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Tribunal de Justiça de Minas Gerais 1.0024.13.121788-7/002 Número do 1217887- Númeração Des.(a) Sálvio Chaves Relator: Des.(a) Paulo Calmon Nogueira da Gama Relator do Acordão: 02/10/2014 Data do Julgamento: 10/10/2014 Data da Publicação: EMBARGOS INFRINGENTES - DELITO DE DESOBEDIÊNCIA EM DECORRÊNCIA DO DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA - PREJUDICIAL DE MÉRITO - ATIPICIDADE DA CONDUTA - MEIO IMPRÓPRIO - MÉRITO - COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DO FEITO - 14ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE BELO HORIZONTE - VARA ESPECIALIZADA PARA O JULGAMENTO E EXECUÇÃO DAS CAUSAS DECORRENTES DA PRÁTICA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER - EMBARGOS NÃO ACOLHIDOS. - A alegação defensiva de que o crime por cuja suposta autoria o embargante está sendo investigado seria atípico, o meio eleito afigura-se impróprio para que seja exarada tal declaração. - Apesar de figurar o Estado como sujeito passivo do crime de desobediência, o fato de o referido delito ter sido cometido em âmbito familiar faz com que a mulher seja a vítima mediata e individuada da desobediência, e justamente quem sofre seus efeitos mais concretos, o que atrai a aplicação da Lei Maria da Penha, cujo escopo é o de maior proteção da mulher - daí o caráter multidisciplinar da referida lei. - Em se tratando de desobediência a decisão judicial que fixa medida protetiva constante da Lei Maria da Penha, competente a Vara Especializada, nas Comarcas onde houver, atribuída para o julgamento e execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher. V.V.: É possível reconhecer a atipicidade delituosa, porque o Superior Tribunal de Justiça, já assentou se tratar o tema de questão de ordem pública (STJ - AgRg no REsp 666732/RS; Rel. Min. Celso Limongi; DJ 23/11/09). 1

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Tribunal de Justiça de Minas Gerais

1.0024.13.121788-7/002Número do 1217887-Númeração

Des.(a) Sálvio ChavesRelator:

Des.(a) Paulo Calmon Nogueira da GamaRelator do Acordão:

02/10/2014Data do Julgamento:

10/10/2014Data da Publicação:

EMBARGOS INFRINGENTES - DELITO DE DESOBEDIÊNCIA EMDECORRÊNCIA DO DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA -PREJUDICIAL DE MÉRITO - ATIPICIDADE DA CONDUTA - MEIOIMPRÓPRIO - MÉRITO - COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DO FEITO -14ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE BELO HORIZONTE - VARAESPECIALIZADA PARA O JULGAMENTO E EXECUÇÃO DAS CAUSASDECORRENTES DA PRÁTICA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIARCONTRA A MULHER - EMBARGOS NÃO ACOLHIDOS.

- A alegação defensiva de que o crime por cuja suposta autoria o embarganteestá sendo investigado seria atípico, o meio eleito afigura-se impróprio paraque seja exarada tal declaração.

- Apesar de figurar o Estado como sujeito passivo do crime dedesobediência, o fato de o referido delito ter sido cometido em âmbito familiarfaz com que a mulher seja a vítima mediata e individuada da desobediência,e justamente quem sofre seus efeitos mais concretos, o que atrai a aplicaçãoda Lei Maria da Penha, cujo escopo é o de maior proteção da mulher - daí ocaráter multidisciplinar da referida lei.

- Em se tratando de desobediência a decisão judicial que fixa medidaprotetiva constante da Lei Maria da Penha, competente a VaraEspecializada, nas Comarcas onde houver, atribuída para o julgamento eexecução das causas decorrentes da prática de violência doméstica efamiliar contra a mulher. V.V.: É possível reconhecer a atipicidade delituosa,porque o Superior Tribunal de Justiça, já assentou se tratar o tema dequestão de ordem pública (STJ - AgRg no REsp 666732/RS; Rel. Min. CelsoLimongi; DJ 23/11/09).

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EMB INFRING E DE NULIDADE Nº 1.0024.13.121788-7/002 - COMARCADE BELO HORIZONTE - EMBARGANTE(S): HERIVELTON MOREIRA DACOSTA - EMBARGADO(A)(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DEMINAS GERAIS - VÍTIMA: GLEISE MARA DE OLIVEIRA

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 7ª CÂMARA CRIMINAL doTribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dosjulgamentos, afastar a prejudicial mérito, vencido o relator, e não acolher osembargos infringentes, vencidos o Relator e o 1° Vogal.

DES. SÁLVIO CHAVES

RELATOR.

DES. PAULO CALMON NOGUEIRA DA GAMA

RELATOR PARA O ACÓRDÃO.

DES. SÁLVIO CHAVES (RELATOR)

V O T O

O Ministério Público do Estado de Minas Gerais ofereceu denúncia contraHERIVELTON MOREIRA DA COSTA, tendo-o como incurso nas sanções doart. 359 do CP, em decorrência de evento ocorrido em 02/02/2013.

Em dado momento processual foi declinada da competência,determinado o desapensamento dos autos e a sua remessa para uma dasvaras criminais da Justiça Comum.

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Inconformado recorreu o Ministério Público Estadual, por intermédio doacórdão de fls. 86/100 seu recurso foi provido, vencido o Des. 1º Vogal.

Em face de referido acórdão a defesa interpõe os presentes embargosinfringentes, razões às fls. 106/137 oportunidade em que alega que no cursodo processo arguiu questão de ordem pública, no sentido de que a condutaque lhe é atribuída é atípica, pois não caracterizadora do crime do art. 359 doCP.

Sustenta que o descumprimento de medida protetiva regida pela Lei11.340/06, enseja a aplicação do previsto no art. 313, III do

CPP.Em sequência alega que caso ultrapassada a questão acima ventilada,entende ser o caso de se acolher o entendimento esposado pelo e. Des. 1ºVogal no sentido de que o caso não deve tramitar pelas VarasEspecializadas em Violência Doméstica, tendo em vista que a vítima nocrime do art. 359 do CP não é a mulher, mas a administração da justiça,sendo o Estado, em última análise, o ofendido pela conduta.

Assevera que inclusive o juízo que se declarou incompetente para ojulgamento está impedido para decidir o caso, pois ele é na verdade aautoridade que teve a ordem judicial desrespeitada, tem assim interesse nacausa.

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Requer ao final seja dado provimento ao recurso.

Contrarrazões às fl. 150 em que se requer o não provimento do recursoaviado.

Este é o relatório do necessário. Decido.

Conheço do recurso por ser o mesmo próprio e tempestivo.

De fato, é possível a apreciação da questão erigida pela defesa, ou seja,de que a conduta praticada é atípica, não caracterizadora de crime algum,em particular o previsto no art. 359 do CP.

Inclusive nestes exatos termos assim já me manifestei quando dojulgamento da Apelação Criminal nº: 1.0408.13.000684-9/001 e do Recursoem Sentido Estrito Nº 1.0259.12.000890-1/001, julgados em que atuei comoDes. Vogal.

Esclareça-se que tal tema pode ser valorado até mesmo de ofício, por serquestão de ordem pública, sendo assim, passa-se a sua análise de pronto,inclusive, por ser prejudicial a todas as demais questões.

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Ora, processar alguém por algo que não pode ser considerado crime éinequívoco constrangimento ilegal, data vênia, nos exatos termos dos artigos647 e seguintes do CPP.

Como dito, o prosseguimento da presente ação penal está a suscitar realconstrangimento ilegal do réu, ensejando a aplicação ao caso do art. 654, §2º, do Código de Processo Penal a justificar a avaliação típica da ação queresultou no oferecimento da denúncia. Nesse contexto, independentementeda questão ter sido ou não objeto de divergência ou apreciação maisaprofundada o tema deve ser submetido a julgamento aos integrantes destaeg. Câmara Criminal.

De mais a mais, é possível reconhecer a atipicidade delituosa, porque oSuperior Tribunal de Justiça, já assentou se tratar de questão de ordempública (STJ - AgRg no REsp 666732/RS; Rel. Min. Celso Limongi; DJ23/11/09), logo, a parte sequer precisaria alegá-la, bastaria o juízoreconhecer a questão e apreciá-la.

Com efeito, não é possível se ignorar que está evidente, até mesmo pelaprópria descrição dos fatos contida na denúncia, que a presente ação penalfoi proposta em virtude de o acusado ter descumprido uma medida cautelar,essa proferida nos termos da Lei 11.340/2006, que trata do combate aviolência doméstica-familiar. Decisão essa que se encontra reprografada àsfls.05/06, sendo que de seu conteúdo o denunciado foi devidamenteintimado, cientificado, fls. 20/22.

Inclusive às fls. 07/08 existe peça subscrita pelo ente ministerial

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em que comunica ao Juízo o descumprimento por parte do denunciado dasmedidas protetivas deferidas na peça de fls.05/06.

Ora, desnecessária qualquer dilação probatória para se resolver aquestão, isso porque, já se sabe qual é o fato praticado e qual a sua origem.

Cumpre esclarecer que o entendimento doutrinário e jurisprudencialdominante, ao qual me filio, entende que se pela desobediência de algumaordem judicial houver uma sanção específica, essa prevista em lei, nãoestará caracterizado o delito previsto no art. 359 do CP, a conduta é atípicado ponto de vista jurídico-penal.

Lembre-se, a partir do instante em que o agente descumpre qualquermedida protetiva prevista na Lei nº 11.343/06, no próprio artigo 20 de referidodiploma legal já existe a previsão da conseqüência jurídica de tal ato. Aindaem arremate a referida previsão, incide ao caso o previsto no art. 313, III doCPP, ou seja, a análise conjunta destes dois dispositivos legais autoriza adecretação da prisão preventiva, não ressalvando a possibilidade deaplicação de qualquer outra sanção, de modo que resulta inviabilizado oreconhecimento do delito de desobediência geral (CP, artigo 330) ou mesmode desobediência específica (CP, artigo 359).

Confira-se:

"Art. 20. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal,caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz,

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de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação daautoridade policial".

"Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretaçãoda prisão preventiva(...)

III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher,criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, paragarantir a execução das medidas protetivas de urgência".

De se concluir que várias serão as hipóteses em que, emboraobjetivamente uma ordem judicial tenha sido descumprida, não estarácaracterizado o crime de desobediência, havendo apenas outras espécies de"sanções", ou melhor, consequências jurídicas.

Em resumo, as medidas protetivas previstas na Lei 11.340/06 sãomedidas cautelares e mais, são progressivas, podendo evoluir até a prisãopreventiva, caso as mais brandas se mostrem insuficientes para proteger avítima.

Outro exemplo é o caso de um reeducando que venha a descumprir apena restritiva de direito que lhe foi imposta, a consequência é a reconversãopara pena privativa de liberdade. Fica feito o registro.

A propósito, o doutrinador Rogério Greco, ao citar os ensinamentos doautor Nelson Hungria, elucida:

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Esclarece Hungria: "Se, pela desobediência de tal ou qual ordem oficial,alguma lei comina determinada penalidade administrativa ou civil, não deveráreconhecer o crime em exame, salvo se a dita lei ressalvar expressamente acumulativa aplicação do art. 330 (ex.: a testemunha faltosa, segundo o art.219 do Cód. De Proc. Penal, está sujeita não só a prisão administrativa epagamento das custas da diligência da intimação, com o 'processo penal porcrime de desobediência')", ao contrário do que ocorre com a testemunhareferida pelo art. 412 do Código de Processo Civil, que prevê, tão somente, asua condução perante o juízo, bem como o pagamento pelas despesas doadiantamento da audiência. (GRECO, Rogério. "Código Pena Comentado".Niterói, RJ: Impetus, 2010, 4 ed. rev. ampl. atual., pág. 875).

Mesmo que eventualmente o Magistrado, ao impor a referida medidaprotetiva, advertisse o acusado quanto ao risco de incorrer no delito dedesobediência, tal advertência não encontraria sustentação legal.

A propósito, em casos similares assim já decidiu:

"Como de fato, de acordo com a doutrina e jurisprudência dominantes, salvoprevisão expressa, se pela desobediência de alguma ordem judicial houversanção específica prevista em lei, não restará caracterizado o crime dedesobediência. Nessa esteira, no caso está configurada a hipótese deatipicidade da conduta, ante a inexistência de previsão legal para a aplicaçãocumulativa das sanções previstas no Código Penal, nas hipóteses dedescumprimento das medidas preventivas impostas com base na leiextravagante. A embriaguez voluntária não exclui a ilicitude do fato típico,tampouco a imputabilidade, conforme art. 28, II CP" (TJMG - Apelação Crimenº 1.0408.10.002126-5/001; Relator Desembargador Paulo Cézar Dias,julgado em 30/08/2011).

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"EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - DESOBEDIÊNCIA A DECISÃOJUDICIAL SOBRE A PERDA OU SUSPENSÃO DE DIREITO - RECURSOMINISTERIAL - AUSÊNCIA DE PROVA DA EXISTÊNCIA DE DECISÃOJUDICIAL QUE PRIVAVA O RÉU DE SE APROXIMAR OU COMUNICARCOM A VÍTIMA AO TEMPO DOS FATOS - DESCUMPRIMENTO QUEENSEJA A DECRETAÇÃO DE PRISÃO PREVENTIVA - CONDUTA ATÍPICA- INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 313, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL -ABSOLVIÇÃO MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO. - Não havendo provada existência de decisão judicial que privava o réu de se aproximar oucomunicar com a vítima, ao tempo dos fatos consignados na denúncia,considerando, ainda, que o descumprimento de medidas protetivas enseja, ateor do artigo 313, III, do CPP, a decretação de prisão preventiva, nãoconfigurando, por si só, conduta típica, imperiosa a manutenção daabsolvição pela prática do crime do artigo 359, do Código Penal. (TJMG,APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1.0123.12.001489-9/001 - COMARCA DECAPELINHA - APELANTE(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DEMINAS GERAIS - APELADO(A)(S): JOSÉ LOPES CAMPOS - 2ª CâmaraCriminal - Relator: Des.(a) Nelson Missias de Morais - Data de Julgamento:29/11/2012 - Data da Publicação: 19/12/2012).

"EMENTA: "HABEAS CORPUS" - CRIME DE DESOBEDIÊNCIA -T R A N C A M E N T O D A A Ç Ã O P E N A L - P O S S I B I L I D A D E -DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA - LEI Nº 11.340/06 -CONDUTA ATÍPICA - ORDEM CONCEDIDA. - De acordo com oentendimento do Supremo Tribunal Federal, o trancamento da ação penal émedida de exceção, devendo ser adotada somente quando for demonstrada,de plano, a ausência de justa causa, em razão da atipicidade da conduta,causa extintiva da punibilidade ou inexistência de indícios de autoria. - Deacordo com o entendimento doutrinário e jurisprudencial dominante, se peladesobediência de alguma ordem judicial houver sanção específica descritaem lei, não restará configurado o delito previsto no art. 330 do CP. Nessesentido, no caso está configurada a atipicidade da conduta do paciente,tendo em vista que a penalidade prevista para os casos de descumprimentode medidas protetivas impostas com base na Lei nº 11.340/06 é a prisão

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preventiva, nos termos do art. 20 da referida lei".(TJMG - HABEAS CORPUSNº 1.0000.14.045698-9/000 - COMARCA DE SABARÁ - 2ª CÂMARACRIMINAL - DES. CATTA PRETA - RELATOR; j. 07/08/2014).

"EMENTA: APELAÇÕES CRIMINAIS - VIOLÊNCIA DOMÉSTICA - CRIMEDE AMEAÇA - CARACTERIZAÇÃO - DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAPROTETIVA ANTERIORMENTE EST IPULADA - CRIME DEDESOBEDIÊNCIA A DECISÃO JUDICIAL SOBRE SUSPENSÃO DEDIREITO - NÃO CARACTERIZAÇÃO - RECURSOS NÃO PROVIDOS. - Porse tratar de crime formal, o delito previsto no art. 147, do Código Penal,dispensa a comprovação de que a vítima se sinta ameaçada e de vir a seconcretizar o mal prometido. - O descumprimento de medidas protetivasdeferidas em favor da vítima, com base na "Lei Maria da Penha", nãocaracteriza os crimes de desobediência ou desobediência a decisão judicialsobre perda ou suspensão de direito, previstos respectivamente nos artigos330 e 359, ambos do Código Penal, pois as medidas protetivas previstas naLei 11.340/2006 são cautelares e visam proteger as vítimas de abuso porparte de seus agressores.- Recursos não providos".(TJMG - APELAÇÃOCRIMINAL Nº 1.0223.11.025611-0/001 - 4ª CÂMARA CRIMINAL - DES.CORRÊA CAMARGO - RELATOR; j. 06/08/2014).

Diante do exposto, em habeas corpus, nos termos do art. 654, § 2º, doCódigo de Processo Penal, absolvo o réu HERILVELTON MOREIRA DACOSTA das imputações contidas na denúncia - crime do art. 359 do CP, nostermos do art. 386, inciso III do Código de Processo Penal. Restamprejudicados todos os demais temas alegados pela parte.

DES. PAULO CALMON NOGUEIRA DA GAMA (REVISOR)

Com a devida vênia do eminente Des. Relator divirjo de seu judiciosovoto.

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Com efeito, em relação à atipicidade da conduta atribuída aoembargante, esclareço que tal alegação sequer foi objeto de divergênciaquando do julgamento do Recurso em Sentido Estrito.

Todavia, a combatida defesa opôs embargos infringentes (f.106) e, emprejudicial de mérito, ao argumento que se trata de matéria de ordem pública,requereu o reconhecimento da atipicidade da conduta atribuída aoembargante.

Com efeito, entendo que a análise de (a)tipicidade de conduta não setrata de matéria de ordem, cognoscível a qualquer tempo e grau, mas típicotema que envolve o próprio cerne da causa penal, razão pela qual mantenhomeu posicionamento quando do julgamento do Recurso em Sentido Estrito,no qual fui Relator, ocasião em que assim manifestei acerca do tema:

Relativamente à alegação defensiva - corroborada em petição de fs. 79/80 -,apresentada em sede de contrarrazões, de que o crime por cuja supostaautoria o recorrido está sendo investigado seria atípico, o meio eleito afigura-se impróprio para que seja exarada tal declaração. Ademais, temerário,porque sobremodo preambular o estágio em que se encontra o feito, atribuiratipicidade à conduta a ele imputada, certo que a análise respectiva é de serreservada ao juízo da cognição, ficando o tema passível de submissão àinstância revisional ao tempo e ao modo próprios.

Com essas considerações, afasto a prejudicial meritória suscitada peladefesa.

DES. MARCÍLIO EUSTÁQUIO SANTOS

Após atentamente analisar os autos, bem como os judiciosos votos queme precederam, peço vênia ao eminente Desembargador Relator para aderirà divergência inaugurada pelo ilustre

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Desembargador 1º Vogal, votando no sentido de afastar a questão prejudicialsuscitada pelo ora embargante, pelos mesmos motivos já expostos noescorreito voto apresentado.

É como voto.

DES. CÁSSIO SALOMÉ

Concessa vênia à solução vislumbrada pelo e. Desembargador Relator,adiro ao voto do ilustre Desembargador Revisor para afastar a questãoprejudicial de mérito alavancada pelo embargante.

DES. AGOSTINHO GOMES DE AZEVEDO

No presente caso, faço coro com o entendimento esposado peloeminente Desembargador Revisor, a fim de afastar a questão prejudiciallevantada pelo ora embargante.

DES. SÁLVIO CHAVES (RELATOR)

V O T O

Dando sequência, ultrapassada a questão prejudicial, vencido esteMagistrado, mesmo entendendo que a conduta é atípica e que não existelugar para eventual ação penal, dou continuidade ao julgamento, isso paraque o presente debate não se eternize. Ou seja, aprecio a questão de fundoe, quanto a ela, serei breve.

Meu voto é no sentido de acolher os embargos, pois estamos diante deum fato autônomo completamente separável do âmbito da violênciadoméstica familiar, o suposto sujeito passivo aqui é o

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Estado.

Assim, mantendo meu posicionamento a respeito do tema, confira-se:

"PROCESSUAL PENAL - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - ARTIGO581, II DO CPP - JUÍZO COMUM E JUIZADO ESPECIAL - VIOLAÇÃO DEMEDIDAS PROTETIVAS EM VIOLÊNCIA DOMÉSTICA - DENÚNCIAEXCLUSIVA PELO DELITO PREVISTO NO ART. 359 DO CP - NATUREZACOMPLETAMENTE AUTÔNOMA - INFRAÇÃO PENAL DE MENORPOTENCIAL OFENSIVO - PRECEDENTE JURISPRUDENCIAL -COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL - COMPETÊNCIA DECLINADA -ACERTO - RECURSO NÃO PROVIDO. Inexistindo concurso de infrações,sendo a denúncia exclusiva pelo cometimento do delito do art. 359 do CP,por conta de possível violação a medida protetiva prevista na Lei nº:11.340/06, tal delito é de menor potencial ofensivo, pelo que, os autos devemser remetidos ao Juizado Especial, nos termos da Lei 9.099/95. Precedentejurisprudencial do STJ. V.V.: (...) (Rec em Sentido Estrito 1.0024.12.219816-1/001, Relator(a): Des.(a) Sálvio Chaves , 7ª CÂMARA CRIMINAL,julgamento em 30/01/2014, publicação da súmula em 07/02/2014)".

A competência para julgamento do feito é do Juizado Especial Criminalda Capital, nos termos do voto do e. Des. Marcílio Eustáquio dos Santos,como dito, vencido quanto a prejudicial, no mérito, acolho os embargos.

Resta prejudicado o argumento de eventual impedimento do Juízo deOrigem.

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Custas pelo Estado.

É como voto.

DES. PAULO CALMON NOGUEIRA DA GAMA (REVISOR)

Quanto à competência para o julgamento da suposta prática de crime dedesobediência envolvendo o descumprimento de medida protetiva impostano âmbito da Lei Maria da Penha, mantenho, pois, o entendimento esposadopor mim, como Relator, quando do julgamento do recurso em sentido estrito,conforme deixei consignado naquela oportunidade:

Pleiteia o Parquet a reforma da decisão objurgada, sustentando sercompetente o Juízo da 14ª Vara Criminal da Comarca de Belo Horizonte,materialmente especializado em violência doméstica e familiar.

Apesar de ser indiscutível que o Estado é o sujeito passivo imediato do crimede desobediência, o fato de o referido delito ter sido cometido em âmbitofamiliar faz com que a mulher seja vítima individuada e mediata dadesobediência, e justamente quem sofre seus efeitos mais concretos, o queatrai a aplicação da Lei Maria da Penha, cujo escopo é o de maior proteçãoda mulher - daí o caráter multidisciplinar da referida lei.

Neste contexto, cumpre ressaltar que o artigo 14 da Lei n° 11.340/06 éexpresso ao determinar:

Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos daJustiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pelaUnião, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos

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Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causasdecorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.

E o artigo 41 do mencionado Diploma dispõe que:

Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra amulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099,de 26 de setembro de 1995.

Dessa forma, tratando-se, in casu, da suposta prática de crime dedesobediência envolvendo o descumprimento de medida protetiva impostano âmbito da Lei Maria da Penha, conclui-se que compete ao Juízo da 14ªVara Criminal desta Capital o julgamento e a execução das causas ejulgados decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra amulher.

Tal entendimento, a meu ver, é o que melhor atende ao espírito primordial dalei, qual seja, o de criar mecanismos para coibir a violência doméstica efamiliar contra a mulher, já que afasta a aplicação da Lei dos JuizadosEspeciais e, por conseguinte, os benefícios e privilégios penais insertos nareferida Lei.

Ora, tendo por base o caso em apreço, verifica-se, conforme mencionado emdecisão de fs. 07/08 - que determinou a cautelaridade insculpida no artigo 22,§ 1º, da Lei Maria da Penha -, que "[...] o requerido insiste em descumprir asmedidas protetivas deferidas em favor da ofendida, utilizando-se para burlá-las, demonstrando desrespeito à determinação judicial" (f. 07).

De mais a mais, cumpre pontuar que ganha vigor a corrente que defende quea competência da Especializada se justificaria pela presença da conexãoinstrumental ou probatória, prevista no artigo 76, inciso III, do Código deProcesso Penal, quando a prova de uma infração ou de qualquer de suascircunstâncias elementares influir na prova de outra infração.

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A propósito, afigura-se mesmo patente a conexão probatória ou instrumentalentre o delito de desobediência e o ilícito que ensejou a aplicação dasmedidas protetivas (artigo 76, III, do CPP), a apontar, por coerência, maiorsegurança e celeridade, o julgamento perante o mesmo juízo.

Sobre o assunto, Eugênio Paccelli de Oliveira ensina que:

A realidade dos fenômenos da vida nos mostra que pode haver, entre dois oumais fatos de relevância penal, alguma espécie de liame, de ligação, seja denatureza subjetiva, no campo das intenções, motivações e do dolo, sejaainda de natureza objetiva, em referência às circunstâncias de fato, comosejam, o lugar, o tempo e o modo de execução da conduta delituosa. Emuma palavra, pode haver entre eles conexão, hipóteses concretas deaproximação entre um e outro evento, a estabelecer entre eles um pontoafinidade, de contato ou de influência na respectiva apuração. (Curso deProcesso Penal, 5ª ed., 2ª tiragem - rev. atual. ampl., Belo Horizonte, DelRey, 2005, pg. 240).

Em caso análogo ao em apreço, já decidiu este egrégio Tribunal de Justiça:

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO - JUIZADO ESPECIALCRIMINAL VERSUS VARA CRIMINAL - DELITO DE DESOBEDIÊNCIADECORRENTE DE DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS - LEIMARIA DA PENHA - COMPETÊNCIA DA VARA CRIMINAL (ART. 33 DA LEI11.340/06) - CONEXÃO INSTRUMENTAL - DECLARADA A COMPETÊNCIADO JUÍZO DA 1ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE MONTESCLAROS/MG. 1. Encontrando-se o delito de desobediência circunstanciadopelas situações de violência doméstica, eis que decorre do descumprimentode medida protetiva de urgência, a competência para processá-lo e julgá-lo,enquanto não instituídos os Juizados de Violência Doméstica e Familiarcontra a Mulher, é da Vara Criminal. 2. A mulher, embora não seja sujeitopassivo direto do delito de desobediência, é ao menos sujeito passivoindireto, já que no plano real é a pessoa atingida diretamente pelomencionado delito. 3. O crime de desobediência à ordem judicial, que fixavamedidas

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protetivas em favor da mulher, em razão de violência doméstica, devetramitar nos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e,enquanto não estruturados os mencionados Juizados, nas Varas Criminais,ante a conexão existente entre o delito previsto no artigo 330, do CódigoPenal Brasileiro e as condutas tipificadas na Lei 11.340/06, uma vez que odelito de desobediência é decorrência lógica da ordem judicial prolatada,anteriormente, determinando a fixação das medidas protetivas em favor damulher. (Conflito de Jurisdição 1.0000.12.061601-6/000, Relator(a): Des.(a)Rubens Gabriel Soares , 6ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 03/07/2012,publicação da súmula em 13/07/2012)

Sob, ainda, outra ótica, manifestou-se o ilustre Promotor de JustiçaGuilherme de Sá Meneghin acerca da incidência da Lei Maria da Penha emface do descumprimento de medida protetiva, em artigo publicado na RevistaJUS nº 28, de 2013, que, por pertinente, trago à baila:

Decerto, a chave para decidir a querela está no artigo 7º da Lei Maria daPenha. Segundo esse dispositivo, a violência doméstica e familiar contra amulher pode se dar de variadas formas. Assim, não estabelece, a priori,quais infrações penais podem ser caracterizadas como violência contramulher no âmbito doméstico, elencando apenas os critérios hermenêuticospara sua incidência. Confira na íntegra as espécies previstas em lei:

Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entreoutras:

I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda suaintegridade ou saúde corporal;

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe causedano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe

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prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar oucontrolar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, medianteameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilânciaconstante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização,exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhecause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja apresenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada,mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza acomercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que aimpeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio,à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem,suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitossexuais e reprodutivos;

IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configureretenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentosde trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursoseconômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configurecalúnia, difamação ou injúria.

Em teoria, qualquer infração penal pode ter a incidência da Lei Maria daPenha, o que inclui estupro, homicídio, lesões corporais, dano, furto, vias defato, ameaça, maus tratos, tortura, violação de domicílio, sequestro, cárcereprivado, a lista é quase interminável. Veja que não se inclui apenas crimescontra a pessoa; o dano e o furto, para ilustrar, são delitos patrimoniais epodem ser aplicados com as normas especiais de proteção da mulher.Assim, se o agressor quebrar bens da vítima pode ser preso em flagrante enão tem direito aos benefícios da Lei n. 9.099, de 1995, como rotineiramenteacontece.

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Por óbvio, seria bizarro, inconcebível, aplicar a lei em um crime de fraude àlicitação, por exemplo. Mas no caso da desobediência, em que as medidasprotetivas são previstas na própria lei, fica evidente a pertinência temática.Há uma clara violência psicológica no comportamento do agressor quedescumpre medidas protetivas, pois perturba sobremaneira a tranquilidadeda vítima que, mesmo contando com uma ordem judicial, fica sujeita aosdesvarios do agressor. Haveria, por conseguinte, incidência do artigo 7º,inciso II, da Lei, acima transcrito. Ademais, a expressão "entre outras" nofinal do caput do mencionado artigo revela que trata-se de uma normaaberta, abarcando outras formas de violência doméstica contra a mulher, oque também resultaria no enquadramento do crime de desobediência.

Dessarte, à luz dos argumentos expendidos, entendo pela competência donobre Juiz de Direito da 14ª Vara Criminal da Comarca de Belo Horizonte,especializada para o julgamento e execução das causas decorrentes daprática de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Ante o exposto, afastada a prejudicial meritória suscitada pela defesa,NÃO ACOLHO OS EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE.

É como voto.

DES. MARCÍLIO EUSTÁQUIO SANTOS

Do mérito.

Superada, portanto, a questão prejudicial de mérito arguida pela i.defesa, acompanho o eminente Desembargador Relator, no mérito,

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para também acolher os presentes Embargos Infringentes, reiterando, naoportunidade, o entendimento por mim externado quando do julgamento doRecurso em Sentido Estrito anteriormente interposto, in verbis:

Cinge-se a controvérsia ora trazida à apreciação desta Turma Julgadora àcompetência para o processamento e julgamento de ação penal que tem porobjeto a suposta prática do delito de desobediência a decisão judicial sobreperda ou suspensão de direito, consistente no descumprimento de medidasprotetivas, fixadas com base nas disposições da Lei 11.340/06.

Pois bem. Analisando a conduta imputada ao agente na presente ação penal,percebe-se que esta atenta, em tese, contra o Estado, mais especificamentecontra a Administração da Justiça, eis que consiste, em verdade, nodescumprimento de uma decisão judicial suspensiva de direitos.

Assim, certo é que a conduta narrada na exordial acusatória conflita com aautoridade de que é dotada uma decisão judicial, insurgindo-se o agentecontra o poder estatal, por meio da não observância dos comandos impostospela Autoridade Judiciária, através de uma decisão regularmente proferidaem seu desfavor.

Nesse sentido, não há que se falar, data maxima venia, que a vítima do delitoem apreço é a ex-companheira do acusado. Esta pode figurar como ofendidapelo eventual cometimento de delitos no seio familiar e doméstico, tais comolesões corporais ou ameaça, para citar os mais comuns na prática cotidianaforense, mas não pela configuração do delito de desobediência a decisãojudicial sobre perda ou suspensão de direito, o qual, frise-se, atenta contra aAdministração da Justiça, sendo o Estado, em última análise, o ofendido pelaconduta delituosa.

Examinando o artigo 359 do Código Penal, assim preleciona o ProfessorCezar Bitencourt, in verbis:

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Bem jurídico protegido, a exemplo dos dispositivos anteriores, é aAdministração da Justiça, objetivando assegurar o efetivo cumprimento dasdecisões jurisdicionais, particularmente aquelas proferidas na seara criminal.

(...)

Sujeito passivo é o Estado, sempre titular do bem jurídico ofendidoAdministração Pública "lato sensu", mais especificamente, na hipótese, aAdministração da Justiça. (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de DireitoPenal, vol. 5. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 446/447).

Tendo estabelecido que o delito ora imputado ao acusado não se insere, emabsoluto, no contexto doméstico e familiar, não figurando como vítima a suaex-companheira, mas sim, em verdade, o próprio Estado, o qual teve umcomando legítimo seu desrespeitado pelo agente, é de se concluir pelaincompetência do d. Juízo de Direito da 14ª Vara Criminal da Comarca deBelo Horizonte, cuja competência encontra-se definida no artigo 2º daResolução 561/08 da egrégia Corte Superior deste Tribunal, in verbis:

A 1ª e a 14ª Varas Criminais da Comarca de Belo Horizonte terãocompetência cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentesda prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos daLei federal nº. 11.340, de 7 de agosto de 2006.

No sentido da incompetência da Vara Criminal especializada em violênciadoméstica para o processamento e julgamento de feitos como o presente,trago os seguintes julgados deste egrégio Tribunal, já tendo também assimse manifestado esta específica 7ª Câmara Criminal:

CRIME DE DESOBEDIÊNCIA A DECISÃO JUDICIAL SOBRE PERDA OUSUSPENSÃO DE DIREITO - AÇÃO - PROCESSAMENTO - COMPETÊNCIA- JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL - DECUMPRIMENTO DE DECISÃO EMQUE FOI CONCEDIDA MEDIDA PROTETIVA PREVISTA NA ""LEI MARIADA PENHA"" - IRRELEVÂNCIA - Compete ao Juizado Especial Criminal o

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processamento e julgamento de ação penal que envolve denúncia de práticado crime do art. 359 do Código Penal, por se tratar de delito de menorpotencial ofensivo, sendo irrelevante o fato de que o descumprimento foi dedecisão em que se aplicou medida protetiva na forma da ""Lei Maria daPenha"". (Conflito de Jurisdição 1.0000.11.030347-6/000, Relator(a): Des.(a)Evandro Lopes da Costa Teixeira , 6ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em21/06/2011, publicação da súmula em 14/07/2011).

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. LEI MARIA DA PENHA.INQUÉRITO POLICIAL. CRIMES DE AMEAÇA E DESOBEDIÊNCIA.DESEJO DE NÃO REPRESENTAR CONTRA O SUPOSTO AGRESSOR.CONTINUIDADE DO INQUÉRITO EM RELAÇÃO AO CRIME DEDESOBEDIÊNCIA. AUSÊNCIA DE CONEXÃO ENTRE OS FEITOS.DESOBEDIÊNCIA. CRIME DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO.COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. - Se a suposta vítimado crime de ameaça manifesta interesse em não representar contra seuamásio, prevalecendo apenas a existência, em tese, do crime dedesobediência em relação ao descumprimento de medidas protetivas antesdeferidas, o processamento e julgamento da ação penal competirá aoJuizado Especial Criminal, por ser o crime de desobediência (art. 330 do CP)de menor potencial ofensivo. (Conflito de Jurisdição 1.0000.10.069435-5/000, Relator(a): Des.(a) Doorgal Andrada , 4ª CÂMARA CRIMINAL,julgamento em 26/01/2011, publicação da súmula em 09/02/2011).

CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO - DESOBEDIÊNCIA A ORDEMJUDICIAL RELATIVA A EXPEDIENTE DA LEI MARIA DA PENHA -IRRELEVÂNCIA DA NATUREZA DA ORDEM DESCUMPRIDA -COMPETÊNCIA DO JUIZ SUSCITADO - JUIZADO ESPECIAL X JUÍZOCOMUM - MEIOS ESGOTADOS PARA A LOCALIZAÇÃO DO RÉU -COMPETÊNCIA DA 3ª VARA CRIMINAL. I - Desobedecida ordem judicial,afasta-se a competência da Vara especializada em questões afetas à LeiMaria da Penha - ainda que tenha sido este o juízo da decisão desobedecida- pois o sujeito do delito de desobediência não é a mulher em situação deviolência doméstica e familiar, mas sim o Estado. II - Lado outro, a remessados autos à Justiça Comum por

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força do art. 66, parágrafo único da Lei nº 9.099/95, exaure a competência doJuizado Especial, inexistindo previsão legal para sua restauração.Precedentes. III - Declararam a competência da 3ª Vara Criminal. (Conflito deJurisdição 1.0000.10.033737-7/000, Relator(a): Des.(a) Eduardo Brum , 4ªCÂMARA CRIMINAL, julgamento em 18/08/2010, publicação da súmula em01/09/2010).

PROCESSUAL PENAL - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - ARTIGO 581,II DO CPP - JUÍZO COMUM E JUIZADO ESPECIAL - VIOLAÇÃO DEMEDIDAS PROTETIVAS EM VIOLÊNCIA DOMÉSTICA - DENÚNCIAEXCLUSIVA PELO DELITO PREVISTO NO ART. 359 DO CP - NATUREZACOMPLETAMENTE AUTÔNOMA - INFRAÇÃO PENAL DE MENORPOTENCIAL OFENSIVO - PRECEDENTE JURISPRUDENCIAL -COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL - COMPETÊNCIA DECLINADA -ACERTO - RECURSO NÃO PROVIDO. Inexistindo concurso de infrações,sendo a denúncia exclusiva pelo cometimento do delito do art. 359 do CP,por conta de possível violação a medida protetiva prevista na Lei nº:11.340/06, tal delito é de menor potencial ofensivo, pelo que, os autos devemser remetidos ao Juizado Especial, nos termos da Lei 9.099/95. Precedentejurisprudencial do STJ. V.V.: (...) (Rec em Sentido Estrito 1.0024.12.219816-1/001, Relator(a): Des.(a) Sálvio Chaves , 7ª CÂMARA CRIMINAL,julgamento em 30/01/2014, publicação da súmula em 07/02/2014).

Em suma, por vislumbrar absoluta independência entre o delito ora imputadoao agente e eventual crime configurador de violência doméstica, e sendocerto que, nos presentes autos, é o ora recorrido acusado tão somente daprática do delito tipificado pelo artigo 359 do Código Penal, tenho pelacompetência do Juizado Especial Criminal para processamento e julgamentodo feito, nos termos do artigo 61 da Lei 9.099/95, restando afastada aaplicação da Lei Maria da Penha.

Dessa forma, faço consignar, por fim, que o d. Magistrado a quo aludiu, no r.decisum ora objurgado, à competência das Varas Criminais Comuns daComarca da Capital, o que, por certo, deve se referir, na verdade, ao JuizadoEspecial, dada a pena máxima cominada ao delito imputado.

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Por todo o exposto, peço vênia ao eminente Desembargador Relator paradele divergir, negando provimento ao recurso, para reconhecer acompetência do Juizado Especial Criminal da Comarca de Belo Horizontepara o processamento do feito, nos termos do artigo 61 da Lei 9.099/95.

Feitas tais considerações, superada a prejudicial de mérito, acompanho oeminente Relator, no mérito, para também ACOLHER OS PRESENTESEMBARGOS INFRINGENTES, nos termos do voto por mim prolatadoquando do julgamento do Recurso em Sentido Estrito anteriormenteinterposto, o qual passa a ser parte integrante deste.

É como voto.

DES. CÁSSIO SALOMÉ

Concessa vênia à solução vislumbrada pelo e. Desembargador Relator,adiro ao voto do ilustre Desembargador Revisor para, afastando a questãoprejudicial de mérito alavancada pelo embargante, não acolher os EmbargosInfringentes, na esteira do entendimento que manifestei quando dojulgamento do Recurso em Sentido Estrito, na qualidade de Segundo Vogal,pedindo vênia para me reportar aos fundamentos expendidos naquelaocasião.

DES. AGOSTINHO GOMES DE AZEVEDO

No presente caso, faço coro com o entendimento esposado peloeminente Desembargador Revisor, a fim de afastar a questão

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prejudicial levantada pelo ora embargante, bem como para entender pelacompetência da 14ª Vara Criminal da Comarca de Belo Horizonte para ojulgamento do feito.

Destarte, in casu, acompanho o eminente Desembargador Revisor dospresentes Embargos Infringentes, para fins de rejeitá-los.

É como voto.

SÚMULA: "AFASTARAM A PREJUDICIAL DE MÉRITO, VENCIDOO RELATOR, E NÃO ACOLHERAM OS EMBARGOS INFRINGENTES,VENCIDOS O RELATOR E O 1º VOGAL"

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