrativo, compreendido este não só como rito, ou me-lhor, uma sequência de atos destinada à produção de um ato final, mas, como garantia de uma atuação transparente da Administração, servindo como verdadeiro instrumento de proteção aos direitos dos cidadãos.

Tais concepções, a propósito, acabaram por culminar com a edição da Lei Complementar nº. 33/96, do Estado de Sergipe, da Lei nº. 10.177/98, do Estado de São Paulo, e, por fim, da Lei federal nº. 9.784/99, esta, aplicável no âmbito da Administração Pública Federal.

E tão grande tem sido a valorização do processo administrati-vo, que certos doutrinadores chegam a afirmar que o objeto central

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de estudo do direito administrativo não mais reside, como soava o-correr, no ato administrativo, mas, no processo. Tal discussão, toda-via, não obstante dotada de relevância, foge aos objetivos do presen-te estudo, de modo que não será aqui tratada. 3. Dos Princípios Processuais Previstos na Constituição Federal de 1988

Na esteira da evolução sintetizada no tópico anterior, a Cons-

tituição Federal de 1988, além de estabelecer diversos princípios re-lativos à atuação administrativa como um todo, na qual se inclui o processo administrativo, instituiu princípios processuais stricto sensu, aplicáveis tanto aos processos jurisdicionais, quanto aos administra-tivos. Para este estudo, destaquem-se o devido processo legal, a am-pla defesa e o contraditório1.

O princípio do devido processo legal tem previsão expressa no art. 5º, inc. LIV, da Constituição (1988), segundo o qual “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo le-gal”. Significa, em suma, que a interferência na liberdade ou propri-edade dos indivíduos terá que observar, sob o aspecto formal, um rito previsto na lei. Esta, por sua vez, deverá guardar consonância à Constituição e aos valores fundamentais por ela consagrados (devido processo legal substancial).

Egon Bockmann Moreira (2007, p. 254) afirma que, quanto ao referido princípio, “os estudiosos não alcançam unidade quanto à sua definição, conteúdo e limites”. E esclarece: “Tentar dizer pontu-al e exatamente o que significa o devido processo é tarefa de pouca ou nenhuma utilidade, pois implicaria a limitação prática da grandeza da garantia”.

Dessa forma, e sem embargo da importância de tal princípio, que remonta ao due process do direito inglês, objetiva-se, com o pre-

1 Sem embargo da existência de outros princípios também inerentes à processualidade, tais como motivação, publicidade e isonomia, em razão do objeto de estudo aqui tratado, limitar-se-á a abordar os princípios mencionados neste item 2.

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sente estudo, melhor examinar os seus pressupostos ou, para os que assim entendem, as suas decorrências.

Com efeito, sabe-se que a observância ao devido processo le-gal pressupõe que o interessado tenha ciência da existência do pro-cesso e dos atos a ele inerentes, podendo dele participar em todas as fases (contraditório), bem como, exercer a plena defesa de seus direi-tos (ampla defesa).

E não obstante os postulados da ampla defesa e do contraditó-rio sejam ínsitos à noção de devido processo legal, o legislador cons-tituinte originário houve por bem fazer-lhes menção expressa, ao dispor, no art. 5º, inc. LV, que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

No propósito de relacionar os incisos LIV e LV do art. 5º da Constituição, vale transcrever valiosa lição de Odete Medauar:

[...] o inc. LV aplica, na esfera administrativa, o devido processo legal, ao impor a realização do processo administrativo, com as garantias do contraditório e ampla defesa, nos casos de con-trovérsias e ante a existência de acusados, sem afastar outras implicações LIV. No âmbito ad-ministrativo, desse modo, o devido processo le-gal não se restringe somente às situações de pos-sibilidade de privação de liberdade e de bens, mas abrange as hipóteses de controvérsia ou conflito de interesses de existência de acusados. (Medauar, 2008, p. 86).

Diante de tais considerações, não se torna difícil perceber que

a incidência de tais princípios se faz com maior ênfase naqueles pro-cessos ditos litigiosos, ou seja, nos quais há interesses contrapostos2.

2 Não se pode, todavia, restringir à incidência de tais princípios aos processos ditos litigiosos. Isso, porque, nos dias atuais, mormente nos Estados Democráticos de Direito, a concepção de tais princípios deve ser vista de modo assegurar a participação do indivíduo nas decisões estatais, sejam estas decorrentes ou não de processos nos quais haja contraposição de interesses entre os envolvidos.

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E a invalidação de atos administrativos, mais especificamente, a que gera prejuízo à esfera jurídica do servidor público, implica a existência de posições antagônicas, de modo que deverá ser realiza-da mediante prévio processo administrativo no qual sejam assegura-dos a ampla defesa e o contraditório. 3.1. Do Contraditório e seus Desdobramentos

Conforme ensina o processualista Ernane Fidélis dos Santos

(2003, p. 38), “no processo procura-se fazer justiça, que dificilmente será alcançada se não existir igualdade entre as partes”. Afirma, ain-da, que, “como decorrência da igualdade, o contraditório é manifes-tação por excelência”.

O princípio do contraditório, tal como concebido no processo civil, pressupõe a igualdade entre as partes, concepção esta, hoje es-tendida de forma pacífica para o processo administrativo.

Com efeito, no atual estágio da doutrina, não mais se entende a Administração como um ser superior, e o administrado, como um mero súdito. A democracia exige a efetiva participação do adminis-trado na formação da vontade estatal, implicando, não, uma mera igualdade formal, mas, um dever de tratamento equânime em rela-ção às manifestações das partes.

À Administração Pública, portanto, não compete agir com preconcepções, no intuito de, a qualquer custo, preservar seus inte-resses. Garantir os anseios da Administração não significa o pleno atendimento ao interesse público. Este somente será atingido caso a decisão administrativa seja editada em consonância à ordem jurídi-ca, não se concebendo, pois, que tenha conteúdo abstrato, desvincu-lado das normas que regem a atividade administrativa.

Feitas tais considerações, cumpre explicitar, ainda que de for-ma sucinta, o conteúdo contraditório, bem como, os seus respectivos desdobramentos.

Primeiramente, deve-se destacar que o contraditório não signi-fica apenas a ciência do processo ou o direito à reação, mas, tam-bém, o de ter os argumentos efetivamente analisados e sopesados an-tes de proferida a decisão final, remetendo-se, pois, à isonomia antes afirmada.

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Destacando a importância de tal princípio, Alexandre Freitas Câmara (2008, p. 54) chega a afirmar que “o contraditório é tão re-levante para o processo que chega a integrar seu conceito, sendo líci-to afirmar que não existe processo onde não existir contraditório”.

Quanto aos seus desdobramentos, podem ser mencionados os direitos previstos no art. 3º, incisos II e III, da Lei nº. 9.784/99, refe-rentes à necessidade de informação sobre o processo, bem como, à possibilidade de participação na formação de seus atos, inclusive, na produção de provas, conforme prevê o art. 38 da mesma lei.

Outrossim, não se deve deixar de ressaltar a obrigação de a Administração motivar as suas decisões, como forma de demonstrar que a argumentação do interessado fora efetivamente considerada (vide arts. 2º, 38, parágrafos 2º e 3º, e art. 50, da Lei nº. 9.784/99). Por fim, e sem a intenção de se conceder exaustividade à matéria, cite-se também a possibilidade de revisão das decisões.

4. Invalidação de Atos Administrativos e Contraditório

Verificada a relevância do princípio do contraditório, realizar-

se-á uma breve explanação acerca das hipóteses de invalidação e convalidação de atos administrativos. Além disso, serão tecidas al-gumas considerações acerca do processo administrativo de invalida-ção, cuja relevância se afigura mais evidente naquelas situações de que resulta prejuízo para o administrado.

4.1 A Convalidação e a Invalidação perante o Ordenamento Jurí-dico Brasileiro

Em um conceito simplório, mas que atende aos fins ora pre-

tendidos, pode-se dizer que o ato administrativo é inválido quando não atende às prescrições normativas que lhe são aplicáveis, sejam legais, sejam constitucionais.

Da existência de um ato viciado, surge o dever da Administra-ção Pública de restaurar a ordem jurídica, seja invalidando-o, seja convalidando-o. Segundo ensina Weida Zancaner (2008, p. 65), “o princípio da legalidade não predica necessariamente a invalidação

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como se poderia supor, mas a invalidação ou a convalidação, uma vez que ambas são formas de recomposição da ordem jurídica viola-da”.

Dessa forma, diante de atos inválidos, há a obrigatoriedade de a Administração restaurar a ordem jurídica violada, em observância, inclusive, ao princípio da legalidade expresso no art. 37, caput, da Constituição3. Remanesce, entretanto, a dúvida: existiria discricio-nariedade quanto à adoção da invalidação ou da convalidação? A-credita-se que não.

Analisada a questão não só do ponto de vista da legalidade, mas, igualmente, da segurança jurídica, da presunção de legitimida-de dos atos administrativos e da boa-fé, outra não pode ser a conclu-são, senão, a de que a convalidação, acaso possível, afigura-se impe-rativa. A este propósito, cumpre citar a lição de Celso Antonio Ban-deira de Mello, in verbis,

Sendo certo, pois, que invalidação ou convalida-ção terão de ser obrigatoriamente pronunciadas, restaria apenas saber se é discricionária a opção por uma ou outra nos casos em que o ato com-porta convalidação. A resposta é que não há, aí, opção livre entre tais alternativas. Isso, porque, sendo cabível a convalidação, o Direito certa-mente a exigiria, pois, sobre ser uma dentre as duas formas de restauração da legalidade, é pre-dicada, demais disso, pelos dois outros princí-pios referidos: o da segurança jurídica e o da boa-fé, se existente. (Mello, 2008, p. 466).

Portanto, diante de um ato que não admite convalidação, resta

à Administração o dever de invalidá-lo. E para tanto, há que ser ins-taurado, mormente, naquelas hipóteses em que há prejuízo para o

3 Atualmente, e na esteira do entendimento que vem prevalecendo na doutrina, no sentido de que os princípios seriam espécies normativas dotadas de positividade, diz-se necessária, não só a observância à legalidade estrita, mas, à juridicidade, em cujo conceito estão compreendidos os princípios consagrados no ordenamento jurídico.

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administrado, processo administrativo no qual se assegure o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa. 4.2. O Processo Administrativo de Invalidação

A invalidação de atos administrativos, principalmente, daque-

les denominados ampliativos de direito, pressupõe, via de regra, a oitiva do interessado, ou seja, do administrado que sofrerá as conse-quências do ato invalidador.

Conforme ensina Clarissa Sampaio Silva, “a invalidação já não pode ser vista como ato único, decisão one shot, mas como resul-tado de um procedimento cujos participantes devem ser aqueles dire-tamente atingidos por dada medida”. (Silva, 2001, p. 42).

Destarte, caso a invalidação ultrapasse o plano abstrato, al-cançando situações concretas e gerando prejuízo ao administrado, a este não se pode negar o direito ao contraditório.

E isso, vale destacar, não decorre tão somente da previsão contida no art. 5º, inc. LV, da Constituição, mas, igualmente, da presunção de legitimidade dos atos administrativos, da qual se des-sumem a boa-fé e o princípio da segurança jurídica.

O Ministro Marco Aurélio, nos autos do Recurso Extraordi-nário nº. 461914, com bastante propriedade tratou da questão:

[...]. A presunção de legitimidade dos atos ad-ministrativos milita não só em favor da pessoa jurídica de direito privado, como também do ci-dadão que se mostre, de alguma forma, por ele alcançado. Logo, o desfazimento, ainda que sob o ângulo da anulação, deve ocorrer cumprindo-se, de maneira irrestrita, o que se entende como devido processo legal (lato sensu), a que o inciso LV do artigo 5º objetiva preservar. O contraditó-rio e a ampla defesa, assegurados constitucio-nalmente, não estão restritos apenas àqueles processos de natureza administrativa que se mostrem próprios ao campo disciplinar. O dis-positivo constitucional não contempla especi-ficidade [...] (RE 461914, Relator(a): Min.

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MARCO AURÉLIO, julgado em 10/10/2008, publicado em DJe-206 DIVULG 30/10/2008 PUBLIC 31/10/2008).

Diante do exposto, outra não pode ser a conclusão, senão a de

que o contraditório afigura-se, via de regra, imprescindível à invali-dação de atos administrativos que interfiram na esfera jurídica dos administrados.

5. O Contraditório na Invalidação de Atos que, Indevidamente, Deferem Vantagens a Servidores Públicos

Em situações nas quais o ato administrativo a ser invalidado defere vantagem a servidor público, tem-se presente o prejuízo, de modo que a declaração de ilegalidade não prescinde de prévio pro-cesso administrativo, no qual se garanta a participação do interessa-do.

Tal questão, no entanto, ainda suscita questionamentos na ju-risprudência, inclusive, quanto à restituição, pelo servidor, dos valo-res recebidos indevidamente. A matéria, portanto, merece maiores digressões, inclusive, cotejando-se o princípio do contraditório com a necessidade de que o erário não responda por pagamentos indevi-dos.

5.1. Incidência do Princípio

Atualmente, verifica-se, na jurisprudência pátria, o entendi-

mento predominante de que, repercutindo no campo de interesses individuais, a invalidação de atos administrativos não prescinde do devido processo legal, no qual sejam assegurados a ampla defesa e o contraditório.

Nesse sentido, a propósito, orienta-se o Supremo Tribunal Fe-deral, conforme se percebe de recentes acórdãos proferidos por am-bas as turmas que o compõem (vide AI 710085 AgR e RE 501869 AgR). As demais cortes do país, por sua vez, vêm seguindo a mesma tendência.

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A questão, portanto, não parece, em um juízo perfunctório, trazer maiores controvérsias. Entretanto, conforme se verá a seguir, e apenas à guisa de exemplo, há decisões recentes, lavradas por Mi-nistros daquela Corte, que esposam entendimento diverso. Outros-sim, em recente acórdão do Pleno do Tribunal de Justiça do Rio Grande Sul, decidiu-se pela desnecessidade de instauração de pro-cesso administrativo em hipótese que acarretava prejuízo ao admi-nistrado.

Veja-se, primeiramente, trecho de decisão proferida pela Mi-nistra Cármem Lúcia ainda em 2008:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. SERVIDOR PÚBLICO. GRATIFICAÇÃO DE REPRE-SENTAÇÃO DE GABINETE: EXTENSÃO AOS INATIVOS. ILEGALIDADE RECO-NHECIDA DE OFÍCIO. AGRAVO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO. Relatório 1. Agravo de instrumento contra decisão que não admitiu recurso extraordinário, interposto com base no art. 102, inc. III, alínea a, da Cons-tituição da República. 2. O recurso inadmitido tem como objeto o seguinte julgado da Nona Câmara de Direito Público do Tribunal de Justi-ça de São Paulo: “Apelação Cível. Mandado de Segurança. Administrativo. Suspensão de paga-mento de verba de representação a servidores i-nativos por decisão da Mesa Diretora da Câma-ra Municipal de Santos. Ilegalidade reconhecida de ofício. Faculdade que é inerente ao próprio poder de autotutela, não exigindo formalidades especiais, alegada violação ao artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal. Inocorrência. Sen-tença mantida. recurso improvido” (fl. 493). 3. No recurso extraordinário, os Agravantes alegam que o acórdão recorrido teria contrariado o art. 5º, inc. LV, da Constituição da República. Sustentam, em síntese, que “a supressão da verba de representa-ção operada sem direito à defesa é manifestamente nula, e esbarra em uma série de princípios e de dis-

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positivos da Carta Magna, notadamente naquele que contempla o due legal process” (fl. 507). 4. A decisão agravada teve como fundamento para a inadmissibilidade do recurso extraordinário a ausência de contrariedade direta à Constituição. Analisada a matéria posta à apreciação, DECI-DO. 5. O Tribunal a quo manteve a sentença que denegou a segurança nos seguintes termos: “... o ato impugnado consiste na Portaria n° 167/2001, da Mesa Diretora da Câmara Muni-cipal de Santos, que, acatando recomendação do Tribunal de Contas do Estado, que julgou des-provido de amparo legal o pagamento de verbas de representação a aposentados, suspendeu, a partir de março de 2001, o pagamento daquela verba aos impetrantes (fls. 267). Embora a ques-tão envolva suposta incorporação de verba de repre-sentação de gabinete, percebida na atividade, aos proventos de aposentadoria dos impetrantes, o fato é que, segundo a inicial, a ilegalidade apontada con-siste tão somente na ausência de prévio procedimen-to administrativo, que garantisse aos impetrantes o exercício do contraditório e da ampla defesa. [...] O controle administrativo - de legalidade ou de mérito - deriva do poder-dever de autotutela que a Administração tem sobre seus próprios atos e agentes e permite a anulação de ato ilegal [...]. Esse controle pode ser exercido ex officio, quan-do a autoridade competente constatar a ilegali-dade de seu próprio ato ou de seus subordinados [...]. Ora, quando a Administração, de ofício, anula seu próprio ato, eivado de vício que o torne ilegal, não há processo administrativo, nem partícipes que se contraponham face a face, em posição contrapos-ta. O que há é apenas a invalidação de um ato ile-gal, em respeito ao princípio da legalidade (art. 37, caput, da CF), a significar que o administrador pú-blico está, em toda a sua atividade funcional, sujei-to aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob

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pena de praticar ato inválido e expor-se a responsa-bilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o ca-so [...]. Nessas circunstâncias, era dispensável o pro-cedimento administrativo, bem como a prévia ma-nifestação dos impetrantes, que, não obstante, po-deriam impugnar aquele ato pelas vias adequadas, administrativa ou judicial. [...]. Pelo exposto, ne-go seguimento a este agravo (art. 557, caput, do Código de Processo Civil e art. 21, § 1º, do Regi-mento Interno do Supremo Tribunal Federal). Publique-se. Brasília, 22 de abril de 2008. Minis-tra CÁRMEN LÚCIA Relatora. (AI 680434, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, julgado em 22/04/2008, publicado em DJe-084 DIVULG 09/05/2008 PUBLIC 12/05/2008, grifo nosso).

No mesmo diapasão, foi a decisão do Ministro Carlos Britto

em 2006, cuja transcrição, por demais esclarecedora, limitar-se-á à conclusão:

[...]. E A CONCLUSÃO É A DE QUE, PARA CORRIGIR ERROS DE CÁLCULO NA RE-MUNERAÇÃO DE SERVIDORES, A INS-TAURAÇÃO PRÉVIA DE PROCESSO AD-MINISTRATIVO É DISPENSÁVEL. TUDO PARA PRESERVAR O INTERESSE PÚBLI-CO DE QUE O ERÁRIO NÃO RESPONDA POR PAGAMENTOS INDEVIDOS. 8. CUM-PRE OBSERVAR, POR ÚLTIMO, QUE DI-FERENTES SÃO OS CASOS DE DEMIS-SÃO, SANÇÃO DISCIPLINAR OU DEVO-LUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS A MAIS, QUANDO, ENTÃO, IMPÕE-SE A GARANTIA DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA, CONFORME REITERA-DOS PRONUNCIAMENTOS DESTE EX-CELSO TRIBUNAL. ASSIM, FRENTE AO § 1º-A DO ART. 557 DO CPC, DOU PROVI-MENTO AO RECURSO. Publique-se. Brasília,

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18 de abril de 2006. Ministro CARLOS AYRES BRITTO Relator. (RE 487953, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, julgado em 18/04/2006, publicado em DJ 08/05/2006 PP-00080, grifo nosso).

Tratando do mesmo tema, ou seja, da percepção indevida de

valores por servidor público, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em sua composição plenária, exarou, no ano de 2008, a seguin-te orientação:

MANDADO DE SEGURANÇA. REVISÃO DE ATO ADMINISTRATIVO. CONCESSÃO DE ABONO DE PERMANÊNCIA A MA-GISTRADO EM DISPONIBILIDADE. I-NADMISSIBILIDADE. NULIDADE FLA-GRANTE DO ATO CONCESSIVO. AU-SÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO. PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA. INO-CORRÊNCIA. PROCESSO ADMINISTRA-TIVO PRÉVIO. INEXIGIBILIDADE. OS ATOS ADMINISTRATIVOS VICIADOS DESDE SUA ORIGEM PODEM SER RE-VISTOS A QUALQUER MOMENTO E NÃO GERAM DIREITO ADQUIRIDO, TENDO A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA O PODER-DEVER DE REVISAR O ATO CONCEDIDO, CONFORME DISPOSTO NA SÚMULA Nº 473 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: ("A ADMINISTRAÇÃO PODE ANULAR SEUS PRÓPRIOS ATOS, QUANDO EIVA-DOS DE VÍCIOS QUE OS TORNAM ILE-GAIS, PORQUE DELES NÃO SE ORI-GINAM DIREITOS; OU REVOGÁ-LOS, POR MOTIVO DE CONVENIÊNCIA OU OPORTUNIDADE, RESPEITADOS OS DI-REITOS ADQUIRIDOS, E RESSALVADA, EM TODOS OS CASOS, A APRECIAÇÃO JUDICIAL "), INDEPENDENTEMENTE DE

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INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINIS-TRATIVO PRÉVIO. SEGURANÇA DENE-GADA. UNÂNIME. (Mandado de Segurança Nº 70024932725, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Arno Werlang, Julgado em 20/10/2008, grifo nosso).

Tais decisões4, que tratam de percepção de valores por servi-

dor público em decorrência de erro da Administração, parecem ir na contramão do entendimento que, desde a década de 50, vem-se con-solidando em torno do processo administrativo participativo, no qual a manifestação dos interessados assume papel fundamental.

Será mesmo que, para evitar que a Administração arque com pagamentos indevidos, poder-se-ia dispensar o prévio processo ad-ministrativo? Tal orientação não significaria um retrocesso no trato da questão? Não haveria uma outra forma de evitar que o erário so-fra com pagamentos ilegais?

Embora não se tenha uma resposta precisa sobre tais questio-namentos, entende-se que, mesmo em casos tais, o contraditório não pode ser simplesmente dispensado. Entretanto, o momento de sua realização pode trazer a solução para evitar eventuais lesões ao erá-rio.

5.2. Momento de Realização do Contraditório

De logo, cumpre destacar que os tribunais superiores, de for-

ma praticamente unânime, defendem que valores recebidos por ser-vidor público em decorrência de erro da Administração não se en-contram sujeitos à devolução, desde que constatada a boa-fé do be-neficiário.

4 Não obstante a pesquisa sobre o assunto seja instigante, o presente estudo não comporta um trato exaustivo da matéria, de modo foram transcritos poucos julgados que, ao menos se espera, atendam aos objetivos propostos. Isso, porque tratam de pagamento indevido de vantagens a servidores públicos, com lesão ao erário.

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Nesse sentido, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justi-ça, destacando o caráter alimentar de tais verbas, assim decidiu:

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RE-CURSO ESPECIAL - DESCONTO DE VA-LORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ POR SER-VIDOR PÚBLICO EM DECORRÊNCIA DE ERRO DA ADMINISTRAÇÃO - IMPOSSI-BILIDADE - EMBARGOS REJEITADOS. 1. O requisito estabelecido pela jurisprudência, para a não devolução de valores recebidos inde-vidamente pelo servidor, não corresponde ao er-ro da Administração, mas, sim, ao recebimento de boa-fé. 2. Pelo princípio da boa-fé, postulado das rela-ções humanas e sociais, deve-se orientar o Direi-to, sobretudo as relações de trabalho entre agen-te público e Estado. (RMS 18.121, Rel. Min. Paulo Medina). 3. Valores recebidos indevidamente pelo servi-dor, a título de vencimento ou de remuneração, não servem de fonte de enriquecimento, mas de subsídio dele e de sua família. 4. Ainda que o recebimento de determinado va-lor por servidor público não seja devido, se o servidor o recebeu de boa–fé e com base na teo-ria da aparência, não se pode exigir sua restitui-ção. Precedentes. 5. Embargos de divergência conhecidos, porém rejeitados (Embargos de divergência Nº 612101, Superior Tribunal de Justiça, Terceira seção, de 2009).

Portanto, declarada a nulidade de ato que, indevidamente, de-

fere numerário a servidor público, tal providência terá efeito ex nunc, excepcionando, pois, a regra geral de que a invalidação do ato ad-ministrativo gera efeitos ex tunc. Para tanto, todavia, deverá a Admi-

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nistração instaurar prévio processo administrativo no qual se fran-queie a efetiva participação do interessado.

Entretanto, surge a indagação: não poderia a Administração, tão logo se deparasse com o ato manifestamente ilegal, sustar os seus efeitos? Relembre-se que o servidor de boa-fé não responde por ver-bas recebidas indevidamente5, de modo que o ato ensejador de tal situação, ao mesmo tempo em que causa lesão ao erário, não possi-bilita, pelo menos, em relação ao dano já sofrido, a sua recomposi-ção.

A questão não é de fácil de solução. Tome-se, como exemplo, a existência de servidores de determinado órgão administrativo, que, em contrariedade ao art. 37, XI, da Constituição, encontram-se submetidos ao teto do Judiciário e, não, do Executivo, como deveri-am.

Esta hipótese seria de inequívoca inconstitucionalidade, e, a cada novo pagamento aos servidores, o erário estaria a sofrer um desfalque irreparável.

Entende-se que, em casos tais, sendo a ilegalidade do ato ma-nifesta, a Administração, tão logo constatado o vício, poderia, me-diante despacho devidamente motivado, sustar os seus efeitos. E esta conclusão se extrai, em um primeiro plano, da aplicação do princí-pio da proporcionalidade.

Com efeito, no caso trazido à baila, há a incidência de diver-sos princípios, cuja aplicação haverá de ser sopesada6. Entre eles destacam-se, de um lado, a legalidade, a moralidade e a indisponibi-

5 Há que se ressaltar, nesse ponto, que, mesmo sendo a ilegalidade do ato de fácil percepção, dificilmente a Administração conseguiria demonstrar a existência de eventual má-fé do servidor. E não só porque a boa-fumida, mas, também, pelo fato de que, em tais situações, o servidor não contribui para a prática do aé é presto.

6 Vale destacar que a “antinomia” entre princípios é apenas aparente, visto que não se resolve pela exclusão de um em favor de outro, mas, pela ponderação de valores em cotejo ao caso concreto, de forma a encontrar aqueles cuja aplicação prevalecerá, sem que isto signifique o sacrifício dos demais.

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lidade do interesse de público e, de outro, a segurança jurídica e a presunção de legitimidade dos atos administrativos.

Diga-se, de logo, que não há, in casu, sequer uma aparência de legalidade e o dano causado aos cofres públicos afigura-se irreversí-vel. Outrossim, e mesmo a nulidade sendo manifesta, dificilmente, poder-se-ia ilidir a boa-fé dos servidores, a qual, relembre-se, goza de presunção juris tantum de veracidade.

Dessa forma, e sem que se desconsidere o contraditório, en-tende-se que a sua incidência pode ser momentaneamente posterga-da, para, em razão dos princípios da legalidade, moralidade e indis-ponibilidade do interesse público, sustar-se, de logo, os efeitos do ato danoso. Tal medida, a propósito, necessária para evitar que o erário responda por pagamentos indevidos, guarda consonância com o dis-posto no art. 2º, inc. VI, da Lei nº. 9.784/99, segundo o qual, no processo administrativo, será observada a “adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em me-dida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do in-teresse público”.

Veja-se que não se trata de negar aplicação ao contraditório, até porque a Administração poderá, após ouvir o interessado e ao final do processo administrativo, concluir pela manutenção do ato impugnado. Tem-se, na verdade, uma situação de urgência que exi-ge imediata atuação, a exemplo do que acontece com as medidas li-minares do processo judicial.

Nesse diapasão, vale citar o paralelo traçado por Marcelo Ha-ager entre as situações de urgência nos processos administrativo e judicial, in verbis,

As questões de urgência podem servir para miti-gar o direito à ampla defesa. Isso não significa que, por essa razão, o princípio possa ser consi-derado incompatível com o processo administra-tivo. É que situações de urgência também exis-tem no processo judicial, no qual é possível a concessão de medidas liminares, sem a oitiva da parte contraposta, e ninguém afirma que o prin-cípio seja inaplicável a este. O que ocorre nesses casos é uma ponderação de interesses. Um con-flito entre princípios que obedece àquele meca-

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nismo ressaltado no início do presente trabalho, pelo qual a prevalência de um princípio, em uma certa hipótese, não retira a validade de outro no ordenamento jurídico. (Haager, 2008, p. 138).

Ademais, e conforme já afirmado, não se está aqui a defender

a ausência de contraditório. O que ocorre, na verdade, na feliz ex-pressão de Egon Bockmann Moreira (2007, p. 314), é a “inversão temporal na incidência do princípio”. De qualquer forma, adverte o citado autor, “o contraditório é pleno no momento imediatamente posterior à providência necessária”.

A matéria, a propósito, também não parece ter passado des-percebida pelo legislador federal, haja vista a previsão contida no art. 45 da Lei nº. 9.784/94, segundo o qual “em caso de risco iminente, a Administração Pública, poderá motivadamente adotar providências acau-teladoras sem a prévia manifestação do interessado”.

Por fim, deve-se mencionar a excepcionalidade de tal provi-dência, exigindo, para a sua adoção, necessidade de prévia e exaus-tiva motivação pelo Poder Público. Outrossim, eventuais abusos cometidos poderão ensejar a responsabilidade civil da Administra-ção e o consequente dever de indenizar os servidores prejudicados pela medida.

6. Considerações Finais

Diante das considerações trazidas neste breve estudo, verifica-

se o grande avanço da concepção de processo administrativo, no sentido de que, garantidos o contraditório e a ampla defesa, a parti-cipação do interessado afigura-se essencial.

E na hipótese objeto do presente estudo, ou seja, no processo invalidação de ato administrativo praticado por erro da Administra-ção que concede a servidor público de boa-fé vantagens pecuniárias, o entendimento não pode ser diferente. Entretanto, e a exemplo do já ocorre há muito com o processo judicial, admite-se, nesse caso, que o contraditório seja diferido, deixando-se para assegurá-lo, após sustados os efeitos do ato.

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Isso, porque o servidor não tem o dever de restituir os valores já recebidos indevidamente, de modo que tal medida, ponderados os valores constitucionais pertinentes, afigura-se necessária à proteção do erário. Além disso, encontra respaldo expresso no art. 54, da Lei nº. 9.784/99.

Por fim, cumpre advertir que tal providência afigura-se excep-cional, somente podendo ser praticada diante de casos de flagrante ilegalidade e mediante prévia e expressa motivação. Caso assim não proceda, poderá a Administração Pública responder civilmente por eventual abuso de poder.

Referências BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo de Instrumento nº 680434. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/ jurispruden-cia/visualizarEmenta.asp?s1=000058067&base=baseMonocraticas >. Acesso em 23. ago. 2009. ______. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 461914. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/ jurispruden-cia/visualizarEmenta.asp?s1=000061794&base=baseMonocraticas >. Acesso em 23 ago. 2009. ______. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 487953. Disponível em<http://www.stf.jus.br/portal/ jurispruden-cia/visualizarEmenta.asp?s1=000006814&base=baseMonocraticas >. Acesso em 23. ago. 2009. ______. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Divergência nº 612101. Disponível em<http://www.stj.jus.br/SCON/ jurispruden-cia/doc.jsp?livre=612101&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=10# >. Acesso em 23 ago. 2009. ______. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Mandado de Se-gurança nº 70024932725.Disponível em<http://www.tjrs.jus.br/site _php/jprud2/ementa.php>. Acesso em 23 ago. 2009.

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CÂMARA, A. F. Lições de Direito Processual Civil. 18. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2008. HAAGER, M. Princípios Constitucionais do Processo Adminis-trativo. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. MEDAUAR, O. A Processualidade no Direito Administrativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. MELLO, C. A. B de. Curso de Direito Administrativo. 25a. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. MOREIRA, E. B. Processo Administrativo, Princípios Constitu-cionais e a Lei 9.784/1999. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. SANTOS, E. F. dos. Manual de Direito Processual Civil. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. SILVA, C. S. Limites à Invalidação dos Atos Administrativos. São Paulo: Max Limonad, 2001. ZANCANER, W. Da convalidação e da invalidação dos atos ad-ministrativos. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

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Contratação de Serviços Advocatícios para Defesa de Gestores Públicos

Bruno Santos Cunha

Procurador do Município do Recife Ex-professor da Universidade Federal de Santa Catarina

Advogado e Professor Universitário.

Resumo: O presente estudo tem o objetivo de analisar as circunstâncias e condicio-nantes inerentes à contratação, mediante inexigibilidade de licitação, de serviços advocatícios para defesa de gestores públicos. Para tal, é necessário demonstrar as peculiaridades e requisitos do procedimento de inexigibilidade de licitação fundado no art. 13, V, e 25, II, da Lei Federal n. 8.666/93.

1. Introdução

Preliminarmente, há de se dizer que a contratação de advoga-

dos (serviços advocatícios), por ente público, para a defesa pessoal de gestores públicos é tema que, a par da larga utilização em tempos atuais, é cercado de polêmicas, tanto na doutrina quanto na juris-prudência. Assim, é necessário discorrer de forma pormenorizada sobre o mesmo, a fim de dirimir eventuais dúvidas que possam sub-sistir. Passa-se, pois, à explanação da temática.

2. A Contratação de Serviços Advocatícios por Entes Públicos

Em princípio, vale notar que a opção preferencial para a exe-

cução dos serviços advocatícios no âmbito dos entes públicos em ca-sos que tais deve ser a da utilização de quadro efetivo próprio de ad-vogados, eis que a manutenção de advogados contratados perma-nentemente, sob vínculo trabalhista ou estatutário, é solução capaz de fulminar as necessidades de consultoria jurídica e representação judicial do ente – ao menos nos casos de natureza não excepcional. É que, por certo, “é extremamente problemático obter atuação satis-fatória de um advogado que não conhece o passado da instituição e desconhece a origem dos problemas enfrentados. A terceirização dos

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serviços advocatícios representa um grande risco para a atuação efi-ciente da Administração Pública” (JUSTEN FILHO, 2009, p. 361).

Todo modo, é nítido que, no mais das vezes, os órgãos jurídi-cos internos – Procuradorias – não detêm, por determinação legal, a-tribuição específica para a defesa pessoal dos gestores públicos even-tualmente denunciados em ações penais ou por atos de improbidade administrativa, estando sua atuação vinculada à defesa do interesse público inerente ao atuar estatal, em estrita observância à legalidade administrativa. Assim, pela falta de tal atribuição – ou, em sentido atécnico, por incompetência – nem mesmo a eventual existência de vínculo direto entre a atividade pública dos gestores e a pretensa de-núncia ministerial poderia ensejar a defesa dos mesmos pelo órgão jurídico do ente estatal; tal aferição serviria, tão somente, para se vis-lumbrar a possibilidade de contratação de advogado não pertencente aos quadros do ente, eis que inequívoco, em casos tais, o interesse público subjacente à contratação.

De fato, tal contratação resta viável no momento em que seja possível aferir uma conexão entre a atividade político administrativa dos gestores e o fato discutido em juízo, ainda que tal nexo deva ser sopesado ante uma concepção muito mais política do que jurídica. Assim, em que pese a discussão que daí possa surgir, não se pode antever como ilegal ou irregular a intenção de contratação de defen-sores para os gestores, eis que, como já dito, é possível, a partir de um viés notadamente político, conceber um elo plausível entre a a-tuação dos gestores, o interesse do ente estatal e a futura contratação dos serviços advocatícios, mormente quando alinhados à im-plementação de políticas galgadas no interesse público.

De qualquer forma, o que se tem é que não cabe reprovar – de plano e de forma generalizada – a decisão administrativa de promo-ver a terceirização dos serviços advocatícios em tais casos, eis que, no dizer de Marçal Justen Filho, “ainda se a entidade administrativa mantiver um corpo permanente de advogados, poderá haver hipóte-ses anômalas de contratação de serviços de advogados autônomos” (Justen Filho, 2009, p.361). Como consectário, bom anotar que o primeiro requisito – tido como extrínseco à contratação pretendida de serviços advocatícios – é o já citado liame jurídico político entre a conduta do gestor e, em última análise, o interesse público, capaz de

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ensejar e justificar o manejo de recursos públicos em tais contrata-ções.

Assim, o que resta é que a grande questão a ser enfrentada é a das condicionantes intrínsecas de tal contratação, de forma a trazê-la para o âmbito da legalidade, principalmente quando a solução alvi-trada passa pela contratação mediante licitação inexigível, nos ter-mos dos arts. 13, V e 25, II da Lei 8.666/93.

3. A Contratação Direta e sua Fundamentação

De início, vê-se que tal espécie de contratação – serviços advo-

catícios – no mais das vezes, é operada com fundamento no instituto da contratação direta, isto é, mediante procedimento em que o trâ-mite licitatório ordinário e formal é suplantado por procedimento específico regulado em lei. De fato – e em que pese a divergência a-cerca da figura da licitação dispensada – a lei de regência e a dou-trina trazem, como espécies do gênero contratação direta, as figuras da licitação dispensável e da licitação inexigível, reguladas, precípua e respectivamente, pelos artigos 24 e 25 da Lei Federal n. 8.666/93.

No caso em análise, vislumbra-se, na grande maioria das ve-zes, a incidência do instituto da licitação inexigível, com respeitado embasamento teórico-doutrinário e sem maiores diferenciações ou requisitos em relação a outros objetos a serem contratados mediante tal procedimento. No entanto, é de se dizer, por ora, que tal funda-mentação e repercussão – combatidas nesse estudo – não devem prosperar, ensejando uma distinta visão sobre a questão, a ser agora apresentada em suas nuanças específicas.

Nesse tocante, dispõe o art. 25, caput, da Lei nº 8.666/93, que, em suma, é inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, trazendo em seus incisos hipóteses meramente exempli-ficativas nas quais se presume tal inviabilidade. Assim, caracterizam-se como situações de inexigibilidade todas aquelas passíveis de se amoldar diretamente à previsão genérica contida no aludido disposi-tivo, independentemente de previsão legal específica e expressa. Tal é a comprovação do exposto que o Tribunal de Contas da União já se posicionou nesse sentido:

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As hipóteses de inexigibilidade relacionadas na Lei n. 8.666/93 não são exaustivas, sendo possí-vel a contratação com base no caput do art. 25 sempre que houver comprovada inviabilidade de competição. (TCU – Acórdão 2.418/20006, Plenário. Rel. Min. Marcos Bemquerer – 12 de dezembro de 2006).

No caso específico a que ora se alude, tem-se uma hipótese de

licitação inexigível com lastro no inciso II do art. 25 da Lei 8.666/93, que assim dispõe:

Art.25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial: II- para a contratação de serviços técnicos enu-merados no art. 13 desta Lei, de natureza singu-lar, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;

No ponto, é grande a discussão acerca das formalidades ine-

rentes à tal contratação, havendo opiniões balizadas e de escol que apontam para diversas possibilidades, o que, por certo, demonstra a incerteza que paira sobre o tema. De toda sorte, inúmeros são os precedentes tanto nos Tribunais Jurisdicionais (STF e STJ, sobretu-do) como nas Cortes de Contas (mormente no TCU) – ora contrá-rios, ora favoráveis, a depender das peculiaridades do caso – restan-do, por conseguinte, as seguintes ilações.

O primeiro ponto a ser debatido é que a regra da licitação não deve ser afastada de plano em tal espécie de contratação, ainda que se tenha por objeto um serviço nitidamente especial como o advoca-tício. Nesse tocante, Lucas Rocha Furtado – Procurador Geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União – bem ex-plica:

A contratação de advogados para patrocínio de causas judiciais ou administrativas, como visto, depende de prévia licitação. Essa é a regra a ser

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seguida. Porém, se se tratar de causa judicial tão cheia de particularidades que apenas determina-do profissional ou escritório, em face de sua no-tória especialização, teria condições de defender a Administração, a contratação sem licitação se-ria justificada. Vê-se que a jurisprudência do TCU tem reitera-damente afirmado a possibilidade de contrata-ção direta de advogado de notório saber quando a situação assim exige, ainda que o órgão ou a entidade possua quadro próprio de advogados. [...] Lembramos, mais uma vez, que a regra é a obri-gatoriedade da licitação; a exceção, a contrata-ção sem licitação. Assim, a contratação de qual-quer serviço, inclusive dos indicados no art. 13, deve ser precedida da devida licitação. Situações excepcionais, e muito bem motivadas, permi-tem, no entanto, em caráter excepcional, a con-tratação sem licitação, conforme examinamos acima (Furtado, 2009, p. 103-104).

Em suma, tem-se que a contratação de serviços advocatícios

(serviços técnicos) sem licitação depende, portanto, das seguintes condições: a) enumeração do serviço no dispositivo legal – art. 13, incisos; b) sua natureza singular, isto é, não basta estar enumerado no art. 13, sendo necessário que o serviço se torne único devido à sua complexidade e relevância; c) a notória especialização do profis-sional (art. 25, §1º); d) decorrente inviabilidade de competição.

Nessa esteira, vale apontar algumas decisões elucidativas la-vradas ora pelo TCU, ora pelo STJ, que trazem, em seu inteiro teor, as seguintes considerações:

Os pressupostos para a contratação direta de um serviço com inexigibilidade de licitação, com ba-se no referido dispositivo legal, são os seguintes (conforme a Decisão n.º 427/99-TCU-Plenário, DOU de 19.07.99, exarada no TC - 001.347/1998-5, relatado pelo Exmo. Sr. Minis-

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tro Marcos Vilaça, e a Decisão n.º 154/99-TCU-2ª Câmara, DOU de 12.07.99, proferida no TC - 013.733/1997-4, relatado pelo Exmo. Sr. Minis-tro Benjamin Zymler): a) presença do serviço na relação contida no art. 13 do mencionado di-ploma legal; b) natureza singular do serviço; c) notória especialização do contratado na execu-ção de serviços da mesma espécie; e d) inviabili-dade de competição. (TCU – Acórdão n. 342/2007 – Primeira Câmara – Relator Ministro Marcos Bemquerer). A contratação de serviços técnicos (caso dos au-tos) sem licitação, depende, portanto, de três condições: 1) a enumeração do serviço no dispo-sitivo legal supracitado (art. 13); 2) sua natureza singular, isto é, não basta estar enumerado no art. 13 da Lei 8.666/93, sendo necessário que o serviço se torne único devido à sua complexida-de e relevância; e 3) a notória especialização do profissional (conforme disposto no § 1º do art. 25 acima transcrito). Assim, não é qualquer ser-viço descrito no art. 13 da Lei 8.666/93 que tor-na inexigível a licitação, mas aquele de natureza singular, que exige a contratação de profissional notoriamente especializado, cuja escolha está adstrita à discricionariedade administrativa. (STJ – RESP 513747/MG, Rel. Ministro GIL-SON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 28/10/2003, DJ 01/12/2003 p. 395).

No mesmo patamar – e ilustrando cabalmente o que até aqui aludido –, veja-se o disposto no bojo do RESP 436.869/SP:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚ-BLICA. CONTRATO PARA REALIZAÇÃO DE SERVIÇOS TÉCNICOS ESPECIALIZA-DOS, MAS NÃO SINGULARES. ESCRITÓ-RIO DE ADVOCACIA. LICITAÇÃO. DIS-PENSA.

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1. Os serviços descritos no art. 13 da Lei n. 8.666/93, para que sejam contratados sem licita-ção, devem ter natureza singular e ser prestados por profissional notoriamente especializado, cu-ja escolha está adstrita à discricionariedade ad-ministrativa. 2. Estando comprovado que os serviços jurídicos de que necessita o ente público são importantes, mas não apresentam singularidade, porque afe-tos à ramo do direito bastante disseminado entre os profissionais da área, e não demonstrada a notoriedade dos advogados – em relação aos di-versos outros, também notórios, e com a mesma especialidade – que compõem o escritório de ad-vocacia contratado, decorre ilegal contratação que tenha prescindido da respectiva licitação. 3. Recurso especial não provido. (RESP 436.869/SP, Rel. Ministro JOÃO O-TÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TUR-MA, julgado em 06/12/2005, DJ 01/02/2006 p. 477).

Resta claro, assim, o rol de condicionantes a que se submete

tal espécie de contratação direta, alertando-se para a necessidade que tais requisitos sejam aferidos pelo órgão jurídico do ente contratante no momento em que aprecia a juridicidade de todo o procedimento a ele submetido. O que se tem, assim, é uma série de requisitos que devem coexistir para que a contratação direta, pela via da licitação inexigível, seja plausível. Não se pode, pois, relegar a um segundo plano tais aspectos de ordem formal, sob pena de fulminar todo o escopo principiológico inerente às contratações manejadas por entes públicos, na tutela mais efetiva possível do erário.

De fato, caso não restem preenchidas tais formalidades autori-zantes da contratação direta, necessário que o trâmite da contratação seja trilhado pelas vias ordinárias, obedecendo-se ao processo regu-lar licitatório, fundamentando-se o certame de acordo com as pecu-liaridades do caso, ou seja, a modalidade licitatória há de ser esco-lhida, em suma, em função da perspectiva de dispêndio financeiro acerca do objeto, de forma a garantir o amplo acesso aos interessa-

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dos que comprovadamente cumprirem os requisitos e padrões mí-nimos de especialização para a contratação.

4. As Posições Divergentes

Todo modo – e em homenagem ao princípio dialético –, im-

portante frisar a existência de posicionamentos contrários ao até a-qui explanado, também como forma de prestigiar o debate herme-nêutico – ainda que não sejam essas as correntes interpretativas às quais se filia o presente estudo.

Em um primeiro ponto, ressalta-se a posição da ANPM (As-sociação Nacional dos Procuradores Municipais), manifestada por meio de Enunciado no I Congresso da Advocacia Pública no Espíri-to Santo, em 4 e 5 de junho de 2009. Tal posição se mostra frontal-mente avessa à contratação de serviços advocatícios para a defesa de gestores (agentes políticos). Eis o enunciado formatado naquela o-portunidade:

É ilegal a contratação, pelo ente público, de ad-vogado para a defesa de atos praticados por a-gentes políticos.1

Em um segundo ponto e no sentido da inviável competição e

possível contratação mediante licitação inexigível, válido apontar a posição do Conselho Federal da OAB, da lavra do então conselheiro federal da entidade pelo Ceará, Jorge Hélio Chaves de Oliveira – com a qual discorda-se, com a devida vênia –, segundo o qual a con-fiança a ser depositada no profissional da Advocacia, dentre outros aspectos, limitaria a já aludida competição e abriria as portas para a contratação direta por inexigibilidade, a despeito de outros requisitos es-pecíficos. Eis a notícia no sítio do Conselho Federal da OAB acerca do tema:

1 Disponível em http://www.oabes.org.br/arquivos/documentos/enunciadocapes.pdf. Acesso em 20/7/2010.

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Administração pública não precisa de licitação para contratar advogado Brasília, 09/12/2008 - Não se exige qualquer processo licitatório para a contratação de serviços profissionais de natureza advocatícia por parte de órgãos e agentes da administração pública, devendo esta função ser exercida tão somente por advogados habilitados. O entendimento foi ratificado durante sessão plenária do Pleno da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que examinou a matéria com base no voto do relator, o conselheiro federal da entidade pelo Ceará, Jorge Hélio Chaves de Oli-veira, aprovado à unanimidade. Para decidir nessa direção, o conselheiro federal da OAB destacou, principalmente, a natureza singular da prestação de serviços profissionais na área advocatícia. Citou parecer já aprovado do exconselheiro Sérgio Ferraz, que afirmou se tra-tar de trabalho intelectual de alta especialização, "impossível de ser aferido em termos de preço mais baixo". O relator citou, ainda, recente decisão do Su-premo Tribunal Federal (STF), em sede de ha-beas corpus (HC 86198-9-PR), tendo como rela-tor o ministro aposentado Sepúlveda Pertence, segundo o qual "a presença de requisitos de no-tória especialização e confiança, ao lado do rele-vo do trabalho a ser contratado, permite concluir pela inexigibilidade da licitação para a contrata-ção dos serviços de advocacia". O ministro afir-mou ainda: "se for para disputar preço, parece de todo incompatível com as limitações éticas e mesmo legais que a disciplina e a tradição da advocacia trazem para o profissional". O relator afirmou também em seu voto que não cabe falar em competição no caso em questão. "O Código de Ética e Disciplina da OAB veda expressamente qualquer procedimento de mer-cantilização da atividade advocatícia", afirmou

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Jorge Hélio Chaves de Oliveira. A proposta foi examinada a pedido do secretário-adjunto do Conselho Federal da OAB, Alberto Zacharias Toron e de outros interessados.2

Bem de ver, ademais, que o próprio STF e TCU já enfrenta-

ram, por mais de uma vez, a questão da confiabilidade no causídico por parte do contratante. O que se extrai da presente posição é que a já referida confiança obstaria uma possível seleção entre uma plura-lidade de advogados notadamente capazes de prestar o serviço, mormente em face de um “vínculo diferencial de confiança na pes-soa do advogado como indispensável para o desempenho satisfató-rio da atuação profissional” (Justen Filho, 2009, p. 365).

Como dito, há posição nesse sentido inclusive no STF, em vo-to do Ministro Eros Grau no Recurso Extraordinário n. 466.705/SP, vejamos:

Trata-se da contratação de serviços de advoga-do, definidos pela lei como ‘serviços técnicos profissionais especializados’, isto é, serviços que a Administração deve contratar sem licitação, escolhendo o contratado de acordo, em última instância, com o grau de confiança que ela pró-pria, Administração, deposite na especialização desse contrato. É isso, exatamente isso, o que diz o direito positivo. Vale dizer: nesses casos, o requisito da confiança da Administração em que deseje contratar é sub-jetivo; logo, a realização de procedimento licita-tório para a contratação de tais serviços – proce-dimento regido, entre outros, pelo princípio do julgamento objetivo – é incompatível com a atri-buição de exercício de subjetividade que o direi-to positivo confere à Administração para a esco-lha do ‘trabalho essencial e indiscutivelmente mais adequado à plena satisfação do objeto do

2 Notícia disponibilizada no sítio do Conselho Federal da OAB: http://www.oab.org.br/noticia.asp?id=15466, acessada em 20/2/2010.

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contrato (cf. o parágrafo 1º do art. 25 da Lei n. 8.666/933). Ademais, a licitação desatenderia ao interesse público na medida em que sujeitaria a Administração a contratar com que, embora vencedor da licitação, segundo a ponderação de critérios objetivos, dela não merecesse o mais e-levado grau de confiança. (Voto do Ministro E-ros Grau – RE 466.705, Relator Ministro Sepúl-veda Pertence, Primeira Turma, julgado em 14/3/06, DJ 28/4/06).

Em que pese tal constatação, vê-se que a confiança no profis-

sional escolhido para se justificar a contratação não pode ser tida, de per si, como fundamento ensejador da contratação direta. Diante desse ponto, é nítido que a contratação mediante licitação inexigível deveria se amoldar a todos os requisitos anteriormente expostos; seja o requisito extrínseco – sobretudo com o cotejamento entre a atua-ção política do gestor e o interesse público a ser tutelado, conforme já mencionado anteriormente –, ou os intrínsecos, conforme men-cionado anteriormente.

5. Conclusão

De acordo com o que foi tratado, tem-se que a contratação de

serviços advocatícios por entes públicos não é de todo fulminada, restando tal viabilidade condicionada, inicialmente, a um primeiro fator extrínseco, qual seja: a configuração, a partir de um viés políti-co-jurídico, de um elo plausível entre a atuação dos gestores, o inte-resse do ente estatal e a futura contratação dos serviços advocatícios, mormente quando alinhados à implementação de políticas galgadas no interesse público.

Demais disso – e a partir da configuração do cenário acima ex-posto – necessário que a contratação direta leve em conta os seguin-tes condicionamentos – tidos, também, como requisitos intrínsecos da contratação – a saber:

1) enumeração do serviço no dispositivo legal – art. 13, incisos – o serviço pretendido deve se enquadrar no rol do art. 13. No caso,

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tal é notório, vez que o patrocínio ou defesa de causa judicial ou administrativa consta expressamente do inciso V do artigo mencio-nado. Assim – e ao menos em tese – possível seria a sua contratação.

2) sua natureza singular, isto é, não basta estar enumerado no art. 13, sendo necessário que o serviço se torne único devido à sua complexidade e relevância – no ponto, somente a singularidade do caso decorrente de denúncia ministerial ou afim é que poder ensejar uma contratação específica de profissional, sobretudo ante a notória pluralidade de profissionais capazes de prestar o serviço em termos ordinários.

3) a notória especialização do profissional (art. 25, §1º) – a no-tória especialização do profissional há de ser configurada, nos ter-mos do art. 25, §1º, de forma a excluir outras alternativas eventual-mente possíveis de contratação, denotando como única viável aque-la alvitrada em face da unicidade do serviço pretendido.

4) decorrente inviabilidade de competição – como consec-tário lógico dos itens acima mencionados.

Referências CUNHA JÚNIOR, D. Curso de direito administrativo. 8. ed. Sal-vador: Juspodium, 2009. FURTADO, L. R. Curso de licitações e contratos administrativos. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2009. JUSTEN FILHO, M.. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 13. ed. São Paulo: Dialética, 2009. MEIRELLES, H. L. Direito administrativo brasileiro. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. TORRES, R. C. L. de. Leis de licitações públicas comentadas. 2. ed. Salvador: Juspodium, 2009.

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O Princípio do Concurso Público e a Evolução dos Precedentes Jurisprudenciais

Humberto Bayma Augusto

Advogado do Departamento de Edificações e Rodovias do Estado do Ceará - DER-CE

Especialista em Direito e Processo Constitucional pela Universidade de Fortaleza.

Especialista em Direito e Processo Administrativo pela Universidade de Fortaleza.

Graduado em Direito pela Universidade de Fortaleza.

Resumo: O presente trabalho científico tem como escopo o exame didático dos re-centes precedentes judiciais no tocante à nomeação dos candidatos aprovados em concurso público. Tais decisões consideradas históricas pela comunidade acadêmica acabam por mudar o entendimento há muito consolidado na cúpula do Judiciário brasileiro. Capitaneada pelo Tribunal da Cidadania, em seguida acompanhada pela 1ª Turma do Pretório Excelso, o direito à nomeação, antes considerado como mera expectativa de direito, passa a sofrer uma nova exegese, beneficiando assim os con-cursados aprovados, que passariam a ter o direito subjetivo à nomeação, sendo este ato administrativo vinculado ao edital. De sorte, analisa-se a repercussão dos cita-dos julgados na sociedade e na Administração Pública brasileira, bem como sua a-dequação aos dispositivos constitucionais esculpidos nos art. 37, em seus incisos II, III e IV, além de uma evolução histórica do pensamento dessas Cortes, das Consti-tuições brasileiras, bem como o posicionamento da doutrina abalizada sobre o pre-sente tema. Palavras-chave: Princípio do Concurso Público; Nomeação; Direito Subjetivo; Vinculação ao Número de Vagas; Prazo de Validade.

1. Introdução

O Princípio do Concurso Público, disposto no art. 37, incisos

II, III e IV, da Carta Magna, relaciona-se perfeitamente aos outros preceitos previstos na Constituição Cidadã, respeitando o Princípio da Unidade, garantindo uma hermenêutica sistemática e uma har-monia entre as normas constitucionais.

Conceituando o referido instituto, ensina Hely Lopes de Mei-relles (1987, p.364) que “o concurso é o meio técnico posto à dispo-

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sição da Administração Pública para obter-se moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público, e, ao mesmo tempo, propiciar igual oportunidade a todos interessados que atendam aos requisitos da lei [...]”.

Dessa máxima, percebe-se a vinculação do concurso público com os postulados da moralidade, impessoalidade e eficiência, pre-vistos no caput do art.37 da Lex Maior, bem como com o Princípio da Igualdade, disposto no caput do art. 5º da Constituição Republicana de 1988.

Concurso Público, na ótica de José dos Santos Carvalho Filho (2006, p.515), é “o procedimento administrativo que tem por fim a-ferir as aptidões e selecionar os melhores candidatos ao provimento de cargos e funções públicas. [...] Cuida-se, na verdade, do mais idô-neo meio de recrutamento de servidores públicos.”

Examinando tal definição, observa-se a ligação do menciona-do postulado com o Princípio do Devido Processo Legal, além de celebrar os Princípios da Competição e do Sistema de Mérito, estan-do em perfeita consonância com o Estado Democrático de Direito.

Em uma rápida análise das Constituições brasileiras, nota-se, nas Cartas de 1824 e 1891, que a forma de ingresso no serviço públi-co era feita de modo discricionário, não havendo vinculação ao con-curso público, fundamentando-se basicamente em conceitos jurídi-cos indeterminados. Vejamos primeiramente o art. 179, inciso XIV, da Constituição Imperial de 1824, em seguida, o art. 73, caput, da Constituição Republicana de 1891:

Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis e Políticos dos cidadãos brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império pela maneira seguinte: [...] XIV - Todo cidadão pode ser admitido aos cargos públicos civis, políticos ou militares, sem outra diferença que não seja dos seus talentos e virtudes. Art. 73. Os cargos públicos civis, ou militares são acessíveis a todos os brasileiros, observadas as condições de capacidade especial, que a lei es-

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tatuir, sendo, porém, vedada as acumulações remuneradas.

Somente na Constituição de 1934 foi estabelecido o critério do

concurso público, em seu art. 170, inciso II, que dizia que a primeira investidura nos postos de careira das repartições administrativas, e nos demais que a lei determinar, efetuar-se-á depois de exame de sa-nidade e concurso de provas ou títulos.

Atenta-se que o concurso público era utilizado apenas para o provimento inicial, sendo, portanto, permitido o provimento deriva-do, ou seja, legitimando as ascensões funcionais e a prática imoral do concurso interno. Tal redação continuou praticamente mantida nas Constituições de 1937 (156, alínea b), 1946 (art. 186, caput), 1967 (art. 97, § 1º) e na de 1969 (art. 97, §1º).

De sorte, somente ao final do regime de exceção, com a pro-mulgação da Constituição Federal de 1988, a Administração Pública Brasileira pôde realmente exaltar o Princípio do Concurso Público em sua verdadeira essência, vedando-se assim políticas espúrias, pa-ternalistas, fisiológicas, empreguistas, oriundas do clientelismo e do nepotismo, notabilizando os princípios constitucionais da Adminis-tração Pública e o Estado Democrático de Direito.

Mesmo antes do início do regime ditatorial, ainda sob a égide da Constituição democrática de 1946, a Corte Suprema brasileira começou a construir sua jurisprudência sobre o presente tema, no que tange à nomeação dos aprovados em concursos públicos. Tais precedentes influenciaram a doutrina administrativista e os tribunais brasileiros, e com a edição da Súmula nº 15 em 1964, o Pretório Ex-celso uniformiza seu entendimento disciplinando que o aprovado em concurso público somente tem direito subjetivo à nomeação em caso de desrespeito a ordem de classificação, ou seja, nos demais ca-sos, o aprovado tem somente expectativa de direito. Vale ressaltar que mesmo com o início da Nova Republica e com o Princípio do Concurso Público, disposto em sua total plenitude na Constituição de 1988, o pensamento do STF continuou o mesmo, orientando a-inda a jurisprudência do tribunal superior recém-criado, o Superior Tribunal de Justiça.

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Desse modo, pretende-se responder a determinados questiona-mentos relativos a tal princípio, tais como: O direito do aprovado em concurso público à nomeação é subjetivo ou se trata de mera ex-pectativa? A prorrogação do prazo de validade do concurso público é um ato vinculado ou discricionário? No caso de contratação precá-ria ou preterição na ordem de classificação, o aprovado em concurso público tem direito subjetivo à vaga? A Administração Pública vin-cula-se ao número de vagas previsto no edital? Os candidatos apro-vados em classificação fora do número de vagas, mas que pela desis-tência de outros candidatos se classificaram dentro do número pre-visto no edital, têm direito subjetivo à nomeação? O Cadastro de Re-serva fere o Princípio do Concurso Público? Qual é a posição do STF e do STJ sobre os referidos temas?

Tem-se, portanto, como objetivo geral analisar o supramen-cionado princípio quanto à natureza jurídica da nomeação. O obje-tivo específico é mostrar o avanço dos precedentes e a mudança de entendimento dos tribunais superiores no que se refere à matéria. Justifica-se a escolha do tema em virtude da polêmica jurisprudenci-al e doutrinária que sempre pairou sobre o assunto, além de ser de grande relevância para a sociedade e para aqueles que não medem esforços na luta por uma vaga no serviço público, seja ele federal, es-tadual ou municipal.

Como metodologia de trabalho, a execução do presente artigo transcorre optando-se pelas pesquisas bibliográfica e documental, por meio principalmente de consulta à doutrina, legislação e juris-prudência brasileira, que versa sobre o referido tema. 2. Histórico e Consolidação Jurisprudencial do STF

Durante décadas, o Supremo Tribunal Federal fossilizou seu

entendimento relativo ao Concurso Público, mais especificamente, no tocante à nomeação do aprovado. Desde o longínquo ano de 1961, surgiram na Corte Suprema precedentes no sentido de não ga-rantir ao concursado direito à nomeação, em face à discricionarie-dade do Estado no que tange à convocação dos aprovados, confe-rindo-lhes mera expectativa de direito. Assim entendeu o STF no julgamento do MS nº 8.724 e RMS nº 8.578, in verbis:

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EMENTA: O CONCURSO NÃO DÁ POR SI SÓ DIREITO A CARGO. PRAZO DE VALI-DADE. INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍ-QUIDO E CERTO. (STF. MS 8724 / SP, Rela-tor (a): Min. CANDIDO MOTTA, Órgão Jul-gador: TRIBU-NAL PLENO, Julgamento: 09/08/1961, Diário da Justiça: 08/09/1961) EMENTA: CONCURSO PARA PROVIMEN-TO DE CARGO PÚBLICO. A HABILITA-ÇÃO DE CANDIDATO APROVADO E RE-QUISITADO PARA A INVESTIDURA, MAS NÃO OBRIGA O ESTADO A PROVER TO-DAS AS VAGAS. SEGURANÇA DENEGA-DA. DECISÃO CONFIRMADA, PELO NÃO PROVIMENTO DO RE-CURSO. (STF. RMS 8578, Relator (a): Min. PEDRO CHAVES, Ór-gão Julgador:Tribunal Pleno, Julgamento: 27/09/1961, Diário da Justiça: 12/04/1962).

Com base nesses dois julgados, em 1964, foi editada a Súmula

nº 15, que permanece vigente até a presente data, dispondo que “dentro do prazo de validade do concurso, o candidato aprovado tem o direito à nomeação, quando o cargo for preenchido sem ob-servância da classificação”.

Dessa feita, somente na hipótese de preterição na ordem de classificação haveria possibilidade de o aprovado em concurso pú-blico vislumbrar direito subjetivo à nomeação. Da exegese deste e-nunciado, configurou-se entendimento no sentido da possibilidade de realização de novo concurso público durante o prazo de validade do concurso anterior, desde que haja a nomeação inicial dos apro-vados no primeiro concurso, respeitando assim a ordem de classifi-cação.

Nesse diapasão, ensina Hely Lopes de Meirelles (2003, p.414):

[...] a aprovação no concurso público não gera direito absoluto à nomeação ou à admissão, pois continua o aprovado com simples expectativa de

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direi-to à investidura no cargo ou emprego dis-putado. [...] O que não se admite é a nomeação de outro candidato que não o vencedor do con-curso, pois nesse caso haveria preterição do seu direito [...].

Essa linha de raciocínio norteou o pensamento da Corte Mai-

or, salvo algumas isoladas decisões proferidas pelo ministro Marco Aurélio, como no RE nº 192568, in verbis:

EMENTA: CONCURSO PÚBLICO - EDITAL - PARÂMETROS - OBSERVAÇÃO. As cláusu-las constantes do edital de concurso obrigam candidatos e Administração Pública. Na feliz dicção de Hely Lopes Meirelles, o edital é lei in-terna da concorrência. CONCURSO PÚBLICO - VAGAS - NOMEAÇÃO. O princípio da razo-abilidade é conducente a presumir-se, como ob-jeto do concurso, o preenchimento das vagas e-xistentes. Exsurge configurador de desvio de po-der, ato da Administração Pública que implique nomeação parcial de candidatos, indeferimento da prorrogação do prazo do concurso sem justi-ficativa socialmente aceitável e publicação de novo edital com idêntica finalidade. (STF. RE 192568 / PI, Relator (a): Min. MARCO AU-RÉLIO, Órgão Julgador: Segunda Turma, Jul-gamento: 23/04/1996, Diário da Justiça: 13/09/1996)

No ano de 2005, em sede de controle concentrado de constitu-

cionalidade, o Pretório Excelso confirma firmemente, na ADI n º 2.931-RJ, sua orientação, conforme Ementa abaixo:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTI-TUCIONALIDADE. ARTIGO 77, INCISO VII, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. TEXTO NORMATIVO QUE ASSEGURA O DIREITO DE NOMEA-

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ÇÃO, DENTRO DO PRAZO DE CENTO E OITENTA DIAS, PARA TODO CANDIDA-TO QUE LOGRAR APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO DE PROVAS, OU DE PROVAS DE TÍTULOS, DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS OFERTADAS PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ESTADUAL E MUNICIPAL. O direito do candidato apro-vado em concurso público de provas, ou de pro-vas e títulos ostenta duas dimensões: 1) o implí-cito direito de ser recrutado segundo a ordem descendente de classificação de todos os aprova-dos (concurso é sistema de mérito pessoal) e du-rante o prazo de validade do respectivo edital de convocação (que é de 2 anos, prorrogável, ape-nas uma vez, por igual período); 2) o explícito direito de precedência que os candidatos apro-vados em concurso anterior têm sobre os candi-datos aprovados em concurso imediatamente posterior, contanto que não-escoado o prazo da-quele primeiro certame; ou seja, desde que ainda vigente o prazo inicial ou o prazo de prorroga-ção da primeira competição pública de provas, ou de provas e títulos. Mas ambos os direitos, acrescente-se, de existência condicionada ao querer discricionário da administração estatal quanto à conveniência e oportunidade do cha-mamento daqueles candidatos tidos por aprova-dos. O dispositivo estadual adversado, embora resultante de indiscutível atributo moralizador dos concursos públicos, vulnera os artigos 2º, 37, inciso IV, e 61, § 1º, inciso II, "c", da Constitui-ção Federal de 1988. precedente: RE 229.450, Rel. Min. Maurício Corrêa. Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do inciso VII do artigo 77 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro. (STF. ADI 2931 / RJ, Relator (a): Min. CARLOS BRITTO, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Julgamento: 24/02/2005, Diário da Justiça: 29/09/2006).

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Diante do exposto, verifica-se, para o Tribunal Constitucional

brasileiro, que até a data acima mencionada a nomeação dos apro-vados em concurso público é um ato discricionário, somente se con-figurando em um direito subjetivo do aprovado, no caso de descum-primento da ordem de classificação, ou na hipótese de convocação de candidatos aprovados em concurso público realizado depois.

3. Quebra de Paradigma e a Revolução nos Tribunais Superiores

O ano de 2007 mostrou-se revolucionário diante de decisões

modernas exaradas pela Cortes Superiores brasileiras, no que tange ao presente tema. Rompendo com posicionamentos quase que imu-táveis, o Superior Tribunal de Justiça inova quanto à nomeação dos aprovados em concurso público. Em Acórdão histórico proferido no RMS nº 20718, o Tribunal da Cidadania enfrenta a ultrapassada ju-risprudência da Supre-ma Corte, nos seguintes termos:

EMENTA: ADMINISTRATIVO - SERVIDOR PÚBLICO - CONCURSO - APROVAÇÃO DE CANDIDATO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTAS EM EDITAL – DIREI-TO LÍQUIDO E CERTO À NOMEAÇÃO E À POSSE NO CARGO - RECURSO PROVIDO. 1. Em conformidade com jurisprudência pacífica desta Corte, o candidato aprovado em concurso público, dentro do número de vagas previstas em edital, possui direito líquido e certo à nomeação e à posse. 2. A partir da veiculação, pelo instrumento con-vocatório, da necessidade de a Administração prover determinado número de vagas, a nomea-ção e posse, que seriam, a princípio, atos discri-cionários, de acordo com a necessidade do ser-viço público, tornam-se vinculados, gerando, em contrapartida, direito subjetivo para o candidato aprovado dentro do número de vagas previstas em edital. Precedentes.

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3. Recurso ordinário provido. (STJ. RMS 20718 / SP, Relator (a): Min. PAULO MEDINA, Ór-gão Julgador: SEXTA TURMA, Julgamento: 04/12/2007, Diário da Justiça: 03/03/2008).

Tal julgado supera paradigmas, dispondo primeiramente que

aquele aprovado e classificado dentro do número de vagas, original-mente conjeturado no instrumento convocatório, passa a ter direito subjetivo à nomeação e não só mera expectativa de direito. Segundo, que a nomeação é um ato vinculado às vagas anunciadas no edital e não ato discricionário, baseado na conveniência e oportunidade es-tatal.

Caminhando no mesmo sentido, em 2008, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, no RE nº 22.718, aduziu que

EMENTA: DIREITOS CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. NOMEAÇÃO DE A-PRO-VADOS EM CONCURSO PÚBLICO. EXIS-TÊNCIA DE VAGAS PARA CARGO PÚBLICO COM LISTA DE APROVADOS EM CONCUR-SO VIGENTE: DIREITO AD-QUIRIDO E EXPECTATIVA DE DIREITO. DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. RE-CUSA DA ADMINISTRAÇÃO EM PROVER CARGOS VAGOS: NECESSIDADE DE MO-TIVAÇÃO. ARTIGOS 37, INCISOS II E IV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. RE-CURSO EXTRAORDINÁRIO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. Os candidatos apro-vados em concurso público têm direito subjetivo à nomeação para a posse que vier a ser dada nos cargos vagos existentes ou nos que vierem a va-gar no prazo de validade do concurso. 2. A recu-sa da Administração Pública em prover cargos vagos quando existentes candidatos aprovados em concurso público deve ser motivada, e esta motivação é suscetível de apreciação pelo Poder Judiciário. 3. Recurso extraordinário ao qual se nega provimento. (STF. RE 227480 / RJ, Rela-

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tor (a): Min. MENEZES DIREITO, Relator (a) p/ Acórdão: Min. CÁRMEN LÚCIA, Órgão Julgador: Primeira Turma, Julgamento: 16/09/2008, Diário da Justiça: 21/08/2009).

Observa-se que o julgado prolatado na Excelsa Corte foi mais

além, pois não se limita apenas às vagas previstas no edital, ou seja, sendo criadas novas vagas através de lei, ou existindo vacâncias nos cargos da administração, os aprovados em concurso público fora da classificação teriam direito subjetivo à nomeação para o preenchi-mento de tais vagas, dentro do prazo de validade do concurso. Con-clui também que a Administração Pública somente pode se negar a nomear os aprovados mediante motivação explícita, justificando seus motivos, não podendo deixar ao bel prazer escoar o prazo de validade do concurso.

Porém, esta foi a única decisão do STF proferida nos últimos tempos desde então. Já o STJ caminhou a passos largos consolidan-do seu entendimento quanto ao direito subjetivo à nomeação dos a-provados dentro do número de vagas oferecidas, sendo esta vincula-da ao edital. Inúmeros acórdãos foram editados desde 2007 nesse sentido, como por exemplo, RMS nº 19.478, RMS nº 22.597, RMS nº 26.507, MS nº 10.381, no ano de 2008, e AGRG no RMS nº 22.568, RMS nº27. 508- RMS nº 27.575, RMS nº 27.311, no ano de 2009.

Mostrando-se um tribunal aberto ao debate, o STJ aprofunda em outras discussões pertinentes o objeto dessa pesquisa. Depois de pacificar sua jurisprudência no tocante ao direito subjetivo à nomea-ção dos aprovados em concurso público, a questão que está na or-dem do dia é a relativa ao direito à nomeação dos aprovados classi-ficados fora do número de vagas previsto no edital, quando compro-vada a existência de cargos vagos na Administração, na hipótese de criação de novas vagas por lei, ou mesmo nos caso de vacâncias, e-xonerações, morte ou desistências de outros aprovados.

O STJ ainda está longe de chegar a um denominador comum quanto à matéria acima mencionada. Em decisões recentíssimas pu-blicadas em 2009, comprova-se que ainda não há julgamentos unís-

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sonos quanto ao presente assunto. Assim pronunciou-se o tribunal em julgamentos diametralmente antagônicos:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL. RE-CURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. LE-GISLAÇÃO SUPERVENIENTE. CRIAÇÃO DE NOVAS VAGAS. DIREITO LÍQUIDO E CERTO À CONVOCAÇÃO. INEXISTÊN-CIA. A criação de novas vagas, durante o prazo de validade do concurso público, não garante o di-reito à nomeação àqueles que foram aprovados fora das vagas originalmente previstas no edital do certame, por se tratar de ato discricionário da Administração, não havendo falar em direito adquirido, mas tão somente em expectativa de direito. Agravo regimental desprovido. (STJ. AgRg no RMS 26947 / CE, Relator(a): Ministro FELIX FISCHER, Órgão Julgador: QUINTA TURMA, Julgamento: 02/12/2009, Diário da Justiça: 02/02/2009) EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCUR-SO PÚBLICO. AUDITOR FISCAL DO ES-TADO DA BAHIA. CONVOCAÇÃO DOS APROVADOS. ELIMINAÇÃO DE CANDI-DATO HABILITADO. AUSÊNCIA DO PREENCHIMENTO DE VAGA OFERTADA NO EDITAL. DIREITO SUBJETIVO À NO-MEAÇÃO DO CANDIDATO INICIAL-MENTE POSICIONADO ALÉM DO NÚ-MERO DE VAGAS. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. RECURSO PROVIDO. 1. O princípio da moralidade impõe obediência às regras insculpidas no instrumento convocató-rio pelo Poder Público, de sorte que a oferta de vagas vincula a Administração pela expectativa

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surgida entre os candidatos aprovados dentro do número de vagas. 2. O não preenchimento de todas as vagas ofer-tadas dentro do prazo de validade do concurso, em razão da eliminação de candidato inicial-mente habilitado dentro do número previsto em Edital, gera o direito subjetivo à nomeação do candidato classificado na posição imediatamente subsequente na lista de classificados. 3. Explicitada a necessidade de a Administração nomear 48 Auditores-Fiscais, o ato de nomeação do recorrente, diante do desinteresse de candida-to aprovado em tomar posse, deixou de ser dis-cricionário para se tornar vinculado, uma vez que passou a se enquadrar dentro do número de vagas previstas no Edital do certame. 4. Recurso provido para determinar a convoca-ção do recorrente para realizar os exames ine-rentes à fase final do certame e, no caso de pre-enchimento dos requisitos necessários, a nomea-ção para o cargo de Auditor Fiscal do Estado da Bahia, com atuação na área de Administração, Finanças e Controle Externo. (STJ. RMS 27.575/BA, Relator (a): Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Órgão Julgador: QUINTA TURMA, Julgamento: 20/08/2009, Diário da Justiça: 14/09/2009)

Resta provado que os avanços jurisprudenciais foram patentes,

porém ainda há muitas polêmicas a serem debatidas no âmbito dos tribunais, a respeito do objeto do presente estudo, restando à socie-dade esperar o caminhar jurisprudencial que consolide cada vez mais o direito daqueles que se dedicam na batalha cada vez mais ár-dua de lograr aprovação em concurso público.

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4. Outras Discussões acerca do Tema

4.1. Vinculação ao Edital do Concurso no que tange ao número de vagas

Entende-se que quando a Administração Pública convoca a

sociedade para uma seleção pública, tanto os administrados quanto a própria Administração se vinculam ao estipulado no instrumento convocatório, em consonância com o Princípio da Vinculação ao Edital. Sendo assim, se o edital estipular vagas, deve o Estado cum-prir o que este estabelece, sendo, portanto, a nomeação dos aprova-dos classificados dentro do número de vagas ato vinculado ao edital. Somente em situações excepcionais e em casos emergenciais, pode o Poder Público se opor à nomeação, devendo tal negativa ser justifi-cada, demonstrado o interesse público, respeitando assim os Princí-pios da Motivação e Finalidade.

4.2. Cadastro de Reserva

Tal medida não é vista com bons olhos pelos aplicadores do

direito, porém pode ser entendida como legal, pois respeita os Prin-cípios da Publicidade e Informação. Com a publicação do edital, to-da sociedade toma conhecimento prévio que aquela determinada se-leção será para a composição de banco de reserva, não sendo naque-le momento disponibilizada vaga específica para nenhum cargo ou emprego publico, tendo os aprovados mera expectativa de direito à nomeação.

Porém, opina-se que no prazo de validade do concurso, a par-tir da criação de cargos mediante lei especifica, ou mesmo com sur-gimento de vagas por meio de exonerações, aposentadorias ou mor-te, ocorre a obrigação de a Administração nomear aqueles aprova-dos, respeitando a ordem de classificação, nascendo nesse momento o direito subjetivo à nomeação. Todavia, tal discussão ainda não foi enfrentada pelos tribunais superiores.

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4.3. Prorrogação do Prazo de Validade do Concurso Quanto ao prazo de validade do concurso, trata-se de mera li-

beralidade do administrador sua prorrogação, configurando-se ato discricionário. Ademais, o gestor público não precisa justificar a não prorrogação, não havendo desrespeito ao Princípio da Motivação.

Percebe-se que não só a prorrogação, mas também a fixação do prazo de validade inserem-se na órbita da discricionalidade, po-dendo a Administração fixar prazo menor que os dois anos, pois na exegese do art. 37, III, da Carta Magna nota-se que o legislador constituinte deixou na seara da oportunidade e conveniência, quan-do dispôs que o prazo de validade do concurso público será de até dois anos.

4.4. Contratação Precária

Dentro do prazo de validade do concurso público, sendo de-

monstrada a contratação precária de terceiros, resta configurado o direito subjetivo à nomeação do aprovado em concurso público. Tra-ta-se de preterição na ordem de classificação, sendo aplicada ao caso concreto a Súmula nº 15 do STF. Com o mesmo raciocínio, os RESP 74432, RMS 24542 e RMS 24151 do Superior Tribunal de Justiça.

5. Conclusão

Como visto, em termos gerais, grandes mudanças ocorreram

na jurisprudência brasileira quanto à nomeação dos aprovados em concurso público. O posicionamento anterior dos tribunais era no sentido de não haver direito à nomeação, somente existindo uma mera expectativa de direito do aprovado. Hoje, o STJ consolida de vez sua jurisprudência quando em vários acórdãos afirma haver o direito subjetivo à nomeação do aprovado dentro do número de va-gas. A Corte Suprema também caminha para esse entendimento, havendo um precedente na 1ª Turma.

O mais importante disso tudo foi a abertura dos tribunais su-periores a teses e pensamentos modernos, desmistificando assim ju-

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risprudências antigas e ultrapassadas, que caminhavam na contra-mão das conquistas implementadas pela Constituição de 1988.

Hoje, com base nesses precedentes, novos questionamentos surgem, sendo o mais relevante deles aquele que trata do direito à nomeação dos aprovados fora do número das vagas, quando do sur-gimento de novos cargos dentro do prazo de validade do concurso. O STJ ainda não tem um posicionamento definido sobre essa ques-tão, porém há alguns julgados que acabam por conferir o direito sub-jetivo à nomeação dos aprovados fora do número de vagas, quando restar provado que exista a vaga.

Conclui-se que há o direito subjetivo à nomeação não só da-queles aprovados dentro do número de vagas, mas também dos clas-sificados fora do número de vagas, desde que haja disponibilidade de vagas decorrentes da criação, através de Lei, de novos cargos, bem como vagas decorrentes de exonerações, morte de servidores e desis-tência de outros aprovados, dentro do prazo de validade do concur-so público. Se esse entendimento vier a prevalecer, garante o direito subjetivo à nomeação daqueles aprovados em concurso publico para cadastro de reserva. Assim, sendo criados novos cargos, ou no caso do surgimento de novas vagas, nasceria nesse momento o direito subjetivo à nomeação daqueles cadastrados no banco de reserva. Va-le frisar que tal direito só surgirá se o concurso estiver em plena vi-gência do seu prazo de validade.

Portanto, espera-se que o Pretório Excelso siga o exemplo do STJ e ratifique o posicionamento de sua 1ª Turma, consolidando sua jurisprudência nessa linha, pois somente assim o Princípio do Con-curso Público será aplicado em sua total plenitude.

Referências

BASTOS, Núbia M. Garcia. Introdução à metodologia do trabalho acadêmico. 2.ed. Fortaleza: [S.n.], 2005. BRASIL. Constituição (1824). Constituição do Império do Brasil. Rio de Janeiro, 1824.

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_______. Constituição (1891). Constituição da República dos Esta-dos Unidos do Brasil. Rio de Janeiro-DF: Senado, 1891. _______. Constituição (1934). Constituição da República dos Esta-dos Unidos do Brasil. Rio de Janeiro-DF: Senado, 1934. _______. Constituição (1937). Constituição dos Estados Unidos do Brasil do Brasil. Rio de Janeiro-DF: 1937. _______. Constituição (1946). Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro-DF: Senado, 1946. _______. Constituição (1967). Constituição da República Federati-va do Brasil. Brasília-DF: 1967. _______. Constituição (1969). Constituição da República Federati-va do Brasil. Brasília-DF: 1969. _______. Constituição (1988). Constituição da República Federati-va do Brasil. Brasília-DF: Senado, 1988. _______. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO EX-TRAORDINÁRIO Nº 227480 / RJ, Relator(a): Min. Menezes Di-reito, Relator(a) p/ Acórdão: Min. Cármen Lúcia, Órgão Julgador: Primeira Turma, Julgamento:16/09/2008, Diário da Justiça: 21/08/2009. ________. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 2931 / RJ, Relator(a): Min. Carlos Britto, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Julgamento: 24/02/2005, Diário da Justiça: 29/09/2006. _______. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECUESO EX-TRAORDINÁRIO Nº 192568 / PI, Relator (a): Min. Marco Auré-

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Tribunal de Contas do Estado do Ceará

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lio, Órgão Julgador:Segunda Turma, Julgamento: 23/04/1996, Diá-rio da Justiça: 13/09/1996. _______. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. SÚMULA Nº 15. Dentro do prazo de validade do concurso, o candidato aprovado tem o direito à nomeação, quando o cargo for preenchido sem ob-servância da classificação. Edição: Imprensa Nacional, 1964, p. 37. _______. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 8578, Relator (a): Min. Pedro Chaves, Órgão Julgador:Tribunal Pleno, Julgamento: 27/09/1961, Diário da Justiça: 12/04/1962. _______. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MANDADO DE SEGURANÇA Nº 8724 / SP, Relator (a): Min. Candido Motta, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Julgamento: 09/08/1961, Diário da Justiça: 08/09/1961. _______. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 27.575/BA, Relator (a): Mi-nistro Napoleão Nunes Maia Filho, Órgão Julgador: Quinta Turma, Julgamento: 20/08/2009, Diário da Justiça: 14/09/2009. _______. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AGRAVO RE-GIMENTAL NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURAN-ÇA Nº 26947 / CE, Relator (a): Ministro Felix Fischer, Órgão Jul-gador: Quinta Turma, Julgamento: 02/12/2009, Diário da Justiça: 02/02/2009. _______. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 20718 / SP, Relator (a): Min. Paulo MEDINA, Órgão Julgador: Sexta Turma, Julgamento: 04/12/2007, Diário da Justiça: 03/03/2008. CARVALHO FILHO, J. dos S. Manual de Direito administrativo. 15. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006.

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Tribunal de Contas do Estado do Ceará

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FERREIRA, A. B. de H. Dicionário Aurélio básico. Rio de Janei-ro: Nova Fronteira, 1988. MAIA, T. L. Metodologia básica. Fortaleza: UNIFOR, 1994. MEIRELES, H. L. Direito administrativo brasileiro. 27.ed. São Paulo: Malheiros, 2003. __________. Direito administrativo brasileiro. 13. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987.

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Qualidade na Despesa Pública: Precisamos de uma Nova Lei ?

Cristiane Leitão dos Santos Botelho

Graduada em Ciências Contábeis-UFC

Assessora Técnica do Tribunal de Contas em Gabinete de conselheiro (TCE-CE)

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo analisar a necessidade de um novo marco regulatório que priorize o aumento da qualidade da despesa pública. Pre-tende-se mostrar os mecanismos que regem a Despesa Pública, seus aspectos jurídi-cos e políticos, que constituem pontos indispensáveis para uma política fiscal e so-cial eficiente. Destacando seus diversos conceitos doutrinários a classificação das Despesas Pública e alguns comentários a Lei n° 4.320/64, que, ainda, rege os me-canismos para elaboração e controle dos orçamentos e balanços. Por fim, serão en-focados alguns aspectos do Projeto de Lei do Senado n° 229/2009 de autoria do Se-nador Tasso Jereissati, com vistas ao aperfeiçoamento dos instrumentos de plane-jamento, orçamento e controle no setor público brasileiro. Palavras-chave: Despesa Pública; Lei nº 4320/64; Lei de Qualidade Fiscal; PLS nº 229/2009. 1. Introdução

Sempre houve a necessidade do Estado manter a máquina

administrativa, de maneira eficiente, para que este exerça a função de protetor do interesse coletivo. A necessidade de arrecadar, de gas-tar e gerir o Orçamento Público, de acordo com as normas legais, são condições essenciais para a satisfação das necessidades sociais.

A carga tributária no Brasil está em torno de 35 por cento do Produto Interno Bruto (PIB), e o país precisa enfrentar enormes de-safios no tocante à educação, saúde, habitação e infraestrutura. Co-mo alcançar essas metas? A bem da verdade, gasta-se mais do que se arrecada, constituindo este fato um dos maiores problemas brasi-leiros nos diversos setores de governo. Por exemplo, em 2009, o Banco Central (BC) calculou que o setor público consolidado encer-rou o ano com déficit nominal (Necessidades de Financiamento do Setor Público) de R$ 104,622 bilhões, resultado equivalente a 3,34%

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do Produto Interno Bruto (PIB), soma de todos os bens e serviços produzidos no país.

Se o governo não pode se dar ao luxo de aumentar os impos-tos para a população, tem de atacar por outro lado no aumento da qualidade dos gastos públicos. A Lei de Responsabilidade Fiscal tem sido um instrumento importante no tocante ao equilíbrio das contas públicas. Entretanto, é preciso avançar em instrumentos que possam priorizar a eficiência dos gastos públicos.

Aos Tribunais de Contas cabe o papel de fiscalizar e informar a Administração Pública a correta aplicação desses recursos, para que sejam aplicados da melhor forma possível, visando o desenvol-vimento de uma sociedade mais justa, democrática e igualitária.

A Lei nº 4.320/64, de 17 de março de 1964, representou a primeira reforma na elaboração e controle dos gastos públicos, pois introduziu um modelo de orçamento voltado para o controle, a ge-rência dos meios e a transparência na efetivação dos recursos públi-cos.

As modificações processuais ocorridas após a Constituição Federal de 1988 deixaram diversos aspectos da Lei nº 4.320/64 de-fasados. E o art. 165 da Carta Magna prevê a elaboração de uma lei complementar para

“dispor sobre o exercício financeiro, a vigência, os prazos, a elaboração e a organização do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e da lei orçamentária anual; e estabelecer normas de gestão financeira e patrimonial da adminis-tração direta e indireta, bem como condições pa-ra a instituição e funcionamento de fundos.

Algumas propostas no Congresso Nacional estão tramitando

com esse objetivo. É o caso do Projeto de Lei do Senado PLS nº 229/2009 e seus apensos 175/2009 e 248/ 2009 todos visando a a-tender ao disposto nos termos do § 9º, art. 165 da Constituição Fe-deral.

Este artigo é composto de cinco seções, além da introdução. Aborda-se na segunda seção os diversos conceitos e a classificação

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da despesa pública. Na terceira seção, apresentamos os aspectos po-líticos e jurídicos da despesa, Na quarta, aborda-se as despesa sob a ótica da Lei nº 4.320/64 e na última seção apresentamos o projeto de Lei do Senado nº 229/2009.

2. Alguns Conceitos e a Classificação das Despesas Públicas

No estudo das Despesas Públicas é fundamental o conheci-

mento das várias concepções referentes aos conceitos clássicos, dou-trinários, econômico, jurídico e político.

Para Baleeiro, Aliomar (1996, p. 73), a Despesa Pública pode ser definida em dois conceitos:

Aplicação de certa quantia em dinheiro, por par-te da autoridade ou agente público competente, dentro de uma autorização legislativa, para exe-cução de fim a cargo do governo.

Pode ocorrer a deturpação dos fins acima definidos pelo autor,

sem proveito para o serviço público. O imposto, nesse caso, serve não só para pagar o serviço do estado como também seus erros, tais como a ineficiência e os dispêndios indevidos.

Em seu Manual de Ciência das Finanças, Veiga Filho aduz:

Despesa Pública é o uso efetivo que o Estado faz de seus bens e recursos para ocorrer às necessi-dades morais e materiais da vida civil e política.

Desta forma, a despesa nesse sentido é parte integrante do or-

çamento, ou seja, encontram-se classificadas todas as autorizações para gastos com as várias atribuições e funções do governo.

Da Silva, L. (1991, p.98), por sua vez, aponta que as despesas públicas são

Os desembolsos efetuados pelo Estado no aten-dimento dos serviços e encargos assumidos no interesse geral da comunidade, nos termos da Constituição, das leis, ou em decorrência dos contratos ou outros instrumentos.

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Deodato, Alberto (1965, p. 64) definiu da seguinte forma:

É o gasto da riqueza pública autorizado pelo poder competente, com o fim de ocorrer a uma necessidade pública com pessoal, material, sub-venções, serviços da dívida pública e etc.

Soledade, Fernando Tadeu (1991, p. 78) destaca:

A despesa pública, em seu sentido mais amplo compreende a totalidade das saídas financeiras que ocorrem nas entidades públicas.

O tributarista Kiyoshi Harada (1999, p. 43), em sua obra de

Direito Financeiro e Tributário, dispõe que

É a parte do orçamento, representando portanto, a distribuição e emprego das receitas para cum-primento das diversas atribuições da Adminis-tração (...) é a utilização, pelo agente público competente, de recursos financeiros previstos na dotação orçamentária para atendimento de de-terminada obrigação a cargo da Administração, mediante a observância da técnica da Ciência da Administração, o que envolve o prévio empenho da verba respectiva.

2.1 Classificação da Despesa Pública

Faz-se necessário que busquemos estabelecer as diversas clas-

sificações da despesa pública, pois há divergências doutrinárias quanto a sua classificação.

Segundo Valdecir Pascoal (2005, p.62), a despesa pública pode ser classificada em dois grandes grupos:

Orçamentária: é a despesa que decorre da lei or-çamentária e dos créditos adicionais. Deve obe-decer a todas as regras pertinentes ao processa-

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mento da despesa; tais como licitação, empenho, liquidação e etc. Extraorçamentária: correspondem as despesas que não vêm consignadas na lei do orçamento ou em créditos adicionais e compreende diversas saídas de numerário resultantes do levantamento de depósitos, cauções, pagamentos de restos a pagar, consignações, resgate de operações de crédito por antecipação da receita (ARO), bem como todos os outros valores que se apresentem de forma transitória. São valores que anterior-mente ingressaram nos cofres públicos a títulos das receitas extraordinárias. A sua efetivação se forma menos burocrática do que as despesas or-çamentárias.

Já Araújo, Inaldo e Arruda, Daniel ( 2006, 110) assim se ex-

pressam:

Em contabilidade, a despesa é conceituada co-mo o consumo de um bem ou serviço, que, dire-ta ou indiretamente, contribui para a geração de receitas. Ela se refere à redução do ativo sem correspondente redução do passivo. . financeira: desembolso de recursos voltados para o custeio da máquina pública, bem como para investimentos públicos, que são denomina-dos de gastos de capital. . econômica: gasto ou promessa de gasto de re-cursos em função da realização de serviços que visam atender às finalidades constitucionais do Estado.

No viés de Aguiar, Afonso Gomes (1999, pág. 87), o conceito

de Despesa Pública tem sido encarado sob dois aspectos, um de ca-ráter financeiro e outro de natureza econômica:

Em sentido financeiro, Despesa Pública é o dis-pêndio realizado por ente público, dependendo ou não de autorização orçamentária, da qual re-

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sulte decréscimo ou simples permuta de bem pa-trimonial. Enluvado neste entendimento, tanto será Despesa Pública a aquisição de um veículo quanto o gasto realizado com aquisição de mate-rial de consumo ou com pagamento de prestação de serviço. Em serviço econômico, só constitui Despesa Pública, aquela cuja saída do dinheiro dos cofres estatais resulte, obrigatoriamente, em redução do patrimônio da entidade que realiza o gasto. O exemplo dado acima, referente a aquisição do veículo não é receita, posto que só afeta o pa-trimônio qualitativamente, sem decorrência, portanto, de seu decréscimo. Em relação ao pa-gamento de prestação de serviço, é despesa, eis que provoca diminuição de patrimônio, isto é, afeta-o quantitativamente para menor.

Ante o exposto, vimos que a despesa pública representa o gas-

to ou as previsões de gastos, autorizados pela autoridade competen-te, cujo objetivo deve estar voltado a atender as necessidades sociais de maneira eficaz e eficiente, previstas na Lei de Orçamento deven-do ser elaboradas em conformidades com o Plano Plurianual de In-vestimentos, com a Lei de Diretrizes Orçamentárias e com a Lei de Responsabilidade Fiscal.

3. Aspectos Políticos e Jurídicos da Despesa Pública

O Estado obedece a critérios políticos quando institui o pro-

cesso de serviços públicos para satisfação das necessidades públicas, por meio de dispêndios efetuados para a manutenção e o funciona-mento da máquina administrativa, isto é, a aquisição de bens e ser-viços para consecução desse fim, a satisfação das necessidades públi-cas.

O princípio da máxima vantagem social constitui uma das re-gras racionais que deveria inspirar os gestores (governantes), o cálcu-lo na escolha do objeto da despesa, o que trará maior benefício à co-letividade. Porém, nem sempre isso ocorre nas decisões dos órgãos

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de governo. A escolha do objetivo da despesa pública envolve um ato político, que se funda nas ideias e interesses revelados dos grupos que detêm o poder.

Baleeiro, Aliomar (1996, p.73) cita três causas de crescimento real da despesa pública, constatando que é crescente a extensão da rede de serviços públicos, motivando maior destinação das rendas à satisfação destas necessidades:

a) o incremento da capacidade econômica do homem contemporâneo, sobretudo devido ao aperfeiçoamento da técnica de produção; b) a elevação do nível político, moral e cultural das massas sob o influxo de ideias-forças, que levam os indivíduos a exigir e a conceder mais ampla e eficaz expansão dos serviços públicos; c) as guerras, que de lutas entre grupos armados, restritos, assumiram o caráter de aplicação total das forças econômicas e morais, humanas, en-fim, do país na sorte do conflito.

Por certo, é que a política social do governo deve estar voltada

àqueles que realmente necessitam de ajuda para sair da condição de pobreza, priorizar programas políticos eficazes que beneficiem as ge-rações presentes e futuras. Assim, aumentar a eficiência do gasto público é necessário para que o país possa obter maior crescimento econômico, maior renda, diminuindo assim as imensas desigualda-des sociais.

Segundo Velloso, Raul (2006, pág. 134),

De acordo com especialistas em questões rela-cionadas à distribuição de renda e pobreza, isso é possível, tendo em vista que o gasto social no Brasil não atende aos mais pobres. Por isso, uma reforma dos programas atuais permitiria que se obtivesse, simultaneamente, redução de despesa (ou o estancamento do atual ritmo de crescimento) e redução da pobreza.

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É importante registrar que a vontade política, deve obedecer ao que está expresso nas leis orçamentárias, principalmente no Pla-no Plurianual - PPA, mediante o qual os dirigentes estatais definem suas prioridades governamentais, estabelecendo as áreas, onde serão efetuados os gastos públicos visando sempre a correta aplicação dos recursos às necessidades públicas.

4. As Despesas sob a Ótica da Lei nº 4.320/64

Pode-se dizer que a Lei n° 4.320/64 caracterizou a primeira

reforma na elaboração e controle dos gastos públicos, pois introdu-ziu um modelo de orçamento voltado para o controle, a gerência dos meios e a transparência.

Esta Lei, ao longo dos seus 45 anos de vigência, tem disciplinado as normas gerais de orientação para elaboração dos orçamentos e balanços públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios com o objetivo de ordenar, fiscalizar o controle dos atos da administração no que tange à gestão financeira e patrimonial.

De fato, as modificações processuais ocorridas após a Consti-tuição Federal de 1988 deixaram diversos aspectos da Lei nº 4.320/64 desatualizados; o contexto financeiro mundial mudou. A Lei nº 4.320/64 tem sido complementada pela redação das Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDOs).

Vejamos o pensamento de diversos estudiosos do assunto: Segundo Afonso Gomes Aguiar (1999, p.36) foi uma grande

virtude da Lei nº 4320/64

(...) unir a técnica contábil à técnica jurídica, submetendo, de modo obrigatório, os atos e fa-tos administrativos da gestão financeira e patri-monial a vigilância dos registros contábeis, para fins de controle por parte dos órgãos encarrega-dos da fiscalização.

Em Comentários à Lei n° 4.320, os autores aduzem que, quanto ao art. 1° da Lei 4320/04

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(...) a Lei n° 4320/64 se mantém atual quando estabelece a padronização de procedimentos pa-ra as atividades de contabilidade e finanças para o setor público.

Por sua vez, a Constituição do Estado do Ceará trata do as-sunto por meio do art. 16, incisos I e II, art. 28, § 1º e 2º, inciso II.

Ressalte-se, também, que o Código de Contabilidade do Esta-do do Ceará, Lei nº 9.809/73, propôs adequar as normas gerais con-tidas na Lei nº 4.320/64 à realidade estadual.

Ocorre que a Constituição Federal de 1988 previu no art. 165, § 9°, a criação de uma Lei Complementar, que tratasse do exercício financeiro, a vigência, os prazos, a organização, elaboração, imple-mentação, controle e avaliação do PPA, da LDO, da LOA.

Até o presente momento esta Lei Complementar não está em vigor e continua a se utilizar a Lei 4.320/64, porém, esta, quanto às necessidades atuais da administração pública está desatualizada.

Segundo os economistas Lima, Edilberto Pontes e Miranda, Rogério Boueri (2006, pág. 369)

É importante substituir a Lei nº 4.320/64 por outra legislação mais atualizada para normatizar a contabilidade pública. Em especial, deve-se conciliar o conceito de superávit primário com a contabilidade em regime de competência e nor-matizar o uso dos “restos a pagar” para coibir a distorção, hoje existente, de se acumular “restos a pagar a pagar” ao longo dos anos como medi-da de controle de despesas na boca do caixa.

Quanto ao controle dos gastos públicos a Lei n° 4.320/64 con-

tribuiu para que o processo orçamentário evoluísse, pois passou a ser peça fundamental para a gerência dos meios da Administração e não apenas instrumento para propiciar a verificação da probidade da administração.

Entretanto, a preocupação com a qualidade, a quantidade dos gastos públicos e a necessidade de se avaliar as metas e os resultados

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da administração pública exigem uma nova Lei que complemente o papel de controle exercido pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

5. O Projeto de Lei do Senado n° 229/2009

Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei do Senado

(PLS) n° 229/09, que propõe medidas impactantes voltadas para a qualidade da gestão fiscal.

Esta Lei Complementar vem em atendimento ao art. 165, § 9° da Constituição Federal, estabelece normas gerais sobre plano, or-çamento, controle e contabilidade pública, voltadas para a responsa-bilidade no processo orçamentário e na gestão financeira e patrimo-nial, altera dispositivos da Lei Complementar n° 101 de 4 de maio de 2000 (LRF) a fim de fortalecer a gestão fiscal.

Atualmente tramitam em conjunto no Senado três projetos (PLS 229, 175 e 248 de 2009) que pretendem revogar a Lei nº 4320/64 e alterar a Administração Financeira dos órgãos públicos, que se aprovados darão origem a Lei de Qualidade Fiscal.

Temos a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) responsável pelo controle fiscal, que dita as normas do que o gestor pode ou não fazer, o que deve cumprir para obter o equilíbrio fiscal das contas públicas.

A nova Lei apresenta novas propostas para garantir o gasto público quanto à transparência, gestão e controle.

O relator da matéria, Senador Arthur Virgílio, quanto ao PLS nº 229 /2009 de autoria do Senador Tasso Jereissati, destacou no seu parecer:

O autor esclarece que o cerne da proposta é o re-forço da responsabilidade na gestão das finanças públicas, compreendendo os processos de plane-jamento e orçamento, e a gestão financeira, con-tábil e patrimonial da administração pública. Propõe, assim, a adoção do regime responsável de elaboração e apreciação do orçamento públi-co, promovendo mudanças importantes, desde a abrangência das três leis (plano, diretrizes e or-çamento) que integram o ciclo de gestão finan-

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ceira do país até o processo de votação e defini-ção do Poder Legislativo”.

O Substitutivo do Senador Arthur Virgílio ao PLS 229/2009 e seus apensos definem os objetivos da Administração Pública de a-cordo com as prioridades.

Segundo o economista José Roberto Afonso, em entrevista ao Portal Nacional dos Tribunais de Contas do Brasil assegura,

A Proposta de Lei de Responsabilidade de Orça-mentária e Qualidade Fiscal reforça, comple-menta e aperfeiçoa a LRF. Não há a menor fle-xibilização, nenhum recuo, por mínimo que se-ja, na austeridade que a Lei de Responsabilidade Fiscal, veio a implantar no país.

O PLS nº 229/2009 representa um grande avanço para as fi-

nanças públicas, pois complementa a LRF integrando as fases do ciclo orçamentário e estabelecendo regras para áreas como plane-jamento, controle e execução financeira.

O art. 5º do Capítulo I das Disposições Gerais permitirá maior transparência no acesso às informações, proporcionando a todo ci-dadão o acesso às informações, além de poder participar, represen-tantes de entidades sociais, do processo de planejamento.

Do processo de planejamento será dada ampla divulgação à sociedade mediante: I- realização de audiências públicas pela comis-são legislativa encarregada de examinar e de dar parecer sobre projetos de lei de planejamento, ouvindo autoridades de outros Poderes, bem como representantes de entidades da sociedade, durante a discussão do projeto de lei; II- publicação e distribuição, pelo Poder Execu-tivo, de síntese da mencionada Lei, bem como dos relatórios de avaliação correspondente, em linguagem clara e acessível a todo cidadão.

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Quanto ao controle e à avaliação, o art. 104 assim dispõe:

a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial dos órgãos e entidades a que se refere o art. 1º, §§ 1º e 2º, desta lei Complementar, quanto aos aspectos de legalida-de, legitimidade, economicidade, eficiência, efi-cácia e efetividade, aplicação das subvenções e renúncia de receita, será exercida pelo Poder Legislativo de cada ente da Federação, mediante o controle externo, e pelo sistema de controle in-terno definido nos arts. 31 e 74 da Constituição Federal.

Quanto ao Orçamento, o substitutivo inova quando normatiza

que o Plano Plurianual de governo deverá coincidir com o plano de governo do candidato eleito quando apresentado na campanha. O PPA passará a ser um documento político pois refletirá o plano de governo do candidato eleito.

Art. 6º. O PPA constitui instrumento de planejamento para fins desta Lei Complementar e para tal considerará o plano de go-verno do candidato eleito Chefe do Poder Executivo.

Comentários Finais

O PLS nº 229 representa um grande avanço para as finanças

públicas do país, pois substitui a Lei nº 4320/64 e complementa a Lei de Responsabilidade Fiscal na medida em que orienta toda a gestão pública, do planejamento ao controle para a obtenção dos re-sultados.

A Lei de Qualidade Fiscal inova na responsabilidade fiscal, na qualidade dos gastos e na elaboração e controle orçamentários. O projeto mudará todo o processo de planejamento e execução orça-mentária do país.

Esta Lei pretende conferir tratamento igual as três esferas de governo, quanto a qualidade dos gastos. Um dos principais pontos será a obrigatoriedade de apresentação de um relatório da adminis-

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tração; o governo terá que explicar o que fez, para que fez, abrindo espaço para sua avaliação e controle.

A Lei de Qualidade Fiscal destina-se a ser um grande avanço principalmente na busca do aumento da eficiência na aplicação dos recursos públicos, sem perder o foco no controle e na transparência.

Diante do exposto é que se pode afirmar que a aprovação des-sa Lei é fundamental para a melhoria da gestão das finanças públicas no País.

Referências AGUIAR, A. G. A Lei 4.320 comentada ao alcance de todos. 2° Edição. UFC -Casa José de Alencar: Programa Editorial, 1999. ARAÚJO, I. e ARRUDA, D. Contabilidade Pública – da teoria à prática. 3ª tiragem. Editora Saraiva, 2006. BALEEIRO, A. Uma Introdução à Ciência das Finanças. 15 Edi-ção. Atualizada por Dejalma de Campos, Rio de Janeiro: Forense, 1997. BALEEIRO, A. Uma introdução à ciência das finanças. 14º edição revisada por Flávio Bauer Novelli. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1996. DEODATO, A. Manual de Ciência das Finanças. 7° Edição. São Paulo: Saraiva, 1961. HARADA, K. Direito Financeiro e Tributário. 5a. Edição. São Paulo: Atlas, 1999. MENDES, M. (Org). Gasto Público Eficiente. Proposta para o de-senvolvimento do Brasil. Instituto Braudel e Editora TOP BOOKS, 2006.

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PASCOAL, V. Direito Financeiro e Controle Externo - série Impe-tus. 3° Tiragem. Editora Campos, 2005. Revista do TCE. Minas Gerais: Rona Editora Gráfica, 2010. VEIGA FILHO, J. P. da. Manual de Ciência das Finanças. 4° Edi-ção. São Paulo. ARAÚJO, I. e Arruda, D. Contabilidade Pública – da teoria à prá-tica. 3ª tiragem. Editora Saraiva, 2006 .

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A Relação entre Fiscalização e Desenvolvimento

Dalton Tria Cusciano Advogado.

Graduado e Mestrando em Direito pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (EDESP/FGV).

Resumo: A constante correlação entre as expressões desenvolvimento e crescimento econômico torna míope o discurso de diversos economistas e juristas, que se preo-cupam apenas com fatores que influenciam o crescimento, acreditando ser o cres-cimento econômico o único caminho para o desenvolvimento. O caminho inverso, do desenvolvimento como fomentador do crescimento, em um contexto no qual os conceitos de desenvolvimento e crescimento são distintos é pouco trilhado, servindo este trabalho para iluminar tal linha teórica, apresentando um novo prisma sobre o papel do Tribunal de Contas no cenário nacional e sobre o conceito de desenvolvi-mento.

Começamos este artigo com o seguinte questionamento: Cresci-mento econômico e desenvolvimento são sinônimos?

A resposta variará de acordo com o referencial teórico utili-zado; para Celso Furtado, “o desenvolvimento compreende a ideia de crescimento, superando-a” (Furtado 1967). Por seu turno, Bres-ser-Pereira considera desenvolvimento econômico e crescimento du-as expressões sinônimas (Bresser-Pereira, 2008). Já para Fábio Nus-deo, o desenvolvimento representa uma série de alterações quali-tativas e quantitativas que resultam em uma mudança tanto econô-mica quanto cultural, política e social (Nusdeo, 2005).

Neste trabalho adotaremos a concepção de que há uma distin-ção entre crescimento econômico e desenvolvimento, utilizando como conceito de desenvolvimento a ideia de Amartya Sen.

Para Amartya Sen, o desenvolvimento deve ser visto como um processo de expansão das liberdades substantivas, sendo tal expan-são o fim primordial de cada sociedade e o principal meio do desen-volvimento (SEN, 2000). Quebra-se a fórmula desenvolver para li-bertar, adotando-se sua antítese, libertar para desenvolver.

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Libertar, utilizado no sentido de expansão das liberdades subs-tantivas, pode ser conceituado como atribuir aos indivíduos capaci-dades básicas que os intitulem a serem arquitetos de suas próprias vidas, fornecendo condições para “viverem como desejariam.”1

Tais capacidades básicas são divididas por Amartya Sen em 5 (cinco) tipos de liberdades substantivas, a saber:

a) Liberdades políticas: Entendidas como aqueles direitos confe-ridos aos indivíduos que permitem a liberdade de expressão, li-berdade política (escolha de partidos e de membros do Executivo e do Legislativo, voto secreto, possibilidade de crítica e de dis-senso), imprensa livre e liberdade de fiscalização; b) Facilidades econômicas: Possibilidade de utilização dos recur-sos econômicos visando o consumo, troca ou produção, em um ambiente no qual a distribuição de riqueza se faz importante di-ante de um aumento da renda e da riqueza de um país, ou seja, a elevação da renda e da riqueza gerada no país deve corresponder a maiores oportunidades de utilização dos recursos econômicos pelos indivíduos. Ademais, os cidadãos devem ter condições de obter acesso a fi-nanciamentos, desde que devidamente respeitados os recursos financeiros disponíveis; c) Oportunidades sociais: São os serviços prestados pelo Estado de forma adequada e eficiente como saúde, educação, segu-rança, que influenciam a liberdade dos indivíduos de duas for-mas: 1) fornecendo condições básicas de sobrevivência (por meio de vacinações, remédios, proteção2) e 2) alijando barreiras de privação de liberdade decorrentes, por exemplo, do analfabe-tismo/analfabetismo funcional, que afasta os cidadãos nessas condições de oportunidades de trabalhos; d) Garantias de transparência: Conceituadas em síntese como o direito a informação acerca, por exemplo, do dispêndio do erário

1 O termo foi traduzido, quando da tradução para o idioma português, para maiores informações vide SEN, Amartya, Desenvolvimento como liberdade, tradução Laura Teixeira Motta, São Paulo, Companhia das Letras, 2000, p. 54. 2 Utiliza-se o termo proteção no contexto da segurança pública, de forma a evitar que os indivíduos estejam expostos a riscos a sua segurança ou vida.

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ou então dos votos proferidos no Legislativo ou os projetos de lei formulados por seus representantes eleitos. Tais garantias visam coibir a corrupção, o nepotismo, transações ilícitas, captura, ir-responsabilidade fiscal, etc.; e) Segurança Protetora: Asseguração de meios básicos de sobre-vivência para os indivíduos que se encontrem em situação de ex-trema miséria, sob o risco de morte por inanição ou por hi-potermia, ou ainda fome iminente. Dentre os meios disponíveis que poderiam ser utilizados para evitar tais situações encontram-se a possibilidade de suplementos de renda aos indigentes, distri-buição de alimentos e vestuário aos necessitados, etc.

Denota atenção o tipo de liberdade substantiva classificada como garantias de transparência, cabendo o questionamento qual a im-portância dessas garantias de transparência para o desenvolvimen-to?

A resposta é de simplicidade extrema, os contribuintes detêm

o direito de saber como a pecúnia arrecadada é distribuída e aplicada pela Administração Pública. Tendo essas informações, poderão fis-calizar a aplicação do erário, e saber se este está sendo alocado da forma mais eficiente.

Ademais, a transparência do dispêndio público evita o super-faturamento de obras públicas, remunerações exacerbadas a funcio-nários públicos, além de que a clareza de regras e o combate ao pe-culato dos agentes públicos evita ou ao menos reduz a sonegação tributária.

Se os investimentos públicos forem ineficientemente alocados, se houver sonegação fiscal e peculato, os diretamente prejudicados serão os contribuintes, que não terão a adequada contraprestação dos servidos públicos, que foram financiados por meio dos tributos.

Ao se pagar tributos elevados, cria-se a expectativa de investi-mentos em infraestrutura, saúde e educação de qualidade, existência de uma rede social de proteção que impede a miséria absoluta, etc.

Para se efetivar essa transparência, as instituições desempe-nham um papel basilar, de importância reconhecida pela Escola da Nova Economia Institucional (NEI), que apresenta como impor-

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tante linha de pensamento a concepção de que as instituições impor-tam, ou seja, as instituições passam a ser uma importante variável na análise econômica.

Tal importância decorre do papel regulador e coordenador das relações econômicas, exercido pelas instituições, que fornecem um ambiente seguro e previsível para as trocas ocorridas no mercado, coibindo condutas que atentem às qualidades desse ambiente.

Sob tal prisma vale salientar o trabalho de Douglass North, que tenta explicar as diferenças no desenvolvimento econômico en-tre diferentes países, por meio da evolução das instituições, que de acordo com seu entendimento são regras formais ou informais, cria-das pelos indivíduos visando à regulação das suas interações dentro de uma determinada sociedade (North, 1990).

Tais instituições têm como papel fundamental reduzir as incer-tezas existentes no ambiente criando estruturas estáveis que regulem de maneira previsível a interação entre os indivíduos, sendo a dife-rença qualitativa entre as instituições responsável pela diferença nos padrões de desenvolvimento.

Nesse contexto surge o Tribunal de Contas, enquanto institui-ção, atuando como monitor das atividades dos gestores, podendo corrigir-lhes os rumos, ou até mesmo puni-los. A dinâmica de fisca-lização é imprescindível, pois são constantes as mudanças de rumo que representantes do povo imprimem às suas gestões, principal-mente em períodos pós-eleitorais com mudanças de partidos a frente dos Poderes Executivo e Legislativo.

Para exercer esse papel é fundamental que o Tribunal de Con-tas possua autonomia, o que permite a seleção de seus funcionários, a administração de seus recursos, despesas e metas de prioridade na execução de seus serviços.

A autonomia permite que o Tribunal de Contas organize os trabalhos de fiscalização, estabelecendo prazos para a realização de auditorias, fixando a abrangência do ato executado pelo gestor a ser controlado, e evitando a captura.

De acordo com a teoria da captura, a instituição tem com-prometida sua condição de autoridade zeladora do interesse cole-tivo, passando a reproduzir atos destinados a legitimar a consecução de interesses privados dos segmentos fiscalizados.

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O papel de fiscalizador, conferido ao Tribunal de Contas, de-corre de competência exclusiva, de acordo com norma jurídica de envergadura constitucional, que também prevê a execução de suas tarefas independentemente de provocação.

Vale salientar brevemente o texto constitucional, que assevera:

“Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, or-çamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indi-reta, quanto à legalidade, legitimidade, econo-micidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacio-nal, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.”

Denota a atenção às expressões economicidade e legitimidade,

presentes no texto supracitado, responsáveis pela introdução de no-vos parâmetros no controle do patrimônio público. Os Tribunais de Contas, ao averiguarem a economicidade das contas públicas, de-vem verificar se os investimentos feitos trouxeram melhoria à ativi-dade estatal, ou seja, se foram alocados de forma eficiente.

Tais expressões alteram a crença muito difundida de que os Tribunais de Contas combatem apenas o peculato, atuando no mo-delo clássico de finanças, fiscalizando tão somente a aplicação téc-nica da receita e despesa. Pelo contrário, apresentam função ampla, defendendo a competência gerencial dos gestores públicos no trato do erário.

Podemos entender por legitimidade as características contidas na natureza do ato, não bastando este estar revestido pela legalidade, devendo também verificar-se sua moralidade e seu fim público.

Já no que se refere a economicidade há que se verificar a rela-ção entre os gastos efetuados e os benefícios gerados para aquela comunidade, ou seja, a relação custo/benefício do ato praticado, e se o ato contemplou as necessidades públicas locais.

Esse novo papel dos Tribunais de Contas se coaduna com os paradigmas internacionais sobre o tema, muito bem elaborados por Humberto Guimarães Souto, que afirma:

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“Em primeiro lugar, todas as entidades fiscali-zadas realizam monitoramento sistemático do cumprimento de suas deliberações, por meio, principalmente, da realização de auditorias. Essa atividade, realizada de forma autônoma ou em conjunto com o Parlamento, aumenta a pressão para implementação das orientações do órgão de controle e possibilita avaliar a eficácia de tais o-rientações. Outra tendência é a importância crescente das auditorias operacionais e das avaliações de pro-gramas, que, ao contribuírem para melhoria de desempenho dos entes públicos e para aprovei-tamento mais racional dos recursos, permitem resgatar o papel do controle como uma das fun-ções da Administração e atendem ao anseio so-cial por funcionamento mais eficiente do poder público. Uma terceira constatação foi a forte pu-blicidade dos resultados das ações de fiscaliza-ção, considerada estratégica pelos órgãos de ou-tros países para estimular o controle social e pa-ra aumentar a efetividade das deliberações. A quarta constatação foi a de que os sistemas de controle procuram, cada vez mais, atuar de for-ma preventiva, por meio da realização siste-mática de fiscalizações. Por último, as entidades fiscalizadoras, de ma-neira geral, procuram divulgar as boas práticas administrativas. O objetivo é obter um efeito multiplicador, que irradie para outros órgãos e entidades.” (Souto, 2002).

Ressalta-se que a previsão constitucional prevista no artigo 70,

aplica-se, no que couber, aos Tribunais de Contas dos Estados e Tri-bunais e Conselhos de Contas dos Municípios, de acordo com regra esculpida no artigo 75 da Constituição Federal.

Apesar da inegável importância dos Tribunais de Contas na manutenção e luta por ampliação das garantias de transparência, não são só de responsabilidade dos Tribunais de Contas tal manu-tenção e luta, cabendo tal função também aos gestores dos três po-

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deres, de acordo com o artigo 48, da Lei de Responsabilidade Fiscal, que assevera:

Art. 48. São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulga-ção, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e leis de diretri-zes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos. Parágrafo único. A transparência será assegu-rada também mediante incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, du-rante os processos de elaboração e de discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e or-çamentos.

Caso os gestores neguem publicidade aos instrumentos men-

cionados no artigo 48, da Lei de Responsabilidade Fiscal, pratica ato de improbidade administrativa, expressamente previsto no artigo 11, inc. IV, da Lei 8.429/92, que dispõe:

Art. 11. Constitui ato de improbidade adminis-trativa que atenta contra os princípios da admi-nistração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notada-mente: (...) IV - negar publicidade aos atos oficiais;

Tal, conduta sujeita o agente à pena de perda da função pú-

blica, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos e paga-mento de multa de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente, além da proibição de contratar com Poder Público, con-forme disposto no artigo 12, inc. III, da Lei 8.429/92, conforme po-demos vislumbrar abaixo:

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III - na hipótese do art. 11, ressarcimento inte-gral do dano, se houver, perda da função pú-blica, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo a-gente e proibição de contratar com o Poder Pú-blico ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual se-ja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

Podemos perceber, portanto, que além do papel dos Tribunais

de Contas, cabe a todo gestor público, por força de lei, executar de forma transparente suas atribuições, sob pena de sanções.

Uma dúvida frequente relaciona-se com a forma de atuação do Tribunal de Contas, afinal como ele atua?

No âmbito estadual, em geral governadores e prefeitos apre-

sentam anualmente à assembleia legislativa e às câmaras municipais respectivamente, de acordo com as normas constitucionais já visita-das neste trabalho, um relatório referente ao exercício anterior, sobre o qual, o Tribunal de Contas elabora um parecer aprovando ou rejei-tando as contas.

Paralelamente a esse trabalho, os Tribunais de Contas também analisam e julgam os processos de licitações, atos de aposentadoria e de admissão de servidores, de acordo com as regras constitucionais, podendo analisar previamente editais de licitação, se provocados.

Tal provocação pode ser efetuada por qualquer cidadão ou li-citante, de acordo com a lei 8.666/93, que de maneira perspicaz a-tribuiu aos cidadãos meios de defender a res pública.

Sua competência abrange órgãos e entidades, autarquias, soci-edades de economia mista, empresas e fundações públicas, de acor-do com a natureza dessas (municipal, estadual ou federal), lem-brando que excepcionalmente existem dois Tribunais de Contas Municipais, o do Município de São Paulo e o do Município do Rio de Janeiro.

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Importante salientar, que mesmo com previsões legais e o ba-silar papel do Tribunal de Contas, o cidadão tem grande poder no exercício de garantir a transparência e o desenvolvimento, seja na forma prevista da lei 8.666/93, seja de acordo com o positivado na Constituição Federal, no artigo31 §3º:

“As contas dos Municípios ficarão, durante ses-senta dias, anualmente, à disposição de qualquer contribuinte, para exame e apreciação, o qual poderá questionar-lhes a legitimidade, nos ter-mos da lei.”

Logo, compete a todos os contribuintes coibir atos perpetrados

contrários à boa alocação do erário ou ao interesse público, sendo o principal momento de coerção dessas práticas as eleições, oportuni-dade na qual por meio do voto apoiamos ou rejeitamos determina-das condutas, discursos ou planos de gestão.

Nas demais ocasiões, cabe a todos nós auxiliar os Tribunais de Contas, que detêm um papel determinante tanto na fiscalização, quanto na prevenção por meio de informativos e consultas das con-tas públicas, reduzindo assim eventuais assimetrias informacionais e capacitando o cidadão a atuar de forma pró-ativa, se assim desejar.

Ressalta-se que os instrumentos de publicidade existentes de-vem ser ampliados, garantindo amplo acesso da população às infor-mações imprescindíveis da política fiscal, a fim de garantir o direito à informação, como base do Estado Democrático de Direito, auxili-ando a manutenção das garantias de transparência, e, por conse-guinte o desenvolvimento.

Contudo, como já dito anteriormente, o poder fundante da fis-calização e da coerção de eventuais deslizes de gestores públicos compete principalmente aos cidadãos, e essa lição de cidadania deve ser sempre enaltecida, pois erário bem aplicado e de forma transpa-rente gera desenvolvimento, e este, por conseguinte, se traduz em melhores condições de vida para a sociedade, objetivo fundamental da República Federativa do Brasil.

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A Pessoa Idosa e o Direito à Celeridade Processual. Vinculação dos Tribunais de Contas ao

Supraprincípio da Dignidade da Pessoa Humana

Daniel F. O. Costa Advogado. Assessor do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do

Norte. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Potiguar - UNP. Professor da Faculdade Natalense para Desenvolvimento do Rio

Grande do Norte - FARN. Resumo: O Tribunal de Contas lida todos os dias com processos que envolvem pes-soas idosas, fato que o obriga a adoção de medidas que contribuam para a proteção desse grupo de pessoas. Essa obrigatoriedade é decorrência da vinculação das enti-dades públicas ao supraprincípio da dignidade da pessoa humana. Uma das formas de cooperar para proteção dos idosos, assim, é lhes conferir o direito à tramitação prioritária dos processos, que é medida de fácil implementação. O presente artigo, portanto, tem como objetivo demonstrar que os idosos têm o direito à tramitação processual preferencial no âmbito das Cortes de Contas. 1. Introdução

A dignidade da pessoa humana, metaprincípio de força obri-gatória que vincula os órgãos públicos, deita influência determinante na promulgação de leis como o Estatuto do Idoso, que tem por de-sígnio essencial efetivar e proteger direitos fundamentais. O artigo 71 dessa norma infraconstitucional, que trata da tramitação prioritária dos processos que contemplam idosos, é disposição que possui idên-tica finalidade, devendo, por isso, ser observado pelas entidades pú-blicas em geral, como os Tribunais de Contas dos Estados.

O presente trabalho, pois, tem como objetivo explicitar a obri-gatória aplicação da priorização dos processos em que pessoas ido-sas são partes, na esfera das Cortes de Contas, órgãos públicos que analisam diariamente casos que envolvem esse grupo de pessoas; o que, aliás, destaca a importância de um estudo como o agora desen-volvido.

Assim sendo, colocando-se em prática disposição desse jaez, os Tribunais de Contas do país seguem ao encontro da dignidade da pessoa humana, que é a pedra angular da ciência jurídica contempo-

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rânea. Portanto, em linhas afoitas, é a respeito desse tema que o pre-sente artigo se dispõe a tratar.

2. A Dignidade da Pessoa Humana como Norma-Princípio de Força Imediata que Informa o Ordenamento Jurídico

A dignidade da pessoa humana é norma-princípio que orienta

a ordem jurídica. Ela está contida no núcleo de todos os direitos previstos na Constituição Federal, sendo considerada o seu elemento ético unificador1. Na hermenêutica contemporânea, ocupa posição de destaque. É o componente cardeal na aplicação, interpretação e integração das leis.

É através dos direitos fundamentais que esse verdadeiro supra-princípio encontra realização no mundo jurídico. O que significa di-zer que consagradas e protegidas essas garantias fundamentais, a dignidade da pessoa humana estará igualmente preservada e efeti-vada. Daí a razão de se verificar, atualmente, uma tendência cons-tante e crescente na elaboração de leis que têm por finalidade o am-paro e a concretização dos direitos fundamentais. O que não possi-bilita concluir que para que eles venham a ser observados seja im-prescindível uma positivação infra-constitucional.

Na verdade, pelo fato de conterem em sua essência a cláusula geral da dignidade da pessoa humana, eles, os direitos fundamentais, possuem eficácia imediata. Sua concretização independe de qual-quer regulamentação, devendo ser observados, de pronto, por todos os órgãos do Estado. Tanto que no entender de Miranda (2008), conspícuo tratadista desta matéria, o princípio da eficácia jurídica

1 “A constituição confere uma unidade de sentido, de valor e de concordância prática ao sistema de direitos fundamentais. E ela repousa na dignidade da pessoa humana, ou seja, na concepção que faz da pessoa fundamento e fim da sociedade e do Estado. Pelo menos, de modo directo e evidente, os direitos, liberdades e garantias pessoais e os direitos econômicos sociais e culturais comuns têm a sua fonte ética na dignidade da pessoa, de todas as pessoas. Mas quase todos os outros direitos, ainda que projectados em instituições, remontam também à ideia de protecção e desenvolvimento das pessoas” (Miranda, 2008. p. 197).

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dos direitos fundamentais envolve a aplicação imediata dos direitos fundamentais e a vinculatividade das entidades públicas2.

O que acontece, por vezes, é que para que determinados gru-pos de pessoas alcancem a plenitude desses direitos, é preciso uma atuação ativa do Estado, sendo necessária a formulação de normas que particularizem os meios de se alcançar essa almejada efetivação. Bem de ver, os direitos fundamentais devem ser compreendidos não só estaticamente, mas, também, dinamicamente, através das formas da sua concretização, porquanto se reconhece hoje que não basta declarar os direitos, é preciso instituir meios organizatórios de reali-zação (Miranda, 2008).

Segundo Sarlet (2009, p. 53),

Como tarefa (prestação) imposta ao Estado, a dignidade da pessoa reclama que este guie as su-as ações tanto no sentido de preservar a digni-

2 Exemplo dessa aplicação imediata do princípio da dignidade da pessoa humana é o acórdão n°1.026.899 - DF, proferido no seio do Superior Tribunal de Justiça. Nele, ficou assentado que o portador do vírus HIV tem direito à tramitação prioritária do processo. O decisum ficou assim ementado: “Direito civil e processual civil. Recurso especial. Tramitação prioritária. Decisão interlocutória. Portador do vírus HIV. - Mostra-se imprescindível que se conceda a pessoas que se encontrem em condições especiais de saúde, o direito à tramitação processual prioritária, assegurando-lhes a entrega da prestação jurisdicional em tempo não apenas hábil, mas sob regime de prioridade, máxime quando o prognóstico denuncia alto grau de morbidez. - Negar o direito subjetivo de tramitação prioritária do processo em que figura como parte uma pessoa com o vírus HIV, seria, em última análise, suprimir, em relação a um ser humano, o princípio da dignidade da pessoa humana, previsto constitucionalmente como um dos fundamento balizadores do Estado Democrático de Direito que compõe a República Federativa do Brasil, no art. 1º, inc. III, da CF. - Não há necessidade de se adentrar a seara da interpretação extensiva ou da utilização da analogia de dispositivo legal infraconstitucional de cunho processual ou material, para se ter completamente assegurado o direito subjetivo pleiteado pelo recorrente. - Basta buscar nos fundamentos da República Federativa do Brasil o princípio da dignidade da pessoa humana que, por sua própria significância, impõe a celeridade necessária peculiar à tramitação prioritária do processo em que figura parte com enfermidade como o portador do vírus HIV, tudo isso pela particular condição do recorrente, em decorrência de sua moléstia” (STJ, Resp. n° 1.026.899 - DF (2008�0019040-7), Relatora: Ministra Nancy Andrighi, julgado em: 17.04.2008).

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dade existente, quanto objetivando a promoção da dignidade, especialmente criando condições que possibilitem o pleno exercício e fruição da dignidade, sendo, portanto, dependente (a dig-nidade ) da ordem comunitária, já que é de se perquirir até que ponto é possível ao individuo realizar, ele próprio, parcial ou totalmente, suas necessidades existenciais básicas ou se necessita, para tanto, do concurso do Estado ou da comu-nidade (...).

É dentro desse contexto, pois, que surge no ordenamento jurí-

dico pátrio a Lei 10.741, de 1° de outubro de 2003, o chamado Esta-tuto do Idoso. Legislação infraconstitucional que foi promulgada exatamente com o objetivo de concretizar os direitos dos idosos as-segurados pela própria Constituição. Essa lei, seguindo os ditames da Carta Maior, impõe à família, à comunidade, à sociedade e ao poder público a defesa dos direitos e garantia dos idosos, trazendo no seu corpo uma plêiade de normas consagradoras de direitos fun-damentais. Em síntese, parafraseando Herbert Krueger, citado por Bonavides (2005), é a lei movendo-se no âmbito dos direitos funda-mentais (Bonavides, 2005).

3. A Vinculação dos Tribunais de Contas ao Estatuto do Idoso

Escorando-se na previsão contida no artigo 1º, inciso III, da

Constituição Federal, pode-se afirmar que todos os direitos da pes-soa idosa estão garantidos constitucionalmente, tendo em vista que a menor violação dos seus direitos fundamentais afrontará, invaria-velmente, a dignidade da pessoa humana (Freitas Júnior, 2008)3.

O artigo 230 da Carta Maior, nesse sentido, é paradigmático quando diz que a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comu- 3 “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III - a dignidade da pessoa humana”.

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nidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.

O certo, porém, é que o legislador ordinário, tendo em linha de conta a notória fragilidade dessa categoria de pessoas - que se en-contram em situação desigual quando confrontadas com o restante da sociedade - achou por bem promulgar a Lei n° 10.741/2003, fa-zendo despontar um verdadeiro microssistema, com normas de di-reito material e processual que explicitam, resguardam e efetivam os direitos fundamentais das pessoas idosas.

Basta uma rápida olhada na sistemática dessa lei para que se chegue a tal constatação. O seu título II, por exemplo, cognominado “dos direitos fundamentais”, trata de apontar os direitos fundamentais dos idosos, como o direito à vida, à liberdade e o respeito à digni-dade. Por sua vez, o título V, “do acesso à justiça”, regulamenta as normas procedimentais que viabilizam a aplicação dos direitos das pessoas idosas.

É nesse título V, ao seu turno, que está contido o artigo 71, norma que garante prioridade na tramitação dos processos e proce-dimentos em que figure como parte pessoa idosa. Trata-se, assim, de verdadeira regra processual que deve ser compreendida como ins-trumento de realização da dignidade da pessoa humana e dos direi-tos fundamentais, e que, mormente por isso, tem assegurada sua e-xecução no âmbito da Administração Pública4.

Art. 71. É assegurada prioridade na tramitação dos processos e procedimentos e na execução dos atos e diligências judiciais em que figure como parte ou interveniente pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, em qual-quer instância. § 1o O interessado na obtenção da prioridade a que alude este artigo, fazendo prova de sua ida-de, requererá o benefício à autoridade judiciária competente para decidir o feito, que determinará

4 Mutatis mutandis, confira-se José Joaquim Gomes Canotilho. Estudo sobre direitos fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais; Portugal: Coimbra Editora, 2008.

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as providências a serem cumpridas, anotando-se essa circunstância em local visível nos autos do processo. § 2o A prioridade não cessará com a morte do beneficiado, estendendo-se em favor do cônjuge supérstite, companheiro ou companheira, com união estável, maior de 60 (sessenta) anos. § 3o A prioridade se estende aos processos e pro-cedimentos na Administração Pública, empresas prestadoras de serviços públicos e instituições fi-nanceiras, ao atendimento preferencial junto à Defensoria Publica da União, dos Estados e do Distrito Federal em relação aos Serviços de As-sistência Judiciária. § 4o Para o atendimento prioritário será garan-tido ao idoso o fácil acesso aos assentos e caixas, identificados com a destinação a idosos em local visível e caracteres legíveis.

Na verdade, o artigo 71 da Lei n° 10.741/2003, como de resto

todas as outras disposições normativas contidas nesse comando in-fraconstitucional, tem aplicação imediata no âmbito dos órgãos que compõem o Estado, tanto por ser dispositivo que tem por finalidade fazer valer direi-tos fundamentais, quanto por seu parágrafo terceiro dispor que a preferência se estende aos processos e procedimentos na Administração Pública5.

A observância do artigo 71 do Estatuto do Idoso, portanto, é obrigatória. Ele deve ser aplicado não só nos processos judiciais, mas também nos processos e procedimentos que tramitam na Ad-ministração Pública em geral, da qual os Tribunais de Contas dos Estados fazem parte.

5 Nesse sentido são os ensinamentos do professor Edilson Pereira Nobre Júnior, quando diz que “a sujeição aos direitos fundamentais permeia a atividade dos organismos encarregados da solução dos conflitos de interesse, ainda que não integrantes do aparato estatal”� .

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4. A Tramitação Prioritária dos Processos, em que os Idosos são Interessados, nos Tribunais de Contas dos Estados: Uma Proposta de Efetivação

Como visto, o Tribunal de Contas - sendo órgão que compõe a

Administração Pública - tem o dever inexpurgável de aplicar os di-tames do Estatuto do Idoso, no que lhe couber. Por se tratar de ente que analisa regularmente processos em que pessoas idosas são partes interessadas6, a observância de dispositivos como o artigo 71 da Lei n° 10.741/2003 é de importância praticamente irrefutável.

De qualquer forma, na seara dos Tribunais de Contas dos Es-tados brasileiros, a afirmação no sentido de que os idosos têm o di-reito de ver seus processos tramitando de maneira prioritária, encon-tra novo argumento que se soma aos vistos anteriormente. É que, no âmbito dessas Cortes de Contas, a par da força ostentada pelo su-praprincípio da dignidade da pessoa humana e pelo próprio Estatuto do Idoso, é comum que exista norma infralegal determinando a apli-cação subsidiária dos ditames previstos na legislação processual ci-vil.

O Código de Processo Civil, por sua vez, no seu artigo 1.211-A, com redação dada pela Lei 12.008, de julho de 2009, dispõe que terão prioridade de tramitação os procedimentos em que figure co-mo parte ou interessado pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.

Dessa forma, ainda que se desconsiderasse tudo quanto ficou dito, só por esse argumento seria possível afirmar que é imprescindí-vel que os Tribunais de Contas dos Estados passem a observar a pre-ferência da tramitação dos processos que envolvem pessoas idosas.

Nada obstante, tem-se questionado sobre a real utilidade de normas com essa espécie de conteúdo. Argumenta-se que os proces-sos que exigem prioridade (urgência) na sua tramitação já são tan-tos, que tal imposição acaba sendo de acaciana inutilidade. Esse tipo de crítica, porém perfeitamente válida quando posta sob a perspec-tiva do Poder Judiciário não encontra viso de procedência quando

6 Típico exemplo são os processos que envolvem registros de aposentadorias.

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transpostas para o âmbito dos Tribunais de Contas. É que, nesses órgãos, a gama de procedimentos que exigem urgência é pequena, sendo perfeitamente viável e eficaz o dispositivo que impõe a trami-tação prioritária dos processos. A questão, então, restringe-se em se identificar qual a melhor forma para que essa tramitação preferencial seja adotada na esfera das Cortes de Contas.

Na prática dos tribunais, é sabido que a aplicação dessa regra da priorização processual concedida ao idoso acontece pela coloca-ção de carimbo ou etiqueta na capa dos autos do processo com os dizeres: “tramitação preferencial idoso”. Tal providência é obser-vada pelo Cartório, no momento da autuação ou mediante determi-nação do Juízo, uma vez constatado o implemento do requisito da idade (Michels, 2009).

Nos contornos dos Tribunais de Contas dos Estados, portanto, é viável que seja adotada medida semelhante, pondo nos autos dos processos carimbo ou etiqueta que tenha por finalidade destacar a presença de pessoa idosa como parte interessada. Além disso, como vem acontecendo nos Juizados Especiais Federais, seria igualmente interessante que no próprio Sistema de Acompanhamento de Pro-cessos constasse informação nesse sentido, para efeito até mesmo de estatística.

Tal procedimento, por sua vez, poderá ser feito pelo próprio serviço de Protocolo, Atendimento e Expediente, que é, na Corte de Contas, o setor que faz as vezes do Cartório Judicial, sendo respon-sável pela distribuição dos processos.

Aliás, é possível que essa tramitação preferencial aconteça sem que seja necessário o requerimento da parte interessada. Isso porque, o critério para deferi-la é meramente objetivo, dependendo, apenas, do implemento da idade necessária. Além disso, caso fosse exigido o pedido da parte, haveria, de certo, a mitigação de mecanismo que existe para proteger a dignidade da pessoa humana. O que não pode acontecer. Ademais, no corpo dos processos que tramitam na esfera da Corte de Contas já existem os documentos pessoais necessários para comprovar a condição de idoso.

Assim, como se vê, a colocação em prática dessa espécie de procedimento não é dispendiosa e não desemboca em maiores difi-culdades. É questão, apenas, de efetivar mecanismo que já encontra

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previsão no ordenamento jurídico pátrio, utilizado pela maioria dos tribunais que compõem o poder judiciário, e que se reveste de im-portância ímpar no que diz respeito à realização dos direitos dos i-dosos.

5. Considerações Conclusivas

Os idosos, portanto, têm o imperioso direito de ver os proces-sos em que figuram como partes tramitarem prioritariamente nos Tribunais de Contas dos Estados. É o que se constatou no presente estudo.

Essa constatação é decorrência da comprovação da incidência do supraprincípio da dignidade da pessoa humana sobre as disposi-ções contidas no Estatuto do Idoso, como também de sua força co-gente diante das entidades que fazem parte da Administração Pú-blica.

Aliás, esse entendimento ficou ainda mais latente tendo em vista o teor de dispositivo geralmente contido nos seus próprios Re-gimentos Internos, que prevê a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, que, por sua vez, contem norma que trata do trâmite prioritário nas de-mandas envolvendo idosos.

De resto, concluiu-se que a adoção de medidas desse jaez, na esfera dessas Cortes de Contas, não desemboca em importantes difi-culdades práticas. Muito pelo contrário. Tudo não passa de uma questão de ordem meramente burocrática.

No mais, o certo é que, atualmente, não se podem fechar os olhos para as dificuldades encontradas pelas pessoas idosas, que so-frem gravemente com o alargamento do caminhar processual. Elas precisam do apoio da sociedade. Como disse Beauvoir (1990, p.15): “paremos de trapacear, o sentido de nossa vida está em questão no futuro que nos espera; não sabemos quem somos, se ignoramos quem seremos: aquele velho, aquela velha, reconheçamo-nos neles. Isso é necessário, se qui-sermos assumir em sua totalidade nossa condição humana. Para começar, não acei-taremos mais com indiferença a infelicidade da idade avançada, mas senti-remos que é algo que nos diz respeito. Somos nós os interessados”. Referências

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Controle Externo Social, Educação e Cidadania 1

Geraldo de Oliveira Macedo Júnior Licenciado em Ciências e Matemática – UECE.

Especialista em Educação – UFRJ. Acadêmico de Administração – UFC.

Professor de escola pública.

Adriana Maria Bento Macedo Mestre em Enfermagem – UFC.

Professora-auxiliar de Saúde Pública – UNIFOR.

Resumo: Dentre as muitas questões relativas à formação do cidadão, a educação para o exercício do controle externo social parece-nos, de longe, a mais significati-va. Isso posto, pretendemos aqui estudar as conexões existentes entre o controle ex-terno social, a educação e a cidadania. Trata-se de um estudo bibliográfico explora-tório, no qual utilizamos o raciocínio indutivo. Como conclusão percebemos que, em grande medida, não há como descolar o controle externo social da educação e da cidadania, dados os profundos e sólidos laços que unem aquela função a estas categorias. Adicionalmente, com o intuito de responder, ainda que parcialmente, ao seguinte questionamento fundamental relativo à educação: como educar para o exercício do controle externo social? Proporemos algumas “linhas de ação” para a educação em controle externo social. Palavras-chave: Controle externo social; Educação; Cidadania. 1. Introdução

A Declaração Mundial sobre Educação para Todos, procla-mada em 09 de março de 1990 em Jomtien, na Tailândia, professa em um de seus artigos que todas as pessoas têm direito a uma Edu-cação que, entre outras coisas, lhes permita a possibilidade da plena participação, do desenvolvimento, da melhoria da qualidade de vida e da tomada de iniciativas de forma esclarecida. Também a Lei Fe-deral nº 9394, de 20 de dezembro de 1996, conhecida como Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional ou lei Darcy Ribeiro pre-

1 Artigo concluído em 01/09/2009. Registro de autoria na Biblioteca Nacional

sob nº: processo em andamento.

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coniza em seu artigo 2º que “A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” [grifo nosso].

Analogamente, os Parâmetros Curriculares Nacionais do En-sino Fundamental (1998, p. 21) afirmam: “(...) há uma expectativa na sociedade brasileira para que a educação se posicione na linha de frente da luta contra as exclusões, contribuindo para a promoção e a integração de to-dos os brasileiros, voltando-se para a construção da cidadania (...)” [grifo nosso]. Ou seja, o Estado brasileiro define a formação para o exercí-cio da cidadania como um dos fins da educação. Nesse sentido o Es-tado brasileiro inclina-se, ao menos legalmente, a ratificar o compro-misso assumido pelo concerto das nações em favor de políticas pú-blicas educacionais constitutivas de uma cidadania autêntica.

Cumpre recorrer, para uma compreensão acurada da temática em apreço, a construção da cidadania, ao educador Paulo Freire (1921–1997) que, em suas últimas obras, dedicou-se mais intensa-mente ao tema da cidadania. Segundo Freire, a verdadeira educação para a cidadania deve voltar-se para a formação integral do educan-do, pensado,antes de tudo, como membro de uma comunidade polí-tica.

Nos diplomas legais ou pensadores citados anteriormente, é notória a preocupação com a questão da cidadania. Tal preocupação não é somente de ordem filosófica ou moral, mas de sobrevivência. Problemas tais como:

- marginalização e exclusão das minorias étnicas; - a luta pelo direito à posse da terra; - conflitos gerados por diferenças políticas, socioeconômicas e/ou religiosas; - a adesão e o cumprimento, por parte de todas as nações-Estado, a protocolos ou acordos internacionais de interesse da raça humana; - a violência – sob todas as suas formas - crescente; - a criação de um novo modo de produção econômico que seja solidário, sustentável, menos suscetível às crises econômicas e que permita o desenvolvimento local de forma mais humana;

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- a necessidade de um controle social externo efetivo, entre outros, não foram e não devem ser resolvidos somente por en-tidades governamentais ou organismos internacionais, mas e-xigem o envolvimento de todos os habitantes do planeta, nu-ma tomada de posição e de estabelecimento de seus próprios direitos e deveres, agindo localmente mas pensando global-mente, num verdadeiro exercício de cidadania que, nos dias correntes, não diz mais respeito tão somente aos interesses de nações em particular. A partir dessa “opção política”, podemos (re)definir o papel

da educação numa sociedade mutante, globalizada, profundamente desigual e caminhando a passos largos em direção à barbárie: for-mação de cidadãos. Observe que essa (re)definição é uma exigência de caráter não apenas político-pedagógico ou legal, mas também de sobrevivência da cidadania e da própria democracia. Acreditamos que é preciso educar para a superação não só das questões supraci-tadas, mas para a trans-formação de todas as condições sociais, (re)fundando Estados efetiva-mente de Direito, sociais, democráticos e consensuais.

Dentre as muitas questões relativas à formação do cidadão, a educação para o exercício do controle externo social parece-nos, de longe, a mais significativa de todas. Como objetivo geral, pretende-mos estudar as conexões existentes entre a educação, a cidadania e o controle externo social (doravante CES). Isso posto, algumas inda-gações tornam-se inevitáveis: o que é educação? o que é cidadania? qual a relação entre educação, cidadania e controle externo social? o que é CES? como educar para o exercício do controle externo social? Responder tais questões constitui o leque de objetivos específicos desta pesquisa. Trata-se de um estudo bibliográfico exploratório, no qual utilizamos o raciocínio indutivo. Os pressupostos teóricos apoi-aram-se nas teses sobre educação de estudiosos ligados à Pedagogia Progressista Libertadora, principalmente Paulo Freire, além de dou-trinadores do controle externo.

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2. O Conceito de Educação O conceito de educação aqui adotado foi elaborado pelo edu-

ca-dor brasileiro Ubiratan D'Ambrosio. Em relação a essa definição, D'AMBROSIO (1999, p. 15) declara: “Educação é o conjunto de estra-tégias desenvolvidas pelas sociedades para: a) possibilitar a cada indivíduo atingir seu potencial; b) estimular e facilitar a ação comum, com vistas a vi-ver em sociedade e exercer a cidadania”. Trata-se de um conceito teleo-lógico, ou seja, construído a partir dos objetivos a serem alcançados pela educação. É um conceito muito próximo dos marcos legais da educação estampados na Constituição Federal de 1988 (artigo 205), na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (artigo 2º) e também no Artigo 3º da CF/88.

O conceito de D'Ambrosio faz referência direta a cidadania, o que nos remete a exploração de tal categoria na próxima seção.

3. A Origem e o Conceito da Categoria Cidadania

Historicamente, a noção de cidadania surgiu a partir do século

VI a.C, em Atenas, devido a questões essencialmente econômicas. A evolução da economia ateniense provocou um excessivo endivi-damento dos pequenos e médios produtores, ocasionando distúrbios que punham em risco a paz civil, devido principalmente a execução das propriedades e a transformação dos devedores e suas famílias em escravos. Para remediar tal situação, Sólon foi eleito arconte – auto-ridade civil máxima - único, em 594 a.C. A partir de então, a parti-cipação popular ampliou-se gradativamente, chegando ao auge du-rante a liderança do general Péricles (494 – 428 a.C), entre 458 e 429 a.C (Jaguaribe, 1980).

Impossível deixar de enfatizar a relação de causalidade entre a questão econômica (causa) e o nascimento da democracia (efeito), bem como a vinculação daquele binômio ao direito humano funda-mental: a liberdade.

Foi Aristóteles (384 – 322 a.C.), o mais brilhante dos discípu-los de Platão, que em sua Política - livro II ofereceu o primeiro con-ceito de cidadão. Assim Ferreira (1993, p. 13) cita Aristóteles que conceitua cidadão como sendo: “(...) aquele que tem o poder de parti-

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cipar da administração judicial ou da atividade deliberativa do Estado”. Nesse mesmo trabalho Aristóteles afirma: “(...) cidadania é, pois, a participação ativa nos assuntos da cidade. É o fato de não ser meramente go-vernado, mas também governante”. É possível perceber, de acordo com Aristóteles, que a cidadania gera o cidadão que, por sua vez, gera a cidadania. São noções interdependentes. Referindo-se ao conceito de cidadania do estagirita, Jaguaribe (1980, p. 3) declara: “Tal noção define a vinculação de uma pessoa a uma determinada polis (...) e estabelece, concomitantemente (...) o direito de opinar sobre seus destinos. É em virtu-de desta última implicação do conceito de cidadania que, em sentido lato, todas as cidades gregas foram essencialmente democráticas” [grifo nosso].

Observe que a democracia era essencialmente participativa, ou seja, era exercida diretamente pelo povo, reunido em assembleia, es-tando suprimidas quase todas as prerrogativas da nobreza (Jaguari-be, 1980). Ainda em relação ao termo democracia, Souza (1980, p. 21) assinala: “O demos (...) era o povo miúdo e periférico dos artesãos, dos comerciantes e dos camponeses”. Evidentemente a democracia não po-de prescindir de certas magistraturas e corpos técnicos ambos res-ponsáveis pela execução de certas tarefas específicas mais comple-xas, tais como educação, tributação e fiscalização dos gastos públi-cos. Como forma de garantir a participação dos pobres no processo democrático, Péricles introduziu a remuneração pelo exercício do serviço público, com o objetivo de impedir que os aristocratas mo-nopolizassem as magistraturas.

Tais fatos nos levam a considerar as categorias cidadania, de-mocracia e participação como estando indissoluvelmente ligadas, sendo impossível, neste caso, referir-se a qualquer uma delas desvin-culando-a das demais. Convém explicitar que o termo participação é aqui compreendido como engajamento numa ação de estrutura pre-existente e finalidade previamente definida (Gadotti, 1999).

Muitos outros conceitos de cidadania – categoria simultanea-mente polissêmica e multifacetada - foram elaborados posteriormen-te (veja por exemplo Marshall, 1967; Arendt, 2000; Torres, 2001, inter alios). Todavia adotaremos o posicionamento de Aristóteles em nossa discussão.

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4. As Relações entre Educação e Cidadania A derrocada da democracia participativa na Grécia determi-

nou, pelo menos no plano constitucional, a extinção quase completa da cidadania. Em quase todos os modelos de regimes democráticos pós-atenienses, a participação dos cidadãos na tomada de decisões é irrelevante. É interessante observar que, ao contrário do que muitos possam imaginar, a substituição da democracia participativa pela chamada democracia representativa liberal redundou, em sentido lato, em fracasso. Em relação a isso o historiador inglês Eric Hobsbawm (apud Campos, 2001, p. 16) declara: “Os argumentos a favor da demo-cracia são, em essência, negativos. Mesmo como alternativa a outros siste-mas, ela pode ser defendida apenas com ressalvas. Isso não teve importância durante boa parte do século XX, já que os sistemas políticos que a desafia-vam eram manifestamente péssimos. Até o momento em que enfrentou esses desafios, os defeitos inatos da democracia representativa liberal como siste-ma de governo eram evidentes para a maioria dos pensadores sérios. Na ver-dade, eram ampla e francamente discutidos mesmo entre políticos, até que passou a ser desaconselhável falar em público o que eles realmente pensa-vam da massa de eleitores da qual dependiam para serem eleitos” [grifo nosso].

A falência aqui citada se refere à percepção de que eleições li-vres para a escolha de representantes não resultam, necessariamente, em prosperidade econômica para os eleitores. As sucessivas crises dos Estados-nação têm reforçado substancialmente esse argumento (Campos, 2001).

Mesmo considerando a força dos argumentos de Hobsbawm, existe pelo menos uma exceção que merece ser levada em conta. É o caso da Suíça. A esse respeito, Galbraith (1979, p. 332) declara: “O exemplo suíço sempre me incentivou a acreditar que há muita potencialidade e eficiência na democracia. (...) O cidadão suíço não delega tudo aos seus mandantes na crença de que eles saibam como agir. Ele próprio é que procu-ra as soluções” [grifo nosso].

Isso não significa que a Suíça não tenha seus próprios proble-mas ou que o regime democrático suíço seja perfeito. Problemas tais como crises financeiras internacionais, guerras e a destruição da ca-mada de ozônio certamente interferem nos destinos do povo suíço.

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Mas para questões que os próprios cidadãos podem decidir, a demo-cracia suíça tem se saído muito bem. Sobre isso, Galbraith (1979, p. 333) afirma: “(...) para questões dentro da esfera democrática helvética – proteção do meio ambiente, condição étnica entre os cidadãos de língua ale-mã, francesa e italiana, relacionamento tolerante entre diversas religiões, for-necimento de boas condições habitacionais e bons serviços públicos, apoio sensato à agricultura e à indústria, sistema de ensino que propugna a de-mocracia – ela encontrou soluções, brilhantes soluções de um modo geral” [grifo nosso]. A democracia a que Galbraith se refere é a democracia participativa, que não existe sem a cidadania ativa. Como se vê, é possível e desejável conciliar a democracia representativa liberal e a cidadania, bastando para isso que dispositivos de participação dos governados possam influir na formação da vontade dos governantes (Bonavides, 2001). Notem ainda que o sistema de ensino suíço tra-balha ativamente em prol da democracia participativa/cidadania a-tiva, ao mesmo tempo em que o Estado garante aos cidadãos suíços condições econômico-sociais bem acima do mínimo necessário para exercer a cidadania.

A percepção de que a educação colabora para o exercício da cidadania e a consolidação da democracia é aceita e defendida não só por políticos profissionais e governantes suíços, mas também por diversos teóricos da educação e do controle externo. Paulo Freire (1921-1997) discutiu abertamente a questão da formação do cidadão democrático pela via da educação, ainda na década de 1960. Refe-rindo-se a esse ponto, Paulo Freire (apud Torres 2001, p. 183) sen-tencia: “A compreensão dos limites da prática educacional necessita de uma absoluta clareza política por parte dos educadores em relação aos seus proje-tos. Exige que o educador ou a educadora assuma a natureza política de sua prática”. Em relação a isso, Torres, (2001, p. 183) afirma: “A noção de democracia acarreta a noção de cidadania democrática, onde (sic) os agentes são responsáveis e aptos a participar, escolhem seus representantes e fiscali-zam seu desempenho. Estas não são apenas práticas políticas, mas tam-bém pedagógicas, uma vez que a construção do cidadão democrático im-plica a construção de um sujeito pedagógico. Por natureza, os indivíduos não estão prontos para participar da política. Eles têm de ser educados de diversas maneiras em democracia política, aí incluídas a fundamentação

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normativa, a conduta ética, o conhecimento do processo democrático e o desempenho técnico” [grifo nosso].

Doravante dirigiremos nossos esforços para a questão da fisca-lização do desempenho dos representantes, a qual “batizaremos temporariamente” de CES e que, segundo Torres, exige formação politécnica e científica específicas. Perceba que a noção (não o con-ceito!) de CES emergiu do debate sobre educação e cidadania e que, na perspectiva dos pensadores considerados, o trinômio educa-ção/cidadania/CES é indissolúvel. Referindo-se as relações entre Tribunais de contas e a sociedade, Moreira Neto (2004, p. 83) corro-bora com isso ao sentenciar: “Com efeito, a vitalidade do controle social depende sobretudo da educação do cidadão para a democracia (...) para que essa função participativa tenha êxito, uma específica educação voltada à consciência da república e do dever que todos tem de zelar pela correta desti-nação dos recursos retirados da sociedade para custear as atividades do Esta-do”.

Antes de prosseguirmos, porém, duas advertências se fazem necessárias. A primeira é que a palavra educação aqui utilizada não se reduz a educação formal, mas sim a todas as formas, processos ou meios que a sociedade utiliza para desenvolver a cidadania, tais co-mo educação de jovens e adultos, programas de alfabetização, cur-sos em sindicatos e igrejas, campanhas educativas governamentais, etc. Em segundo lugar, pretendemos desconstruir o mito da educa-ção como único remédio, sem efeito colaterais para todos os males do mundo. Sem embargo, não acreditamos numa educação para o exercício da cidadania que se paute apenas por questões pedagógicas ou didáticas, desvinculadas da noção de poder. Em relação a isso, Arroyo (2001, p. 65) declara: “Descolando a questão da cidadania da questão do poder, sua construção se esvazia e se reduz a um moralismo e pe-dagogismo estéreis”. A educação não é um mero fazer pedagógico, mas possui uma finalidade política bem definida: formar cidadãos capazes de exercer permanentemente a cidadania, inclusive através do CES.

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5. A Fiscalização do Desempenho dos Representantes: CES O objetivo aqui é conceituar CES. Iniciaremos com o conceito

mais amplo de controle, gênero do qual o CES é espécie. Referindo-se ao conceito de controle na linguagem técnico-jurídica, Vicenzo Rodolfo Cazulli (apud Costa, 2006 p. 39) assinala que: “(...) [contro-le] está a denotar uma atividade precedentemente consumada por outro or-ganismo, não necessariamente subordinado ao primeiro, podendo ser de na-tureza diversa, e com escopo de averiguar se os atos editados estão conformes as normas e os princípios que lhe disciplinam a atividade”.

O controle pode ser interno ou externo, caso o órgão contro-lador seja subordinado ou não ao órgão controlado, respectivamen-te. No Brasil, o controle externo relativo à fiscalização contábil, fi-nanceira, orçamentária, operacional e patrimonial está a cargo do Poder legislativo, sempre auxiliado pelos Tribunais de Contas, além da existência dos sistemas de controle interno de cada Poder. (CF/88, art. 70). Relativamente ao conceito de controle externo, Pardini (apud Lima, 2007, p. 7/8) preleciona: “Controle externo sobre as atividades da Administração, em sentido orgânico e técnico, é, em resumo, todo controle exercido por um Poder ou órgão sobre a administração de ou-tros. Nesse sentido, é controle externo o que o Judiciário efetua sobre os atos dos demais Poderes. É controle externo o que a administração direta realiza sobre a indireta. É controle externo o que o Legislativo exerce sobre a admi-nistração direta e indireta dos demais Poderes (...)”.

A respeito das relações entre controle externo e cidadania, Lima (2007, p. 8) sentencia: “O controle externo da administração públi-ca, realizada pelas instituições a quem a Constituição atribui essa missão, é exigência e condição do regime democrático, devendo, cada vez mais, capaci-tar-se tecnicamente e converter-se em eficaz instrumento de cidadania, con-tribuindo para o aprimoramento da gestão pública” [grifo nosso]. Como forma de garantir um exercício mais efetivo da cidadania através do controle externo, a Carta Política de 1988 estabeleceu em seu art. 74, § 2º que “qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para denunciar irregularidades ou ilegalidades aos órgãos de controle externo”. Além desse, outros dispositivos consti-tucionais e vários outros diplomas infraconstitucionais autorizam e estimulam a “fiscalização do desempenho dos representantes”, que é

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o CES. Referindo-se ao controle externo social, Lima (2007, p. 18) afirma: “Numa democracia, o controle social é exercido desde o processo de elaboração de políticas públicas, por exemplo, mediante consultas e audiên-cias públicas, até o acompanhamento e monitoramento de sua execução. Transparência e participação na gestão pública são fatores determinantes pa-ra o controle efetivo da sociedade sobre a gestão pública” [grifo nosso]. Sobre o conceito de CES, Santos (apud Lima, 2007, p. 19) carac-teriza aquele último como sendo: “(...) controle público não estatal, que atual de fora para dentro do Estado, como exercício do direito de fiscalização da atividade, [sendo] complementar ao estatal (...)”. Segundo Sabóia, (2008, p. 5), por controle social entende-se: “A participação da socieda-de no acompanhamento e verificação das ações da gestão pública na execução de suas políticas, avaliando objetivos, processos e resultados”. Acreditamos que por controle social Sabóia referiu-se a CES. No âmbito desta pesquisa, adotaremos a caracterização elaborada por Sabóia como conceito de CES.

6. Educação para o Exercício do CES

Na direção oposta das outras seções, não conceituaremos “e-

ducação para o CES”, por acreditarmos que esta última é espécie do gênero “educação” anteriormente conceituado. A ideia aqui é res-ponder, ainda que parcialmente, ao seguinte questionamento: como educar para o exercício do controle externo social? Devido a isso, proporemos algumas “linhas de ação” para a “educação para o CES”, lembrando que a palavra educação aqui utilizada não se re-duz a educação formal, pois acreditamos que “ninguém educa nin-guém, ninguém se educa sozinho. Os seres humanos se educam em comunhão, mediatizados pelo diálogo” (Paulo Freire). Entre as li-nhas de ação sugeridas, destacam-se sobre-maneira as ações “peda-gógicas” já desenvolvidas por diversos tribunais de contas.

Como “linhas de ação” para a educação em CES (algumas de-las já em andamento), sugerimos à sociedade brasileira:

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- Instalação, estabelecida através de lei, de conselhos de CES

nos níveis municipal, estadual e federal; - Instalação de Infovias a Serviço da Transparência em todos

os municípios brasileiros, visando integrar numa única base de da-dos on-line todos os gastos públicos, com amplo acesso dos cidadãos (Projeto do Deputado Federal Ariosto Holanda, Dr. Ubiratan Agui-ar, Dra. Socorro França, entre outros);

- Estimular a formação de redes sociais que atuem no CES (projeto do Dr. Ubiratan Aguiar, Presidente do Tribunal de Contas da União – TCU);

- Incluir o ensino de cidadania e direitos humanos – ambos in-dissoluvelmente ligados à educação para o CES - na grade curricular da educação básica e superior;

- Incluir, ainda que transversalmente, o ensino de noções de CES na educação básica e superior;

- Estimular a participação das comunidades escolares em ati-vidades de CES;

- Apoiar a criação de cursos de pós-graduação, lato e stricto sen-su, em CES;

- Institucionalizar premiações que valorizem experiências na área de educação para o CES;

- Apoiar, articular e capacitar atores governamentais e não go-vernamentais que atuem na área de educação para o CES;

- Apoiar e realizar cursos (preferencialmente na modalidade educação à distância) de controle social de contas públicas (projeto em andamento do TCM-CE, Fundação Demócrito Rocha, entre ou-tros); - Utilizando todos os mass media, realizar campanhas de escla-recimento e difusão sobre o CES e sua relação com os valores hu-manos, democráticos e republicanos (projeto do Dr. Ubiratan Agui-ar, Presidente do Tribunal de Contas da União – TCU). 7. Considerações Finais

Como conclusão prévia percebemos que, em grande medida,

não há como descolar o CES da educação e da cidadania, dados os

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pro-fundos e sólidos laços que unem aquela função a estas categori-as. A integração de todas aquelas (e eventualmente outras mais) li-nhas de ação numa política pública voltada especificamente à edu-cação para o CES parece-nos não só possível como desejável. Em outra oportunidade, pretendemos aprofundar algumas questões aqui exploradas perfunctoriamente, além de enfocarmos outras vertentes da educação para o CES, como, por exemplo, as ligações entre a e-ducação para o CES e os tribunais de contas. Referências ARENDT, H. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Uni-versitária, 1987. ARROYO, M. Educação e exclusão da cidadania. In: ESTER, B, ARROYO, M, NOSELLA, P. Educação e cidadania: quem educa o cidadão? São Paulo: Cortez, 2001. BONAVIDES, P. Teoria constitucional da democracia participati-va. São Paulo: Malheiros, 2001. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, Casa Civil da Presidência da República. Contém informações sobre legislação, notícias e serviços. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em 18 de março de 2009. ________. Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as di-retrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial (da República Federativa do Brasil), Brasília, 20 dez 1996. _______. Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Funda-mental: introdução. Brasília: MEC/SEF, 1998.

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Fortalecendo a Democracia: a Contribuição dos Tribunais de Contas para o Controle Social

Harley Sousa de Carvalho

Acadêmico do curso de Direito da Faculdade Sete de Setembro (FA7) - Ceará

Monitor da disciplina de Teoria Geral do Estado e Ciência Política.

Felipe Braga Albuquerque

Professor orientador. Advogado.

Doutorando em Direito Constitucional. Professor das disciplinas de Teoria Geral do Estado e

Ciência Política e Teoria da Constituição da Faculdade Sete de Setembro (FA7).

Sumário: 1. Democracia e Controle Social 2. Controle Social: conceito e formas 3. Direito à Informação: dever de prestar contas 4. Tratamento Constitucional dos Tribunais de Conta: Natureza e Organização 5. Auxílio da Função Fiscalizadora do Poder Legislativo 6. Considerações Finais Resumo: O presente trabalho analisa a relação entre controle social e democracia, buscando demonstrar como o citado controle sobre a vida pública pode ser uma fer-ramenta de suma importância para o fortalecimento de uma sociedade democrática, e como a atuação dos Tribunais de Contas é imprescindível para se possibilitar que esse controle venha a ser exercido. Compõe o objeto de estudo do artigo em que consiste o controle social, as suas espécies, a sua relação com o direito à informa-ção, assim como as disposições constitucionais acerca da atuação dos Tribunais de Contas e como esses contribuem para o direito à informação e, consequentemente, para o controle social. 1. Democracia e Controle Social

Democracia, etimologicamente, significa governo do povo. No entanto, em que pese a sua boa intenção didática, a definição e-timológica de democracia pouco ajuda em face das diversas signifi-cações atribuídas ao termo ao longo da história ocidental, compon-do a democracia o grupo das grandes expressões indeterminadas do

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pensamento ocidental ao lado de outras como ética, moral e interes-se público.

Em que pese a dificuldade de se definir cientificamente, lecio-na a professora Ana Paula Barcellos:

A despeito da dificuldade envolvida na definição precisa do conceito, é correto afirmar que há de-terminados conteúdos mínimos inerentes às i-deias de democracia que estarão presentes em qualquer concepção ou teoria acerca do assunto. Um desses conteúdos mínimos é, sem dúvida, a noção de controle social. (2008, p.82) (Destaque nosso)

Um verdadeiro, puro e ideal regime político democrático pro-

vavelmente nunca será concretizado. Porém, isso não deve servir de desestímulo para a sociedade brasileira em busca desse ideal. O de-senvolvimento de uma sociedade cada vez mais democrática passa diretamente pelo comportamento da população para com a vida democrática, em suas mais variadas formas, seja ocupando cargos políticos, exercendo o direito de voto, através dos meios de partici-pação direta (Constituição Federal, Artigos 1°, parágrafo único1, e 142), entre outras.

É dessa perspectiva, de uma participação mais ativa, seja dire-ta ou indireta, que se destaca a figura de controle social como meio de participação da sociedade na vida política e na atividade da ad-ministração pública no Estado brasileiro.

1 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. 2 Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:I – plebiscito; II - referendo; III - iniciativa popular.

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No entanto, como iremos demonstrar, tal controle só pode ser exercido de maneira eficaz em um contexto em que as instituições públicas respeitem o Direito Fundamental à informação que, nesse caso, consiste nos deveres de publicidade e prestação de contas, sen-do, nesse contexto, de grande importância a atuação dos Tribunais de Contas.

A problematização do objeto de estudo deste trabalho foi de-senvolvida pela professora Ana Paula Barcelos em seu trabalho “Pa-péis do Direito Constitucional no fomento do controle social demo-crático: algumas propostas sobre o tema da informação”. Buscare-mos, no entanto, apresentar um foco diverso, dando ênfase de como os Tribunais de Contas podem contribuir com a informação e o con-trole social. 2. Controle Social: Conceito e Formas

Ao utilizar uma expressão de outro ramo científico (no caso do nosso trabalho, os estudos acerca do que vem a ser controle social são basicamente provenientes da sociologia) em um artigo jurídico, é de grande valia conceituar tal expressão para que a compreensão do tema seja facilitada. Assim procedendo, quanto à expressão controle social define o professor Agerson Tabosa Pinto, se respaldando nas lições de Willems, que

Controle Social é o processo pelo qual uma soci-edade ou grupo procura assegurar a obediência de seus membros por meio dos padrões de com-porta-mento existentes. (2005, p. 243)

Esse processo em que consiste o controle social é realizado pe-

la própria sociedade visando delimitar os padrões de condutas e comportamentos dos seus integrantes. Esse processo é identificável nos mais variados grupos sociais, desde o mais particular como é família (o dever dos filhos de respeitarem os pais), até o mais com-plexo grupo social (no Estado republicano, por exemplo, são veda-das condutas patrimonialistas – entendido como o ato de identificar a coisa pública como coisa privada – por parte dos agentes públicos).

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O controle social é mais amplo do que o controle social jurídi-co, pois tem aquele a capacidade de atingir dimensões coletivas (não devemos deixar de ter em mente que, em regra, a eficácia das deci-sões frutos da função jurisdicional é inter partes), e sendo um impor-tante e reconhecido mecanismo de aperfeiçoamento da organização social. Analisando a eficácia social dessa forma de controle, entende Agerson Tabosa Pinto:

O controle social não é sentido apenas negativa-mente, como pareceria, restringindo-se a repri-mir a conduta social. Mas age também positi-vamente, proporcionando mais eficácia e efici-ência às atividades individuais e grupais. (2005, p. 248)

Logo, visualizamos no controle social não apenas a repressão

de condutas contrárias e danosas ao bem comum, mas uma maneira de aperfeiçoar o exercício das atividades individuais dos agentes pú-blicos e dos representantes políticos assim como as atividades coleti-vas das instituições do Estado brasileiro.

A professora Ana Paula Barcellos classifica o controle social em duas espécies: o controle social puro e o controle social com re-percussões jurídicas.

O exemplo clássico do controle social puro é o momento das eleições, quando o eleitorado dei-xa de reeleger algum agente público (do Execu-tivo ou do Legislativo) – ou deixa de eleger os candidatos apoiados por agentes públicos – co-mo reação a sua atuação anterior. (2008, p. 82)

Defende a douta professora a capacidade de que teria o con-

trole social de modo a influenciar, ou mesmo conduzir, a ação dos agentes públicos (2008, p.82). Este posicionamento da autora está em conformidade com a eficácia acima destacada para o controle social.

Abordando o controle social com repercussões jurídicas, de-fende a constitucionalista:

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[...] apresenta perfil diverso, pois pretende inci-dir sobre as ações dos agentes públicos que, para além de inconvenientes, sejam suspeitas de ilici-tude. Com efeito, há uma série de mecanismos por meio dos quais a população pode insurgir contra ações ou omissões estatais submetendo-se a órgãos públicos encarregados de examinar sua juridicidade. (2008, p.82)

Como exemplos de controle social com repercussões jurídicas

podemos citar o direito de ação popular e a possibilidade de algumas associações desencadearem o controle de constitucionalidade con-centrado (Art. 103, inciso IX, CF).

Como podemos verificar, o controle social tem grande reper-cussão dentro da vida pública, sendo uma ferramenta que deve ser encorajada por qualquer sociedade que se pretenda democrática, a fim de se atribuir aos cidadãos uma participação mais ativa. No en-tanto, como será possível exercer esse controle sem o devido acesso às informações dos atos públicos por parte da população? Como ha-verá a devida fiscalização social sem transparência? É essa questão que buscaremos solucionar. 3. Direito à Informação: Dever de Prestar Contas

A principal questão apresentada pela professora Ana Paula Barcellos é a de como a sociedade pode exercer o controle social sem o conhecimento dos atos públicos e políticos do Estado.

Tal questão é pertinente e seu fundamento repousa na lógica. Não há possibilidade de se buscar soluções sem antes ter conheci-mento dos problemas, de suas causas, de seus efeitos e de suas ex-tensões. Logo, para que o povo possa exercer alguma forma de con-trole social deve ter acesso prévio a informações da vida pública. Nesse contexto, assume a questão da informação um papel central dentro do debate de como se possibilitar o exercício do controle so-cial.

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Infelizmente, apesar da importância que a informação assume nesse início de século, a doutrina do Direito Constitucional, de um modo geral, não despeja muitos esforços sobre o tema. O direito à informação é um direito individual fundamental disposto no artigo 53, incisos XIV e XXXIII. Sobre ele dispõe Alexandre de Morais:

O direito de receber informações verdadeiras é um direito de liberdade e caracteriza-se essenci-almente por estar dirigido a todos os cidadãos, independente de raça, credo ou convicção políti-co-filosofica, com a finalidade de subsídios para a formação de convicções relativas a assuntos públicos (2006, p.197).

Na visão de Ana Paula Barcellos, o direito à informação im-

plica em dois deveres específicos: o dever de publicidade e o dever de prestar contas. Sobre o dever de prestar contas, que está mais próximo ao nosso objeto de estudo, aduz:

Trata-se aqui de uma especificação do dever ge-ral de publicidade que decorre da espécie de re-lação que se estabelece, em uma República, en-tre a população e os seus representantes. Como é corrente, os agentes públicos agem por delega-ção, gerindo bens e interesses de terceiros – pú-blicos – e não próprios. Como qualquer agente delegado, e mais ainda no caso de um mandato de natureza pública, outorgado pela população, há aqui o dever de prestar contas aos constituin-tes. Assim, o dever geral de publicidade acerca

3 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional; [...] XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.

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do Poder público se desdobra também em um dever específico dos agentes públicos – e particu-larmente do legislador e da Administração Pú-blica Lato Sensu – de prestarem contas acerca de sua gestão dos interesses públicos. (2008, p. 94)

Elevando a discussão ao plano dos Direitos Fundamentais, va-

le destacar as lições de Paulo Bonavides que, ao versar sobre a teoria das gerações de Direitos Fundamentais, coloca a democracia e a in-formação no plano da quarta geração, sendo indissociáveis e, como aclara o célebre constitucionalista cearense: “Enfim, os direitos da quarta geração compendiam o futuro da cidadania e o porvir da li-berdade de todos os povos”. (2006, p. 2006)

O constitucionalista português Jorge Miranda, ao falar sobre o direito à informação na Constituição Portuguesa, ensina:

Segundo o art. 48°, n.2, da Constituição, todos os cidadãos tem o direito de ser esclarecido ob-jectivamente sobre actos do Estado e demais en-tidades públicas e de ser informado pelo Gover-no e outros autoridades acerca da gestão de as-suntos públicos. Trata-se de uma manifestação qualificada do di-reito dos cidadãos de se informar, sem impedi-mentos nem discriminações (Artigo 37°, n.1, 2ª parte, e 29° da Declaração Universal). (2007, p. 311)

Portanto, como o dever de prestar contas trata-se de uma ma-

nifestação específica do direito à informação, e este apresenta indis-sociável relação com a Democracia, é possível vislumbrar como a atuação dos Tribunais de Contas contribui para a Democracia, no-tadamente potencializando o acesso da sociedade a informações da vida pública e, consequentemente, viabilizando o controle social. Nessa linha, leciona Felipe Braga Albuquerque:

Cabe ao poder público (tendo os tribunais de contas papel determinante) proporcionar com os

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instrumentos de publicidade existentes, meios que assegurem ao povo o acesso às informações imprescindíveis da política fiscal, a fim de garan-tir o direito à informação, com base no Estado Democrático de Direito. (P. 14)

4. Tratamento Constitucional dos Tribunais de Conta: Natureza, Competência e Organização

Os Tribunais de Contas estão constitucionalmente previstos no Título IV (Da Organização dos Poderes), Capítulo I (Do Poder Legislativo), Seção IX (Da Fiscalização Contábil, Financeira e Or-çamentária) da Constituição Federal de 1988.

Trata-se de um órgão componente, de acordo com o tratamen-to constitucional sobre o assunto, do Poder Legislativo, segundo en-tendimento majoritário da doutrina que se fundamenta numa inter-pretação lógico sistemática da Constituição, uma vez que os Tribu-nais de Contas, como acima descrito, estão inseridos no capítulo do Poder Legislativo.

No entanto, cabe lembrar que a atuação prática dos Tribunais de Contas é marcada por destacada autonomia, uma vez que os mesmos exercem as suas atividades com independência em relação ao Poder Legislativo, tendo este, inclusive, que apresentar suas con-tas perante o Tribunal de Contas. Portanto, a sua vinculação ao Po-der Legislativo ocorre mais no plano formal.

Sobre as competências do Tribunal de Contas da União, dis-põe a Constituição que o órgão compete para: a) apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante pare-cer prévio; b) julgar as contas dos administradores e demais respon-sáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao e-rário público4; c) apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos

4 Cabe lembrar que no julgamento do Mandado de Segurança 25.092, entendeu o STF que são competentes os Tribunais de Contas para julgar contas de

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de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fun-damento legal do ato concessório; d) realizar, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de natureza contábil, finan-ceira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades admi-nistrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais entidades referidas no inciso II; e) fiscalizar as contas nacionais das empresas supranacionais de cujo capital social a União participe, de forma direta ou indireta, nos termos do tratado constitutivo, fiscali-zar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União me-diante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município; f) prestar as informa-ções solicitadas pelo Congresso Nacional, por qualquer de suas Ca-sas, ou por qualquer das respectivas Comissões, sobre a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial e sobre resultados de auditorias e inspeções realizadas; g) aplicar aos respon-sáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de con-tas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras comi-nações, multa proporcional ao dano causado ao erário; h) assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessá-rias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade; i) sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a de-

empresas públicas e as sociedades de economia mista, integrantes da Administração Pública Indireta. MS 25.092 - Min. CARLOS VELLOSO EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE CONTAS. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA: FISCALIZAÇÃO PELO TRIBUNAL DE CONTAS. ADVOGADO EMPREGADO DA EMPRESA QUE DEIXA DE APRESENTAR APELAÇÃO EM QUESTÃO RUMOROSA. [...]II. - As empresas públicas e as sociedades de economia mista, integrantes da administração indireta, estão sujeitas à fiscalização do Tribunal de Contas, não obstante os seus servidores estarem sujeitos ao regime celetista.

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cisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal e representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados.

De acordo com a Súmula 347 do STF, os Tribunais de Con-tas, no exercício das suas atribuições, podem apreciar a constitucio-nalidade das leis e dos atos do poder público.

O Tribunal de Contas da União, com sede no Distrito Federal, é integrado por nove ministros que serão nomeados de acordo com os critérios e as exigências constitucionais presentes no artigo 73, pa-rágrafos 1° e 2°.

Vale notar determinada impropriedade técnica no texto consti-tucional no caput do artigo 73, quando se refere à jurisdição. Sabe-se que a atividade jurisdicional é caracterizada pela possibilidade de ge-rar coisa julgada, não sendo o caso dos Tribunais de Contas, pois suas decisões podem ser revistas pelo Poder Judiciário (Lenza, 2009, p.447).

Em conformidade com a simetria própria do federalismo, é garantida a existência de Tribunais de Contas nos Estados membros e no Distrito Federal, devendo ser aplicados, no que couberem, as normas da seção IX da Carta Magna, referentes à organização, composição e fiscalização dos referidos tribunais.

Dispõe, por sua vez, a Constituição Federal, no artigo 75, pa-rágrafo único, que os Tribunais de Contas dos Estados terão sete conselheiros, ao contrário de nove, como ocorre no Tribunal de Contas da União5.

Questão interessante refere-se à existência de Tribunais de Contas nos Municípios. Nesse ente federativo, é vedada a criação de Tribunais de Contas (artigo 34, parágrafo 4°), existindo apenas aque-les já criados anteriores a promulgação da Constituição Federal. A esse respeito, esclarece Pedro Lenza:

5 Súmula 653/ STF: No Tribunal de Contas Estadual, composto por sete conselheiros, quatro devem ser escolhidos pela Assembleia Legislativa e três pelo Chefe do Poder Executivo Estadual, cabendo a este indicar um dentre auditores e outros dentre membros do Ministério Público, e um terceiro a sua livre escolha.

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O controle externo das contas do prefeito será realizado pela Câmera Municipal, auxiliada pelo Tribunal de Contas – TCM (onde houver), ou pelo TCE (se inexistir, naquele município, o municipal). (2009, p. 450)

5. Auxílio da Função Fiscalizadora do Poder Legislativo

Conforme a contemporânea compreensão da divisão dos po-deres, marcada por uma maior flexibilidade dos exercícios das fun-ções do Estado, cada Poder Estatal exerce funções típicas e atípicas. Nesse contexto, o Poder Legislativo exerce duas funções típicas: Le-gislar e Fiscalizar.

Sobre o Poder Legislativo e a sua função de fiscalizar dentro da atual ordem constitucional, destaca Luis Roberto Barroso:

No que toca o Poder Legislativo, cabe assinalar a recuperação de suas prerrogativas dentro do novo quadro democrático, embora permaneça visível o decréscimo de sua importância no pro-cesso legislativo. É certo, contudo, que, como contrapartida, expandiram-se suas competências de natureza fiscalizatória e investigativa (2008, pág. 51). (Destaque nosso)

Tal atividade fiscalizatória se consubstancia no controle exter-

no a ser exercido pelo Poder Legislativo, conforme inteligência do artigo 70, da Constituição Federal:

Art. 71. O controle externo, a cargo do Congres-so Nacional, será exercido com o auxílio do Tri-bunal de Contas da União, ao qual compete: [...]

Cabe lembrar, de acordo com o artigo 74 do texto constitucio-

nal, acerca da existência de formas de controle interno de finalidade, que são exercidos pelos três Poderes e terão como objeto de controle as atividades internas de cada Poder. Buscou o constituinte estabele-cer um sistema de mecanismos compostos pelo controle interno e

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externo que lograsse de grande potencial fiscalizatório, com a finali-dade de que a transparência, publicidade, moralidade e eficiência fossem respeitadas pela nova ordem constitucional.

Nessa realidade destaca-se a atuação dos tribunais de contas no auxílio ao Poder Legislativo. Esse órgão, pela especificidade de sua atuação (o que colabora para uma melhor qualidade no exercí-cio da função fiscalizatória), costuma gozar de credibilidade perante a sociedade, sendo um valioso meio, não só de controle, mas de in-formação para a sociedade acerca dos atos da vida pública.

Ainda sobre o papel do Tribunal de Contas no auxílio da ati-vidade de fiscalização, destaca Felipe Braga Albuquerque:

O Tribunal de Contas é essencial e imprescindí-vel no auxílio dos parlamentares e comissões no Congresso Nacional, sendo um Tribunal com funções constitucionalmente estabelecidas, que deve se integrar ao máximo com os representan-tes do povo na busca de ajudar na fiscalização dos gastos públicos. (P. 16)

Quando a administração pública se dirige aos Tribunais de

Contas para cumprir com o seu dever de prestação de contas, que é, reforçamos, corolário do direito à informação, tem a sociedade a possibilidade de obter informações mais precisas e detalhadas, sobre a atividade da administração pública e, assim, exercer o controle so-cial de forma eficaz.

Vale ressaltar que as decisões dos Tribunais de contas costu-mam ter boa visibilidade nos meios de comunicação e que a acessibi-lidade aos seus pareceres ou julgados é deveras facilitada com o ad-vento da rede mundial de computadores.

Ao contribuir para a fiscalização, os Tribunais de Contas con-tribuem para a transparência e esta contribui para o controle social.

6. Considerações Finais

Considerar o controle social exercido pela sociedade como fer-ramenta essencial para a democracia não é, de forma alguma, des-

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merecer as outras formas de controle existentes na nossa ordem constitucional, seja do ponto de vista interno ou externo do Estado, mas sim defender que o exercício desse controle, além de extrema-mente útil para as pretensões da nossa sociedade, atribui ao povo um papel mais ativo dentro da democracia brasileira, identificando o homem com o cidadão e repudiando a sociedade brasileira como mera massa de manobra.

Porém, o exercício desse controle social vem, aos poucos, per-dendo espaço tanto na vida dos cidadãos como na produção científi-ca que atribui um papel cada vez mais relevante à atuação do Poder Judiciário. Urge a necessidade de se conscientizar o homem brasilei-ro cada vez mais de seu papel dentro da democracia brasileira para que este venha a verdadeiramente colaborar com o Estado Democrá-tico de Direito.

No entanto, como foi defendido, não há espaço para partici-pação sem a informação; informação esta que é direito fundamental do indivíduo, constitucionalmente prevista de maneira expressa, e que tem como corolários os deveres de publicidade e de prestar con-tas.

Enfim, seria improvável conceber a devida execução desse de-ver de prestar contas, sem a existência de órgãos como os Tribunais de Contas que, com suas prerrogativas constitucionalmente previstas e defendidas, além de exercer o controle externo da administração, contribui para a transparência da vida pública no estado brasileiro. Nesse contexto, é fundamental conceder cada vez mais visibilidade a atuação desses órgãos que tanto podem contribuir para o fortaleci-mento da democracia brasileira.

A diuturna dedicação dos Tribunais de Contas a fim de se a-tribuir maior transparência aos atos da vida pública, em um contexto em que o Poder Público encontra-se cada vez mais menos desacredi-tado perante a população, não deve ser olvidada por parte dos seg-mentos sociais, principalmente com a chegada de grandes eventos que demandarão vultosos gastos públicos como no caso da Copa do Mundo de Futebol em 2014, que tornará a Administração Pública ainda mais atraente para aqueles comprometidos apenas com o seu interesse particular.

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Referências ALBUQUERQUE, F. B. Lei de Responsabilidade Fiscal e o Poder Legislativo: Uma Analise do Papel dos Tribunais de Contas. Dis-ponível na Internet no endereço: http://www.compe-di.org/manaus/arquivos/Anais/Felipe%20Braga%20Albuquerque. pdf acessado em 23/09/09. BARCELLOS, A. P. Papéis do Direito Constitucional no fomento do controle social democrático: algumas propostas sobre o tema da informação. Revista Direito do Estado. Rio de Janeiro: Renovar, N° 12. p. 77 – 106, Outubro/Dezembro 2008. BARROSO, L. R. Vinte anos da Constituição brasileira de 1988: o Estado a que chegamos. Revista Direito do Estado. Rio de Janeiro: Renovar, n° 10. p. 25- 66, Abril/Junho, 2008. BONAVIDES, P. Curso de Direito Constitucional. 19º Ed. São Paulo: Malheiros. 2006. LENZA, P. Direito Constitucional Esquematizado. 13ª Ed. São Paulo: Saraiva. 2009. MIRANDA, J. Os direitos políticos dos cidadãos na Constituição portuguesa. In: Revista de Direito Constitucional e Internacional. MORAIS, A. de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 6ª Ed. São Paulo: Atlas. 2006. PINTO, A. T.. Sociologia Geral e Jurídica. 1ª Ed. Fortaleza: Fa-culdade 7 de Setembro, 2005.

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Educação Ambiental. Abordagem Sistêmica: A Constituição Federal e as Normas

Infraconstitucionais.

Maria Lailze Simões Albuquerque Cavalcante Assessora do Tribunal de Contas do Estado do Ceará.Advogada e

Especialista em Direito Ambiental pela UNIFOR. Resumo: O artigo aborda uma visão global da Educação Ambiental de forma sis-têmica face à Magna Chartha e Leis de Proteção, ressaltando o caráter multidiscipli-nar e a importância da consciência ecológica/política às gerações presentes e futu-ras, conscientizando a relevância da cultura do conhecimento, das ações, das expe-riências, da postura crítica de cidadania, com o intuito de contribuir ao Direito Di-fuso a um meio ambiente saudável, como direito comum a todos. Necessário se faz com o estudo desse tema, resgatar uma nova ótica de desenvolvimento sustentável, buscando um ponto de equilíbrio entre o crescimento econômico e a preservação dos recursos naturais por meio de atividades de manejo florestal, reflorestamento, reciclagem de resíduos sólidos, o correto uso de agrotóxicos e a prática de conserva-ção do solo, entre outros. Palavras-chave: Educação Ambiental; Constituição Federal; Meio ambiente; Polí-tica preservacionista; Qualidade de vida; Interdisciplinariedade; Conscientização; Capacitação; Participação ao alcance de todos; Visão pedagógica; IBAMA; ”Confe-rência de Tibilisi”. 1. Introdução

“A educação dos povos faz-se por meio de

suas revoluções” [Lamartine]

O tema “Educação Ambiental. Abordagem sistêmica: A Consti-

tuição Federal e as normas infraconstitucionais” tem relevante impor-tância haja vista a valiosa contribuição em larga escala para a socie-dade contemporânea.

Hodiernamente carecemos de uma nova concepção científica. A humanidade precisa de uma ciência com consciência. De uma ci-ência que entenda que saber é poder reinstaurando a necessidade de pensar a complexa relação ciência-ético-política. Está em pauta um

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novo processo civilizatório e a valoração de uma nova ética. A ética da promoção da vida com novas reflexões e ações que impõem a re-visão dos paradigmas do conhecimento e das práticas de relações en-tre os seres humanos, de relações homem/natureza em busca de uma convivência mais solidária com os recursos naturais, já que a vida humana depende integralmente da disponibilidade de tais re-cursos que dela são extraídos.

A degradação ambiental é fator preocupante visto que é gera-da de toda ordem por todos os segmentos e classes sociais. A grande ocupação dos espaços urbanos por populações carentes e marginali-zadas corresponde a um elevado grau de devastação. Essa popula-ção ocupa espaços urbanos altamente deteriorados, em encostas, á-reas poluídas, morros, etc., onde quase sempre ocorrem desastres. O processo de industrialização acarreta o lançamento de poluentes na atmosfera e nos recursos hídricos.

Aqui surge a essencialidade da educação ambiental nos mais amplos segmentos da sociedade. Trabalhar o ambiente social e o ambiente natural mediados pelo direito a uma qualidade de vida digna é aspecto relevante em ações educacionais com o objetivo de desenvolver a consciência crítica da sociedade brasileira. A educação ambiental deve estar comprometida com uma abordagem da pro-blemática ambiental que interrelacione aspectos ecológicos, políti-cos, culturais, científicos, tecnológicos, econômicos, legais, e éticos. A educação deve refletir a perspectiva de uma nova organização so-cial, de um fazer educacional que abranja as questões ambientais. Através da educação ambiental busca-se um novo ideário compor-tamental tanto no âmbito individual quanto no âmbito coletivo. Comecemos em casa e avancemos às praças, ruas, bairros, periferias, enfim, evidenciemos as peculiaridades regionais apontando o -“pensar globalmente e agir localmente".

Nas escolas, deve ser amparado o enfoque multidisciplinar que aparece como proposta. Lamentavelmente, na prática, não há a implantação desse recurso face à carência de pessoal qualificado ali-ado à inexistência de metodologia material apropriada para a explo-ração do tema. Esse consórcio de diversas disciplinas é fundamental devido à complexidade da temática ambiental, por tratar-se da inte-

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ração entre fenômenos que pertençam aos domínios de diferentes ci-ências.

Os problemas ambientais, que se englobam com frequência na ex-pressão “crise ecológica”, são de natureza e complexidade diver-sa. A fome, a desnutrição, as disparidades sociais, a deterioração dos ecossistemas, a desertificação, a crescente escassez de recursos, as múltiplas causas da poluição e degradação justificam a preocupação e o alarme para a contagem regressiva. Precisamos desacelerar esse processo de destruição. Sair da visão egocêntrica - o mundo natural tem um valor em si mesmo, que precisa ser preservado diante dos avanços frente ao crescimento demográfico e da devastação do mundo moderno; para uma visão mais contemporânea que aponta para a necessidade de um uso mais racional e criterioso dos recursos naturais, redefinindo as relações homem/meio ambiente que bus-quem a interdependência necessária para uma sobrevivência mais harmônica.

Questões como consumo excessivo dos recursos naturais e o acelerado crescimento demográfico vêm exercendo forte pressão so-bre o meio ambiente. Essa exploração demasiada das riquezas não-renováveis e dos potenciais de produção excessiva de resíduos em relação à capacidade de absorção e depuração do meio natural está reduzindo significativamente o número de espécies animais e vege-tais do planeta. A humanidade deve estar atenta a tais fenômenos e ter consciência da envergadura desses danos e da destruição que causa.

As opções tecnológicas do sistema econômico, com a obten-ção máxima do lucro sem a adoção de sérias medidas de proteção ao meio ambiente, foram totalmente renegadas, chegando hoje aos li-mites do intolerável. O que se fez na realidade foi sacrificar o meio ambiente em favor dos meios de produção. O crescimento econômi-co é valioso, mas deve-se lembrar que esse progresso se justifica com a melhoria da qualidade de vida e o bem-estar social. A lógica do crescimento é inegável, porém a urgência da política preservacionis-ta também o é.

A educação ambiental é extremamente necessária devendo ser dirigida a todos os membros da coletividade e aos grupos de diversas faixas etárias e categorias socioprofissionais. Devemos incentivar e

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conscientizar esse público a refletir sobre os problemas ambientais, compreendê-los e contribuir também para a mudança desse quadro. Investir na alteração de mentalidades, abrindo novos pontos de vista e novas posturas diante de tais dilemas.

Evidentemente, sabemos que sozinha a educação ambiental não é suficiente para mudar os rumos do planeta, mas certamente é condição sine qua non para essa mudança.

Os cidadãos empreendedores da educação ambiental devem agir de modo responsável e consciente com sensibilidade na conser-vação do ambiente saudável no presente e para vindouras gerações. Povo, governo e sociedade civil devem cumprir suas obrigações, exi-gir e respeitar os direitos próprios e alheios direitos esses previstos na nossa Carta Magna - “Todos têm direito ao meio ambiente ecolo-gicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à as-dia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coleti-vidade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e fu-turas gerações” [Artigo 225 da Constituição da República].

O Brasil hoje é considerado um dos países com maior varie-dade de experiências em educação ambiental com iniciativas origi-nais. Portanto, qualquer política nacional, regional ou local que se estabeleça deve levar em consideração essa riqueza de experiências e nela investir. Apesar das recomendações internacionais e da previ-são constitucional, que declara como prioridade em todas as instân-cias do poder a educação ambiental ainda está longe de ser uma ati-vidade plenamente aceita e desenvolvida por implicar em profundas mudanças. Quando bem realizada, a educação ambiental torna-se capaz de operar transformações de ordem comportamental, pessoal de atitudes e valores da cidadania que acarretam grandes conse-quências sociais.

Pretende-se, ao longo da questão comentada neste artigo, den-tre outros, expor a função do IBAMA como instrumento legal de proteção ao meio ambiente, e a Lei da Vida - Lei de Crimes Ambi-entais.

O tema educação ambiental, em consonância com a Lei 9.795/99 que dispõe sobre a educação ambiental e institui a Políti-ca Nacional de Educação Ambiental, segundo as diretrizes do I-BAMA, merece destaque nos centros de articulação e educação am-

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biental envolvendo Municípios com aptidão hídrica que permitem a instalação de empreendimentos agrícolas com o uso intensivo da ir-rigação. Mas, para dar sustentabilidade ao seu crescimento, são ne-cessárias ações governamentais que levam como pressuposto a me-lhoria da qualidade de vida das populações, buscando minimizar os impactos causados por práticas agrícolas de uso inadequado.

Essas experiências, atestadas por esse órgão importam grande relevância e se desdobram em visitas aos assentamentos rurais, ge-rando oportunidades de práticas vividas a partir de experimentos como farmácia viva e agricultura orgânica direcionada aos proble-mas locais. O trabalho mister se faz com a realização também de pa-lestras, treinamentos e capacitação junto às comunidades “in loco”, procurando esclarecer e mostrar toda a necessidade do uso correto dos recursos. Traz para o direito ambiental, práticas enriquecedoras, já que se trata de testemunhos e aplicações de ações realizadas dire-tamente na área e com resultados.

Para a sociedade, essas ações de educação ambiental contribu-irão para a formação da conscientização dos problemas, bem como para a importância da efetividade, onde todos os engajados possam exercer plenamente sua cidadania e exigir dos órgãos competentes “ação” - correta aplicação dos recursos renováveis e o uso racional do solo aliados à preservação.

A partir da investigação sobre o tema base em comento corre-lacionado com as diretrizes do IBAMA - pretende-se conhecer a fi-nalidade e a função dessa autarquia e o seu modo de atuação junto às comunidades, como são executados os trabalhos dos núcleos de educação ambiental regionais; o que podemos e como devemos tra-balhar de forma a combater o crescente desmatamento de áreas flo-restais; o grave e intenso problema das queimadas indiscriminadas, bem como os possíveis autores; a falta de gerenciamento no manejo dos recursos hídricos e uso abusivo dos agrotóxicos.

Precisamos conhecer e explorar o porquê da caça e pesca pre-datórias, da comercialização de animais silvestres e os impactos de empreendimentos turísticos desordenados. Como e de que maneira o IBAMA está focalizando essa problemática, como está sendo o seu trabalho de educação ambiental em tais locais e unidades e co-mo está gerando repercussão.

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O IBAMA- Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recur-sos Naturais Renováveis - em relação à questão ambiental tem vali-oso papel. Previsível na Lei no. 7.735, de 22/02/89, norma que cria essa entidade autárquica, vinculada ao MMA- Ministério do Meio ambiente tem “a finalidade de executar as políticas nacionais de meio ambiente referentes às atribuições federais permanentes rela-tivas à preservação, à conservação e ao uso sustentável dos recur-sos ambientais e sua fiscalização e controle, bem como apoiar o MMA - Ministério do Meio Ambiente, na educação das ações su-pletivas da união, de conformidade com a legislação em vigor e as diretrizes daquele Ministério.” Dentre outras finalidades, podemos destacar de acordo com a lei: “Promover o desenvolvimento de ati-vidades de educação ambiental para formação de uma consciência coletiva conservacionista e de valorização da natureza e da quali-dade de vida.”

É através do PNEA - Plano Nacional Educação Ambiental - que o IBAMA vem realizando várias ações educacionais visando a-tender às necessidades e às demandas da sociedade civil, no que se refere ao direcionamento de discussões e soluções dos problemas ambientais na esfera federal. Constitui uma rede de interligação, a-través de Unidades de Conservação, Escritórios Regionais e o Cen-tro de Articulação e Educação Ambiental. Esses centros estabelece-ram um elo de articulação entre as instituições públicas, Prefeituras Municipais e entidades da sociedade civil organizada, com o objeti-vo de desenvolver esforços conjuntos com o fim de preservar o meio ambiente e a melhoria da qualidade de vida da população da região. Estas ações procuram desencadear suporte a programas e projetos destinados à difusão de tecnologias alter-nativas acessíveis à popula-ção rural, garantindo a sustentabilidade dos recursos naturais.

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2. Desenvolvimento

“A prática de pensar a prática é a melhor forma de aprender a pensar correto”

[Paulo Freire] Alguns questionamentos merecem destaque a partir do que foi

exposto: • Qual seria a contribuição da educação ambiental para o di-reito ambiental? • Em que aspecto a educação ambiental influenciará para de-sacelerar o processo de degradação? • Por que a educação ambiental é um desafio? • A educação ambiental é uma questão também de cidadania? • Seria a educação ambiental a única fórmula solucionadora das questões ambientais? • De que forma podemos trabalhar a educação ambiental in-tra-muros (dentro da escola) e extramuros (na comunidade)? • É a educação ambiental elemento indispensável para a modi-ficação da consciência humana? • Através de educação ambiental poderemos transformar valo-res, construir novos hábitos e conhecimentos? • Qual a importância da interdisciplinariedade na educação? • Estamos atualmente diante de uma crise ambiental ou civili-zatória? • Como o IBAMA realiza o trabalho de educação ambiental nas diversas esferas da sociedade?

Este artigo tem como escopo explicar que a questão ambiental

se evidencia, efetivamente, por um conjunto de problemas que dete-rioram o meio ambiente tais como: poluição, desmatamentos, efeito estufa, camada de ozônio, chuvas ácidas, extinção das espécies, re-dução dos recursos naturais renováveis e não renováveis, e outros.

Indubitavelmente, problemas sérios como a miséria e a pobre-za afligem um grande contingente populacional. Devemos reivindi-

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car pela não separação entre o ambiente social e ambiente natural, onde se observa o ser homem em mútua equivalência. Aqui entram as ações educativas frente às questões ambientais com o intuito de dar uma maior idoneidade e eficácia buscando a reflexão do exercí-cio da cidadania e a revisão para uma nova ética e postura diante dos problemas ambientais tanto a nível global, como a nível local, de acordo com as reais necessidades regionais, mantendo a responsabi-lidade solidária e a visão holística do planeta. Devemos observar al-guns tópicos relevantes elencados como objetivos a serem desenvol-vidos e aprimorados para a efetivação da educação ambiental:

• Desenvolver o bem-estar social - Com a significativa con-centração de riquezas, e a consequente deterioração do ambi-ente social, o processo educacional deve comprometer-se em prol de uma maior igualdade entre o processo de desenvolvi-mento e o acesso aos bens produzidos. • Cidadania e qualidade de vida - Levar em conta a deteriora-ção dos recursos, bens de direito de todos os cidadãos e a ina-cessibilidade da grande maioria, condicionada por problemas políticos, sociais e econômicos. O processo educacional deve zelar para melhor qualidade de vida do cidadão. • Participação - É crucial que o indivíduo se conscientize da necessidade em realizar mudanças. A educação deve com-prometer-se em viabilizar pessoas cônscias do exercício da ci-dadania. • Interdisciplinariedade - A educação ambiental é um fenô-meno complexo e aborda diversos setores, não comportando ser estudada sobre a ótica de uma única disciplina. O processo educacional deve tornar oportuna a multidisciplinaridade ou a transversalidade como forma de melhor aprendizagem em to-das as matérias. • Praticar uma gestão ambiental democrática - Fundada no princípio de que todas as espécies têm direito a viver no plane-ta e os homens que respeitem e se eduquem para a construção de uma nova ética de vida.

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• Descentralizar - A questão ambiental é universal, mas quan-do se trata de transformar, decidir ou influenciar, uns podem mais que outros e ficamos subjugados às decisões impostas. • Solidariedade - As decisões políticas, administrativas e eco-lógicas do mundo atual têm consequência de alcance interna-cional. Há que se buscar o espírito coletivo entre os países. • Conferência de Tibilisi - A 1 a. Conferência Intergoverna-mental sobre educação ambiental realizada na Geórgia, em 1977 foi o ponto culminante da 1a. fase do Programa Interna-cional de Educação Ambiental, definindo seus objetivos, ca-racterísticas e estratégias pertinentes tanto no âmbito nacional quanto internacional.

A temática aludida está basicamente amparada na legislação per-

tinente e nas orientações literárias do próprio MMA – Ministério do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis -, na Constituição Federal, na Lei regulamentadora da Política Nacional do Meio Ambiente - PNMA e a Lei que trata da Política Nacional de E-ducação Ambiental - PNEA, e os Parâmetros Curriculares Nacionais- PCN- Ministério da Edu-cação.

A Constituição da República trata esse assunto no seu artigo 225- Do Meio Ambiente. relatando ser direito de todos “ter um meio ambiente ecologicamente equilibrado: que é bem de uso co-mum do povo e essencial à qualidade de vida, impondo-se ao Po-der Público e à coletividade o dever de preservá-lo e defendê-lo para presentes e gerações futuras”.

A norma legal, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente - artigo 3o. - I - Lei 6.938/81 - define como “meio ambi-ente o conjunto de condições, leis, influências e interações de or-dem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. Dispõe, igualmente, que o objetivo reside em promover a “educação ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente” [Artigo 2º- X - da citada lei].

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Podemos ter visivelmente a ideia que a nossa Carta Magna é eminentemente ambientalista e que a educação ambiental está dis-ciplinada em norma legal. Sendo componente essencial e perma-nente da educação nacional, devendo estar presente, de forma arti-culada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal (educação escolar desenvolvida no âmbito dos currí-culos das instituições públicas e particulares englobando desde a e-ducação básica - ensino infantil, fundamental e médio até a educa-ção superior, especial, profissional e educação de jovens e adultos).

Em caráter não-formal (ações e práticas educativas voltadas à sensibilização da coletividade sobre os problemas ambientais e a parti-cipação da comunidade na defesa da qualidade do meio ambiente. Po-dendo ser feita através dos meios de comunicação em campanhas edu-cativas, e de informações acerca do assunto. Deverá haver a ampla par-ticipação da escola, da universidade e de organizações não-governamentais na formulação e execução de programas e atividades vinculadas à educação não-formal. Necessário se faz igualmente o o-lhar e participação de empresas públicas e privadas em parceria com as escolas, a universidade e as ONG’s - (Organizações Não-Governamentais; a sociedade; os agricultores e o ecoturismo).

Podemos ainda ressaltar a importância da contribuição do Ministério da Educação através da elaboração dos PCN’s - Parâme-tros Curriculares Nacionais - que objetivam auxiliar o ensino fun-damental com o fulcro de dar uma compreensão sobre a cidadania e o exercício dos direitos e deveres; desenvolver a criticidade dos alu-nos; conhecer as principais características brasileiras; conhecer e va-lorizar o patrimônio nacional; perceber-se como integrante, depen-dente e agente transformador do ambiente para uma melhor quali-dade de vida; conhecer e adotar hábitos saudáveis em relação à sua saúde e à saúde coletiva; utilizar as diferentes linguagens e fontes de informação e recursos tecnológicos para adquirir e construir conhe-cimentos; questionar sobre a realidade formulando problemas e bus-cando soluções ou devidas adequações.

Em nível do IBAMA, o tema Educação Ambiental, encontra respaldo nas grandes orientações da Conferência de Tibilisi realizada na Geórgia, uma das Repúblicas integrantes da antiga União Sovié-

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tica, no ano de 1977, sendo cognominada como o primeiro Con-gresso Mundial de Educação Ambiental.

Na época, a então URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) vivia sob o prenúncio da Perestroika e da Glasnot. Pro-blemáticas como o desarmamento, acordos de paz entre as maiores potências mundiais (URSS e EUA), democracia e liberdade de opi-nião figuravam nas maiores preocupações.

Esta Conferência destacou, como ponto culminante, a Edu-cação Ambiental em colaboração com o Programa das Nações U-nidas e UNESCO, tendo sido realizada uma pesquisa sobre as ne-cessidades e prioridades internacionais em matéria de educação am-biental com a participação de 80% dos Estados-Membros, os quais foram convocados a incluírem em suas políticas educacionais, me-didas que visem incorporar um conteúdo, diretrizes e atividades am-bientais em seus sistemas, bem como, as autoridades educacionais a intensificarem seu trabalho de reflexão, pesquisa e inovação no que se refere à educação ambiental.

Aludida conferência estimula a comunidade internacional a engrandecer uma seara de gestão, a qual representa a indispensável solidariedade de todas as Nações, podendo ser, singularmente, atra-tiva ao entendimento entre os países e da causa da paz.

A Conferência de Tibilisi concluiu que a educação ambiental representa elemento essencial de uma educação global e perma-nente, voltada para a solução dos problemas e com a ativa partici-pação de todos, contribuirá para orientar os sistemas de educação no sentido de dar maior idoneidade e realismo com o meio natural e social, visando facilitar o bem-estar das comunidades humanas.

A fim de que os objetivos da educação ambiental sejam alcan-çados, não basta figurar nos programas educativos, é necessário en-carar as preocupações relativas ao meio ambiente como dimensão de educação escolar e extra-escolar.

O trabalho de Educação Ambiental nas ações do IBAMA, ge-nericamente, percorre ações diretas e programas específicos a deter-minadas áreas e comunidades.

Podemos elencar as seguintes:

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a) Atividade florestal - deve-se visar os dois lados de interesses: o econômico - como gerador de divisas e o lado social - como indis-pensável à manutenção da qualidade de vida. A importância ecoló-gica tem grande relevância para a sociedade. O essencial desse pro-grama é saber relacionar as florestas com o cotidiano das pessoas. Essa importância se justifica na implantação de programas de Edu-cação Ambiental que despertam as pessoas para sua consciência, como também o respeito à segurança de áreas destinadas às empre-sas e com relação a incêndios florestais; b) Ações diretas para a prática de Educação Ambiental:

b.1) visitas a museus, criadouro científico de animais silves-tres;

b.2) passeios em trilhas ecológicas (locais apropriados à visita-ção com placas, setas e outros indicadores e monitores que estimu-lam crianças à curiosidade);

b.3) parceria com Secretaria de Educação de Municípios atra-vés de clubes do Meio Ambiente com a finalidade de executar proje-tos interdisciplinares que visam problemas ambientais locais (agir localmente, pensar globalmente). Os trabalhos são a reciclagem do lixo, agricultura orgânica, arborização urbana do ambiente;

b.4) Ecoturismo - visitação a parques ecológicos ou trilhas pa-ra as comunidades em geral, orientado por funcionários com acesso livre, inclusive, a criadouro de animais e trilhas;

b.5) Publicações periódicas - Aborda elementos relativos aos recursos naturais;

b.6) Educação Ambiental para funcionários – treinamento e capa-citação aplicada a funcionários de empresas, orientando-os aos procedimentos corretos e responsáveis, fazendo-os conservacionistas em seu ambiente de trabalho;

b.7) Atividades comunitárias e campanhas de conscientização ambiental - aumentar a participação nos aspectos relativos à melho-ria do ambiente através de caminhadas pela região;

b.8) Projetos de orientação ambiental - desenvolvido pelas empresas de orientação ambiental como fichas finalizadoras de ani-mais e direcionar a comunidade aos aspectos legais de caça e pesca;

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c) Nas comunidades agrícolas - tem a finalidade de orientar aos pe-quenos agricultores, quanto ao uso correto de agrotóxicos, suas apli-cações e noções modificadoras do Meio Ambiente. Mostra que as técnicas agroflorestais, permacultura, e a legislação interagem como contribuição para a formação da consciência social das populações. O trabalho se realiza através de visitas às famílias e palestras realiza-das nos centros comunitários, onde são demonstrados práticas e téc-nicas de conservação do solo, pesquisa e novas alternativas que con-ciliem com as práticas agrícolas da comunidade. Além dessas ações, busca-se promover atividades educativas nas escolas para crianças e trabalhos para mulheres, sempre com o objetivo maior de enfatizar que se bem preservados os recursos, só trarão benefícios para as co-munidades. 3. Conclusão

“Onde usavam a liberdade

para escamotear, fui reacionário.

Onde invocaram normas contra a natureza fui revolucionário” [Karl Kraus]

Em arremate, vimos que a crise ambiental, o contexto da socie-

dade moderna se reveste de contornos gravíssimos que consiste numa ameaça a existência humana, considerando a grandeza dos problemas ambientais vigentes e em escala mundial: efeito estufa, destruição da camada de ozônio e derretimento das calotas polares, etc.

A causa maior da degradação ambiental calca-se na origem do sistema cultural da sociedade industrial, atrelada à estratégia desen-volvimentista, voltada para o mercado competitivo, sendo este uma instância reguladora da sociedade, e traduzindo uma ótica de mun-do de cunho unidimensional, utilitarista, economicista, e a curto prazo, numa relação de integral domínio e exploração irracional dos recursos naturais.

Tais dilemas acarretaram mobilizações internacionais com o in-tuito de encontrar meios de solucionar referida problemática. Uma das formas de amenizar o caos ambiental tem sido o desenvol-

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vimento sustentável, o qual mitiga o desenvolvimento econômico com a preservação do meio ambiente.

Nesta conjuntura, uma das ferramentas fundamentais que po-de se destacar é a educação ambiental, pois através de seminários, cursos, publicações, especialmente, através da mídia impressa, tele-visiva, exteriorizassem os objetivos, normas norteadoras e a tão im-portante atuação social.

Inclui-se na educação ambiental o ambiente humano em suas práticas, recepcionando os processos decisórios participativos como um valor fundamental a ser aquilatado na tutela ambiental. Assim, torna-se uma conduta que não se resume à esfera comportamental.

Ao passo que a educação ambiental, engloba a cidadania, a educação conservacionista atrela-se a uma tendência tecnocrática e burocratizante.

Essa novel forma de perceber o planeta Terra teve respaldo significativo para que a educação ambiental substituísse a educação conservacionista passando aquela a ser constitucionalizada e regu-lamentada em normas jurídico-legais.

4. Metodologia

“O exercício de pensar o tempo, de pensar a técnica, de pensar o co-

nhecimento enquanto se conhece, de pensar o quê das coisas, o para quê, o como, o em favor do quê, de quem, o contra quê, o contra quem são exigências funda-

mentais de uma educação democrática à altura dos desafios do nosso tempo” [Paulo Freire]

Pretendemos demonstrar, em nosso trabalho, os seguintes tipos

de pesquisa: a) bibliográfica - calcada na análise da literatura já publicada,

em forma de compêndios, revistas, publicações avulsas, imprensa escrita. Lançaremos mão, outrossim, da legislação ambiental aplicá-vel à matéria, v.g, Constituição da República, promulgada em 05.10.88, e leis infra-constitucionais e Resoluções do CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente;

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b) qualitativa - dada a natureza complexa do nosso objeto, de-mandará esse tipo de procedimento metodológico, uma vez que se-rão colhidas opiniões doutrinárias sobre o tema vergastado; c) descritiva - descreveremos fenômenos, buscaremos descobrir a frequência com que um fato ocorre, sua natureza, suas característi-cas, causas, correlacionando com outros fatos. Em síntese, explica-remos e interpretaremos os fatos interligados à Educação Ambiental, enfocando, especialmente, a perpetrada pelo IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis-; d) explicativa - identificaremos os fatores determinantes ou contributivos para a ocorrência do fenômeno - educação ambiental -, aprofundando o conhecimento da realidade existente em nosso País. Dotaremos a pesquisa ex-post-facto.

No tocante aos tipos de método, enfocaremos os seguintes:

Ι) dedutivo - realizaremos a pesquisa a partir da sistemática deduti-va, na qual partiremos do arcabouço legal e teorias doutrinárias so-bre as atividades de Educação Ambiental informal encetada pelo IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis; ΙΙ) histórico - avaliaremos eventos pretéritos com o fulcro de compreender o presente e melhor antever o futuro. Com a premissa básica de estimular a educação ambiental, faremos uma análise re-trospectiva e traçaremos as diretrizes-mor prospectivas ressaltando a importância da educação ambiental para o desenvolvimento de a-ções proativas que devastam e degradam o meio ambiente.

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FREIRE, P. Educação e Mudança. 5a. Edição. São Paulo: Paz e Terra, 1988. FREIRE, P. Pedagogia da autonomia - Saberes necessários à práti-ca educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1988. LEITE, E. de O. A monografia jurídica. 5a. Edição. São Paulo: Re-vista dos Tribunais, 2001. MEDEIROS, J. B. Redação científica. A prática de fichamentos, resumos, resenhas. 4a. Edição. São Paulo: Atlas, 2000. 2) Trabalhos escolares e notas de aula: DEMO, P. Critérios de cientificidade. In: Metodologia científica em ciências sociais. São Paulo: Atlas, 1985, p. 14-18 3) Apostila: OLIVEIRA¸ M. de L. R., UECE. Centro de Educação continuada e à distância. Curso de Formação de professores, Disciplina: Educa-ção Ambiental. -Fortaleza. 1998. BASTOS, N. M. G. Metodologia científica. – Notas de aula. For-taleza, 2002. 4) Artigo - Revista: ARAÚJO, P. Lições da natureza. Revista Nova Escola. São Paulo. Editora Abril. Fascículo - 150, p. 30 a 32, Março 2002. 5) Publicações dos órgãos públicos:

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BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Funda-mental. Parâmetros curriculares nacionais - PCN'S. Meio Ambiente. Brasília, 1997. CONFERÊNCIA DE TBLISI - As grandes orientações. Coleção meio ambiente. Série Estudos: Educação ambiental, Edição Especi-al. Brasília, 1997. 6) Documentos legislativos: BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federa-tiva do Brasil. Brasília, DF, Senado 2009. BRASIL. Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente. BRASIL. Lei 9.795, de 27 de Abril de 19999. Dispõe sobre o Plano Nacional de Educação Ambiental. BRASIL. Lei 5.197, de 3 de Janeiro de 1967. Dispõe sobre a prote-ção à fauna e dá outras providências. BRASIL. Lei 4771, de 15 de setembro de 1965. Institui o novo Có-digo Florestal. BRASIL. Lei 7.802, de 11 de julho de 1989. Dispõe sobre a pesqui-sa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, o registro, a classi-ficação, o controle, a inspeção, e fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins.

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Receitas Correntes em Municípios Cearenses: Autonomia ou Dependência?

Luís Abel da Silva Filho

Aluno do Programa de pós-graduação em Economia – PPGECO/UFRN e pesquisador do Observatório das Metrópoles, núcleo da UFRN

Silvana Nunes de Queiroz

Professora do Departamento de Economia da Universidade Regional do Cariri – URCA.

Doutoranda em Demografia pelo NEPO/UNICAMP

William Gledson e Silva

Mestre em Economia pelo PPGECO-UFRN

Adriano Olivier de Freitas e Silva

Mestre em Economia pelo PPGECO-UFRN

Resumo: Inúmeros trabalhos sobre finanças públicas municipais procuram discutir a autonomia municipal como geradora de receitas ou o nível de dependência dessas entidades em relação ao Estado e à União. Este artigo tem como objetivo analisar a Capacidade de Arrecadação Própria (CAP) e o Grau de Dependência (GD) dos municípios cearenses, bem como avaliar a participação das variáveis: Receita Tribu-tária (RT), Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e Outras Transferências Constitucionais (OTC) na variação das Receitas Correntes (RC) municipais. A fim de mensurar o impacto da variação de cada uma das variáveis explicativas na varia-ção de um ponto percentual na variável explicada, foram utilizados dados da Secre-taria do Tesouro Nacional (STN), tabulados com o auxílio do modelo de Regressão Múltipla (log-log). Os resultados desta investigação constatam, por um lado, pe-quena participação da Receita Tributária (RT) nas Receitas Correntes (RC) dos municípios; e, por outro lado, participação elevada das transferências constitucio-nais. Além disso, nos três grupos de municípios, aqui estratificados, constatou-se baixa participação da RT na variação da RC. Palavras-chave: Finanças públicas; Receitas correntes; Municípios cearenses. Abstract: Several papers about municipal public finances seek to discuss the municipal autonomy as revenue generator or the level of dependence of these entities in relation to the State and the Union. This article aims to analyze the

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Capacity of Self Revenue Collection (CAP) and the Level of Dependence (GD) of the districts of Ceará, as well as to evaluate the participation of the variables: Tax Revenue (RT), Districts' Participation Fund (FPM) and Other Constitutional Transfers (OTC) in the fluctuation of the municipal Current Revenues (RC). In order to measure the impact of the variation of each one of the explaining variables in the variation of 1% in the variable explained were used data from the National Treasury Secretary (STN), tabulated with the aid of the Multiple Regression model (log-log). The results of this investigation have determined, on one hand, a small participation of the Tax Revenue (RT) in the Current Revenues (RC) of the districts; and, on the other, high participation of the constitutional transfers. In addition, in the three groups of districts, here stratified, it's been observed low participation of the RT in the variation of the RC. Keywords: Public finances; Current Revenues; Districts of Ceará.

1. Introdução

A análise das finanças públicas recorrentes da esfera das recei-tas governamentais, no Brasil, é controversa, uma vez que tal aspec-to mais do que simples prerrogativa de formulação de políticas pú-blicas, na verdade, explicita um esforço constitucional (de natureza institucional) capaz de atenuar os laços de heterogeneidade regional instaurados no país (Postali e Rocha, 2001).

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 assiste-se, no país, a substancial ampliação do nível de recursos transferidos pela união às demais unidades federadas, cuja finalidade perpassa pela ampliação do fenômeno denominado descentralismo fiscal.

A descentralização fiscal brasileira apresenta-se como epicen-tro institucional da ampliação da autonomia e do poder decisório relativo ao ente federativo, tendo como características relevantes a capacidade dos governos subnacionais em formular políticas públi-cas orientadas localmente, associadas a um padrão de arrecadação compatível fortemente decorrente das transferências intergoverna-mentais, cujas principais vias de receita dessa natureza são decorren-tes do Fundo de Participação Estadual (FPE) e do Fundo de Partici-pação Municipal (FPM) (Arraes e Lopes, 1999).

De acordo com Soares et al. (2006), o processo de redução da desigualdade no Brasil deve ser iniciado a partir de mecanismos de transferências de rendas aos municípios que, em muitos casos, che-

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gam a responder por cerca de 90% da fonte de receita corrente nos municípios dos Estados do Nordeste. Esta região conta com municí-pios que apresentam dependência significativa de transferências da União, dado o baixo nível de arrecadação tributária municipal. Este resultado decorre da concentração das atividades econômicas no Sul e Sudeste do país, bem como da pequena extensão do aglomerado urbano desses municípios, uma vez que mais de três quartos das á-reas territoriais dos municípios são de zonas rurais.

O Fundo de Participação dos Municípios – FPM1 representa a maior fonte de transferência constitucional para os municípios brasi-leiros. De acordo com Arraes e Lopes (1999), pela constituição de 1967, o FPM correspondia, apenas, a 10% do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sob Produtos Industrializado (IPI). Com a pro-mulgação da constituição de 1988, a transferência passou a ser de 22,5% da arrecadação do IR e do IPI.

Conforme a Secretaria do Tesouro Nacional – STN (2008), no Nordeste, todos os municípios, exceto as capitais dessa região, têm em suas receitas correntes um percentual de transferências constitu-cionais superiores ao da receita tributária. Segundo Bremaeker (2003), o sistema frágil de arrecadação desses municípios leva os mesmos à dependência de transferências constitucionais, no qual tais transferências têm relação direta com a dinâmica demográfica e econômica dos municípios.

Para o ano de 2002, os dados mostram que 17,1% da receita orçamentária dos municípios do país eram provenientes de receitas tributárias. Essa é a média nacional, sendo que apenas os Estados do Sudeste concentravam 68,6% de toda a receita tributária municipal do país. O Nordeste participava com 10,3% do montante. Isso mos-tra o baixo nível de arrecadação dessa região e confirma a necessi-dade que têm os municípios nordestinos dessas transferências (Bre-maeker, 2003).

1 O FPM é uma transferência constitucional (CF de 1988, art, 159, I, b) que se concretiza a partir de um percentual (22,5%) calculado sobre o Imposto de Renda e o Imposto sob Produtos Industrializados, distribuídos entre os municípios da federação através de um processo de fixação de faixas populacionais.

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Segundo dados do IBGE, pesquisas realizadas em todo o país, de 1998 a 2000, comprovam que os municípios com até cinco mil habitantes têm, no FPM, 57,3% das receitas mensais disponíveis. “[...] para os municípios de menor porte demográfico suas receitas orçamentárias são mais influenciadas pelas transferências constitu-cionais, notadamente pelo Fundo de Participação Municipal (FPM)” (Bremaeker, 2003, p.15)

Diante das considerações acima, este trabalho procura investi-gar se as receitas fiscais dos municípios cearenses apresentam eleva-da dependência das transferências do Governo Federal. Ou se as transferências constitucionais da União não representam a maior parcela da arrecadação dos municípios do estado do Ceará.

Com efeito, a hipótese central deste estudo é que o ingresso de receitas constitucionais da União, como por exemplo, o Fundo de Participação dos Municípios - FPM é de fundamental importância para a manutenção da receita corrente das unidades municipais do Ceará.

Através da construção de indicadores de finanças públicas pro-posto por Riane (2002) e do modelo de Regressão (log-log), o pre-sente trabalho avalia o nível de relação entre a Receita Corrente (va-riável dependente) dos municípios cearenses, de um lado, e a Recei-ta Tributária, o Fundo de Participação dos Municípios e Outras Transferências Constitucionais (variáveis explicativas), de outro la-do.

O artigo está organizado do seguinte modo: além desta intro-dução, a próxima seção descreve os procedimentos metodológicos utilizados na pesquisa; na terceira seção, faz-se a análise dos dados; e na quarta, a análise dos dados da regressão; e na quinta, apresen-tam-se as considerações finais.

2. Procedimentos Metodológicos

O trabalho utiliza dados secundários fornecidos pela Secreta-

ria do Tesouro Nacional (STN). No entanto, apesar de ser um órgão oficial do Governo Federal, nem todos os municípios divulgam as suas informações na citada instituição fazendária, sendo necessário excluir ou não considerar as entidades municipais que não publica-

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ram suas informações fiscais junto à STN (Matos Filho, Silva e Via-na, 2008).

Nesse sentido, dos 184 municípios cearenses, são consideradas 1672. A amostra de 167 municípios é capaz de exibir o grau de de-pendência de transferências intergovernamentais a que esses muni-cípios estão sujeitos do ponto de vista do conjunto de receitas por e-les auferidas, contrastando com o padrão de arrecadação próprio dessas entidades federativas.

O conjunto de 167 municípios cearenses foi estratificado em três grupos. No primeiro grupo, reuniu-se 30% das entidades muni-cipais de maior Receita Corrente (RC); no segundo situam-se 30% dos municípios de receita intermediária; no último agrupamento, encontram-se 40% dos municípios de menor receita corrente.

Destaque-se que estudos de análise de regressão múltipla apli-cados às finanças públicas, no Brasil, são relativamente escassos, sendo mais comum observar discussões que contemplam exames de indicadores fiscais.

Para o alcance dos objetivos propostos faz-se necessário calcu-lar os indicadores de finanças públicas e estimar a função de regres-são múltipla (log-log) na tentativa de robustecer os resultados da pesquisa. Assim, nas duas seções que se seguem, apresentam-se o cálculo dos indicadores de finanças públicas e o modelo de regressão múltipla do tipo log-log.

2.1 Indicadores de finanças públicas relativos às receitas gover-namentais

Nesta seção apresentam-se alguns indicadores de finanças pú-

blicas, com o intuito de apontar o comportamento da arrecadação dos municípios cearenses. A análise desses indicadores gira em tor-no do exame das receitas, não se considerando, por assim dizer, as-pectos vinculados às despesas municipais, pois não é objeto deste es-tudo. 2 O município de São Luís do Curu teve seus dados excluídos do arquivo pela STN. Já os municípios de Carié, Ibaretama, Groaíras, Palmácia, São Benedito e Uruburetama não apresentaram seus dados até a data de divulgação dos dados na STN.

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A reflexão a ser desenvolvida acerca dos indicadores de Capa-cidade de Arrecadação Própria (CAP) e do Grau de Dependência (GD) decorre da compreensão de Riane (2002), que sistematiza em seu trabalho diversos indicadores de finanças públicas, dentre os quais se encontram os aqui escolhidos para o desenvolvimento desta pesquisa.

A CAP trata do quão robusta é a entidade federativa em ter-mos de arrecadação própria, ou seja, quanto de receita o ente gera por seu próprio esforço tributário. Para instâncias de governos mu-nicipais, os impostos que lhes são atribuídos correspondem ao Im-posto Predial Territorial Urbano (IPTU), Imposto Sobre Serviços (ISS) e o Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis e de direitos a eles relativos (ITBI). Estes constituem, assim, a denominada recei-ta tributária referente aos municípios (Além e Giambiagi, 1999; Re-zende, 2001).

Essas ponderações revelam como se dá a arrecadação própria das entidades municipais brasileiras. A geração de recursos é uma discussão premente do ponto de vista das gestões públicas nacionais, já que quanto maior for a capacidade alocativa de uma entidade go-vernamental, menos dependente ela se torna de recursos advindos de outras esferas de governo.

O indicador da CAP é obtido através da relação entre a Recei-ta Tributária (RT) e a Receita Corrente (RC), descrevendo-se a pro-porção da arrecadação municipal, frente a todo o conjunto de recei-tas da União. A expressão seguinte descreve essa relação:

CAP=RT/RC*100 (1)

O indicador acima reflete quanto as entidades municipais de-

pendem de recursos provenientes de esferas superiores, vale dizer, da União.

Em sua grande maioria, os municípios brasileiros são depen-dentes de recursos advindos de outras instâncias governamentais, em decorrência da suprema necessidade em gerar receitas para fazer frente aos dispêndios elevados incorridos pelas instâncias municipais brasileiras (REZENDE, 2001). Assim sendo, o cálculo do Grau de

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Dependência (GD) postulam que as receitas advindas de outras esfe-ras de governo, a partir de Transferências Intergovernamentais (TI), revelam o laço de dependência dos municípios em relação aos recur-sos federais. Posto isso, o indicador proposto por Riane (2002) pode ser sistematizado por:

GD=TI/ RC* 100 (2)

Esse índice demonstra de modo categórico, os distintos com-

portamentos da arrecadação que os municípios apresentam ao longo dos anos.

Após a operacionalização dos indicadores faz-se necessário es-tratificar os municípios referentes ao Estado em análise, com a fina-lidade de simplificar e/ou tornar mais adequado o exame dos índi-ces do estudo. Assim sendo, essa estratificação terá o seguinte aspec-to: os municípios foram ordenados de modo decrescente, através da receita corrente; a partir disso, os estratos foram montados em três grupos, a saber: os que arrecadam mais, os de arrecadação interme-diária e os que auferem menos recursos (Matos Filho, Silva e Viana, 2008)3

Os indicadores postados em estratos foram sistematizados por instrumentais estatísticos descritivos, tendo como ferramenta a mé-dia e o desvio padrão. Dito isto, cada grupo de município apresenta a média e o desvio padrão da CAP e do GD de todos os estratos, com vistas a compará-los e dar sentido de confronto à tipologia de pesquisa aqui adotada.

Para o caso da estimação do modelo de regressão múltipla (do tipo log-log), torna-se indispensável a utilização do método de estra-tificação, cujo objetivo é comparar os estimadores referentes a cada

3 Número de municípios por estrato: os 177 municípios cearenses em análise foram separados em três grupos – estrato I, 53 municípios; estrato II, 53 municípios; estrato III, 71 municípios. Disposição arbitrária Matos Filho, Silva e Viana (2008).

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um dos estratos4 dos municípios dos Estados em análise. A próxima seção demonstra esse método de forma mais detalhada.

2.2 Modelo de Regressão Múltipla do tipo log-log

Nesta seção pretende-se discutir de modo sintético o Modelo

de Regressão Múltipla. Todavia, não se almeja exibir o modelo de Mínimos Quadrados Ordinários (MQO), já que esse método é e-xaustivamente difundido pela literatura econométrica. Neste traba-lho procura-se apenas a utilização do modelo de MQO para o alcan-ce dos resultados esperados.

Conforme Gujarati (2005), a constituição do modelo de MQO busca estabelecer uma relação entre uma variável dependente ( )Y

em função de duas ou mais variáveis explicativas ( )KXXX ..., 21 ,

além da existência de um erro aleatório ( )ε . Dito isto, a composição deste instrumental econométrico perpassa por uma sistematização, que pode ser traduzida por:

Y = Xβ + ε (1) Onde ( )Y pode ser entendida como a variável explicada,

(X ) representa a matriz de variáveis exógenas ( )NxK 5, ( )β corres-ponde ao vetor de parâmetros da função de regressão ( )1Kx , e ( )ε assume o caráter de erro aleatório decorrente do processo de estima-ção, isto é, está associado aos desvios em relação à média amostral.6

Faz-se necessário mencionar que neste modelo existem o ( )Y

observado e o estimado ( )Y , cuja diferença entre eles reflete o erro

4 Para fins deste estudo, as palavras estrato e grupos aparecerão ao longo do texto como sinônimos, com o objetivo de evitar, na medida do possível, a repetição das palavras e melhorar a leitura. 5 N é o tamanho da amostra e K o rank da matriz. 6 As estimativas de MQO, neste caso, estão associadas à dimensão amostral.

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( )ε . Vale salientar que ( )Y é resultado do processo de estimação, o qual pode ser obtido a partir de:

iYˆ = 0β + 1β iX + iε i ( )K...1 .7 (2)

Assim sendo, pode-se agora determinar ( )ε , que é obtido

por: ε = Y - Y (3) Finalmente, é possível encontrar a equação linearizada de

MQO, que retrata o modelo de regressão múltipla do tipo log-log,

uma vez que é objetivo do estudo medir a variação de ( )Y median-te as variáveis explicativas. Para tanto, deve-se logaritimizar, tendo como resultado desse processo o que se segue:

ln ( )iY = 0β + 1β ln ( )iX + iε (4)

Após a exibição do modelo de regressão múltipla, faz-se ne-

cessário explicitar as variáveis cruciais do estudo, a saber: ( )Y é re-presentado pela Receita Corrente (RC), que responde a variações do conjunto de variáveis explicativas ( )X correspondente à Receita Tributária (RT), o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), às Outras Transferências Constitucionais (OTC), delas excluído o FPM. De fato, essa sistematização permite a utilização do modelo exposto na presente seção, viabilizando por esse motivo a existência do estudo em desenvolvimento8.

7 Para maiores detalhes referentes ao processo de derivação de β , consultar Johnston e Dinardo (2001) 8 Para efeito analítico foram tomadas as Transferências Intergovernamentais (TI) dividindo as em FPM e OTC, sendo a última igual a todas as TIs deduzidas o FPM. A finalidade é verificar o peso relativo das transferências e, além dessas, o FPM isoladamente sobre a RC, pois o FPM, como

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ln(Yi)= β0 + β1ln(X1) +β2ln(X2) + β3ln(X3) + ε (1)

Onde, β1 >0, β2 >0, β3 >0

yi = Receita Corrente, variável dependente a ser explicada

nos municípios i ;

x1 = Receita Tributária (RT)

x2 = Fundo de Participação dos Municípios (FPM)

x3 = Outras Transferências Constitucionais (OTC) ε = erro aleatório.

Uma vez demonstrado o modelo de regressão múltipla do tipo

log-log, torna-se imprescindível discutir os aspectos teóricos relativos à pesquisa, cujos fundamentos servirão de alicerce para justificar os resultados a serem obtidos pelos instrumentos apresentados na seção que por ora se encerra.

3. Análise descritiva de dados Na análise que se segue procura-se considerar a média e o

desvio padrão das variáveis em cada um dos estratos selecionados no estudo. Na tabela 1 observa-se que o estrato (I) apresenta média para a receita corrente no valor de R$ 123.099.774, com um desvio padrão da ordem de R$ 379.785.784. Cabe destacar que o fato de a capital do Estado estar localizada no estrato em discussão, provocou esse substancial desvio padrão em relação à média.

A receita tributária revelou a menor média dentre todas as va-riáveis elencadas (R$ 12.498.983) no estrato I, cujo desvio gravitou em torno de R$ 65.627.860. Vale frisar que Fortaleza, sozinha, é atesta Alem e Giambiagi (1999) é o recurso de transferência mais importante captado dos municípios.

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responsável por 72,5% da (RT), contrastando com o município de Mombaça que absorve apenas 0,04% da RT. Dinâmica esta capaz de justificar o elevado desvio em relação à média.

Tabela 1: Percentuais médios e desvio padrão das variáveis, da CAP e do GD dos

municípios do Ceará- estratos I, II e III

Municípios Cearenses – Valores em Reais (R$) de 2008

RC RT FPM OTC CAP GD

Estrato I Média 123.099.774 12.498.983 30.076.588 67.298.890 4,75 88,04

Desvio

Padrão 379.785.784 65.627.860 71.029.034 186.787.054 3,97 6,63

Estrato II

Média 25.520.592 739.821 10.434.558 13.464.967 2,89 93,71

Desvio

Padrão 3.684.765 255.808 1.183.929 2.551.694 0,88 2,65

Estrato

III Média 14.562.462 369.266 6.581.771 7.270.054 2,52 95,29

Desvio Padrão

3.407.841 179.517 1.543.769 1.794.974 1,08 1,95

Fonte: Elaborado pelos autores a partir de dados da STN

É plausível destacar que a média do FPM representou magni-

tude superior a 30 milhões de reais com desvio padrão (R$ 71.029.034), bastante significativo em virtude da substancial discre-pância entre os municípios presentes no estrato I. Fortaleza, por sua vez, deteve 32,25% das transferências (para os municípios do estrato – I), ao passo que Parambu foi responsável pela menor participação (0,79%).

Na variável OTC verifica-se a reprodução da trajetória até en-tão observada, uma vez que, a capital cearense absorveu 38,49% da verba na forma de Outras Transferências Correntes, sendo a menor participação referente ao município de Itaitinga, arrecadando 0,40%, com média de R$ 67.298.890 e desvio padrão de R$ 186.787.054.

Quanto à capacidade de arrecadação própria, esse indicador não demonstrou elevação, mesmo para os municípios do primeiro estrato. O esforço tributário individual de cada ente federativo cea-rense do estrato I frente à receita corrente apresentou média de 4,75%, com o desvio padrão significativamente alto devido às cons-

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tatações anteriormente apresentadas. Por consequência, o grau de dependência exibiu média de 88% e desvio da ordem de 6,63%, in-dicando a necessidade de recursos de transferências para ampliar a capacidade de arrecadação e, portanto, expandir o horizonte de gas-to dos municípios cearenses que fazem parte do estrato I.

No estrato II a diferença entre as esferas municipais desse gru-po é menos intensa, tendo maior grau de homogeneidade. Este resul-tado decorre da maior similaridade entre os municípios do grupo II, dado que o grupo I é composto por municípios que fazem parte da Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), apresentando elevada arrecadação municipal, estadual e federal vis-à-vis com os demais municípios que compõem o grupo I e detêm baixa arrecadação.

As médias e o desvio padrão das variáveis, no estrato II (for-mado por 53 municípios com receita intermediária), são significati-vamente inferiores às do estrato I (53 municípios com maior Receita Corrente). Nesse sentido, a Receita Corrente (RC) dos municípios do estrato II tem média de R$ 25.520.592 e o desvio padrão de R$ 3.684.765, observando-se que o desvio padrão do estrado II é inferi-or ao valor da média de sua Receita Corrente. Este resultado é dife-rente do observado no primeiro estrato, que tem o valor em reais do desvio padrão superior ao valor médio da Receita Corrente (RC). Portanto, fica claro o maior nível de homogeneidade entre as arre-cadações/receitas correntes dos municípios do grupo II em relação ao grupo I.

O município de Nova Russas, que faz parte do estrato II, de-tém a maior Receita Corrente (2,87%) desse grupo; por sua vez, Re-denção apresenta a menor arrecadação (0,95%) do estrato II. Verifi-ca-se, portanto, que entre os municípios do grupo II há menor dis-persão entre a Receita Corrente.

No que diz respeito à receita tributária, observa-se que a média correspondeu a R$ 739.821, cujo desvio padrão exibiu uma magni-tude da ordem de R$ 255.808. Para a variável FPM, a média do es-trato foi de R$ 10.431.558, apresentando desvio de R$ 1.183.929. Neste caso, o município de Várzea Alegre revelou o maior percentu-al de participação no total do FPM (2,60%), e o menor foi registrado em Saboeiro (1,45%). Assim, as receitas arrecadadas via FPM apre-senta maior homogeneidade ou menor dispersão em relação as Re-

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ceita Corrente (RC) e a Receita Tributária (RT) arrecadadas pelos entes federativos municipais que fazem parte do estrato II.

No tocante às Outras Transferências Constitucionais (OTC), observou-se média da ordem de R$ 13.464.967, substancialmente in-ferior ao evidenciado no estrato I, revelando um desvio de R$ 2.551.694, sendo um grupo que se caracterizou por maior conver-gência entre as esferas municipais. Para tanto, faz-se necessário res-saltar que entre os entes federativos estudados no estrato II, Tambo-ril apresentou o maior percentual (2,82%) de arrecadação de OTC, cabendo a Solonópole a menor participação percentual (1,30%).

No estrato III a média da receita corrente foi apenas de R$ 14.562.462. Cabe destacar que neste estrato estão os 71 municípios do Ceará com as menores arrecadações. Porém, o desvio em relação à média foi proporcionalmente menor que o constatado no estrato I, e superior ao contemplado no estrato II. A maior participação per-centual no total das receitas correntes dos municípios do estrato es-tudado foi registrada em Jijoca de Jericoacoara (3,60%); já o menor percentual foi registrado em Baixio (0,12%), justificando a existência de um desvio ainda elevado.

Por sua vez, o FPM apresentou média de R$ 6.581.771 e des-vio de R$ 1.543.769; nesta variável os municípios de Capistrano, Cariús, Alto Santo, Varjota, Morrinhos, Caridade e Catarina, apre-sentaram cada um, 2,05% da arrecadação total do FPM; já os muni-cípios que absorveram a menor parte da transferência auferiram 1,03%9. Na variável OTC, a média foi de RS 7.270.054 e o desvio de R$ 1.794.974. Entre os municípios do estrato III, a maior arrecada-ção (2,05%) coube ao município de Capistrano e a menor ao muni-cípio de Granjeiro (0,81%).

A média da Capacidade de Arrecadação Própria (CAP) do es-trato III foi significativamente baixa, com percentual de 2,52% e desvio padrão de 1,08%. Nesse contexto, observa-se alto grau de de-pendência, da ordem de 95,29% e desvio padrão de 1,95%, indican-do que os municípios cearenses que estão no grupo III são os que 9 São os municípios de Jaguaribara, Deputado Irapuan Pinheiro, Penaforte, Pires Ferreira, Tarrafas, Potengi, Arneiroz, Altaneira, General Sampaio, Moraújo, São João do Jaguaribe, Itaiçaba, Guaramiranga, Potiretama, Pacujá, Jati, Ererê, Umari, Baixio e Granjeiro.

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apresentam maior dependência de transferências governamentais (Estado e União). 4. Analise dos Dados da Regressão

Diante da discussão até aqui apresentada, cabe mencionar, a

partir de agora, o resultado da regressão múltipla (log-log) utilizada para os três estratos/grupos dos municípios do Ceará.

Estudo realizado para os Estados da Bahia, Ceará e Piauí, por Silva Filho e et al (2009) constatou elevado nível de dependência de transferências intergovernamentais por parte dos municípios das três unidades. O modelo de regressão utilizado pelos autores constatou que a variação da Receita Corrente (RC) é atribuída, em maior magnitude, à variação no FPM e nas Outras Transferências Consti-tucionais (OTC). Neste estudo, por sua vez, a Receita Tributária (RT) apresenta variação de menor intensidade na RC.

No estrato I, para o ano de 2008, a variação de um ponto per-centual na RC provoca variação de apenas 0,09% da RT. Este resul-tado é semelhante ao observado pelos autores citados acima, para o ano de 2007, no Ceará.

Tabela 2: Resultado da regressão múltipla (log-log) para a receita corrente dos municípios

do Ceará, estrato I - 2008

Ceará

Coeficiente p-value

INTERCEPTO 0,612008 <0,00639

Receita Tributária 0,097031 <0,00001

Fundo de Participação dos Municípios 0,396338 <0,00001

Outras Transferências Constitucionais 0,533158 <0,00001

Nº de observações 53

R² ajustado 0,996

p-value global 0

Fonte: Elaborado pelos autores a partir de dados da STN

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No estrato I, a maior variação na RC é atribuída à variável OTC, uma vez que, para a variação de um ponto percentual na RC, a variável OTC respondia por 0,53. Neste caso, a variável FPM re-presenta variação de 0,39. Com esses resultados, constata-se o ele-vado nível de participação de Outras Transferências Constitucionais na Receita Corrente dos municípios do Ceará, mesmo no primeiro grupo, que contempla os municípios com maior arrecadação do Es-tado.

Para o segundo estrato de municípios, a variável RT apresen-tou comportamento significativamente diferenciado do observado no primeiro estrato. No estrato II, para a variação de um ponto per-centual na RC, a RT varia somente 0,03. Concomitante a isso, a va-riável FPM assume outra dimensão neste estrato, contribuindo com 0,43 na variação de um ponto percentual na RC dos municípios do segundo grupo.

Tabela 3: Resultado da regressão múltipla (log-log) para a receita corrente dos

municípios do Ceará, estrato II.

Ceará

Coeficiente p-value

INTERCEPTO 0,829133 <0,14967

Receita Tributária 0,036221 <0,00657

Fundo de Participação dos Municípios 0,432074 <0,00001

Outras Transferências Constitucionais 0,533487 <0,00001

Nº de observações 53

R² ajustado 0,965

p-value global 0

Fonte: Elaborado pelos autores a partir de dados da STN

As Outras Transferências Constitucionais (OTC) mantêm o

mesmo comportamento observado nos municípios do primeiro gru-po (0,53). Neste caso, constata-se também que os valores assumidos pelas variáveis são estatisticamente significativos a um nível de 1%.

No terceiro grupo de municípios, as alterações ocorrem de forma mais significativa na variável do Fundo de Participação dos

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Municípios (FPM). Esta aumenta o seu valor do estrato I (0,39), pa-ra o estrato II (0,43), e desta para o estrato III (0,48). Neste último, ela assume variação de 0,41, para a variação de um ponto percentual na variável dependente.

Tabela 4: Resultado da regressão múltipla (log-log) para a receita corrente dos

municípios do Ceará, estrato III.

Ceará

Coeficiente p-value

INTERCEPTO 0,415734 <0,00482

Receita Tributária 0,020052 <0,00003

Fundo de Participação dos Municípios 0,488321 <0,00001

Outras Transferências Constitucionais 0,516386 <0,00001

Nº de observações 71

R² ajustado 0,995

p-value global 0

Fonte: Elaborado pelos autores a partir de dados da STN

Já a variável Outras Transferências Constitucionais (OTC),

quando comparada aos estratos I e II, no estrato III, reduz a sua par-ticipação para explicar a variação na variável dependente. Neste grupo, ela passa a responder por 0,51 na variação de um ponto per-centual na Receita Corrente, embora esta ainda seja a de maior par-ticipação na variação da variável explicada. Por outro lado, a Recei-ta Tributária passa a explicar somente 0,02 na variação da RC. Os resultados são estatisticamente significativos em nível de significân-cia de 1%, com o R² bastante elevado (0,995), já que são essas variá-veis que explicam seguramente a variação na RC nos municípios do Ceará. 5. Considerações Finais

O objetivo deste artigo foi avaliar o nível de participação de

cada um dos componentes da receita corrente dos municípios cea-renses. Para tanto, utilizou-se como componente das Receitas Cor-rentes, a Receita Tributária, o Fundo de Participação dos Municí-pios e a partir das demais transferências constitucionais utilizou-se a

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variável Outras Transferências Constitucionais. O modelo de regres-são (log-log) utilizado teve como objetivo mensurar o nível de parti-cipação de cada uma das variáveis explicativas, dada a variação de um ponto percentual na variável explicada.

A partir da discussão apresentada na introdução deste traba-lho, observa-se que nos municípios cearenses reproduzem o elevado nível de dependência de transferências constitucionais, dinâmica es-ta observada em grande quantidade dos municípios brasileiros, so-bretudo, em municípios pequenos, notadamente localizados no Nordeste do Brasil. Acrescente-se, ainda, o elevado Grau de Depen-dência dos municípios do Ceará e, consequentemente, o baixo nível da Capacidade de Arrecadação Própria, em todos os estratos.

Observou-se, assim, elevado nível de participação do Fundo de Participação dos Municípios - FPM e de Outras Transferências Constitucionais - OTC na Receita Corrente dos municípios do Cea-rá, que, mesmo no primeiro grupo, mostrou-se significativamente elevado. Assim, a baixa participação da componente Receita Tribu-tária também foi constatada. Neste caso, quanto mais baixa a parti-cipação desta variável, maior o nível de dependência. Cabe acrescen-tar que, o desvio padrão da média dos municípios deste grupo tam-bém foi significativamente superior a média. Isso ocorreu, sobretu-do, pelo fato de a capital cearense estar neste estrato e apresentar e-levado nível de discrepância dos demais municípios do grupo.

A partir do segundo grupo, o desvio padrão da média é mais comportado, indicando maior semelhança entre os municípios que compõem o estrato II. Nesse grupo, reduz-se ainda mais a participa-ção da Receita Tributária na variação da Receita Corrente dos mu-nicípios aumentando, por sua vez, a participação da variável FPM na variação da Receita Corrente. O grau de dependência é superior ao observado no primeiro estrato, e a capacidade de Arrecadação Própria significativamente inferior.

No último estrato, os municípios selecionados demonstram maior grau de dependência de Transferências Constitucionais nas suas receitas. A variável Receita Tributária reduz sua participação na variação da Receita Corrente. Contudo, aumenta a participação da variável FPM na variação da RC. Dessa forma, o grau de depen-dência mostrou-se também elevado, reduzindo, consequentemente,

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a capacidade de arrecadação própria desses municípios no ano de 2008.

Por fim, o que fica evidente é o elevado nível de dependência de Transferências Constitucionais, dos municípios cearenses, em su-as Receitas Correntes. Acrescente-se que os resultados foram evi-denciados pela Capacidade de Arrecadação Própria e o Grau de De-pendência, e ratificados pelo modelo de regressão utilizado. Desta forma, faz-se necessário aumentar a Capacidade de Arrecadação Própria dos municípios, a partir de políticas de arrecadação e im-plementação de novas fontes de receitas nas unidades municipais. Referências

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