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Tribunal Superior Eleitoral
Estudos EleitoraisEstudos Eleitorais
Volume 6Nmero 3set./dez. 2011
Volume 6Nmero 3set./dez. 2011
Tribunal Superior Eleitoral
Estudos eleitorais
Volume 6Nmero 3set./dez. 2011
2012 Tribunal Superior Eleitoral
Escola Judiciria Eleitoral
SAFS, Quadra 7, Lotes 1/2, 7o andar
70070-600 Braslia/DF
Telefone: (61) 3316-4641
Fax: (61) 3316-4642
Coordenao: Andr Ramos Tavares Diretor da EJE
Editorao: Coordenadoria de Editorao e Publicaes (Cedip/SGI)
Projeto grfico e capa: Clinton Anderson
Diagramao: Leandro Morais
Reviso: Anna Cristina de Arajo Rodrigues
Normalizao tcnica: Geraldo Campetti Sobrinho
As ideias e opinies expostas nos artigos so de responsabilidade exclusiva dos autores e
podem no refletir a opinio do Tribunal Superior Eleitoral.
Estudos eleitorais / Tribunal Superior Eleitoral. v. 1. n. 1(1997) . Braslia : TSE, 1997- v. ; 24 cm.
Quadrimestral.Revista interrompida no perodo de: maio 1998 a dez.2005, e de set. 2006 a dez. 2007.
1. Direito eleitoral Peridico. I. Brasil. Tribunal SuperiorEleitoral.
CDD 341.2805
ISSN: 14145146
Tribunal Superior eleiToral
preSidenTeMinistro Ricardo Lewandowski
Vice-preSidenTeMinistra Crmen Lcia
MiniSTroSMinistro Marco Aurlio
Ministra Nancy Andrighi
Ministro Gilson Dipp
Ministro Marcelo Ribeiro
Ministro Arnaldo Versiani
procurador-Geral eleiToralRoberto Monteiro Gurgel Santos
Coordenao da Revista Estudos Eleitorais
Andr Ramos Tavares
Conselho Cientfico
Ministro Ricardo LewandowskiMinistra Nancy Andrighi
Ministro Aldir Guimares Passarinho JuniorMinistro Hamilton Carvalhido
Ministro Marcelo Ribeirolvaro Ricardo de Souza Cruz
Andr Ramos TavaresAntonio Carlos MarcatoClmerson Merlin Clve
Francisco de Queiroz Bezerra CavalcantiJos Jairo Gomes
Lus Virglio Afonso da SilvaMarcelo de Oliveira Fausto Figueiredo Santos
Marco Antnio Marques da SilvaPaulo Bonavides
Paulo Gustavo Gonet BrancoPaulo Hamilton Siqueira Junior
Walber de Moura AgraWalter de Almeida Guilherme
Composio da EJEDiretor
Andr Ramos Tavares
Vice-diretor
Walber de Moura Agra
Assessora-chefe
Juliana Delo Rodrigues Diniz
ServidoresAna Karina de Souza Castro
Camila Milhomem FernandesCarmen Aparecida Melo de Valor
Geraldo Campetti SobrinhoQuren Marques de Freitas da Silva
Rodrigo Moreira da SilvaRoselha Gondim dos Santos Pardo
Colaboradores Anna Cristina de Arajo RodriguesKeylla Cristina de Oliveira Ferreira
Lana da Glria Colho Stens
APRESENTAO
A Escola Judiciria Eleitoral do Tribunal Superior Eleitoral (EJE-TSE) apresenta ao prezado leitor o terceiro e ltimo nmero da Revista Estudos Eleitorais de 2011, fascculo composto de cinco artigos.
No texto O voto eletrnico no Brasil, Andr Ramos Tavares, diretor da EJE-TSE, e Diogo Rais Rodrigues Moreira, doutorando em Direito Constitucional pela PUC-SP, afirmam que a relao do Brasil com o voto tem sido acompanhada de transformaes, realando o mpeto inovador que fez surgir a previso de uma mquina de votar j no Cdigo Eleitoral de 1932. Os autores alertam que a adoo do voto impresso no Brasil comprometeria a estrutura das eleies e enfatizam o fomento da democracia brasileira e o reforo da soberania popular pelo uso do sistema eletrnico de votao.
Walber de Moura Agra, vice-diretor da EJE-TSE, desenvolve o assunto Da inelegibilidade por rejeio de contas por parte de prefeitos municipais. O autor defende que o prazo de oito anos estabelecido pela Lei Complementar n 135/2010 apenas pode ser imputado por fatos ocorridos aps a sua vigncia, em decorrncia de se tratar de uma sano que no pode retroagir. Nesse mesmo sentido, no pode haver o aumento da suspenso passiva dos direitos polticos quando h coisa transitada em julgado ou quando o mandatrio j tiver cumprido o perodo anterior de cinco anos.
O ex-ministro do TSE, Joelson Dias, e a pesquisadora Vivian Grassi Sampaio apresentam o artigo A insero poltica da mulher no Brasil: uma retrospectiva histrica, no qual analisam a posio e a atuao poltica da mulher na sociedade brasileira. Defendem que a invisibilidade da mulher comprometeu a plena realizao dos direitos polticos, que somente foram franqueados mulher brasileira na dcada de 30 do sculo XX. Concluem, apresentando as perspectivas da insero da mulher na sociedade e na poltica brasileiras.
No artigo Biometria e controle jurdico-social de fraude eleitoral, o Procurador Regional da Repblica, Jos Jairo Gomes, discute a importncia da biometria no processo eleitoral brasileiro, objetivando destacar que ele se torna mais seguro e transparente ante a eficcia da
nova tecnologia quanto preveno de fraudes na votao. Na viso do autor, o novo modelo contribui para incrementar a confiana no sistema eleitoral em seu conjunto, mantendo-o como um dos mais avanados do mundo.
Eneida Desiree Salgado, doutora em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paran, enfoca Os princpios constitucionais eleitorais como critrios de fundamentao e aplicao das regras eleitorais: uma proposta. Enfatiza que, a partir desses princpios, possvel construir os alicerces do Direito Eleitoral brasileiro, para permitir sua concretizao como um sistema internamente coeso, racional, inteligvel e conforme aos comandos constitucionais.
Como se observa, o teor dos artigos denota o esforo da Escola Judiciria do TSE em dar cumprimento a sua misso de estimular a produo intelectual de textos cientficos sobre a matria eleitoral e disciplinas correlatas e promover o estudo, o debate e o amadurecimento das discusses alusivas a questes democrticas, partidrias e eleitorais.
Ao atuar no desenvolvimento das abordagens histricas, do marco terico e das avaliaes prticas sobre cidadania, democracia e eleies, a EJE-TSE reafirma seu empenho na valorizao dos estudos eleitorais, incentivando a elaborao de novas contribuies nessa importante rea do saber humano.
SUMRIO
O voto eletrnico no BrasilANDR RAMOS TAVARES e DIOGO RAIS RODRIGUES MOREIRA..................................................9
Da inelegibilidade por rejeio de contas por parte de prefeitos municipais WALBER DE MOURA AGRA.......................................................................................................33
A insero poltica da mulher no Brasil: uma retrospectiva histricaJOELSON DIAS e VIVIAN GRASSI SAMPAIO................................................................................55
Biometria e controle jurdico-social de fraude eleitoralJOS JAIRO GOMES..................................................................................................................93
Os princpios constitucionais eleitorais como critrios de fundamentao e aplicao das regras eleitorais: uma propostaENEIDA DESIREE SALGADO.....................................................................................................103
O VOTO ELETRNICO NO BRASILAndr Ramos Tavares1 e Diogo Rais Rodrigues Moreira2
Resumo
Afirma que a relao do Brasil com o voto tem sido acompanhada de transformaes, realando o mpeto inovador que fez surgir a previso de uma mquina de votar j no Cdigo Eleitoral de 1932. Essa relao criou campo frtil para a urna eletrnica, que contou com a unidade, eficincia e segurana da gesto do processo de eleies pela Justia Eleitoral e com a unidade da legislao especfica. Analisa as questes: transformao do voto e os votos no Brasil; informatizao das eleies e urna eletrnica; pressupostos para o sucesso da implantao da urna eletrnica; voto impresso versus voto eletrnico. Conclui que a adoo do voto impresso no Brasil compromoteria a estrutura das eleies, enfatizando que o sistema eletrnico de votao fomentou a democracia brasileira e reforou a soberania popular.
Palavras-chave: Voto impresso. Voto eletrnico. Urna eletrnica. Eleies. Justia Eleitoral. Legislao eleitoral. Brasil.
Abstract
It states that the relationship between Brazil and the vote has been accompanied by changes, highlighting the innovative drive that has raised the forecast of a voting machine has in the Electoral Code of 1932. This relationship has created fertile ground for the electronic ballot, which included the unit, efficiency and security management of the elections by the Electoral Court and the unity of the legislation. Analyzes issues: the transformation of the vote and votes in Brazil; computerization of elections and voting machine; assumptions for the successful implementation of electronic voting machines, voting printed versus electronic voting. It concludes that the adoption of the vote printed in Brazil committed themselves to the structure of elections, stressing that the electronic
1 Professor dos programas de doutorado e mestrado em Direito da PUC-SP. Professor colaborador dos programas de doutorado e mestrado em Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em So Paulo. Professor do programa de Doutorado em Direito da Universidade de Bari Itlia. Livre-docente em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da USP. Diretor da EJE/TSE.2 Doutorando em Direito Constitucional pela PUC-SP. Mestre em Direito Constitucional pela PUC-SP com cursos de extenso em Justia Constitucional na Universit Paul Czanne.
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voting system promoted the Brazilian democracy and popular sovereignty strengthened.
Keywords: Printed vote. Electronic voting. Electronic ballot box. Elections. Electoral Justice. Electoral law. Brazil.
1 A transformao do voto e os votos no Brasil
Ao tratar de assunto to caro democracia como a escolha por meio de eleies, no deixa de ser curiosa a constatao de que o Brasil guarda uma memria com o voto mais longa do que aquela que guarda com a prpria independncia do pas. que os primeiros registros de uma votao oficial nacional deram-se h mais de cento e noventa anos, precisamente nas eleies gerais para a escolha dos representantes Corte de Lisboa, em 1821.
Nas palavras de Nicolau (2004, p. 7): Poucos pases tm uma histria eleitoral to rica quanto a do Brasil. Essa riqueza qual o autor se refere pode ser bem ilustrada pela transformao operada no instrumento do voto, isto , pela mudana da cdula no decorrer da experincia brasileira.
Nicolau sintetiza essa transformao at o advento da urna eletrnica: Nas primeiras eleies do Imprio, o eleitor j levava consigo a cdula (que devia ser assinada) para o local de votao. No final do Imprio, a cdula (no mais assinada) tinha que ser inserida em um envelope. Na Primeira Repblica, os jornais passaram a publicar e os cabos eleitorais a distribuir as cdulas, que deviam ser colocadas em envelopes. Em 1932, foi criado o envelope oficial, que o eleitor passou a receber da mesa eleitoral para inserir a cdula. Em 1955, foi criada a cdula oficial para as eleies presidenciais: uma lista com os candidatos era apresentada, cabendo aos eleitores assinalar o de sua escolha. Em 1962, a cdula oficial foi utilizada pela primeira vez nas eleies para o Congresso, obrigando os eleitores a escrever o nome ou o nmero do candidato ou partido escolhido. Enfim, em 1996, foi introduzida a urna eletrnica, que passou a exigir do eleitor a digitao apenas do nmero do candidato ou partido escolhido.
Considerando-se a finalidade e a funcionalidade do voto, a transformao ocorrida foi ainda mais intensa, passando de mero ato fictcio de participao poltica soberana para um instrumento de escolha
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iralivre, sendo gravado com o sigilo e, mais recentemente, com a segurana
e confiabilidade no sigilo e na transferncia da vontade do eleitor.
possvel tambm constatar a evoluo do sufrgio restrito para sua universalizao, considerando tanto a ampliao do direito ao voto como tambm o comparecimento efetivo da populao nas eleies no decorrer do tempo. Os dois grficos abaixo (NICOLAU, acesso em 2011) retratam o comparecimento proporcional da populao total nas eleies para presidente da Repblica e para a Cmara dos Deputados.
Presidenciais. Brasil, 1894 - 1998
2,2 2,8 3,5 1,4 3,1 2,3 1,4 1,42,6
2,1
5,4
13,4
15,915,2
18,1
51,5
50,0
51,6
0,0
5,0
10,0
15,0
20,0
25,0
30,0
35,0
40,0
45,0
50,0
55,0
1894 1898 1902 1906 1910 1914 1918 1919 1922 1926 1930 1945 1950 1955 1960 1989 1994 1998
Anos
%
Fonte dos dado Brutos: 1894 -
-1998: TSE
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dos Deputados. Brasil, 1933 - 1998
3,3
13,4
15,9
17,0
15,2
19,4
18,120,0
20,9
24,1
28,4
33,3
39,3
49,6
50,050,0
51,6
0,0
10,0
20,0
30,0
40,0
50,0
60,0
1933 1945 1950 1954 1955 1958 1960 1962 1966 1970 1974 1978 1982 1986 1990 1994 1998
%
-1998: TSE
Ademais, considerando proporcionalmente no a populao e, sim, apenas o eleitorado apto a votar, observam-se, nas ltimas eleies gerais, taxas de absteno abaixo dos 20%, sendo respectivamente3: 17,74% em 2002; 16,75% em 2006 e 18,12% em 2010. Vale ressaltar, ainda, que, desde a promulgao da Constituio brasileira em 1988, a maior absteno foi a das eleies de 1989, com o percentual de 21, 40%.
Usando os Estados Unidos como modelo para comparao, por fora da extenso territorial e do universo de eleitores4, constata-
3 Notcia do Correio Braziliense de 4 out. 2010. Disponvel em: . Acesso em: 14 dez. 2011.4 Apesar de diferenas significativas, como o bipartidarismo e a no obrigatoriedade do
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irase que somente 61,7% dos eleitores compareceram s urnas na eleio
presidencial de 2008; na Argentina, nas eleies de 2007, foram 71% dos eleitores que compareceram. Na eleio alem, em 2009, o ndice de comparecimento foi o menor desde 1949, pois apenas 70% compareceram, num pas cujo pblico votante costuma oscilar entre 80% e 90% do total5. Registramos, ainda, o caso de Portugal6, pas em que, nas eleies de 2011, apenas 58,9% dos eleitores aptos a votar compareceram s urnas.
Comparando o ndice de absteno em diversos pases, verifica-se que o Brasil apresenta um bom desempenho na relao voto e eleies, embora valha a ressalva de que no Brasil o voto obrigatrio, passvel de multa a recusa em exercer esse direito7.
Os brasileiros vo s urnas ordinariamente para eleger o presidente da Repblica e seu vice, os governadores e seus vices (tanto dos estados quanto do Distrito Federal), os deputados e senadores do Congresso Nacional, os deputados das assembleias estaduais e da distrital; tambm ordinariamente, mas em momento distinto, so chamados a escolher o prefeito e seu vice, alm dos vereadores.
Extraordinariamente, contudo, os votos apresentados pela sociedade diversificam-se. que a populao tambm pode ser chamada a votar em outras situaes, como no caso do plebiscito sobre o modelo presidencialista ou parlamentarista, sobre a repblica ou a monarquia, ou no caso da votao sobre a proibio da comercializao de armas de fogo e munies, ocorrida em 23 de outubro de 2005, ou, ainda, como ocorreu recentemente no estado do Par, quando a populao foi
voto (obrigatoriedade que, no caso brasileiro, acaba sendo, de alguma forma, flexibilizada pelas consequncias mnimas resultantes do no comparecimento s urnas na data das eleies).5 Disponvel em: . Acesso em: 14 dez. 2011.6 Disponvel em: . Acesso em: 14 dez. 2011.7 Como observamos anteriormente, preciso considerar a consequncia pelo descumprimento do dever de votar, que, basicamente, consiste em mera multa que, ademais, possui valor excessivamente irrisrio. Por isso, atualmente, questiona-se a potencialidade de seu alcance e do suposto e aclamado carter coercitivo do voto, j que o desleixo para com esse dever cvico custa algo que varia entre R$ 1,06 a R$ 3,51, podendo ser elevada, no mximo, em dez vezes. No pretendemos discutir, aqui, contudo, nessa temtica as diversas variveis nela envolvidas diretamente.
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consultada sobre o interesse na diviso (tripartite) do estado, em votao que ocorreu em 11 de dezembro de 2011, com resultado negativo para a pretendida diviso.
A populao confia e legitima as eleies brasileiras que, em ambiente de pluripartidarismo, liberdade partidria e liberdade de expresso, acabam sendo precedidas de disputa intensa entre muitos candidatos e partidos. Para Nicolau (2004, p. 7), [...] pouca gente duvida da legitimidade do processo eleitoral brasileiro. As fraudes foram praticamente eliminadas. A urna eletrnica permite que os resultados sejam proclamados poucas horas depois do pleito. Nicolau (2004, p. 8) tambm reala a participao da populao:
Quatro em cada cinco adultos compareceram s ltimas eleies para votar [referncia ao pleito de 2002]. O sufrgio universal, pois j no existem restries significativas que impeam qualquer cidado com pelo menos 16 anos de ser eleitor. Hoje, o Brasil tem o terceiro maior eleitorado do planeta, perdendo apenas para ndia e Estados Unidos.
As garantias que cercam o voto e as eleies na atualidade fazem do Brasil uma das maiores e mais bem-sucedidas democracias do mundo.
2 Informatizao das eleies e a urna eletrnica
Curiosamente, o Brasil, desde sua primeira lei eleitoral, o Cdigo Eleitoral de 1932, j previa a possibilidade de as eleies serem realizadas por meio de mquinas de votao, embora essas mquinas no existissem nessa poca.
Toda vez que o Cdigo Eleitoral de 32 se referia captura e contagem de votos, em vez de se referir exclusivamente s urnas, referia-se sempre de forma alternativa, incluindo, alm da urna, a mquina de votao. Assim, desde ento, esteve prevista a adoo de uma mquina de votar, plenamente amparada pela Lei.
Art. 85. Terminada a votao, o presidente encerrar o ato eleitoral com as seguintes providncias:
a) selar a mquina, ou a abertura da urna, com uma tira de papel forte, que levar sua assinatura, bem como a dos fiscais
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irade candidatos e delegados de partidos, os quais tambm
podero apor suas impresses digitais na tira;
Art. 57. Resguarda o sigilo do voto um dos processos mencionados abaixo. [...]
1) registro obrigatrio dos candidatos, at cinco dias antes da eleio;
2) uso das mquinas de votar, regulado oportunamente pelo Tribunal Superior, de acordo com o regime deste Cdigo.
Art. 82. Se se utilizarem mquinas de votar, o processo de votao ser regulamentado oportunamente. (originais no grifados)
Embora a legislao eleitoral tenha previsto a existncia da mquina de votar, nada foi concretizado antes da urna eletrnica que conhecemos na atualidade. Entretanto, nesses mais de cinquenta anos, muitas tentativas foram realizadas, valendo meno inicial o projeto de Scrates Ricardo Puntel, na dcada de 1960, que no foi aprovado pelo Tribunal Superior Eleitoral por ser considerado ineficiente. Em 1978, o Tribunal Regional de Minas Gerais apresentou ao TSE um prottipo de uma mquina de votar tambm no levada a efeito.
Outros tribunais regionais, isoladamente, desenvolveram, a partir da, algumas ideias que visavam automao dos processos eleitorais, principalmente ao cadastramento de eleitores, como fez o Tribunal Regional do Rio Grande do Sul, em 1983. Antes disso, em dezembro de 1981, o ento presidente do TSE, ministro Moreira Alves, encaminhou Presidncia da Repblica o anteprojeto que dispunha sobre a utilizao de processamento eletrnico de dados nos servios eleitorais.8
Mas foi em 1986 que a Justia eleitoral brasileira iniciou seu processo de informatizao, criando o cadastro nico informatizado de eleitores. Esse recadastramento, alm de impossibilitar a inscrio do mesmo eleitor em diversos estados da federao (e, com isso, impedir o voto duplo ou triplo), possibilitou uma srie de aes de modernizao, entre as quais podemos destacar: 1) instalao de um parque computacional prprio para o Tribunal Superior Eleitoral, para
8 Disponvel em: . Acesso em: 3 nov. 2011.
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os 27 tribunais regionais eleitorais e para as 2.854 zonas eleitorais de todo o pas; e 2) implementao de uma rede de transmisso de dados, interligando todo o parque computacional (TSE, 2010).
Em 1996, a urna eletrnica passou a fazer parte da histria das eleies brasileiras e, em seus quinze anos de existncia, conduziu uma revoluo do processo eleitoral brasileiro, tendo sido responsvel por diversos benefcios, dentre os quais ressaltamos a eficincia, a transparncia e a segurana (TAVARES, 2011, p. A-12).
Para exemplificar sua eficincia, vale verificar seu desempenho na ltima eleio presidencial, cujo resultado foi anunciado apenas uma hora e quatro minutos aps o fechamento da ltima urna no pas, momento em que nada menos que 92,23% das urnas haviam tido o seu contedo contabilizado. s 22h01, houve a divulgao e o fechamento de todo o processo eleitoral nacional, com a divulgao do governador eleito de Roraima, isto , em cerca de 3 horas, 135.884.852 votos, distribudos em mais de 419.548 sees eleitorais e depositados em 400.001 urnas eletrnicas, haviam sido apurados.
Alm de eficiente, a urna eletrnica j se consagrou como exemplo de segurana, o que motivou sua aprovao nacional e internacional. Dentre os inmeros testes de segurana realizados, destaco os testes pblicos que foram acompanhados por uma comisso avaliadora composta por cientistas de reas como Segurana da Informao, Engenharia Eletrnica, Cincias da Computao e Informao, Direito e Economia. Nesses testes, franqueou-se a participao popular e os investigadores (denominao atribuda a esses participantes) tiveram por quatro dias acesso livre, cujo objetivo era demonstrar a vulnerabilidade da urna eletrnica, objetivo no atingido por nenhum dos 37 hackers inscritos nos testes.
Alm desse importante teste, vale tambm mencionar a votao paralela, que um rigoroso teste realizado no dia das eleies perante representantes dos partidos polticos, do Ministrio Pblico e da Ordem dos Advogados do Brasil. Consiste no sorteio de urnas eletrnicas dentre aquelas que sero utilizadas para as eleies e, no mesmo momento das eleies, test-las em paralelo, isto , simultaneamente, com a simulao controlada de uma votao nessas urnas e conferncia de seus resultados eletrnicos com o controle inicial.
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iraQuanto transparncia, vale indicar o acompanhamento em
tempo real da apurao, como ocorreu nas ltimas eleies gerais com o programa Divulga 2010, pelo qual o Tribunal Superior Eleitoral fornecia o percentual de votos dos candidatos e o nmero de votos por estado, cidade e zona eleitoral, podendo haver acompanhamento pela internet, alm da divulgao instantnea por toda a imprensa brasileira.
A transparncia tambm realada pelos testes pblicos de segurana e pela votao paralela. A somatria desse conjunto de virtudes (eficincia, segurana e transparncia) faz do processo eleitoral brasileiro motivo de orgulho nacional, gerando respostas certas e rpidas a toda populao.
Para exemplificar o grau de importncia desse conjunto de virtudes, considerando o procedimento de contagem de votos e o comparando aos recentes escndalos eleitorais ocorridos no mundo, podemos relembrar alguns casos (TAVARES, 2010).
No Equador, nas eleies de 2006, a demora de mais de dois dias para computar os votos suscitaram srias dvidas e denncias de fraude eleitoral. J no Mxico, neste mesmo ano, as eleies ficaram marcadas por diversas acusaes e, dentre elas, estava a de que alguns distritos eleitorais haviam recebido um nmero maior de votos do que o nmero registrado de eleitores.
Tanto nos EUA quanto no Afeganisto, a existncia de um processo deficitrio de contagem dos votos, incapaz de dar um destino final aos denominados votos nulos, colocou em xeque o resultado eleitoral. A demora na apurao dos votos acabou por prejudicar a definio do resultado (caso dos EUA, eis que a morosidade na apurao dos votos, para alm do extenso prazo de 7 dias, invalidou um nmero importante de votos, que poderiam ter mudado o resultado das eleies de 2000). No Afeganisto, no ano de 2009, votos previamente desconsiderados por serem nulos, segundo apurou um rgo da mdia (um correspondente da rede CBS News) foram, posteriormente, computados em benefcio do candidato governista.
Nas eleies regionais bolivianas, realizadas em 2010, as suspeitas de fraudes eleitorais tambm aqueceram os debates, tendo o presidente Evo Morales solicitado auxlio da comunidade internacional para comprovar a veracidade das denncias. Quanto aos departamentos
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de Pando e Beni, Evo Morales assegurou que a fraude est totalmente comprovada. Diante das denncias de fraude, a Corte Nacional Eleitoral determinou a repetio da votao nos departamentos de La Paz, Oruro, Santa Cruz e Pando no dia 18 de abril.
Mais recentemente, na Rssia, as eleies parlamentares realizadas em 04 de dezembro de 2011 foram alvo de diversas denncias de fraudes eleitorais, sendo apontadas irregularidades pelos observadores internacionais da Organizao para a Segurana e Cooperao na Europa (OSCE) e da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa (PACE), assim como pelo grupo russo Golos, que apontou o registro de 5,3 mil irregularidades. H, inclusive, um vdeo9 apresentado mdia pelos observadores internacionais no qual um funcionrio, aparentemente, adultera a votao.
possvel concluir que eficincia, segurana e transparncia formam o alicerce da honestidade do processo eleitoral, no alimentando incertezas e impedindo a multiplicao de denncias inconsistentes que buscam a ou resultam apenas na instabilidade institucional injustificada.
Quanto aprovao e facilidade da urna eletrnica, vale rever a pesquisa realizada pela Sensus Pesquisa e Consultoria10 aps as eleies de 2010, apontando a aprovao de 94,4% dos entrevistados.
URNA ELETRNICA Avaliao
NOV 10 %
Sentiu dificuldade 12,5No sentiu dificuldade 85,0
ns/nr 2,6Total 100,0
Como o sr(a) avalia a dificuldade de utilizao da Urna Eletrnica:
9 Disponvel em: . Acesso em: 27 dez. 2011.10 Disponvel em: . Acesso em: 11 nov. 2011. Metodologia: 2.000 entrevistas, estratificadas para 5 Regies e 24 Estados, com o sorteio aleatrio de 136 municpios pelo mtodo da Probabilidade Proporcional ao Tamanho (PPT). Probabilstica sistemtica at o setor censitrio para urbano e rural, com cotas para sexo, idade, escolaridade e renda no setor censitrio.
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URNA ELETRNICA Aprovao
NOV 10 %
Aprova 94,4Desaprova 4,4
ns/nr 1,2Total 100,0
sr(a) aprova ou desaprova a Urna Eletrnica:
A comparao entre esses dois quesitos da pesquisa gera tambm outra concluso, no sentido de que, dentre aqueles que declararam ter alguma dificuldade na utilizao da urna eletrnica (12,5%), mais da metade deles ainda assim aprova a sua utilizao, j que do total apenas 4,4% reprovam.
Essa pesquisa reala a confiana do eleitor brasileiro na urna eletrnica e a baixa dificuldade em oper-la. Quanto a esse ltimo quesito, relevante conhecer o trabalho apresentado no IV Congresso Latino-Americano de Opinio Pblica da WAPOR (World Association of Public Opinion Research) por Gastaldi e Rosendo (2011), que expem duas tabelas com a dificuldade apontada pelos eleitores entrevistados, fazendo uma diviso por gnero, idade, escolaridade, regio e domiclio em capitais ou periferias.
Essa pesquisa foi realizada logo aps o primeiro turno das eleies de 201011 pelo Instituto Brasileiro de Opinio e Estatstica (IBOPE). O percentual verificado muito prximo ao mencionado na pesquisa anterior, pois neste caso constatou-se que 14% dos eleitores tiveram alguma dificuldade em registrar seu voto em algum cargo.
Na ocasio, a pergunta era a seguinte: No ltimo dia 3, o eleitor teve que votar para deputado estadual e federal, para dois senadores, para governador e para presidente. Considerando que eram ao todo seis votos, ou seja, seis candidatos para quem o(a) sr(a) deveria digitar os nmeros da urna eletrnica, o(a) sr(a) diria que: - teve bastante dificuldade para votar (5%), teve alguma dificuldade para votar (9%), ou no teve dificuldade para votar nos seus candidatos na urna eletrnica (85%).
11 Realizada entre 15 e 18 de outubro de 2010.
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Da anlise em conjunto das tabelas, os autores realam a surpresa por constatar que a dificuldade em utilizar a urna no se restringiu a algum segmento ou regio, apresentando certa linearidade diante das variveis: este comportamento no ficou restrito a eleitores com menor escolaridade, menor renda e que residem em locais com menor infraestrutura, como se poderia supor a princpio. A distribuio das respostas mostra claramente que, embora tenham se sobressado um pouco os eleitores mais velhos e os de menor escolaridade (praticamente
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iraum quarto destes relata ter encontrado muita ou pelo menos alguma
dificuldade com a quantidade e ordem dos cargos na urna eletrnica), este problema est presente em todos os demais segmentos, para todas as variveis avaliadas, e distribui-se de maneira muito parecida em todas as regies do pas e por tipo e porte dos municpios.
Em artigo no qual discute o voto eletrnico, Fernndez Rodrguez (2010, p. 58-59) elenca as vantagens e desvantagens do voto realizado por meio da urna eletrnica, citando, no primeiro grupo, a facilidade para registrar o voto, a reduo de custos, a diminuio da carga de trabalho, a celeridade para obter e difundir os resultados e a reduo de conflito em caso de recontagem dos votos, dada sua simplicidade e rapidez. Como exemplo de desvantagens desse tipo de voto, o referido autor menciona a despersonalizao da poltica e a falta de segurana.
Entretanto, vale questionar diante da realidade brasileira se h de fato a indicada vantagem de reduo de custos. A implementao do sistema eletrnico, realmente, gera um custo maior na realizao das eleies. Porm, com o passar do tempo, realizando mais eleies pelo voto eletrnico, esses gastos se diluem, podendo chegar ao ponto de equilbrio e, posteriormente, tornar as eleies eletrnicas menos custosas do que as tradicionais, que exigem o excesso de material grfico e de mo de obra para sua operacionalizao.
Quanto s desvantagens apontadas por Jos Julio Fernndez Rodrguez, algumas tambm merecem questionamentos diante da realidade brasileira. Primeiro, quanto despersonalizao da poltica. Neste caso, na experincia brasileira, foi produzido um efeito contrrio a este j que a urna eletrnica possibilitou a identidade do candidato mediante nome, nmero e foto no ato da opo pelo voto (o que deve ser levado a efeito especialmente considerando os altos ndices de analfabetismo). Assim, foi personificada a poltica no ato do voto, ampliando a certeza e o elo entre eleitor e candidato. Observao semelhante fez Nicolau (2004) ao escrever que:
Em que pese ter sido adotada, sobretudo para dar cabo das ainda persistentes fraudes na apurao dos votos, a urna eletrnica teve um outro efeito positivo, que foi o de facilitar o processo de votao. Com isso, mais eleitores se sentiram estimulados a votar (os votos brancos reduziram-se acentuadamente). Nas eleies para a Cmara dos Deputados
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e Assembleia Legislativa, houve tambm uma reduo dos votos nulos, o que um provvel indicador de que para o eleitor mais fcil teclar a urna eletrnica do que escrever o nome ou o nmero do seu candidato.
Quanto falta de segurana, como j mencionado antes, a implantao das urnas eletrnicas no sistema brasileiro foi realizada pela Justia Eleitoral de maneira gradativa, sendo acompanhada, em todas as eleies, de diversos testes de segurana. Considerando a aprovao macia da populao brasileira, esse no um elemento de desvantagem no cenrio nacional.
3 Pressupostos para o sucesso da implantao da urna eletrnica: a experincia brasileira
Promover as eleies por meio das urnas eletrnicas um desafio to complexo quanto multidisciplinar, exigindo um grandioso projeto que envolve as mais variadas reas do conhecimento.
Ao analisar as peculiaridades fticas do Brasil que interferem direta ou indiretamente nas eleies, forma-se uma longa e temerosa lista que at pouco tempo era invocada pelos pessimistas como certeza do fracasso das urnas eletrnicas. Esta lista geralmente comeava pela dimenso territorial brasileira, passando pela dificuldade de acesso s diversas comunidades, a pluralidade cultural, o alto percentual daqueles que no esto includos digitalmente, a faculdade de voto atribuda ao analfabeto, as diferentes esferas do Estado com eleies especficas para os cargos de sua competncia, o grande nmero de candidatos e de eleitores, a existncia de eleies tanto pelo sistema majoritrio quanto proporcional, entre tantas outras barreiras.
As dificuldades fticas encontraram amparo no arcabouo jurdico que envolve o Direito Eleitoral e o processo eleitoral brasileiro que favorece o transpasse desses obstculos, especificamente por fora de alguns pilares que constituem os pressupostos jurdicos das eleies por urna eletrnica.
No campo ftico, alm do domnio especfico da tecnologia, so necessrios altos investimentos pessoais e financeiros. H grande mobilizao de diversos setores do Estado, envolvendo muitos tcnicos
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iracom seriedade e grave responsabilidade. um projeto de longo prazo
que somente ser vivel se seus custos forem diludos ao longo do tempo, exigindo uma atuao forte, segura e constante, com aes de forma integrada e horizontal, preservando a homogeneidade no emprego de esforos e na obteno de resultados, alm de um eficiente plano de conteno e logstica perfeita.
Todo esse aparato ftico reflete no mundo jurdico e exige suporte com as mesmas dimenses e caractersticas mencionadas, isto , um projeto jurdico de longo prazo, um rgo controlador do processo eleitoral com atuao forte, segura e constante, com decises uniformes, atuando de forma integrada e horizontal em sua estrutura, preservando a homogeneidade no emprego de esforos e na obteno de resultados, alm de eficiente plano de conteno e logstica perfeita.
O sucesso do processo eleitoral, em especial do processo eleitoral eletrnico, diretamente proporcional ao sucesso de seu rgo gestor. Desde a criao da Justia Eleitoral no Brasil, na dcada de 1930, o sistema de controle de processo eleitoral adotado foi o jurisdicional por meio de uma Justia especializada que exerce todas as funes inerentes ao processo eleitoral e seu controle.
Esse controle, exercido por rgo desincumbido de qualquer interesse poltico e apoiado no prestgio conquistado pela imparcialidade habitual nas funes jurisdicionais, permitiu um alto grau de confiana entre o eleitorado e a Justia Eleitoral, o que fundamental para a formao da atmosfera jurdica necessria para a votao por meio da urna eletrnica. Sem essa confiana prvia, o sucesso da implantao da urna eletrnica ficaria ainda mais distante j que nas eleies que os anseios da populao se materializam no voto, mas no caso da urna eletrnica, em vez de essa vontade se materializar, ela transforma-se imediatamente em dados imateriais que ficam sob a custdia exclusiva do rgo controlador, por isso demanda uma confiana ainda mais acentuada do que nas eleies por cdulas.
Alm da confiana no rgo gestor do processo eleitoral, muito importante a concentrao de funes, como ocorre na Justia Eleitoral brasileira, que rene diversas atribuies e competncias, podendo ser agrupadas em administrativas, normativas, jurisdicionais e consultivas. A atividade administrativa da Justia Eleitoral orbita o ncleo constitudo
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pela organizao e administrao das eleies e, dentre tantas atividades, destacam-se: administrao do cadastro de eleitores, atos de alistamento e transferncia eleitoral, reviso do eleitorado, designao de locais de votao, criao das sees eleitorais, criao das zonas eleitorais, nomeao e convocao de mesrios e escrutinadores, apurao e julgamento dos procedimentos individuais de cancelamento dos eleitores.
A Justia Eleitoral brasileira dotada de competncia e atribuies normativas, sendo responsvel pela edio de resolues sobre matria eleitoral. Essas resolues devem ser expedidas de acordo com a lei. Alis, uma das funes dessas resolues justamente facilitar a eficcia da lei, pormenorizando adequadamente seu teor. Esse poder normativo exercido de forma clere, que facilita a certeza legal mesmo durante o desenrolar do processo eleitoral, evitando suspenses e adiamentos.
Um ltimo ponto quanto ao rgo gestor do processo eleitoral que se relaciona diretamente com o sucesso da implantao da votao eletrnica a unidade desse rgo. No caso brasileiro, a estrutura da Justia Eleitoral nacional e, em linhas gerais, composta pelo Tribunal Superior Eleitoral como seu rgo de cpula de atuao nacional, alm dos Tribunais Regionais Eleitorais no mbito dos estados-membros e do Distrito Federal, e, por fim, no mbito dos municpios, onde sua funo exercida pelos juzes estaduais, j que este ente federativo no conta com Judicirio prprio. Toda essa estrutura interligada em uma relao hierrquica, mantendo a unidade das condutas por toda sua atuao.
Outro ponto que completa essa atmosfera jurdica, favorecendo as eleies por meio das urnas eletrnicas, a unidade da legislao eleitoral brasileira. Como no Brasil todos os entes federativos (Unio, estados-membros, Distrito Federal e municpios) tm autonomia e so dotados da capacidade de legislar, a Constituio brasileira tratou minuciosamente dessa partilha entre eles.
No art. 22 da Constituio brasileira, o locus das competncias privativas da Unio destinou seu primeiro inciso para essa matria, incumbindo a Unio de legislar sobre Direito Eleitoral. Portanto, no Brasil, apenas a Unio tem capacidade para legislar sobre esta matria, no sendo permitido qualquer intromisso legislativa a respeito, o que mantm ntegra essa unidade nacional da legislao eleitoral brasileira. Assim, embora os entes sejam dotados de autonomia, o regramento
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iraeleitoral o mesmo e aplicado no mbito nacional, abrangendo todos os
entes federativos e todos os cargos polticos eletivos independentemente do sistema eleitoral adotado.
Com a mesma legislao eleitoral incidindo homogeneamente em todo territrio nacional e um rgo controlador do processo eleitoral atuante no mesmo mbito com traos de fora, segurana e transparncia, cobre-se com um manto de simetria um pas, mesmo to assimtrico quanto o Brasil, pois forma-se uma atmosfera jurdica que permite todo o sincronismo de atividades. Isso gera um ciclo de confiana que alimenta a paz que comumente perturbada pelo perodo eleitoral. Portanto, o Estado dirige o processo eleitoral com competncia ftica e jurdica, gerando rpidas respostas sociedade, que retribui com confiana e se submete pacificao dos nimos que naturalmente se acirram pelas divergncias eleitorais.
4 O dilema: voto impresso versus voto eletrnico
A Lei n 10.408 de 11 de janeiro de 2002 trouxe a obrigatoriedade de impresso do voto com o objetivo de facultar ao eleitor a conferncia de seu voto digital com sua verso impressa. Se, ao conferir o voto impresso, o eleitor no concordasse com os dados nele registrados, poderia cancel-lo e repetir a votao pelo sistema eletrnico. Caso reiterasse a discordncia entre os dados da tela da urna eletrnica e o voto impresso, seu voto seria colhido em separado e apurado na forma a ser definida pelo Tribunal Superior Eleitoral.
Outra obrigatoriedade trazida por essa lei consistia em um sorteio pelo juiz eleitoral na vspera do dia da votao, em audincia pblica, de trs por cento das urnas de cada zona eleitoral, respeitado o limite mnimo de trs urnas por municpio, que deveriam ter seus votos impressos contados e conferidos com os resultados apresentados pelo respectivo boletim de urna. Eventual diferena entre o resultado apresentado no boletim de urna e o da contagem dos votos impressos seria resolvida pelo juiz eleitoral, que tambm decidiria sobre a conferncia de outras urnas.
Para atender a essa determinao legal, a Justia Eleitoral brasileira iniciou uma experincia nas eleies de 2002 com cerca de sete milhes de eleitores. Entretanto, o resultado foi negativo diante do
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excesso de problemas nas urnas e nas impressoras. Os setores tcnicos apontaram uma lista, relacionando os problemas identificados nesta experincia (TSE, 2010):
Desconhecimento por parte de eleitores e de mesrios quanto ao novo mecanismo, o que dificultou os trabalhos;
Custos de implantao muito altos;
Nmero significativo de eleitores que saram da cabine sem confirmar o voto impresso, o que sugere sua desnecessidade;
Demora na votao nas sees onde houve voto impresso;
Procedimento mais demorado na carga dos programas;
Necessidade de procedimentos de transporte, de guarda e de segurana fsica das urnas de lona com os votos impressos;
Treinamento mais complexo para os mesrios, contrariando a orientao geral de simplificao do processo eleitoral;
Ocorrncia de problemas tcnicos na porta de conexo do mdulo impressor, o que a deixava vulnervel a tentativas de fraude;
Dificuldade de manter o sigilo do voto, j que, para resolver os problemas de travamento de papel na impressora, o tcnico visualiza o voto do eleitor que ficou na impressora, quebrando assim o sigilo constitucional do voto;
Possibilidade de falha, pois com o travamento e a perda de apenas um voto impresso, o resultado da eleio pode ser comprometido pela divergncia entre o resultado da urna eletrnica e o da urna de lona;
Interferncia externa, j que um eleitor pode intencionalmente impugnar a urna eletrnica por alegao de divergncia entre o voto impresso e o voto digitado na urna eletrnica, tumultuando o andamento da votao;
Interveno humana na organizao dos votos impressos, bem como na sua recontagem, o que pode favorecer ou prejudicar os candidatos;
Risco de abalo da credibilidade do processo eleitoral, que pode ser ocasionado por divergncia entre o resultado manual, gerado por algum problema mecnico simples, e o resultado eletrnico;
Alto consumo de bobinas de papel para imprimir o voto desnecessariamente;
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ira Aumento do custo, gerado pela necessidade de aquisio de
impressoras e implementao de infraestrutura.
J a Lei n 10.740, de 1 de outubro de 2003, instituiu o registro digital de cada voto e a identificao da urna em que foi registrado, resguardado o anonimato do eleitor. Com isso passou a ser possvel a recontagem dos votos, de forma automatizada, sem comprometer a credibilidade do processo eletrnico de votao (TSE, 2010), afastando a obrigatoriedade de implantao do voto impresso.
Mas com a Lei n. 12.034, de 29 de setembro de 2009, o voto impresso retornou ao ordenamento jurdico, sendo exigido por seu art. 5 a partir das eleies de 2014.
Os trs primeiros pargrafos do art. 5 descrevem em linhas gerais o procedimento a ser adotado, ou seja, o modelo de mquina e de instrumentos que devem ser disponibilizados:
1 A mquina de votar exibir para o eleitor, primeiramente, as telas referentes s eleies proporcionais; em seguida, as referentes s eleies majoritrias; finalmente, o voto completo para conferncia visual do eleitor e confirmao final do voto.
2 Aps a confirmao final do voto pelo eleitor, a urna eletrnica imprimir um nmero nico de identificao do voto associado sua prpria assinatura digital.
3 O voto dever ser depositado de forma automtica, sem contato manual do eleitor, em local previamente lacrado.
O pargrafo quarto expe a finalidade da impresso do voto, dispondo que, aps o fim da votao, em audincia pblica, a Justia Eleitoral realizar auditoria, independentemente do software, mediante o sorteio de 2% das urnas eletrnicas de cada zona eleitoral, que devero ter seus votos contados e comparados com os resultados apresentados pelo boletim emitido pela urna eletrnica. O quinto e ltimo pargrafo refere-se permisso do uso de identificao do eleitor por sua biometria ou pela digitao do seu nome ou nmero de eleitor, desde que a mquina de identificar no tenha nenhuma conexo com a urna eletrnica.
A questo foi levada ao Supremo Tribunal Federal pela Ao Direta de Inconstitucionalidade n 4.543, promovida pela Procuradoria-
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Geral da Repblica, cujo objeto foi o art. 5 da Lei n. 12.034 que como j mencionado prev a criao do voto impresso.
A Procuradoria o considerou um atentado contra a Constituio brasileira, em especial ao art. 14, que se refere ao sigilo do voto, tendo justificado seu entendimento com vrios argumentos, dentre os quais, mencionamos o seguinte: a impresso do voto permitir a identificao dos eleitores, por meio da associao de sua assinatura digital ao nmero nico de identificao impresso pela urna eletrnica. Alm disso, a petio tambm mencionou a possibilidade de uma mesma pessoa votar mais do que uma vez, j que o sistema no poderia ser encerrado pelo funcionrio pblico responsvel. Foram apontadas tambm as dificuldades advindas da instalao e manuteno da impressora que deveria ser acoplada urna eletrnica, especificamente, diante da alta probabilidade de falha mecnica.
Diante da urgncia, por fora da proximidade da aquisio das impressoras e demais produtos necessrios adaptao das urnas eletrnicas, a Procuradoria-Geral da Repblica requereu liminarmente a suspenso dos efeitos desse dispositivo legal.
Sob a relatoria da ministra Crmen Lcia, a deciso sobre o pedido liminar foi levada a plenrio no dia 19 de outubro de 2011 e, por votao unnime, foi deferida a medida cautelar. A relatora dividiu a fundamentao de seu voto em quatro partes: voto secreto e voto impresso; um eleitor, um voto; o princpio da proibio de retrocesso poltico; e os inconvenientes do voto impresso.
Quanto ao segredo do voto, a impresso gera ao menos dois problemas: o primeiro est em criar a possibilidade de se identificar o eleitor de determinado voto por meio da associao da assinatura digital, e o segundo se refere alta probalidade de falhas mecnicas nas impressoras, obrigando a presena constante de terceiros no ambiente da urna.
Quanto possibilidade de mais de um voto por eleitor, tal inconveniente decorre da independncia da urna eletrnica em relao ao terminal de votao, impossibilitando que o presidente da mesa eleitoral abra e encerre o perodo de votao, o que facilitaria a fraude por deixar ao prprio eleitor esse controle.
Outro ponto que a ministra relatora trouxe refere-se ao princpio da proibio do retrocesso poltico, identificando a atmosfera
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irade confiana no sigilo e invulnerabilidade do voto eletrnico como uma
conquista impossvel de retroceder. Em suas palavras:
Como se d quanto aos direitos sociais, a proibio de retrocesso poltico-constitucional impede que direitos conquistados, como o da democracia representativa exercida segundo modelo de votao que, comprovadamente, assegura o direito ao voto com garantia de segredo e invulnerabilidade da escolha retroceda para dar lugar a modelo superado exatamente pela vulnerabilidade em que pe o processo eleitoral.
Por ltimo, seu voto trouxe os inconvenientes do voto impresso, que em pouco distoam daqueles j constatados na experincia realizada em 2002, com destaque para a instabilidade do mecanismo de impresso, seu alto custo e a ampliao do universo de possveis fraudes, tornando o modelo de urna brasileira um modelo vulnervel e, com isso, cerceando conquistas democrticas.
5 Concluses
A relao do Brasil com o voto tem sido acompanhada de diversas transformaes, sempre realando o mpeto inovador que fez surgir, j no Cdigo Eleitoral de 1932, a previso de uma mquina de votar. Essa intensa relao criou campo frtil para a urna eletrnica, que contou com a unidade, eficincia e segurana da gesto do processo de eleies pela Justia Eleitoral e com a unidade da legislao especfica.
De fato, a votao eletrnica conquistou e cativou os eleitores brasileiros, transformando as eleies e enaltecendo ainda mais as virtudes: eficincia, segurana e transparncia que funcionam como o trip em que se sustenta a lisura do processo eleitoral. Em ltima anlise, o sistema eletrnico de votao fomentou a democracia brasileira, reforando seu alicerce central, a soberania popular.
O trabalho constante da Justia Eleitoral verte para o aperfeioamento da urna eletrnica, desenvolvendo ainda mais seus componentes fsicos (hardware) e seu software. Ademais, busca-se, doravante, acoplar a todo sistema eletrnico de votao um modelo de identificao biomtrica, j em fase de expanso. Inverter o ciclo de evoluo desse instrumento significa abalar essas virtudes, provocando
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verdadeiro retrocesso democrtico, desiluso e desestmulo para a populao brasileira e desconfiana no sistema at ento utilizado, sem qualquer justificativa.
O voto impresso, no atual estgio alcanado pela democracia brasileira, interfere diretamente na segurana eleitoral, alm de onerar desnecessariamente o Estado brasileiro e provocar retrocesso poltico, por compactuar com o distanciamento quanto a uma conquista democratiamente relevante no Brasil, consistente no sigilo absoluto do voto, especialmente considerando localidades nas quais ainda se percebe a tentativa de se exercer certa conduo da vida e vontade dos eleitores.
Mas outro fator deve ser averiguado: a que finalidade se presta, ainda na atualidade, um voto impresso ou em papel? Seus poucos defensores argumentam que com sua adoo se inauguraria uma possibilidade de se auditar externamente a votao. Olvidam-se, claramente, do fato de que isso j efetuado por meio da denominada votao paralela, assim como por meio da conferncia dos boletins de urnas, com todo aparato tecnolgico de criptografia e controle desses dados que assegura tambm ao processo de controle a necessria segurana demandada pelo sigilo do voto.
Especificamente sobre a segurana da urna eletrnica, o ministro Fernando Neves (2005, p. 151) observou que a adoo desse sistema no Brasil eliminou toda a possibilidade de fraude que existia no momento da votao e da apurao, duas importantes etapas do processo eleitoral.
As pesquisas de diversos institutos, como as anteriormente mencionadas, apontam para a aprovao macia da urna eletrnica. Assim, a implantao de mecanismo externo para conferncia abrir porta para a instabilidade jurdica e poltica nas eleies brasileiras. Alm disso, o procedimento manual de contagem dos votos que automaticamente se admitiria e implantaria com o novo modelo muito mais vulnervel do que o eletrnico, podendo gerar a desconfiana no sistema por sua via inversa, isto , eventual falha na contagem manual macularia a contagem eletrnica (mesmo que ntegra estivesse) e consequentemente o processo eleitoral como um todo.
Ainda sobre a mescla do sistema de voto tradicional (por cdula) e o eletrnico, valem as afirmaes de Fernndez Rodrguez (2010, p. 63), que reala a importncia de usar os dois sistemas simultaneamente,
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iraprovocando maior acessibilidade e atendendo amplamente o princpio da
universalidade. Entretanto, ressalva o autor, nesse ponto, que a utilizao do voto tradicional e eletrnico simultaneamente deveria ocorrer apenas em fase transitria na ocasio da implantao, e fundamenta essa importante ressalva na incompatibilidade de uso de ambos os sistemas, provocando duplicidade de tarefas e de procedimento, alm de diversas outras disfuncionalidades.
Enfim, a adoo do voto impresso em nossas eleies compromoteria a estrutura das eleies, atingindo frontalmente um dos pivs da revoluo tecnolgica que transformou as eleies brasileiras: a urna eletrnica. Em outras palavras, todos os atributos que provocam essa admirao nacional e internacional estariam sob forte ameaa, j que geraria maior insegurana, provocando dvidas que no existem, gerando custos desnecessrios e prejudicando em muito a certeza e a rapidez da apurao de votos, o que daria margem para a inveno e instigao de conflitos e criaria obstculos para a fluidez da prpria democracia.
Referncias
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DA INELEGIBILIDADE POR REJEIO DE CONTAS POR PARTE DE PREFEITOS MUNICIPAIS
Walber de Moura Agra1
Resumo
Trata da inelegibilidade por rejeio de contas por parte do ordenador de despesa. Destaca que, aps a Segunda Guerra Mundial, a Constituio passou a absorver valores jurdicos, polticos e morais que a sociedade considera imprescindveis. No Brasil, as Constituies de 1934, 1937, 1946, 1967/EC n 1/69 tipificaram como crime de responsabilidade do presidente da Repblica os atos antagnicos probidade administrativa e moralidade. Assim, a moralidade deixou de ser um mandamento de cunho retrico e passou a ser um mandamento imperativo, de fora constitucional. Cita a Lei Complementar 64/1990, que incluiu, dentre os casos de inelegibilidades, aquele decorrente de rejeio de contas no que tange ao exerccio de cargos ou funes pblicas em que ficar configurada a improbidade administrativa, e a Lei Complementar 135/2010, que estendeu o prazo de inelegibilidade por rejeio de contas de cinco para oito anos.
Palavras-chave: Inelegibilidade. Improbidade administrativa. Rejeio de contas. Prefeito.
Abstract
Its ineligibility for rejection of accounts by the originator of expense. Points out that, after the Second World War, the Constitution has to absorb values legal, political and moral society considers essential. In Brazil, the Constitutions of 1934, 1937, 1946, 1967/EC n 1/69 typified as a crime of responsibility of the president acts antagonistic to the administrative probity and morality. Thus, morality has ceased to be a rhetorical command of nature and became an imperative command of constitutional force. Cites the Complementary Law 64/1990, which included, among cases of ineligibility, that due to rejection of accounts with respect to the exercise of public duties or functions to be configured in which the administrative misconduct, and Complementary Law 135/2010, which extended the period of ineligibility for rejection of accounts from five to eight years.
1 Mestre pela UFPE. Doutor pela UFPE/Universit degli Studi di Firenze. Ps-Doutor pela Universit Montesquieu Moura Bordeaux IV. Presidente da Comisso de Direito Eleitoral da OAB/PE. Vice-Diretor da EJE-TSE.
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Keywords: Ineligibility. Improper conduct. Rejection of accounts. Prefect.
1 A encampao de valores pela Constituio consubstanciada na primazia de probidade administrativa
Torna-se inexorvel para compreenso da hodierna incorporao dos valores pelo Texto Constitucional, conditio sine qua non, uma retrospectiva histrica acerca do positivismo kelseniano. Certamente, a histria demonstra que o ordenamento jurdico em tempos pretritos, isto , durante o sculo XIX, era composto por um sistema invariavelmente normativo, cujo escopo seria alcanar uma pureza metodolgica das normas jurdicas, atravs de um corte epistemolgico e de uma depurao axiolgica.
Tal mtodo tinha o apangio de tergiversar a lgica estrutural do Direito das injunes do jusnaturalismo, da utopia da Justia, da metafsica dos valores, dos aspectos sociais da sociologia e das origens histricas dos costumes (KELSEN, 1998, p. 291-293). O escopo era expurgar a discricionariedade do intrprete autntico do Direito, retirando qualquer esfera subjetiva e valorativa da hermenutica jurdica, proporcionando ao Estado-Juiz uma mera condio de ser um instrumento de reproduo literal do ordenamento jurdico. O Juiz, nessa poca, era, segundo Montesquieu, La bouche de la loi (1973, p. 91).
cedio que, aps a Segunda Guerra Mundial, o constitucionalismo passou por uma inexorvel mutao, isto , o Direito atravessou um processo de evoluo social, em que a Lex Mater passou a absorver valores jurdicos, polticos e morais que a sociedade considera como imprescindveis. Assim, o constitucionalismo moderno torna-se uma facticidade lgica entre o Direito e a democracia (MIRANDA, 2000, p. 198).
O neoconstitucionalismo propulsionado pelos seguintes aspectos: a) falncia do padro normativo, que fora desenvolvido no sculo XVIII, baseado na supremacia do parlamento; b) influncia da globalizao; c) ps-modernidade; d) superao do positivismo clssico; e) centralidade dos direitos fundamentais; f) diferenciao qualitativa entre princpios e regras; g) revalorizao do Direito.
Nesse sentido, um dos valores mais importantes positivados pelo Texto Constitucional a moralidade. Por muito tempo, perdurou-se a
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mxima de que um ato imoral no ilegal. Tal distoro forcejava que a sociedade suportasse tal teratologia por parte dos gestores pblicos, sob o arrimo de que o ato seria apenas imoral, mas no ilegal.
No se pode olvidar a preciosa distino entre Moral e Direito feita por Hans Kelsen, em que o insigne jurista afirma que a distino bsica entre os dois institutos est na ausncia de coercibilidade da Moral, isto , no fato de que esta desprovida de qualquer sano, situao em que vincularia apenas a subjetividade do ser humano no seu sentido de per si.2
No Brasil, as Constituies de 1934, 1937, 1946, 1967/EC n 1/69 tipificaram como crime de responsabilidade do presidente da Repblica os atos antagnicos probidade administrativa e moralidade.
Seguindo esse jaez, o legislador da constituinte de 1988 elencou no art. 37 da Carta Magna, dentre o rol de ilao dos princpios que regem a administrao pblica, a questo da moralidade, dotando-a no apenas de status de legalidade, mas de supremacia e supralegalidade, consistindo em uma diretriz indelvel do operador jurdico, no que serve de pressuposto para validade de todo ato administrativo, seja vinculado ou discricionrio (PINTO, 2011, p. 382).
Tal fenmeno decorrncia lgica da preocupao da sociedade com a tutela da moralidade e com a probidade administrativa por parte dos gestores pblicos, durante o exerccio do mandato, em respeito inexorvel com a res publica. Tal primazia tem a funo de afastar do certame eleitoral aqueles cidados que praticam atos discrepantes com a moralidade e com a probidade administrativa, vetores que a sociedade espera que sejam seguidos com denodo por todos os homens pblicos.
A ministra Crmen Lcia Antunes Rocha (1994, p. 187) ensina que o princpio da moralidade administrativa formou-se a partir do princpio da legalidade, ao qual se acrescentou como contedo necessrio realizao efetiva e eficaz da Justia substancial a legitimidade do Direito.
2 O Direito s pode ser distinguido essencialmente da Moral quando como j mostramos se concebe uma ordem de coao, isto , como uma ordem normativa que procura obter uma determinada conduta humana ligando conduta oposta um acto de coero socialmente organizado, enquanto a Moral uma ordem social que no estatui quaisquer sanes desse tipo, visto que suas sanes apenas consistem na aprovao da conduta conforme as normas e na desaprovao da conduta contrria s normas, nela no entrando sequer em linha de conta, portanto, o emprego da fora fsica (KELSEN, 1984, p. 99).
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Em sentido similar, ressalta Djalma Pinto (2011, p. 382) que o ato ofensivo moral tornou-se no apenas imoral, mas, alm de ilegal, inconstitucional, sem validade alguma.
Tavares (2010, p. 1.323) distingue o alcance dos conceitos de moralidade administrativa e de moralidade comum, apontando ser a moralidade administrativa diversa da moralidade comum, composta que aquela pelas regras de boa administrao, de exerccio regular do mnus pblico, de honestidade, de boa-f, de equidade, de justia e regras de conduta extraveis da prtica interna da administrao.
Assim, a moralidade deixa de ser um mandamento de cunho meramente retrico, cujo objeto seria a boa conduta individual, e passa a ser um mandamento imperativo, de fora constitucional, dotado de supremacia e supralegalidade, ostentando um contedo de valor substancial, na inexorvel tutela do interesse pblico.
Foi com esse intento que o legislador infraconstitucional, por meio da Lei Complementar n 64, de 18 de maio de 1990, incluiu, dentre diversos outros casos de inelegibilidades, a inelegibilidade decorrente de rejeio de contas no que tange ao exerccio de cargos ou funes pblicas, desde que, obviamente, nos casos de irregularidade insanvel configurada por atos dolosos de improbidade administrativa requisito esse que aparece na nova redao da LC n 64/90, dada pela LC n 135/2010 decorrentes de decises administrativas imutveis, formando o que a doutrina administrativista denomina de coisa julgada administrativa (MELLO, 2010, p. 34).
Diante do exposto, a inelegibilidade infraconstitucional contida na alnea g do inciso I do artigo 1 da LC n 64/90 configura-se num invarivel escudo protetor do interesse pblico contra a corrupo, o desvio de finalidade e a improbidade administrativa na administrao com a coisa pblica.3 O objetivo formulado nessas linhas seguintes tentar dissecar a inelegibilidade referente rejeio da prestao de contas de prefeitos municipais como ordenadores de despesas.
3 STJ, REsp 255861/SP, rel. Min. Milton Luiz Pereira, DJU 22.10.2001, p. 268.
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2 Pressupostos para a incidncia da inelegibilidade por rejeio de contas
Consoante as lies do professor Ruy Cirne Lima (1987, p. 21), administrar a coisa pblica atividade do que no senhor absoluto de coisa prpria, mas constitui gesto de coisa alheia, de patrimnio alheio, do povo, da prpria sociedade, de interesse indisponvel. No mesmo sentido leciona Mello (2002, p. 46) que, na administrao, os bens e os interesses no se acham entregues livre disposio da vontade do administrador; muito pelo contrrio, impe-se ao gestor pblico a obrigao de vel-los, mantendo a finalidade para a qual esto adstritos.
Dessa forma, a perda do ius honorum decorrente da inelegibilidade em apreo tem o escopo de afastar do poder os maus gestores, que no tiveram o necessrio dever de cuidado e de probidade administrativa para com o errio e com a sociedade em geral, traindo a confiana depositada pelo povo.
Segundo o ministro Carlos Ayres Britto, analisando a questo luz do disposto no art. 1, I, g da LC n 64/90 antes da alterao feita pela LC n 135/2010, a inelegibilidade contida na alnea g do inciso I do art. 1 da LC n 64/90 contm trs requisitos cumulativos, dois positivos e um de cunho negativo: a) rejeio, por vcio insanvel, de contas alusivas ao exerccio de cargos ou funes pblicas; b) natureza irrecorrvel da deciso proferida pelo rgo competente; c) inexistncia de provimento suspensivo, emanado do Poder Judicirio. Nesse sentido, aduz que se trata de requisitos inexoravelmente autnomos entre si, ao passo que basta a ausncia de um deles para que a clusula de inelegibilidade deixe de incidir4.
Para efeito de orientao desse estudo, prefere-se uma elencao mais extensa, motivada pelas alteraes efetuadas pela Lei Complementar n 135/2010 na LC 64/90. Nesse diapaso, so necessrios os seguintes pressupostos para a configurao da inelegibilidade referida: a) existncia de prestao de contas relativas ao exerccio de cargos ou funes pblicas; b) que os gestores tenham agido enquanto ordenadores de despesa; c) irregularidade insanvel; d) que haja deciso irrecorrvel, de rgo competente, rejeitando as contas prestadas; e) tipificao de ato doloso de improbidade administrativa; f) que o parecer do Tribunal
4 TSE. ED-AgR-REspe n 31.942/PR, rel. Min. Carlos Ayres Britto. Acrdo de 18.12.2008.
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de Contas no tenha sido afastado pelo voto de dois teros da Cmara de Vereadores respectiva; g) inexistncia de provimento suspensivo provindo de instncia competente do Poder Judicirio.
Resta indubitvel que os requisitos supracitados so de configurao obrigatria para que a conduta tpica possa ser consubstanciada. Faltando um desses elementos, no pode ser ventilada a imputao da inelegibilidade. Dos requisitos mencionados, apenas os dois ltimos so negativos, que so a inexistncia de provimento suspensivo ou de deciso com qurum qualificado por parte do Legislativo.
A obrigatoriedade de prestao de contas necessita provir de parmetro legal, abrangendo o exerccio de cargos ou funes pblicas, no que incide em cidados que exercem a funo pblica de forma permanente ou provisria. Os gestores tm que exercer sua funo enquanto ordenadores de despesas, ou seja, alocando recursos pblicos para atender a demandas da populao. A deciso do rgo competente deve ser no sentido de rejeitar as contas em razo de vcio insanvel, no que atesta a alta mcula da conduta ensejada. O ato impugnado tem que ser perpetrado na modalidade dolosa, concretizando ato de improbidade administrativa, sendo este um acinte aos parmetros de moralidade que devem nortear a coisa pblica. Por ltimo, que a Cmara de Vereadores no tenha afastado a deciso do Tribunal de Contas pelo qurum de dois teros de votos e que no haja a existncia de um provimento judicial, que pode ser de qualquer natureza, desde que apto a conferir efeito suspensivo deciso de rejeio de contas.
Imperiosa a anlise com bastante acuidade para atestar a existncia de cada um desses requisitos e a inexistncia de afastamento da deciso de rejeio ou de deciso judicial suspendendo os efeitos da rejeio de contas. Nesse mister de verificao subsuntiva, descabe qualquer tipo de recurso hermenutico praeter legem ou de voluntarismos judiciais. No se atestando rigidamente os requisitos mencionados, no se pode ventilar a aplicao da inelegibilidade.
3 Conceito de irregularidade insanvel
A definio de irregularidade insanvel configura-se uma grande celeuma normativa, atravessando tanto a esfera doutrinria, quanto
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a seara jurisprudencial, mormente por se tratar de conceito jurdico indeterminado. Tal fenmeno deve ser tratado com zelo, orientado pelo princpio da proporcionalidade, evitando o avultamento de um processo de judicializao, o que implica acrescer forte insegurana ao sistema jurdico.
Por irregularidade insanvel deve-se entender condutas ilcitas e de gravidade majorada, decorrentes de atividades realizadas por gestores pblicos com animus dolandi, munidas de dolo e de m f. Tais condutas, alm de contrrias ao interesse pblico e ao dever de probidade de todo gestor pblico, ferem de morte os princpios constitucionais norteadores da atividade administrativa pblica (GOMES, 2011, p. 178).
Insta salientar que uma irregularidade insanvel quando no puder ser convalidada em sanvel, isto , quando no se tratar apenas de violao aos aspectos formais, mas que viole, dolosamente, a essncia do prprio ato examinado, tornando-a impossvel de ser corrigida. Esse tipo de mcula exclui todos os outros tipos de irregularidades, principalmente os de natureza formal e aqueles considerados de pequena monta. So as insuperveis, incurveis em razo da gravidade do acinte praticado.
Cndido (1999, p. 185-186) planteia que irregularidade insanvel aquela que no pode mais ser corrigida, sendo insuprvel e irreversvel, alm de se caracterizar como improbidade administrativa. Para Costa (2006, p. 246), a deciso de rejeio de contas dever versar a existncia de irregularidade insanvel, que atente contra a moralidade, a economicidade, a razoabilidade, a publicidade ou qualquer outro valor tutelado pelo ordenamento jurdico. Por sua vez, Castro (2008, p. 223) ensina que ela traz em si nota da improbidade administrativa, por causar prejuzo ao patrimnio pblico ou atentar contra os princpios norteadores da administrao.
entendimento do Tribunal Superior Eleitoral que, para incidncia da inelegibilidade da Lei Complementar n 64/90, art. 1, I, g, torna-se imperioso que a deciso que rejeita as contas tenha arrimo na atestao de existncia de irregularidade insanvel, claramente verificada no curso do processo.5
5 TSE, REspe n 12989/RN, rel. Min. Eduardo Alckmin, DJU 26/11/1996; TSE, REspe n 22704/CE, ac. n 22704, de 19/10/2004, rel. Min. Luiz Carlos Madeira; TSE, AgR-REspe n 24448/MG, ac. n 24448, de 07/10/2004, rel. Min. Carlos Velloso.
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Nesse jaez, a insanabilidade pressupe a prtica de ato doloso de improbidade administrativa contrrio ao interesse pblico, configurado pelo benefcio do interesse pessoal ou material do prefeito municipal.6 Assim, torna-se imprescindvel para a caracterizao da irregularidade insanvel a configurao do ato de improbidade administrativa ou qualquer outra forma de desvio de valores. Esclarece-se, assim, que o ato insanvel, configurado em deciso irrecorrvel do Tribunal de Contas, necessita ainda ser enquadrado como atividade dolosa de improbidade administrativa, requisitos sem os quais a inelegibilidade no se concretiza.
J decidiu a colenda Corte Eleitoral que a omisso no dever de prestao de contas gera, invariavelmente, a configurao da inelegibilidade por natureza insanvel, decorrente de ato doloso de improbidade administrativa, bem como o seu atraso na entrega da prestao de contas impossibilita o municpio de receber novos convnios.7
Tambm j decidiu a colenda Corte Eleitoral que a prtica de condutas tipificadas como crime de responsabilidade tem natureza insanvel e caracteriza atos dolosos de improbidade administrativa, o que enseja, impreterivelmente, a inelegibilidade prevista na alnea g do inciso I do art. 1, da LC n 64/90.8
Meros erros formais ou contbeis no ensejam a inelegibilidade prevista, haja vista a inexistncia de mcula ao errio9. Pelo princpio da insignificncia, no deve o ordenamento jurdico se imiscuir em questes nfimas, que no produzam problemas para a res publica. Se houver uma generalizao absoluta da interferncia jurdica nas questes administrativas, o espao de deciso poltica ser mitigado de forma a podar a autonomia de vontade da sociedade civil.
A jurisprudncia tem se posicionado pela no incidncia da rejeio de contas quando o prefeito no aplica o percentual mnimo dos recursos mnimos exigidos constitucionalmente para manuteno e desenvolvimento do ensino e dos recursos previstos no fundo de sade municipal10.
6 TSE, REspe n 23565/PR, em 21/10/2004, rel. Min. Luiz Carlos Madeira.7 TSE, AgR-RO n 261497, ac. de15/12/2010, rel. Min. Aldir Passarinho Junior.8 TSE, AgR-RO n 398202, ac. de13/10/2010, rel. Min. Marcelo Ribeiro.9 TSE, RESPE n 14503, ac. de 25/2/97, rel. Min. Ilmar Galvo.10 [...] A rejeio legislativa de contas pblicas, com fundamento na ausncia de aplicao do percentual compulsrio mnimo determinado pelo texto constitucional em favor do ensino fundamental, no conduz, por si s, ao reconhecimento de uma situao
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Entende-se, com embasamento no princpio da proporcionalidade, que essas diferenas nos percentuais de educao 25% e de sade 15% no podem ser abissais, demonstrando cabalmente o desinteresse do chefe municipal por duas reas to sensveis da coletividade. As diferenas tm que ser pequenas, no sentido de atestar que houve muito mais um problema contbil do que o sentido de burlar os mandamentos legais.
4 Da necessidade de configurao de ato doloso de improbidade administrativa
O vocbulo improbidade advm de origem latina, isto , improbitate, cuja traduo significa desonestidade, desonradez, putrefao moral do prefeito municipal. Hodiernamente, identifica-se como improbidade a conduta de gestor pblico que traiu os parmetros morais bsicos que devem alicerar a gesto da coisa pblica.
O ato de improbidade administrativa incide na atuao de forma desonesta do agente pblico, ou at mesmo do particular, no desempenho de funo pblica, isto , de funo mantida com a administrao, consubstanciando um acinte aos valores juridicamente tutelados pelo ordenamento jurdico.
Ato de improbidade todo aquele que promove o desvirtuamento da administrao pblica, afrontando os princpios inexorveis da ordem democrtica e do Estado Democrtico Social de Direito, revelando-se pela obteno de vantagens patrimoniais indevidas s expensas do errio, durante o exerccio de funes pblicas (PAZZAGLINI FILHO, 2002, p. 24). Portanto, pode-se afirmar que qualquer ato ou omisso que importe em enriquecimento ilcito, acarrete dano ao errio ou que viole os princpios que regem a administrao pblica, implcitos ou explcitos, constitucionais ou infraconstitucionais, constitui ato de improbidade administrativa.
Os atos de improbidade administrativa, previstos na Lei n 8.429/92, podem ser classificados em trs espcies: a) atos que importam em enriquecimento ilcito (art. 9); b) atos que causam prejuzo ao errio (art. 10); c) atos que atentam contra os princpios da administrao pblica (art. 11).
caracterizadora de improbidade administrativa (LC n. 64/90, art. 1o, Inc. I, letra g). (STF, RE n 160.472-8, DJ de 6.5.1994, 1a turma, rel. Min. Celso de Mello)
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Assevera o artigo 9 que constitui ato de improbidade administrativa, importando enriquecimento ilcito, auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razo do exerccio de cargo, mandato, funo, emprego ou atividade em entidades pblicas ou que recebam oramento pblico. Dimana o artigo 10 que se configura ato de improbidade administrativa que causa leso ao errio qualquer ao ou omisso, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriao, malbaratamento ou dilapidao dos bens ou haveres de entidades pblicas ou que recebam oramento pblico. Por fim, nos termos do artigo 11, classifica-se como ato de improbidade administrativa que atenta contra os princpios da administrao pblica qualquer ao ou omisso que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade s instituies pblicas ou de carter pblico.
Torna-se imprescindvel a aferio do animus dolandi do agente pblico, isto , se restou configurado o elemento subjetivo de dolo na sua conduta como forma imperiosa de aferio e caracterizao do ato de improbidade administrativa (DI PIETRO, 2002, p. 687). Caso haja dvida com relao ao animus dolandi em razo de insuficincia de provas, no poder haver a configurao da inelegibilidade prevista no instrumento legal estudado.
Questo tormentosa saber se todo ato doloso de improbidade administrativa configura-se uma irregularidade insanvel. O entendimento predominante no Superior Tribunal Eleitoral de que os atos dolosos de improbidade administrativa fazem parte do alcance do termo irregularidade insanvel, como forma de melhor proteger a coisa pblica. Tal entendimento tem arrimo no prprio artigo 14 da Carta Magna que determina a possibilidade de novas causas de inelegibilidades com o escopo de se tutelar a probidade administrativa e a moralidade.11
Assim, podemos dizer que todo ato doloso de improbidade administrativa praticado pelo prefeito municipal, como ordenador de despesa, ensejar, invariavelmente, a inelegibilidade por rejeio de contas. Todavia, nem toda irregularidade insanvel ensejar um ato de improbidade administrativa.12 Insta-se ressaltar que a configurao do ato
11 TSE, AgR-RO n 68355/AC, publicado em sesso em 15/9/2010, rel. Min. Arnaldo Versiani.12 TSE, REspe no 23.565/PR, publicado em sesso em 21/10/2004, rel. Min. Luiz Carlos Madeira.
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de improbidade administrativa exige a presena do elemento subjetivo, isto , o dolo, inexistindo a possibilidade de responsabilidade objetiva.13
Inexiste necessidade que haja o trnsito em julgado de deciso judicial para configurao do ato doloso de improbidade administrativa, bem como a prpria existncia de ao em curso na Justia comum para anlise de tal ato. O que se exige que tenha havido a caracterizao da irregularidade insanvel, por ato doloso de improbidade administrativa, por parte do Tribunal de Contas. A competncia absoluta, mormente a ratione materiae (GOMES, 2011, p. 179).
5 Da necessidade de deciso irrecrrvel por orgo competente
O sistema brasileiro de controle das atuaes dos administradores pblicos encontrou o seu apogeu aps o advento da Lex Mater de 1988, com a dilao do feixe de atuao das Cortes de Contas e do controle judicial sobre os atos administrativos. Tal desiderato tem o mister institucional de fortalecer os mecanismos para tutela do errio, ofertando uma maior proteo coisa pblica (CAVALCANTI, 2007, p. 7).
A anlise do referido rgo um ato de fiscalizao, atendo-se a parmetros legais e a clculos matemticos e financeiros, sem a possibilidade de adentrar no carter poltico das decises. O relatrio deve ser minucioso, robustecido com dados exaurientes, que permitam uma interpretao clara por parte dos membros do Poder Legislativo.
Esclarece Cretella Jnior (1993, p. 2.797) que a expresso julgar as contas no pode levar a ilao de que haveria o exerccio de funes judicantes, como o exercido pelo Judicirio. O sentido de julgar contas examin-las, conferir-lhes exatido, ver se esto certas ou erradas, tratando-se de funo matemtica, contbil, no de natureza jurisdicional.
O artigo 71 da Constituio Federal delegou ao Tribunal de Contas um feixe de funes, inclusive aquelas pertinentes consulta e apreciao. O inciso I do art. 71 confere competncia ao Tribunal de
13 STJ, REsp 734.984/SP, 13 Turma, rel. para acrdo Min. Luiz Fux, DJe de 16/6/2008; STJ, REsp 658.415/RS, 23 Turma, rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 3/8/2006; STJ, REsp 604.151/RS, 13 Turma, rel. para acrdo Min. Teori Zavascki, DJ de 8/6/2006; STJ, REsp 626.034/RS, 23 Turma, rel. Min. Joo Otvio de Noronha, DJ de 5/6/2006, p. 246.
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Contas para apreciar as contas prestadas anualmente pelos chefes do Poder Executivo. Assim, o mencionado rgo emite um parecer prvio que deve ser enviado ao Poder Legislativo. O parecer meramente opinativo, sendo de carter tcnico auxiliar, no vinculando os membros do Poder Legislativo a seguir a lume as diretrizes elaboradas, tendo apenas uma funo de orientao. Assim, pode, perfeitamente, o Tribunal de Contas entender pela rejeio das contas de um determinado gestor pblico e a Cmara Legislativa entender por aprov-las. Todavia, adverte Jos Jairo Gomes (2011, p. 179) que nessas hipteses o que se afasta apenas a inelegibilidade, de modo a no eximir o ordenador das despesas tidas por irregulares pelo Tribunal de suas responsabilidades.
No obstante, no que concerne funo julgadora, prevista no inciso II do art. 71, da CF, compete ao Tribunal de Contas julgar as contas dos administradores e demais responsveis por dinheiros, bens e valores pblicos da administrao direta e indireta, includas as fundaes e sociedades institudas e mantidas pelo Poder Pblico federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuzo ao errio. Nesse caso, as contas devem ser prestadas diretamente ao Tribunal de Contas, que tem uma espcie de competncia originria, outorgada pela Carta Magna, para emitir um posicionamento definitivo, e no apenas um parecer opinativo. Assim, cedio que no primeiro caso trata-se de responsabilidade poltica do gestor, ao passo que no segundo trata-se de responsabilidade tcnico-jurdica.
No restam dvidas de que a deciso irrecorrvel ter que provir, segundo os regulamentos especficos e os estamentos legais, dos Tribunais de Contas de cada estado especfico para julgar os prefeitos municipais, sem que este direcionamento possa provir de rgos judiciais ou do Poder Judicirio. O pronunciamento irrecorrvel, inexoravelmente, deve ser oriundo do Tribunal de Contas competente para examinar o dispndio realizado pelo chefe do Executivo.
Como o prprio timo da palavra deixa cristalino, a deciso deve ser irrecorrvel, ou seja, aquela que no proferida de forma monocrtica, mas reanalisada de forma plural, colegiada, aprimorando o posicionamento anterior proferido e dando-lhe maior legitimidade, expurgando vcios que porventura possam macul-la. A irrecorribilidade se traduz, na seara a