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TRIBUNAL DE JUSTIÇAPODER JUDICIÁRIO
São Paulo
Registro: 2017.0000093530
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0012422-57.2002.8.26.0286, da Comarca de Itu, em que é apelante MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, são apelados HENGUEL RICARDO PEREIRA, FABIO HENRIQUE VIEIRA, PAULO SÉRGIO SCHIAVO, VALDERI NUNES, EVARISTO APARECIDO CORDEIRO, GILBERTO MARTINS, CARLOS ALBERTO DOS SANTOS, JOSÉ BEZERRA LEITE, EDUARDO DE OLIVEIRA RODRIGUES, HELIO MORAES, LEDON DINIZ DA SILVA, PAULO CÉSAR VALENTIM, MIGUEL LAZARO DE ALMEIDA, AMARILDO DA COSTA RIBEIRO, LARRI VIEIRA, PEDRO SILVA DOS SANTOS, EVANDO MARQUES DE SOUZA, ANTÔNIO TRAGINO DA SILVA, JOÃO CARLOS SALATIEL, JOSE ANTONIO CONSTANTINO, SERGIO ANTONIO SOARES SANTANA, EVERALDO BORGES DE SOUZA, VALDIR ADRIANO KIRITSCHENKO, EDUARDO NELSON PARRA MARIN, GILMAR LEITE SIQUEIRA, MARCOS MASSARI, PAULO ROBERTO DE MELO LOPES, FRANCISCO JUCIANGELO DA SILVA ARAUJO, DIMAS MECCA SAMPAIO, AUGUSTO FERNANDO DA SILVA, DOUGLAS MARQUES BRAZ, NÉLSON DA SILVA MEZA, PAULO SÉRGIO DE OLIVEIRA, ROBERTO ALVES DA SILVA, JOSE MILTON MARQUES DE CARVALHO, HAMILTON OLIVEIRA DE MORAES, ARMANDO CORREA DE ASSIS JÚNIOR, MAERCIO ANANIAS BATISTA, JOSE CARLOS DA SILVA, FRANCISCO ALEXANDRE FILHO, JOSÉ FERNANDES DE LIMA, RODNEY CARMONA, ANTÔNIO MARCOS DA SILVA, LUIS CARLOS PONDE CARDOSO, ROGÉRIO VIANA ANDRADE, REINALDO DA SILVA RIBEIRO DE CAMPOS e VALMIR FERREIRA.
ACORDAM, em 4ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso, com determinação. V. U. Esteve presente a I. Defensora, Dra. Ieda Ribeiro de Souza e, sustentou oralmente, o Exmo. Procurador de Justiça, Dr. Carlos Roberto Marangoni Talarico.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores LUIS SOARES DE MELLO (Presidente) e EDISON BRANDÃO.
São Paulo, 14 de fevereiro de 2017
IVAN SARTORI
RELATOR
Assinatura Eletrônica
TRIBUNAL DE JUSTIÇAPODER JUDICIÁRIO
São Paulo
Apelação nº 0012422-57.2002.8.26.0286 - Itu - VOTO Nº 29.569 2/22
APELAÇÃO nº 0012422-57.2002.8.26.0286
Comarca: ITU
Juízo de Origem: 2ª Vara Criminal
Juíza: Hélio Villaça Furukawa
Órgão Julgador: Quarta Câmara de Direito Criminal
Apelante: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
Apeladas: HENGUEL RICARDO PEREIRA E OUTROS
VOTO DO RELATOR
Ementa: Apelação do Ministério Público “Operação castelinho” Homicídios qualificados, roubos majorados e fraude processual. Eventual parcialidade do magistrado sentenciante que, a par de não arguida no momento oportuno e tampouco pela via adequada, não veio demonstrada Rejeição. Sentença “citra petita” Inocorrência Decisório a apreciar apenas as imputações referentes aos delitos contra a vida, com desfecho favorável aos increpados, circunstância a excluir a competência do tribunal do júri para os crimes conexos, daí o não pronunciamento a respeito Exegese do parágrafo único do art. 81 do CPP Precedentes. Impronúncia de três dos acionados, com o que conformada a acusação, decretada a absolvição sumária dos demais, no que reside a insurgência ministerial Decisão que se sustenta Excludentes de ilicitude da legítima defesa e do estrito cumprimento do dever legal bem delineadas Recurso desprovido, com determinação.
Ação penal em que incursos:
a) José Roberto Martins Marques, Romeu Takami
Mizutani, Augusto Fernando da Silva, Maercio Ananias Batista, Paulo
Sérgio Schiavo, Hamilton Oliveira de Morais, João Carlos Salatiel,
Eduardo Nelson Parra Marin, Helio Moraes, Rodney Carmona,
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Apelação nº 0012422-57.2002.8.26.0286 - Itu - VOTO Nº 29.569 3/22
Everaldo Borges de Souza, Valdir Adriano Kiritschenko, Maurício dos
Santos, Antonio Marcos da Silva, Paulo Sergio de Oliveira, Luiz Carlos
Pondé Cardoso, Laerte Barqueta, Rogério Viana de Andrade, Reinaldo
da Silva Ribeiro de Campos, Pedro Silva dos Santos, Sergio Antonio
Soares Santana, Evaristo Aparecido Cordeiro, Antonio Tragino da
Silva, José Milton Marques de Carvalho, Marcos Eduardo da Silveira,
Larri Vieira, Nelson da Silva Meza, Miguel Lázaro de Almeida, Alex
Nascimento Chagas, Francisco Juciangelo da Silva Araujo, Valmir
Ferreira, Armando Correia de Assis Júnior, Valderi Nunes, Evandro
Marques de Souza, Eduardo de Oliveira Rodrigues, Fabio Henrique
Vieira, Ledon Diniz da Silva, Amarildo da Costa Ribeiro, Roberto Alves
da Silva, Paulo Roberto de Melo Lopez, Douglas Marques Braz, José
Antonio Constantino, Reinaldo Henrique de Oliveira e José Carlos da
Silva no art. 121, § 2º, II, III e IV, c.c. os arts. 61, II, “g”, e 62, I, por
doze vezes, na forma do art. 69, todos do Código Penal;
b) Roberto Mantovan, Francisco Alexandre Filho, José
Fernandes Lima, Gilmar Leite Siqueira e Marcos Massari no art. 121,
§ 2º, II, III e IV, c.c. os arts. 61, II, “g”, e 62, I, por doze vezes; e no art.
157, § 2º, I e II, por duas vezes, tudo na forma do art. 69, todos do
Código Penal;
c) Carlos Alberto dos Santos, Dimas Mecca Sampaio,
Paulo César Valentim, José Bezerra Leite e Gilberto Martins no no art.
121, § 2º, II, III e IV, c.c. os arts. 61, II, “g”, e 62, I, por doze vezes; e
347, parágrafo único, na forma do 69, todos do Código Penal; e
d) Henguel Ricardo Pereira no art. 121, § 2º, II, III e
IV, c.c. os arts. 61, II, “g”, e 62, I, por doze vezes; art. 157, § 2º, I e II,
por duas vezes; e 347, parágrafo único, tudo na forma do art. 69,
todos do Código Penal.
O feito foi desmembrado em relação a Maurício dos
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Apelação nº 0012422-57.2002.8.26.0286 - Itu - VOTO Nº 29.569 4/22
Santos, porque não encontrado (fls. 4.106), enquanto decretada a
extinção da punibilidade de Marcos Eduardo da Silveira, em razão de
seu falecimento (fls. 5.301).
Alfim, José Roberto Martins Marques, Romeu Takami
Mizutani e Roberto Mantovan foram impronunciados, consoante
pedido formulado pelo próprio “Parquet”, em sua fala final de fls.
5.499/5.633, ao passo que todos os demais acabaram absolvidos
sumariamente, reconhecidas que foram as excludentes de ilicitude da
legítima defesa e do estrito cumprimento do dever legal.
Recorre a acusação, arguindo, em preliminar,
nulidade sentencial, porquanto: a) o magistrado sentenciante foi
parcial, deixando de se manifestar sobre questões cruciais à aferição
do excesso cometido pelos policiais, tudo em razão de sua “visão
política”, em sendo ele “filho do Secretário da Administração
Penitenciária à época dos fatos”, o que o tornaria inapto a sentenciar
o feito; e b) o r. juízo omitiu-se quanto às acusações de roubos
qualificados e fraude processual. No cerne, busca a pronúncia dos
absolvidos, embora conformada com a impronúncia dos demais (fls.
6.189/6.298).
Contrariedades às fls. 6.300/6.419, 6.423/38,
6.439/45, 6.446/53, 6.456/65, 6.466/73, 6.474/7, 6.481/3,
6.484/92, 6.493/7, 6.498/506, 6.507/40, 6.541/6, 6.547/53,
6.591/5, 6.626/31, 6.632/4, 6.635/7 e 6.638/74.
Reinaldo Henrique de Oliveira e Alex Nascimento
Chagas tiveram julgadas extintas suas punibilidades também em
razão de seus falecimentos (fls. 6.589 e 6.597 respectivamente), os
quais, embora tenham se dado pouco antes da r. sentença (aos
14.05.13 e 26.07.14 nessa ordem), foram comunicados apenas após
sua prolação.
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Apelação nº 0012422-57.2002.8.26.0286 - Itu - VOTO Nº 29.569 5/22
Remeteram-se os autos à Instância precedente, para a
intimação do assistente da acusação, a fim de que se manifestasse.
Realizado o ato, quedou-se ele inerte (fls. 6685/6690).
A Procuradoria de Justiça é pelo afastamento da
preliminar relativa à parcialidade do julgador, reconhecendo-se,
porém, vício insanável na r. sentença, porquanto “citra petita”. No
cerne, é pelo desprovimento (fls. 6.699/735).
Recurso bem processado.
É o relatório, adotado, no mais, o de primeiro grau.
Por primeiro, tem-se que, respeitado o esforço do
“Parquet”, despropositada a arguição de que eivado de parcialidade o
julgamento singular, em face da condição do magistrado de filho do
secretário da administração penitenciária, à época dos fatos.
É que não se vislumbra qualquer das causas de
impedimento ou suspeição previstas na Lei Processual Penal.
Quanto ao impedimento, basta conferir o art. 252
desse diploma.
Já a arguição de suspeição, a par de levantada por
via inadequada, veio manifestamente a destempo, resultando, há
muito, abarcada pela preclusão, dês que o magistrado subscritor da
r. sentença atua nos autos há mais de nove anos (desde 11.01.07
fl. 3.988).
Por isso que o Ministério Público teve oportunidade
de sobejo para constatar a pretensa imparcialidade. Quedou-se
inerte. Somente agora, quando sai derrotado, traz a questão, com o
evidente intuito único de tornar nulo o julgado.
Realmente, o simples fato de o sentenciante ser filho
do secretário da administração penitenciária, à época dos fatos, por
si só, não enseja o reconhecimento de sua suspeição, até porque este
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Apelação nº 0012422-57.2002.8.26.0286 - Itu - VOTO Nº 29.569 6/22
feito tem por objeto operação policial coordenada e planejada pelo
Grupo de Repressão e Análise dos Delitos de Intolerância GRADI,
ligado à Secretaria de Segurança Pública - SSP, que não se confunde
com a SAP.
Outrossim, a convicção do culto magistrado,
externada no édito recorrido, diz com o mérito recursal, descabendo
pinçar, em sede de preliminar, trechos desfavoráveis ao arguente,
para se concluir pela suspeição.
Tampouco prospera a prejudicial outra, ainda que
encampada pelo lúcido parecer da PGJ.
É que, embora não tenha o douto sentenciante se
manifestado expressamente sobre os crimes conexos (roubos
qualificados e fraude processual), imputados a parte dos acionados,
assim o fez em razão de sua incompetência superveniente para
tanto, dês que impronunciados José Roberto Martins Marques,
Romeu Takami Mizutano e Roberto Mantovan (a pedido do próprio
Ministério Público) e decretada a absolvição sumária dos demais.
Desse modo, ocorrente a situação prevista no
parágrafo único do art. 81 da Lei Processual Penal, a excepcionar a
regra do “caput”, afastada a “perpetuatio jurisdicionis”.
Nesse sentir:
“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA.
HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO CONTRA
SERVIDORES FEDERAIS, PORTE ILEGAL E DISPARO
DE ARMA DE FOGO. ENCAMINHAMENTO AO
TRIBUNAL DO JÚRI FEDERAL. IMPRONÚNCIA.
APLICAÇÃO DA REGRA DO PARÁGRAFO ÚNICO DO
ART. 81 DO CPP. INOCORRÊNCIA DA PERPETUAÇÃO
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Apelação nº 0012422-57.2002.8.26.0286 - Itu - VOTO Nº 29.569 7/22
DA JURISDIÇÃO. COMPETÊNCIA DO JUÍZO
ESTADUAL. 1. Após sentença de impronúncia,
compete ao Juízo Estadual processar e julgar crimes
de porte ilegal e disparo de arma de fogo, conexos ao
delito de competência do Tribunal do Júri Federal, por
não se inserir aqueles entre as infrações elencadas no
art. 109 da Constituição Federal. 2. Conflito conhecido
para declarar-se competente o Juiz de Direito da
Primeira Vara Criminal de Lajeado-RS, o suscitado.”
(STJ CC 92.754/RS, Terceira Seção, rel. Min. Jorge
Mussi, DJe 29.04.2008);
“Conflito Negativo de Jurisdição. Júri. Homicídios
tentados conexos com roubo. Impronúncia quanto aos
crimes contra a vida. Remessa dos autos ao foro
competente para julgar o crime de roubo
remanescente. Aplicação do parágrafo único do artigo
81 do CPP, que surge como exceção ao 'caput' do
referido dispositivo legal. Inocorrência da regra da
'perpetuatio jurisdictionis'. Conflito julgado procedente
para determinar a competência do Juizo suscitante.
(TJSP Conflito de Jurisdição nº 990.10.404702-1,
Câmara Especial, rel. Des. Ciro Campos, j.
22.10.2010, v.u.).
Vai-se ao cerne.
Embora inquestionável a materialidade, a teor dos
laudos necroscópicos de fls. 408/409 e 1.151 (vítima Gerson
Machado da Silva), 410/411 e 1.154 (Djalma Fernandes Andrade de
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Apelação nº 0012422-57.2002.8.26.0286 - Itu - VOTO Nº 29.569 8/22
Souza), 413/414 e 1.157 (Fábio Fernandes Andrade de Souza),
414/415 e 1.159 (Laércio Antonio Luiz), 416/417 e 1.162 (José
Airton Honorato), 418/419 e 1.165 (Luciano da Silva Barbosa),
420/421 e 1.168 (Jéferson Leandro Andrade), 422/423 e 1.171
(Sandro Rogério da Silva), 424/425 e 1.173 (Aleksandro de Oliveira
Araújo), 426/427 e 1.176 (José Maria Menezes), 428/429 e 1.178
(Silvio Bernardino do Carmo), 430/431 e 1.181 (José Cícero Pereira
dos Santos), o exame dos volumosos autos foi incapaz de externar a
conclusão de que os denunciados tenham propiciado, dolosamente,
ou ao menos tenham assumido o risco de contribuir para o
desenlace sangrento da operação policial.
Extrai-se de tudo, que um grupo tático/de
inteligência (GRADI Grupo de Repressão a Delitos de Intolerância),
formado por policiais (inicialmente civis e militares e, depois, apenas
militares) e diretamente subordinado ao secretário da segurança
pública, programou a interceptação, em praça de pedágio, de
veículos que estariam transportando membros de facção criminosa,
manobra que ficou conhecida como “Operação Castelinho”.
Essa operação foi oficialmente esteada, pelo GRADI,
em notícia (por informantes) de que um avião pagador seria roubado,
na cidade de Sorocaba, como planejado pela facção criminosa
conhecida como “pcc” primeiro comando da capital, que, para
tanto, teria recrutado um grande grupo de indivíduos fortemente
armados (fuzis, metralhadoras e outras armas de grosso calibre).
A interceptação do grupo na praça de pedágio não foi
de todo bem sucedida, eis que houve confronto e pesado tiroteio, a
resultar nas mortes de doze criminosos, ficando ferido um dos
policiais.
Posteriormente, o Ministério Público encontrou
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Apelação nº 0012422-57.2002.8.26.0286 - Itu - VOTO Nº 29.569 9/22
inconsistências no relato dos policiais envolvidos na operação, pois
as fitas de vídeo do pedágio teriam sido alteradas e a cena do crime
não teria sido preservada.
Testemunhas que estiveram no local, durante a
abordagem e logo após, afirmaram que não houve confronto, mas
execução, eis que os criminosos se entregaram e não tinham armas
nas mãos, porque estas estariam no bagageiro do ônibus.
Trabalhos periciais indicaram que as armas
apreendidas não continham vestígios de sangue.
Revelou-se, então, a possiblidade nefasta de que a
emboscada fora uma armação, com vistas a comover a opinião
pública, que, no momento, era desfavorável à Polícia e à Secretaria
de Segurança Pública.
Nesse contexto, adveio a denúncia de fls. 1A/1Y,
bem como do próprio secretário da segurança pública, de dois
magistrados (que teriam autorizado a participação dos sentenciados
na operação) e do então comandante geral da PM, Rui César de
Melo.
O feito em face do secretário e dos magistrados
acabou arquivado, acatado pedido do “Parquet”, enquanto a
denúncia contra Rui César de Melo foi rejeitada, decisão confirmada
em aresto desta relatoria, no RESE nº 0000153-97.2013.8.26.0286.
A exordial, aqui, foi recebida, prosseguindo o
processo contra os policiais e informantes participantes da aludida
operação policial.
Após extensa instrução, sobreveio o decisório em
foco, firme, na parte que interessa a este julgamento, no
reconhecimento das excludentes da legítima defesa e do estrito
cumprimento ao dever legal.
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Apelação nº 0012422-57.2002.8.26.0286 - Itu - VOTO Nº 29.569 10/22
E, realmente, do exame de tudo quanto narrado,
depoimentos e demais provas, conclui-se que os absolvidos
participaram de operação policial, como lhes foi ordenado, visando à
captura de grupo fortemente armado, que se dirigia a Sorocaba, com
o escopo de cometer um assalto. Nada mais.
Certo que a manobra não saiu como o planejado,
dado o confronto ocorrente.
Mas, nada leva a crer que tivessem os policiais e
auxiliares a intenção de cometer um massacre, como asseverado
pela acusação.
O simples fato de cuidar-se de efetivo especialmente
treinado não tem o condão de, por si só, caracterizar ânimo
homicida; ao revés, foi uma escolha ponderada, em se tratando da
abordagem e prisão de grupo de criminosos de alta periculosidade,
fortemente armados.
Aliás, a assertiva de que a presença da ROTA
implicaria extermínio é até injuriosa, na medida que atribui caráter
homicida a todo miliciano pertencente a esse laborioso batalhão.
E todos os envolvidos na operação, em todas as vezes
em que ouvidos, foram categóricos ao corroborar as palavras de
Armando Correa de Assis Júnior (miliciano da ROTA, que participou
da empreitada), na senda de que “não recebeu qualquer informação
no sentido de que todos deveriam ser derrubados ou que ninguém
deveria sobrar para contar a história” (fls. 02-a/7, 09/1, 12/4,
27/32, 35/6, 54/63, 65/8, 350/68, 369, 371/4, 466/7, 2.894/52,
2.975/3.090, 3.125/338, 3.236/309, 3.345/9, 3.497/514,
3.515/55, 3.556/662, 3.692, 3.756 3.847, 3.871/82, 3.884/95,
3.897/904, 4.055/8, 4.086, 5.115/33, 5.288/93, 5.344/5, 5.350/1,
5.354/9, 5.360/1, 5.416/7, 5.418/25, 5.426/32, 5.433/6, 5.437/9,
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São Paulo
Apelação nº 0012422-57.2002.8.26.0286 - Itu - VOTO Nº 29.569 11/22
5.440/4).
Até mesmo os dois presos infiltrados confirmaram
que se tratava de operação focada na prisão de assaltantes, não se
cogitando de emboscada (fls. 2092/3, 2095/7 e 5344/8).
Aliás, dos interrogatórios de todos os acusados não
se extrai, efetivamente, planejamento do fim nefasto verificado, mas
sim de que ocorreu ataque por parte das vítimas, que pretendiam
fugir, como bem sintetizado pelo douto procurador de justiça
oficiante (fls. 6711/21):
“(...) Roberto Mantovan, impronunciado a requerimento
do Ministério Público salientou que não estava no local
quando dos fatos. Esclareceu que atuava no GRADI,
em função administrativa, e que, com autorização de
magistrados, do comandante geral e de membro do
Ministério Público, quatro presos e policiais foram
infiltrados em quadrilhas, para coletas de
informações, o que perdurou por cerca de um ano.
Aduziu que não sabia que ocorreria um roubo na
cidade de Sorocaba, desconhecendo quem organizou
a operação, acreditando que o comandante geral e o
secretário de segurança pública dela tinham
conhecimento. Por fim, relatou que o apelado Henguel
se reportava diretamente ao Comandante Geral
Coronel Rui Cesar. Henguel esclareceu que, por
intermédio de um dos presos colaboradores, Marcos
Massari, souberam que uma quadrilha pretendia
praticar um roubo a um avião pagador na cidade de
Sorocaba. Negou qualquer envolvimento com os roubos
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Apelação nº 0012422-57.2002.8.26.0286 - Itu - VOTO Nº 29.569 12/22
dos veículos discriminados na denúncia, aduzido que
somente na data dos fatos recebeu informações sobre
quais veículos os criminosos ocupariam. Alegou que o
comandante geral da Polícia Militar e o Secretário de
Segurança Pública tinham conhecimento da operação
e que trajava uniforme da concessionária para
proteger civis e veículos de usuários da rodovia.
Relatou que recebeu a filmagem, que estava
danificada, com chuvisco, e a entregou a um tenente,
que a repassou ao major Roberto Mantovan,
acrescentando que recebera um ofício da via oeste
neste sentido. Por fim, aduz que somente conheceu
Carlos Alberto, Tenente da Polícia Rodoviária, no dia
dos fatos. Hamilton, João Carlos, Eduardo, Helio,
Rodney, Everaldo, Valdir, Francisco Alexandre,
Maurício, José Fernandes, Antonio Marcos, Paulo
Sérgio, Luiz Carlos Pondé, Laerte e Rogerio Viana
informaram integrar o GRADI e negaram existir ordem
ou ajuste entre eles, os integrantes da ROTA, os
presos infiltrados e dos policiais rodiviários para
matar as vítimas, que se encontravam no interior das
pick-ups e ônibus, na denominada operação
castelinho. Hamilton aduziu que estava de férias e
sequer se encontrava no local, tratando-se de erro
administrativo. João Carlos Salatiel, Rodney Carmona
e Helio relataram que, no dia anterior, Henguel
solicitou que, no quando dos fatos, acompanhassem o
ônibus, em veículo descaracterizado. Pararam antes
da praça de pedágio, após a passagem do coletivo,
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Apelação nº 0012422-57.2002.8.26.0286 - Itu - VOTO Nº 29.569 13/22
que derivou à direita, não participando do tiroteio.
Antonio Marcos e Valdir relataram que, um dia antes,
foram convocados por Henguel para a operação,
sendo determinado que se posicionassem a certa
distância, em caso de fuga, em veículos
descaracterizados. Luiz Carlos Pondé esclareceu que
estava de férias, sendo convocado para participar da
operação, tendo como atribuição permanecer na sala
de controle do pedágio junto com o preso Marcos
Massari, não participando do tiroteio. Eduardo Parra,
Paulo Sérgio de Oliveira e Rogério Vianna Andrade
informaram que, em viatura descaracterizada,
acompanharam o ônibus, que parou logo depois de
passar pelo pedágio, quando seus ocupantes
iniciaram o tiroteio, ocorrendo revide por parte dos
policiais fardados. O primeiro acrescentou que tentou
ingressar no ônibus, sendo recebido com tiros, que
atingiram o escudo empunhado por um dos policiais.
Everaldo e Laerte, já falecido, informaram que
receberam determinação para comparecerem ao posto
de pedágio, não participando do tiroteio,
acrescentando o último que permaneceu no interior da
cabine do pedágio. Helio Moraes aduziu que apenas
acompanharam o ônibus, confirmando que o tiroteio
ocorreu após a passagem do pedágio. Acrescentou que
não ingressou no coletivo, apenas zelando pela
integridade dos civis. Francisco Alexandre e José
Fernandes esclareceram que eram incumbidos de
acompanhar os presos colaboradores até os encontros
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Apelação nº 0012422-57.2002.8.26.0286 - Itu - VOTO Nº 29.569 14/22
com os integrantes da quadrilha, para que obtivessem
as informações a serem repassadas para seus
superiores. Informaram que, certa feita, Gilmar obteve
a notícia de que a quadrilha planejava roubo a um
avião pagador na cidade de Sorocaba. Negaram
qualquer envolvimento com os roubos dos veículos
discriminados na denúncia ou existir ordem ou acerto
para que as vítimas fossem mortas. Aduziram que,
quando dos fatos, receberam determinação para
realizarem o acompanhamento da quadrilha até o
pedágio, onde ocorreria a abordagem, sendo que não
participaram do tiroteio. (...) Gilmar e Marcos Massari
eram presos infiltrados. Gilmar relatou que o Juiz
Corregedor, Doutor Octavio, o recrutou para para
participar de ações para desmantelar o PCC. Como
possuía amigos que integravam a referida
organização criminosa, foi possível sua infiltração e de
policiais. Soube que a quadrilha planejava o roubo no
aeroporto de Sorocaba, com armas próprias, relatando
que seus integrantes diziam que nunca se entregariam
e reagiriam. Participou da reunião na sede do
Batalhão de choque com o Secretário de Segurança
Pública, que determinou a interceptação do comboio.
Quando dos fatos, rumou ao pedágio, em um veículo
Parati, na companhia de policiais, à frente do comboio,
estando longe quando do tiroteio. Confirmou que
apresentou versões diversas, ora incriminando os
policiais, ora os inocentando. Aduziu que na casa de
detenção passou a receber ameaças de presos do PCC
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Apelação nº 0012422-57.2002.8.26.0286 - Itu - VOTO Nº 29.569 15/22
e que promotores de justiça prometeram transferi-lo,
caso delatasse os policiais, razão pela qual acabou
por acusa-los injustamente.
Marcos Massari relatou que o juiz de direito do DIPO,
doutor Octavio Augusto, o recrutou para que se
infiltrasse no PCC, visando descobrir as ações de seus
membros. Soube que a quadrilha planejava o roubo no
aeroporto de Sorocaba, sendo incumbido de
acompanhar os policiais para fornecer informes para o
sucesso da operação. Quando dos fatos, estava no
interior da cabine de pedágio, presenciando o
momento em que os veículos, ocupados pelas vítimas,
passaram. Os policiais mandaram que os ocupantes
do coletivo e pick-up descessem, não sendo atendidos,
oportunidade em que, do interior do coletivo,
passaram a efetuar disparos. Alegou que promotores o
ameaçaram para que incriminasse os policiais, senão
seria transferido para um presídio dominado pelo
PCC, motivo pelo qual incialmente incriminou
falsamente os policiais, por medo de morrer.
(...) Romeu Takami Mizutami, Reinaldo da Silva
Ribeiro e Carlos Alberto dos Santos integravam a
polícia rodoviária. Romeu Takami, impronunciado a
requerimento do Ministério Público, Tenente Coronel
da Polícia Rodoviária, alegou que não participou da
operação castelinho ou de qualquer reunião com o
GRADI, informando que seu subordinado Carlos
Alberto Valentim foi requisitado pelo comando da
policia militar para participar da operação, sem seu
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conhecimento, e o avisou por uma questão moral,
pedindo sigilo absoluto. Acrescentou que,
posteriormente, foi incumbido de dar entrevistas em
nome da Polícia Rodoviária. Carlos Alberto dos Santos
informou ser comandante de policiamento rodoviário e
recebeu ordem superior de prestar auxílio aos policiais
da ROTA e do GRADI em operação sigilosa. Participou
de reunião, sendo informado de que uma quadrilha
praticaria um roubo em Sorocaba e que a abordagem
ocorreria no pedágio da Castelinho, com definição da
função de cada grupo. Colocaram um guincho para
obstruir a pista e interceptar a trajetória do ônibus,
dias pick-ups e um veículo parati, ocupados pelos
integrantes da quadrilha. As tropas foram divididas,
permanecendo próximo ao guincho, quando percebeu
que o veículo parati conseguiu furar o bloqueio,
empreendendo fuga. Em seguida, as duas pick-ups
foram bloqueadas pelo guincho. Escutou os disparos
de arma de fogo advindo do local onde se
encontravam as pick-ups, oportunidade em que o
ônibus derivou à direita, onde se encontravam os
policiais da ROTA. O coletivo parou e seus ocupantes
começaram a atirar, dando início ao tiroteio. Participou
da entrada no ônibus, com o auxílio de outros
policiais, sendo que um deles portava um escudo,
relatando que foram efetuados dois disparos em
direção aos policiais, que revidaram. Reinaldo Ribeiro
negou integrar o GRADI, sendo policial do serviço
reservado da CPRodv, alegando que apenas conduziu
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o sargento Everaldo até o pedágio, onde os fatos
ocorreram. Acrescentou que não participou nem
presenciou o tiroteio, desconhecendo o destino das
fitas do sistema de segurança da rodovia. (...) José
Roberto Martins, impronunciado a pedido do
Ministério Público, Tenente Coronel PM e comandante
da ROTA, relatou que, quando dos fatos, foi incumbido
pelo Coronel Barros a prestar apoio ao pessoal do
GRADI, no planejamento ao cerco ao grupo que
pretendia praticar roubo em Sorocaba. Alegou que não
manteve contato com Takami ou Mantovan e nem
esteve no local dos fatos. Segundo apurado, na
operação parte dos policiais da ROTA permaneceu em
um barranco; outros se posicionaram no canteiro
central, para abordagem das pick-ups D-20 e Ranger;
e o grupo maior ficou imbuído de fechar a pista da
rodovia, para abordagem do coletivo. Os policiais Alex
Nascimento, Dimas, Paulo Roberto, Douglas,
Francisco, José Antonio, Paulo Sergio Schiavo e Pedro
relataram que foram convocados para participarem da
operação, sendo incumbidos da abordagem dos
veículos D-20 e Ranger. Relataram que, depois de
passarem pelo pedágio, os ocupantes dos referidos
veículos não obedeceram à ordem de parada,
efetuando disparos na direção da qguarnição e dos
policiais, dando início ao tiroteio. Os policiais Maercio,
Augusto e Larri informaram que permaneceram no
barranco, aguardando a passagem dos veículos
envolvidos, sendo que os dois primeiros negaram a
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existência de ordem para que as vítimas fossem
mortas e alteração da cena do tiroteio. Augusto
acrescentou que interceptaram uma quadrilha que
praticaria um roubo na região de Sorocaba, o que era
de conhecimento apenas dele e dos capitães. Relatou
que ocorreu o primeiro confronto entre os ocupantes
das pick-ups e os policiais, oportunidade em que o
coletivo, que seguia atrás, derivou à direita. Os
policiais Amaraildo, Antonio Tragino, Armando,
Eduardo, Evando, Evaristo, Fabio, José Bezerra, Jose
Carlos, Ladon, Marcos Eduardo, Reinaldo Henrique,
Miguel, Nelson, Paulo Cesar, Valmir, Valderi, Gilberto,
José Milton, Sergio Antonio e Roberto foram
incumbidos de interceptar o ônibus ocupado por
pessoas fortemente armadas, o qual parou logo após
transpor o pedágio, quando seus ocupantes passaram
a efetuar disparos de arma de fogo contra os policiais,
dando início ao tiroteio. Eduardo relatou que foi
alvejado no confronto, quando revidou aos disparos.
Valmir acrescentou que recebeu a fita de gravação da
concessionária e a entregou ao Tenente Henguel, para
que fosse repassada à Secretaria de Segurança
Pública. José Bezerra acrescentou que, após o tiroteio
inicial, determinaram que os ocupantes do coletivo se
rendessem, abandonassem as armas e descessem e,
como não foram atendidos, nele ingressou, com o
escudo balístico, acompanhado de Paulo Sérgio,
Eduardo Parra e Carlos Alberto. Em seguida, os
ocupantes do coletivo efetuaram disparos, atingindo o
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escudo, dando início a novo tiroteio. Finda a ação,
encontraram corpos caídos e armas de fogo sujas de
sangue. Acrescentou que, no bagageiro inferior do
ônibus localizaram uma bolsa cheia de armas, que
foram transferidas para a viatura do comando.
Amarildo esclareceu que sua função seria obstar que
outras pessoas passassem pelo pedágio, depois da
passagem do comboio. Pelo que se depreende de todos
os interrogatórios, de forma geral, os apelados,
integrantes do GRADI, da ROTA e da Polícia
rodoviária, aduzem que agiram em legítima defesa,
estrito cumprimento do dever legal e obediência
hierárquica. (...)”
Realmente, em que pese o raciocínio esposado nas
razões de apelo, participar de uma abordagem como membro de
efetivo policial fortemente armado e bem treinado é uma coisa,
cometer massacre de pessoas indefesas, como quer fazer crer a
denúncia, é outra e bem diversa.
Também a peculiaridade de se terem arregimentado
presos para participar da operação não indica, necessariamente,
tenha sido “forjada” uma abordagem policial para “disfarçar”
execução deliberada. Trata-se sim de estratégia policial, cuja
eticidade não cabe aqui avaliar.
Ainda, os testemunhos dos civis presentes no local
nada externam que possa mudar conclusão tal, já que nenhuma
dessas testemunhas (caminhoneiros, motociclistas, demais usuários
da rodovia e funcionários da concessionária VIAOESTE) soube
precisar quem deu início aos disparos ou mesmo a dinâmica dos
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fatos, dês que procuravam se proteger (fls. 25/6, 33/4, 37/8,
43/53, 341/9, 720, 1.118/26, 1.142/7, 1.226/9, 1.233/8,
1.245/51, 1.255/64, 1.282/4, 1.285/92, 1.293/8, 1.300/2,
1.345/52, 1.354/60, 1.455/8, 1.501/8, 1.510/6, 1.518/20,
1.522/4, 1.531/3, 1.880/3, 4.181, 4.196/7, 4.213, 4.237/44,
4.254, 4.258, 4.283/89, 4.302/4, 4.320/23, 4.510/5, 4.519/28,
4.534/43 e 4.702/9).
Deborah Amiris Corsini, Luiz Fabiano de Freitas e
Marcelo Augusto Rolim, funcionários dos nosocômios para onde
levados os ofendidos, confirmaram terem sido os próprios policiais
que prestaram socorro aos últimos, mas, não puderam afirmar se as
vítimas foram socorridas já sem vida, apenas que já chegaram em
óbito (fls. 1.224/5, 1.243/4 e 1.253/4).
Nem mesmo o desastre da empreitada faz de seus
participantes homicidas, repise-se.
Com efeito, como bem anotado pelo nobre
sentenciante: “É notório no meio criminal e policial que militares
menos graduados não têm autonomia para organizar e executar uma
operação de tamanha magnitude. Além disso, é evidente que a grande
maioria dos acusados tomou conhecimento dos fatos somente no dia
da operação, na reunião realizada no posto da Polícia Rodoviária de
Araçariguama. Operações como a realizada no dia dos fatos são
comunicadas à tropa somente no momento da execução, justamente
para que não haja vazamento. Portanto, é evidente que os policiais se
dirigiram ao local com a informação da existência do grupo de
criminosos armados e se prepararam para detê-los com a força
necessária que a situação exigia. O armamento utilizado pelos
policiais era necessário e não se vislumbra excesso. As graves
consequências advindas da ação policial se deram justamente pelo
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grande efetivo montado e pela reação das vítimas, que estavam
armadas e atiraram contra os policiais. (...) Também é preciso
salientar que o Ministério Público imputou a todos os réus a
responsabilidade por todas as mortes, sem individualizar as
condutas, apontar qual grupo de policiais participou de qual homicídio,
partindo da premissa de que todos estavam cientes da mencionada
farsa e a ela aderiram, o que não restou demonstrado em nenhum
momento. Até mesmo os presos infiltrados estão sendo acusados de
todos os homicídios, sem qualquer apuração de responsabilidade das
autoridades que autorizaram a saída do presídio e acompanharam as
diligências. Não é admissível que os presos, pessoas sob a custódia
da Administração Penitenciária, que foram tiradas da prisão a pedido
da Polícia Militar e com autorização do Poder Judiciário, sejam
punidas pelo resultado lesivo de uma operação policial. Os presos não
tinham domínio nenhum da situação e a colaboração certamente se
deu em troca de prometidas vantagens, que aparentemente nem foram
cumpridas. Não se espera outra conduta de dois presos com
vastíssima ficha criminal e que são solicitados por policiais e
magistrados para que colaborem.” (fls. 6174).
Tampouco as provas técnicas favorecem a
empreitada acusatória, já que: “Os peritos constataram a existência
de orifícios de balas no escudo balístico apreendido, utilizado por José
Bezerra quando da invasão do coletivo (fls. 1459/69). Os peritos
também realizaram a reconstituição do ingresso de parte dos policiais
no coletivo (fls. 1743/810). Os equipamentos de captação e gravação
de imagens da rodovia e sua praça de pedágio; bem como as fitas
apreendidas foram examinados pelos peritos do IC (fls. 817/858) e
pelo CAEX (fls. 1931/1950 9º volume). (...) Efetivamente os peritos
encontraram partículas de chumbo nas mãos direita e esquerda de
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três das vítimas, SANDRO ROGÉRIO DA SILVA, FÁBIO FERNANDES
DE ANDRADE DE SOUZA E GERSON MACHADO DA SILVA (fls.
674/8). Contudo, irrelevante o fato dos peritos não encontrarem
chumbo nas mãos das demais vítimas, pois, como ressalvado, no
próprio laudo e de conhecimento geral no meio jurídico, existe a
possibilidade da presença de chumbo em quantidade inferior ao
mínimo sensível pelo exame, o que não descarta a hipótese de autoria
de disparo. (...)”, consoante observado pela PGJ às fls. 6.732/3.
Desse modo, o conjunto probatório, absolutamente,
não se presta para justificar o prosseguimento do feito, com a
pronúncia e remessa do caso ao Júri, em sendo patentes as
excludentes de ilicitude do estrito cumprimento do dever legal e da
legítima defesa, a escudarem a absolvição sumária, com fulcro no
art. 415, IV do CPP.
Destarte, mantém-se a r. decisão singular,
encampados seus opimos fundamentos (art. 252 do RITJ), com
remessa dos autos ao juízo criminal comum, para apreciação dos
demais crimes antes conexos.
Nega-se provimento, com determinação.
IVAN SARTORI
Desembargador Relator