228

Tributo aos Fiéis

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Este é um livro sobre 69 pessoas que tentaram entrar em uma prisão em vez de escapar dela, pois eram prisioneiros de um grande Amor. Este amor era por Bahá’u’lláh, a Quem o século XIX acorrentara e tentara silenciar, encerrando-O, finalmente, na fortaleza dos Cruzados em ‘Akká. O leitor haverá, provavelmente, de se encontrar nestas página, pois esta obra representa algo mais do que os breves anais dos primeiros discípulos bahá’ís; trata-se, de alguma forma, de um livro de protótipos; uma espécie de testamento dos valores endossados e ligados a nós pelo Exemplo de Vida Bahá’í, valores hoje desprezados, mas indispensáveis à segurança do planeta e da humanidade. São relatos curtos e simples de’Abdu’l-Bahá, mas que constituem um manual sobre como viver e a que morrer.

Citation preview

Page 1: Tributo aos Fiéis
Page 2: Tributo aos Fiéis
Page 3: Tributo aos Fiéis

TRIBUTOAOS FIÉIS

Page 4: Tributo aos Fiéis
Page 5: Tributo aos Fiéis
Page 6: Tributo aos Fiéis
Page 7: Tributo aos Fiéis

‘ABDU’L-BAHÁ

TRIBUTO

RELATOS SOBRE OS

PRIMEIROS BAHÁ’ÍS DO ORIENTE

AOSFIÉIS

Page 8: Tributo aos Fiéis

Título original: MEMORIALS OF THE FAITHFUL

© 2004Todos os direitos reservados:Editora Bahá’í do BrasilC.P. 19813.800-970 - Mogi Mirim - SPwww.bahai.org.br/editora

ISBN: 85-320-0095-9

1ª EDIÇÃO: 2004

Tradução: Maria Claudia Barbosa de Oliveira Drummond

Revisão: Iradj Roberto Eghrari

Capa: Roberto Shwafaty

Impressão: O.E.S.P. Gráfica S/A, Barueri-SP

Page 9: Tributo aos Fiéis

SUMÁRIO

"012345673

[1] Nabíl-i-Akbar[2] Ismu’lláhu’l-Asdaq[3] Mullá ‘Alí-Akbar[4] Shaykh Salmán[5] Mírzá Muhammad-‘Alí, o Afnán[6] Hájí Mírzá Hasan, o Afnán[7] Muhammad-‘Alíy-i-Isfáhání[8] ‘Abdu’s-Sálih, o Jardineiro[9] Ustád Ismá’íl[10] Nabíl-i-Zarandí[11] Darvísh Sidq-‘Alí[12] Áqá Mírzá Mahmúd e Áqá Ridá[13] Pidar-Ján de Qazvín[14] Shaykh Sádiq-i-Yazdi[15] Sháh-Muhammad-Amín[16] Mashhadí Fattáh[17] Nabíl de Qá’in[18] Siyyid Muhammad-Taqí Manshádí[19] Muhammad-‘Alí Sabbáq de Yazd[20] ‘Abdu’l-Ghaffár de Isfáhán

XI

159

1316212426293237394243454849545759

Page 10: Tributo aos Fiéis

[21] ‘Alí Najaf-Ábádí[22] Mashhadí Husayn e

Mashhadí Muhammad-i-Ádhirbáyjání[23] Hájí ‘Abdu’r-Rahím-i-Yazdí[24] Hájí ‘Abdu’lláh Najaf-Ábádí[25] Muhammad-Hádíy-i-Sahháf[26] Mírzá Muhammad-Qulí[27] Ustád Báqir e Ustád Ahmad[28] Muhammad Haná-Sáb[29] Hájí Faraju’lláh Tafríshí[30] Áqá Ibráhím-i-Isfáhání e seus irmãos[31] Áqá Muhammad-Ibráhím[32] Zaynu’l-Ábidín Yazdí[33] Hájí Mullá Mihdíy-i-Yazdí[34] Sua eminência Kalím (Mírzá Músá)[35] Hájí Muhammad Khán[36] Áqá Muhammad-Ibráhím Amír[37] Mírzá Mihdíy-i-Káshání[38] Mishkín-Qalam[39] Ustád ‘Alí-Akbar-i-Najjár[40] Shaykh ‘Alí-Akbar-i-Mázgání[41] Mírzá Muhammad,

o Servo da Pousada dos Viajantes[42] Mírzá Muhammad-i-Vakíl[43] Hájí Muhammad-Ridáy-i-Shírází[44] Husayn Effendi Tabrízí[45] Jamshíd-i-Gurjí[46] Hájí Ja’far-i-Tabrízí e seus irmãos[47] Hájí Mírzá Muhammad-Taqí, o Afnán[48] ‘Abdu’lláh Baghdádí[49] Muhammad-Mustafá Baghdádí[50] Sulaymán Khán-i-Tunukábání

6162

64666770727375768082838590939497

101103105

107114115117119123126128131

Page 11: Tributo aos Fiéis

[51] ‘Abdu’r-Rahmán, o Artesão em Cobre[52] Muhammad-Ibráhím-i-Tabrízí[53] Muhammad-‘Alíy-i-Ardikání[54] Hájí Áqáy-i-Tabrízí[55] Ustad Qulám-’Alíy-i-Najjár[56] Jináb-i-Muníb[57] Mírzá Mustafá Naráqí[58] Zaynu’l-Muqarrabín[59] ‘Azím-i-Tafríshí[60] Mírzá Ja’far-i-Yazdí[61] Husayn-Áqáy-i-Tabrízí[62] ‘Alí-‘Askar-i-Tabrízí[63] Áqá ‘Alíy-i-Qazvíní[64] Áqá Muhammad-Báqir e

Áqá Muhammad-Ismá’íl, o Alfaiate[65] Abu’l-Qásim de Sultán-Ábád[66] Áqá Faraj[67] Fátimih Begum,

a Consorte dos Reis dos Mártires[68] Shams-i-Duhá[69] Táhirih

893::;2<3

136137138139140142145147151152155157161163

167168169

177188

203

Page 12: Tributo aos Fiéis

X

INTRODUÇÃO

Page 13: Tributo aos Fiéis

XI

INTRODUÇÃO

Este é um livro sobre pessoas que tentaram entrar em umaprisão em vez de escapar dela, pois eram prisioneiros de umgrande Amor. Este amor era por Bahá’u’lláh, a Quem o séculoXIX acorrentara e tentara silenciar, encerrando-O, finalmente,na fortaleza dos Cruzados em ‘Akká. Como se fora o centro deuma tempestade, Ele é o foco desses relatos, porém pouco aparece– permanecendo, conforme descreve o Guardião sobre Ele:“transcendental em Sua majestade, sereno, imponente,inigualável em Sua glória.”

O leitor haverá, provavelmente, de se encontrar nestaspáginas, seja como o joalheiro de Bagdá, ou como um dos lavado-res de pratos, ou como o professor que não mais suportava aarrogância de seus companheiros. Aqui está o místico, a feminis-ta, o clérigo, o artesão, o príncipe mercador. Até mesmo omoderno jovem ocidental será aqui encontrado, por exemplo,no capítulo sobre os 4=2><?=:. Pois esta obra representa algo maisdo que os breves anais dos primeiros discípulos bahá’ís; trata-se,de alguma forma, de um livro de protótipos; uma espécie detestamento dos valores endossados e ligados a nós pelo Exemplode Vida Bahá’í, valores hoje desprezados, mas indispensáveis àsegurança do planeta e da humanidade. São relatos curtos esimples, mas que constituem um manual sobre como viver e aque morrer.

INTRODUÇÃO

Page 14: Tributo aos Fiéis

XII

INTRODUÇÃO

A tarefa de traduzir essas biografias para o inglês me foi dadapelo Guardião há muitos anos, quando me encontrava em umaperegrinação ao Centro Mundial Bahá’í em Haifa. Segundoregistra a página inicial do original em persa, foi este o primeirolivro bahá’í publicado em Haifa durante a Guardiania. Aintrodução em persa explica que ‘Abdu’l-Bahá escreveu o livroem 1915, e outorgou permissão a M.A. Kahrubá’í para publicá-lo. O livro, datado de 1924, leva o selo da Assembléia Bahá’íde Haifa. A segunda página inicial, em inglês, descreve otrabalho como “Um relato, da pena de ‘Abdu’l-Bahá, das vidasde alguns dos primeiros crentes bahá’ís, que faleceram durantea Sua vida”, embora o trabalho tenha sido, na verdade,registrado a partir de Seu relato verbal.

Aqui está, portanto, muitas décadas após o Seu passamento,um novo livro, oferecido ao mundo por ‘Abdu’l-Bahá.

Imaginemos quantos de nós, ao final de tantos árduos edolorosos anos, devotaríamos o nosso tempo remanescente, nãoàs nossas próprias memórias, mas às vidas de aproximadamentesetenta companheiros, muitos deles há tempos falecidos, parasalvá-los do esquecimento. ‘Abdu’l-Bahá esteve presente emmuitos destes episódios, mantendo-Se entretanto sempre emsegundo plano, de modo a poder focalizar algum de Seuscompanheiros, freqüentemente alguém tão humilde que o passardos anos certamente lhe teria recusado qualquer menção nahistória da Fé. E, se para os cínicos, esses crentes parecemmelhores do que os homens comuns, deveríamos nos lembrarde que a presença da Manifestação os fazia assim, e de que estãosendo observados pelo olhar do Mestre – Ele que disse que oolhar imperfeito enxerga imperfeições, e que é mais fácil satisfazera Deus do que contentar as pessoas.

Portanto, este livro é mais uma prova da parcialidade de‘Abdu’l-Bahá em favor da raça humana. O amor nEle perso-

Page 15: Tributo aos Fiéis

XIII

INTRODUÇÃO

nificado não era cego, mas observador; nem impessoal, mas ternoe caloroso; em uma permanente atitude de discreto cuidado.Um amor assim, provindo de um tal Ser, não termina ao fim deuma vida. Há meio século deixou Ele esse mundo. E a maiorparte daqueles que O desejavam tanto, a ponto de seremchamados, por pessoas hostis, não de bahá’ís, mas de ‘Abdu’l-Bahá’ís, já desapareceram de nossa vista. Mas o Seu amor aindaestá aqui, para que novos milhões O encontrem.

Marzieh GailKeene, New Hampshire,

dezembro de 1969

Page 16: Tributo aos Fiéis
Page 17: Tributo aos Fiéis

TRIBUTOAOSFIÉIS

Page 18: Tributo aos Fiéis
Page 19: Tributo aos Fiéis

1

TRIBUTO AOS FIÉIS

[1] NABÍL-I AKBAR

Na cidade de Najaf havia, entre os discípulos do famosomujtahid, Shaykh Murtadá, um homem sem par ou semelhante.Seu nome era Áqá Muhammad-i-Qá’iní, e mais tarde receberia,da Manifestação, o título de Nabíl-i-Akbar.1 Esta alma eminentetornara-se o membro mais importante do grupo de discípulosdo mujtahid. Fora ele o único escolhido para receber o grau demujtahid – uma vez que o falecido Shaykh Murtadá não tinhapor hábito conferir esta honraria.

Superava ele a todos, não apenas em seu conhecimento deteologia, mas também no que dizia respeito a outros campos doconhecimento, tais como: humanidades, filosofia dos iluminadose os ensinamentos dos místicos e da escola Shaykhí. Era umhomem universal, sendo ele próprio uma prova irrefutável deseu universalismo. Quando seus olhos se abriram para a luz daGuia Divina, e ele inalou as fragrâncias do Paraíso, tornou-seuma chama de Deus. Com o coração saltando no peito, em umêxtase de amor e alegria, ele rugiu como o leviatã nas profundezasdo mar.

Sob uma chuva de louvores, recebeu do mujtahid seu novograu. Deixou, então, Najaf e foi para Bagdá, onde teve a honrade encontrar-se com Bahá’u’lláh. Contemplou a luz que

1 Não confundir com o autor do livro Os Rompedores da Alvorada. Para tal, verNabíl-i-Zarandí.

Page 20: Tributo aos Fiéis

2

‘ABDU’L-BAHÁ

flamejou no Sinai na Árvore Sagrada. Em breve encontrou-seem um estado tal que não conseguiu descansar um só momento.

Um dia, enquanto ajoelhava-se o honrado Nabílreverentemente na presença de Bahá’u’lláh sobre o piso dosapartamentos externos reservados aos homens, entrou HájíMírzá Hasan-‘Amú, companheiro de confiança dos mujtahidsde Karbilá, acompanhado de Zaynu’l-‘Ábidín Khán, oFakhru’d-Dawlih. Ao observar a deferência e humildade comque se prostrava Nabíl, o Hájí ficou atônito.

–– Senhor, murmurou, o que fazes neste lugar?Nabíl respondeu:–– Vim aqui pela mesma razão pela qual vieste.Os dois visitantes mal podiam recobrar-se da sua surpresa,

pois sabia-se amplamente que aquele personagem desfrutavade posição especial entre os mujtahids, sendo o mais favorecidodiscípulo do renomado Shaykh Murtadá.

Mais tarde, Nabíl-i-Akbar dirigiu-se à Pérsia e seguiu viagempara Khurásán. O Amír de Qá’in – Mír ‘Alam Khán –demonstrou-lhe cortesia a princípio, e valorizou sua companhia.Tanto era assim, que o sentimento geral era de que o Amírdeixara-se cativar por ele. De fato, estava ele embevecido pelaeloqüência, pelos conhecimentos, e pelas realizações daquelesábio. Pode-se depreender daí as honrarias ofertadas a Nabílpelos demais, já que “os homens seguem a fé de seus soberanos”.

Por algum tempo, Nabíl desfrutou de favores e estima, masseu amor a Deus não podia ser ocultado. Explodia em seucoração, incendiava e consumia tudo que o podia encobrir.

De mil maneiras tenteiEsconder o meu amorMas como poderia, por sobre aquela pira ardenteNão arder em chamas?

Page 21: Tributo aos Fiéis

3

TRIBUTO AOS FIÉIS

Levou ele luz à região de Qá’in, convertendo um grandenúmero de pessoas. E, quando se tornara amplamenteconhecido, em locais longínquos, por este novo nome, o clero,invejoso e malevolente, levantou-se contra ele, enviandocaluniosas informações a Teerã, despertando a ira de Násiri’d-Dín Sháh. Aterrorizado pelo Xá, o Amír atacou Nabíl comtodo o seu poder. Dentro em breve, toda a cidade se levantarae a multidão, em fúria, voltara-se contra ele.

Aquele extasiado amante de Deus jamais recuou e, aocontrário, enfrentou-os a todos. Finalmente, aquele homem quevia algo que os demais não enxergavam foi expulso e dirigiu-sea Teerã onde, na condição de fugitivo, não tinha onde morar.

Ali, os seus inimigos o atacaram novamente. Foi perseguidopelos sentinelas; os guardas o procuraram por todos os lados,perguntando por ele em todas as ruas e vielas, caçando-o demodo que pudessem agarrá-lo e torturá-lo. Ocultando-se, elepassava por eles como o suspiro dos oprimidos, subindo para ascolinas; ou então, tal qual as lágrimas dos injustiçados, escorriapara os vales. Não mais podia portar o turbante que denotava oseu grau hierárquico; disfarçava-se, usando um chapéu de leigo,de modo que não fosse reconhecido e que seus perseguidores odeixassem em paz.

Secretamente, com todas as suas forças continuou ele a divul-gar a Fé e a apresentar suas provas, constituindo-se em uma luzde guia para muitas almas. Expunha-se continuamente aoperigo, sempre vigilante e alerta. Jamais deixara o governo deprocurá-lo, e tampouco cessara a multidão de discutir o seu caso.

Foi-se então, para Bukhárá e ‘Ishqábád, ensinando a Féincessantemente naquelas regiões. Como uma vela, consumiaele a sua vida; mas a despeito de seus sofrimentos, jamais perdeuo ânimo: muito pelo contrário, a cada dia que passavaaumentavam a sua alegria e seu ardor. Era um orador eloqüente;

Page 22: Tributo aos Fiéis

4

‘ABDU’L-BAHÁ

um hábil médico; um remédio para todos os males; um alíviopara toda ferida. Guiava os teólogos por meio dos própriosprincípios em que acreditavam aqueles filósofos, enquanto quecom os místicos comprovava o Advento Divino em termos de“inspiração” e de “visão celestial”. Seu convencimento doslíderes Shaykhí realizava-se pela citação das próprias palavrasde seus Fundadores, Shaykh Ahmad e Siyyid Kázim, e aconversão dos teólogos islâmicos ele levava a cabo por meio detextos do Alcorão e das tradições dos Imames, guias dahumanidade. Assim, era ele um remédio de efeito instantâneopara os moribundos e um rico presente para os pobres.

Em Bukhárá viveu na penúria e foi acossado por inúmerossofrimentos, até que finalmente faleceu, distante de sua terranatal, apressando-se ao Reino onde não existe pobreza.

Nabíl-i-Akbar foi autor de um magistral ensaio demonstrandoa verdade da Causa, mas os amigos não o têm em mãos nestemomento. Espero que venha à luz, e que sirva de admoestaçãoaos eruditos. É verdade que neste mundo fugaz ele foi alvo deincontáveis horrores; e ainda assim, todas aquelas gerações declérigos poderosos, Shaykhs como Murtadá e Mírzá Habíbu’-lláh e Áyatu’lláh-i-Khurásání e Mullá Asadu’lláh-i-Mázandarání– todos estes irão desaparecer sem deixar rastro. Não deixarãonome, sinal ou fruto. Palavra alguma será legada por qualquerum deles; homem algum falará deles jamais. Mas, por haverpermanecido firme nessa sagrada Fé, por haver guiado almas eservido a esta Causa e disseminado sua fama, aquela estrela –Nabíl – brilhará para sempre no horizonte de imorredoura luz.

Está claro que qualquer glória conquistada fora da Causa deDeus transformar-se-á em humilhação no final; e o bem-estar econforto conquistados fora do caminho de Deus tornam-sefinalmente sofrimento e dor; e toda esta riqueza consiste emnada mais do que penúria.

Page 23: Tributo aos Fiéis

5

TRIBUTO AOS FIÉIS

Era ele um sinal de guia, um emblema do temor a Deus. Poresta Fé, ele renunciou à vida; e na morte triunfou. Desprezou omundo e suas recompensas; fechou os olhos às riquezas ehonrarias, desprendendo-se de todas estas correntes e amarrase deixou de lado todo pensamento mundano. Dotado de amploconhecimento, a um só tempo filósofo, mujtahid e místico,desfrutando do dom da intuição, constituía-se, também, emreconhecido homem de letras e orador sem par. Tinha umamente grandiosa, dotada de visão universalista.

Louvado seja Deus, pois ao final, foi ele transformado emum receptáculo da graça divina. Sobre ele recaia a glória deDeus, o Todo-Glorioso. Que Deus envolva seu túmulo com obrilho do reino de Abhá. Que Deus o acolha no Paraíso dareunião, abrigando-o para sempre na moradia dos justos,submerso em um oceano de luz.

[2] ISMU’LLÁHU’L-ASDAQ

Entre as Mãos da Causa de Deus que partiram desta vida eascenderam ao Supremo Horizonte estava Jináb-i-Ismu’lláhu’l-Asdaq. Outro foi Jináb-i-Nabíl-i-Akbar. Outros ainda foramJináb-i-Mullá’Alí-Akbar e Jináb-i-Shaykh Muhammad-Ridáy-i-Yazdí. E ainda, entre outros, figurava o reverenciado mártir,Áqá Mírzá Varqá.

Ismu’lláhu’l-Asdaq foi verdadeiramente um servo do Senhordesde o início de sua vida até o seu último suspiro. Quandojovem, juntara-se ao círculo do falecido Siyyid Kázim e tornara-se um de seus discípulos. Era famoso na Pérsia pela pureza de

Page 24: Tributo aos Fiéis

6

‘ABDU’L-BAHÁ

sua vida, tendo se tornado conhecido como Mullá Sádiq, osanto. Era um homem abençoado, realizado como indivíduo,culto e honrado. O povo de Khurásán o estimava muito, poistratava-se de um grande erudito, e um dos mais incomparáveise renomados teólogos. Como instrutor da Fé, falava com taleloqüência e poder, que com grande facilidade conquistava osseus ouvintes.

Tendo se dirigido a Bagdá e vindo à presença de Bahá’u’lláh,encontrava-se um dia sentado no pátio dos apartamentosmasculinos perto de um pequeno jardim. Eu me encontravaem um dos quartos exatamente acima, que dava para o pátio.Naquele momento, um príncipe persa, neto de Fath-‘Alí Sháh,chegou à casa. Disse-lhe o príncipe:

–– Quem és tu?Ismu’lláh respondeu:–– Sou um servo desse Limiar. Sou um dos guardadores dessa porta.E, enquanto eu escutava de cima, ele começou a ensinar a

Fé. A princípio, o príncipe objetou violentamente, mas apósum quarto de hora, falando de forma gentil e benevolente,Jináb-i-Ismu’lláh o havia apaziguado. Depois de negarterminantemente o que estava sendo dito, o rosto refletindoclaramente a sua fúria, o príncipe transformara a sua raiva emsorrisos, e expressou a sua grande satisfação por haverencontrado Ismu’lláh e escutado o que lhe tinha a dizer.

Ismu’lláh sempre ensinava de forma alegre e jovial, erespondia com gentileza e bom humor, não se importando coma raiva apaixonada dirigida contra ele por seu interlocutor.Excelente era a sua maneira de ensinar. Ele era verdadeiramenteIsmu’lláh, o Nome de Deus, não por sua fama, mas por se tratarde uma alma escolhida.

Ismu’lláh havia memorizado um grande número de tradiçõesislâmicas, e dominava os ensinamentos de Shaykh Ahmad e

Page 25: Tributo aos Fiéis

7

TRIBUTO AOS FIÉIS

de Siyyid Kázim. Tornara-se um devoto em Shíráz, nosprimórdios da Fé, e em breve tornar-se-ia conhecido como tal.E como se pusesse a ensinar aberta e corajosamente, foi-lhedependurada uma corda no pescoço e conduziram-no pelas ruase bazares da cidade. Mesmo naquela condição, continuou afalar ao povo, sorridente e imperturbável. Ele não se rendia enem se deixava silenciar. Quando o libertaram, deixou Shíráz edirigiu-se a Khurásán, e também lá começou a disseminar a Fé,após o que prosseguiu, na companhia de Bábu’l-Báb, rumo aoForte Tabarsí. Ali suportou intensos sacrifícios, fazendo partedo grupo daqueles que se deixaram imolar. Fizeram-noprisioneiro no Forte e o entregaram aos líderes de Mázindaránpara que o fizessem desfilar e finalmente o matassem em umcerto distrito daquela província. Quando, preso por correntes,Ismu’lláh foi trazido ao local designado. Entretanto, Deus colo-cou no coração de um homem o intento de libertá-lo da prisãono meio da noite, e guiá-lo a um local seguro. Em meio à agoniade todos estes testes, permaneceu firme e constante em sua fé.

Imaginemos, por exemplo, como havia o inimigo destruídocompletamente o Forte, com as balas chovendo dos canhõesque o sitiavam. Os devotos, Ismu’lláh entre eles, permaneceramsem comida por dezoito dias. Alimentavam-se das solas dossapatos. Estas foram logo consumidas, e nada mais havia, excetoágua. Eles bebiam um gole a cada manhã, e jaziam exaustos eesfaimados em seu Forte. Quando atacados, entretanto,punham-se imediatamente de pé, e demonstravam ante oinimigo sua magnífica coragem e impressionante resistência,expulsando o exército de suas muralhas. A fome durou pordezoito dias. Foi terrível a provação. Para começar,encontravam-se distantes de casa, cercados e isolados peloinimigo; passavam fome; e ainda havia os repentinos ataquesdo exército e a artilharia chovendo e explodindo no coração

Page 26: Tributo aos Fiéis

8

‘ABDU’L-BAHÁ

do Forte. Em tais circunstâncias, é extremamente difícil mantera fé e paciência sem vacilar, e um raro fenômeno suportar tãopenosas aflições.2

Ismu’lláh não vacilou ante o fogo. Uma vez libertado, ensinoumais do que nunca. Consumiu cada alento chamando a todospara o Reino de Deus. No Iraque, alcançou a presença deBahá’u’lláh, e mais uma vez, na Maior Prisão, dEle recebeugraças e bênçãos.

Era como um oceano encapelado, um falcão que alçava altosvôos. Seu rosto era cheio de brilho, sua língua, eloqüente, suaforça e firmeza surpreendentes. Ao abrir os lábios para ensinar,deles saía uma torrente de provas; quando orava ou entoava assuas preces, seus olhos derramavam lágrimas como uma nuvemprimaveril. Sua face era luminosa, sua vida espiritualizada, tinhaconhecimentos, tanto os adquiridos como os inatos; celestiaiseram o seu ardor, seu desprendimento do mundo, sua piedade,sua autocorreção e seu temor a Deus.

O túmulo de Ismu’lláh fica em Hamadán. Muitas Epístolasforam reveladas em sua honra pela Pena Suprema de Bahá’u’lláh,entre elas uma Epístola de Visitação especial após o seufalecimento. Foi um grande personagem, em tudo perfeito.

Estes seres perfeitos deixaram este mundo. Graças a Deusaqui não permaneceram para testemunhar as agonias que seseguiram à ascensão de Bahá’u’lláh – as aflições intensas, anteas quais as mais firmes montanhas estremecem e os mais elevadosmontes se prostram.

Era ele, verdadeiramente, Ismu’lláh, o Nome de Deus. Felizé aquele que circula à volta daquele túmulo, e que se benzecom o pó daquela sepultura. Que com ele estejam louvores esaudações no Reino de Abhá.

2 Cf. Nabíl, Os Rompedores da Alvorada, vol II, p. 143, nota 27.

Page 27: Tributo aos Fiéis

9

TRIBUTO AOS FIÉIS

[3] MULLÁ ‘ALÍ-AKBAR

Uma outra Mão da Causa foi o reverenciado Mullá ‘Alí-Akbar, sobre ele repouse a glória de Deus, o Todo-Glorioso.Cedo na vida, este homem ilustrado freqüentou instituições deensino superior e trabalhou diligentemente, noite e dia, até quepassou a dominar de maneira completa os conhecimentos daépoca, os estudos seculares, a filosofia e a teologia. Freqüentavaas reuniões de filósofos, místicos e Shaykhís; transitando, semprepensativo, pelas áreas do conhecimento, da sabedoria intuitivae da iluminação; entretanto encontrava-se sedento da água daverdade e faminto do pão celestial. Ainda que buscasseaperfeiçoar-se tanto quanto possível naquelas regiões da mente,jamais se dava por satisfeito; nunca atingia o objeto de seu desejo;seus lábios permaneciam ressequidos; sentia-se confuso eperplexo, percebendo haver se distanciado de seu caminho. Arazão era que em nenhum daqueles círculos encontrara paixão,ou alegria, ou êxtase, ou o mais leve aroma de amor. E à medidaque se aprofundava na essência daquelas crenças variadas,descobria que desde os dias do advento do Profeta Muhammadaté os nossos tempos, surgiram inumeráveis seitas: crenças asmais divergentes; opiniões disparatadas; objetivosdesencontrados; inumeráveis caminhos e formas. E percebeuque cada um deles, a pretexto de um ou outro argumento, diziarevelar uma verdade espiritual; cada uma acreditando ser a únicaa seguir o verdadeiro caminho – ainda que o oceano da revelaçãode Muhammad pudesse erguer-se em uma grande onda, e

Page 28: Tributo aos Fiéis

10

‘ABDU’L-BAHÁ

carregar todas aquelas seitas para o fundo do mar. “Vês, acaso,algum deles, ou ouves algum murmúrio deles?” 3

Aquele que pondera sobre as lições da História aprenderáque este mar já levantou inúmeras ondas, no entanto, ao final,cada uma delas espargiu-se e desapareceu, como uma sombraevanescente que desliza. As ondas perecem, mas o mar continuavivo. Por isso, ‘Alí Qabl-i-Akbar jamais conseguia saciar a suasede, até o dia em que postou-se nas praias da Verdade e gritou:

Aqui está um mar cheio de tesouros até a borda;Suas ondas lançam pérolas açoitadas pelo grande vento.Arranca a túnica e mergulha, não tenta nadar,Não te entrega ao orgulho de nadar – mergulha de cabeça.

Como uma fonte, seu coração vertia e jorrava; de seus lábiosbrotavam sentido e verdade, a fluir docemente, como águascristalinas. A princípio, com humildade e modéstia espiritual,ele guardou a nova luz, para só depois adiantar-se e disseminá-la por toda parte. Pois muito acertadamente se diz:

Concederá a outros o fruto da vidaAquele a quem desse fruto jamais coube um quinhão?

Um professor deve proceder da seguinte maneira: primeirodeve ensinar a si mesmo, para depois ensinar a outros. Se elepróprio ainda trilha o caminho dos apetites e desejos carnais,como poderá guiar um outro aos “sinais evidentes”4 de Deus?

Esse homem honrado logrou converter uma multidão. Poramor a Deus desfez-se de toda e qualquer precaução, enquantose apressava nos caminhos do amor. Tomado de delírio, como3 Cf. Alcorão 19:98.4 Cf. Alcorão, 3:91.

Page 29: Tributo aos Fiéis

11

TRIBUTO AOS FIÉIS

um errante, parecia enlouquecido. Em razão de sua nova Fé, foiobjeto de deboche em Teerã por parte tanto das altas cúpulascomo dos humildes. Ao caminhar pelas ruas e bazares,apontavam-lhe o dedo, chamando-o de bahá’í. Sempre queeclodia um conflito, era ele o primeiro a ser preso. Mantinha-se, portanto, sempre pronto e na expectativa, sabendo já quesua prisão era inevitável.

Muitas e muitas vezes foi acorrentado, preso e ameaçado pelaespada. A fotografia deste ser abençoado, juntamente àquelado grande Amín, ambos acorrentados, servirá como exemplo atodos aqueles que têm olhos para ver. Lá estão esses doisrespeitados homens, presos por correntes, agrilhoados masserenos, aquiescentes, imperturbáveis.

As coisas chegaram a um tal ponto que, finalmente, sempreque havia um distúrbio Mullá ‘Alí punha seu turbante, envolvia-se em seu ‘abá e esperava pelos inimigos que se levantavamcontra ele, pelos “farráshes” que invadiam a sua casa e pelosguardas que o levavam para a prisão. Mas, vejam o poder deDeus! Apesar de tudo, ele continuou a salvo. “O sinal de umconhecedor e daquele que ama é que o encontrarás seco nomar.” Assim era ele. Sua vida estava por um fio de um momentopara outro; os maus o espreitavam; era conhecido em todos oslugares como bahá’í – e mesmo assim, era protegido de todomal. Manteve-se seco nas profundezas do mar, fresco e segurono meio do fogo, até o dia de sua morte.

Após a ascensão de Bahá’u’lláh, Mullá Alí continuou lealao Testamento da Luz do Mundo, firme no Convênio, ao qualservira e o qual anunciara. Durante a vida da Manifestação,seu anseio fez com que se apressasse para Bahá’u’lláh que orecebeu com graça e benevolência, derramando sobre elecopiosas bênçãos. Retornou então à Persia, onde devotaria todoo seu tempo ao serviço da Causa. Desafiava abertamente seus

Page 30: Tributo aos Fiéis

12

‘ABDU’L-BAHÁ

tirânicos opressores, indiferente às constantes ameaças. Jamaisse deixou abater. Dizia aquilo que estimava necessário. Era umadas Mãos da Causa de Deus, firme, constante, inamovível.

Eu o amava muito, àquele companheiro sem par, cujasconversas me deliciavam. Uma noite, há não muito tempo, euo vi no mundo dos sonhos. Embora de constituição avantajada,no sonho pareceu-me mais e mais corpulento do que nunca.Parecia haver retornado de uma viagem.

–– Jináb – lhe disse – estás forte e saudável!–– Sim – respondeu – louvado seja Deus! Estive em lugares

onde o ar era fresco e doce, e a água pura como cristal; lindas eramas paisagens que contemplei, e deliciosas eram as comidas. Tudoisso me deu prazer, com toda a certeza, e assim estou agora maisforte do que nunca, tendo recobrado o viço da juventude. O hálitodo Todo-Glorioso soprava sobre mim e passei todo o meu tempofalando de Deus. Tenho mostrado as Suas provas, e ensinado aSua Fé. (ensinar a Fé significa, no outro mundo, difundir os docesaromas da santidade; essa ação equivale ao ensino)

Conversamos um pouco mais; então chegaram algumaspessoas e ele desapareceu.

Seu último lugar de descanso fica em Teerã. Embora seu corpoesteja repousando sob a terra, o seu espírito puro continua vivo,“em uma assembléia da verdade, na presença de um SenhorOnipotente, Soberaníssimo”.5 Desejo ardentemente visitar assepulturas dos amigos de Deus, se fosse possível. São eles osservos da Abençoada Beleza; em Seu caminho sofreram;encontraram penas e dores; enfrentaram calúnias e maldades.Que com eles repouse a glória de Deus, o Todo-Glorioso. Quesobre eles recaiam saudações e louvores. Que com eles esteja aterna misericórdia de Deus e o Seu perdão.

5 Cf. Alcorão 54:55.

Page 31: Tributo aos Fiéis

13

TRIBUTO AOS FIÉIS

[4] SHAYKH SALMÁN

Em 1266 aH6, o leal mensageiro, Shaykh Salmán, ouviupela primeira vez o chamado de Deus, e seu coração pulou dealegria. Encontrava-se então em Hindíyán. Atraídoirresistivelmente, caminhou até Teerã, onde, com amor ardente,secretamente juntou-se aos devotos. Certo dia passava pelo bazarcom Áqá Muhammad Taqíy-i-Káshání, e os farráshes seguiram-no e descobriram onde morava. No dia seguinte, a polícia e osfarráshes foram procurá-lo e levaram-no ao chefe de polícia.

–– Quem és tu? – perguntou o chefe.–– Sou de Hindíyán – respondeu Salmán. Vim a Teerã e

estou a caminho de Khurásán para uma peregrinação aoSantuário do Imám Ridá.

–– O que fazias ontem, ao lado daquele homem de túnicabranca?

–– Eu lhe havia vendido um ‘abá no dia anterior, e ontemele ficara de pagar-me – Salmán respondeu.

–– És um estranho aqui, disse o chefe, como é que confiounele?

–– Um cambista garantiu o pagamento – respondeu Salmán.Pensava ele no respeitado devoto Áqá Muhammad-i-Sarráf(cambista).

O chefe virou-se para um dos farráshes e disse:–– Leva-o ao cambista e investiga.Quando lá chegaram, o farrásh adiantou-se:

6 1849-1850.

Page 32: Tributo aos Fiéis

14

‘ABDU’L-BAHÁ

–– O que sabe sobre a venda de um ‘abá e a garantia depagamento que deste? Explica-te.

–– Nada sei sobre isso – replicou o cambista.–– Vem – disse a Salmán o farrásh. Tudo está claro

finalmente. Tu és um bábí.Aconteceu que o turbante que Salmán estava usando era

semelhante àqueles usados em Shúshtar. Ao passarem por umaencruzilhada, um homem de Shúshtar saiu de sua loja. AbraçouSalmán e gritou:

–– Onde estiveste, Khájih Muhammad-‘Álí? Quandochegaste? Sejas bem-vindo!

–– Vim aqui há alguns dias atrás – respondeu Salmán – eagora a polícia prendeu-me.

–– O que queres dele? – perguntou o mercador ao farrásh. Oque procuras?

–– Ele é um bábí – foi a resposta.–– Deus me livre! – gritou o homem de Shúshtar. Eu o

conheço bem. Khájih Muhammad-‘Alí é um muçulmanotemente a Deus, um Shí’ih, um devotado seguidor do Imám‘Alí.

Com essas palavras, deu uma soma de dinheiro ao farrásh eSalmán foi libertado. Entraram na loja e o mercador começoua perguntar a Salmán como ia. Disse-lhe Salmán:

–– Não sou Khájih Muhammad-‘Alí.O homem de Shúshtar ficou mudo de espanto.–– Tu és exatamente como ele! – exclamou. Os dois são

idênticos. Entretanto, como tu não és Khájih, devolve-me odinheiro que paguei ao farrásh!

Salmán deu-lhe o dinheiro imediatamente, saiu rumo aoportão da cidade e dirigiu-se a Hindíyán.

Quando Bahá’u’lláh chegou ao Iraque, o primeiro mensageiroa atingir a Sua santa presença foi Salmán, que posteriormente

Page 33: Tributo aos Fiéis

15

TRIBUTO AOS FIÉIS

retornou com Epístolas dirigidas aos amigos em Hindíyán. Umavez a cada ano, esse ser abençoado caminhava a pé ao encontrode seu Bem-Amado, após o que refazia os seus passos, levandoEpístolas enviadas a muitas cidades, como Isfáhán, Shíráz,Káshán, Teerã, e outras.

Desde o ano 69, até a ascensão de Bahá’u’lláh em 1309a.H.7, Salmán vinha uma vez por ano, trazendo cartas, eretornava com as Epístolas, fielmente entregando cada uma aoseu destinatário. A cada ano ao longo desse extenso período,veio a pé da Pérsia ao Iraque, ou a Adrianópolis, ou à MaiorPrisão em ‘Akká; vinha com grande ansiedade e amor, e entãoretornava.

Tinha impressionante poder de resistência. Viajava à pé,como regra geral alimentado-se apenas de cebolas e pão; edurante todo esse tempo movimentava-se de uma tal maneiraque nem mesmo uma vez foi detido e nem uma vez perdeu umacarta ou Epístola. Cada carta era entregue com segurança; cadaEpístola chegava às mãos de seu destinatário. Foi submetidorepetidamente em Isfahán a graves provações, mas permaneceugrato e paciente em todas as circunstâncias, recebendo de não-bahá’ís o título de “Anjo Gabriel dos Bábís”.

Durante toda a sua vida, prestou Salmán esse momentososerviço à Causa de Deus, tornando-se instrumento de suadisseminação e contribuindo para a felicidade dos crentes, aotrazer anualmente as boas-novas Divinas às cidades e vilarejosda Pérsia. Estava próximo ao coração de Bahá’u’lláh, que o viacom benevolência e graça especiais. Entre as Sagradas Escrituras,há Epístolas reveladas em seu nome.

Após a ascensão de Bahá’u’lláh, Salmán permaneceu fiel aoConvênio, servindo à Causa com toda a sua energia. Como

7 1853; 1892.

Page 34: Tributo aos Fiéis

16

‘ABDU’L-BAHÁ

antes, vinha à Maior Prisão anualmente, entregando as cartasdos crentes e retornando com as respostas para a Pérsia.Finalmente, em Shíráz, alçou vôo ao Reino da glória.

Desde o alvorecer da história até hoje, jamais houve ummensageiro tão merecedor de confiança; jamais houve ummensageiro comparável a Salmán. Deixou descendentesrespeitados em Isfahán, que, devido aos problemas na Pérsia,encontram-se em difícil situação. Certamente os amigos haverãode atender às suas necessidades. Que sobre ele repouse a glóriade Deus, o Todo-Glorioso; a ele saudações e louvor.

[5] MÍRZÁ MUHAMMAD-‘ALÍ,O AFNÁN

No tempo de Bahá’u’lláh, durante o pior período na MaiorPrisão, não se permitia que os amigos deixassem a Fortaleza ouaí entrassem. “Turbante Torto”8 e o Siyyid9 moravam perto dosegundo portão da cidade, e ali montavam vigia, dia e noite.Sempre que surpreendiam um viajante bahá’í corriam aogovernador para contar-lhe que o viajante trazia cartas e levariade volta as respostas. O governador prendia o viajante, tomava-lhe os documentos, aprisionava-o e o expulsava. Este costumedurou muito tempo – na verdade, por nove anos, até que, aospoucos, a prática foi abandonada.

8 Áqá Ján. Cf. Shoghi Effendi, A Presença de Deus, p. 264.9 Siyyid Muhammad, o Anticristo da Revelação Bahá’í. Cf. Ibid, pp. 164 e 189 .

Page 35: Tributo aos Fiéis

17

TRIBUTO AOS FIÉIS

Foi nessa época que o Afnán, Hájí Mírzá Muhammad-‘Alí –o grande ramo da Árvore Sagrada10 viajou a ‘Akká, procedenteda Índia para o Egito, e do Egito para Marselha. Um dia, meencontrava no telhado dos alojamentos11. Havia alguns amigoscomigo, e eu caminhava, indo e vindo. Era o pôr-do-sol. Naquelemomento, contemplando a costa distante, observei que umacarruagem se aproximava.

–– Senhores – disse – sinto que naquela carruagem encontra-se um santo ser.

Essa estava ainda distante e muito pouco visível.–– Vamos até o portão – eu lhes disse. Mesmo que não nos

deixem passar, podemos nos postar ali até que ele chegue.Levei uma ou duas pessoas comigo e fomos. Junto ao portão

da cidade chamei o guarda, dei-lhe algo discretamente e disse:–– Está vindo uma carruagem e acho que está trazendo um

de nossos amigos. Ao chegar aqui, não a pare, e não encaminheo assunto ao governador.

Ele colocou uma cadeira para mim, e ali me acomodei.Nesse momento o sol já havia se posto. O portão principal

já havia sido fechado, mas a portinhola permanecera aberta. Oguarda ficara do lado de fora, a carruagem aproximou-se, ocavalheiro havia chegado. Que rosto radiante tinha! Era puraluz, dos pés à cabeça. Contemplar aquela face era o suficientepara fazer as pessoas felizes, tão confiante era, tão seguro, tãofirme em sua fé, e sua expressão tão cheia de alegria. Tratava-serealmente de um ser abençoado. Progredia dia a dia, eacrescentava, a cada dia, à sua certeza e fé, sua luminosaqualidade, seu amor ardente. Fez extraordinário progressodurante os poucos dias que passou na Maior Prisão. O

10 Os Afnán são os membros da família do Báb.11 N.T.: No original “caravanserai”, alojamento para viajantes.

Page 36: Tributo aos Fiéis

18

‘ABDU’L-BAHÁ

importante é que sua carruagem encontrava-se ainda a meiocaminho entre Haifa e ‘Akká, e já se podia perceber o seu espíritoe sua luz.

Após receber as infindáveis graças que Bahá’u’lláh verteusobre ele, foi-lhe dada permissão para retirar-se, e viajou para aChina. Lá, por um considerável período de tempo, passou osseus dias com o pensamento em Deus e levou uma vida conformea vontade Divina. Mais tarde foi para a Índia, onde faleceu.

Outro reverenciado Afnán e alguns amigos na Índia acharamaconselhável enviar seus abençoados restos mortais para oIraque, aparentemente para Najaf, para serem enterrados pertoda Cidade Santa, porquanto os muçulmanos haviam se recusadoa permitir seu sepultamento em seu cemitério, e seu corpo haviasido guardado temporariamente em um local seguro. Áqá SiyyidAsadu’lláh, que estava em Bombaim naquela época, foiencarregado de transportar os restos mortais com toda a devidareverência para o Iraque. Havia alguns persas hostis no navio eessas pessoas, tendo chegado a Búshihr, denunciaram que ocaixão de Mirzá Muhammad-‘Alí, o Bábí, estava sendo levadopara Najaf para ser enterrado no Vale da Paz, perto dos locaissagrados adjacentes ao Santuário, e que tal coisa era intolerável.Tentaram retirar do navio os abençoados restos mortais, massem sucesso; eis o que os ocultos decretos Divinos podem realizar.

Seu corpo veio até Basra. E como naquela época os amigostinham que viver escondidos, Siyyid Asadu’lláh foi obrigado aprosseguir como se fosse realizar o sepultamento em Najaf, masesperando poder, de alguma maneira, levá-lo a cabo perto deBagdá. Porque, embora Najaf seja – e sempre será – uma cidadesanta, ainda assim os amigos haviam escolhido um outro local.Assim, Deus levantara os nossos inimigos para impedir osepultamento em Najaf. A multidão atacou e invadiu o local

Page 37: Tributo aos Fiéis

19

TRIBUTO AOS FIÉIS

da quarentena para seqüestrar o corpo e enterrá-lo em Basra oulançá-lo ao mar ou nas areias do deserto.

O caso revestia-se de tal importância que, no final, tornou-se impossível trazer os restos mortais para Najaf, e SiyyidAsadu’lláh teve que levá-lo para Bagdá. Tampouco ali haviaum local onde o corpo do Afnán ficasse a salvo de ser molestadopor mãos inimigas. Finalmente, o Siyyid decidiu levá-lo para osantuário de Salmán12, o Puro, da Pérsia, aproximadamentecinco “farsakhs” de Bagdá, e enterrá-lo em Ctesiphon, pertodo túmulo de Salmán, ao lado do palácio dos reis Sassânidas. Ocorpo foi levado até lá e aquele tesouro de Deus foi sepultado,com toda a reverência, em um local de repouso seguro, pertodo palácio de Nawshíraván.

E assim estava escrito, que após um período de mil e trezentosanos, desde o tempo em que a cidade dos antigos reis persasfora destruída sem deixar traço, com exceção do cascalho e dascolinas de areia, e no próprio teto do palácio havia rachadurasque o fizeram fender-se em dois, de sorte que metade deletombara ao chão – esse edifício devesse recuperar a pompa reale o esplendor dos dias passados. Trata-se, realmente, de umimpressionante arco. A largura da entrada é de cinqüenta edois passos, sendo ele extremamente elevado.

Assim, a graça e a bênção de Deus envolveu os persas deuma era há muito passada, de modo que a sua capital em ruínashaverá de ser reconstruída e mais uma vez florescer. Para essefim, com a ajuda de Deus, alguns episódios se passaram levandoao sepultamento do Afnán aqui; e não há dúvida de que umaorgulhosa cidade será erguida neste lugar. Escrevi muitas cartassobre essa questão; até que, finalmente, o pó sagrado pôdeencontrar repouso nesse lugar. Siyyid Asadu’lláh escrevia-me

12 Arauto do Profeta Muhammad

Page 38: Tributo aos Fiéis

20

‘ABDU’L-BAHÁ

de Basra e eu lhe respondia. Um dos funcionários do governodaquele lugar nos era completamente devotado, e eu o orienteipara que fizesse tudo que estivesse ao seu alcance. SiyyidAsadu’lláh informou-me de Bagdá que já não era mais capaz deencontrar uma solução, e que não tinha idéia de onde poderiasepultar o corpo.

–– Onde quer que o sepulte – escreveu – irão desenterrá-lo.Finalmente, louvado seja Deus, foi ele enterrado no lugar

exato onde muitas vezes passara a Abençoada Beleza; naquelelocal honrado por Suas pegadas, onde revelara suas Epístolas,onde Seus seguidores de Bagdá haviam estado em Suacompanhia; aquele mesmo lugar onde o Maior Nome gostavade caminhar. Como terá isso acontecido? Foi resultado da purezade coração do Afnán. Sem isso, jamais teria ocorrido esseconjunto de circunstâncias. Verdadeiramente, Deus é Quemmovimenta os céus e a terra.

Eu amava muito o Afnán. Por causa dele, me alegrei. Escreviuma longa Epístola de Visitação em sua honra e enviei-a para aPérsia, junto com outros papéis. O local onde está sepultado éum dos lugares sagrados onde deverá ser erguido um magníficoMashriqu’l-Adhkár e se possível, a atual arcada do palácio realdeveria ser restaurada para abrigar uma Casa de Adoração. Osedifícios auxiliares da Casa de Adoração também deverão sererguidos aqui: o hospital, as escolas, a universidade, a escolacomplementar e o asilo para pobres e indigentes; e também acreche para órfãos e inválidos e a pousada para os viajantes.

Deus cheio de graça! Aquele edifício real fora um diaesplendidamente decorado e limpo. Porém hoje, onde haviaantes cortinas de brocado de ouro existem teias de aranha, eonde os tambores reais soavam e seus músicos tocavam, o únicosom são os estridentes gritos de papagaios e corvos. “Esta é,verdadeiramente, a capital do reino da coruja, onde não ouvirás

Page 39: Tributo aos Fiéis

21

TRIBUTO AOS FIÉIS

qualquer som, salvo apenas o eco de seus repetidos chamados.”Era assim o quartel, quando viemos ter em ‘Akká. Havia algumasárvores dentro dos muros, e em seus galhos, assim como notopo dos edifícios, as corujas piavam durante toda a noite. Quãoinquietante é o pio de uma coruja; como entristece o coração.

Desde o início de sua juventude até tornar-se velho edebilitado, aquele ramo sagrado da Árvore Santa, com seu rostosorridente, brilhava como uma lâmpada, no meio dos demais.Então, saltou e elevou-se rumo à glória imperecível,mergulhando num oceano de luz. Que sobre ele bafeje o hálitode seu Senhor, o Todo-Misericordioso. Que ele, envolto naságuas da graça e do perdão, receba a misericórdia e abenevolência de Deus.

[6] HÁJÍ MÍRZÁ HASAN,O AFNÁN

Entre os mais eminentes daqueles que haviam deixado a suaterra natal para juntar-se a Bahá’u’lláh estava Mírzá Hasan, ogrande Afnán, que durante os últimos dias ganhara a honra deemigrar e de receber a benevolência e a companhia de seuSenhor. O Afnán, que tinha parentesco com o Báb, foradesignado pela Pena Suprema especificamente como umdescendente da Árvore Santa. Ainda criancinha, recebera doBáb a sua porção de bênçãos, e mostrara um apego extraordinárioàquela Beleza deslumbrante. Antes da adolescência, jáfreqüentava a companhia dos eruditos, tendo iniciado os estudosdas ciências e das artes. Refletia noite e dia sobre as mais obscurasdas questões espirituais, e contemplava maravilhado os

Page 40: Tributo aos Fiéis

22

‘ABDU’L-BAHÁ

poderosos sinais de Deus conforme estavam escritos no Livroda Vida. Tornou-se versado até mesmo nas ciências exatas maisconcretas, como a matemática, a geometria e a geografia; enfim,era conhecedor de muitas áreas, e totalmente familiarizado como pensamento dos tempos antigos e modernos.

Mercador por profissão, pouco permanecia em sua loja,devotando a maior parte de seu tempo à pesquisa e ao debate.Era verdadeiramente um erudito, que conferia credibilidade àCausa de Deus, entre os mais reputados intelectuais. Comalgumas poucas frases concisas, resolvia as mais difíceis questões.Embora conciso, seu discurso era por si só uma espécie demilagre.

Embora tenha acreditado ainda no tempo do Báb, foi nosdias de Bahá’u’lláh que seu coração ardeu em chamas. Nessaocasião, seu amor por Deus queimou todos os véus obstrutorese todos os vãos pensamentos. Fez tudo o que estava ao seualcance para difundir a Fé de Deus, tendo se tornado conhecidopelo seu amor ardente por Bahá’u’lláh.

Estou perdido, ó Amor, obcecado e aturdido,Sou escravo do amor, em toda a terra.Dizem que sou o primeiro entre os enlouquecidos,Embora no passado eu tenha sidoo primeiro em inteligência e valor ...

Após a ascensão do Báb, teve ele a distinguida honra deservir e cuidar da reverenda e santa esposa do abençoado Senhor.Encontrava-se na Pérsia, lamentando sua separação deBahá’u’lláh, quando seu ilustre filho tornou-se, pelo matrimônio,membro da Família Sagrada. O Afnán exultou ante essa notícia.Deixou a Pérsia e apressou-se rumo ao abrigo da benevolênciade seu Bem-Amado. Era um homem de aparência

Page 41: Tributo aos Fiéis

23

TRIBUTO AOS FIÉIS

impressionante, cujo semblante era tão luminoso que até mesmoaqueles que não eram devotos diziam que uma luz divinairradiava-se de sua fronte.

Por algum tempo ele se ausentou, e esteve em Beirute, ondese encontrou com o famoso acadêmico Khájih Findík. Essepersonagem elogiou calorosamente a erudição do grande Afnánem vários círculos, afirmando ser raro existir, no Oriente, umindivíduo dotado de tão amplo e diverso saber. Mais tarde, oAfnán retornou para a Terra Santa, estabelecendo-se perto damansão de Bahjí e dirigindo todos os seus pensamentos aaspectos da cultura humana. Muito do seu tempo era ocupadocom a pesquisa dos segredos dos céus, contemplando em todosos seus detalhes os movimentos dos astros. Tinha um telescópiocom o qual observava os céus todas as noites. Vivia uma vidafeliz, sem cuidados especiais e com leveza de coração. Vizinho aBahá’u’lláh, vivia dias abençoados, e suas noites eram radiantescomo a primeira manhã de primavera.

Veio, então, a partida do Amado desse mundo. Fez-se empedaços a paz do Afnán, sua alegria transformou-se em dor. AAflição Suprema abatera-se sobre nós, a separação nosconsumia, os dias antes radiosos tornaram-se negros como anoite, e todas as rosas de outros momentos eram agora pó eareia.

Viveu ainda por um curto período de tempo, o coraçãoardendo, os olhos em prantos. Mas não pôde mais suportar odesejo de estar perto de seu Bem-Amado, e pouco depois, suaalma deixou essa vida e alçou vôo para a vida eterna; entrou noParaíso da Permanente Reunião, e imergiu em um oceano deluz. Que receba, durante o desenrolar de eras e ciclos, a maiormisericórdia, abundante recompensa e toda bênção. Sua nobresepultura está em ‘Akká, no Manshíyyih.

Page 42: Tributo aos Fiéis

24

‘ABDU’L-BAHÁ

[7] MUHAMMAD-‘ALÍY-I-ISFÁHÁNÍ

Muhammad-‘Alí de Isfáhán figura entre os primeiros adeptosguiados para a Fé desde seu início. Era um dos místicos; sua casaera um centro de reuniões para eles e para os filósofos. Nobre ede espírito elevado, era um dos cidadãos mais respeitados deIsfáhán, oferecendo refúgio e acolhida a todo forasteiro, rico oupobre. Tinha verve, um excelente temperamento, era paciente,afável, generoso, um companheiro jovial. Toda a cidade sabiao quanto ele gostava de se divertir.

Foi, então, levado a abraçar a Fé e ardeu no fogo da Árvoredo Sinai. Sua casa tornou-se um centro de ensino dedicado àglória de Deus. Ali acorriam devotos dia e noite, como seatraídos por uma lâmpada acesa pelo amor divino. Por um longotempo foram os versos sagrados entoados naquela casa, eapresentadas provas irrefutáveis. Ainda que todo esse movimentofosse de conhecimento público, Muhammad-‘Alí não eramolestado, por ser parente do Imám-Jum’ih de Isfáhán. Mas,finalmente, as coisas chegaram a um tal ponto que o próprioImám-Jum’ih fez com que saísse da cidade, dizendo-lhe:

–– Não posso mais proteger-te. Estás em grave perigo. Omelhor que tens a fazer é saíres daqui e realizares uma viagem.

Deixou ele, então, a sua casa e dirigiu-se ao Iraque, entrandona presença do Desejado do Mundo. Lá passou algum tempo,progredindo a cada dia; vivia modestamente; estava, porém,feliz e contente. Dotado de excelente temperamento, eraagradável a todos indistintamente, crentes ou não.

Page 43: Tributo aos Fiéis

25

TRIBUTO AOS FIÉIS

Quando Bahá’u’lláh e sua comitiva deixaram Bagdá rumo aConstantinopla, Muhammad-‘Alí encontrava-se em Suacompanhia, prosseguindo com Ele rumo à Terra do Mistério,Adrianópolis. Sempre constante, ele manteve sua característicaimutável de humor. Não importava o que acontecesse, elepermanecia impassível. Assim, também, em Adrianópolis, seusdias transcorriam alegremente, sob a proteção de Bahá’u’lláh.Os pequenos serviços que desempenhava traziam-lhe resultadossurpreendentemente abundantes.

De Adrianópolis, Muhammad-‘Alí acompanhou Bahá’u’lláhà fortaleza da ‘Akká, lá foi feito prisioneiro, integrando, para oresto de sua vida, o grupo de cativos que acompanhouBahá’u’lláh, assim alcançando a maior das honrarias, a de estarna prisão com a Abençoada Beleza.

Passava os seus dias em puro êxtase. Também aqui, tinhaum pequeno negócio, que o mantinha ocupado desde a manhãaté o meio-dia. Todas as tardes, pegava seu samovar, embrulhava-o em um pano escuro, e rumava para algum jardim ou um vale,ou para o campo, para tomar seu chá. Às vezes era visto no sítiode Mazra’ih ou no Jardim de Ridván; ou na Mansão, ondedesfrutava da honra de servir Bahá’u’lláh.

Muhammad-‘Alí meditava cuidadosamente sobre cada umadas bênçãos que recebia.

–– Como está delicioso o meu chá hoje! – comentava. Queperfume, que cor! Que lindo é esse vale, e que belas as cores dasflores!

Ele costumava dizer que tudo, até mesmo a água e o ar, tinhamcada um, uma fragrância especial. Para ele os dias passavam emum indescritível deleite. “Nem mesmo os reis são tão felizesquanto esse ancião” – diziam. “Ele está completamentedesprendido deste mundo” – declaravam. “Ele vive imerso em

Page 44: Tributo aos Fiéis

26

‘ABDU’L-BAHÁ

alegria.” Ocorre, também, que sua comida era da melhorqualidade, e sua casa situada na melhor parte de ‘Akká. MeuDeus! Lá estava ele, um prisioneiro, e ainda assim experimentavaconforto, paz e alegria.

Muhammad-‘Alí tinha mais de oitenta anos quando,finalmente, partiu para a eterna luz. Muitas das Epístolas deBahá’u’lláh lhe foram destinadas. Também recebeu graçasinfinitas, em todas as condições. Que sobre ele recaia a glóriade Deus, o Mais Glorioso. Que receba miríades de bênçãosdivinas; que Deus conceda-lhe alegria para todo o sempre. Oseu túmulo luminoso encontra-se em ‘Akká.

[8] ‘ABDU’S-SÁLIH,O JARDINEIRO

Entre aqueles que emigraram e eram companheiros na MaiorPrisão estava Áqá ‘Abdu’s-Sálih. Essa alma excelente, filho deum casal de antigos devotos, viera de Isfáhán. Seu pai, que tinhaum nobre coração, falecera, e a criança crescera órfã. Não havianinguém que cuidasse dele, e ele se tornara um alvo daquelesque queriam fazer-lhe mal. Finalmente, ao entrar naadolescência, partiu à procura de seu Bem-Amado. Emigroupara a Maior Prisão e aqui, no Ridván, alcançou a honra de serdesignado jardineiro. No que dizia respeito a esse ofício ele erao melhor. Também em sua fé era firme, leal, merecedor deconfiança; quanto ao caráter, era a expressão do verso sagrado:

Page 45: Tributo aos Fiéis

27

TRIBUTO AOS FIÉIS

“Porque és de nobilíssimo caráter”13 *. Foi assim que ganhou adistinção de tornar-se jardineiro no Ridván, dessa formarecebendo a maior de todas as graças: quase que diariamente,desfrutava da presença de Bahá’u’lláh.

É fato que o Maior Nome fora mantido prisioneiro econfinado por nove anos na cidade fortaleza de ‘Akká; e emtodos os momentos, tanto na fortaleza como depois, do lado defora da casa, a polícia e os “farráshes” O mantinham sobconstante vigilância. A Abençoada Beleza vivia em uma casamuito pequena, e jamais pisara fora dela porque Seus opressoresobservavam constantemente a porta. Entretanto, quando noveanos haviam transcorrido, o período fixo e predeterminado dedias se escoara; e naquele momento, contra a vontade rancorosado tirano, ‘Abdu’l-Hamíd, e de todos os seus apaniguados,Bahá’u’lláh saiu da fortaleza com autoridade e poder, e fez deuma mansão principesca nos arredores da cidade Seu lar.

Embora a política do Sultão ‘Abdu’l-Hamíd fosse mais severado que nunca; embora insistisse constantemente no estritoconfinamento – ainda assim a Abençoada Beleza vivia agora,como todos sabiam, com todo poder e glória. Bahá’u’lláhcostumava passar algum tempo na Mansão, ou na vila rural deMazra’ih; passava tempos em Haifa, e ocasionalmente Sua tendaera armada nas alturas do Monte Carmelo. Amigos vindos detodos os lugares apresentavam-se e eram recebidos em audiência.A população e as autoridades governamentais testemunhavamtudo isso, no entanto ninguém lograva dizer uma palavra. Eesse foi um dos maiores milagres de Bahá’u’lláh: que Ele, umcativo, cercava-Se de autoridade e exercia poder. A prisãotransformou-se em um palácio, a própria cela tornou-se um13 Alcorão 68:4.* Segundo a tradução de Samir El Hayek, em http://www.globalsites.com.br/mesquitaislamica/alcoraosagrado. (N.T.)

Page 46: Tributo aos Fiéis

28

‘ABDU’L-BAHÁ

Jardim do Éden. Tal coisa jamais ocorreu antes na história;nenhuma outra era viu coisa parecida: que um homemconfinado à prisão pudesse movimentar-se com tanto poder eautoridade; que um acorrentado lograsse levar a fama da Causade Deus aos altos céus, ganhar esplêndidas vitórias tanto noOriente quanto no Ocidente, e que pudesse, por meio de Suatoda poderosa pena, subjugar o mundo. É essa a característicadistintiva dessa teofania suprema.

Um dia, os líderes governamentais, pilares do país, os ‘ulamásda cidade, os mais importantes místicos e intelectuais, vieram àMansão. A Abençoada Beleza não lhes deu qualquer atenção.Não foram admitidos à Sua presença, e tampouco Ele perguntoupor qualquer um deles. Fiz-lhes companhia por algumas horas,depois do que retornaram para o lugar donde haviam vindo.Embora o farmán real tivesse decretado especificamente queBahá’u’lláh deveria ser mantido em confinamento solitáriodentro da fortaleza de ‘Akká, em uma cela, sob vigilânciaperpétua; que Ele jamais deveria por os pés do lado de fora; queEle jamais deveria avistar-se com qualquer dos crentes – apesardesse farmán, dessa ordem drástica, Sua tenda foi levantadamajestosamente nas alturas do Monte Carmelo. Que outrademonstração de poder poderia haver maior do que essa, quedessa mesma prisão, a bandeira do Senhor fora içada, e ondulavaà vista de todo o mundo! Louvado seja o Possuidor de talmajestade e poder; louvado seja Ele, armado de poder e de glória;louvado seja Ele que derrotou Seus inimigos quando era mantidono cativeiro, na prisão de ‘Akká!

Retomando a narrativa: ‘Abdu’s-Sálih viveu sob a estrelada sorte, pois vinha regularmente à presença de Bahá’u’lláh.Desfrutou por muitos anos da distinção de servir como jardineiro,mostrando-se sempre leal, sincero, e firme na Fé. Era humildena presença de todo e qualquer um dos crentes; durante todo o

Page 47: Tributo aos Fiéis

29

TRIBUTO AOS FIÉIS

tempo jamais magoou ou ofendeu qualquer um deles. Efinalmente deixou seu jardim, apressando-se à toda abrangentemisericórdia de Deus.

A Antiga Beleza estava contente com ‘Abdu’s-Sálih tendo,após sua ascensão, revelado uma Epístola de Visitação em suahonra, e também proferido algumas palavras a seu respeito, queforam anotadas e publicadas juntamente com outras Escrituras.

Que sobre ele repouse a glória do Todo-Glorioso! Que sobreele repouse a bondade e o favor divinos no Exaltado Reino.

[9] USTÁD ISMÁ’ÍLOutro ainda, entre aquele grupo abençoado era Ustád Ismá’íl,

o construtor. Era o encarregado de orientar as obras de FarrukhKhán (Amínu’d-Dawlih) em Teerã, e vivia de maneira prósperae feliz, homem de alta posição social, bem visto por todos.Entretanto, vendeu seu coração para a Fé, e foi seduzido porela, até que essa santa paixão consumiu cada véu que seinterpusesse. Então, desfez-se de toda precaução, tornando-seconhecido em toda Teerã como um pilar dos bahá’ís.

No início, Farrukh Khán defendeu-o eficientemente. Mas,com o passar do tempo, chamou-o e disse:

–– Ustád, me és muito querido e te dei a minha proteção,tendo ficado do teu lado da melhor maneira possível. Mas o Xádescobriu sobre ti, e sabes que tirano sangrento ele é. Tenhomedo de que ele te prenda sem aviso, e que te mande para aforca. O melhor que tens a fazer é realizares uma viagem. Deixaiesse país, vai a algum outro lugar, e escapai desse perigo.

Page 48: Tributo aos Fiéis

30

‘ABDU’L-BAHÁ

Tranqüilo e feliz, Ustád deixou seu trabalho, abandonou suasposses, e dirigiu-se ao Iraque, onde vivia na pobreza. Havia secasado recentemente, e amava infinitamente a sua esposa. Suamãe chegou, e por meio de um subterfúgio, obteve permissãopara levar a filha de volta a Teerã, aparentemente para umavisita. Ao alcançar Kirmánsháh, foi ao mujtahid e disse-lhe que,como seu genro havia abandonado sua religião, sua filha nãopoderia permanecer como sua esposa perante a lei. O mujtahidprovidenciou um divórcio, e casou a moça com outro homem.Quando as notícias chegaram até Bagdá, Ismá’íl, firme comosempre, apenas sorriu:

— Deus seja louvado – disse. Nada me é deixado nessecaminho. Perdi tudo, inclusive a minha esposa. Consegui dar-Lhe tudo o que possuía.

Quando Bahá’u’lláh partiu de Bagdá, e viajou para aRumélia, os amigos não O acompanharam. Os habitantes deBagdá levantaram-se, então, contra aqueles indefesosseguidores, enviando-os como prisioneiros para Mosul. Ustádestava velho e fraco, mas caminhou a pé, sem provisões para aviagem, cruzou montanhas e desertos, vales e colinas,alcançando finalmente a Maior Prisão. Em determinadomomento, Bahá’u’lláh havia escrito para ele uma ode de Rúmí,dizendo-lhe que voltasse a face em direção ao Báb e que cantasseaquelas palavras em uma melodia. E assim, enquantoperambulava pelas longas noites escuras, Ustád cantava essaslinhas:

Estou perdido, ó Amor, obcecado e aturdido,Sou escravo do amor, em toda a terra.Dizem que sou o primeiro entre os enlouquecidos,Embora no passado eu tenha sidoo primeiro em inteligência e valor ...

Page 49: Tributo aos Fiéis

31

TRIBUTO AOS FIÉIS

Ó Amor, que a mim esse vinho vende,14

Ó Amor, por quem estou a arder e a sangrar,Amor, por quem choro e anseio –Tu o flautista, eu a vara de bambu.

Se queres que eu viva,Por mim sopra Teu alento sagrado.O toque de Jesus darásA mim, que na morte jazia por uma era.

Tu, que és Fim e Origem,Tu dentro e Tu foraDe todo olhar bem te ocultas,E, ainda assim, em todo olhar habitas.

Ele era como um pássaro de asas partidas, mas tinha a cançãoque o impulsionava em direção ao seu único e verdadeiro amor.Furtivamente, aproximou-se da Fortaleza e ali entrou, fatigadoaté a exaustão. Ali permaneceu por alguns dias, e apresentou-se a Bahá’u’lláh, após o que foi orientado a buscar acomodaçãoem Haifa. Lá não encontrou qualquer refúgio, nem ninho, nemmesmo um buraco, nem água ou mesmo um grão de milho.Finalmente, fez de uma caverna fora da cidade seu lar. Em umapequena bandeja que conseguiu, ele colocou anéis de louça,dedais e outras quinquilharias. Todos os dias, da manhã até omeio-dia, ele caminhava, mascateando esses objetos. Em alguns

14 Esse vinho, afirma Rúmí em outra parte, provém da jarra de “Sim, verdadeiramente”.Isso é, simboliza o Convênio Primal celebrado entre Deus e o homem no dia de “Nãosou Eu o Teu Senhor?” “E de quando o teu Senhor extraiu das entranhas do filhos deAdão os seus descendentes e os fez testemunhar contra si próprios, dizendo: Não éverdade que sou o vosso Senhor? Disseram: Sim! Testemunhamo-lo! Fizemos istocom o fim de que no Dia da Ressurreição não dissésseis: Não estávamos cientes.”Cf. Alcorão 7:172.

Page 50: Tributo aos Fiéis

32

‘ABDU’L-BAHÁ

dias conseguia juntar até vinte paras15, em outros dias, trinta; enos melhores dias até quarenta. Então, ele voltava para a suacaverna e contentava-se com um pedaço de pão. Em voz alta,expressava sua gratidão, dizendo sempre: “Louvado seja Deuspois atingi tanto favor e graça; por estar separado de amigos eestranhos, e por haver me refugiado nessa caverna. Sou agoraum daqueles que deram tudo o que possuíam, para podercomprar o Divino José no mercado. Que bênção maior poderiahaver?”

Era essa a sua condição quando de sua morte. Muitas e muitasvezes, ouvia-se Bahá’u’lláh expressar a Sua satisfação com UstádIsmá’íl. Bênçãos o envolviam, e o olhar de Deus estava sobreele. Nós o saudamos e louvamos. Que sobre ele repouse a glóriado Todo-Glorioso.

[10] NABÍL-I-ZARANDÍ

Outro seguidor a emigrar, deixando sua terra nativa para estarpróximo a Bahá’u’lláh, foi o grande Nabíl.16 Na flor dajuventude, despediu-se de sua família em Zarand e com a ajudaDivina começou a ensinar a Fé. Tornou-se como que um chefede um exército de apaixonados, e em sua busca deixou o Iraqueem direção à Mesopotâmia, não encontrando, entretanto,Aquele a quem buscava. Pois o Bem-Amado encontrava-se

15 A para turca correspondia a um nono de um centavo. Cf. Webster, New InternationalDictionary.16 Nabíl, autor de Os Rompedores da Alvorada, é o “Poeta-Laureado de Bahá’u’ lláh,Seu cronista e Seu infatigável discípulo”. Cf. A Presença de Deus, p. 512.

Page 51: Tributo aos Fiéis

33

TRIBUTO AOS FIÉIS

então no Curdistão, vivendo em uma caverna no Sar-Galú; eali, inteiramente só naquela terra desolada, sem companheiros,sem amigo, sem qualquer alma que O escutasse, Ele comungavacom a beleza que habitava em Seu próprio coração. Os contatoscom Ele estavam cortados; o Iraque estava de luto e solitário.

Quando Nabíl descobriu que a chama que uma vez estiveraacesa e cuidada parecia quase apagada, que os seguidores erampoucos, que Yahyá17 esgueirara-se para dentro de um buracoonde jazia entorpecido e inerte, e que o frio do inverno jádominava – viu-se obrigado a partir para Karbilá, lamentandoamargamente. Ali permaneceu até que a Abençoada Belezaretornasse do Curdistão, encaminhando-se a Bagdá. Naquelemomento houve alegria imensa; cada devoto naquele paísvoltou à vida; entre eles Nabíl, que se apressou à presença deBahá’u’lláh, recebendo grandes graças. Passava agora os diasalegremente, a compor odes para celebrar o louvor ao seuSenhor. Era um poeta de talento, e tinha a língua extremamenteeloqüente; um homem de brio, ardendo de amor apaixonado.

Passado algum tempo retornou a Karbilá, depois voltou aBagdá e de lá encaminhou-se à Pérsia. Por ter se aproximadode Siyyid Muhammad, foi levado ao erro tendo passado poramargas aflições e provações; mas como um meteoro, tornou-seum míssil afastando idéias satânicas18, repeliu aqueles quemurmuravam maldades e voltou a Bagdá, onde encontroudescanso à sombra da Árvore Sagrada. Mais tarde, foi orientadoa dirigir-se a Kirmánsháh. Novamente voltou, e a cada viagemera-lhe dada a oportunidade de servir à Fé.

17 Mirzá Yahyá, o “chefe nominal” da comunidade, “fora nomeado centro provisórioaté a manifestação do Prometido.” Ibid., p. 186.18 Referência ao simbolismo islâmico, segundo o qual o bem é protegido do mal: osanjos repelem os espíritos maus que tentam espionar o Paraíso lançando meteoroscontra eles. Cf. Alcorão 15: 18, 37:10 e 67:5.

Page 52: Tributo aos Fiéis

34

‘ABDU’L-BAHÁ

Acompanhado de sua comitiva, Bahá’u’lláh deixou Bagdá,a “Moradia da Paz”, dirigindo-se a Constantinopla, a “Cidadedo Islã”. Após Sua partida, Nabíl vestiu-se de “dervixe”, e a pérumou para Constantinopla, alcançando o comboio ao longodo caminho. Em Constantinopla, foi orientado a retornar àPérsia e ali ensinar a Causa de Deus. Viajou pelo país,transmitindo os acontecimentos aos adeptos nas cidades e vilas.Quando essa missão foi desempenhada, e os tambores de “Nãosou Eu o teu Senhor?” soavam, pois era o “ano oitenta”19, Nabílapressou-se a Adrianópolis, gritando: “Sim, verdadeiramenteTu és! Sim, verdadeiramente!” e “Senhor, Senhor, aqui estou!”

Ele entrou na presença de Bahá’u’lláh e bebeu do vinhotinto da fidelidade e da homenagem. Recebeu, então, ordensespecíficas para que viajasse por toda parte, e para que em cadaregião elevasse o chamado de que Deus agora tornara-Semanifesto: para que difundisse as abençoadas novas de que oSol da Verdade despontara. Ardia ele verdadeiramente emchamas, impulsionado pela inquietude do amor. Com grandefervor atravessava países, trazendo essa que era a melhor dasmensagens, e revificando os corações. Ele ardia como umatocha em todas as companhias, era a estrela de toda reunião, atodos os que vinham oferecia ele o cálice inebriante. Viajavacomo que ao ritmo de tambores, e finalmente alcançou afortaleza de ‘Akká.

Naqueles dias, as restrições eram excepcionalmente severas.Os portões estavam cerrados, as estradas fechadas. Usando umdisfarce, Nabíl chegou aos portões de ‘Akká. Siyyid Muhammade seu perverso cúmplice imediatamente dirigiram-se à sede dogoverno e prestaram informações sobre o viajante.

–– Trata-se de um persa – relataram. Ele não é, como parece,19 Referência ao advento de Bahá’u’lláh em 1863, como o Prometido do Báb. Oadvento do Báb ocorrera no “ano sessenta” – 1844.

Page 53: Tributo aos Fiéis

35

TRIBUTO AOS FIÉIS

de Bukhárá. Ele veio até aqui em busca de notícias deBahá’u’lláh.

As autoridades o expulsaram imediatamente.Desesperado, Nabíl retirou-se para a cidade de Safád. Mais

tarde, dirigiu-se a Haifa, onde fez sua casa numa caverna doMonte Carmelo. Vivia igualmente distante de amigos edesconhecidos, lamentando noite e dia, gemendo e entoandoorações. Lá permaneceu em reclusão, e esperou que as portas seabrissem. Ao findar o tempo predestinado de cativeiro, e aoserem os portões abertos de par em par, e ao aparecer oInjustiçado com toda a beleza, majestade e glória, Nabílapressou-se à Sua presença com o coração cheio de alegria.Então, consumiu a si mesmo como uma vela, ardendo com oamor de Deus. Dia e noite cantava louvores ao Bem-Amadode ambos os mundos e àqueles em Seu limiar, escrevendo versosnos formatos de pentâmetro e hexâmetro, compondo poemas elongas odes. Diariamente era admitido à presença daManifestação. 20

Assim ocorreu até o dia da ascensão de Bahá’u’lláh. Em vistadessa suprema aflição, dessa perturbadora calamidade, Nabílsoluçava e tremia e clamava aos céus. Ele verificou que o valornumérico da palavra “shidád” – ano de tensão – era 309, eassim tornou-se evidente que Bahá’u’lláh predissera aquilo queviria a acontecer.21

20 As escrituras bahá’ís salientam que: “De modo algum deve-se admitir um conceitoerrado da divindade atribuída a um Ser tão grandioso e da encarnação completa dosnomes e das qualidades de Deus numa Pessoa tão sublime.... daquele Deus invisível,conquanto racional, cuja Realidade infinita, incognoscível, incorruptível, que tudoabrange, de modo algum poderia se encarnar na forma concreta, limitada, de um sermortal, por mais que exaltemos a divindade daqueles Seres que O manifestam naterra.” Cf. Shoghi Effendi, A Ordem Mundial de Bahá’u’lláh, cap.: A Dispensação deBahá’u’lláh, p. 151.21 De acordo com os cálculos “abjad”, as letras de “shidád” somam o total de 309. 1892,data da ascensão de Bahá’u’lláh, foi 1309 A H.

Page 54: Tributo aos Fiéis

36

‘ABDU’L-BAHÁ

Ficou absolutamente deprimido, desesperançado pelaseparação de Bahá’u’lláh, febril, derramando lágrimas, chegandoa ser tão angustiado a ponto de desconcertar qualquer um queo visse. Embora lutasse, o único desejo que tinha era de entregarsua vida. Não agüentava mais sofrer; o desejo ardia em seu coração;não podia mais suportar a dor que o queimava. E assim, tornou-se o rei das cortes do amor, e lançou-se em direção ao mar.

Antes de se oferecer em holocausto, escrevera o ano da suamorte em uma palavra: “Afogado”.22 Então, renunciou à vidapelo Bem-Amado, e, não mais dele isolado, libertou-se dodesespero.

Este homem ilustre era um erudito, um sábio, e um oradoreloqüente. Sua genialidade nata era pura inspiração, seu dompoético era como uma torrente cristalina.23 Sua ode “Bahá,Bahá!”, em particular, foi escrita em puro êxtase. Durante todaa sua vida, desde a sua mais tenra juventude, até que se tornassefraco e envelhecido, passou o tempo servindo e adorando oSenhor. Suportou dificuldades, passou por adversidades, sofreuprovações. Dos lábios da Manifestação ouviu coisasmaravilhosas. Foram-lhe mostradas as luzes do Paraíso; realizouseu mais caro desejo. E finalmente, quando a Sol do mundohavia se ocultado, ele nada mais pôde suportar, lançando-se aomar. As águas do sacrifício fecharam-se sobre ele; afogou-se,vindo, finalmente, ao Mais Alto.

Que sobre ele caiam bênçãos abundantes; sobre ele esteja aterna misericórdia. Possa ele conquistar uma grande vitória, euma graça manifesta no Reino de Deus.

22 Gháriq. As letras que compõem essa palavra somam 1310, cujo ano de Hégirainiciou-se em 26 de julho, de 1892.23 Seu grande trabalho foi o livro Os Rompedores da Alvorada, traduzido e publicadoem inglês pelo Guardião da Fé Bahá’í, Shoghi Effendi, em 1932. Em português, foitraduzido e publicado em 1990. N.E.

Page 55: Tributo aos Fiéis

37

TRIBUTO AOS FIÉIS

[11] DARVÍSH SIDQ-‘ALÍ

Áqá Sidq-‘Ali foi mais um daqueles que deixou a terra natal,viajou até Bahá’u’lláh e foi encarcerado na Prisão. Era um“dervixe”; um homem que vivia livre e desapegado tanto deamigos como de estranhos. Pertencia ao mundo místico e eraum homem de letras. Passara algum tempo usando a vestimentada pobreza, bebendo o vinho da Lei e trilhando o Caminho,24

mas ao contrário dos outros súfís não devotava a sua vida aoalienante do hashísh; ao contrário, limpara-se das suas vãsimaginações, apenas buscando a Deus, falando de Deus, etrilhando o caminho de Deus.

Possuía um belo talento poético e escrevia odes para cantaros louvores Àquele a Quem o mundo rejeitara e injustiçara.Entre elas há um poema, escrito enquanto se encontravaaprisionado na fortaleza de ‘Akká, cuja principal dupla de versosdiz assim:

Cem corações Tuas cacheadas madeixas seduzem,E chovem corações, quando Teus cabelos agitas.

Aquela alma livre e independente descobrira, em Bagdá,um sinal do insondável Bem-Amado. Testemunhara o alvorecerdo Sol sobre o horizonte do Iraque, e recebera as graças daquelenascer. Deixou-se arrebatar pelo encanto de Bahá’u’lláh,seduzido por aquele terno Companheiro. Embora fosse um

24 Termos utilizados pelos súfís.

Page 56: Tributo aos Fiéis

38

‘ABDU’L-BAHÁ

homem quieto e pacífico, seus membros assemelhavam-se amúltiplas línguas proclamando a sua mensagem. Quando acomitiva de Bahá’u’lláh preparava-se para deixar Bagdá, eleimplorou permissão para acompanhá-la, na condição decavalariço. Durante todo o dia caminhava ele junto à caravana,e à noite cuidava dos cavalos. Trabalhava com total dedicação,somente depois da meia-noite é que buscava o leito para odescanso; sua cama, entretanto, era seu manto, e o travesseiro,um tijolo ressecado pelo sol.

Enquanto viajava, repleto de ansioso amor, entoava poemas.Com isso alegrava imensamente os amigos. Nele, o nome dohomem dava testemunho25: era pura candura e sinceridade; erao próprio amor; tinha um coração casto e enamorado porBahá’u’lláh. Em sua alta condição, a de cavalariço, reinavacomo um rei; em verdade, a sua glória elevava-se acima dossoberanos da terra. Era assíduo no serviço a Bahá’u’lláh: emtodas as coisas, era correto e verdadeiro.

A caravana dos amantes seguia em frente; alcançouConstantinopla; passou por Adrianópolis, e finalmente chegouà prisão de ‘Akká. Sidq-‘Alí esteve presente por todo o percurso,lealmente servindo o seu Comandante.

Enquanto se encontrava na prisão, Bahá’u’lláh escolheu umanoite especial para dedicar ao Darvísh Sidq-Alí. Escreveu quetodos os anos, naquela mesma noite, os “dervixes” deveriamornar um lugar em um jardim de flores, onde se reuniriam parafazer menção de Deus. Prosseguiu dizendo que “dervixe” nãodenota aquelas pessoas que perambulam, passando as suas noitese os seus dias em lutas e loucuras; ao contrário, disse Ele, otermo designa aqueles que estão completamente desprendidosde tudo exceto de Deus, que se mantêm fiéis às Suas leis,

25 Sidq, verdade.

Page 57: Tributo aos Fiéis

39

TRIBUTO AOS FIÉIS

permanecem firmes em Sua Fé, leais ao Seu Convênio econstantes em Sua adoração. Não se trata de uma designaçãopara aqueles que, como dizem os persas, vagabundeiam pelomundo, confusos e com a mente perturbada, um fardo para osoutros ou os seres mais rudes e grosseiros de toda a humanidade.

Esse eminente “dervixe” passou toda a sua vida abrigado àsombra do favor de Deus. Era completamente desprendido dascoisas do mundo. Era diligente e servia aos devotos com todo oseu coração. Era um servo de todos os demais e leal ao SagradoLimiar.

Veio, então, a hora em que, não distante do seu Senhor, eledespiu o manto da vida, e para os olhos físicos passou às sombras,mas para os olhos da mente elevou-se à claridade do dia; e alisentou-se em um trono de duradoura glória. Escapou da prisãodeste mundo, e armou sua tenda em uma terra espaçosa e ampla.Que Deus o mantenha sempre próximo e o abençoe naquelereino místico com a reunião perpétua e visão beatífica; possaele estar envolto em camadas de luz. Que sobre ele esteja aglória de Deus, o Todo-Glorioso. Sua sepultura fica em ‘Akká.

[12] ÁQÁ MÍRZÁ MAHMÚD

E ÁQÁ RIDÁ

Essas duas almas abençoadas, Mírzá Mahmúd de Káshán eÁqá Ridá de Shíráz, eram como duas lâmpadas acesas com oamor de Deus pelo óleo de Seu conhecimento. Envoltos emfavores Divinos desde a infância, conseguiram eles prestar todo

Page 58: Tributo aos Fiéis

40

‘ABDU’L-BAHÁ

tipo de serviço durante cinqüenta e cinco anos. Foram inúmerosos seus serviços, impossíveis de serem, todos eles, registrados.

Quando a comitiva de Bahá’u’lláh deixou Bagdá rumo aConstantinopla, ia acompanhada por uma grande multidão.Ao longo do caminho, enfrentaram condições de escassez dealimentos. Essas duas almas caminhavam a pé, à frente damontaria na qual seguia Bahá’u’lláh, cobrindo diariamente umadistância de sete ou oito farsakhs. Cansados e fracos, chegavamao local de repouso da caravana; e mesmo fatigados comoestavam, começavam imediatamente a preparar a refeição e atomar providências para que os devotos, ao chegarem, tivessemalgum conforto. Os esforços que faziam eram, verdadeiramente,mais do que o ser humano pode suportar. Havia ocasiões emque não dormiam mais do que duas ou três das vinte e quatrohoras; porquanto tendo os amigos terminado a refeição, os doisse ocupavam em coletar e lavar os pratos e utensílios de cozinha;esse trabalho durava até a meia-noite, e só então repousavam.Ao alvorecer do dia acordavam, guardavam os pertences eseguiam novamente viagem, à frente da montaria deBahá’u’lláh. Vejam como era vital o serviço que prestavam, epara que bênção foram escolhidos: do início da viagem, emBagdá, até a chegada em Constantinopla, caminharam bemperto de Bahá’u’lláh; transmitiam alegria a cada um dos amigos;traziam conforto e repouso a todos; preparavam o que fosse quepedisse qualquer um dos amigos.

Áqá Ridá e Mírzá Mahmud eram a própria essência do amorde Deus, totalmente desapegados de tudo, exceto de Deus.Durante todo aquele período, ninguém ouviu qualquer um deleslevantar a voz. Nunca feriram ou ofenderam qualquer pessoa.Eram dignos de confiança, leais e verdadeiros. Bahá’u’lláhcobriu-os de bênçãos. Freqüentemente iam à Sua presença, eEle expressava a Sua satisfação para com eles.

Page 59: Tributo aos Fiéis

41

TRIBUTO AOS FIÉIS

Mírzá Mahmud era um jovem ao chegar a Bagdá, vindo deKáshán. Áqá Ridá tornara-se um crente em Bagdá. Eraindescritível a condição espiritual dos dois. Havia em Bagdáum grupo de sete destacados devotos que, por serem pobres,moravam juntos em um quartinho. Mal conseguiam sobreviver,mas eram tão espirituais, tão felizes que pensavam estar no Céu.Às vezes, entoavam preces durante toda a noite, até o raiar dodia. Durante o dia, iam para o trabalho. Ao cair da noite, umdeles tinha ganho dez paras, outro talvez vinte paras, em outrosdias quarenta ou cinqüenta. Esse dinheiro era gasto com arefeição noturna. Um certo dia, um deles conseguiu vinte paras,enquanto que o outro nada ganhou. Aquele que ganhou algumdinheiro comprou umas poucas tâmaras, e compartilhou-as comos outros; foi esse o jantar para sete pessoas. Estavamperfeitamente contentes com a vida frugal que levavam; repletosda mais suprema felicidade.

Esses dois homens honrados devotavam os seus dias a tudoaquilo que de melhor há na vida humana: tinham olhos queviam; eram atentos e conscientes; tinham ouvidos que ouviam;eram justos nas palavras. Seu único desejo era agradar aBahá’u’lláh. Para eles, nada mais constituía uma bênção, excetoo serviço em Seu Sagrado Limiar. Após a época da SupremaAflição, consumiam-se de tristeza, como velas bruxuleantes;desejavam a morte, mas permaneceram firmes no Convênio,trabalhando com afinco pela propagação da Fé da EstrelaMatinal. Eram eles companheiros íntimos deste Servo de Bahá(‘Abdu’l-Bahá), de cuja confiança desfrutavam; neles podia-seconfiar para todas as coisas. Eram sempre modestos, humildes,despretensiosos, evanescentes. Durante todo aquele longoperíodo, jamais pronunciaram uma palavra que tivesse a vercom o ego.

E finalmente, durante minha ausência, alçaram vôo ao Reino

Page 60: Tributo aos Fiéis

42

‘ABDU’L-BAHÁ

de imorredoura glória. Muito me entristeci por não ter estadocom eles quando de sua morte. Ainda que fisicamente ausente,lá estava meu coração, lamentando; mas para os olhos exterioresnão lhes dei adeus; é isso que me aflige.

Que recebam ambos saudações e louvor; que recebammisericórdia e glória. Que Deus lhes ofereça um lar no Paraíso,sob a sombra da Árvore Celestial. Que estejam imersos emcamadas de luz, junto ao seu Senhor, o Onisciente, o Todo-Poderoso.

[13] PIDAR-JÁN DE QAZVÍN

O falecido Pidar-Ján estava entre aqueles devotos que haviamemigrado para Bagdá. Era um velho homem voltado para Deus,enamorado do Bem-Amado; no jardim do amor Divino, eracomo uma rosa em flor. Chegou a Bagdá, e lá passava os seusdias e noites comungando com Deus e entoando preces; eembora caminhasse pela Terra, viajava pelos altos Céus.

Em obediência à lei de Deus, adotou uma profissão, poisnada possuía. Embrulhava alguns pares de meias debaixo dobraço para vendê-las pelas ruas e bazares, e os ladrõescostumavam roubar sua mercadoria. Finalmente, viu-se obrigadoa estender as meias nas palmas das mãos, enquanto perambulavapelas ruas. Um dia pôs-se a entoar uma prece e surpreendeu-seao descobrir que haviam-lhe roubado as meias, estendidas naspalmas das mãos, na frente de seus olhos. Sua consciência dessemundo era como que enevoada, pois viajava por um outro.Vivia em êxtase, embriagado e em deslumbramento.

Page 61: Tributo aos Fiéis

43

TRIBUTO AOS FIÉIS

Viveu assim por algum tempo no Iraque. Era admitido àpresença de Bahá’u’lláh quase que diariamente. Seu nome era‘Abdu’lláh, mas seus amigos lhe haviam dado o título de Pidar-Ján – Pai Querido – pois era um pai amoroso para todos. Afinal,sob os protetores cuidados de Bahá’u’lláh, alçou vôo rumo à“assembléia da verdade, na presença de um Senhor Onipotente,Soberaníssimo”.26

Que Deus perfume seu sepulcro com as chuvas de Suamisericórdia e lance sobre ele o olhar da compaixão Divina. Aele, saudações e louvor.

[14] SHAYKH SÁDIQ-I-YAZDÍ

Outro dos que haviam emigrado para Bagdá era ShaykhSádiq de Yazd, um homem respeitado, e correto como seu nome,Sádiq.27 Era uma alta palmeira nos arvoredos do Paraíso, umaestrela flamejando nos céus do amor de Deus.

Foi durante o período no Iraque que ele apressou-se à presençade Bahá’u’lláh. Seu desprendimento das coisas desse mundo eseu apego à vida do espírito são indescritíveis. Era ele apersonificação do amor e da ternura. Dia e noite celebrava aDeus. Totalmente inconsciente desse mundo e de tudo o quenele se encontra, seu pensamento detinha-se continuamenteem Deus, permanecendo submerso em súplicas e orações.Lágrimas vertiam de seus olhos durante a maior parte do tempo.

26 Alcorão 54:5527 Essa palavra tem vários significados, entre eles verdadeiro, leal e justo.

Page 62: Tributo aos Fiéis

44

‘ABDU’L-BAHÁ

A Abençoada Beleza escolheu-o para objeto de Seu especialfavor, e sempre que Sua atenção se voltava para Sádiq, eraclaramente visível Seu amoroso cuidado.

Certo dia, trouxeram a notícia de que Sádiq estava à morte.Dirigi-me à sua cabeceira e encontrei-o exalando seus últimossuspiros. Sofria ele do íleo, uma dor abdominal e inchaço.Apressei-me ao encontro de Bahá’u’lláh e descrevi seu estado.

–– Vá! – disse Ele. Coloque a mão sobre a área distendida epronuncie as palavras: “Ó Tu, O que cura!”28

Retornei. Vi que a parte afetada estava inchada, do tamanhode uma maçã, mostrava-se dura como uma pedra, em constantemovimento. E ele ficava retorcendo-se e enrolando-se sobre simesmo como uma serpente. Pousei a mão sobre o inchaço;voltei-me para Deus e humildemente implorando, repeti aspalavras: “Ó Tu, O que cura!” Imediatamente o doente ergueu-se. O íleo havia desaparecido; fora-se o inchaço.

Esse espírito personificado viveu satisfeito no Iraque até odia em que a caravana de Bahá’u’lláh deixou Bagdá. Conformeo ordenado, Sádiq permaneceu naquela cidade. Mas o anseiopulsava tão apaixonadamente dentro dele que após a chegadade Bahá’u’lláh em Mosul, não pôde mais suportar a separação.Descalço, sem chapéu, ele correu junto ao mensageiro que sedirigia para Mosul; correu e correu até que, naquela planícieinóspita, envolto em misericórdia, sucumbiu e descansou.

Que Deus lhe dê de beber “da taça um néctar mesclado comcânfora”29, e envie águas cristalinas à sua sepultura; que Deusperfume seu pó naquele lugar deserto com almíscar e faça alidescerem fileiras sobre fileiras de luz.

28 Yá Sháfí.29 Alcorão 76:5.

Page 63: Tributo aos Fiéis

45

TRIBUTO AOS FIÉIS

[15] SHÁH-MUHAMMAD-AMÍN

Sháh-Muhammad, que tinha o título de Amín, o Fidedigno,estava entre os primeiros crentes, era dos mais profundamenteenamorados. Havia ele escutado os chamamentos Divinos naflor da sua juventude e voltado sua face para o Reino. Haviaafastado para longe de seu olhar os véus das vãs suposições etinha alcançado o desejo de seu coração; nem as fantasias emvoga entre o povo e tampouco as censuras de que era objeto ofizeram voltar atrás. Inabalável, ele enfrentou um oceano desofrimentos; firme pela força do dia do Advento, confrontouaqueles que tentaram frustrá-lo e bloquear seu caminho. Quantomais tentavam instilar dúvidas em sua mente, mais forte setornava; quanto mais o atormentavam, mais progresso fazia. Eraum cativo da face de Deus, escravizado pela beleza do Todo-Glorioso; uma chama do amor de Deus, uma fonte de ondejorrava o conhecimento dEle.

O amor ardia em seu coração, tirando-lhe a paz; quandonão pôde mais suportar a ausência do Amado, ele deixou aprovíncia de Yazd, sua terra natal. Sentia as areias do desertocomo seda sob seus pés; leve como o sopro do vento, passoupelas montanhas e atravessou as infindáveis planícies, até queencontrou-se à porta de seu Amor. Havia se libertado daarmadilha da separação, e no Iraque, chegou à presença deBahá’u’lláh.

Terminada a sua jornada ao Bem-Amado da humanidade,sentiu-se esvaziado de todo pensamento, libertado de todocuidado, e a ele foram destinadas ilimitadas bênçãos e graças.

Page 64: Tributo aos Fiéis

46

‘ABDU’L-BAHÁ

Passou alguns dias no Iraque e foi orientado a retornar à Pérsia.Ali permaneceu por algum tempo, freqüentando a companhiados devotos; e a brisa pura de seu alento trouxe nova vida acada um deles, que mais uma vez anelaram pela Fé, e puseram-se mais inquietos e impacientes do que antes.

Mais tarde chegou à Maior Prisão, acompanhado de MírzáAbu’l-Hasan, o segundo Amín. Ao longo da viagem, enfrentarainúmeras dificuldades, porquanto era extremamente difícilencontrar uma maneira de penetrar na prisão. Finalmente, foirecebido por Bahá’u’lláh nos banhos públicos. Tão tomado deemoção ante a magnética presença de seu Senhor ficou MírzáAbu’l-Hasan, que estremeceu, tropeçou e caiu ao chão; o sangueescorreu da ferida de sua cabeça.

Amín, isto é, Sháh-Muhammad, foi honrado com o títulode “o Fidedigno”, e muitas graças lhe foram concedidas. Cheiode ansiedade e de amor, portando Epístolas de Bahá’u’lláh,apressou-se de volta à Pérsia, onde, sempre fazendo jus à maiorconfiança, trabalhou pela Causa. Seus serviços foram notáveis,e ele foi um consolo para os corações dos devotos. Nenhumdeles se comparava a ele em energia, entusiasmo e zelo, e osserviços de nenhum outro homem poderiam se equiparar aosdele. Era um porto seguro para todos, conhecido em todos oslugares por sua devoção ao Sagrado Limiar, amplamenteadmirado pelos amigos.

Jamais descansava por um momento que fosse. Nem umanoite passou em uma cama confortável, e nunca repousou acabeça na maciez de um travesseiro. Estava continuamente emmovimento, voando como os pássaros, correndo como umcervo, um conviva no deserto da unidade, solitário e ligeiro.Trazia alegria a todos os devotos; para todos, a sua chegada erauma boa-nova; para todo buscador, ele era um sinal e um símbolo.Estava enamorado de Deus, e vagava no deserto do amor de

Page 65: Tributo aos Fiéis

47

TRIBUTO AOS FIÉIS

Deus. Como o vento, viajava sobre as planícies, e impacientava-se no alto das montanhas. A cada dia estava em um paísdiferente, e em ainda uma outra terra ao cair da noite. Nuncadescansou, e nunca parou. Estava sempre se levantando paraservir.

Porém, foi aprisionado no Azerbaijão, na cidade deMíyándu’áb. Caiu na armadilha de alguns cruéis curdos, umbando hostil que não fazia perguntas a homens inocentes eindefesos. Pensando que esse estranho, como outros estrangeiros,quisesse fazer mal ao povo curdo, e tomando-o por umimprestável, eles o mataram.

Quando a notícia de seu martírio chegou à Prisão, os cativoslamentaram, e derramaram lágrimas por ele, indefeso e entreguea Deus que estava em seus últimos momentos. Até mesmo nafisionomia de Bahá’u’lláh eram visíveis os sinais de tristeza. UmaEpístola, infinitamente terna, foi revelada pela Pena Suprema,celebrando o homem que morrera naquela calamitosa planície,e muitas outras Epístolas a seu respeito vieram.

Hoje, sob a sombra da misericórdia divina, ele mora nosradiosos Céus. Comunga com os pássaros da santidade, imersoem luz, na assembléia de esplendores. A sua memória e oslouvores a ele permanecerão, até o final dos dias, nas páginasdos livros, e nas línguas e nos lábios dos homens.

A ele, saudações e louvor; com ele esteja a glória do Todo-Glorioso; com ele esteja a máxima misericórdia de Deus.

Page 66: Tributo aos Fiéis

48

‘ABDU’L-BAHÁ

[16] MASHHADÍ FATTÁH

Mashhadí Fattáh era o espírito personificado. Era a própriadevoção. Irmão de Hájí Alí-‘Askar – da mesma linhagem pura– através dele abraçou a Fé. Como os gêmeos Castor e Pollux,ficavam sempre juntos, no mesmo lugar, e eram ambosiluminados pelo brilho da fé.

Em todas as coisas eram unidos como um par; compartilhavamda mesma certeza e fé, da mesma consciência, e abandonaramo Azerbaijão rumo a Adrianópolis, emigrando ao mesmo tempo.Em todas as circunstâncias de sua vida, viveram como se fossemum só; sua disposição, seus objetivos, sua religião, caráter,comportamento, fé, certeza, conhecimento – eram uma coisasó. Até mesmo na Maior Prisão, estavam constantemente juntos.

Mashhadí Fattáh possuía algumas mercadorias; era tudo oque tinha nesse mundo. Ele havia confiado esses objetos aalgumas pessoas em Adrianópolis, e mais tarde essas pessoasdesonestas desfizeram-se desses bens. Assim, no caminho deDeus, perdeu tudo o que possuía. Passava os seus dias,perfeitamente contente, na Maior Prisão. Era totalmentedesprendido; dele jamais alguém ouvira uma só sílaba queindicasse sua existência. Postava-se sempre em um determinadocanto da prisão, meditando em silêncio, ocupado com alembrança de Deus; em todos os momentos, espiritualmentealerta e consciente, em estado de súplica.

Veio então a Aflição Suprema. Ele não pôde tolerar aseparação de Bahá’u’lláh, e após Seu passamento, sucumbiu aopesar. Abençoado seja ele; mais uma vez, abençoado seja ele.

Page 67: Tributo aos Fiéis

49

TRIBUTO AOS FIÉIS

Para ele, boas-novas; uma vez mais, boas-novas para ele. Comele esteja a glória do Todo-Glorioso.

[17] NABÍL DE QÁ’INEsse homem ilustre, Mullá Muhammad-‘Alí,30 foi um

daqueles cujo coração foi atraído para Bahá’u’lláh antes daDeclaração do Báb; foi então que ele bebeu o vinho tinto doconhecimento das mãos do Dispensador de graças. Aconteceuque um príncipe, filho do Mír Asadu’lláh Khán, príncipe deQá’in, recebeu ordem de permanecer como refém político emTeerã. Era jovem, distante de seu amoroso pai, sendo MulláMuhammad-‘Alí seu tutor e guardião. Como o jovem era umforasteiro em Teerã, a Abençoada Beleza tratou-o com especialcarinho. Por muitas noites, o jovem príncipe foi o convidadode Bahá’u’lláh na mansão, e Mullá Muhammad-‘Alí oacompanhava. Isso se passou antes da Declaração do Báb.

Foi nessa ocasião que este renomado Mullá, dentre todos osleais amigos, foi cativado por Bahá’u’lláh, e aonde ia, difundiaamoroso louvor a Ele. Em conformidade com os hábitos do islã,também costumava relatar os milagres de Bahá’u’lláh que eletestemunhara, e também as maravilhas de que ouvira falar.Estava em êxtase, ardendo de amor. Nesse estado, retornou paraQá’in com o príncipe.

Mais tarde, aquele acadêmico eminente, Áqá Muhammadde Qá’in (cujo título era Nabíl-i-Akbar), foi designado mujtahid,

30 Nabíl de Qá’in era o seu título.

Page 68: Tributo aos Fiéis

50

‘ABDU’L-BAHÁ

isso é, doutor em direito religioso, pelo falecido ShaykhMurtadá; partiu então para Bagdá, tornou-se um ardente seguidorde Bahá’u’lláh, e apressou-se à Pérsia. Os mais destacadosteólogos e mujtahids estavam conscientes e reconheciam as suasvastas realizações acadêmicas, a amplidão de seus conhecimentose seu alto nível. Ao chegar a Qá’in, ele começou a divulgarabertamente a nova Fé. No mesmo momento em que MulláMuhammad-‘Alí ouviu o nome da Abençoada Beleza, eleaceitou imediatamente o Báb:

— Tive a honra – disse – de conhecer a Abençoada Belezaem Teerã. No momento em que O vi, tornei-me Seu escravo.

Em sua vila, a Sar-Cháh, esse homem cheio de qualidades, ede espírito elevado, começou a ensinar a Fé. Guiou sua família etambém muitos outros, trazendo uma grande multidão para a leido amor de Deus, conduzindo cada um ao caminho da salvação.

Até aquele momento, ele havia sido sempre companheiroíntimo do Mír ‘Alam Khán, governador de Qá’in, e prestara-lhe importantes serviços, tendo desfrutado do respeito e daconfiança do governador. Agora aquele cínico príncipe voltava-se contra ele furiosamente por causa de sua religião, confiscando-lhe os bens e saqueando sua propriedade; porquanto o Amírtinha pavor de Násiri’d-Dín Sháh. Baniu Nabíl-i-Akbar earruinou Nabíl de Qá’in. Depois de aprisioná-lo e submetê-lo atortura, ele o expulsou como um errante sem lar.

Para Nabíl, a repentina calamidade foi uma bênção; oconfisco de seus bens terrenos, a expulsão para o deserto, foramuma coroa real, e o maior favor que Deus lhe poderia conceder.Por algum tempo, permaneceu em Teerã – na aparência ummiserável sem morada, no seu íntimo, um homem que exultava;esta é a característica de toda alma que é firme no Convênio.

Tinha ele acesso à companhia dos poderosos e conhecia acondição dos vários príncipes. Portanto, costumava conviver

Page 69: Tributo aos Fiéis

51

TRIBUTO AOS FIÉIS

com alguns deles e transmitir-lhes a mensagem. Era um consolopara os corações dos devotos e como que uma espadadesembainhada para os inimigos de Bahá’u’lláh. Era um daquelesde quem lemos no Alcorão: “combaterão pela causa de Deus enão temerão censura de ninguém.”31 Dia e noite trabalhou napromoção da Fé, com todas as suas forças para divulgar noestrangeiro os claros sinais de Deus. Ele bebia e bebia novamentedo vinho do amor de Deus, clamoroso como as nuvenstempestuosas, irrequieto como as ondas do mar.

Veio, então, a permissão para que ele visitasse a Maior Prisão,pois em Teerã, devoto que era de Bahá’u’lláh, tornara-se umhomem marcado. Todos sabiam de sua conversão; não tomavaprecauções, não tinha paciência e nem reservas; não queriasaber de reticências e nem de dissimulações. Corria o maiorperigo e não tinha qualquer medo.

Quando chegou à Maior Prisão, os vigias hostis o expulsaram,e por mais que tentasse, ele não conseguia entrar. Foi obrigadoa dirigir-se a Nazaré, onde viveu por algum tempo como umforasteiro, sozinho com seus dois filhos, Áqá Qulám-Husayn eÁqá ‘Alí-Akbar, lamentando-se e rezando. Finalmente, umplano foi elaborado para que adentrasse na fortaleza, quandofoi levado à prisão onde estavam encarcerados os inocentes.Admitido à presença de Bahá’u’lláh, foi tomado de êxtaseindescritível. Ao entrar e erguer os olhos para a AbençoadaBeleza, estremeceu e caiu ao chão, sem sentidos. Bahá’u’lláhdirigiu-lhe com palavras cheias de amoroso cuidado, e ele sereergueu. Passou alguns dias escondido nos alojamentos, depoisdo que retornou a Nazaré.

Os habitantes de Nazaré tinham muita curiosidade sobre ele.Diziam uns aos outros que se tratava obviamente de um grande

31 Alcorão 5:59

Page 70: Tributo aos Fiéis

52

‘ABDU’L-BAHÁ

e ilustre homem em seu próprio país, notável e de alto nível; ese perguntavam por que haveria ele de ter escolhido um lugartão remoto como Nazaré e como poderia ele viver contente emtal pobreza e dificuldade.

Quando, em cumprimento à promessa do Maior Nome, osportões da Prisão foram abertos, e todos os amigos e viajantespuderam entrar e sair da fortaleza em paz e desfrutando dorespeito dos guardas, Nabíl de Qá’in passou a viajar todos osmeses para ver Bahá’u’lláh. Entretanto, obedecendo à Suaordem, ele continuou morando em Nazaré, onde converteualguns cristãos à Fé; lá chorava dia e noite as injustiças cometidascontra Bahá’u’lláh.

Vivia da sociedade que estabelecera comigo. Isso é, forneci-lhe um capital de três krans32, com o qual comprou agulhas, eesse era o produto que vendia. As mulheres de Nazaré davam-lhe ovos em troca de agulhas, e dessa maneira ele conseguiaobter de trinta a quarenta ovos por dia: eram três agulhas porovo. Ele, então, vendia os ovos e vivia do que obtinha. Comohavia uma caravana diária entre ‘Akká e Nazaré, ele procuravaÁqá Ridá todos os dias, em busca de mais agulhas. Deus sejaglorificado! Ele sobreviveu por dois anos com aquele capitalempregado inicialmente, e em todos os momentos agradecia.Um exemplo de seu desprendimento das coisas deste mundo éo seguinte fato: diziam os nazarenos que estava claro, pelocomportamento e pelas maneiras daquele velho homem, queele era muito rico, e que se vivia tão modestamente, era por serum forasteiro morando em um lugar estranho; estava ocultandoa sua riqueza, fingindo-se de mascate de agulhas.

Sempre que ia à presença de Bahá’u’lláh, recebia cada vezmais provas de proteção e amor. Era para mim um amigo e

32 O kran valia 20 sháhís, ou quase 8 centavos de dólar.

Page 71: Tributo aos Fiéis

53

TRIBUTO AOS FIÉIS

companheiro de todas as horas. Quando aflições me atacavam,eu mandava chamá-lo, e me alegrava simplesmente ao revê-lo.Como eram maravilhosas as suas palavras, e quão atraente asua companhia! Tinha a face radiante; o coração livre;desprendido de todo vínculo terreno, sempre a voar. Ao final,instalou-se na Maior Prisão, e todos os dias ia à presença deBahá’u’lláh.

Um dia, ao caminhar pelo bazar com os amigos, encontrouum coveiro de nome Hájí Ahmad. Embora gozando de ótimasaúde, dirigiu-se ao coveiro e, sorridente, disse-lhe:

–– Vem comigo.Acompanhado dos devotos e do coveiro, ele se dirigiu a

Nabíyu’lláh Sálih. Aí disse-lhe:–– Ó Hájí Ahmad, tenho um pedido a te fazer: quando me

for desse mundo para o próximo, cave aqui a minha sepultura,ao lado do Ramo Mais Puro.33 Esse é o favor que te peço.

Assim dizendo, ofereceu ao homem um presente em dinheiro.Naquela mesma noite, pouco depois do pôr-do-sol, veio a

notícia de que Nabíl de Qá’in estava doente. Fui imediatamenteà sua casa. Ele estava sentado, conversando. Mostrava-seradiante, rindo, brincando, mas por alguma razão, um suorabundante escorria de sua face. Com exceção disto, nada maistinha. O suor continuava, e, enfraquecido, ele se recolheu aoleito. Perto do amanhecer, faleceu.

Bahá’u’lláh sempre se referia a ele com carinhoso cuidado, erevelou um certo número de Epístolas em seu nome. AAbençoada Beleza costumava, após o falecimento de Nabíl,relembrar o seu ardor, o poder daquela fé, e comentava que aliestava um homem que O reconhecera, antes mesmo do adventodo Báb.33 Mírzá Mihdí, filho de Bahá’u’lláh que, ao orar uma noite sobre o telhado da prisão,de lá caiu, falecendo.

Page 72: Tributo aos Fiéis

54

‘ABDU’L-BAHÁ

Que todos o saúdem por essa fabulosa graça. “ A bem-aventurança o espera em um formoso lar... E Deus escolherápara sua mercê qualquer um que Ele queira.”34

[18] SIYYID MUHAMMAD-TAQÍ

MANSHÁDÍ

Muhammad-Taqí era originário da vila de Manshád. Aindajovem, aprendeu a Fé de Deus. Em sagrado êxtase, sua mentevoltou-se para os céus e seu coração inundou-se de luz. A graçadivina desceu sobre ele. O chamado de Deus tanto o empolgouque ele jogou ao ar a paz que tinha em Manshád. Deixando afamília e filhos, dirigiu-se a montanhas e planícies desertas,passou de uma pousada a outra, veio à costa, cruzou o mar efinalmente alcançou a cidade de Haifa. Dali apressou-se a ‘Akkáe chegou à presença de Bahá’u’lláh.

Nos primeiros dias, abriu uma pequena loja em Haifa,dirigindo um negócio sem importância. Mas as bênçãos de Deusjorraram sobre ele, pois ele prosperou. Aquele pequeno cantotransformou-se no refúgio dos peregrinos. Quando chegavam,e mais tarde quando partiam, eram hóspedes do sábio e generosoMuhammad-Taqí. Ele ainda ajudava a administrar os interessesdos crentes, e organizava os meios para viajar. Mostrou-seabsolutamente honesto, leal e fidedigno. Eventualmente,tornou-se também a pessoa por cujo intermédio as Epístolaseram enviadas e as cartas dos devotos chegavam até ‘Akká.Desempenhava essa tarefa com perfeita segurança, realizando-

34 Cf. Alcorão 13:28; 2:99; 3:67.

Page 73: Tributo aos Fiéis

55

TRIBUTO AOS FIÉIS

a com toda boa vontade, escrupulosamente despachando erecebendo a correspondência de forma permanente. Objeto daconfiança de todos, tornou-se conhecido em muitas partes domundo, e recebeu inúmeras graças de Bahá’u’lláh. Era umtesouro de justiça e correção, inteiramente livre de apego àscoisas desse mundo. Havia se acostumado com uma vida muitosimples, sem se importar com comida ou sono, conforto ou paz.Vivia sozinho em um quarto, passava as noites em um colchãode folhas de palmeira, e dormia em um canto. Mas para osviajantes, era uma fonte no deserto; para eles, oferecia o maismacio dos travesseiros e as melhores refeições que pudesseoferecer. Tinha um rosto risonho e era, por natureza, espirituale sereno.

Depois que o Sol da Assembléia Suprema se pusera, SiyyidManshádí permaneceu leal ao Convênio, como uma espadaafiada a confrontar os rompedores. Esses tentaram todos os ardis,todos os artifícios, os expedientes mais sutis; estão além daimaginação os favores com que o inundaram, as honras comque o distinguiram, as festas que prepararam, os prazeres quelhe ofereceram, tudo para conseguirem quebrar a sua fé. Aindaassim, a cada dia ele se fortalecia, continuava firme e verdadeiro,livre de qualquer pensamento censurável, evitando tudo o quefosse contrário ao Convênio de Deus. Quando, finalmente,desistiram de abalar a sua determinação, eles lhe causaram todasorte de dificuldades, e planejaram provocar a sua ruínafinanceira. Ele permaneceu, entretanto, a quintessência daconstância e da fidedignidade.

Quando ‘Abdu’l-Hámíd começou a opor-se a mim, instigadopelos rompedores, fui obrigado a mandar Manshádí para PortSaid, pois ele era bastante conhecido como distribuidor de nossacorrespondência. Tive então de enviar-lhe as cartas por meiode intermediários que não eram conhecidos, para que ele as

Page 74: Tributo aos Fiéis

56

‘ABDU’L-BAHÁ

encaminhasse, como fazia antes. Dessa maneira os traiçoeiros ehostis não podiam apoderar-se da correspondência. Durante osúltimos dias de ‘Abdu’l-Hámíd, quando uma comissão deinvestigação apareceu, e estimulado por familiares-transformados-em-estranhos, planejou arrancar a ÁrvoreSagrada pela raiz quando decidiram jogar-me nas profundezasdo mar ou banir-me para o Fezzan, sendo esse seu objetivo, acomissão falhou, mesmo ele tentando obter de todas as maneirasalgum documento. Em meio a todo aquele tumulto, com todasas pressões e cerceamentos, e os infames ataques de pessoasimpiedosas como Yazíd35, ainda assim a correspondência seguia.

Por muitos longos anos, Siyyid Manshádí desempenhoucorretamente a sua tarefa em Port Said. Todos os amigos estavamsatisfeitos com ele. Naquela cidade recebia a gratidão dosviajantes, colocava os emigrantes em sua conta, trazia alegriaaos devotos locais. Então, o forte calor do Egito mostrou-sedemasiado para ele; recolheu-se ao leito, e em conseqüência deuma forte febre, desfez-se das vestes da vida. Abandonou PortSaid rumo ao Reino dos Céus e elevou-se às mansões do Senhor.

Siyyid Manshádí era a essência da virtude e do intelecto.Suas qualidades e realizações eram capazes de maravilhar as maissofisticadas mentes. Ele não tinha outro pensamento senãoDeus, nenhum outro desejo senão ganhar a aprovação divina.Era a personificação de “Faz de todos os meus cânticos louvoresa Ti, faz-me para sempre fiel em Teu serviço.”

Que Deus refresque as suas dores febris com a graça da reuniãono Reino, e cure a sua doença com o bálsamo da Suaproximidade, no domínio do Todo-Harmonioso. Com ele estejaa glória de Deus, o Mais Glorioso.

35 Yazíd (filho de Mu’áviyyih), califa ‘Ummayad por cuja ordem o Imám Husayn foimartirizado. Famoso pela crueldade. Cf. S. Haim, New Persian-English Dictionary, s.v.

Page 75: Tributo aos Fiéis

57

TRIBUTO AOS FIÉIS

[19] MUHAMMAD-‘ALÍ SABBÁQ

DE YAZD

Cedo na juventude, ainda no Iraque, Muhammad-‘AlíSabbáq tornara-se um devoto. Rasgara os véus e as dúvidas queo impediam de enxergar, escapara das ilusões, e apressara-se aoabrigo acolhedor do Senhor dos Senhores. Um homemaparentemente sem educação, pois não sabia ler nem escrever,tinha uma inteligência arguta e era um amigo fidedigno. Porintermédio de um dos crentes, foi levado à presença deBahá’u’lláh, e tornou-se logo amplamente conhecido entre opúblico como um dos discípulos. Tendo encontrado um cantoonde viver, bem ao lado da casa da Abençoada Beleza, vinha àpresença de Bahá’u’lláh todas as manhãs e todas as tardes. Poralgum tempo foi extremamente feliz.

Quando Bahá’u’lláh e sua comitiva deixaram Bagdá rumo aConstantinopla, Áqá Muhammad-‘Alí estava naquele grupo,e ardia de amor a Deus. Chegamos a Constantinopla; e como ogoverno obrigara-nos a ficar em Adrianópolis, deixamosMuhammad-‘Alí na capital turca para ajudar aos devotosquando esses passassem por aquela cidade. Rumamos então paraAdrianópolis. Este homem permaneceu só e sofreu imensodesgosto, pois não tinha qualquer amigo ou companheiro, ouqualquer pessoa que lhe fizesse companhia.

Dois anos depois, ele seguiu para Adrianópolis, buscandorefúgio no amoroso cuidado de Bahá’u’lláh. Trabalhou como

Page 76: Tributo aos Fiéis

58

‘ABDU’L-BAHÁ

mascate, e quando a grande rebelião36 começou, e os opressoreslevaram os amigos à mais extrema adversidade, figurava ele,também, entre os prisioneiros exilados conosco para a fortalezade ‘Akká.

Passou bastante tempo na Maior Prisão, depois do queBahá’u’lláh desejou que se dirigisse a Sidon, onde dedicou-seao comércio. Algumas vezes retornou e foi recebido porBahá’u’lláh, mas de maneira geral permanecia em Sidon. Viveugozando do respeito e da confiança de todos; para todos umexemplo. Quando fomos assolados pela Suprema Aflição, elevoltou para ‘Akká e passou o resto de seus dias junto ao SepulcroSagrado.

Os amigos, todos eles, estavam satisfeitos com ele, era muitoquerido no Sagrado Limiar; nesse estado, elevou-se à glóriapermanente, deixando os amigos de luto. Era um homemgeneroso e excelente: contentava-se com a vontade de Deus,qualquer que ela fosse; era grato, um homem de dignidade, umhomem que suportava sofrimentos. Com ele esteja a glória doTodo-Glorioso. Que Deus faça descer sobre o seu túmuloperfumado em ‘Akká, camadas de luz celestial.

36 A rebelião de Mírzá Yahyá que havia sido designado chefe provisório da comunidadebábí. O Báb jamais havia designado um sucessor ou vice-líder, indicando, em vezdisso, aos Seus discípulos, o advento iminente do Prometido. Nesse meio tempo, umvirtual desconhecido fora, por razões de segurança, nomeado como o líder ostensivo.Em seguida à Sua declaração em 1863 como o Prometido do Báb, Bahá’u’lláh retirou-se por algum tempo, em Adrianópolis, para permitir aos exilados a escolha entre Elee esse indigno meio-irmão, cujos crimes e loucuras haviam ameaçado destruir a recém-nascida Fé. Aterrorizado ao ser desafiado para um debate público com Bahá’u’lláh,Mírzá Yahyá recusou, caindo no descrédito. Como a história bahá’ í tem demonstradorepetidamente, também essa crise, não importa quão dolorosa, resultou em vitóriasainda maiores para a Fé, inclusive a adesão de importantes discípulos a Bahá’u’lláh, ea proclamação global da Sua missão, em Suas Epístolas ao Papa e aos Reis. Cf. APresença de Deus, Capítulo X.

Page 77: Tributo aos Fiéis

59

TRIBUTO AOS FIÉIS

[20] ‘ABDU’L-GHAFFÁR

DE ISFÁHÁN

Outro dos que deixaram a sua terra natal para tornarem-senossos vizinhos e companheiros de prisão foi ‘Abdu’l-Ghaffárde Isfáhán. Era um indivíduo de muita percepção, que comocomerciante havia, por muitos anos, viajado pela Ásia Menor.Viajou ao Iraque, onde Áqá Muhammad-‘Alí de Sád (Isfáhán)trouxera-o para o abrigo da Fé. Logo livrou-se dos véus dasilusões que lhe haviam cegado os olhos até então, e levantou-se, apressando-se à salvação no Paraíso do amor Divino. Nele ovéu havia sido diáfano, quase transparente, e foi por isso que,ao som da primeira palavra que lhe fora oferecida, foiimediatamente liberto do mundo das vãs imaginações ligando-se Àquele que Se vê claramente.

Durante a viagem do Iraque à Grande Cidade,Constantinopla, ‘Abdu’l-Ghaffár foi um companheiro íntimoe agradável. Serviu de intérprete para todo o grupo, porquantofalava excelente turco, idioma do qual nenhum dos amigos tinhagrande conhecimento. A viagem chegou tranqüilamente aofinal, e então, na Grande Cidade, ele continuou conosco, umcompanheiro e amigo. O mesmo se passou em Adrianópolis etambém quando, como um dos prisioneiros, ele acompanhou-nos à cidade de Haifa.

Aqui, os opressores decidiram enviá-lo a Chipre.Aterrorizado, ele clamou por socorro, pois queria estar conosco

Page 78: Tributo aos Fiéis

60

‘ABDU’L-BAHÁ

na Maior Prisão.37 Quando tentaram detê-lo à força, ele jogou-se ao mar do alto do navio. Nem isso comoveu os brutais oficiais.Depois de retirá-lo da água, mantiveram-no prisioneiro nonavio, contendo-o de forma cruel e levando-o à força paraChipre. Foi aprisionado em Famagusta, mas finalmenteconseguiu escapar e apressou-se a ‘Akká. Aqui, para proteger-se da malevolência dos nossos opressores, mudou seu nome para‘Abdu’lláh. Abrigado sob os amorosos cuidados de Bahá’u’lláh,ele passou seus dias feliz e em paz.

Mas quando a grande Luz do mundo se pôs para brilhar parasempre no Horizonte Todo-Luminoso, ‘Abdu’l-Ghaffár ficoufora de si e tornou-se uma vítima da angústia. Ele não tinhamais um lar. Foi para Damasco e ali passou algum tempo,curvado à dor, lamentando-se dia e noite. Tornou-se cada vezmais fraco. Para lá enviamos Hájí ‘Abbás, para cuidar e tratardele, e dar-me notícias todos os dias. Mas ‘Abdu’l-Ghaffár nadamais fazia a não ser falar, incessantemente, a toda hora, comseu enfermeiro, e dizer-lhe o quanto desejava ir-se embora paraa região misteriosa do além. E finalmente, longe de casa, exiladode seu Amor, ele partiu rumo ao Sagrado Limiar de Bahá’u’lláh.

Foi verdadeiramente um resignado, um benigno; um homemde bom caráter, bondosos atos, e palavras bondosas. Saudaçõese louvor a ele, e a ele a glória do Todo-Glorioso. Seu túmulo,docemente perfumado, está em Damasco.

37 Mírzá Yahyá não havia sido banido da Pérsia. Agora, entretanto, ele estava sendoexilado de Adrianópolis para Chipre, e ‘Abdu’l-Ghaffár era um dos quatrocompanheiros condenados a ir com ele. Cf. Epístola ao Filho de Lobo e A Presença deDeus, p. 250.

Page 79: Tributo aos Fiéis

61

TRIBUTO AOS FIÉIS

[21] ‘ALÍ NAJAF-ÁBÁDÍ

Entre os emigrantes e vizinhos havia também Áqá ‘Alí Najaf-Ábádí. Quando esse jovem, voltado para as coisas espirituais,ouviu pela primeira vez o chamado de Deus, levou aos lábios ataça sagrada e contemplou a glória do Orador da Montanha. Equando, pela graça da luz, alcançou conhecimento positivo,ele viajou para a Maior Prisão, onde testemunhou a própriaessência do saber e atingiu a elevada posição da verdadeindubitável.

Por muito tempo permaneceu na cidade sagrada; tornou-seHabíbu’lláh, o Mercador, e passava seus dias entregue a Deus,em súplica e oração. Era manso, tranqüilo, resignado, firme; emtudo amável e digno de louvor. Ganhou a aprovação dos amigose foi aceito e bem-vindo ao Sagrado Limiar. Durante os seusúltimos dias, quando sentiu que um feliz fim lhe estava reservado,ele mais uma vez apresentou-se na cidade sagrada da MaiorPrisão. Na sua chegada sentiu-se doente, fraco, e passava ashoras em súplica a Deus. O sopro da vida cessou nele, os portõesdo vôo para o Reino supremo abriram-se de par em par, eleafastou o olhar desse mundo de pó e elevou-se ao Lugar Sagrado.

‘Alí Najaf-Ábádí tinha um coração terno e sensível, em todosos momentos temente a Deus e voltado para Ele e, ao final davida, continuava desprendido, imaculado, livre do contágiodesse mundo. Docemente, deixou seu cantinho nessa terra, earmou sua tenda nas terras do além. Que Deus lhe mande ospuros aromas do perdão, abrilhante-lhe os olhos com a visão daBeleza Divina no Reino dos Esplendores, e refresque seu espírito

Page 80: Tributo aos Fiéis

62

‘ABDU’L-BAHÁ

com as brisas almiscaradas que sopram do Reino de Abhá. Aele saudações e louvor. Seu pó, doce e santo, está em ‘Akká.

[22] MASHHADÍ HUSAYN E MASHHADÍ MUHAMMAD-I- ADHIRBÁYJÁNÍ

Mashhadí Husayn e Mashhadí Muhammad eram ambos daprovíncia de Azerbaijão. Eram almas puras que haviam dado ogrande passo em seu país de origem: libertaram-se tanto dosamigos como dos inimigos, desvencilharam-se das superstiçõesque os haviam cegado, fortaleceram a sua determinação, ecurvaram-se à graça de Deus, o Senhor da Vida. Eram almasabençoadas, leais, imaculadas em sua fé; evanescentes, submissas,pobres, contentes com a vontade de Deus, apaixonadas pelaluz de Sua guia, alegrando-se pela grande mensagem. Deixaramsua província e dirigiram-se a Adrianópolis. Ali, perto da cidadesanta, viveram por um bom tempo no vilarejo de Qumruq-Kilísá.Durante o dia, suplicavam a Deus e comungavam com Ele; ànoite, choravam, lamentando as aflições dAquele a Quem omundo injustiçara.

Quando o exílio para ‘Akká aconteceu, não estavampresentes na cidade e portanto não foram aprisionados. Com ocoração pesado, permaneceram naquela área, derramando assuas lágrimas. Logo que obtiveram um aval definitivo, deixarama Rumélia e se dirigiram para ‘Akká: duas almas excelentes,

Page 81: Tributo aos Fiéis

63

TRIBUTO AOS FIÉIS

leais servos da Abençoada Beleza. Impossível dizer quãotranslúcidos eram seus corações, quão firmes em sua fé.

Moravam fora de Ákká em Bágh-i-Firdaws, trabalhavamcomo agricultores, e passavam os seus dias dando graças a Deus,pois haviam, mais uma vez, conseguido trilhar o caminho rumoà proximidade da graça e do amor. Entretanto, eram origináriosdo Azerbaijão, acostumados ao frio, e não puderam suportar ocalor local. Ademais, isso aconteceu durante os nossos primeirosdias em ‘Akká, época em que o ar era nocivo, e a águaextremamente insalubre. Ambos adoeceram, com uma febrealta e crônica. Suportaram-na alegremente, com surpreendentepaciência. Durante os dias da doença, apesar de atacados pelafebre, pela violência da enfermidade, pela sede furiosa, pelainquietação, mantinham-se em paz interiormente, regozijando-se com as boas-novas Divinas. E num momento em que juntos,ofereciam graças com todo o seu coração, apressaram-se paralonge desse mundo e entraram no outro; escaparam dessa gaiola,libertos no jardim da imortalidade. Com eles esteja a misericórdiade Deus, e a Sua aprovação. Com eles estejam saudações elouvor. Que Deus os traga ao Reino da eternidade, para quepossam deliciar-se na reunião com Ele; para que possam aquecer-se no Reino dos Esplendores. Os seus dois túmulos luminososestão em ‘Akká.

Page 82: Tributo aos Fiéis

64

‘ABDU’L-BAHÁ

[23[ Hájí ‘Abdu’r-Rahím-i- Yazdí

Hájí ‘Abdu’r-Rahím de Yazd era uma alma preciosa, virtuosae temente a Deus desde a infância. Era conhecido entre o povocomo um homem santo, inigualável na observação de suasobrigações religiosas, cuidadoso quanto aos seus atos. Sua fortefé religiosa era um fato incontestável. Ele servia e adorava aDeus dia e noite, era íntegro, meigo e piedoso e um amigo leal.

Por estar completamente preparado, no exato momento emque ouviu o Chamado do Horizonte Supremo – escutou o rufardos tambores de: “Não sou Eu o seu Senhor?” E exclamou ele:“Sim, verdadeiramente!” Com todo seu ser, enamorou-se dosesplendores derramados pela Luz do Mundo. Aberta ecorajosamente, começou a confirmar sua família e amigos. Essefato logo se tornou conhecido por toda a cidade; aos olhos dosmaldosos ‘ulamás, era ele agora objeto de ódio e desprezo. Vítimado seu ódio, foi desprezado por essas criaturas presas de suaspróprias paixões inferiores. Foi ferido e hospitalizado; oshabitantes se revoltaram, e os malvados ‘ulamás conspiraram,planejando sua morte. As autoridades governamentais voltaram-se também contra ele, perseguiram-no e sujeitaram-no a torturas.Bateram-lhe com paus e açoitaram-no. E assim foi, dia e noite.

Foi, então, forçado a abandonar seu lar e deixar a cidade,vagando pelas montanhas que escalava, cruzando as planícies,até que veio ter à Terra Santa. Encontrava-se, entretanto, tãofraco e desgastado, que todos que o viam pensavam estar ele à

Page 83: Tributo aos Fiéis

65

TRIBUTO AOS FIÉIS

beira de seu último suspiro. Ao alcançar Haifa, Nabíl de Qá’inapressou-se a ‘Akká, desejando que eu mandasse buscar o Hájíimediatamente, porquanto encontrava-se na agonia da mortee enfraquecia rapidamente.

–– Vou à Mansão – eu disse – pedir pemissão.–– Demoraria demasiado – respondeu. E assim, ‘Abdu’r-

Rahím jamais verá ‘Akká. Desejo muito que ele alcance essagraça; que possa finalmente ver Ákká antes de morrer. Eusuplico, manda buscá-lo imediatamente!

Satisfazendo seu desejo, mandei buscar ‘Abdu’r-Rahím.Quando chegou, mal consegui detectar nele um sopro de vida.Às vezes abria os olhos, mas não falava uma palavra. Entretanto,os doces eflúvios da Maior Prisão restauraram a centelha vital,e seu desejo de avistar-se com Bahá’u’lláh lhe infundiu vidanovamente. Procurei-o na manhã seguinte e encontrei-o alegree descansado. Ele pediu permissão para servir a Bahá’u’lláh.

–– Tudo depende – respondi – da permissão dEle. Se Deusquiser, serás escolhido para receber esse desejado presente.

Alguns dias mais tarde, veio a autorização, e ele apressou-seà presença de Bahá’u’lláh. Quando ‘Abdu’r-Rahím lá entrou,o espírito da vida soprou sobre ele. Quando de sua volta, tornou-se claro que esse Hájí havia se tornado um Hájí inteiramentediferente: estava na flor da saúde. Perplexo, Nabíl disse:

–– Como esse ar da prisão é capaz de infundir vida em umverdadeiro devoto!

Por algum tempo, ‘Abdu’r-Rahím viveu nas redondezas.Passava as horas lembrando e louvando a Deus; entoava orações,e com todo o cuidado, cumpria os seus deveres religiosos.Portanto via pouca gente. Esse servo dava atenção especial àssuas necessidades, e providenciou uma dieta leve para ele. Mastudo isso acabou por ocasião da Suprema Aflição, a Ascensãode Bahá’u’lláh. Havia angústia naquele momento e grande

Page 84: Tributo aos Fiéis

66

‘ABDU’L-BAHÁ

lamentação. Com o coração ardendo, lágrimas rolando dosolhos, ele lutou com as poucas forças que lhe restavam paraseguir em frente. Assim passava os seus dias, sempre desejandoabandonar esse amontoado de disparates – o mundo. Afinal,livrando-se do tormento de sua perda, apressou-se ao Reino deDeus, e veio à Assembléia de Divino Esplendor no reino deLuzes.

Com ele estejam saudações e louvor, e inefável misericórdia.Que Deus espalhe em seu leito de repouso raios do Reino demistério.

[24] HÁJÍ ‘ABDU’LLÁH NAJAF- ÁBÁDÍ

Tendo se tornado um dos devotos, Hájí ‘Abdu’lláh deixaraa Pérsia, a sua terra de origem, apressara-se à Terra Santa, eabrigado pela graça de Bahá’u’lláh, encontrara a paz interior.Era um homem firme, decidido e confiante; certo das muitasbênçãos de Deus; tinha excelente temperamento e caráter.

Passou os seus dias como amistoso companheiro dos demaisdevotos. Então, dirigiu-se a Ghawr, perto de Tiberias, ondetornou-se agricultor, trabalhando o solo e devotando grandeparte do tempo à súplica e à comunhão com Deus. Era umhomem excelente; de espírito elevado e puro.

Mais tarde, retornou de Ghawr, estabeleceu-se perto deBahá’u’lláh em Junayna, quando vinha com frequência à Suapresença. Seus olhos fixavam-se no Reino de Abhá; algumas

Page 85: Tributo aos Fiéis

67

TRIBUTO AOS FIÉIS

vezes derramava lágrimas e se lamentava, outras vezes alegrava-se, feliz por haver realizado seu supremo desejo. Eracompletamente desprendido de tudo exceto de Deus, feliz nagraça divina. Mantinha-se em vigília a maior parte da noite,permanecendo em estado de oração. Então, sobreveio-lhe amorte na hora determinada, e à sombra dos cuidados deBahá’u’lláh ele ascendeu, apressou-se para longe desse mundodo pó, e rumo ao alto Firmamento, voou para a terra secreta.Com ele estejam saudações, misericórdia e louvor, naproximidade de seu exaltado Senhor.

[25] MUHAMMAD-HÁDÍY-I-SAHHÁF

Outro ainda entre os que emigraram e vieram estabelecer-seperto de Bahá’u’lláh foi o encadernador de livros Muhammad-Hádí. Esse notável homem era de Isfáhán, e como encadernadore autor de iluminuras nos livros, não tinha quem com elerivalizasse. Quando se entregou ao amor de Deus, estava atentoao caminho e destemido. Abandonou seu lar e começou umaterrível jornada, passando com extremo sofrimento de um paísa outro até que atingiu a Terra Santa, onde foi aprisionado.Manteve-se junto ao Sagrado Limiar, varrendo-o com cuidadoe mantendo vigília. Por meio de seus esforços constantes, a praçaem frente à casa de Bahá’u’lláh estava sempre varrida, lavada eimaculada.

Freqüentemente Bahá’u’lláh contemplava aquele pedaço deterreno, sorria e dizia:

–– Muhammad-Hádí transformou a praça em frente a essa

Page 86: Tributo aos Fiéis

68

‘ABDU’L-BAHÁ

prisão no caramanchão nupcial de um palácio. Alegrou a todosos vizinhos e mereceu sua gratidão.

Ao terminar de varrer, lavar e limpar, ele retomava o trabalho,encadernando e desenhando as iluminuras de vários livros eEpístolas. Assim passava os seus dias, o coração feliz na presençado Amado da humanidade. Era uma excelente alma: correto,verdadeiro, merecedor da graça de estar unido ao seu Senhor, elivre do contágio do mundo.

Um dia veio a mim e queixou-se de um desconforto crônico.–– Venho sofrendo de febre e calafrios há dois anos – disse –

os médicos receitaram um purgante e quinino. A febre pára poralguns dias; e então retorna. Dão-me mais quinino, mas mesmoassim a febre retorna. Estou cansado dessa vida, e não mais possofazer o meu trabalho. Salva-me!

–– De que tipo de alimento mais gostas? – perguntei – Quecomida comerias com grande apetite?

–– Não sei – respondeu.Brincando, fui citando os diferentes pratos. Quando falei

em sopa de cevada com coalhada seca, ele disse:–– Muito bem! Mas com a condição de que haja alho cozido

nela.Instruí para que esse prato fosse preparado para ele, e saí. No

dia seguinte ele veio a mim e disse:–– Tomei um prato inteiro da sopa. Depois deitei a cabeça

no travesseiro e dormi em paz até de manhã.Para resumir, desde aquela época, pelos próximos dois anos,

ele esteve perfeitamente bem.Um dia um dos devotos veio a mim e disse:–– Muhammad-Hádí está queimando em febre. Corri para a

sua cabeceira e encontrei-o com uma febre de 42° centígrados,quase inconsciente.

–– O que ele fez? – perguntei.

Page 87: Tributo aos Fiéis

69

TRIBUTO AOS FIÉIS

–– Quando ele ficou com febre – foi a resposta – ele dissesaber pela própria experiência o que devia fazer. Então tomouum prato de sopa de cevada com coalhada seca e alho cozido eesse foi o resultado.

Fiquei estupefato com as obras do destino. Disse-lhes:–– Há dois anos atrás, ele tinha sido totalmente curado e

seu organismo estava limpo, pois como ele tinha um bom apetitee sua moléstia consistia de febre e calafrios, receitei-lhe umasopa de cevada. Mas dessa vez, com os diferentes alimentos queele havia ingerido, sem apetite, e especialmente com uma febrealta, não havia razão para diagnosticar o mal crônico anterior.Como foi ele tomar tal sopa!

Responderam:–– Foi o destino! As coisas tinham ido longe demais;

Muhammad-Hádí não mais poderia ser salvo.Tinha ele estatura baixa, mas posição e mente sublimes. Seu

coração era puro, sua alma luminosa. Durante todos aquelesdias em que serviu ao Sagrado Limiar, foi amado pelos amigos efavorecido por Deus. De tempos em tempos, com um sorrisonos lábios, a Abençoada Beleza falava com ele, expressando-lhe generosidade e graça.

Muhammad-Hádí foi sempre leal, e para ele todas as outrascoisas que não fossem a satisfação dos desejos de Deus nãopassavam de ficção e fábulas – nada mais. Abençoado seja ele,por esse dom a ele conferido! Jubiloso esteja pelas boas-novassobre o lugar ao qual vai ser conduzido. Que lhe faça bem essecálice de vinho temperado na fonte canforada, e que todos osseus esforços encontrem gratidão e sejam aceitáveis a Deus.38

38 Cf. Alcorão 11:101; 11:100; 76:5; 76:22; 17:20.

Page 88: Tributo aos Fiéis

70

‘ABDU’L-BAHÁ

[26] MÍRZÁ MUHAMMAD-QULÍ

Jináb-i-Mírzá Muhammad-Qulí39 foi um irmão leal daAbençoada Beleza. Esse grande homem tornara-se conhecidoainda em sua infância pela sua nobreza de alma. Era um recém-nascido quando seu ilustre pai faleceu, e assim aconteceu quedo início ao fim de seus dias, ele passou a vida nos braçosprotetores de Bahá’u’lláh. Era desprendido de qualquerpensamento egoísta, avesso a qualquer outra menção que nãofosse a algo concernente à Sagrada Causa. Fora educado naPérsia aos cuidados de Bahá’u’lláh, e também no Iraque foraespecialmente favorecido por Ele. Na presença de Bahá’u’lláh,era ele quem servia o chá; ajudava o “Irmão” em todos osmomentos, durante o dia e à noite. Estava sempre em silêncio.Voltava-se decididamente para o Convênio de: “Não sou Eu oteu Senhor?” Estava cercado por amorosa bondade e graça; diae noite tinha acesso à presença de Bahá’u’lláh; erainvariavelmente paciente e resignado, até que no final atingiuas mais elevadas alturas do favor divino e aceitação.

Manteve-se sempre fiel à sua própria maneira de ser. Viajavana companhia de Bahá’u’lláh; do Iraque a Constantinopla,seguia ele com o comboio e nos lugares das paradas era oencarregado de armar as tendas. Servia com a maior diligência,não sabendo o significado de letargia e de fadiga. Também, emConstantinopla, e mais tarde na Terra do Mistério,Adrianópolis, ele continuou, na mesma e invariável disposição.

39 Cf. A Presença de Deus, p. 161.

Page 89: Tributo aos Fiéis

71

TRIBUTO AOS FIÉIS

Com seu inigualável Senhor, foi então exilado para afortaleza de ‘Akká, condenado por ordem do Sultão à prisãoperpétua.40 Entretanto, aceitava no mesmo espírito tudo o quelhe acontecia – conforto e tormento, sofrimento e alívio, doençae saúde; eloqüentemente, agradecia à Abençoada Beleza portodas as Suas graças, expressando louvor com o coração emliberdade e a face brilhante como o sol. A cada manhã e todasas noites ele servia a Bahá’u’lláh, deleitando-se com a Suapresença e nela se apoiando; e a maior parte do tempo mantinha-se em silêncio.

Quando o Amado de toda a humanidade ascendeu ao Reinodos Esplendores, Mírzá Muhammad-Qulí permaneceu firme noConvênio, esquivando-se da astúcia, da malícia e da hipocrisiaque então apareceram, devotando-se inteiramente a Deus,suplicando e orando. Àqueles que o ouviam deu ele sábiosconselhos; relembrava os dias da Abençoada Beleza e lamentavao fato de ainda viver. Após a partida de Bahá’u’lláh, nenhumavez relaxou; não buscava a companhia de ninguém,permanecendo só a maior parte do tempo em seu pequenorefúgio, ardendo com o fogo da separação. Dia a dia tornou-semais fraco, mais desamparado, até que finalmente ascendeu aomundo de Deus. Sobre ele repouse a paz; sobre ele repousemlouvor e misericórdia, nos jardins do Paraíso. Sua sepulturaluminosa está em Naqíb, perto de Tiberias.

40 Cf. A Presença de Deus, pp. 259; 268; 271.

Page 90: Tributo aos Fiéis

72

‘ABDU’L-BAHÁ

[27] USTÁD BÁQIR E USTÁD AHMAD

E mais uma vez, entre aqueles que deixaram a sua pátria,havia dois carpinteiros, Ustád Báqir e Ustád Ahmad. Eram doisirmãos, de pura linhagem, e nativos de Káshán. Desde omomento em que ambos se tornaram seguidores da Fé,seguraram-se um ao outro em um abraço. Atenderam à voz deDeus, e ao Seu chamado de: “Não sou Eu o teu Senhor?” Eresponderam: “Sim, verdadeiramente!”

Por algum tempo permaneceram em seu próprio país,ocupados com a lembrança de Deus, distinguindo-se pela fé epelo conhecimento, respeitados de igual modo por amigos eestranhos, conhecidos de todos por sua correção e fidedignidade,pela sua austeridade de vida e temor a Deus. Quando o opressorestendeu as mãos contra eles, atormentando-os além dosuportável, emigraram para o Iraque, para os cuidados protetoresde Bahá’u’lláh. Eram duas almas muito abençoadas. Por algumtempo permaneceram no Iraque, orando na maior humildade esuplicando a Deus.

Então, Ustád Ahmad partiu para Adrianópolis, enquantoUstád Báqir permanecia no Iraque, tendo sido feito prisioneiroe levado para Mosul. Ustád Ahmad seguiu com o grupo deBahá’u’lláh para a Maior Prisão, e Ustád Báqir emigrou de Mosulpara ‘Akká. Ambos os irmãos estavam sob a proteção de Deuse livres de qualquer apego terreno. Na prisão trabalhavam emseu ofício, isolados e distantes igualmente de amigos e estranhos.

Page 91: Tributo aos Fiéis

73

TRIBUTO AOS FIÉIS

Tranqüilos, dignos, confiantes e fortes em sua fé, abrigados peloTodo-Misericordioso, alegremente passaram os seus dias. UstádBáqir foi o primeiro a morrer, e algum tempo depois seu irmão oseguiu.

Esses dois foram firmes seguidores, leais, pacientes, gratos emtodos os momentos, em todos os momentos suplicandohumildemente a Deus, com suas faces voltadas em Sua direção.Durante a longa permanência na prisão nunca negligenciaramseus deveres, nunca deixaram de cumpri-los. Estavamconstantemente alegres, pois haviam bebido profundamentedo cálice sagrado; e quando ascenderam às alturas, para foradesse mundo, os amigos choraram sua partida, e pediram quepela graça de Bahá’u’lláh fossem favorecidos e perdoados. Essesdois estavam envoltos nas bênçãos e apoio divinos, e aAbençoada Beleza mostrava-se contente com ambos; munidoscom essa bagagem para sua jornada, encaminharam-se ao mundovindouro. Que sobre eles dois repouse a glória de Deus, o Todo-Glorioso; que para cada um haja um assento da verdade41 noReino dos Esplendores.

[28] MUHAMMAD HANÁ-SÁB

Esse homem de dignidade e elevada estatura social, ÁqáMuhammad, foi mais um entre aqueles que abandonaram seuslares, e um dos primeiros a crer. Desde os primeiros sinais daAlvorada, tornou-se amplamente conhecido como um amante

41 Alcorão 54:55.

Page 92: Tributo aos Fiéis

74

‘ABDU’L-BAHÁ

da Maior Luz. Encontrava-se ele então em Isfáhán, e fechandoos olhos a esse mundo e também ao vindouro42, abriu-os para abeleza dAquele que incorpora tudo aquilo que é digno de seramado.43

Áqá Muhammad não pôde mais encontrar repouso, poishavia sido revivificado pelo hálito almiscarado de Deus; seucoração estava aceso; inalava a fragrância sagrada, tinha olhospara ver e ouvidos para ouvir. Guiou um certo número de almas,permanecendo sincero e leal para com a grande Causa.Suportou terríveis perseguições e tormentos, mas nuncafraquejou. Foi então favorecido pelo Rei dos Mártires, tendo setornado um servidor de confiança do Amado dos Mártires44,servindo-os por muitos anos. Recebeu confirmações em seutrabalho, e em muitas ocasiões o Rei dos Mártires expressou-lhe a sua satisfação, dizendo:

— Esse homem é uma daquelas almas que estão em paz; estácontente com seu Senhor, e a Ele dá contentamento.45 Sua féé genuína, ele ama a Deus, tem um bom caráter e leva umavida correta. É também um companheiro agradável e eloqüente.

Depois da execução do Rei dos Mártires, Áqá Muhammadpermaneceu por algum tempo em Isfáhán, consumido pelo luto.Finalmente emigrou rumo à Maior Prisão, onde foi recebidopor Bahá’u’lláh, recebendo a alta honraria de varrer o chãojunto ao Limiar. Era paciente, resignado, um verdadeiro amigoe companheiro. Então assolou-nos a Aflição Suprema, e Áqá

42 Essa referência para as duas palavras – du jihán – pode indicar o ditado: Isfáhán é ametade do mundo – Isfáhán nisf-i-jihán.43 Para essa definição da Manifestação de Deus, ver A Presença de Deus, p. 175.44 Essas duas “brilhantes luzes gêmeas” eram dois irmãos, famosos mercadores deIsfáhán. Por dever-lhes uma grande soma de dinheiro, o sumo sacerdote – ImámJum’ih – da cidade, ordenou seus martírios. Ver a Epístola ao Filho do Lobo e APresença de Deus, pp. 277-278 e 301.45 Alcorão 89: 27-30.

Page 93: Tributo aos Fiéis

75

TRIBUTO AOS FIÉIS

Muhammad foi tomado de tal angústia que não conseguiarepousar por um momento sequer. Todas as manhãs, aoalvorecer, levantava-se e varria o terreno em volta da casa deBahá’u’lláh, as lágrimas escorrendo copiosamente como a chuva,enquanto entoava orações.

Como era santo, que grande homem era! Sem poder suportara separação por muito tempo, ele faleceu, apressando-se aomundo de luzes, à Assembléia onde a beleza de Deus é desvelada.Que Deus derrame sobre sua sepultura raios vindos dos domíniosda misericórdia, e embale seu espírito no coração do Paraíso.Que Deus exalte sua posição nos jardins do alto. Seu brilhantetúmulo está em ‘Akká.

[29] HÁJÍ FARAJU’LLÁH TAFRÍSHÍ

Outro ainda a deixar a sua terra natal para viver nas cercaniasde Bahá’u’lláh foi Faraju’lláh Tafríshí. Esse abençoado ser foi,desde a sua juventude, um servo de Bahá’u’lláh, e junto comseu respeitado pai, Áqá Lutfu’lláh, emigrou da Pérsia paraAdrianópolis. Áqá Lutfu’lláh era um firme seguidor,amorosamente devotado à Abençoada Beleza. Paciente,resignado, completamente indiferente a esse mundo e às suasvaidades, vivia ele contente nas vizinhanças de Bahá’u’lláh; eentão humildemente junto ao Limiar, com o coração contrito,abandonou esta vida passageira e elevou-se para os ilimitadosdomínios do além. Seus almiscarados restos mortais estão emAdrianópolis.

Page 94: Tributo aos Fiéis

76

‘ABDU’L-BAHÁ

Quanto a Hájí Faraju’lláh, continuou a viver naquela cidade,até o dia em que opressores sem misericórdia baniramBahá’u’lláh para Ákká, e em Sua companhia o Hájí veio aqui,à Maior Prisão. Mais tarde, quando as privações transformaram-se em tranqüilidade, ele se dedicou ao comércio, tornando-sesócio de Muhammad-‘Alí de Isfáhán. Por algum tempo viveupróspero e foi feliz. Recebeu, então, autorização para ir-se, eviajou para a Índia, onde permaneceu por um longo períodoaté que alçasse vôo rumo aos jardins do perdão, entrando nosrecintos da inefável misericórdia.

Esse servo da Abençoada Beleza estava unido aos devotosem suas aflições e calamidades, e a ele coube uma parcela destaangústia. Os favores de Bahá’u’lláh o circundavam, e ele sealegrava em meio à graça ilimitada. Estava entre oscompanheiros, associava-se estreitamente aos amigos, e tinhaum coração dócil. Embora seu corpo estivesse magro e doente,ele era grato, aceitava sua condição, era paciente, e suportavaas provações no caminho a Deus. Com ele estejam saudações elouvor; possa ele receber dádivas e bênçãos divinas; com eleesteja a glória de Deus, o Todo-Glorioso. Seu puro sepulcro ficaem Bombaim, na Índia.

[30] ÁQÁ IBRÁHÍM-I-ISFÁHÁNÍ

E SEUS IRMÃOS

E entre aqueles que emigraram e vieram a estabelecer-se naTerra Santa encontrava-se Áqá Ibráhím, um dos quatro

Page 95: Tributo aos Fiéis

77

TRIBUTO AOS FIÉIS

honrados irmãos: Muhammad-Sádiq; Muhammad-Ibráhím;Áqá Habíbu’lláh; e Muhammad-‘Alí. Esses quatro viviam emBagdá com seu tio paterno, Áqá Muhammad-Ridá, conhecidopor ‘Aríd. Todos viviam na mesma casa, e ficavam juntos dia enoite. Como passarinhos, compartilhavam o mesmo ninho;sempre cheios de encanto e frescor, como as flores de umcanteiro.

Quando a Antiga Beleza chegou ao Iraque, Sua casa eravizinha à deles, e assim desfrutavam eles da alegria de vê-Lo ir evir. Pouco a pouco as maneiras do Senhor dos corações – o quefazia e o que deixava de fazer e a visão de Sua amorosa face –produziram seus efeitos; tornaram-se sedentos da Fé e passarama buscar a Sua graça e favor. Apresentaram-se à porta de Suacasa, como se fossem flores ali desabrochando; e em pouco tempoestavam enamorados da luz que irradiava de Seu semblante;cativos da beleza dAquele querido Companheiro. Nãoprecisaram, então, de professor; por si próprios, enxergaramatravés dos véus que os havia cegado antes, e atingiram osupremo desejo de seus corações.

Conforme ordenado pela Abençoada Beleza, Mírzá Javád,de Turshíz, foi à casa deles uma noite. Mírzá Javád pouco haviafalado, antes que eles aceitassem a Fé. Não hesitaram por nemum instante, sendo a sua receptividade surpreendente. É esse osignificado do verso do Alcorão: “...cujo azeite brilha, aindaque não lhe toque o fogo. É luz sobre luz!”46 Isto é, esse azeitefoi tão bem preparado, está tão pronto para ser aceso, que quasepega fogo por si só, embora não haja qualquer chama por perto;o que significa que a capacidade para a fé, e o seu merecimento,pode ser tão grande, que sem que se comunique uma simplespalavra, a luz é capaz de brilhar. Dessa maneira aconteceu com

46 Alcorão 24:35.

Page 96: Tributo aos Fiéis

78

‘ABDU’L-BAHÁ

esses homens de coração puro; verdadeiramente eram leais,firmes e devotados a Deus.

O irmão mais velho, Muhammad-Sádiq, acompanhouBahá’u’lláh do Iraque a Constantinopla, e dali a Adrianópolis,onde viveu feliz por algum tempo, perto de seu Senhor. Erahumilde, suportador de sofrimentos, grato; havia sempre umsorriso em seus lábios; tinha o coração leve e sua alma estavaapaixonada por Bahá’u’lláh. Mais tarde foi autorizado a retornarao Iraque, pois lá estava sua família, tendo permanecido naquelacidade por algum tempo, sonhando e relembrando.

Então uma grande calamidade ocorreu no Iraque, e os quatroirmãos foram aprisionados junto com seu nobre tio. Perseguidos,feitos cativos, foram levados a Mosul. O tio, Áqá Muhammad-Ridá, era um homem idoso, de mente iluminada, de coraçãoespiritualizado, um homem desapegado de todas as coisasmundanas. Havia sido extremamente rico no Iraque, desfrutandode confortos e prazeres, mas agora em Hadbá – Mosul – tornara-se a principal vítima entre os prisioneiros, e passava por terríveisnecessidades. Ainda que destituído, conservava-se digno,paciente, contente, grato. Mantinha-se discretamente isolado,e louvava a Deus dia e noite, até a sua morte. Entregou seucoração ao seu Amor, livrou-se dos grilhões desse mundoinconstante e ascendeu ao Reino que dura para sempre. PossaDeus imergi-lo nas águas do perdão, fazê-lo entrar no jardim deSua compaixão e favor, e conservá-lo no Paraíso até o final dostempos.

Quanto a Muhammad-Sádiq, também ele, em Mosul, foisubmetido a sofrimentos no caminho de Deus. Ele era, também,uma alma tranqüila, contente com seu Senhor e pronto acontentá-Lo. No final, também ele respondeu à voz do Rei daGlória: “Senhor, aqui estou!” – vindo a cumprir os versos: “Ótu alma em paz, retorna ao teu Senhor, satisfeita (com Ele) e

Page 97: Tributo aos Fiéis

79

TRIBUTO AOS FIÉIS

Ele satisfeito (contigo). Entra no número dos Meus servos; eentra no Meu Jardim.”47

E Muhammad-‘Alí, uma vez livre do cativeiro, apressou-se adeixar Mosul rumo à Terra Santa, aos recintos da graçainexaurível. Aqui ele ainda vive. Embora passe por privações,seu coração está em paz. Quanto a seu irmão Ibráhím, a quemnos referimos acima, também ele veio de Mosul para ‘Akká,para uma região vizinha. Lá, com paciência, calma,contentamento, mas dificuldade, dedicou-se ao comércio.Porém, dia e noite, chorava a ascensão de Bahá’u’lláh. Humildee contrito, com a face voltada para os misteriosos domínios deDeus, ele consumiu a sua vida. Ao final, desgastado pelos anos,mau podendo movimentar-se, veio para Haifa, onde encontrouum lugar para morar num abrigo para viajantes, e passou o seutempo humildemente invocando a Deus, implorando-Lhe eoferecendo-Lhe louvor. Pouco a pouco, consumido pela idade,iniciou-se a dissolução de sua pessoa, e ao final ele despiu asvestes da carne, e com o espírito despojado, alçou vôo aosdomínios do Todo-Misericordioso. Foi transportado para foradessa vida sombria para os ares brilhantes e mergulhado em ummar de Luz. Que Deus ilumine a sua sepultura com raios difusos,e acalente seu espírito com os sopros da compaixão divina. Quesobre ele esteja a misericórdia de Deus e o Seu favor.

Quanto a Áqá Habíbu’ lláh, também ele foi feito cativo noIraque e banido para Mosul. Por muito tempo, viveu naquelacidade, passando por dificuldades, mas permaneceu contente,com sua fé aumentando dia a dia. Quando a fome chegou aMosul, a vida tornou-se mais difícil para os forasteiros, mas nalembrança de Deus seus corações encontravam paz,48 e suas47 Alcorão 89: 27-30.48 Cf. Alcorão 13:28: “Não é, acaso, certo, que à recordação de Deus sossegam oscorações?”

Page 98: Tributo aos Fiéis

80

‘ABDU’L-BAHÁ

almas comiam do alimento do Paraíso. Assim, suportaram tudocom impressionante paciência, e o povo se perguntava quemeram esses forasteiros em seu meio, que não se mostravamdesesperados e nem aterrorizados como estavam os outros, eque continuavam, dia e noite, a oferecer-Lhe louvor. “Quesurpreendente confiança” – diziam – “têm em Deus!”

Habíb era um homem dotado de extrema paciência e umcoração cheio de alegria. Acostumara-se ao exílio e vivia emum estado de enternecido amor. Após a partida de Bagdá, osprisioneiros de Mosul eram constantemente objeto de mençãopor Bahá’u’lláh; com relação a eles, expressou Ele Seu infinitofavor. Alguns anos mais tarde, Habíb apressou-se à envolventemisericórdia de Deus, e encontrou um ninho e refúgio nos ramosda Árvore Celestial. Lá, no Paraíso de todas as delícias, commaravilhosas canções, ele derramou louvores ao Senhorgeneroso.

[31] ÁQÁ MUHAMMAD-IBRÁHÍM

Muhammad-Ibráhím, que tinha o título de Mansúr –Vitorioso – era um artesão em cobre. Esse homem de Deus,outro ainda entre os emigrantes e colonizadores, era nativo deKáshán. No florescer de sua juventude ele reconheceu a recém-nascida Luz e bebeu profundamente do cálice sagrado que é“temperado na fonte canforada”.49 Era um homem detemperamento agradável, cheio de prazer e alegria de viver. Tão

49 Alcorão 76:5

Page 99: Tributo aos Fiéis

81

TRIBUTO AOS FIÉIS

logo a chama da fé foi acesa em seu coração, deixou Káshán,viajou a Bagdá, e foi honrado a comparecer à presença deBahá’u’lláh.

Áqá Muhammad era dono de um belo dom poético e criavaversos como um fio de pérolas. Em Zawrá – ou seja, Bagdá, aMorada da Paz – era amigo de todos, tanto estranhos e comoconhecidos, sempre procurando mostrar amorosa generosidadea todos. Trouxe seus irmãos da Pérsia para Bagdá, e abriu umaloja de artes e artesanatos, dedicando-se ao bem-estar de outros.Também ele foi aprisionado e exilado de Bagdá para Mosul,depois do que viajou para Haifa onde, dia e noite, humilde emodesto, entoava orações e súplicas e concentrava seuspensamentos em Deus.

Permaneceu em Haifa por um longo tempo, ali servindo comsucesso aos crentes, e humilde e discretamente atendendo asnecessidades dos viajantes. Ele se casou naquela cidade, e foipai de lindas crianças. Para ele cada dia era uma nova vida euma nova alegria, e todo e qualquer dinheiro que ganhavagastava com estranhos e amigos. Após a execução do Rei dosMártires, ele escreveu uma elegia em homenagem àquele quehavia tombado nos campos da angústia, e recitou a sua ode napresença de Bahá’u’lláh; as linhas eram extremamente tocantes,e todos os que ali estavam derramaram lágrimas, e vozes selevantaram em pesar.

Áqá Muhammad continuou a viver a sua vida com objetivoselevados, sempre com a mesma disposição interna, com fervore amor. Então deu as boas-vindas à morte, rindo como umarosa que desabrochasse de repente, e clamando: “Aqui estou!”Assim ele deixou Haifa, trocando-a pelo mundo do alto. Dessaestreita faixa de terra apressou-se ele aos céus para o Bem-Amado,elevou-se desta pilha de pó para armar a sua tenda em umlugar lindo e radiante. Abençoado seja, e que tenha um bom

Page 100: Tributo aos Fiéis

82

‘ABDU’L-BAHÁ

lar.50 Que Deus o envolva em Sua misericórdia; que repousesob os tabernáculos do perdão e possa ser conduzido aos jardinsdo Paraíso.

[32] ZAYNU’L-‘ÁBIDÍN YAZDÍ

Um dos emigrantes que faleceu enquanto dirigia-se para aTerra Santa foi Zaynu’l-‘Ábidín, de Yazd. Quando, emManshád, esse homem devotado ouviu pela primeira vez o gritode Deus, foi despertado para uma vida desassossegada. Umapaixão sagrada o sacudia, sua alma era renovada. A luz da guiaflamejava na lâmpada do seu coração; o amor de Deus acenderaa faísca de uma revolução no país de seu eu interior. Levadopelo amor pela beleza do Bem-Amado, ele deixou o lar que lheera querido e rumou para a Terra Santa.

Enquanto viajava com seus dois filhos, contente com aesperança do encontro que seria seu, pausava em cada topo demontanha, em cada planície, vila e aldeia para visitar os amigos.Porém, a grande distância que se estendia à sua frentetransformou-se em um mar de dificuldades, e embora seu espíritoansiasse, seu corpo se enfraquecia, e no final caiu doente eperdeu as forças; tudo isso tendo se passado quando ele nemmesmo tinha casa.

Doente como estava, ele não renunciou à viagem, nemfraquejou em sua decisão; tinha espantosa força de vontade, eestava determinado a prosseguir; mas a doença piorava a cada

50 Alcorão 13:28.

Page 101: Tributo aos Fiéis

83

TRIBUTO AOS FIÉIS

dia, até que finalmente ele alçou vôo rumo à misericórdia deDeus, e entregou sua alma em meio a um desejo insatisfeito.

Embora seus olhos exteriores nunca tenham esvaziado a taçado encontro, nunca fitado a beleza de Bahá’u’lláh, ainda assimalcançou a própria essência da comunhão espiritual; éconsiderado como um daqueles que alcançaram a Presença, epara ele a recompensa daqueles que alcançaram a Presença estáfixada e determinada. Era uma alma sem mancha, leal, devotadae verdadeira. Nunca respirou a não ser em honestidade, e seuúnico desejo era adorar o seu Senhor. Caminhava peloscaminhos do amor; era conhecido por todos pela inabalávellealdade e pura intenção. Que Deus lhe encha a taça da reuniãono país da justiça, faça-o entrar no Reino eterno, e consoleseus olhos com a contemplação das luzes daquele misteriosoDomínio.

[33] HÁJÍ MULLÁ MIHDÍY-I-YAZDÍ

Ainda outro a deixar a sua terra natal foi Mullá Mihdí, deYazd. Embora aparentemente esse excelente homem nãopertencesse à classe dos eruditos, era um especialista no campodas tradições sagradas islâmicas e um intérprete eloqüente dostextos oralmente transmitidos. Perseverando em suas devoções,conhecido pelas práticas sagradas e comunhões e vigíliasnoturnas, seu coração era iluminado, e era espiritualizado tantona mente como na alma. Passava a maior parte do temporepetindo palavras sagradas, fazendo as orações obrigatórias,confessando as suas faltas e suplicando a Deus. Era daqueles

Page 102: Tributo aos Fiéis

84

‘ABDU’L-BAHÁ

que conseguem penetrar nos mistérios, um confidente dos retos.Como instrutor da Causa nunca lhe faltavam palavras,esquecendo-se, enquanto ensinava, de todas as reservas,deixando jorrar, um após o outro, os textos e tradições sagrados.

Quando as notícias sobre ele espalharam-se pela cidade, epor toda parte acusaram-no, tanto príncipes como mendigos,por estar portando esse novo nome, ele livremente declarou asua adesão e por esse motivo caiu em desgraça. Então os cruéis‘ulamás de Yazd levantaram-se, emitindo um decreto quedeterminava sua morte. Como o mujtahid, Mullá Báqir deArdikán, se recusasse a confirmar a sentença daqueles sombriossacerdotes, Mullá Mihdí sobreviveu, mas foi forçado a deixarsua terra natal. Com seus dois filhos, um deles o grande futuromártir Jináb-i-Varqá, e o outro Jináb-i-Husayn, dirigiu-se ao paísonde estava seu Bem-Amado. Em toda cidade ou vila ao longodo caminho, ele, de maneira magistral, difundiu a Fé,apresentando argumentos e provas claras, citando einterpretando as tradições sagradas e sinais evidentes.51 Nãodescansou por um momento; por toda a parte ele irradiou operfume do amor de Deus, e difundiu o doce hálito da santidade.Inspirava os amigos, fazendo-os, por sua vez, ansiosos por ensinara outros e por sobressaírem por seu conhecimento.

Era uma alma eminente, com um coração que se fixava nabeleza de Deus. Desde o dia em que foi criado e em que veio aesse mundo, seu propósito foi o de devotar todos os seus esforçosà aquisição de graças para o dia em que nascesse para o próximo.52

Seu coração era iluminado, sua mente espiritual, sua almaanelante, seu destino o Paraíso. Foi preso em meio à sua jornada,e à medida que cruzava os desertos e subia e descia as encostas

51 Qu’án 3:91.52 Alcorão 29:19; 53:48; 56:62.

Page 103: Tributo aos Fiéis

85

TRIBUTO AOS FIÉIS

das montanhas suportou terríveis, inumeráveis provações.Entretanto, a luz da fé brilhava em seu semblante e em seupeito flamejava o anseio, e assim ele com alegria e júbiloatravessou as fronteiras, até que finalmente veio ter em Beirute.Naquela cidade, doente, irrequieto, desassossegado, permaneceupor alguns dias. Sua ansiedade crescia, e sua agitação era tantaque, fraco e doente como estava, ele não pôde esperar mais.

Saiu a pé rumo à casa de Bahá’u’lláh. Como não tinhasapatos adequados para a viagem, seus pés estavam feridos edilacerados; sua doença piorava; quase não podia se mover, masmesmo assim seguia em frente; conseguiu alcançar a vila deMazra’ih e aqui, perto da Mansão, faleceu. Seu coraçãoencontrou o Bem-Amado, quando não mais suportava aseparação. Que essa estória sirva de admoestação para osamantes; que saibam como arriscou ele a sua vida em seu anelopela Luz do Mundo. Que Deus lhe dê de beber de uma taçatransbordante nos jardins eternos; na Assembléia Suprema, queDeus derrame sobre seu semblante raios de luz. Que com eleesteja a glória do Senhor. Seu túmulo santificado está emMazra’ih, ao lado de ‘Akká.

[34] SUA EMINÊNCIA KALÍM

(MÍRZÁ MÚSÁ)Jináb-i-Mírzá Músá era um verdadeiro irmão de Bahá’u’lláh,

e desde a mais tenra infância fora educado nos braços protetoresdo Maior Nome. Bebeu do amor de Deus junto com o leite de

Page 104: Tributo aos Fiéis

86

‘ABDU’L-BAHÁ

sua mãe; ainda bebê, mostrava um extraordinário apego àAbençoada Beleza. Em todos os momentos era objeto da graçaDivina, de Seu favor e amorosa generosidade. Depois da mortede seu ilustre pai, Mírzá Músá fora educado por Bahá’u’lláh,crescendo para a maturidade no abrigo de Seus cuidados. Dia adia, cresciam a servitude e devoção deste jovem. Em todas ascoisas, ele vivia de acordo com os mandamentos, e era inteira-mente desligado de todo e qualquer pensamento deste mundo.

Como uma lâmpada brilhante, ele cintilava naquelaResidência. Não queria posição e nem função, e não tinhaquaisquer objetivos mundanos. Seu único e supremo desejo erao de servir a Bahá’u’lláh, e por esse motivo nunca se separou dapresença do Irmão. Independentemente dos tormentos infligidospelos outros, a sua lealdade igualava-se à crueldade do resto,pois havia bebido do vinho do amor genuíno.

Então, ouviu-se a voz clamando de Shíráz, e com uma únicapalavra de Bahá’u’lláh seu coração enchera-se de luz, e de umaúnica lufada de vento que soprara sobre os jardins da fé, elesentiu a fragrância. Imediatamente, começou a servir aos amigos.Tinha um apego extraordinário a mim, e estava continuamentepreocupado com o meu bem-estar. Em Teerã, ocupou-se dia enoite da propagação da Fé e gradualmente tornou-se conhecidopor todos; habitualmente passava seu tempo na companhia dealmas abençoadas.

Bahá’u’lláh, então, deixou Teerã, viajou ao Iraque, e dentreSeus irmãos, os dois que estavam em Sua companhia eramÁqáy-i-Kalím53 e Mírzá Muhammad-Qulí. Voltaram as faces paralonge da Pérsia e dos persas, e fecharam os olhos ao conforto eà paz; no caminho do Bem-Amado escolheram, com todo ocoração, suportar qualquer calamidade que lhes fosse destinada.

53 Mírzá Musá.

Page 105: Tributo aos Fiéis

87

TRIBUTO AOS FIÉIS

Então, chegaram ao Iraque. Durante os dias em queBahá’u’lláh desaparecera, isto é, quando estava na viagem parao Curdistão, Áqáy-i-Kalím vivera à beira de um abismo; suavida corria constante perigo, e cada dia que passava era pior doque o anterior; no entanto, ele tudo suportara, desconhecendoo medo. Quando finalmente a Abençoada Beleza retornou doCurdistão, Áqáy-i-Kalím retomou seu posto no Sagrado Limiar,prestando-Lhe todos os serviços que podia. Por isso tornou-sefamoso por toda a região. Quando Bahá’u’lláh deixou Bagdárumo a Constantinopla, Áqáy-i-Kalím estava com Ele econtinuou a servi-Lo ao longo do caminho, assim como fez naviagem de Constantinopla a Adrianópolis.

Foi durante a estada nessa última cidade que detectou emMírzá Yahyá o odor da rebelião. Dia e noite tentou fazer comque ele corrigisse suas atitudes, mas tudo foi inútil. Ao contrário,era espantoso como, tal e qual um veneno mortal, as tentaçõese satânicas sugestões de Siyyid Muhammad influenciavam MírzáYahyá, de modo que Áqáy-i-Kalím finalmente abandonou aesperança. Mesmo assim ele nunca deixou de tentar, pensandoque de alguma maneira, talvez, pudesse acalmar a tempestade esalvar Mírzá Yahyá do abismo. Seu coração estava desgastadopelo desespero e tristeza. Tentou tudo o que sabia. Finalmente,teve de admitir a verdade dessas palavras de Sana’í:

Se para o idiota fosse trazer o meu saber,Ou pensasse poderem os meus segredosSerem ditos àquele que não é sábioEntão para o surdo vai dedilhar a harpa e cantarOu colocar ante o cego e segurarUm espelho diante de seus olhos.

Quando toda a esperança se fora, ele deu por terminada arelação dizendo: “Ó, meu irmão, se outros têm dúvidas quanto

Page 106: Tributo aos Fiéis

88

‘ABDU’L-BAHÁ

a esse assunto, tu e eu sabemos a verdade. Tu esqueceste daamorosa ternura de Bahá’u’lláh, e como Ele educou a nós ambos?Do cuidado que tomava com as tuas lições e com a tua grafia;como constantemente corrigia a tua ortografia e redação, comote encorajou a praticar os diferentes estilos caligráficos; atémesmo guiou a tua cópia com os Seus próprios dedosabençoados. Quem não saberá como derramou Ele bênçãossobre ti, como te criou no refúgio do Seu abraço. É assim queLhe agradeces por toda a Sua ternura – conspirando com SiyyidMuhammad e desertando do abrigo de Bahá’u’lláh? É essa atua lealdade? É essa a maneira correta de retribuir o Seu amor?”As palavras, entretanto, não produziam qualquer efeito; aocontrário, a cada dia que passava Mírzá Yahyá revelava mais emais as suas intenções secretas. Então, finalmente, deu-se aruptura final.

De Adrianópolis, Áqáy-i-Kalím seguiu com a escolta deBahá’u’lláh, rumo à fortaleza de ‘Akká. Seu nome estavaespecificamente mencionado no decreto do Sultão, e ele estavacondenado ao banimento perpétuo.54 Devotou todo o seutempo a servir Bahá’u’lláh na Maior Prisão, e teve a honra deestar continuamente na presença do Irmão. Também, ajudavarecebendo os devotos; até que finalmente deixou esse mundode pó e apressou-se ao mundo sagrado no alto, morrendo comhumildade e contrição, conforme suplicara ao seu Senhor.

Aconteceu que durante o período em Bagdá, o famosoÍlkhání, filho de Músá Khán-i-Qazvíní, recebeu por meio deSiyyd Javád-i-Tabátabá’í uma audiência com Bahá’u’lláh. SiyyidJavád naquela ocasião fez um apelo em favor do Ílkhání, dizendo:“Esse Ílkhání, ‘Alí-Qulí Khán, embora pecador e por toda avida um escravo de suas paixões, agora arrependeu-se. Ele está

54 Ver A Presença de Deus, p. 259.

Page 107: Tributo aos Fiéis

89

TRIBUTO AOS FIÉIS

postado diante de Ti, lamentando os seus dias passados, e destedia em diante ele nem mesmo respirará se tal for contrário àTua vontade. Eu Te suplico, aceita o seu arrependimento; faze-o objeto de Tua graça e favor.”

Bahá’u’lláh respondeu: “Por haver ele escolhido a ti comointercessor, ocultarei seus pecados, e tomarei as providênciaspara trazer-lhe conforto e paz de espírito.”

O Ílkhání fora um homem de riqueza ilimitada, mas haviadissipado tudo nos desejos da carne. Estava agora destituído, atal ponto que não tinha coragem de nem aventurar-se para forada casa, por causa dos credores que ali esperavam para jogarem-se sobre ele.

Bahá’u’lláh orientou-o a dirigir-se a ‘Umar Páshá,governador de Damasco, e dele conseguir uma carta derecomendação para Constantinopla. O Ílkhání anuiu, e recebeutoda a assistência do governador de Bagdá. Depois do completodesespero, ele começara a ter esperanças de novo, e seguiu paraConstantinopla. Ao chegar a Díyárbakr55 escreveu uma cartaem favor de dois mercadores armênios. “Esses dois estão prestesa seguir para Bagdá” – dizia a carta. “Eles me demonstraramtoda a cortesia, e também me pediram uma carta de apresentação.Eles não têm refúgio e nem abrigo, a não ser a Tua graça; assimsuplico-Te que lhes mostre boa vontade.” O envelope estavasobrescrito da seguinte maneira: “Á Sua Eminência Bahá’u’lláh,Líder dos Bábís.” Os mercadores apresentaram essa carta a Ba-há’u’lláh à entrada da ponte, e quando Ele lhes perguntou comoa obtiveram, a resposta foi: “Em Díyárbakr, o Ílkhání deu-nosdetalhes desta Causa.” Então, acompanharam-No à Sua casa.

Quando Bahá’u’lláh entrou nos aposentos da família, Áqáy-i-Kalím lá estava para encontrá-Lo. Bahá’u’lláh gritou: “Kalím,

55 Aproximadamente 640 km a noroeste de Bagdá.

Page 108: Tributo aos Fiéis

90

‘ABDU’L-BAHÁ

Kalím! A fama da Causa de Deus alcançou Díyárbakr!” E sorria,cheio de júbilo.

Mírzá Músá foi realmente um verdadeiro irmão para aAbençoada Beleza; por isso permaneceu firme, sob todas ascondições, até o fim. Receba ele louvores e saudações, e o soproda vida e da glória; sobre ele estejam misericórdia e graça.

[35] HÁJÍ MUHAMMAD KHÁN

Outro ainda que deixou a sua casa e veio a estabelecer-se aoredor de Bahá’u’lláh foi Hájí Muhammad Khán. Esse homemilustre, natural de Sístán, era um Balúch. Ainda muito jovem,se inflamou e tornou-se um místico – um ‘áríf, ou adepto. Comoum dervixe errante, completamente desapegado, deixou seu lare, seguindo as regras dos dervixes, viajou por várias regiões embusca de seu murshid, seu líder perfeito, pois ansiava, comodiriam os dervixes Qalandar, descobrir o “sacerdote dos Magos”,ou guia espiritual.

Por todas as partes levou a sua busca. Falava com todosaqueles a quem encontrava. Entretanto, o objeto de seus anseiosera o doce perfume do amor de Deus, e isso não conseguia emninguém detectar, fosse gnóstico ou filósofo, ou membro da seitaShaykhí. Tudo o que conseguia enxergar nos dervixes eram osseus tufos de barba e sua religião de mendicância, de mãosestendidas. Eram “dervishes” – pobres em tudo salvo em Deus– apenas no nome; tudo que lhes interessava, parecia-lhe, era oque vinha parar em suas mãos. Tampouco encontrou iluminação

Page 109: Tributo aos Fiéis

91

TRIBUTO AOS FIÉIS

entre os “Illuminati”,56 nada tendo ouvido deles exceto fúteisdiscussões. Observou que sua grandiloqüência não eraeloqüência, e que as suas sutilezas nada mais eram que fugazesfiguras de linguagem. Não estava ali a verdade; o âmago dosignificado interior estava ausente. Porquanto a filosofiaverdadeira é aquela que produz recompensas de excelência, eentre esses eruditos não se podia encontrar tal fruto; no apogeude sua erudição, tornavam-se escravos do vício, viviam umavida displicente e adquiriam características pessoais desonrosas.Para ele, estavam destituídos de tudo aquilo que poderiaconstituir as características mais elevadas e distintivas dahumanidade.

Quanto ao grupo Shaykhí, sua essência não existia mais, asua semente desaparecera, deixando para trás apenas a casca; amaior parte de sua dialética eram tolices e superficialidades.

Portanto, no momento em que ouviu o chamado do Reinode Deus, ele gritou: “Sim, verdadeiramente!” e partiu como ovento do deserto. Viajou por vastas distâncias, chegou à MaiorPrisão e atingiu a presença de Bahá’u’lláh. Quando os seus olhospousaram nAquele Semblante radiante, ele foi imediatamentecapturado. Retornou à Pérsia de maneira que pudesse encontraras pessoas que professavam estar seguindo o Caminho, aquelesamigos de outros tempos que buscavam a Verdade, e lidar comeles da maneira exigida por sua lealdade e seu dever.

Tanto na ida como na volta, o Hájí foi a cada um de seusamigos, reuniu-se com eles, e fez com que cada um deles ouvissea nova canção do Céu. Chegando à sua terra natal, colocouem ordem os negócios da família, deixando o necessário paratodos, cuidando da segurança, felicidade e conforto de cadaum. Depois disso, despediu-se de todos. Aos parentes, à sua

56 Teólogos, estudiosos da teologia. N.T.

Page 110: Tributo aos Fiéis

92

‘ABDU’L-BAHÁ

mulher, filhos e familiares, disse: “Não me procurem novamente;não esperem pelo meu retorno.”

Tomou um cajado e afastou-se; cruzou montanhas e planíciesprocurando e encontrando os místicos, seus amigos. Em suaprimeira viagem, foi até o falecido Mírzá Yúsuf Khán(Mustawfíyu’l-Mamálik), em Teerã. Depois que terminou defalar, Yúsuf Khán expressou um desejo, e declarou que se taldesejo fosse atendido, ele acreditaria; o desejo era o de ter umfilho. Caso tal bênção fosse sua, Yúsuf Khán estaria ganho. OHájí relatou essa estória a Bahá’u’lláh, e como resposta recebeuuma promessa firme. Assim, quando o Hájí encontrou-se comYúsuf Khán em sua segunda viagem, viu-o com uma criançanos braços. “Mírzá” – gritou o Hájí – “louvado seja Deus! Teuteste demonstrou a verdade. Apanhaste o teu pássaro da alegria.”

Hájí Muhammad foi então ao ditoso futuro mártir, o Rei dosMártires, e pediu-lhe que intercedesse, de modo que ele, o Hájí,pudesse ser autorizado a manter vigilância à porta deBahá’u’lláh. O Rei dos Mártires enviou essa solicitação por carta,depois do que Hájí Khán chegou à Maior Prisão e fez o seu larna vizinhança de seu amoroso Amigo. Desfrutou dessa honrapor um longo tempo, e mais tarde, também no jardim deMazra’ih, estava ele freqüentemente na presença de Bahá’u’lláh.Depois da ascensão do Bem-Amado, Hájí Khán permaneceuleal ao Convênio e ao Testamento, afastando os hipócritas.Finalmente, enquanto este servo que vos relata estava ausenteviajando à Europa e à América, o Hájí encaminhou-se àhospedaria para viajantes no Haziratu’l-Quds; e aqui, junto aoSantuário do Báb, alçou vôo para o mundo do alto.

Que Deus refresque seu espírito com o ar almiscarado doReino de Abhá, e os doces aromas da santidade que sopram domais alto Paraíso. Com ele estejam saudações e louvor. Seubrilhante túmulo está em Haifa.

Page 111: Tributo aos Fiéis

93

TRIBUTO AOS FIÉIS

[36] ÁQÁ MUHAMMAD-IBRÁHÍM

AMÍR

Muhammad-Ibráhím Amír veio de Nayríz. Era uma pessoaabençoada como uma taça cheia com o vinho tinto da fé. Àépoca em que se deixou cativar pelo suave Amado, estava naflor da sua juventude. Cairia como uma presa na armadilha deseus opressores, quando, em seguida ao levante em Nayríz e atodo aquele sofrimento, seus perseguidores o capturaram. Trêsfarráshes imobilizaram-lhe os braços e amarraram-lhe as mãosnas costas, mas o Amír, com toda a sua força, rompeu as cordasque o prendiam, tomou de um punhal que estava na cintura deum dos farráshes, salvou-se e escapou para o Iraque. Naquelasterras, pôs-se a escrever os versos sagrados e mais tarde ganhoua honra de servir no Sagrado Limiar. Firme e constante,permanecia a postos dia e noite. Durante a viagem de Bagdá aConstantinopla, e depois a Adrianópolis, culminando na MaiorPrisão, estava sempre pronto a servir. Casou-se com Habíbih,uma serva de Deus que também servia no Limiar, e sua filha Badí’ihtornar-se-ia a esposa do falecido Husayn-Áqá Qahvih-chí.

Assim o Amír foi constante no serviço por toda a sua vida;mas após a ascensão de Bahá’u’lláh sua saúde piorourapidamente, e finalmente ele deixou esse mundo do pó eapressou-se ao mundo puro do Alto. Que Deus ilumine o seulugar de descanso com raios dos domínios do Alto. Com eleestejam saudações e louvor. Seu brilhante santuário fica em‘Akká.

Page 112: Tributo aos Fiéis

94

‘ABDU’L-BAHÁ

[37] MÍRZÁ MIHDÍY-I-KÁSHANÍ

Esse homem honrado, Mírzá Mihdí, era de Káshán. No iníciode sua juventude, sob a tutela do pai, estudara as ciências e asartes, e havia se tornado exímio compositor em prosa e verso,assim como na caligrafia conhecida por shikastih57. Ele sedestacava dos companheiros, estando bem acima deles. Aindacriança, aprendera sobre o Advento do Senhor, ardera por esteamor, e tornara-se um dos que “deram tudo o que tinham paracomprar José”. Era chefe dos buscadores, ansioso, senhor dosamantes; eloqüentemente começou a ensinar a Fé para provara validade da Manifestação.

Converteu alguns; e porque ansiava por Deus, tornou-seobjeto de risos em Káshán, desprezado por amigos e pordesconhecidos, exposto ao escárnio de seus incréduloscompanheiros. Um deles dizia:

–– Ele perdeu a razão.E outro:–– Ele é uma desgraça pública. A sorte voltou-se contra ele.

Está acabado.Os fanfarrões zombavam dele, e não o poupavam. Quando a

vida tornou-se insuportável e, no final, uma guerra abertairrompeu-se contra ele, deixou sua terra natal e viajou para oIraque, o centro focal da nova Luz, onde ganhou a presença doAmado de toda a humanidade.

57 Shikastih – quebrada – uma caligrafia cursiva ou meia taquigrafia, provavelmentefoi inventada no final do século dezessete, em Hirát.

Page 113: Tributo aos Fiéis

95

TRIBUTO AOS FIÉIS

Ali, passou algum tempo, na companhia dos amigos,compondo versos que cantavam os louvores a Bahá’u’lláh. Maistarde foi autorizado a voltar para casa, e voltou para viver poralgum tempo em Káshán. Mas novamente foi perseguido peloanelo do amor, e não mais pôde suportar a separação. Voltouentão a Bagdá, trazendo com ele sua respeitável irmã, a terceiraconsorte de Bahá’u’lláh.

Lá permaneceu, sob a abençoada proteção de Bahá’u’lláh,até que a escolta deixou o Iraque rumo à Constantinopla,quando Mírzá Mihdí foi orientado a permanecer e guardar aResidência Sagrada. Desassossegado, consumido pelo anseio,ele ficou. Quando os amigos foram banidos de Bagdá para Mosul,ele estava entre os prisioneiros, vitimado como os demais. Emmeio a grandes dificuldades chegou a Mosul, mas ali novascalamidades o esperavam; esteve doente a maior parte do tempo,era um marginal, um destituído. Ainda assim suportou tudo porum considerável período de tempo, foi paciente, manteve adignidade, e constantemente dava graças a Deus. Finalmentenão mais conseguiu suportar a ausência de Bahá’u’lláh. Pediupermissão e a obteve para dirigir-se à Maior Prisão.

Como o caminho era longo e difícil, sofrendo cruelmentedurante a viagem, ao chegar à prisão de ‘Akká estava esgotadoe exausto. Isso foi durante o tempo em que a Abençoada Belezaesteve aprisionado dentro da cidadela, no centro dosalojamentos. Apesar das terríveis dificuldades, Mírzá Mihdí aípassou alguns dias, com grande alegria. Para ele, as calamidadeseram favores, as atribulações eram a Providência Divina, oscastigos eram bênçãos abundantes, pois suportava tudo isso nocaminho de Deus, buscando satisfazer a Sua vontade. Suadoença piorou, dia a dia enfraquecia. Então, finalmente, sob oabrigo da graça, alçou vôo para a inexaurível misericórdia deDeus.

Page 114: Tributo aos Fiéis

96

‘ABDU’L-BAHÁ

Este nobre personagem fora honrado entre os homens, maspor amar à Deus perdera o nome e a fama. Suportou todo otipo de desdito sem jamais reclamar. Estava contente com odecreto divino, caminhando pelos caminhos da resignação. Oolhar misericordioso de Bahá’u’lláh estava sobre ele, poisencontrava-se próximo ao Sagrado Limiar. Assim, desde o iníciode sua vida até o fim, permaneceu em um único e constanteestado interior: imerso em um oceano de submissão econsentimento. “Ó, meu Senhor, leva-me, leva-me!” – gritava– até que finalmente ascendeu ao mundo que nenhum homemvê.

Possa Deus fazê-lo inalar o doce aroma da santidade no maisalto Paraíso, e refrescá-lo com a taça de vinho cristalino,temperado na fonte canforada.58 Com ele estejam saudações elouvor. Seu túmulo perfumado está em ‘Akká.

58 Alcorão 76:9.

Page 115: Tributo aos Fiéis

97

TRIBUTO AOS FIÉIS

[38] MISHKÍN-QALAM

Entre os exilados, vizinhos, e prisioneiros, havia também umsegundo Mír ‘Imád59, o eminente calígrafo, Mishkín-Qalam60.Ele empunhava uma pena negra e almiscarada, e a fé brilhavaem seu semblante. Era um dos mais notáveis místicos, pois tinhauma mente sutil e espirituosa. A fama desse viajante do caminhoespiritual alcançava todas as terras. Era o principal calígrafo daPérsia e conhecido por todos os grandes nomes do país.Desfrutava de uma posição especial entre os ministros da cortede Teerã, entre os quais sua fama encontrava-se solidamenteestabelecida.61 Era afamado em toda a Ásia Menor, pois suapena maravilhava a todos os calígrafos, sabendo utilizar todosos estilos de caligrafia. Era, ademais, um hábil astrônomo.

Esse homem altamente talentoso ouvira falar da Causa deDeus pela primeira vez em Isfáhán, e o resultado foi que partiuem busca de Bahá’u’lláh. Cruzou grandes distâncias e muitasmilhas subindo as montanhas, atravessando desertos e o mar,até que finalmente veio a ter em Adrianópolis. Ali atingiu asalturas da fé e da certeza, bebendo do vinho da convicção.Respondeu aos chamados de Deus e atingiu a presença deBahá’u’lláh, onde elevou-se ao apogeu, sendo recebido e aceito.Cambaleava agora como um bêbado, em seu amor a Deus, e

59 Um famoso calígrafo que vivia e escrevia na corte de Sháh-‘Abbás, o Safaví (1557-1628).60 Mishk significa almíscar. Mishkín-Qalam significa ou pena almiscarada, ou penapreto-azeviche.61 Alcorão 61:4.

Page 116: Tributo aos Fiéis

98

‘ABDU’L-BAHÁ

por causa de seu violento desejo e anseio, sua mente pareciadivagar. Tinha momentos em que parecia despertar, para abater-se em seguida; dava a impressão de um enlouquecido. Passoualgum tempo abrigado pela graça de Bahá’u’lláh, e todos os dianovas bênçãos eram derramadas sobre ele. Enquanto isso,produzia a sua esplêndida caligrafia; escrevia o Maior Nome,Yá Bahá’u’l-Abhá (Ó Tu Glória do Todo-Glorioso), commaravilhosa habilidade, de muitas formas diferentes, e os enviavapor toda a parte.62

Foi então orientado a seguir viagem para Constantinopla, epartiu com Jináb-i-Sayyáh. Ao chegar àquela Grande Cidade,os líderes turcos e persas receberam-no a princípio com todas ashonras, e foram cativados pela sua arte caligráfica de azeviche.Entremente, ele começou a ensinar a Fé, com eloqüência ecoragem. Foi que o embaixador persa preparou-lhe umaemboscada, dirigindo-se aos vizires do Sultão, caluniandoMishkín-Qalam. “Esse homem é um agitador” – disse-lhes oembaixador – “enviado aqui por Bahá’u’lláh para promoveragitações e fazer intrigas nessa Grande Cidade. Ele já conquistouum grande número de adeptos, e pretende arregimentar aindamais. Esses bahá’ís viraram a Pérsia de cabeça para baixo, agoracomeçarão a fazer o mesmo na capital da Turquia. O governo

62 Em algumas das obras deste artista, a escrita era disposta de maneira a tomar a formade pássaros. Quando E.G. Browne se encontrava na Pérsia, foi-lhe dito que “essasseriam procuradas ansiosamente por persas de todas as classes, se não levassem, atítulo de assinatura do calígrafo, o seguinte verso:

Dar díyár-i-khatt sháh-i-sáhíb-‘alamBandiy-i-báb-i-Bahá, Mishkín-Qalam.”

Cf. A Year Among the Persians, p. 227. Os versos poderiam ser assim traduzidos:Senhor da caligrafia, minha bandeira segue à frente;Porém um escravo, à porta de Bahá’u’lláh,Nada mais que isso sou,Mishkín-Qalam.

Atentar para o jogo de palavras com “porta” que torna possível a inclusão do nomedo Báb assim como o nome de Bahá’u’lláh.

Page 117: Tributo aos Fiéis

99

TRIBUTO AOS FIÉIS

persa executou 20.000 deles, esperando, por meio dessa tática,amainar os fogos da sedição. Vós deveríeis despertar para operigo. Dentro em breve, essa coisa perversa irá arder tambémaqui. Consumirá a colheita da vossa vida; queimará todo omundo. E, então, nada podereis fazer, pois será tarde demais.”

Na verdade, aquele homem suave e submisso, naquelamonárquica cidade da Ásia Menor, ocupava-se apenas de suacaligrafia e em adorar a Deus. Buscava trazer não a sedição, masfraternidade e paz. Procurava reconciliar os seguidores dasdiferentes fés, e não separá-los ainda mais. Prestava serviços aosestranhos e ajudava a educar o povo do lugar. Era um refúgiopara os desafortunados e um clarim de prosperidade para ospobres. Convidava a todos para a unidade da humanidade;expulsava a hostilidade e a malícia.

O embaixador persa, entretanto, detinha enorme poder, ehavia cultivado estreitos vínculos com os ministros por um longotempo. Ele persuadiu algumas pessoas a insinuarem-se em váriasreuniões e ali lançarem todos os tipos de falsas acusações contraos crentes. Em obediência às ordens dos opressores, os espiõescomeçaram a cercar Mishkín-Qalam. Então, conforme asinstruções do embaixador, levaram alguns relatórios ao primeiro-ministro, dizendo que a pessoa em questão promovia intrigasnoite e dia, que era um agitador, rebelde e criminoso. O resultadofoi que o prenderam e o levaram para Galípoli, onde juntou-seao nosso grupo de perseguidos. Enviaram-no, então, a Chipre,e depois para a prisão de ‘Akká. Na ilha de Chipre, Jináb-i-Mishkín foi aprisionado na cidadela de Famagusta, e naquelacidade permaneceu cativo, de 1885 a 1894.

Quando Chipre escapou do domínio turco, Mishkín-Qalamfoi solto e dirigiu-se ao seu Bem-Amado na cidade de ‘Akká, eaqui viveu circundado pela misericórdia de Bahá’u’lláh,produzindo sua maravilhosa caligrafia e enviando os escritos

Page 118: Tributo aos Fiéis

100

‘ABDU’L-BAHÁ

para toda a parte. Tinha sempre o espírito alegre, aceso peloamor de Deus, como uma vela consumindo a si própria; era umconsolo para os crentes.

Depois da ascensão de Bahá’u’lláh, Mishkín-Qalampermaneceu leal, solidamente estabelecido no Convênio.Enfrentava os rompedores como se fora uma espada pronta parao golpe. Jamais contemporizava ante eles; a ninguém temiaexceto a Deus; nem por um momento hesitou, e nunca falhouno serviço à Fé.

Depois da Ascensão de Bahá’u’lláh, fez uma viagem à Índia,onde associou-se aos amantes da Verdade. Passou ali algumtempo, fazendo novos esforços todos os dias. Quando eu soubeque estava debilitado, mandei buscá-lo imediatamente e elevoltou para essa Maior Prisão, para a alegria dos crentes, que sesentiram abençoados em tê-lo aqui de volta. Foi para mim, emtodos os momentos, um companheiro muito próximo. Tinhaespantosa vivacidade e amor intenso. Era um compêndio deperfeições: devoto, cheio de confiança, sereno, desprendido domundo, um companheiro sem par, espirituoso – e seu caráterera como uma rosa em flor. Por amor a Deus, deixou todas asboas coisas, fechou os olhos ao sucesso, não queria conforto oudescanso, não buscava riqueza, queria apenas estar livre dacorrupção desse mundo. Não tinha apego a essa vida, e passavaos dias e as noites suplicando e comungando com Deus. Estavasempre sorrindo, caloroso; era a personificação do espírito e doamor. Ninguém se rivalizava com ele em matéria de sinceridadee lealdade, ou em paciência e calma interior. Era o própriodesprendimento, vivendo nos sopros do espírito.

Não estivesse ele apaixonado pela Abençoada Beleza, nãotivesse ele colocado seu coração no Domínio da Glória, todosos prazeres do mundo poderiam ter sido seus. Onde quer quefosse, seus variados estilos caligráficos constituíam um capital

Page 119: Tributo aos Fiéis

101

TRIBUTO AOS FIÉIS

substancial, e seu grande talento o haviam tornado respeitadoe admirado por ricos e pobres. Mas ele se achava perdidamenteenamorado do único Amor verdadeiro, estando assim livre detodos os outros grilhões, podendo dessa maneira flutuar e elevar-se no infinito firmamento do espírito.

Finalmente, na minha ausência, deixou esse mundo sombrioe limitado, e apressou-se à terra das Luzes. Lá, no refúgio dailimitada misericórdia divina, encontrou recompensa infinita.Com ele estejam louvor e saudações, e a terna misericórdia doSupremo Companheiro.

[39] USTÁD ‘ALÍ-AKBAR-I-NAJJÁR

Ustád ‘Alí-Akbar, o Marceneiro63, era um dos justos, umpríncipe dos corretos. Fora um dos primeiros fiéis da Pérsia, eum dos mais importantes membros desse grupo inicial. Um lealconfidente desde o início da Causa, sua língua se fez eloqüentepara proclamar a Fé. Informou-se quanto às provas, eaprofundou-se nas Escrituras. Era também um talentoso poeta,escrevendo odes em homenagem a Bahá’u’lláh.

Excepcionalmente hábil em seu ofício, Ustád produziaartefatos altamente elaborados, trabalhando a madeira de formatão precisa e detalhada que parecia uma peça revestida demosaicos. Também, era especialista em matemática,solucionando e explicando problemas difíceis.

63 Ustád é um mestre, isto é, treinado e especializado em uma arte ou profissão.

Page 120: Tributo aos Fiéis

102

‘ABDU’L-BAHÁ

De Yazd, este respeitável homem viajou para o Iraque, ondealcançou a honra de ir à presença de Bahá’u’lláh, de Quemrecebeu abundantes graças. A Abençoada Beleza derramoubênçãos sobre Ustád ‘Alí, que ia à Sua presença quase todos osdias. Era um dos que haviam sido exilados de Bagdá para Mosul,onde suportara grandes privações. Permaneceu em Mosul porum longo tempo, passando por grandes dificuldades financeiras,mas resignado à vontade de Deus, sempre mergulhado emorações e súplicas, expressando somente gratidão.

Finalmente, veio de Mosul para o Santuário Sagrado, e aqui,junto ao túmulo de Bahá’u’lláh, ele costumava rezar e meditar.Na escuridão da noite, impaciente e desassossegado, lamentavae bradava. Quando suplicava a Deus, seu coração ardia dentrodele, seus olhos derramavam lágrimas, e ele erguia a voz eentoava orações. Ficava completamente desligado desse montede pó, desse mundo mortal. Esquivava-se dele, e pedia apenasuma coisa – ascender ao mundo do alto. Ele esperava a vindada recompensa prometida. Não conseguia suportar odesaparecimento da Luz do Mundo, e o que buscava era oparaíso da reunião com Ele, e o que seus olhos ansiavam porcontemplar era a glória do Domínio de Abhá. Finalmente, suasorações foram atendidas e ele ascendeu ao mundo de Deus,para o local da reunião dos esplendores do Senhor dos Senhores.

Sobre ele estejam a bênção e o louvor de Deus, que Deus otraga à morada da paz, conforme escreveu em Seu livro:“Obterão a morada de paz junto ao seu Senhor”64, e, “Deus vosexorta a dEle vos lembrardes, porque para Ele será o retorno.”65

64 Alcorão 6:127.65 Alcorão 3:28.

Page 121: Tributo aos Fiéis

103

TRIBUTO AOS FIÉIS

[40] SHAYKH ‘ALÍ-AKBAR-I- MÁZGÁNÍ

Este chefe das almas libertas, das que vagam procurando oamor de Deus, era somente uma criança quando, em Mázgán,foi nutrido diretamente do peito da misericórdia. Era filho doeminente erudito, Shaykh-i-Mázgání. Este nobre pai era umdos líderes de Qamsar, cidade próxima a Káshán, sendo quepor ser piedoso, santo e temente a Deus, ninguém o rivalizava;era a personificação de todas as qualidades dignas de louvor,mais ainda, suas maneiras eram cordiais, voltado ao bem, erauma excelente companhia, e por tudo isto, era muito bemconhecido. Quando ele parou de se reprimir e publicamente sedeclarou um crente, um homem de fé, tanto amigos comoestranhos, deram às costas a ele e imploraram por sua morte.Porém, continuou a perscrutar a Causa, a alertar os coraçõeshumanos, e dar boas-vindas aos que se achegavam, maisgeneroso do que nunca. Entremeio, em Káshán, a fama de suainabalável fé alcançou a altura da via-láctea. Então, osimpiedosos agressores se levantaram, tomaram suas posses e omataram.

‘Alí-Akbar, cujo pai havia dado sua vida no caminho deDeus, não poderia viver mais naquele lugar. Tivesse ele o feito,tal como seu pai, na espada teria sido seu fim. Ele ficou umtempo no Iraque, e recebeu a honra de estar na presença deBahá’u’lláh. Então, voltou à Pérsia, entretanto sua saudade porBahá’u’lláh o fez mais uma vez estar perto dEle, e com sua esposa

Page 122: Tributo aos Fiéis

104

‘ABDU’L-BAHÁ

atravessou desertos e montanhas – às vezes cavalgando, emoutras a pé – contando as milhas, passando de uma praia a outra,alcançou, finalmente, o Lugar Sagrado, e sob a sombra da ÁrvoreDivina, se aninhou em paz e segurança.

Quando a beleza dAquele que é o Desejado esvaneceu-Sedeste mundo, ‘Alí-Akbar permaneceu fiel ao Convênio eprosperou através das graças de Deus. Pela sua índole e o intensoamor em seu coração, ansiou por fazer poesias e criar odes eghazals, se atendo sempre à rima métrica:

Planejei um poema, mas meu Amado disse-me:“Planeje somente isto – que teus olhos fixem os Meus.”

Com arrebatadora saudade, seu coração desejou os reinosde seu Senhor compassivo. Consumido por um amor ardente,deixou, finalmente, este mundo, e fez sua tenda nos mundos doalém. Possa Deus descer sobre ele sua misericórdia do Reino deSeu perdão. Que seja abençoado por uma grande vitória atravésde uma forte chuva66 de graças, e lhe conceda piedade, lheabraçando e o envolvendo no retiro das Alturas.

66 Alcorão 2:266, 267.

Page 123: Tributo aos Fiéis

105

TRIBUTO AOS FIÉIS

[41] MÍRZÁ MUHAMMAD, O SERVO DA POUSADA DOS

VIAJANTES

Esse jovem de Deus era oriundo de Isfáhán, e desde tenraidade fora conhecido pelos principais teólogos do lugar por suamente excelente. Nascera de uma nobre estirpe, de famíliaconhecida e respeitada, e era um talentoso acadêmico. Haviaaprendido, com louvor, filosofia e história, ciências e artes, masestava sedento do segredo da Realidade, e ansiava peloconhecimento de Deus. Sua sede febril não era mitigada pelasartes e ciências, não importando quão límpidas fossem essaságuas. Continuava procurando, procurando, realizando debatesem reuniões de eruditos, até que, enfim, descobriu o significadode seu sonho ansioso, e o enigma, o segredo inviolável, abriu-se à sua frente. De repente, sentiu o perfume de flores frescasdos jardins do esplendor de Deus, e seu coração iluminou-secom o raio do Sol da Verdade. Enquanto antes ele era comoum peixe retirado da água, agora havia chegado ao manancialda vida eterna. Antes, era uma mariposa que buscava, agoraencontrara a chama da vela. Um verdadeiro buscador daverdade, fora instantaneamente revificado pelas supremas Boas-Novas; os olhos de seu coração fizeram-se mais brilhantes pelanova alvorada de guia. Tão ofuscante era o fogo do amor Divinoque ele afastou a face de sua própria vida, a sua paz, as bênçãos,e partiu para a Maior Prisão.

Page 124: Tributo aos Fiéis

106

‘ABDU’L-BAHÁ

Em Isfáhán, havia desfrutado de todo o conforto, e o mundofora bom para ele. Agora, a sua ânsia por Bahá’u’lláh livrara-ode todos os outros grilhões. Viajou por muitas e muitas milhas,sofreu intensas provações, trocou um palácio por uma prisão, ena fortaleza de ‘Akká, deu assistência aos fiéis e serviu e ajudoua Bahá’u’lláh. Aquele que havia sido servido, agora servia aoutros; aquele que um dia fora um líder, era agora um cativo.Não tinha descanso e nem distração, nem de dia ou de noite.Para os viajantes era um refúgio fiel; para os que ali seestabeleciam era um companheiro sem rival. Serviu além dassuas forças, pois estava cheio do amor dos amigos. Os viajanteslhe eram devotados, e os que ali se fixavam lhe eram gratos. E,como estava sempre ocupado, era silente em todos os momentos.

Então, a Suprema Aflição ascendeu e não conseguíamossuportar a ausência de Bahá’u’lláh. Mírzá Muhammadinquietou-se, ardendo dia e noite. Definhou como uma velaque queima; a angústia incandescente inflamou o seu fígado ecoração, e seu corpo não mais suportou. Chorava e suplicavadia e noite, ansiando ascender àquele país desconhecido.“Senhor, livra-me, livra-me dessa ausência” – bradava – “deixa-me beber da taça da reunião, encontra uma morada para mimno abrigo de Tua mercê, Senhor dos Senhores!”

Finalmente, ele deixou esse monte de pó, de terra, e alçouvôo para o mundo que não tem fim. Que lhe faça bem a taçatransbordante das graças de Deus, que deguste com infindávelprazer daquele alimento que dá vida ao coração e à alma. QueDeus o guie rumo ao fim daquela feliz jornada, e lhe dê umaparcela abundante dos dons que serão então conferidos.67

67 Para algumas destas citações árabes, ver o Alcorão 3:170; 4:12, 175; 5:16, 17; 11:100, 101; 28; 79; 41:35.

Page 125: Tributo aos Fiéis

107

TRIBUTO AOS FIÉIS

[42] MÍRZÁ MUHAMMAD-I-VAKÍL

Um dos cativos enviados de Bagdá a Mosul foi MírzáMuhammad-i-Vakíl. Essa alma correta estava entre aqueles quehaviam se tornado fiéis em Bagdá. Foi ali que sorveu a taça daresignação à vontade de Deus e buscou seu descanso à sombrada Árvore celestial. Era um homem de mente elevada e dignode confiança. Era, também, um administrador capaz e dinâmico,realizando importantes negócios, era famoso no Iraque por seussábios conselhos. Depois que se tornou um dos fiéis, foidistinguido com o título de Vakíl – deputado. Assim aconteceu:

Havia um eminente homem em Bagdá cujo nome era HájíMírzá Hádí, o joalheiro. Tinha um ilustre filho, Áqá Mírzá Músá,que havia recebido de Bahá’u’lláh o título de “Letra daEternidade”. Esse filho havia se tornado um firme devoto.Quanto ao seu pai, o Hájí, era um indivíduo principescoconhecido por sua generosa prodigalidade não apenas na Pérsiae no Iraque como também na longínqua Índia. Para começar,ele havia sido um vizir persa, mas quando viu como o falecidoFath-‘Alí Sháh olhava as riquezas do mundo, particularmenteas riquezas materiais dos vizires persas, e como se apropriava detudo o que haviam acumulado, e como, não contente emconfiscar suas custosas vaidades e quinquilharias, ele os punia etorturava por toda a parte. Chamando a isso de sentença, oHájí temia que também ele poderia ser lançado ao abismo. Eleabandonou a sua posição como vizir, assim como sua mansão, efugiu para Bagdá. Fath-‘Alí Sháh exigiu que o governador deBagdá, Dávúd Páshá, o enviasse de volta, mas o Páshá era um

Page 126: Tributo aos Fiéis

108

‘ABDU’L-BAHÁ

homem de coragem e o Hájí era muito conhecido por sua menteágil. Sendo assim, o Páshá o respeitava e ajudava e deixou oHájí abrir um negócio de jóias. Vivia com pompa e esplendor,como um grande príncipe. Era um dos homens mais notáveisde seu tempo, pois dentro de seu palácio levava uma vida deprazeres e opulência, mas deixara para trás a pompa, o luxo e oséqüito, e se ocupava de seus negócios, que lhe rendiam grandeslucros.

A porta de sua casa estava sempre aberta. Turcos e persas,vizinhos, estrangeiros vindos de lugares longínquos, todos eramdistinguidos com a sua hospitalidade. A maioria dos grandes daPérsia, quando vinha em peregrinação aos Santuários Sagradosparava em sua casa, onde encontrava um banquete sobre a mesa,e todos os confortos ao alcance deles. O Hájí era, realmente,mais ilustre do que o grão-vizir da Pérsia; superava todos os viziresem magnificência, e à medida que os dias passavam ele ofereciaainda maiores dádivas àqueles que iam e vinham. Era o orgulhodos persas em todo o Iraque, a glória de seus compatriotas. Atémesmo aos vizires e ministros turcos e aos homens eminentesde Bagdá outorgava ele presentes e honrarias. Em matéria deinteligência e percepção não havia quem lhe igualasse.

Por causa da idade avançada do Hájí, ao final da sua vidaseus negócios declinaram. Entretanto, em nada mudou seu estilode vida. Exatamente como antes, ele continuou a viver comelegância. Os proeminentes pediam-lhe grandes quantias dedinheiro em empréstimo, e jamais lhe pagavam. Um deles, amãe de Áqá Khán Mahallátí, pediu-lhe emprestados 100,000túmáns68 e não devolveu um centavo, pois faleceu logo em

68 O período da história bahá’ í passado em Bagdá foi de 8 de abril de 1853, a 3 de maiode 1863. De acordo com várias estimativas o túmán daqueles dias valia de US$ 1.08a 1.60.

Page 127: Tributo aos Fiéis

109

TRIBUTO AOS FIÉIS

seguida. O Íl-Khán, ‘Alí-Qulí Khán, era outro devedor; outroera Sayfu’d-Dawlih, um filho de Fath-‘Alí Sháh; outra, Válíyyih,uma filha de Fath-‘Alí Sháh; estes são apenas alguns exemplos,entre muitos, dentre os amírs turcos e os grandes da Pérsia e doIraque. Todas essas dívidas ficaram sem pagamento eirrecuperáveis. Não obstante, aquele homem eminente eprincipesco continuou a viver exatamente como antes.

Perto do fim de sua vida, concebeu um notável amor porBahá’u’lláh, e humildemente veio à Sua presença. Lembro-medele dizendo um dia à Abençoada Beleza, que no ano de 1250ou um pouco depois, Mírzá Mawkab, o famoso astrólogo, visitaraos Santuários. “Um dia ele me disse” – continuou o Hájí –“Mírzá, vejo uma estranha, singular conjunção de astros. Nuncaocorreu antes. Ela prova que um momentoso evento está prestesa ocorrer, e estou certo de que esse evento não pode ser nadamenos do que o Advento do Qá’im.”

Era tal a situação daquele ilustre príncipe ao falecer, deixandocomo herdeiros um filho e duas filhas, que supondo-o rico comosempre fora, as pessoas acreditaram que seus herdeiros herdariammilhões, pois todos conheciam o seu estilo de vida. Orepresentante diplomático persa, os modernos mujtahids, e ojuiz infiel, todos eles afiaram as garras. Eles começaram umabriga entre os herdeiros, de maneira que no conflito que daíresultou, eles próprios obteriam ganhos substanciais. Com esseobjetivo fizeram todo o possível para arruinar os herdeiros, aquem queriam deixar sem nada, enquanto o diplomata persa,os mujtahids, e o juiz acumulariam os espólios.

Mírzá Músá era um firme devoto; suas irmãs, entretanto,vinham de uma mãe diferente, e nada sabiam da Causa. Umdia as duas irmãs, acompanhadas do genro do falecido, MírzáSiyyid Ridá, vieram à casa de Bahá’u’lláh. As duas irmãsentraram nos aposentos da família, enquanto o genro instalou-

Page 128: Tributo aos Fiéis

110

‘ABDU’L-BAHÁ

se na recepção. As duas moças disseram então a Bahá’u’lláh:“O enviado persa, o juiz, e os mujtahids infiéis nos destruíram.Ao fim de sua vida, o falecido Hájí em ninguém mais confiavaexceto em Vós. Nós mesmas fomos descuidadas, pois deveríamoster buscado antes a Vossa proteção; entretanto vimos agora paraimplorar o Vosso perdão e ajuda. Nossa esperança é de que Vósnão nos envieis embora em desespero, e que por meio do Vossofavor e apoio sejamos salvas. Dignai-vos, então, a consideraresse assunto, e a desconsiderar os nossos erros passados.”

Em resposta, a Abençoada Beleza declarou de maneiracategórica que a intervenção em assuntos desse tipo era algopara Ele abominável. Entretanto, continuaram a implorar.Permaneceram por toda uma semana nos apartamentos dafamília, clamando todas as manhãs e noites por favor e graça.“Não vamos levantar as nossas cabeças desse Limiar” – disseram.“Buscaremos asilo aqui nessa casa; permaneceremos aqui, à portadAquele que guarda os anjos, até que Ele se digne considerar asnossas preocupações e salvar-nos de nossos opressores.”

Todos os dias, Bahá’u’lláh as aconselhava, dizendo:“Assuntos deste tipo estão nas mãos dos mujtahids e dasautoridades governamentais. Não interferimos em tais questões.”Mas elas continuaram a importunar, insistindo, clamando,implorando ajuda. Acontece que a casa de Bahá’u’lláh eradesprovida de bens materiais, e essas senhoras, acostumadas atudo do melhor, mal se satisfaziam com pão e água. Então,tiveram que comprar alimentos para elas a crédito. Dentro depouco tempo, de todas as direções surgiram problemas.

Finalmente, um dia Bahá’u’lláh chamou-me à Sua presença:“Essas estimadas senhoras” – disse – “com todas as suasexigências, trouxeram-Nos grandes inconvenientes. Não háoutra solução – terás que cuidar desse caso. Mas terás desolucionar todo esse assunto complicado em um só dia.”

Page 129: Tributo aos Fiéis

111

TRIBUTO AOS FIÉIS

Na manhã seguinte, acompanhado por Áqáy-i-Kalím, dirigi-me à casa do falecido Hájí. Chamamos avaliadores quecoletaram todas as jóias em um dos apartamentos do andar decima; os livros contábeis que tinham relação com as propriedadesforam colocados em um segundo aposento; os móveis caros eobjetos de arte da casa em um terceiro. Alguns joalheirosiniciaram, então, o trabalho e determinaram um valor para aspedras. Outros especialistas avaliaram a casa, as lojas, os jardins,os banhos. Tão logo começaram o trabalho eu saí e coloqueialguém em cada cômodo de modo que os avaliadores pudessemcompletar suas tarefas adequadamente. Nesse momento já eraquase meio-dia, e fomos almoçar, depois do que os avaliadoresforam orientados a dividir tudo em duas partes iguais, de maneiraque se pudesse tirar a sorte; uma parte seria das filhas, e a outrado filho, Mírzá Músá.69 Fui então deitar-me, pois estava doente.À tarde levantei-me, tomei chá, e dirigi-me aos apartamentosda família na mansão. Ali observei que os bens haviam sidodivididos em três partes. Disse-lhes: “Minhas instruções eramde que tudo fosse dividido em duas partes. Como é que há três?”Os herdeiros e outros parentes responderam em uníssono: “Umaterceira parte deve certamente ser separada. Por isso quedividimos tudo em três. Uma parte é para Mírzá Músá, umapara as duas filhas, e a terceira colocamos à Vossa disposição;essa terceira é a porção do falecido e Vós deveis utilizá-la damaneira que estimais adequada.”

Muito perturbado, disse-lhes: “Tal coisa está fora de questão.Não deveis fazer essa exigência, pois não podemos cumpri-la.Demos a nossa palavra a Bahá’u’lláh de que nem mesmo umamoeda de cobre seria aceita.” Mas, também, eles juraram quetudo deveria se passar conforme desejavam, pois não

69 Esse era o método usado, à luz da lei do Islám.

Page 130: Tributo aos Fiéis

112

‘ABDU’L-BAHÁ

concordariam com outra coisa. Esse servo respondeu: “Vamosdeixar essa questão por enquanto. Há alguma outra discordânciaentre vós?” “Sim” – disse Mírzá Musa – “o que aconteceu com odinheiro deixado?” Indagado sobre o montante, respondeu:“Trezentos mil túmáns.” As filhas disseram: “Há duaspossibilidades: ou esse dinheiro está aqui nessa casa, em algumcofre, ou enterrado em algum lugar – ou então está nas mãos deoutros. Daremos a casa e tudo que ela contém a Mírzá Músá.Nós duas sairemos da casa, sem nada exceto os nossos véus. Sealguma coisa aparecer a partir de agora, nós livremente oconcedemos a ele. Se o dinheiro estiver em outro lugar, foi semdúvida confiado aos cuidados de alguém; e aquela pessoa,consciente de haver faltado à nossa confiança, dificilmenteaparecerá para negociar de maneira honesta conosco e devolvero dinheiro – ao contrário, essa pessoa desaparecerá com toda aquantia. Mírzá Músá deverá comprovar de maneira satisfatóriao que diz; sua pretensão apenas não constitui prova.” MírzáMúsá respondeu: “Toda a propriedade estava nas mãos delas;eu nada sabia do que estava acontecendo – nem tinha qualqueridéia do que se passava. Elas fizeram o que bem entenderam.”

Em resumo, Mírzá Músá não tinha qualquer prova clara desuas alegações. Ele apenas perguntava: “Será possível que ofalecido Hájí não tivesse qualquer dinheiro em espécie?” Comoa sua reivindicação não tinha comprovação, senti que se alevasse adiante haveria um escândalo e nada de valor apareceria.Portanto eu lhes ordenei: “Sorteiem as partes.” Quanto à terceiraparte, mandei-lhes que a pusessem em outro aposento, ofechassem e lacrassem a porta. Então, levei a chave paraBahá’u’lláh. “A tarefa está feita.” – disse-Lhe. “Foi concluídagraças às Vossas confirmações. Em caso contrário, não teria sidofinalizada nem em um ano. Entretanto, apareceu umadificuldade.” Descrevi em detalhes a pretensão de Mírzá Músá

Page 131: Tributo aos Fiéis

113

TRIBUTO AOS FIÉIS

e a ausência de qualquer prova. Então, eu disse: “Mírzá Músáestá pesadamente endividado. Mesmo que ele vendesse tudo oque tem, ainda assim não poderia pagar os seus credores. Émelhor, portanto, que Vós mesmos aceite o pedido dosherdeiros, já que insistem em sua oferenda, e outorgue aquelaparte a Mírzá Músá. Então ele poderia pelo menos livrar-se dasdívidas e ainda lhe sobraria alguma coisa.”

No dia seguinte os herdeiros apareceram e imploraram àAbençoada Beleza que me autorizasse a aceitar a terceira parte.“Está fora de questão.” –– Ele lhes respondeu. Eles entãosuplicaram e rogaram-Lhe que aceitasse aquela parte Ele próprio,e que a utilizasse para fins assistenciais de Sua própria escolha.Ele respondeu: “Só há uma finalidade na qual eu gastaria aquelasoma de dinheiro.” Eles disseram: “Isso não nos concerne, aindaque Vós ordenásseis que tudo fosse jogado ao mar. Nãodeixaremos de nos segurar à fímbria de Vosso manto, e nãocessaremos de insistir até que Vós aceiteis o nosso pedido.” Ele,então, lhes disse: “Aceito essa terceira parte; e a outorgo a MírzáMúsá, vosso irmão, mas com a condição de que a partir destedia ele não mais fale de qualquer reivindicação contra vós.” Osherdeiros agradeceram profusamente. E assim esse difícil e pesadocaso foi decidido em um único dia, sem deixar quaisquer resíduosde reclamações, nem escândalos, ou outras brigas.

Page 132: Tributo aos Fiéis

114

‘ABDU’L-BAHÁ

[43] HÁJÍ MUHAMMAD-RIDÁY-I- SHÍRÁZÍ

Hájí Muhammad-Ridá era de Shíráz. Era um homemespiritualizado, humilde, contrito, a personificação daserenidade e da fé. Quando se ergueu o chamado de Deus, aquelaalma sedenta apressou-se ao abrigo da graça celestial. Tão logoouviu o chamado: “Não sou Eu o Teu Senhor?” – ele bradou –“Sim, verdadeiramente!”70 – e tornou-se como uma lâmpadapara os que passavam.

Durante muito tempo serviu o Afnán, Hájí MírzáMuhammad-‘Alí, e era seu íntimo e leal companheiro, dignode confiança para o que quer que fosse. Mais tarde, após umaviagem a países distantes, foi ter à Terra Santa, e lá, em totalsubmissão e humildade, curvou a cabeça perante o SagradoLimiar e foi honrado a alcançar a presença de Bahá’u’lláh, ondebebeu, com as mãos em concha de infindáveis graças. Por muitotempo lá permaneceu, prestando serviços a Bahá’u’lláh quasetodos os dias, cercado do favor e graça sagrados. Seu caráter sedestacava, e ele vivia de acordo com os mandamentos de Deus:tranqüilo e sofredor em sua entrega à vontade de Deus, era odesapego personificado. Não tinha quaisquer metas pessoais, enem qualquer sentimento de apego a esse mundo passageiro.Seu único desejo era agradar ao Senhor, e sua única esperança,a de caminhar pela senda sagrada.

70 Alcorão 7:171.

Page 133: Tributo aos Fiéis

115

TRIBUTO AOS FIÉIS

Prosseguiu viagem então para Beirute, servindo o ilustreAfnán naquela cidade. Por um longo tempo permaneceu elenessa rotina, voltando muitas vezes para a presença deBahá’u’lláh, para contemplar aquela Maior Beleza. Mais tarde,em Sidon, ele adoeceu. Impossibilitado de fazer a viagem para‘Akká, em perfeita aquiescência e contentamento, ascendeupara o Reino de Abhá, e mergulhou no oceano de luzes. PelaPena Suprema, infindáveis bênçãos foram derramadas sobre asua memória. Era realmente um dos fiéis, dos firmes, um sólidopilar de servitude a Bahá’u’lláh. Muitas e muitas vezes ouvimos,dos lábios da Abençoada Beleza, louvores a ele.

Com ele fiquem saudações e louvor, e a glória do Todo-Glorioso. Sobre ele estejam compaixão e a maior misericórdiado Senhor dos Altos Paraísos. Sua sepultura fulgurante está emSidon, perto do lugar chamado Estação de João, o Santo.

[44] HUSAYN EFFENDI TABRÍZÍ

Esse jovem vinha de Tabríz, e estava cheio de amor a Deus,como uma taça transbordante de vinho tinto. Na flor da suajuventude deixou a Pérsia para viajar à Grécia, lá trabalhandocomo mercador. Um dia, guiado pela graça divina, dirigiu-se daGrécia para Esmirna, e lá recebeu a boa notícia de que haviauma nova Manifestação sobre a terra. Gritou ruidosamente,arrebatado, embriagado pela música da nova mensagem. Findouseus débitos, e deixando seus créditos, partiu para encontrar oSenhor do seu coração, e alcançou a presença de Bahá’u’lláh.Por algum tempo, como servo e companheiro leal, prestou

Page 134: Tributo aos Fiéis

116

‘ABDU’L-BAHÁ

serviços à Abençoada Beleza. Foi depois orientado a procuraracomodação na cidade de Haifa.

Aqui ele servia fielmente aos devotos, e seu lar era umapousada para viajantes bahá’ís. Tinha uma excelente natureza,um maravilhoso caráter e objetivos elevados e espirituais.Relacionava-se com amigos e desconhecidos sem distinção; erageneroso com as pessoas de todas as proveniências e lhes queriabem.

Quando a Maior Luz ascendeu à Assembléia do Alto, HusaynEffendi permaneceu fiel a Ele, firme e inabalável; e como antes,continuou sendo amigo leal de todos os amigos. Assim viveupor um bom tempo, sentindo-se melhor do que os reis da Terra.Tornou-se genro de Mírzá Muhammad-Qulí, irmão daAbençoada Beleza, e viveu sereno e em paz por algum tempo.Evitava cuidadosamente qualquer ocasião em que pudesse serinduzido ao erro, pois temia que a tempestade das afliçõespudesse elevar-se em fúria, encapelar-se ainda mais, e varrermuitas almas ao abismo insondável.71 Ele suspirava e lamentava,pois esse medo estava nele em todos os momentos. Finalmente,não pôde mais suportar esse mundo, e com as suas próprias mãosdespiu as vestimentas desta vida.

Louvores estejam com ele, e saudações, e a misericórdia deDeus e a aceitação Divina. Que Deus o perdoe e o faça entrarno mais alto Céu, o Paraíso que se eleva acima de todos osoutros. Sua perfumada sepultura está em Haifa.

71 Ver as atribulações que se seguiram à partida de Bahá’u’lláh em A Presença de Deus,capítulo XV.

Page 135: Tributo aos Fiéis

117

TRIBUTO AOS FIÉIS

[45] JAMSHÍD-I-GURJÍ

Outro ainda entre os emigrantes e aqueles que fixaramresidência nesta região foi o valente Jamshíd-i-Gurjí, que veioda Geórgia, mas cresceu na cidade de Káshán. Era um belojovem, fiel, leal, com elevado senso de honra. Quando ouviufalar da alvorada de uma nova Fé, despertando para a notíciade que o Sol da Verdade se erguera nos horizontes da Pérsia,encheu-se de sagrado êxtase, ansiando-O e amando-O. O novofogo queimou aqueles véus da incerteza e dúvida que o cobriame a luz da Verdade irradiando os seus raios, fez com que a lâmpadada guia ardesse perante ele.

Permaneceu na Pérsia por algum tempo, e então partiu paraa Romélia, que era território otomano, e na Terra do Mistério,Adrianópolis, recebeu a honra de vir à presença de Bahá’u’lláh;foi ali que ocorreu o encontro. Sua alegria e fervor eramilimitados. Mais tarde, por ordem de Bahá’u’lláh, empreendeuuma viagem a Constantinopla, com Áqá Muhammad-Báqir eÁqá ‘Abdu’l-Ghaffár. Naquela cidade, o tirano aprisionou-o ecolocou-o em ferros.

O embaixador persa prestou informações contra Jamshíd eUstád Muhammad-‘Alí-i-Dallák acusando-os de serem líderese guerreiros inimigos. Descreveu Jamshíd como um Rustam72

moderno, enquanto que Muhammad-‘Alí, de acordo com oenviado, era um voraz leão. Esses dois homens respeitáveis foramprimeiro presos e enjaulados, então foram expulsos do território

72 O Hércules persa.

Page 136: Tributo aos Fiéis

118

‘ABDU’L-BAHÁ

turco, e escoltados à fronteira persa. Deveriam ser entregues aogoverno persa e crucificados, e os guardas haviam sidoameaçados com uma terrível punição caso relaxassem avigilância e deixassem que os prisioneiros escapassem. Por essarazão, em todas as paradas as vítimas eram mantidas em algumlocal inacessível. Uma vez, foram jogados em um buraco, umtipo de poço, e sofreram agonias durante toda a noite. Na manhãseguinte, Jamshíd bradou:

–– Ó vós que nos oprimirdes! Somos nós José, o Profeta,para sermos jogados em um poço? Lembrai-vos como se ergueuEle do fundo do poço, elevando-se tanto quanto a lua cheia?Nós também andamos pelos caminhos de Deus, nós tambémestamos aqui por amor a Ele, e sabemos que essas profundezassão as alturas do Senhor.

Ao chegar à fronteira persa, Jamshíd e Muhammad-‘Alíforam entregues a chefes curdos para serem enviados a Teerã.Os chefes curdos viram que os prisioneiros eram homensinocentes, bondosos e de boa natureza, que haviam caído nasgarras de seus inimigos. Ao invés de enviá-los à capital, eles oslibertaram. Alegremente, os dois apressaram-se, a pé, paraBahá’u’lláh, e perto dEle encontraram um lar na Maior Prisão.

Jamshíd passou algum tempo em puro êxtase, recebendo agraça e o favor de Bahá’u’lláh, sendo de tempos em temposadmitido à Sua presença. Estava tranqüilo e em paz. Os devotosestavam contentes com ele, e ele estava contente com Deus.Foi nessa condição que ele atendeu ao chamado celestial:

–– Ó tu, alma em paz, retorna ao teu Senhor, contente comEle, e Ele contente contigo.73

E ao brado de Deus: “Retorna!” E ele respondeu: “Sim,verdadeiramente!” Ascendeu ele da Maior Prisão para o mais

73 Alcorão 89:27.

Page 137: Tributo aos Fiéis

119

TRIBUTO AOS FIÉIS

elevado Paraíso; ergueu-se rumo a um puro e fulgurante Reino,fora deste mundo do pó. Que Deus o ajude na companhiacelestial,74 traga-o ao Paraíso dos Esplendores e, seguro nosjardins Divinos, faça-o viver para sempre.

Saudações e louvor a ele. Seu túmulo, doce como o almíscar,está em ‘Akká.

[46] HÁJÍ JA’FAR-I-TABRÍZÍ

E SEUS IRMÃOS

Havia três irmãos, todos de Tabríz: Hájí Hasan, Hájí Ja’far eHájí Taqí. Esses três eram como águias pairando; eram três estrelasda Fé, pulsando com a luz do amor de Deus.

Hájí Hasan era daqueles devotos de primeira linha; acreditoudesde os primórdios na aurora do novo Luminar. Era repleto deardor, e tinha a mente perspicaz. Após a sua conversão, viajoupor toda a parte às cidades e vilarejos da Pérsia. Seu sopro moviaos corações das almas ansiosas. Então, ele partiu para o Iraque,por ocasião da primeira viagem do Amado, ali apresentando-seà Sua presença. Uma vez tendo contemplado aquela formosaLuz, foi arrastado ao Reino dos Esplendores; incandescente,tornou-se um escravo do terno e anelante Amor. Nessa época,foi orientado a dirigir-se à Pérsia. Era mascate, vendedor depequenas utilidades, viajando de cidade em cidade.

Na segunda viagem de Bahá’u’lláh para o Iraque, Hájí Hasan

74 Alcorão 4:71.

Page 138: Tributo aos Fiéis

120

‘ABDU’L-BAHÁ

desejava veementemente contemplá-Lo novamente, e lá, emBagdá, deslumbrou-se mais uma vez pela Sua presença.Freqüentemente viajava à Pérsia e voltava, com os pensamentosconcentrados em ensinar e promover a Causa. Porém, seusnegócios foram por água abaixo. Os ladrões roubaram suamercadoria, e assim, como ele mesmo dizia, seu fardo lhe foitirado – estava livre. Fugia de tudo que o prendesse ao mundomaterial. Estava atraído como que por um imã; perdido eloucamente apaixonado pelo suave Companheiro, por Aqueleque é o Bem-Amado de ambos os mundos. Era conhecido emtoda a parte pelo êxtase que o possuía, e passava por estranhosestados de espírito; algumas vezes, com a maior eloqüência,ensinava a Fé, aduzindo como provas muitos versos e tradiçõessagrados, e trazendo à luz sólidos argumentos. Nessas ocasiões,aqueles que o ouviam costumavam comentar sobre o poder desua mente, sua sabedoria e autocontrole. Mas havia outrosmomentos quando o amor de repente flamejava dentro de seupeito, e aí não conseguia permanecer quieto um só instante.Nesses momentos, ele pulava, dançava, ou, em altos brados,gritava um verso dos poetas, ou uma canção. Já no fim de seusdias tornou-se amigo íntimo de Jináb-i-Muníb; os dois trocarammuitas e íntimas confidências, e cada um deles continha muitasmelodias no coração.

Por ocasião da última viagem dos amigos, ele seguiu para oAzerbaijão, e ali, jogando para os ares toda a precaução, gritouo Maior Nome: “Yá Bahá’u’l-Abhá!” Os infiéis do lugarjuntaram forças com seus parentes e atraíram aquele homem,inocente em seu êxtase, para um jardim. Aqui, primeiro fizeram-lhe perguntas e ouviram as suas respostas. Ele falou abertamente.Expôs as verdades secretas da Fé e apresentou provas conclusivasde que o Advento havia verdadeiramente chegado. Recitouversos do Alcorão, e tradições legadas pelo Profeta Muhammad

Page 139: Tributo aos Fiéis

121

TRIBUTO AOS FIÉIS

e pelos Santos Imáms. Em seguida, em um frenesi de amor eanelante enlevo, começou a cantar. Cantava uma melodiashahnáz; as palavras vinham dos poetas, e diziam que o Senhorviera. Eles o mataram; derramaram-lhe o sangue. Arrancaram ecortaram-lhe os membros e esconderam seu corpo sob a terra.

Quanto a Hájí Muhammad Ja’far, a cortesia em pessoa –também ele, a exemplo de seu irmão, sentia-se atraído pelaAbençoada Beleza. Foi no Iraque que ele chegou à presença daLuz do Mundo, e também ele incendiou-se com o amor Divinoe foi arrebatado pelas suaves brisas de Deus. Como seu irmão,era vendedor de pequenas utilidades, sempre viajando de umlugar a outro. Quando Bahá’u’lláh deixou Bagdá rumo à capitaldo Islã, Hájí Já’far encontrava-se na Pérsia, e quando aAbençoada Beleza e seu séqüito fizeram uma parada emAdrianópolis, Ja’far e Hájí Taqí, seu irmão, lá chegaram,procedentes do Azerbaijão. Encontraram um canto ondeinstalar-se, e lá ficaram. Nossos opressores, então, estenderamas mãos arrogantes para enviar Bahá’u’lláh para a Maior Prisão,e proibiram os devotos de acompanhar o verdadeiro Amado,pois era seu objetivo trazer a Abençoada Beleza a essa prisãocom apenas alguns poucos de Seus seguidores. Quando HájíJa’far viu que havia sido excluído do grupo de exilados, tomoude uma navalha e cortou a garganta.75 A multidão expressoutristeza e horror, e as autoridades então permitiram que todos osdevotos seguissem viagem em companhia de Bahá’u’lláh – issoem conseqüência da bênção advinda do ato de amor perpetradopor Ja’far .

Costuraram-lhe o ferimento, mas ninguém supôs que fossesobreviver. Disseram-lhe:

–– Por enquanto, terás que permanecer onde estás. Se tua

75 Cf. A Presença de Deus, p. 252.

Page 140: Tributo aos Fiéis

122

‘ABDU’L-BAHÁ

garganta ficar curada, serás enviado para junto dos outros, assimcomo teu irmão. Estejas certo disso.

Bahá’u’lláh, também, ordenou que assim fosse feito.Portanto, deixamos Já’far no hospital e seguimos para a prisãode ‘Akká. Dois meses mais tarde, ele e seu irmão Hájí Taqíchegaram à fortaleza, juntando-se aos outros prisioneiros. O Hájí,tendo chegado são e salvo, tornava-se mais carinhoso e maisardente a cada dia que passava. Desde o anoitecer até a auroraficava acordado, entoando orações e derramando lágrimas.Então, uma noite ele caiu do telhado do caravanserai e ascendeuao Reino dos milagres e sinais.

Hájí Taqí, que nascera sob o signo de uma boa estrela, eraem todos os sentidos um verdadeiro irmão do Hájí Já’far. Viviana mesma condição espiritual, mas era mais calmo. Depois damorte do Hájí Já’far, ele se deixava ficar sozinho em um aposento.Era a personificação do silêncio. Ali sentava, completamentesó, de forma polida e cortês, mesmo durante a noite. Uma noite,à meia-noite, subiu para o telhado para entoar orações. Namanhã seguinte foi encontrado onde havia caído, no chão pertoda parede. Estava inconsciente, e não se sabia se fora umacidente ou se ele havia se jogado. Ao voltar a si, disse:

–– Eu estava cansado desta vida, e tentei morrer. Nem porum momento desejo permanecer neste mundo. Rezai para queeu me vá.

Essa é, portanto, a história da vida desses três irmãos. Todosos três eram almas em paz; todos os três contentes com SeuSenhor e Ele, contente com eles.76 Eram chamas; cativos daFé; eram puros e santos. E assim, desvinculados do mundo,voltando as faces para o Maior Reino, eles ascenderam. QueDeus os envolva na vestimenta de Sua graça nos Domínios do

76 Alcorão 89: 27-30.

Page 141: Tributo aos Fiéis

123

TRIBUTO AOS FIÉIS

perdão, e os faça imergirem nas águas da Sua misericórdia, paratodo o sempre. Saudações e louvor estejam com eles.

[47] HÁJÍ MÍRZÁ MUHAMMAD-TAQÍ,O AFNÁN

Entre aquelas almas corretas, que são luminosas entidades ereflexos Divinos, havia Jináb-i-Muhammad-Taqí, o Afnán77.Seu título era Vakílu’d-Dawlih. Esse eminente Ramo era umgalho da Árvore Sagrada; nele um excelente caráter aliava-se auma nobre linhagem. Seu parentesco era verdadeiro. Estavaentre aquelas almas que, após terem lido uma vez o Livro deÍqán, haviam se tornado crentes, enfeitiçados pelos docesaromas de Deus, alegrando-se ante a recitação de Seus versos.Sua agitação era tal que gritava: “Senhor, Senhor, aqui estou!”Alegremente, deixou a Pérsia e apressou-se rumo ao Iraque.Por estar repleto de anelante amor, ele percorreu velozmente asmontanhas, cruzando os desertos, sem pausa para descanso, atéque chegou a Bagdá.

Veio à presença de Bahá’u’lláh, e recebeu a Sua aprovação.Que êxtase sagrado o invadia, que fervor, que desapego domundo! Era indescritível. Seu rosto abençoado era tão formoso,tão luminoso, que os amigos no Iraque deram-lhe um nome:chamaram-no “o Afnán de todos os deleites”. Era verda-deiramente uma alma abençoada, um homem que merecia ser

77 Os Afnán são os parentes do Báb.

Page 142: Tributo aos Fiéis

124

‘ABDU’L-BAHÁ

reverenciado. Jamais faltara às suas obrigações desde o começoda vida até o seu último suspiro. Logo no início de seus dias,enamorara-se das suaves fragrâncias de Deus, e ao final, prestaraum supremo serviço à Causa de Deus. Sua vida era correta, suafala agradável, seus atos valorosos. Nunca deixou de servir, ouvacilou em sua devoção, e lançava-se a qualquer grande projetocom entusiasmo e alegria. Sua vida, seu comportamento, tudoo que fazia, e o que deixava de fazer, seus negócios com outros –eram formas de ensinar a Fé, e isso servia de exemplo e deadmoestação para os demais.

Depois de receber a honra, em Bagdá, de se encontrar comBahá’u’lláh, retornou para a Pérsia, onde seguiu ensinando aFé com sua eloqüente língua. E é assim que se deve ensinar:com uma língua eloqüente, uma pena à mão, um bom caráter,palavras agradáveis, e maneiras e atos corretos. Até mesmo osinimigos prestavam testemunho de seu espírito elevado e desuas qualidades espirituais, dizendo:

–– Não há ninguém que se compare a este homem, seja empalavras e atos,ou em seu caráter, lealdade e fé inabalável; emtudo ele é singular; que pena que seja bahá’í!

Ou seja:–– Que pena que não seja como nós, perversos, descuidados,

pecadores, mergulhados em sensualidade, filhos das paixões!Santo Deus! Eles viram com seus próprios olhos que, no

momento em que ouvira falar da Fé, ele foi transformado, desli-gado desse mundo, e começou a irradiar raios do Sol da Verdade;e ainda assim, deixaram de aproveitar o exemplo dado por ele.

Durante os seus dias em Yazd ele se dedicava, exteriormente,às atividades comerciais, mas na verdade, ensinava a Fé. Seuúnico objetivo era exaltar a palavra de Deus, seu único desejo,propagar as doces fragrâncias Divinas, seu único pensamento,aproximar-se mais e mais das mansões do Senhor. Era uma

Page 143: Tributo aos Fiéis

125

TRIBUTO AOS FIÉIS

personificação da satisfação de Bahá’u’lláh; a alvorada das graçasdo Maior Nome. Muitas e muitas vezes, Bahá’u’lláh expressouàqueles que O cercavam Sua extrema satisfação com o Afnán;e conseqüentemente, todos estavam convictos de que no futuroele ficaria encarregado de levar a cabo alguma tarefa altamenteimportante.

Após a ascensão de Bahá’u’lláh, o Afnán, leal e firme noConvênio, prestou ainda mais serviços do que antes; isso apesardos muitos obstáculos, e de uma esmagadora quantidade detrabalho, e ainda de uma variedade infinita de assuntos, todosele reclamando a sua atenção. Renunciou ao conforto, aos seusnegócios, suas propriedades, bens, terras, partiu para ‘Ishqábáde pôs-se a construir o Mashriqu’l-Adhkár; era esse um serviçode grande magnitude, e dessa maneira tornou-se o primeiroindivíduo a erigir uma Casa de Adoração Bahá’í, o primeiroconstrutor de uma Casa destinada a unificar o homem. Com aajuda dos devotos de ‘Ishqábád, ele conseguiu desincumbir-seda tarefa. Por um longo período em ‘Ishqábád, ele não tevedescanso. Dia e noite, estimulava os devotos a se apressarem.Eles, então, se esforçaram e fizeram sacrifícios acima e além doseu poder; e o edifício de Deus elevou-se, e rumores sobre eleespalharam-se pelo Oriente e Ocidente. O Afnán gastou tudoquanto possuía nessa construção, ficando com apenas umapequena soma de dinheiro. É isso que significa fazer sacrifício.Esse é o significado de ser fiel.

Depois viajou para a Terra Santa, e ali, junto do lugarcircundado pelos anjos escolhidos, ao abrigo do Santuário doBáb, passou os seus dias, santo e puro, suplicando e rogando aoSenhor. O louvor de Deus estava sempre em seus lábios, eentoava orações, tanto com a língua como com o coração. Eramaravilhosamente espiritual, singularmente iluminado. Era umadessas almas que antes mesmo do rufar dos tambores de “Não é

Page 144: Tributo aos Fiéis

126

‘ABDU’L-BAHÁ

verdade que sou o vosso Senhor?”, reboava em resposta: “ Sim,testemunhamo-lo!”78 Foi no período do Iraque, durante os anosdas décadas de setenta e oitenta da Hijra, que ele pela primeiravez ardeu de amor pela Luz do Mundo, contemplou o alvorecerda glória em Bahá’u’lláh e testemunhou o cumprimento daspalavras: “Eu sou Aquele que vive no Reino da Glória de Abhá!”

O Afnán era um homem excepcionalmente feliz. Sempreque me sentia triste, ia encontrar-me com ele, e a alegriaretornava imediatamente. Deus seja louvado, pois finalmente,junto ao Santuário do Báb, ele apressou-se na luz rumo ao Reinode Abhá. Esta perda entristeceu-me profundamente.

Seu brilhante sepulcro está em Haifa, ao lado do Hazíratu’l-Quds, perto da gruta de Elijah. Um túmulo deve ser lá construído,sólido e bem feito. Que Deus derrame sobre o seu local derepouso raios do Paraíso dos Esplendores, e banhe aquela terrasanta com as chuvas que caem dos refúgios do CompanheiroExaltado. Que sobre ele esteja a glória do Todo-Glorioso.

[48] ‘ABDU’LLÁH BAGHDÁDÍ

Na sua juventude, ‘Abdu’lláh Baghdádí era considerado umlibertino, devotado inteiramente aos prazeres da vida. Era vistocomo um aficionado dos desejos desordenados, atolado naspaixões físicas. Porém, no momento em que se tornou um dosdevotos, foi levado pelas doces fragrâncias de Deus, etransformado em uma nova criação. Entregou-se como um

78 Alcorão 7:172.

Page 145: Tributo aos Fiéis

127

TRIBUTO AOS FIÉIS

estranho enlevo, e mudou completamente. Havia sido dessemundo, agora era de Deus; vivera da carne, agora vivia doespírito; caminhara na escuridão, agora caminhava na luz. Foraescravo dos sentidos, agora era um servo de Deus. Antes foraargila e barro, agora era uma dispendiosa pérola; antes uma pedraopaca e sem brilho, agora um rubi brilhante.

Mesmo aqueles que não eram devotos surpreendiam-se antesua transformação.

–– O que teria se passado com esse jovem? – queriam saber. Comopoderia ter acontecido que, de repente, ele se tornara desapegadodo mundo, ávido pelos ensinamentos espirituais, e um devoto?

–– Era pecador, corrompido – diziam – hoje é abstêmio ecasto. Estava mergulhado nos seus apetites, mas é agora a almada pureza, e leva uma vida correta. Deixou o mundo para trás.Interrompeu a orgia, despediu os farristas e retirou a toalha dobanquete. Sua mente está entontecida de amor.

Em resumo, ele se desvencilhou dos prazeres e posses, e viajoua pé até ‘Akká. Sua face se tornara tão brilhante, sua naturezatão luminosa que era uma alegria contemplá-lo. Eu costumavalhe dizer:

–– Áqá ‘Abdu’lláh, em que condição estás?E ele assim respondia:–– Eu estava na escuridão, agora, graças à Abençoada Beleza,

estou na luz. Eu era um monte de pó, Ele me transformou emterra fértil. Eu vivia em constante tormento, agora estou empaz. Eu estava apaixonado pelos meus grilhões, Ele os quebrou.Eu vivia ávido por isso e aquilo, agora seguro-me ao Senhor. Euera um pássaro na gaiola, Ele libertou-me. Hoje, embora vivano deserto, e tenha o chão duro como cama e travesseiro, sintotudo isso como se fosse seda. Nos velhos tempos, minha cobertaera de cetim, e minha alma estava em tormento. Agora nãotenho casa, e estou feliz.

Page 146: Tributo aos Fiéis

128

‘ABDU’L-BAHÁ

Constantemente seu coração ardente partia-se quando viatoda a perseguição a Bahá’u’lláh, e O quão pacientemente sofria.‘Abdu’lláh anelava morrer por Ele. E assim aconteceu que eleofereceu sua vida por seu terno Companheiro, e apressou-separa longe deste mundo sombrio, rumo ao país da Luz. Seutúmulo luminoso está em ‘Akká. Que sobre ele esteja a glóriado Todo-Glorioso, que sobre ele esteja a misericórdia vinda dasgraças do Senhor.

[49] MUHAMMAD-MUSTAFÁ

BAGHDÁDÍ

Muhammad-Mustafá era uma luz resplandecente. Filho dofamoso sábio Shaykh Muhammad-i-Shibl, morava no Iraque,e desde o início da sua juventude mostrara-se claramentediferente e além de qualquer comparação com os demais jovens;sábio, corajoso, merecedor em todos os sentidos, era famosopor toda parte. Desde a infância, guiado pelo pai, ele haviaacendido a luz da fé na capela de seu coração. Havia se livradodo estorvo dos véus da ilusão, olhado à sua volta com olhosperceptivos, testemunhado grandes e novos sinais de Deus e,sem se importar com as conseqüências, havia bradado: “E aterra resplandecerá com a luz do seu Senhor!”79

Deus, Todo-Piedoso! A oposição era poderosa, a pena óbvia,os amigos, todos eles, aterrorizados, escondidos em algum canto,

79 Alcorão 39:69.

Page 147: Tributo aos Fiéis

129

TRIBUTO AOS FIÉIS

dissimulando a sua crença; em um tal momento esta intrépidapersonalidade destemidamente ocupava-se de seus negócios, ecomo um homem, enfrentava qualquer tirano. O único indivíduoque, no ano setenta, era afamado no Iraque por seu amor aBahá’u’lláh, era essa pessoa honrada. Algumas outras almas, naépoca em Bagdá e redondezas, haviam se arrastado para dentro dealgum esconderijo ou fresta e, aprisionados em sua própria letargia,ali haviam permanecido. Mas esse admirável Muhammad-Mustafáia e vinha bravamente, como um homem, e os hostis, por causa desua força física e de sua coragem, temiam atacá-lo.

Após o retorno de Bahá’u’lláh de Sua viagem ao Curdistão,a força e o porte viril daquele galante indivíduo foram aindamais acentuados. Sempre que lhe era permitido, ele prestavaserviços a Bahá’u’lláh, e ouvia de Seus lábios expressões de favore graças. Ele era o líder de todos os amigos no Iraque, e depoisda grande separação, quando o séqüito do Amado partiu paraConstantinopla, ele permaneceu firme e leal, e enfrentou oinimigo. Preparou-se para o serviço, e abertamente,publicamente, observado por todos, ensinava a Fé.

Tão logo a declaração de Bahá’u’lláh de que Ele era “Aqueleque Deus tornará Manifesto”80 ficou conhecida por toda a parte,Muhammad-Mustafá – estando entre aquelas almas que haviamse tornado devotas antes dessa Declaração – bradou:

— Verdadeiramente, acreditamos!Porque, mesmo antes dessa Declaração, a luz, por si só,

atravessara os véus que envolviam os povos do mundo, demaneira que todo olhar capaz de enxergar, contemplara oesplendor, e toda alma anelante pôde ver seu Bem-Amado.

Com todo seu vigor, portanto, Muhammad-Mustafálevantou-se para servir à Causa. Ele não descansava nem à noite,

80 O Prometido do Báb.

Page 148: Tributo aos Fiéis

130

‘ABDU’L-BAHÁ

nem de dia. Depois da partida da Antiga Beleza para a MaiorPrisão; depois que os amigos haviam sido aprisionados em Bagdáe enviados a Mosul; depois da hostilidade de importantesinimigos e a oposição do populacho de Bagdá, ele não fraquejou,mas continuou a defender a sua posição. Um longo tempo passoudessa maneira. Mas, como a sua ansiedade por ver Bahá’u’lláhgerou um tumulto tal em seu coração, ele partiu sozinho rumo àMaior Prisão. Lá chegou em um período de grandes restrições,e teve a honra de ir à presença de Bahá’u’lláh.

Pediu, então, autorização para buscar acomodação em algumlocal nas vizinhanças de ‘Akká, sendo-lhe permitido residir emBeirute. Para lá se dirigiu e fielmente serviu à Causa, assistindoa todos os peregrinos quando chegavam e partiam. Era paraeles um excelente servo, um anfitrião generoso e bondoso, e sesacrificava para cuidar de suas necessidades enquanto passavampor ali.

Quando o Sol da Verdade se pusera e a Luz da Assembléiano alto ascendera, Muhammad-Mustafá permaneceu leal aoConvênio. Manteve-se tão firme contra os vacilantes que elesnão ousavam respirar. Era como um meteoro, um míssil lançadocontra os demônios;81 contra os violadores, uma espada devingança. Nenhum dos rompedores ousava nem mesmo passarpela rua onde morava, e se por acaso o encontravam, eramcomo aqueles descritos no Alcorão: “São surdos, mudos, cegose não se retraem (do erro).82 Era ele a própria personificaçãode: ‘A culpa do acusador não o desviará do caminho de Deus,e a terrível força do vilipendiador não o estremecerá.’ ”

Vivendo como sempre o fizera, ele servia os devotos com amente livre e intenção pura. Com todo o seu coração, ele81 Simbolismo islâmico: Satã é o “apedrejado”; com meteoros como pedras, os anjosexpulsam demônios do Paraíso. Alcorão 3:31, 15:17, 34; 37: 7; 67: 5.82 Alcorão 2:18.

Page 149: Tributo aos Fiéis

131

TRIBUTO AOS FIÉIS

ajudava os viajantes que se dirigiam à Terra Santa, aqueles quehaviam vindo para circular aquele lugar que é circundado pelaAssembléia no Alto. Mais tarde, mudou-se de Beirute paraIskandarún, e lá passou algum tempo, até que, atraído comoque por um imã para o Senhor, desprendido de tudo salvo dEle,regozijando-se pelas Suas boas-novas, segurando-se firmementeà corda que ninguém pode romper – ele ascendeu nas asas doespírito para seu Exaltado Companheiro.

Que Deus o eleve ao mais alto Paraíso, para os companheirosda glória.83 Que Deus o traga para a terra das Luzes, o Reinomisterioso, a assembléia dos esplendores do potente SenhorTodo-Poderoso. Sobre ele esteja a glória do Todo-Glorioso.

[50] SULAYMÁN KHÁN-I-TUNUKÁBÁNÍ

Sulaymán Khán era um emigrante e residente na Terra Santaa quem havia sido dado o título de Jamáli’d-Dín. Nascera emTunukábán, em uma antiga família daquela região. Fora criadoem meio à riqueza e ao conforto; educado em um ambienteluxuoso. Desde a primeira infância alimentava altas ambições enobres objetivos; era a personificação da honra e da aspiração.Inicialmente, planejara ultrapassar todos os seus colegas ealcançar altas funções. Por essa razão, deixara sua terra e fora àcapital, Teerã, onde esperava se tornar um líder, excedendo atodos os demais de sua geração.83 Alcorão 4: 69.

Page 150: Tributo aos Fiéis

132

‘ABDU’L-BAHÁ

Entretanto, em Teerã, a fragrância de Deus atravessou-lhe ocaminho, e ele ouviu o chamado do Bem-Amado. Foi salvodos tumultos das altas funções, de todo o alarido e perturbação,de toda glória e pompa dos palácios do mundo, esse monte depó. Livrou-se das correntes, e pela graça de Deus, descobriu apaz. Para ele, o assento de honra não era diferente do lugar àporta onde as pessoas removem os sapatos, e os altos postoseram algo que rapidamente desapareciam e eram esquecidos.Foi purificado da mancha de estar vivo para a matéria. Seucoração tornou-se leve, pois rompera as algemas que oamarravam a essa vida presente.

Vestido como um peregrino, partiu em busca de seu amorosoAmigo, vindo ter à Maior Prisão. Aqui descansou por algumtempo, sob a proteção da Antiga Beleza; aqui recebeu a honrade apresentar-se diante de Bahá’u’lláh, e de Seus santos lábiosouviu momentosos ensinamentos. Depois de respirar o arperfumado, de ter os olhos iluminados, e os ouvidos afinadoscom as palavras do Senhor, foi autorizado a fazer uma viagem àÍndia, e orientado a ensinar àqueles que verdadeiramentebuscavam a Verdade.

Repousando seu coração em Deus, apaixonado pelas suavesfragrâncias de Deus, seguiu para a Índia. Lá perambulou, esempre que chegava a alguma cidade, erguia o chamado doGrande Reino e dava as boas-novas de que viera o Orador doMonte. Tornou-se um dos agricultores de Deus, espalhando asemente sagrada dos Ensinamentos. A semeadura foi frutífera.Por intermédio dele, um número considerável de pessoasencontrou seu caminho para a Arca da Salvação. A luz da guiaDivina foi derramada sobre essas almas, e seus olhos iluminadoscom a visão dos poderosos sinais de Deus. Tornou-se o pontofocal de qualquer reunião, sendo o convidado de honra. Até odia de hoje, na Índia, os resultados de sua presença auspiciosa

Page 151: Tributo aos Fiéis

133

TRIBUTO AOS FIÉIS

são claramente visíveis, e aqueles a quem ele ensinou estão agora,por seu turno, guiando outros para a Fé.

Logo após a sua viagem à Índia, Sulaymán Khán retornoupara perto de Bahá’u’lláh, mas ao chegar a ascensão já haviaocorrido. Continuamente ele derramou lágrimas, e seu coraçãotransformou-se em um turíbulo de dor. Mas conservou-se lealao Convênio, profundamente enraizado no Paraíso.

Não muito antes de Seu passamento, Bahá’u’lláh havia dito:–– Caso alguém vá à Pérsia, deve conseguir transmitir essa

mensagem. Ela deve ser entregue a Amínu’s-Sultán84: “ Vóstomastes iniciativas para ajudar os prisioneiros; vós livrementelhes prestastes um condigno serviço; esse serviço não seráesquecido. Estejais seguro de que Ele vos trará honra e umabênção para todos os vossos negócios. Ó Amínu’s-Sultán! Todacasa construída cairá um dia na ruína, exceto a Casa de Deus;esta crescerá em solidez, e a cada dia estará melhor protegida.Então, sirvais à Corte de Deus com todas as vossas forças, demaneira que possais descobrir o caminho para um lar no Paraísoe fundar um edifício que resista para sempre.”

Depois da partida de Bahá’u’lláh, essa mensagem foiencaminhada a Amínu’s-Sultán.

No Azerbaijão, os clérigos turcos haviam humilhado ÁqáSiyyid Asadu’lláh, perseguindo-o em Ardabíl e conspirando paraderramar seu sangue; mas o governador, por meio de um ardil,conseguiu salvá-lo da tortura e da morte; enviou a vítimaacorrentada para Tabríz, e de lá ordenou que o conduzissem aTeerã. Amínu’s-Sultán veio em auxílio do prisioneiro e, em seupróprio gabinete, forneceu um refúgio para Asadu’lláh. Um dia,estando doente o primeiro-ministro, Násiri’d-Dín Sháh veiovisitá-lo. O ministro explicou então a situação, e não poupou

84 O primeiro-ministro.

Page 152: Tributo aos Fiéis

134

‘ABDU’L-BAHÁ

louvores a seu cativo; tanto assim que o Xá, ao sair, mostrougrande bondade para com Asadu’lláh, proferindo palavras deconsolo. Isso quando pouco tempo antes, o cativo teria sidoimediatamente amarrado para servir de adorno a alguma árvoreutilizada como forca, e baleado.

Passado algum tempo, Amínu’s-Sultán perdeu as boas-graçasdo Soberano. Odiado e em desgraça, foi banido para a cidadede Qum. Em vista disso, este servo enviou Sulaymán Khán paraa Pérsia, levando uma oração e uma missiva escrita por mim. Aoração pedia a ajuda de Deus e bênçãos e auxílio para o ministrodestituído, de maneira que pudesse, das profundezas doesquecimento, ser reconduzido às boas-graças do soberano. Nacarta afirmávamos claramente: “Preparai-vos para retornar aTeerã. Dentro em pouco chegará a ajuda de Deus; a luz damisericórdia brilhará novamente sobre vós; com autoridadeabsoluta, vos encontrareis livre, e serás o primeiro-ministro. Essaé a vossa recompensa pelos esforços que fizestes em favor de umoprimido.” Aquela carta e aquela oração estão hoje em poderda família de Amínu’s-Sultán.

De Teerã, Sulaymán Khán viajou a Qum, e de acordo comas instruções, passou a viver em um cubículo no santuário daImaculada.85 Os parentes de Amínu’s-Sultán vieram em visitaao santuário; Sulaymán Khán perguntou pelo ministrodestituído e expressou o desejo de encontrá-lo. Quando oministro tomou conhecimento desse fato, mandou buscarSulaymán Khán. Colocando toda sua confiança em Deus,Sulaymán Khán apressou-se à residência do ministro, e emaudiência particular com ele, apresentou-lhe a carta deste Servode Bahá (‘Abdu’l-Bahá). O ministro levantou-se e recebeu a

85 Qum é a cidade do santuário de Fátimih, “a Imaculada”. Irmã do oitavo Imám,Imám Ridá, ela foi enterrada naquela cidade em 816 AD.

Page 153: Tributo aos Fiéis

135

TRIBUTO AOS FIÉIS

carta com extremo respeito. Então, dirigindo-se ao Khán, disse:–– Eu havia perdido todas as esperanças. Se esse desejo for

atendido, me levantarei para servir; preservarei e defenderei osamigos de Deus.

Ele então expressou sua gratidão, reconhecimento e alegria,e acrescentou:

–– Louvado seja Deus! Volto a ter esperanças; sinto que pormeio de Sua ajuda, meu sonho tornar-se-á realidade.

Em suma, o ministro prometeu servir os amigos, e SulaymánKhán retirou-se. O ministro quis, então, dar-lhe uma quantiaem dinheiro para custear as despesas da viagem, mas SulaymánKhán recusou, e a despeito da insistência do ministro, nadaaceitou. O Khán não havia ainda alcançado a Terra Santa emsua viagem de volta quando Amínu’s-Sultán foi chamado devolta do exílio e imediatamente designado mais uma vez,primeiro-ministro. Assumiu a posição e desfrutou da maiscompleta autoridade. Inicialmente, ele de fato apoiou os adeptos,mas mais no final, no caso dos mártires de Yazd, foi negligente.Não ajudou e nem protegeu as vítimas de qualquer modo, nemouvia aos seus repetidos apelos, até que todos foram executados.Conseqüentemente, também ele perdeu seu cargo, tornando-se um homem arruinado; a bandeira que fora tãoorgulhosamente desfraldada estava agora ao avesso, e aquelecoração cheio de expectativas desesperou-se.

Sulaymán Khán continuou vivendo na Terra Santa, pertodo Santuário, em volta do qual circula a Assembléia Exaltada.Esteve sempre próximo dos devotos até o dia da morteinescapável, quando partiu para as mansões dAquele que vivee não morre. Voltou as costas a esse monte de pó – o mundo –e apressou-se à região da luz. Rompeu a gaiola do ser contingentee elevou-se ao Domínio sem fim e sem lugar. Que Deus oenvolva nas águas da Sua misericórdia, faça com que Seu perdão

Page 154: Tributo aos Fiéis

136

‘ABDU’L-BAHÁ

chova copiosamente sobre ele, e lhe conceda as maravilhas deabundantes graças. Saudações e louvor estejam sobre ele.

[51] ‘ABDU’R-RAHMÁN, O ARTESÃO EM COBRE

Esse era um homem paciente e sofredor, oriundo de Káshán.Fora um dos primeiros devotos. A alvorada ainda não alcançaraa sua face quando bebera do amor de Deus, vira com seuspróprios olhos a mesa paradisíaca preparada, e recebera a sua fée a sua porção de abundantes graças.

Em pouco tempo, deixou a sua casa e partiu para o jardim derosas que era Bagdá, onde alcançou a honra de apresentar-seperante Bahá’u’lláh. Passou algum tempo no Iraque, e ganhouuma coroa de infindáveis bênçãos: ia à presença de Bahá’u’lláh,e muitas vezes O acompanhou a pé até o Santuário dos doisKázims; esse era seu maior prazer.

‘Abdu’r-Rahmán estava entre os prisioneiros exilados paraMosul, e mais tarde conseguiu arrastar-se até a fortaleza de ‘Akká.Aqui viveu, abençoado por Bahá’u’lláh. Tinha um pequenonegócio, insignificante, mas estava contente com ele, feliz e empaz. Assim, caminhando pela senda da virtude, viveu até osoitenta anos, quando, serenamente e pacientemente, elevou-

Page 155: Tributo aos Fiéis

137

TRIBUTO AOS FIÉIS

se ao Limiar de Deus. Que ali o Senhor o envolva com as Suasbênçãos e compaixão, e o adorne com as vestimentas do perdão.Sua luminosa sepultura está em ‘Akká.

[52] MUHAMMAD-IBRÁHÍM-I- TABRÍZÍ

Esse homem, nobre e de espírito elevado, era filho dorespeitado ‘Abdu’l-Fattáh, que se encontrava na prisão de‘Akká. Sabendo que seu pai estava ali aprisionado, veiorapidamente para a fortaleza de maneira que, também ele,pudesse participar daquelas terríveis aflições. Era um homemsábio e compreensivo, em tumulto após haver bebido do vinhodo amor de Deus, mas basicamente era dono de maravilhosaserenidade e calma.

Havia herdado a natureza do pai, e exemplificava o ditadosegundo o qual uma criança é a essência secreta de seuantepassado. Por essa razão, durante um longo período deleitou-se com a proximidade da Presença Divina, desfrutando da maispura paz. Durante o dia trabalhava em seu ofício, e à noitevinha apressadamente à porta de Sua casa, para estar com osamigos. Era próximo de todos aqueles que eram firmes e leais;era cheio de coragem, grato a Deus, abstêmio e casto,esperançoso e confiante nas bênçãos e graças do Senhor. Fezcom que a lâmpada de seu pai brilhasse, iluminou a casa de‘Abdu’l-Fattáh, e deixou descendentes que fossem seussucessores nesse mundo passageiro.

Page 156: Tributo aos Fiéis

138

‘ABDU’L-BAHÁ

Sempre fazia tudo o que podia para trazer felicidade aosdevotos; sempre se preocupava com o seu bem-estar. Era sagaz,sério, e firme. Por pura misericórdia de Deus, conservou-se lealaté o fim, e firme na Fé. Que Deus lhe dê de beber da taça doperdão; que sorva da fonte da graça e do favor Divinos; queDeus o eleve às alturas da dádiva Divina. Seu perfumado túmuloestá em ‘Akká.

[53] MUHAMMAD-‘ALÍY-I-ARDIKÁNÍ

Na flor da doce juventude, Muhammad-‘Alí, o iluminado,ouviu o chamado de Deus, e entregou o coração à graça celestial.Passou a servir o Afnán, descendente da Árvore Sagrada, eviveu feliz e contente. Foi assim que ele veio ter à cidade de‘Akká, e por um longo tempo esteve presente no Sagrado Limiar,recebendo uma coroa de glória duradoura. O olhar da graça eda benevolência de Bahá’u’lláh estava sobre ele. Ele serviu comum coração leal. Tinha uma natureza feliz, um belo semblante;era um homem de fé, que buscava; fora testado e passara porprovações.

Durante os dias de Bahá’u’lláh, Muhammad-‘Alípermaneceu firme, e depois da Suprema Aflição, seu coraçãonão lhe faltou, porquanto havia bebido o vinho do Convênioe seus pensamentos estavam fixados nas bênçãos de Deus.Mudou-se para Haifa e viveu, como um firme devoto, perto doHazíratu’l Quds, ao lado do Santuário Sagrado no MonteCarmelo, até o seu suspiro final, quando lhe sobreveio a morte,tendo sido enrolado e guardado o tapete de sua vida terrena.

Page 157: Tributo aos Fiéis

139

TRIBUTO AOS FIÉIS

Esse homem foi um servo sincero do Limiar, um bom amigopara os devotos. Todos estavam felizes com ele, neleencontrando um excelente companheiro, gentil e suave. QueDeus o socorra em Seu Reino exaltado, e lhe conceda um larno Reino de Abhá, e lhe envie abundante graça dos jardins doParaíso – o lugar do encontro, o lugar da contemplação místicade Deus. O pó de seus restos mortais, perfumado como o âmbar,está em Haifa.

[54] HÁJÍ ÁQÁY-I-TABRÍZÍ

Cedo em sua juventude, esse homem espiritualizado, oriundode Tabríz, intuíra o conhecimento místico e bebera doestonteante vinho de Deus, tendo, nos anos de idade avançada,se conservado firme na Fé como sempre fora.

Morou por algum tempo no Azerbaijão, enamorado doSenhor. Quando se tornou conhecido nas redondezas comoalguém que dava testemunho do nome de Deus, o povoarruinou-lhe a vida. Seus parentes e amigos voltaram-se contraele, encontrando, a cada dia, uma nova desculpa para persegui-lo. Finalmente, ele desmontou a casa, deu tudo à família e fugiupara Adrianópolis. Lá chegou no final do período deAdrianópolis, e foi aprisionado pelos opressores.

Junto conosco, que perambulávamos, sem pátria, e sob aproteção da Antiga Beleza, veio à Maior Prisão. Era umconfidente e companheiro, compartilhando conosco ascalamidades e atribulações, sempre humilde e suportandosofrimentos. Mais tarde, após haverem abrandado um pouco as

Page 158: Tributo aos Fiéis

140

‘ABDU’L-BAHÁ

restrições, ele dedicou-se ao comércio, e pelas graças deBahá’u’lláh, sentiu-se confortável e em paz. Mas seu corpo sedebilitara por causa das provações anteriores e de todo osofrimento que lhe sucedera; suas faculdades deterioravam-se,até que finalmente ele adoeceu gravemente, sem esperanças decura. Não muito longe de Bahá’u’lláh, na sombra de Suaproteção, ele apressou-se em deixar esse mundo insignificanterumo aos altos Paraísos, rumando desse lugar sombrio para aterra das luzes. Possa Deus imergi-lo nas águas do perdão; que ofaça entrar nos jardins do Paraíso, e lá o mantenha a salvo paratodo o sempre. O pó dos seus puros restos mortais repousa em‘Akká.

[55] QULÁM-‘ALÍY-I-NAJJÁR

Esse homem, carpinteiro e artesão, era oriundo de Káshán.Em matéria de fé e de certeza, era como uma espadadesembainhada. Era conhecido em sua cidade como um homemcorreto, verdadeiro e digno de confiança. Tinha o espíritoelevado, era abstêmio e casto. Quando se tornou um devoto,seu ansioso desejo de ir ao encontro de Bahá’u’lláh eraincontrolável. Cheio de amor exultante, ele deixou a terra deKáf (Káshán) e viajou para o Iraque, onde contemplou oesplendor do Sol nascente.

Era um homem suave, paciente, tranqüilo, contrito. EmBagdá, trabalhava em seus artesanatos, sempre em contato comos amigos e apoiado pela presença de Bahá’u’lláh. Por algumtempo, viveu em completa paz e felicidade. Então, aqueles que

Page 159: Tributo aos Fiéis

141

TRIBUTO AOS FIÉIS

haviam sido aprisionados foram enviados para Mosul, e eleestava entre as vítimas, e como todos, exposto à ira dosopressores. Foi mantido no cativeiro por muito tempo, e quandoposto em liberdade, dirigiu-se a ‘Akká. Aqui também era amigodos prisioneiros e na Fortaleza continuou a praticar essa suahabilidade. Como sempre, era inclinado à solidão, apto a viverlonge de amigos ou estranhos, e passava sozinho a maior partedo tempo.

Então, a provação suprema, a grande desolação, abateu-sesobre nós. Qulám-‘Alí encarregou-se dos trabalhos de carpintariado Túmulo Sagrado, pondo em prática todas as suas indubitáveishabilidades. Até hoje, o telhado de vidro que cobre o pátiointerno do Santuário de Bahá’u’lláh lá permanece, sendo umproduto de sua arte. Era um homem de coração transparentecomo um cristal. Seu semblante brilhava; sua disposição erasempre a mesma; em nenhum momento mostrava-se inconstanteou instável. Foi firme, amoroso e sincero até o último suspiro.

Após alguns anos nessa vizinhança, ele ascendeu às cercaniasda envolvente misericórdia de Deus, e tornou-se um amigodaqueles que moram nos altos Paraísos. Teve a honra de avistar-se com Bahá’u’lláh em ambos os mundos. É esse o mais preciosoprivilégio, o mais caro de todos os presentes. Receba ele,saudações e louvor. Seu túmulo brilhante está em ‘Akká.

Page 160: Tributo aos Fiéis

142

‘ABDU’L-BAHÁ

[56] JINÁB-I-MUNÍB, QUE SOBRE ELE ESTEJA A GLÓRIA

DO TODO-GLORIOSO

Seu nome era Mírzá Áqá e ele era o próprio espírito. Eraoriundo de Káshán. Nos dias do Báb, fora atraído pelas suavesfragrâncias de Deus; foi nesse momento que ardeu em chamas.Era um ótimo jovem, belo, cheio de charme e graça. Era uminigualável calígrafo, um poeta, dono ademais de uma notávelvoz. Era sábio e perceptivo; firme na fé de Deus; uma chama doamor Divino, desapegado de tudo, salvo de Deus.

Durante os anos em que Bahá’u’lláh residiu no Iraque, Jináb-i-Muníb deixou Kashán e apressou-se à Sua presença. Foi viverem uma casa pequena e humilde, conseguindo sobreviver comdificuldade, e pôs-se a escrever as palavras de Deus. Em seusemblante estavam claramente refletidas as graças concedidaspela Manifestação. Nesse mundo mortal, ele só tinha uma coisa:sua filha, a quem ele havia deixado na Pérsia, ao partirapressadamente do Iraque. No momento em que, com todapompa e cerimônia, Bahá’u’lláh e Seu séqüito partiam de Bagdá,Jináb-i-Muníb acompanhou o grupo a pé. Esse jovem ficaraconhecido na Pérsia por sua vida confortável e agradável e peloamor ao prazer; e também por ter uma constituição um poucofrágil e delicada, e por estar acostumado a fazer o que bem queria.Não é difícil imaginar o que uma pessoa desse tipo suportou,caminhando de Bagdá até Constantinopla. Mesmo assim,alegremente ia contando as milhas do deserto, e passava os diase noites entoando orações, comungando com Deus e invocandoSeu nome.

Page 161: Tributo aos Fiéis

143

TRIBUTO AOS FIÉIS

Foi meu bom companheiro naquela viagem. Havia noitesem que caminhávamos, cada um num dos lados do howdah86

de Bahá’u’lláh, e a alegria que experimentávamos eraindescritível. Em algumas dessas noites ele entoava poemas;entre estes entoava as odes de Háfiz, como a que assim se inicia:“Venham, vamos espalhar estas rosas, vamos servir este vinho,”87

e ainda aquele outro:

Embora curvando os joelhos para o nosso Rei,somos reis da estrela da manhã.Não somos feitos de cores cambiantes;Leões vermelhos, dragões negros, é o que somos!

À época de Sua partida para Constantinopla, a AbençoadaBeleza orientou Jináb-i-Muníb a retornar à Pérsia e propagar aFé. Conseqüentemente, ele para lá voltou, e durante muitotempo prestou importantes serviços à Fé, especialmente emTeerã. Então veio mais uma vez da Pérsia a Adrianópolis,apresentando-se a Bahá’u’lláh, desfrutando do privilégio deservi-Lo. Quando ocorreu a maior catástrofe, isto é, o exíliopara ‘Akká, foi ele aprisionado e nesse Caminho viajou, agora,frágil e doente, com o grupo de Bahá’u’lláh.

Havia sido vitimado por uma grave moléstia e estavadeploravelmente enfraquecido. Entretanto, não concordava empermanecer em Adrianópolis, onde poderia receber tratamento,porque queria sacrificar a sua vida e cair aos pés de seu Senhor.Seguimos viagem até que alcançamos a costa. Ele estava agoratão fraco que eram necessários três homens para carregá-lo paradentro do barco. Já a bordo, seu estado piorou tanto que o

86 Um howdah é um assento que se coloca sobre o lombo de um elefante. N.T.I.87 O verso prossegue: “Vamos romper o teto do Paraíso e esboçar um novo desenho.” N.T.I.

Page 162: Tributo aos Fiéis

144

‘ABDU’L-BAHÁ

capitão insistiu que o tirássemos do navio, mas por causa denossos insistentes pedidos ele esperou, até que chegamos aEsmirna. Em Esmirna, o capitão dirigiu-se ao coronel ‘UmarBayk, o agente do governo que nos acompanhava, e disse-lhe:

–– Se não o desembarcares, eu o farei pela força, porque onavio não pode aceitar passageiros nestas condições.

Fomos obrigados, então, a levar Jináb-i-Muníb ao hospitalem Esmirna. Fraco como se encontrava, incapaz de murmuraruma palavra sequer, ele arrastou-se até Bahá’u’lláh, prostrou-seaos Seus pés, e chorou. Havia também dor intensa no semblantede Bahá’u’lláh.

Carregamos Jináb-i-Muníb até o hospital, mas os funcionáriosnão nos deixaram ficar mais do que uma hora. Nós o colocamosna cama; deitamos sua bela cabeça sobre o travesseiro; oabraçamos e beijamos muita vezes. Então, eles nos forçaram asair. Está claro como nos sentimos. Sempre que penso naquelemomento, as lágrimas me vêm; meu coração pesa e busco reuniras lembranças de quem ele era. Um grande homem;infinitamente sábio, firme, modesto e sério; e não havia outrocomo ele na fé e na certeza. Nele, estavam juntas as perfeiçõesinternas e externas, espirituais e físicas. Por isso lhe seria dadoreceber infinitas bênçãos e graças.

Seu túmulo fica em Esmirna, mas está isolado e deserto.Sempre que possível, os amigos deverão procurá-lo, e aquelepó negligenciado deverá ser transformado em um santuáriofreqüentado, de maneira que os peregrinos que o visitarempossam respirar a doce fragrância de seu último lugar de repouso.

Page 163: Tributo aos Fiéis

145

TRIBUTO AOS FIÉIS

[57] MÍRZÁ MUSTAFÁ NARÁQÍ

Entre o grupo de almas puras e boas estava Mírzá MustafáNaráqí, importante cidadão de Naráq e um dos primeirosdevotos. Seu semblante brilhava com o amor de Deus. Suamente estava voltada para as anêmonas dos significados místicos,bela como prados e canteiros de flores.

Foi nos dias do Báb que ele pela primeira vez levou aos lábiosa taça intoxicante da verdade espiritual, e sua mente estavatomada por um estranho tumulto, um vigoroso anelo de seucoração. No caminho de Deus ele renunciou a tudo que possuía;abriu mão de tudo, deixou sua casa, sua família, seu bem-estarfísico, sua paz de espírito. Como um peixe na areia, lutava paraalcançar a água da vida. Veio ao Iraque, reuniu-se aos amigosde sua alma, e apresentou-se diante de Bahá’u’lláh. Por algumtempo viveu ali, feliz e contente, recebendo infinitas bênçãos.Então, foi enviado de volta à Pérsia, onde serviu à Fé ao máximode sua capacidade. Era um homem íntegro e talentoso, firme,solidamente enraizado como as montanhas, sério e digno deconfiança. Para ele, em meio a todo aquele tumulto e pânico,os uivos dos cães selvagens não passavam de zumbidos dasmoscas; os testes e provações repousavam a sua mente; quandolançado ao mar de aflições que irrompeu-se, provou ser feito deouro faiscante.

No dia em que o séqüito de Bahá’u’lláh partia deConstantinopla rumo a Adrianópolis, Mírzá Mustafá chegouda Pérsia. Não havia oportunidade para que ele alcançasse

Page 164: Tributo aos Fiéis

146

‘ABDU’L-BAHÁ

Bahá’u’lláh, exceto uma; portanto foi orientado a retornar paraa Pérsia. Naquele momento, teve a honra de ser recebido.

Quando Mírzá Mustafá chegou ao Azerbaijão, começou apropagar a Fé. Dia e noite permanecia em estado de oração, eali em Tabríz sorveu da taça transbordante. Seu fervor cresceue seu ensino causou um tumulto. Então, o eminente erudito, orenomado Shaykh Ahmad-i-Khurásání, veio ao Azerbaijão eos dois juntaram forças. O resultado foi um fogo espiritual tãoavassalador que ensinaram a Fé publicamente e abertamente eo povo de Tabríz levantou-se irado.

Os “farráshes” os caçaram, e pegaram Mírzá Mustafá.Entretanto, os opressores disseram:

–– Mírzá Mustafá tinha dois longos cachos de cabelo. Essenão pode ser o homem certo.

Imediatamente, Mírzá Mustafá tirou o chapéu deixando quecaíssem os cachos.

–– Vejam! – disse-lhes. Sou eu o homem!Foi aprisionado ali mesmo. Torturaram-no e ao Shaykh

Ahmad, até que, finalmente, em Tabríz, esses dois grandeshomens esvaziaram a taça da morte e, martirizados, apressaram-se ao Horizonte Supremo.

No lugar onde seriam executados, Mírzá Mustafá gritou:–– Mata-me primeiro, mata-me antes do Shaykh Ahmad,

para que eu não o veja derramar seu sangue!Sua grandeza foi registrada para todo o sempre nas Escrituras

de Bahá’u’lláh. Receberam eles muitas de Suas Epístolas, edepois de sua morte, Ele descreveu, com Sua pena exaltada, aangústia que suportaram nesta vida.

Desde a juventude até a velhice esse homem ilustre, MírzáMustafá, devotou toda sua vida ao serviço no caminho de Deus.Hoje mora no Domínio todo-glorioso, nas proximidades dainefável misericórdia de Deus, e ele se alegra com imensa

Page 165: Tributo aos Fiéis

147

TRIBUTO AOS FIÉIS

felicidade, e celebra o louvor de Seu Senhor. Que recebabênçãos, e uma formosa morada.88 Que a ele sejam levadas novasde grande alegria, do Senhor dos Senhores. Que Deus lheconceda uma exaltada posição naquela elevada Assembléia.

[58] ZAYNU’L-MUQARRIBÍN

Esse homem ilustre foi um dos maiores entre os companheirosdo Báb e entre os amados de Bahá’u’lláh. Enquanto vivia comomuçulmano, já era afamado por sua pureza e pela santidade dasua vida. Era talentoso e dono de muitos dons, em vários aspectos.Era líder e o exemplo espiritual para toda a população de Najaf-Ábád, e as pessoas eminentes daquela área demonstravam-lheilimitado respeito. Quando falava, sempre lhe cabia a opiniãodecisiva; quando emitia algum julgamento, esse eraimplementado; era conhecido por todos como o padrão e aautoridade de última instância.

Logo que ouviu falar da Declaração do Báb, bradou do fundodo coração: “Ó, nosso Senhor! Realmente ouvimos a vozdAquele que chamou. Ele nos chamou para a Fé – ‘Crê tu emteu Senhor’ – e cremos.”89 Livrou-se de todos os véus que lhevelavam a vista; suas dúvidas se desfizeram; e ele começou aexortar e glorificar a Beleza prometida de outrora. Em seu própriolar, em Isfáhán, tornou-se famoso por declarar para todos osventos que o advento dAquele há muito desejado haviaocorrido. Para os hipócritas, era alvo de zombarias, amaldiçoadoe atormentado. Quanto ao povo, “a massa, como uma serpente

88 Cf. Alcorão 13:28.89 Cf. Alcorão 13:28; Alcorão 3:190.

Page 166: Tributo aos Fiéis

148

‘ABDU’L-BAHÁ

na grama”, que antes o adorara, agora se levantava para fazer-lhe mal. Cada dia trazia uma nova crueldade, um novo tormentode seus opressores. Suportou tudo, e continuou a ensinar comgrande eloqüência. Permanecia firme, impassível, enquanto aira dos perseguidores crescia. Em suas mãos oferecia uma taçacheia das boas-novas Divinas, oferecendo a todos os que seaproximavam aquela intoxicante bebida do conhecimento deDeus. Não tinha medo algum, não se incomodava com o perigo,e velozmente seguia o sagrado caminho de Deus.

Após o atentado contra a vida do Xá, entretanto, não haviaabrigo em lugar algum; não havia noite ou manhã sem afliçãointensa. E como sua permanência em Najaf-Ábád, em talmomento, implicava em grande perigo para os devotos, eledeixou aquele lugar e partiu para o Iraque. Foi durante o períodoem que a Abençoada Beleza estava no Curdistão, quando haviase retirado para a caverna de Sar-Galú, que Jináb-i-Zayn chegouem Bagdá. Suas esperanças foram frustradas, seu coração estavaaflito, pois tudo era silêncio: não se falava da Causa de Deus,não se referiam a ela e nem era afamada; não havia reuniões, etampouco se levantava o Chamado. Yahyá, tomado de terror,havia desaparecido, refugiando-se em algum escuro esconderijo.Torpe e fraco, tornara-se invisível. Embora procurasse muito,Jináb-i-Zayn não encontrou uma só alma. Encontrou-se umaúnica vez com sua eminência, o Kalím. Mas foi um períododurante o qual grandes precauções estavam sendo adotadaspelos devotos, e ele prosseguiu em seu caminho para Karbilá.Lá ele passou algum tempo, ocupando-se em copiar as Escrituras,após o que, retornou para sua casa em Najaf-Ábád. Ali as cruéisperseguições e ataques de seus incansáveis inimigos eraminsuportáveis.

Page 167: Tributo aos Fiéis

149

TRIBUTO AOS FIÉIS

Todavia, quando a Trombeta soou pela segunda vez90, a vidalhe foi devolvida. Às novas do advento de Bahá’u’lláh, suaalma respondeu; ao rufar dos tambores: “Não sou o Teu Senhor?”Seu coração batia em resposta: “Sim, verdadeiramente!”91

Eloqüentemente, ele ensinou de novo, utilizando provas tantohistóricas como racionais para mostrar que Aquele que Deustornará Manifesto – o Prometido do Báb – havia realmenteaparecido. Ele era como água refrescante para os sedentos, epara os que buscavam, uma resposta clara da Assembléia doAlto. Em seus escritos e suas palavras era o primeiro entre oscorretos, em suas explicações e comentários, um poderoso sinalde Deus.

Na Pérsia, sua vida corria perigo iminente, e como a suapermanência em Najaf-Ábád teria provocado os agitadores ecausado tumulto, ele se apressou a Adrianópolis, buscandorefúgio com Deus e bradando, enquanto avançava: “Senhor,Senhor, eis-me aqui!” Vestido com o traje do amante daperegrinação, ele alcançou a Meca de seus desejos. Por algumtempo lá permaneceu, na presença de Bahá’u’lláh, depois doque recebeu ordens para partir com Jináb-i-Mírzá Já’far-i-Yazdí,e disseminar a Fé. Voltou à Pérsia e começou a ensinareloqüentemente, de modo que as boas-novas do advento doSenhor ressoaram nos altos céus. Em companhia de Mírzá Ja’farele viajou por todos os lados, atravessando cidades quedesabrochavam e outras arruinadas, disseminando as boas-novasde que a Abençoada Beleza estava agora manifesta.

Mais uma vez retornou ao Iraque, onde era o centro de todasas reuniões, e alegrava os seus ouvintes. Em todos os momentosdeu sábios conselhos; em todos os momentos era consumidopelo amor a Deus.90 Cf. Alcorão 39:68.91 Cf. Alcorão 7:171.

Page 168: Tributo aos Fiéis

150

‘ABDU’L-BAHÁ

Quando os devotos foram aprisionados no Iraque e banidospara Mosul, Jináb-i-Zayn tornou-se seu líder. Permaneceu poralgum tempo em Mosul, sendo um consolo para os demais,trabalhando para solucionar os seus inúmeros problemas.Despertava o amor no coração das pessoas, tornando-osbondosos uns para com os outros. Mais tarde, solicitou permissãopara servir a Bahá’u’lláh. Quando recebeu a autorização, chegouà Prisão e teve a honra de apresentar-se a seu Bem-Amado.Dedicou-se então a escrever os versos sagrados e a estimular osamigos. Era o próprio amor para os emigrantes, e aquecia oscorações dos viajantes. Jamais descansava por um minuto sequer,e recebia novas graças e bênçãos todos os dias, enquantoanotava as Escrituras Bahá’ís com escrupuloso cuidado.

Desde a sua juventude até o seu último suspiro, esse homememinente jamais falhou no serviço à Manifestação. Após aAscensão, foi consumido por tal tristeza, por tantas e tãoconstantes lágrimas e tal angústia, que com o passar dos dias,ele definhou. Permaneceu fiel ao Convênio, e foi um íntimocompanheiro desse servo da Luz do Mundo, mas desejava retirar-se dessa vida, e aguardava a sua partida a cada dia. Finalmente,sereno e feliz, alegrando-se pelas novas do Reino, ele ascendeuàquela terra misteriosa. Lá foi libertado de toda tristeza, e nolugar da reunião dos esplendores, foi imerso em luz.

Com ele estejam saudações e louvor do Reino luminoso, e aglória do Todo-Glorioso da Assembléia no Alto. Grande sejasua alegria de estar naquele Reino eterno. Que Deus lhe concedauma exaltada posição no Paraíso de Abhá.

Page 169: Tributo aos Fiéis

151

TRIBUTO AOS FIÉIS

[59] ‘AZÍM-I-TAFRÍSHÍ

Esse homem de Deus veio do distrito de Tafrísh. Eradesapegado do mundo, destemido, independente tanto deamigos como de estranhos. Foi um dos primeiros devotos, epertencia ao grupo dos leais. Foi na Pérsia que foi agraciadocom a honra do dom da fé, e começou a dar assistência aosamigos; era um servo para todos os devotos, e um ajudantefidedigno para todo viajante. Com Músáy-i-Qumí, sobre eleesteja a glória de Deus, ele veio ao Iraque, recebeu seu quinhãode bênçãos da Luz do Mundo, e teve a honra de apresentar-se aBahá’u’lláh, a Ele servindo e tornando-se objeto de benefíciose graças.

Depois de algum tempo, ‘Azím e Hájí Mírzá Músá voltarampara a Pérsia, onde continuaram a prestar serviços aos amigos,exclusivamente pelo amor de Deus. Sem salário ouremuneração, ele serviu a Mírzá Nasru’lláh de Tafrísh por umcerto número de anos, sua fé e certeza crescendo a cada dia.Mírzá Nasru’lláh, então, deixou a Pérsia rumo a Adrianópolis,e em sua companhia veio Jináb-i-‘Azím, e apresentou-se aBahá’u’lláh. Continuou servindo com amor e lealdade,puramente por amor a Deus, e quando a comitiva partiu deÁkká, ‘Azím recebeu a distinção de acompanhar Bahá’u’lláh,e entrou na Maior Prisão.

Na prisão foi escolhido para servir à Residência; tornou-secarregador de água tanto no interior da casa como fora dela.Levou a cabo muitas tarefas difíceis nos alojamentos. Não tinhaqualquer descanso, nem de dia e nem de noite. ‘Azím, “o grande,

Page 170: Tributo aos Fiéis

152

‘ABDU’L-BAHÁ

o magnífico” – era magnífico no que dizia respeito ao caráter.Era paciente, suportava os sofrimentos, resignado, evitando asmáculas desta terra. E como era o carregador de água da família,teve a honra de apresentar-se perante Bahá’u’lláh todos os dias.

Era um bom companheiro para todos os amigos, um consolopara seus corações; trouxe alegria a todos, tanto aos presentescomo aos ausentes. Muitas e muitas vezes, Bahá’u’lláh foi ouvidoa expressar a Sua aprovação desse homem. Ele sempre mantevea mesma condição interior: era constante e nunca sujeito amudanças. Tinha sempre uma fisionomia alegre. Não conheciao cansaço. Nunca desanimou. Quando qualquer pessoa lhepedia um serviço, ele o realizava imediatamente. Era firme esólido em sua fé, uma árvore a crescer no jardim perfumado daternura Divina.

Depois de servir no Sagrado Limiar por muitos e longos anos,ele apressou-se, tranqüilo e sereno, alegrando-se com as boas-novas do Reino, para longe dessa vida evanescente rumo aomundo imortal. Todos os amigos lamentaram seu falecimento,mas a Abençoada Beleza tranqüilizou seus corações,condescendendo graças e louvores àquele que se fora.

Que a misericórdia do Reino da compaixão Divina estejacom ‘Azím; que a glória de Deus esteja sobre ele, à noite e aoalvorecer.

[60] MÍRZÁ JÁ’FAR-I-YAZDÍ

Esse cavaleiro dos campos de batalha era um dos maiseruditos, dos que buscavam a verdade e bem versado em muitas

Page 171: Tributo aos Fiéis

153

TRIBUTO AOS FIÉIS

esferas do conhecimento. Durante muito tempo esteve emdiferentes escolas, especializando-se nos fundamentos da religiãoe da jurisprudência religiosa, realizando pesquisas em filosofia emetafísica, lógica e história, as ciências contemplativas enarradas.92 Começou, entretanto, a notar que seus companheiroseram arrogantes e vaidosos, e isso o afastou. Foi, então, queouviu o grito da Assembléia Suprema, e sem um só momentode hesitação, levantou a voz e bradou: “Sim, verdadeiramente!”E repetiu as palavras: “ Ó nosso Senhor! Ouvimos a voz quenos chamou. Ele nos chamou para a Fé – ‘Crê em teu Senhor’e nós cremos.”93

Ao ver o grande tumulto e os levantes em Yazd, ele deixou asua terra natal e partiu para Najaf, a cidade nobre. Ali, em nomede sua própria segurança, misturou-se aos estudiosos da religião,tornando-se famoso entre eles pela amplitude de seuconhecimento. Então, ouvindo a voz que vinha de Bagdá, paralá se apressou, mudando a sua maneira de vestir, isto é, passou ausar um chapéu de leigo na cabeça, e foi trabalhar comocarpinteiro para ganhar a vida. Viajou uma vez para Teerã, eno retorno, foi abrigado pela graça de Bahá’u’lláh, sendopaciente e alegre, contente com sua vestimenta de pobreza.Apesar de seus vastos conhecimentos, era humilde, modesto ediscreto. Mantinha-se sempre em silêncio, e era uma boacompanhia para qualquer tipo de homem.

Durante a viagem do Iraque para Constantinopla, MírzáJá’far fazia parte da comitiva de Bahá’u’lláh, e era companheirodeste servo no atendimento às necessidades dos amigos. Quandochegávamos a uma parada, os devotos, exaustos pelas longashoras de viagem, descansavam ou dormiam, enquanto Mírzá

92 Manqúl va ma’qúl: conhecimento “deduzido” versus conhecimento “idealizado”.93 Alcorão 3:190.

Page 172: Tributo aos Fiéis

154

‘ABDU’L-BAHÁ

Já’far e eu íamos aqui e ali pelos vilarejos próximos em busca deaveia, palha e outras provisões para a caravana.94 Como houveuma grande escassez de alimentos naquela região, acontecia àsvezes de ficarmos perambulando de aldeia em aldeia desde omeio-dia até a noite para conseguir somente metade donecessário. Da melhor maneira que podíamos, comprávamos oque estivesse disponível, para então retornarmos ao comboio.Mírzá Já’far era paciente e resignado, um fiel servidor ao SagradoLimiar. Era servo de todos os amigos, e trabalhava dia e noite.Era um homem tranqüilo, de poucas palavras, para todas ascoisas apoiava-se inteiramente em Deus. Continuou a servirem Adrianópolis até a ocasião do banimento para ‘Akká,quando, também, ele caiu prisioneiro. Era grato por isso, econtinuamente oferecia agradecimentos, dizendo: “Deus sejalouvado! Estou na Arca carregada!” 95 A Prisão era para ele umjardim de rosas, e sua cela estreita, um lugar amplo e perfumado.Enquanto estávamos na fortaleza, ele caiu gravemente doentee ficou cofinado à cama. Seu estado de saúde passou por muitascomplicações, até que o médico finalmente desistiu dele e nãomais o visitou. Então, o enfermo deu seu último suspiro. MírzáÁqá Ján correu para Bahá’u’lláh, para dar a notícia da morte.Não apenas havia o paciente cessado de respirar, como o corpoperdera todas as forças. Sua família estava reunida à sua volta,lamentando e vertendo lágrimas amargas. A Abençoada Belezame disse:

–– Vá, entoe a oração de Yá Sháfí – Ó Tu, O que cura – e MírzáJá’far reviverá. Muito rapidamente, ele estará bem como sempre.94 Bahá’u’lláh estava acompanhado por membros de Sua família e vinte e seis discípulos.A comitiva incluía uma guarda montada de dez soldados com um oficial, uma fila decinqüenta mulas, e sete pares de howdahs, cada par coberto por quatro guarda-sóis. Aviagem para Constantinopla durou de 3 de maio a 16 de agosto de 1863. Cf. APresença de Deus, p. 221.95 Alcorão 26: 119; 36:41.

Page 173: Tributo aos Fiéis

155

TRIBUTO AOS FIÉIS

Cheguei à sua cabeceira. Seu corpo estava frio e todos ossinais da morte estavam presentes. Vagarosamente, ele começoua se mexer; logo podia mover os membros, e antes que se passasseuma hora levantou a cabeça, sentou-se e começou a rir e acontar anedotas.

Viveu por muito tempo depois disso, sempre ocupadoservindo os amigos. Servir era um motivo de orgulho para ele;para todos era um servo. Era sempre modesto e humilde,invocando a Deus, e no mais alto grau, cheio de esperança e fé.Finalmente, enquanto ainda na Maior Prisão, ele abandonouessa vida terrena e alçou vôo para a vida do além.

Saudações e louvor estejam sobre ele; sobre ele esteja a glóriado Todo-Glorioso, e os olhares favoráveis do Senhor. Seutúmulo luminoso está em ‘Akká.

[61] HUSAYN-ÁQÁY-I-TABRÍZÍ

Esse homem, próximo do Limiar Divino, era o respeitávelfilho de ‘Alí-‘Askar-i-Tabrízí. Cheio de ansioso amor, veio comseu pai de Tabríz a Adrianópolis, e por sua própria vontadeprosseguiu com alegria e esperança para a Maior Prisão. Desdeo dia de sua chegada à fortaleza de ‘Akká, ele se encarregou doserviço do café, e servia aos amigos. Esse homem cheio dequalidades era tão paciente, tão dócil, que durante um períodode mais de quarenta anos, apesar de extremas dificuldades (poisdia e noite, amigos e estranhos comprimiam-se nas portas), eleservia a cada um dos que vinham, a todos ajudando fielmente.Durante todo aquele tempo Husayn-Áqá nunca ofendeu a

Page 174: Tributo aos Fiéis

156

‘ABDU’L-BAHÁ

nenhuma alma, nem qualquer pessoa deixou escapar qualquerreclamação em relação a ele. Era um verdadeiro milagre, eninguém mais poderia ter estabelecido um melhor registro dededicação. Estava sempre sorrindo, atento às tarefas que lheeram atribuídas, conhecido como um homem em quem se podiaconfiar. Era firme na Causa de Deus, com orgulho disto efidedigno; em tempos de calamidade era paciente e resignado.

Após a ascensão de Bahá’u’lláh, ergueram-se os fogos dostestes e um turbilhão de transgressões golpeou o edifício daCausa. Esse devoto, apesar de um estreito vínculo de parentescocom os infiéis, permaneceu leal, demonstrando tal força e firmezaque manifestou as palavras: “Na Causa de Deus, à censura doque censura, ele não temerá.”96 Nem por um momento hesitou,ou vacilou em sua fé, mas manteve-se firme como umamontanha, orgulhoso como uma cidadela inexpugnável, eprofundamente enraizado.

Os rompedores do Convênio levaram sua mãe à casa deles,pois lá se encontrava sua filha. Fizeram tudo o que puderampara enfraquecer a sua fé. A um ponto inimaginável, cumularam-na de favores, encheram-na de gentilezas, escondendo o fatode haverem violado o Convênio. Finalmente, entretanto,aquela respeitável serva de Bahá’u’lláh detectou o odor daviolação, quando, então, ela imediatamente deixou a Mansãode Bahjí e apressou-se a ‘Akká.

–– Sou a serva da Abençoada Beleza – disse – e leal a SeuConvênio e Testamento. Mesmo que meu genro fosse umpríncipe do reino, que vantagem teria eu? Não me ganharãopor parentesco e demonstrações de afeição. Não me preocupocom as demonstrações exteriores de amizade daqueles que são aincorporação do desejo egoísta. Apoio o Convênio e

96 Cf, Alcorão 5:59.

Page 175: Tributo aos Fiéis

157

TRIBUTO AOS FIÉIS

mantenho-me firme a favor do Testamento.” Ela não consentiuem encontrar-se novamente com os rompedores do Convênio;libertou-se completamente deles, e voltou a face a Deus.

Quanto a Husayn-Áqá, ele nunca se separou deste Servo deBahá (‘Abdu’l-Bahá). Tinha a maior consideração por mim eera meu companheiro constante, e por isso seu falecimento foipara mim um golpe terrível. Ainda hoje, sempre que ele mevem à mente me entristeço e lamento sua perda. Mas Deus sejalouvado, pois esse homem de Deus, nos dias da AbençoadaBeleza, manteve-se sempre em estreita proximidade de SuaResidência, e era objeto de Sua aprovação. Muitas vezes,Bahá’u’lláh foi ouvido comentando que Husayn-Áqá fora criadopara realizar esse serviço.

Depois de quarenta anos de serviço, ele abandonou essemundo passageiro e ascendeu aos domínios de Deus. Saudaçõese louvores estejam com ele, e também a misericórdia de seugeneroso Senhor. Que seu túmulo seja cercado de luzes, jorrandodo exaltado Companheiro. Seu lugar de repouso fica em ‘Akká.

[62] HÁJÍ ‘ALÍ-‘ASKAR-I-TABRÍZÍ

O ilustre ‘Alí-‘Askar era um mercador de Tabríz. Era muitorespeitado no Azerbaijão por todos aqueles que o conheciam, ereconhecido pela devoção e fidedignidade, pela piedade egrande fé. O povo de Tabríz, sem exceção alguma, reconheciaa sua excelência e louvava seu caráter e modo de vida, suasqualidades e talentos. Fora um dos primeiros devotos, e um dosmais notáveis.

Page 176: Tributo aos Fiéis

158

‘ABDU’L-BAHÁ

Quando a Trombeta soou pela primeira vez, ele perdeu ossentidos, e ao segundo estrondo, foi acordado para uma novavida.97 Tornou-se uma vela queimando pelo amor a Deus, umaárvore do bem nos jardins de Abhá. Guiou toda sua família,seus outros parentes e seus amigos para a Fé, e prestou muitosserviços com sucesso. Mas, a tirania dos perversos trouxe-o auma angustiante situação, e era acossado por novas aflições todosos dias. Entretanto, ele não cedeu e nem desanimou; aocontrário, sua fé, sua certeza e abnegação aumentaram.Finalmente, não mais pôde suportar sua terra natal.Acompanhado por sua família, chegou a Adrianópolis, e alipassou dias ainda com limitações financeiras, mas contente, comdignidade, paciência, aquiescência e rendendo louvores. Então,partiu à cidade de Jum’ih-Bázár para ganhar a vida. O que tinhaconsigo era uma ninharia, e mesmo assim ladrões o roubaram.Quando o cônsul persa soube disso apresentou um documentoao governo indicando uma enorme soma de dinheiro como ovalor dos bens roubados. Por acaso, os ladrões foram aprisionadose mostraram estar na posse de fundos consideráveis. Decidiu-seentão investigar o caso. O cônsul chamou Hájí ‘Alí-‘Askar edisse-lhe:

–– Esses ladrões são muito ricos. Em meu relatório para ogoverno escrevi que o montante do roubo foi alto. Portanto,você deverá comparecer ao julgamento e testemunhar emconformidade com o que escrevi.

O Hájí respondeu:–– Vossa Excelência Khán, os bens roubados tinham muito

pouco valor. Como posso testemunhar algo que não é verdade?

97 Alcorão 39: 68-69: “E a trombeta soará; e aqueles que estão nos céus e na terraexpirarão, com exceção daqueles que Deus queira conservar. Logo soará pela segundavez e, ei-los ressuscitados, pasmados! E a terra resplandecerá com a luz do seu Senhor...”

Page 177: Tributo aos Fiéis

159

TRIBUTO AOS FIÉIS

Quando me perguntarem, darei os fatos exatamente como são.Isso é o que considero ser meu dever, e somente isso.

— Hájí – disse o cônsul – temos aqui uma oportunidade deouro. Você e eu podemos lucrar com ela. Não deixe que umaoportunidade única como essa lhe escape das mãos.

O Hájí respondeu:–– Khán, como justificar isso perante Deus? Deixa-me. Direi

a verdade e nada mais do que a verdade.O cônsul estava enraivecido. Começou a ameaçar e a

espancar ‘Alí-Askar.–– Queres me fazer passar por mentiroso? – gritou. Queres

fazer de mim um objeto de escárnio? Mandar-te-ei para a prisão;farei com que sejas banido; não te pouparei nenhum tormento.Nesse mesmo instante eu te entregarei à polícia, e direi a elesque és um inimigo do Estado, e que deves ser algemado e levadoà fronteira persa.

O Hájí apenas sorriu.–– Jináb-i-Khán – disse – eu renunciei à minha vida pela

verdade. Nada mais tenho. Estás me dizendo que minta e prestefalso testemunho. Faças de mim o que quiseres; não voltarei ascostas ao que é certo.

Quando o cônsul viu que não havia meios de fazer com que‘Alí-Askar prestasse falso testemunho, disse:

–– É melhor, então, que deixes esse lugar, de modo que eupossa informar o governo que o proprietário da mercadoria nãoestá mais disponível e que partiu. De outra maneira, cairei emdesgraça.

O Hájí retornou a Adrianópolis e nada disse sobre os bensroubados, mas o assunto tornou-se de domínio público e causouconsiderável surpresa.

Aquele velho homem, puro e raro, foi feito prisioneiro emAdrianópolis juntamente com os demais, e acompanhou a

Page 178: Tributo aos Fiéis

160

‘ABDU’L-BAHÁ

Abençoada Beleza para a fortaleza de ‘Akká, a casa-prisão detristezas. Com toda sua família, ele foi aprisionado no caminhode Deus por um período de anos. Estava sempre agradecendo,porquanto a prisão era para ele um palácio e o cativeiro erarazão de alegria. Em todos aqueles anos, dele nunca se ouviraoutras palavras, exceto expressões de gratidão e louvor. Quantomaior era a tirania dos opressores, mais feliz ficava. Muitas vezesouviu-se Bahá’u’lláh falar dele com amorosa bondade, dizendo:“Estou satisfeito com ele.” Esse homem, a personificação doespírito, manteve-se constante, verdadeiro, e feliz até o fim.Passados alguns anos, ele trocou esse mundo do pó pelo Reinoinviolado, deixando influências poderosas.

Via de regra, era um íntimo companheiro deste Servo deBahá (‘Abdu’l-Bahá). Um dia, no início de nosso período naPrisão, me apressei ao local da fortaleza onde ele morava – acela que era seu pobre ninho. Estava ali deitado, com uma febrealta, e delirava. Do seu lado direito jazia sua esposa, tremendocom calafrios. À sua esquerda encontrava-se sua filha, Fátimih,queimando com tifo. Mais além estava seu filho, Husayn-Áqá,vítima da escarlatina; ele havia esquecido o idioma persa, egritava em turco:

–– Minhas entranhas estão queimando!Aos pés do pai jazia a outra filha, profundamente doente, e

junto à parede estava seu irmão, Mashhadí Fattáh, tambémdelirante. Nessas condições, os lábios de ‘Alí-‘Askarmovimentavam-se – enviava agradecimentos a Deus eexpressava alegria.

Louvado seja Deus! Ele faleceu na Maior Prisão, semprepaciente e grato, sempre com dignidade e firme em sua fé. Eleascendeu aos retiros do Senhor compassivo. Sobre ele esteja aglória do Todo-Glorioso; para ele vão saudações e louvor: sobreele estejam a misericórdia e o perdão para todo o sempre.

Page 179: Tributo aos Fiéis

161

TRIBUTO AOS FIÉIS

[63] ÁQÁ ‘ALÍY-I-QAZVÍNÍ

Esse eminente homem tinha altas ambições e objetivos. Eraconstante, leal, e firmemente enraizado em sua fé num grausupremo. Figurava entre os primeiros e maiores dos devotos.Ainda na alvorada do novo Dia de Guia enamorou-se do Bábe começou a ensinar. Desde a manhã até a noite ele trabalhavaem seu ofício, e quase toda noite recebia os amigos para jantar.Dessa forma, sendo anfitrião para os amigos no espírito, ele guioumuitos buscadores para a Fé, atraindo-os com a melodia do amorde Deus. Era surpreendentemente constante, vigoroso eperseverante.

Então, o ar carregado de perfume começou a mover-se dosjardins do Todo-Glorioso, e incendiou-se em conseqüência dachama recentemente ateada. Suas ilusões e fantasias foramqueimadas e ele se levantou para proclamar a Causa deBahá’u’lláh. Todas as noites havia uma reunião, um encontro,que rivalizava com as flores dos canteiros. Eram lidos os versos,entoadas as canções e compartilhada a notícia do maior dosAdventos. Ele passava a maior parte do tempo mostrandobondade igualmente a amigos e estranhos; era um sermagnânimo, de mãos e coração abertos.

Chegou o dia em que partiu para a Maior Prisão, e chegoucom sua família à fortaleza de ‘Akká. Havia sido afligido pormuitas provações durante a viagem, mas o seu desejo de verBahá’u’lláh era tal que a ele as calamidades pareciam fáceis desuportar. Pacientemente procurava um lar no abrigo da graçade Deus.

Page 180: Tributo aos Fiéis

162

‘ABDU’L-BAHÁ

No início, possuía meios e a vida era confortável e agradável.Mais tarde, entretanto, ficou sem nada e sujeito a terríveisprovações. Na maior parte do tempo o seu alimento era pão, enada mais; no lugar de chá, bebia água de um riacho. Aindaassim, permanecia feliz e contente. Sua grande alegria era aperspectiva de chegar à presença de Bahá’u’lláh; a reunião comseu Amado era graça suficiente; seu alimento era contemplar abeleza da Manifestação; seu vinho, estar com Bahá’u’lláh. Estavasempre sorrindo, sempre silente; mas ao mesmo tempo seucoração cantava, pulava e dançava.

Muito freqüentemente, ficava na companhia deste Servode Bahá (‘Abdu’l-Bahá). Era um excelente amigo e camarada,feliz, agradável; estimado por Bahá’u’lláh, respeitado pelosamigos, afastava-se do mundo e confiava em Deus. Não haviahesitação nele; sua condição interna era sempre a mesma:estável, constante e firmemente enraizada como as montanhas.

Sempre que evoco a sua imagem e me lembro daquelapaciência e serenidade, aquela lealdade, aquele contentamento,involuntariamente me descubro pedindo a Deus que derrameas Suas bênçãos sobre Áqá ‘Alí. Provações e calamidadesestavam sempre recaindo sobre aquele estimável homem. Estavasempre doente, continuamente sujeito a inúmeras moléstias. Arazão era que quando ainda na terra natal e servindo a Fé emQazvín, fora preso pelos malevolentes que lhe bateram tãobrutalmente na cabeça que os efeitos perduraram até o momentode sua morte. Eles o maltrataram e o atormentaram de muitasmaneiras e se permitiram infligir-lhe todo tipo de crueldade; noentanto seu único crime fora o de tornar-se um dos devotos, eseu único pecado, ter amado a Deus. Como escreveu o poeta,em linhas que ilustram a angústia de Áqá ‘Alí:

Page 181: Tributo aos Fiéis

163

TRIBUTO AOS FIÉIS

Por corujas o falcão real é cercado.Despedaçam suas asas, embora ele esteja livre de pecado.“Por que” – assim escarnecem – “lembras aindaaquele pulso real, aquele palácio onde estavas?”É um pássaro soberano: esse crime sim, ele cometeu.Com exceção da beleza, qual terá sido o pecado de José?

Resumindo, aquele grande homem passou seu tempo naprisão de ‘Akká, orando, suplicando, voltando a face para Deus.Graça infinita o envolveu; desfrutava dos favores de Bahá’u’lláh,muitas vezes admitido em Sua presença e inundado de infinitasbênçãos. Era essa a sua alegria e seu deleite, sua grande felicidade,seu mais caro desejo.

Então, chegou a hora fixada para ele, o alvorecer de suasesperanças, e veio a sua hora de ascender ao reino invisível.Abrigado sob a proteção de Bahá’u’lláh, ele rapidamenteadiantou-se rumo àquela terra misteriosa. Para ele vão saudaçõese louvor e misericórdia do Senhor desse mundo e do mundovindouro. Que Deus ilumine seu lugar de repouso com raios daAssembléia do Alto.

[64] ÁQÁ MUHAMMAD-BÁQIR E ÁQÁ MUHAMMAD-ISMÁ’ÍL, O ALFAIATE

Estes eram dois irmãos que, no caminho de Deus, cativosjuntamente com os outros, foram aprisionados na fortaleza de

Page 182: Tributo aos Fiéis

164

‘ABDU’L-BAHÁ

‘Akká. Eram irmãos do falecido Pahlaván Ridá. Deixaram aPérsia e emigraram para Adrianópolis, apressando-se para aamorosa bondade de Bahá’u’lláh, e sob a Sua proteção, vierampara ‘Akká.

Pahlaván Ridá – que a misericórdia, as bênçãos e osesplendores de Deus estejam sobre ele; louvor e saudaçõesestejam com ele. Era um homem aparentemente sem instruçãoe sem estudo, mas fez-se comerciante, e como os outros quevieram no início, ele se desfez de tudo pelo amor de Deus,alcançando de uma vez os mais altos níveis de conhecimento.Dos primórdios foi um dos primeiros. Tão eloqüente ficou derepente que o povo de Káshán surpreendeu-se. Por exemplo,esse homem aparentemente sem instrução, dirigiu-se ao HájíMuhammad-Karím Khán em Káshán e propôs a seguintequestão:

–– És o Senhor o Quarto Pilar? Sou um homem sedento daverdade espiritual e anseio por saber sobre o Quarto Pilar.98

Já que um certo número de líderes políticos e espirituaisencontravam-se presentes, o Hájí respondeu:

–– Deus me livre de tal pensamento! Rejeito todos aquelesque me consideram o Quarto Pilar. Jamais fiz tal reivindicação.Quem quer que diga que tenha feito está falando uma inverdade;que a maldição de Deus caia sobre ele!

Alguns dias depois, Pahlaván Ridá mais uma vez procurou oHájí e disse-lhe:

–– Senhor, terminei de ler agora o teu livro Irshádu’l-‘Avam(Guia para o Ignorante); o li do princípio ao fim; nele dizes quetodas as pessoas são obrigadas a conhecer o Quarto Pilar ou o

98 Na terminologia Shaykhí o Quarto Suporte ou Quarto Pilar era o homem perfeitoou canal de graça, que deveria ser sempre buscado. Assim se considerava HájíMuhammad-Karím Khán. Cf. Bahá’u’lláh, Kitáb-i-Íqán (O Livro da Certeza ), p. 114,e ‘Abdu’l-Bahá, A Traveller’s Narrative, p. 4.

Page 183: Tributo aos Fiéis

165

TRIBUTO AOS FIÉIS

Quarto Suporte; na verdade, tu o consideras como umcompanheiro do Senhor da Era.99 Portanto, anseio porreconhecê-lo e vê-lo. Estou certo de que tu estás informadosobre ele. Mostra-o a mim, eu te imploro.

O Hájí ficou enraivecido. Disse:–– O Quarto Pilar não é uma ficção. É um ser perfeitamente

visível para todos. Como eu, ele tem um turbante na cabeça,usa um ‘abá, e leva consigo um bastão.

Pahlaván Ridá lhe sorriu:–– Sem querer ser descortês – disse – há então uma

contradição nos ensinamentos de Vossa Excelência. Primeirovós dizeis uma coisa, depois outra.

Furioso, o Hájí respondeu:–– Estou ocupado agora. Vamos discutir esse assunto uma

outra hora. Hoje peço-lhe que me desculpe.O fato é que Ridá, um homem considerado iletrado, foi capaz,

em um debate, de superar um “Quarto Pilar” tão erudito. Para usar aspalavras de ‘Allámiy-i-Hillí, ele o humilhou com o Quarto Suporte.100

Sempre que aquele corajoso defensor do conhecimentocomeçava a falar, seus ouvintes se maravilhavam; e elecontinuou a ser, até o último suspiro, o protetor e a ajuda paratodos aqueles que buscavam a verdade. Finalmente, ele se tornouamplamente conhecido como bahá’í, transformou-se em umnômade, e ascendeu ao Reino de Abhá.

Quanto a seus dois irmãos – pela graça da Abençoada Beleza– após serem aprisionados pelos tiranos, foram encarcerados naMaior Prisão, onde compartilharam o destino destes errantessem lar. Aqui, durante os primeiros dias em ‘Akká, com total

99 O Prometido décimo-segundo Imám.100 Allámiy-i-Hillí, “o doutor muito erudito”, título do famoso teólogo Shí’ih, Jamálu’d-Dín Hasan ibn-i-Yúsuf ibn-i-‘Alí de Hilla ( 1250-1325 AD).

Page 184: Tributo aos Fiéis

166

‘ABDU’L-BAHÁ

desprendimento, com amor ardente, eles se apressaram rumoaos todo-gloriosos Domínios. Pois, os nossos impiedososopressores, tão logo chegamos, aprisionaram-nos dentro dafortaleza nos alojamentos dos soldados, e trancaram todas assaídas, de maneira que ninguém saía e nem entrava. Naquelaépoca, o ar de ‘Akká era venenoso, e todos os forasteiros, logoapós sua chegada, adoeciam. Muhammad-Báqir e Muhammad-Ismá’íl foram acometidos de uma violenta moléstia e não havianem médico e nem remédios, e essas duas luzes incorporadasmorreram na mesma noite, envolvidos nos braços um do outro.Eles ascenderam ao Reino imortal, deixando os amigos que parasempre lamentaram a sua ausência. Ninguém houve que nãochorasse naquela noite.

Ao amanhecer queríamos levar os corpos santificados. Osopressores nos disseram:

–– Estais proibidos de deixar a fortaleza. Deveis entregar-nos os cadáveres. Nós os lavaremos, vestiremos e osenterraremos. Mas, antes, deveis pagar por esse serviço.

Acontece que não tínhamos qualquer dinheiro. Todavia,Bahá’u’lláh tinha um tapete de oração que estava colocadosob Seus pés. Ele o tomou e disse-me:

–– Vendei-o e dai o dinheiro aos guardas.O tapete de orações foi vendido por 170 piastras101 e aquela

soma foi entregue aos guardas. Mas os dois jamais foram lavadospara o enterro ou envolvidos em mortalhas. Os guardas apenascavaram um buraco na terra e os lançaram ali, da maneira comoestavam, com as roupas que usavam; de maneira que até hojeas suas sepulturas são uma só. Tal como seus corpos que estãojuntos aqui, sob a terra, um envolvendo o outro em um abraçoapertado, estão suas almas no Reino de Abhá.101 O ghurúsh turco ou piastra da época correspondia a quarenta paras, sendo que opara valia um-nono do centavo americano. Esses números são apenas aproximados.

Page 185: Tributo aos Fiéis

167

TRIBUTO AOS FIÉIS

A Abençoada Beleza cumulou de bênçãos esses dois irmãos.Durante a vida haviam sido cercados por Sua graça e favor; namorte foram imortalizados em Suas Epístolas. Seu túmulo estáem ‘Akká. A eles saudações e louvor. Que a glória do Todo-Glorioso esteja sobre eles, e a misericórdia de Deus e Sua bênção.

[65] Abu’l-Qásim de Sultán-Ábád

Outro entre os prisioneiros era Abu’l-Qásim de Sultán-Ábád,o companheiro de viagem de Áqá Faraj. Esses dois eramdespretensiosos, leais e firmes. Uma vez que as suas almas haviamsido revivificadas pelos sopros do Espírito Santo, eles seapressaram a sair da Pérsia rumo a Adrianópolis, pois tal era aimplacável crueldade dos malévolos que não puderam maispermanecer em sua terra natal. A pé, livres de todo vínculo,dirigiram-se às planícies e montanhas, buscando o caminhoatravés das águas e areias dos desertos sem trilhas. Quantas noitesnão puderam dormir, permanecendo ao relento, sem terem ondedescansar a cabeça; sem nada para comer ou beber, sem camaexceto a terra nua, sem alimento exceto as plantas do deserto.De alguma maneira conseguiram arrastar-se até atingirAdrianópolis. Acontece que chegaram nos últimos dias em queestávamos naquela cidade, e foram aprisionados com o resto, ena companhia de Bahá’u’lláh viajaram à Maior Prisão.

Abu’l-Qásim ficou violentamente doente, de tifo. Faleceumais ou menos na mesma época que aqueles dois irmãos, Áqá

Page 186: Tributo aos Fiéis

168

‘ABDU’L-BAHÁ

Muhammad-Báqir e Áqá Muhammad-Ismá’íl. Seu imaculadoresto mortal foi enterrado do lado de fora de ‘Akká. AAbençoada Beleza expressou a Sua aprovação dos seus atos, eos amigos, todos eles, choraram e lamentaram pelas aflições quepassou. Que sobre ele esteja a glória do Todo-Glorioso.

[66] ÁQÁ FARAJ

Em todas essas dificuldades estava Áqá Faraj, o companheirode Abu’l-Qásim. Quando, no Iraque, ouviu pela primeira vez oestrondo causado pelo Advento da Maior Luz, ele estremeceue agitou-se; bateu palmas; gritou de júbilo e apressou-se rumoao Iraque. Tomado de êxtase, apresentou-se ao seu santoSenhor. Foi acolhido pela amorosa fraternidade, eprazerosamente recebeu a honra de assistir a Bahá’u’lláh. Entãoretornou, trazendo boas-novas a Sultán-Ábád.

Ali os malévolos esperavam em tocaia, e tumultosirromperam, tendo resultado que o santo Mullá-Báshí e algunsoutros devotos que não tinham quem os defendesse foram presose condenados à morte. Áqá Faraj e Abu’l-Qásim, que haviamestado escondidos, apressaram-se em tomar o caminho deAdrianópolis para caírem, finalmente, juntamente com osdemais e com seu Bem-Amado, na prisão de ‘Akká.

Áqá Faraj recebeu, então, a honra de servir a Antiga Beleza.Serviu o Sagrado Limiar em todos os momentos, e era umconforto para os amigos. Durante os dias de Bahá’u’lláh eraSeu leal servidor, e um companheiro inseparável para os devotos,e assim continuou após a partida de Bahá’u’lláh – permaneceu

Page 187: Tributo aos Fiéis

169

TRIBUTO AOS FIÉIS

fiel ao Convênio. Nos domínios do serviço era como umapalmeira elevada; um homem nobre, superior, paciente na maisterrível adversidade, contente em todas as condições.

Forte na fé, na devoção, deixou essa vida e voltou a facepara o Reino de Deus, para tornar-se objeto de infinita graça.Que estejam sobre ele o prazer e a misericórdia de Deus em SeuParaíso. E, também, saudações e louvor a ele nas planícies doParaíso.

[67] FÁTIMIH BEGUM,A CONSORTE DO REI DOS MÁRTIRES

Entre as mulheres que deixaram a sua terra natal estava atristonha Fátimih102 Begum, viúva do Rei dos Mártires. Ela erauma folha santa da Árvore de Deus. Desde a sua mais tenrajuventude, fora submetida a incontáveis provações. Primeiro,fora o desastre que colhera seu nobre pai nas redondezas deBadasht, quando, após terríveis sofrimentos, ele faleceu em umcaravanserai no deserto, da maneira mais difícil – sozinho elonge de casa.

A criança ficou órfã de pai e em desespero, até que, pelagraça de Deus, tornou-se esposa do Rei dos Mártires. Mas, comoele era conhecido por toda parte como bahá’í, um apaixonadopor Bahá’u’lláh, um homem aturdido, enlevado, e comoNásiri’d-Dín Sháh tinha sede de sangue, colocou os hostis que

102 A primeira sílaba é a tônica: fá-teh-meh.

Page 188: Tributo aos Fiéis

170

‘ABDU’L-BAHÁ

espreitavam para emboscá-lo. Todos os dias davam informaçõessobre ele e o caluniavam, começando um novo clamor e dandoinício a novas intrigas. Por esse motivo sua família jamais estavacerta, por um momento que fosse, de sua segurança. Viverammomento a momento em angústia, prevendo e temendo a horade seu martírio. Ali estava a família, conhecida como bahá’íem toda parte; seus inimigos, tiranos de coração empedernido;seu governo, inflexível e permanentemente contra eles; e oSoberano reinante, fanático por sangue.

É óbvio que tipo de vida teria uma família assim. Todos osdias havia um novo incidente, mais tumultos, outro alvoroço,e eles não podiam respirar em paz. Então, ele foi martirizado. Ogoverno se mostrou tão brutal e selvagem que toda a raçahumana gritou e estremeceu. Todas as suas propriedades lheforam tomadas e pilhadas, e à sua família faltava até mesmo opão de cada dia.

Fátimih passava as noites chorando; até o romper da alvoradasua única companhia eram as lágrimas. Sempre que contemplavaos filhos ela suspirava, consumindo-se, como uma vela, em dordevoradora. Todavia, ela agradecia a Deus, e dizia:

–– Louvado seja o Senhor, essas agonias, esses destinosdespedaçados são por Bahá’u’lláh, por Sua querida Causa.

Ela relembrava a família indefesa do martirizado Husayn, eas calamidades que tiveram o privilégio de suportar no caminhode Deus. E enquanto refletia sobre esses eventos, seu coraçãosaltava e ela gritava:

–– Louvado seja Deus! Também nós nos tornamoscompanheiros da Família do Profeta.103

Estando a família em tal dificuldade, Bahá’u’lláh orientou-103 Gibbon escreve sobre o martírio do Imám Husayn e do destino de sua família, que“em uma era e clima distantes a trágica cena ... despertará a simpatia do mais frioleitor.”

Page 189: Tributo aos Fiéis

171

TRIBUTO AOS FIÉIS

os a virem para a Maior Prisão de modo que, abrigada nosrecintos das graças abundantes, poderiam ser compensados portudo que havia acontecido. Aqui por algum tempo ela viveu,alegre, grata e louvando a Deus. E embora o filho do Rei dosMártires, Mírzá ‘Abdu’l Husayn, morrera na prisão, ainda assimsua mãe, Fátimih, aceitou esse fato, resignou-se à vontade deDeus, não suspirou ou chorou, e não se enlutou. Nenhumapalavra deixou escapar para expressar a sua dor.

Essa serva de Deus era infinitamente paciente, digna ereservada,e grata em todas as ocasiões. Mas então Bahá’u’lláhdeixou o mundo, e foi essa a aflição suprema, a maior angústia,e ela não mais pôde suportar. O choque e o impacto foram taisque, como um peixe retirado da água, ela contorceu-se no chão,tremeu e agitou-se como se todo o seu ser estremecesse, até queafinal, despediu-se dos filhos e faleceu. Ela ascendeu à sombrada misericórdia divina e foi mergulhada em um oceano de luz.À ela, saudações e louvor, compaixão e glória. Que Deus tornedoce seu lugar de repouso com as chuvas de Sua divinamisericórdia. À sombra da Árvore Divina104, Ele honre a suamorada.

104 O Sadratu’l-Muntahá, traduzido inter alia como a árvore de Sidrah que marca afronteira, e a Árvore de Lotte da extremidade. Cf. Alcorão 53:14. Dizem que ela ficano mais lindo ponto do Paraíso, e marca o lugar além do qual nem homens nem anjospodem passar. Na terminologia bahá’í, ela se refere à Manifestação de Deus.

Page 190: Tributo aos Fiéis

172

‘ABDU’L-BAHÁ

ORAÇÃO REVELADA POR ‘ABDU’L-BAHÁ

À FÁTIMIH BEGUM, A VIÚVA DO REI DOS MÁRTIRES

Ele é Deus!Tu vês, Ó meu Senhor, a assembléia de Teus amados, a

companhia de Teus amigos, reunida nas dependências de TeuSantuário suficiente e nas vizinhanças de Teu exaltado jardim,em um dia entre os dias de Tua Festa do Ridván, aquela horaabençoada de Tua alvorada no mundo, irradiando as luzes deTua santidade; disseminando os brilhantes raios de Tuaunicidade. Partiste de Bagdá com uma majestade e poder queabrangeram toda a humanidade, com uma glória que fez comque todos se prostrassem diante de Ti, todas as cabeças abaixadas,todos os pescoços curvados, e o olhar de todo homem voltadopara baixo. Eles estão voltando o pensamento para Ti e fazendomenção de Ti, seus corações contentes pela luz de Tuas graças,suas almas restauradas pelas evidências de Tuas dádivas,mencionando o Teu louvor, voltando as suas faces em direçãoao Teu Reino, humildemente suplicando aos Teus sublimesDomínios.

Estão reunidos aqui para celebrar Tua santa e brilhante serva,uma folha de Tua verde Árvore do Paraíso, uma realidadeluminosa, uma essência espiritual, que continuamente imploraTua terna compaixão. Ela nasceu nos braços da sabedoriaDivina, e foi amamentada pelo seio da certeza; desabrochou noberço de fé e alegrou-se no peito de Teu amor, Ó misericordioso,Ó Senhor compassivo! Cresceu e tornou-se mulher em umacasa da qual as suaves fragrâncias da unicidade eramdisseminadas. Mas quando ainda era menina, sobreveio-lhe o

Page 191: Tributo aos Fiéis

173

TRIBUTO AOS FIÉIS

infortúnio em Teu caminho, e a desgraça a assolou, Ó Tu queconcedes, e em sua indefesa juventude, por amor à Tua beleza,bebeu dos cálices da tristeza e da dor, Ó Tu que perdoas.

Tu sabes, Ó meu Deus, as calamidades que ela alegrementesuportou em Teu caminho, as provas que enfrentou em Teuamor, com um semblante irradiando deleite. Quantas noites,enquanto outros deitavam em suas camas em suave repouso,estava ela acordada, humildemente suplicando ao Teu Reinocelestial. Quantos dias Teu povo passou em segurança nacidadela de Teu cuidado protetor enquanto o seu coração eraassolado pelo que havia sobrevindo aos seus santos.

Ó meu Senhor, seus dias e anos passaram, e sempre que viaa luz da manhã ela chorava pelas tristezas de Teus servos, equando caíam as sombras da noite, ela chorava e clamava eardia em angústia abrasadora pelo que havia acontecido aosTeus servos. E ela se ergueu com toda a sua força para servir-Te,para implorar o paraíso de Tua misericórdia, e humildementerogar e repousar seu coração em Ti. E apareceu vestida com ovéu da santidade, suas vestes imaculadas pela natureza de Teupovo, e casou-se com Teu servo a quem confiaste Tuas maisricas dádivas, e em quem revelaste as insígnias de Tua infinitamisericórdia, e cuja face, em Teu Reino todo-glorioso, fizestebrilhar com luz imorredoura. Ela se casou com aquele a quemcolocaste na assembléia da reunião, uno com a Assembléia doalto; aquele que fizeste comer de todos os alimentos divinos,aquele sobre quem derramaste as Tuas bênçãos, a quemconcedeste o título: Rei dos Mártires.

E habitou por alguns anos sob a proteção daquela Luzmanifesta, e com toda a alma serviu em Teu Limiar, santa eluminosa; preparando alimentos e um lugar de repouso e camaspara todos os Teus amados que vinham, e não tinha qualqueroutra alegria exceto esta. Era humilde e modesta ante cada uma

Page 192: Tributo aos Fiéis

174

‘ABDU’L-BAHÁ

de Tuas servas, condescendente para com cada uma, servindoa cada uma com todo seu coração, toda sua alma e todo o seuser, tudo por amor à Tua beleza, e procurando ganhar o Teuagrado. Até que sua casa tornou-se conhecida pelo Teu nome,e a fama de seu marido retumbou por toda parte, como aqueleque pertence a Ti, e a Terra de Sád (Isfáhán) estremeceu eexultou de alegria, pelas contínuas bênçãos desse Teu poderosopaladino; e as ervas perfumadas de Teu conhecimento e as rosasde Tua graça começaram a germinar, e uma grande multidão foilevada às águas de Tua mercê.

Então os ignóbeis e ignorantes entre as Tuas criaturaslevantaram-se contra ele, e com tirania e malícia decretaramsua morte; e injustamente, na cruel opressão, derramaram seusangue imaculado. Sob espada brilhante aquela nobrepersonagem bradou a Ti: “Louvado seja Tu, Ó meu Deus, queno Dia Prometido ajudaste-me a alcançar essa graça manifesta;que tingiste o pó com o meu sangue, derramado em Teucaminho, de forma a que ele produza flores escarlates. Tuas sãoa mercê e graça, por me concederes essa dádiva pela qual maisansiei em todo o mundo. Graças sejam dadas a Ti por me haveressocorrido e confirmado, e por me haveres dado de beber dessataça temperada na montanha canforada105, no Dia daManifestação, das mãos dAquele que detém o cálice do martíriona assembléia de deleites. És, verdadeiramente, Aquele cheiode graça, o Generoso, Aquele que concede.”

E depois de matarem-no, invadiram sua casa principesca.Atacaram como lobos à espreita da presa, e tal como leões emcaça, saquearam, pilharam e espoliaram, levando o ricomobiliário, os ornamentos e jóias. Corria ela grave perigo; estavasó, tendo somente os fragmentos de seu coração partido. Esse

105 Alcorão 76:5.

Page 193: Tributo aos Fiéis

175

TRIBUTO AOS FIÉIS

ataque violento teve lugar quando a notícia do martírioespalhou-se, e as crianças choravam com pânico em seuscorações; gemiam e derramavam lágrimas, e os sons dalamentação ergueram-se daquela esplêndida casa, mas não havianinguém que chorasse por eles, ou para apiedar-se deles. Aocontrário, a noite da tirania aprofundou-se sobre eles, e o Infernoflamejante da injustiça inflamou-se, fervendo ainda mais do queantes; não havia tormento ou agonia que os malévolos nãolhes infligissem. E essa folha sagrada permaneceu, ela e suafamília, na mãos dos opressores, enfrentando a malícia dosnegligentes, sem ninguém para ser o seu escudo.

E os dias passavam, quando as lágrimas eram sua únicacompanhia, e os gritos, seus camaradas; a angústia era suacompanheira, e nenhum outro amigo tinha, exceto a dor. E,ainda assim, nesses sofrimentos, ó meu Senhor, ela jamais cessoude Te amar; jamais Te abandonou, ó meu Bem-Amado, nessasabrasadoras provações. Embora viessem calamidades, uma apósa outra, embora as atribulações a circundassem, tudo elasuportou, para ela eram Tuas dádivas e favores, e em toda a suatremenda agonia – ó Tu, Senhor dos mais belos nomes – o Teulouvor estava em seus lábios.

Então, ela abandonou a sua terra natal, seu repouso, refúgioe abrigo, e tomando dos pequenos, como os pássaros ela vooupara essa Terra santa e radiante – para que ali pudesse fazer oseu ninho e cantar o Teu louvor como o fazem os pássaros, eocupar-se de Teu amor com todos os seus poderes, e servir-Tecom todo o seu ser, toda sua alma e seu coração. Era modestaperante todas as Tuas servas, humilde perante cada folha dojardim de Tua Causa, ocupada com Tua lembrança, desprendidade tudo exceto de Ti.

E seus lamentos elevavam-se ao amanhecer, e os doces sonsque entoava eram ouvidos à noite e à luz do meio-dia, até que

Page 194: Tributo aos Fiéis

176

‘ABDU’L-BAHÁ

retornou a Ti, e alçou vôo rumo ao Teu Reino; buscou o abrigode Teu limiar e ascendeu ao Teu eterno céu. Ó meu Senhor,recompensa-a com a contemplação de Tua beleza, alimenta-a àmesa de Tua eternidade, dá-lhe um lar em Tua proximidade,confirma-a nos jardins de Tua santidade, conforme a Tuavontade e Teu agrado; abençoa sua morada, mantem-na seguraà sombra de Tua árvore do Paraíso; guia-a, Ó Senhor, aospavilhões de Tua divindade, faze-a um de Teus sinais, uma deTuas luzes.

Verdadeiramente, és o Generoso, O que concede graças, Oque perdoa, o Todo-Misericordioso.

Page 195: Tributo aos Fiéis

177

TRIBUTO AOS FIÉIS

[68] SHAMS-I-DUHÁ

Khurshíd Begum, que recebera o título de Shams-i-Duhá106,o Sol da Manhã, era sogra do Rei dos Mártires. Essa eloqüente,ardente serva de Deus era prima, pelo lado paterno, do famosoMuhammad-Báqir de Isfáhán, amplamente celebrado comochefe dos ‘ulamás naquela cidade. Ainda criança perdera ambosos pais, e fora criada pela avó na casa daquele afamado e eruditomujtahid, sendo bem treinada em vários ramos do saber: emteologia, nas ciências e nas artes.

Quando cresceu, casaram-na com Mírzá Hádíy-Nahrí, ecomo ela e seu marido foram fortemente atraídos para osensinamentos místicos daquele grande luminar, o excelente eilustre Siyyid Kázim-i-Rashtí107, partiram para Karbilá,acompanhados pelo irmão de Mírzá Hádí, Mírzá Muhammad-‘Alíy-i-Nahrí.108 Ali costumavam freqüentar as aulas do Siyyid,absorvendo seu conhecimento de tal forma que essa servarecebeu todas as informações sobre assuntos concernentes àteologia, sobre as Escrituras e seus significados profundos.Tiveram um casal de filhos. Ao menino chamaram Siyyid ‘Alíe à filha Fátimih Begum, aquela que, ao alcançar a adolescência,casou-se com o Rei dos Mártires.

Shams-i-Duhá estava em Karbilá quando o brado doexaltado Senhor foi elevado em Shíráz, e ela respondeu: “Sim,

106 Pronuncia-se Shams-seh-Zohá.107 Um precursor do Báb, e co-fundador da Escola Shaykhí.108 Sua filha tornar-se-ia, mais tarde, esposa de ‘Abdu’l-Bahá. Cf. A Presença da Deus,p.189, e Rompedores da Alvorada, p.461.

Page 196: Tributo aos Fiéis

178

‘ABDU’L-BAHÁ

verdadeiramente!” Quanto ao seu marido e o irmão, estespartiram imediatamente para Shíráz, pois ambos, ao visitar oSantuário do Imám Husayn, haviam contemplado a beleza doPonto Primaz, o Báb. Ambos ficaram atônitos com o que viramem Sua face resplandecente, naquelas maneiras e atributosdivinos, e haviam concordado em que Alguém como Ele eramesmo um grande Ser. Conseqüentemente, no momento emque souberam de Seu Divino chamado, responderam: “Sim,verdadeiramente!”, e incendiaram-se por um ansioso amor aDeus. Além disso, tinham estado presentes todos os dias naquelelugar sagrado onde o falecido Siyyid ensinava, e haviam-noouvido dizer claramente:

–– O Advento está próximo; um acontecimento altamentesutil, dificilmente identificável. É preciso que cada um procuree indague, pois pode ser que o Prometido esteja até mesmo agorapresente entre os homens, visível, enquanto todos à Sua voltaestão desatentos, descuidados, com uma venda nos olhos, comofoi predito nas tradições sagradas.

Quando os dois irmãos chegaram à Pérsia, ouviram dizer queo Báb foi em peregrinação a Meca. Siyyid Muhammad-‘Alípartiu, portanto, para Isfáhán e Mírzá Hádí voltou para Karbilá.Entrementes, Shams-i-Duhá havia feito amizade com a “Folhado Paraíso”, irmã de Mullá Husayn, o Bábu’l-Báb.109 Por meiodaquela senhora, ela conheceu Táhirih, Qurratu’l-‘Ayn,110 ecomeçou a passar a maior parte do tempo em sua companhia,ocupada em ensinar a Fé. Como isso se passou no período inicialda Causa, as pessoas ainda não se mostravam atemorizadas coma Fé. Shams beneficiou-se imensuravelmente da companhia de

109 “Porta da Porta”, um título de Mullá Husayn, o primeiro a acreditar no Báb. Paraum relato de sua irmã, ver Os Rompedores da Alvorada p. 209, nota.110 “Consolo dos Olhos”.

Page 197: Tributo aos Fiéis

179

TRIBUTO AOS FIÉIS

Táhirih e ardia mais do que nunca em fogo pela Fé. Passou trêsanos em íntima amizade com Táhirih em Karbilá. Dia e noite,era sacudida como o mar pelos ventos do Todo-Misericordioso,e ensinava com língua eloqüente.

À medida que Táhirih era celebrada por toda Karbilá, bemcomo a Causa de Sua Santidade Suprema, o Báb, espalhava-sepor toda a Pérsia, os ‘ulamás da época levantaram-se para negá-la, desprezá-la e destruí-la. Emitiram um fatvá, ou julgamento,que convocava um massacre geral. Táhirih fora uma das pessoasdesignadas pelos cruéis ‘ulamás da cidade como uma infiel, eeles erradamente supuseram que ela estivesse na casa de Shams-i-Duhá. Invadiram a casa de Shams, prenderam-na ali,maltrataram-na e bateram nela, lhe infligindo graves danosfísicos. Arrastaram-na para fora da casa pelas ruas até o bazar;bateram-lhe com clavas; apedrejaram-na; denunciaram-na emlinguagem baixa, agredindo-a repetidamente. Enquanto issoacontecia, Hájí Siyyid Mihdí, pai de seu ilustre marido, chegouao local da cena.

–– Essa mulher não é Táhirih – gritou-lhes.Mas como não houvesse testemunhas para comprová-lo,111

os farráshes, a polícia e a multidão não desistiram. Então, emmeio a todo o alvoroço, uma voz gritou:

–– Prenderam Qurratu’l-‘Ayn!Ao ouvir isso, a multidão abandonou Shams-i-Duhá.Foram colocados guardas à porta da casa de Táhirih e

ninguém tinha autorização para entrar ou sair, enquanto asautoridades esperavam instruções de Bagdá e Constantinopla.Como o período de espera se prolongou, Táhirih pediupermissão para ir para Bagdá.

111 As mulheres persas naquela época andavam em público usando espessos véus.

Page 198: Tributo aos Fiéis

180

‘ABDU’L-BAHÁ

–– Deixai-nos ir até lá – disse-lhes – estamos resignadas aqualquer coisa. Qualquer coisa que aconteça conosco será omelhor e o mais certo.

Com a permissão do governo, Táhirih, a Folha do Paraíso,sua mãe e Shams-i-Duhá partiram de Karbilá rumo a Bagdá,mas a massa do populacho, como uma serpente, acompanhou-as por algum tempo, apedrejando-as de uma certa distância.

Quando chegaram a Bagdá, foram morar na casa do ShaykhMuhammad-i-Shibl, pai de Muhammad-Mustafá. Como muitaspessoas comprimiam-se à porta, houve um tumulto em todo obairro, de maneira que Táhirih transferiu sua residência paraoutro lugar, um alojamento onde ensinava a Fé incessantementee proclamava a Palavra de Deus. Ali os ‘ulamás, os shaykhs eoutros vinham para ouvi-la, fazendo perguntas e recebendorespostas, e ela rapidamente ficou notavelmente conhecida emtoda Bagdá, expondo os mais recônditos e sutis temas teológicos.

Ao tomar conhecimento disso, as autoridades governaentaisenviaram Táhirih, Shams-i-Duhá e o Rouxinol para a casa doMuftí, e ali permaneceram por três meses até que chegaramnotícias de Constantinopla concernentes ao seu caso. Durantea permanência de Táhirih na residência do Muftí, ela passavagrande parte do tempo em conversa com ele, mostrando provasconvincentes concernentes aos Ensinamentos, analisando eexplicando questões relativas ao Senhor Deus, discorrendosobre o Dia da Ressureição, sobre a Balança e a Avaliação112,desvelando as complexidades das verdades secretas.

Um dia, o pai do Muftí veio e por um longo tempo agrediu-as com violentas invectivas. Esse acontecimento deixou o Muftídesconcertado, fazendo-o desculpar-se pelo pai. Ele, então,disse:

112 Alcorão 7:7; 14:42; 21:48; 57:25, etc.

Page 199: Tributo aos Fiéis

181

TRIBUTO AOS FIÉIS

–– Sua resposta chegou de Constantinopla. O soberano aslibertou, mas com a condição de que deixem seus domínios.

Na manhã seguinte, deixaram a casa do Muftí e dirigiram-seaos banhos públicos. Enquanto isso, o Shaykh Muhammad-i-Shibl e o Shaykh Sultán-i-‘Arab fizeram os preparativosnecessários para a viagem, e após haverem transcorrido três dias,elas deixaram Bagdá; isto é, Táhirih, Shams-i-Duhá, o Rouxinoldo Paraíso, a mãe de Mírzá Hádí, e um certo número de Siyyidsde Yazd partiram para a Pérsia. As despesas com a viagem foramtodas cobertas por Shaykh Muhammad.

Chegaram em Kirmánsháh, onde as mulheres passaram aresidir em uma casa, os homens em outra. O trabalho de ensinoprosseguia em todos os momentos, e tão logo ficaram os ‘ulamássabendo disso, ordenaram a expulsão do grupo. Com isso, ochefe distrital, com uma multidão, invadiu a casa e levou osseus pertences; eles então colocaram as viajantes em assentosabertos sobre o lombo de animais e as conduziram para fora dacidade. Ao chegarem ao campo, os arrieiros puseram-nas nochão e partiram, levando embora os animais e assentos,deixando-as sem alimentos ou bagagem, e sem um teto sobresuas cabeças.

Em vista disso, Táhirih escreveu uma carta ao governadorde Kirmánsháh:

— Éramos viajantes, hóspedes em vossa cidade. “Honra teuhóspede” – diz o Profeta – “ainda que ele seja um infiel.” Estácerto que um hóspede seja desprezado e saqueado dessa maneira?

O governador ordenou que os bens roubados fossemrestituídos às proprietárias. Da mesma maneira, os arrieirostambém vieram, colocaram as viajantes nos assentosnovamente, e prosseguiram viagem para Hamadán. As senhorasde Hamadán, até mesmo as princesas, vinham todos os diasencontrar-se com Táhirih, que permaneceu naquela cidade

Page 200: Tributo aos Fiéis

182

‘ABDU’L-BAHÁ

durante dois meses.113 Ali ela dispensou alguns de seuscompanheiros de viagem, para que pudessem voltar para Bagdá;outros, entretanto, acompanharam-na a Qazvín.

Á medida que viajavam, alguns cavaleiros, parentes deTáhirih, isto é, seus irmãos, aproximaram-se.

–– Viemos – disseram – por ordem de nosso pai, para levá-laembora, sozinha.

Mas Táhirih recusou, e assim o grupo permaneceu junto atéchegarem a Qazvín. Ali, Táhirih foi para a casa de seus amigose os pais, que haviam viajado com ela, armaram um caravanserai.Mírzá Hádí, marido de Shams-i-Duhá, havia ido a Máh-Kú,em busca do Báb. Ao retornar, ele esperou pela chegada deShams em Qazvín, depois do que o casal seguiu para Isfahán, equando lá chegaram, Mírzá Hádí continuou para Badasht.Naquele forte e em suas vizinhanças foi atacado, atormentadoe apedrejado, e foi submetido a tais provações que finalmente,em um caravanserai destruído, ele faleceu. Seu irmão, MírzáMuhammad-‘Alí, enterrou-o ali, à beira da estrada.

Shams-i-Duhá permaneceu em Isfáhán. Ela passava os diase noites na lembrança de Deus e ensinando a Sua Causa àsmulheres daquela cidade. Tinha o dom da eloqüência; seudiscurso era maravilhoso de se ouvir. As mulheres maisimportantes de Isfáhán a honravam sobremaneira, celebravama sua piedade pela sua santidade e pela pureza de sua vida. Eraa personificação da castidade; todas as suas horas eram passadasna recitação das Escrituras Sagradas, ou expondo os Textos, oudesvelando os mais complexos dos temas espirituais, oudifundindo os doces aromas de Deus.

Foi por essas razões que o Rei dos Mártires casou-se com suarespeitada filha e tornou-se seu genro. E quando Shams foi viver

113 Cf. Nabíl, Os Rompedores da Alvorada, capítulo XV.

Page 201: Tributo aos Fiéis

183

TRIBUTO AOS FIÉIS

em sua principesca casa, dia e noite as pessoas amontoavam-seà porta, pois as mulheres mais importantes da cidade, amigas ouestranhas, próximas a ela ou não, iam e vinham. Ela era umfogo aceso pelo amor de Deus, e proclamava a Palavra de Deuscom grande ardor e vivacidade, tendo ficado conhecida entreos não-crentes como Fátimih, a Senhora de Luz dos bahá’ís.114

E então o tempo passou, até o dia em que a “Serpente” e o“Lobo” conspiraram juntos e emitiram um decreto, um fatvá,que condenava o Rei dos Mártires. Conspiraram, também, como governador da cidade de modo que, entre eles, pudessemsaquear, pilhar e carregar todo o vasto tesouro que possuíam.Então, o Xá juntou forças com aqueles dois animais selvagens;e ordenou que o sangue dos dois irmãos, o Rei dos Mártires e oAmado dos Mártires, fosse derramado. Sem avisar, aqueleshomens cruéis: a Serpente, o Lobo, e seus brutais farráshes epoliciais – atacaram; acorrentaram os dois irmãos e levaram-nos à prisão, saquearam suas casas ricamente mobiliadas,arrebataram-lhes todas as propriedades, sem poupar ninguém,nem mesmo as crianças de peito. Torturaram, amaldiçoaram,injuriaram, zombaram e ininterruptamente surraram os parentese outros moradores na residência das vítimas.

Em Paris, Zillu’s-Sultán115 relatou o seguinte, jurando averdade do relato:

–– Muitas e muitas vezes eu alertei aqueles dois descendentesda Casa do Profeta, mas sem resultado. Finalmente, eu os chameiuma noite, e com extrema urgência disse-lhes essas palavras:“Senhores, o Sháh condenou-vos por três vezes à morte. Seus

114 Referência à filha de Muhammad, Fátimih, “de rosto belo e radiante, a Senhora deLuz”.115 Filho mais velho do Xá e soberano de mais de dois quintos do reino. Ele ratificou apena de morte. Pouco depois desses eventos, caiu em desgraça. Ver A Presença deDeus, p.259, 291.

Page 202: Tributo aos Fiéis

184

‘ABDU’L-BAHÁ

farmáns continuam vindo. O decreto é definitivo e só há umcaminho aberto para vós agora: vós deveis, na presença dosulamás, limpar-vos e amaldiçoar a vossa Fé.” Sua resposta foi:“Yá Bahá’u’l-Abhá! Ó Tu, Glória do Todo-Glorioso! Possamnossas vidas ser oferecidas!” Finalmente, concordei que nãoamaldiçoassem a Fé. Disse-lhes que tudo o que tinham que dizerera: “Não somos bahá’ís.” Apenas aquelas poucas palavras, disse-lhes, serão suficientes; poderei então escrever o meu relatóriopara o Xá, e sereis salvos. “Isso é impossível” – disseram – “porquenós somos bahá’ís. Ó Tu Glória do Todo-Glorioso, nossoscorações anseiam pelo martírio! Yá Bahá’u’l-Abhá!” Então fiqueienraivecido, e tentei ser áspero com eles, forçando-os arenunciar à sua Fé, mas sem resultado. O decreto da Serpente edo Lobo vorazes, e a ordem do Xá, foram executados.

Depois que aqueles dois foram martirizados, Shams-i-Duháfoi perseguida, e teve que buscar esconderijo na casa de seuirmão. Ainda que não fosse um dos devotos, ele era conhecidoem Isfáhán como um homem honrado, piedoso e crente, umhomem de conhecimentos, um asceta que, como um eremita,mantinha-se só, e por essas razões era altamente admirado edesfrutava da confiança de todos. Ela ficou ali com ele, mas ogoverno não abandonou sua busca, finalmente descobriu ondeela estava e mandou que se apresentasse; os cruéis ‘ulamástomaram parte em tudo isso, unindo forças com as autoridadescivis. Seu irmão foi, portanto, obrigado a acompanhar Shams-i-Duhá à casa do governador. Ele permaneceu do lado de fora,enquanto sua irmã era mandada para os aposentos das mulheres.O governador foi lá, até a porta, e chutou-a e pisoteou-a demaneira tão selvagem que ela desmaiou. Então, o governadorgritou para sua mulher:

–– Princesa! Princesa! Venha até aqui e veja a Senhora daLuz dos bahá’ís!

Page 203: Tributo aos Fiéis

185

TRIBUTO AOS FIÉIS

As mulheres a ergueram e a puseram em um dos quartos.Enquanto isso, seu irmão, atônito, esperava do lado de fora da mansão.Finalmente, tentando implorar-lhe, ele disse ao governador:

–– Essa minha irmã foi espancada tão duramente que estáprestes a morrer. Por que razão mantê-la aqui? Não há esperançaspara ela. Com vossa permissão, poderei levá-la de volta paracasa. Seria melhor que ela morresse lá, e não aqui, pois afinalela é descendente do Profeta, é da nobre linhagem deMuhammad, e não fez nada de mal. Nada há contra ela excetoo seu parentesco com o genro.

O governador respondeu:–– Ela é uma grande líder e heroína dos bahá’ís. Ela

simplesmente causará outro tumulto.O irmão disse:–– Prometo-vos que ela não dirá uma palavra. É certo que

daqui a alguns dias ela nem mesmo estará viva. Seu corpo éfrágil, fraco, está quase sem vida, e ela sofreu terrível dano.

Uma vez que o irmão era imensamente respeitado e dignoda confiança tanto dos elevados como dos humildes, ogovernador entregou Shams-i-Duhá à sua custódia, e deixou-air. Ela viveu em sua casa por algum tempo, chorando,lamentando-se, derramando lágrimas, enlutada por seus mortos.Nem estava o irmão em paz, e nem deixavam-nos em paz oshostis. Havia todos os dias um novo tumulto e clamor público.O irmão, finalmente, achou melhor levar Shams emperegrinação a Mashhad, esperando que morresse o fogo dasdesordens civis. Foram para Mashhad e estabeleceram-se emuma casa vazia próxima ao Santuário do Imám Ridá.116

116 O oitavo Imám, envenenado por ordem do Califa Ma’múm, AH 203, depois que oImám havia sido oficialmente designado herdeiro legítimo do califa. Seu santuário,com o seu domo dourado, foi chamado a glória do mundo xiita. “Uma parte do Meucorpo será enterrada em Khurásán” – o Profeta dizia tradicionalmente.

Page 204: Tributo aos Fiéis

186

‘ABDU’L-BAHÁ

Por ser um homem tão piedoso, o irmão costumava sair todasas manhãs para visitar o Santuário, e ali ficava, ocupado comsuas devoções, até quase o meio-dia. Também à tarde, ele semprese apressava para o Lugar Sagrado, para rezar até a noite. Coma casa vazia, Shams-i-Duhá conseguiu entrar em contato comvárias mulheres devotas e começou a associar-se a elas; e porqueo amor de Deus ardia tão brilhantemente em seu coração, elanão conseguia manter-se em silêncio, de modo que duranteaquelas horas em que seu irmão estava ausente, o lugar animava-se. As mulheres bahá’ís encontravam-se ali e absorviam seudiscurso lúcido e eloqüente.

Naqueles dias, a vida em Mashhad era difícil para os devotos,com os malevolentes sempre em alerta; se havia meras suspeitascontra um indivíduo, eles o assassinavam. Não havia qualquertipo de segurança, não havia paz. Mas Shams-i-Duhá não podiaevitar: apesar de todas as terríveis provações que haviasuportado, ela ignorava o medo, e era capaz de lançar-se àschamas, ou ao mar. Como seu irmão não freqüentava nenhumcírculo social, não sabia do que se passava. Dia e noite, ele ia dacasa para o Santuário, e do Santuário para casa; era um recluso,não tinha amigos, e nem ao menos falava com outras pessoas.Entretanto, chegou o dia em que viu que havia tumulto nacidade, e sabia que terminaria em sério dano. Era um homemtão calmo e silencioso que não repreendeu a irmã; simplesmentelevou-a embora de Mashhad sem aviso, e voltaram para Isfahán.Ali, ele a enviou à sua filha, a viúva do Rei dos Mártires, poisnão mais a abrigaria sob seu teto.

Assim, Shams-i-Duhá estava de volta a Isfahán,corajosamente ensinando a Fé e disseminando as docesfragrâncias de Deus. Tão veemente era o amor que ardia emseu coração, que a compelia a falar sempre que encontravaalguém que a ouvisse. E quando observou-se que mais uma vez

Page 205: Tributo aos Fiéis

187

TRIBUTO AOS FIÉIS

a casa do Rei dos Mártires estava a ponto de ser tomada porcalamidades, e que elas estavam suportando severas aflições emIsfáhán, Bahá’u’lláh desejou que viessem para a Maior Prisão.Shams-i-Duhá, com sua filha, a viúva do Rei dos Mártires e ascrianças, chegaram à Terra Santa. Aqui passavam alegrementeos seus dias, quando o filho do Rei dos Mártires, Mírzá ‘Abdu’l-Husayn, em conseqüência do terrível sofrimento a que haviasido sujeitado em Isfáhán, foi vitimado por tuberculose e faleceuem ‘Akká.

O coração de Shams-i-Duhá ficou pesaroso. Ela chorava aausência de seu neto, definhava com saudades dele, e tudo setornou muito mais difícil, porquanto fomos assolados pelaSuprema Aflição, a angústia a tudo coroou. A base de sua vidaestava minada; como uma vela, ela se consumiu de tristeza.Tornou-se tão fraca que passou a ficar de cama, incapaz de mover-se. Ainda assim, não descansava, e nem ficava silenciosa porum só momento. Ela costumava contar a respeito dos dias hámuito passados, de coisas acontecidas na Causa, ou recitava oLivro Sagrado, ou erguia súplicas e entoava as suas orações –até que, da Maior Prisão, ascendeu para o mundo de Deus.Apressou-se desse golfo do pó da perdição para uma regiãoimaculada; preparou sua bagagem e viajou para a terra das Luzes.Com ela estejam saudações, louvor e a maior misericórdia,abrigada na compaixão de seu Senhor onipotente.

Page 206: Tributo aos Fiéis

188

‘ABDU’L-BAHÁ

[69] TÁHIRIH

Mulher santa e casta; sinal e símbolo de incomparável beleza;marca ardente do amor de Deus; uma lâmpada do Seu favor – estaera Jináb-i-Táhirih.117 Chamada de Umm-Salmá, era filha de HájíMullá Sálih, um mujtahid de Qazvín. Seu tio pelo lado paternoera Mullá Taqí, o Imám-Jum’ih ou líder das orações na mesquitacentral daquela cidade. Eles a casaram com Mullá Muhammad,filho de Mullá Taqí, com quem teve três filhos, dois homens e umamulher; todos os três privados da graça que circundou sua mãe,pois todos deixaram de reconhecer a verdade da Causa.

Quando era ainda criança, seu pai escolheu um professorpara ela, com quem ela estudou vários ramos do conhecimentoe das artes, alcançando uma extraordinária habilidade para acriação literária. Era tal seu grau de erudição e de talento queseu pai freqüentemente expressava seu pesar dizendo:

–– Ela deveria ter sido um menino, pois ele teria iluminadominha casa, e teria sido meu sucessor!118

Um dia, foi convidada para a casa de Mullá Javád, um primopelo lado de sua mãe, e ali na biblioteca de seu primo, elaencontrou os escritos do Shaykh Ahmad-i-Ahsá’í.119 Encantadacom o que diziam, Táhirih pediu emprestado os escritos paraque pudesse levá-los para casa. Mullá Javád objetouviolentamente, dizendo-lhe:

117 Pronunciado Ta-heh-reh.118 Cf. Os Rompedores da Alvorada, Vol. II, p.47, nota. Certas linhas, traduzidas porShoghi Effendi, estão aqui incorporadas.119 Precursor do Báb, e o primeiro dos dois fundadores da Escola Shaykhí. Ver o glossário.

Page 207: Tributo aos Fiéis

189

TRIBUTO AOS FIÉIS

–– Teu pai é inimigo das Luminosas Luzes Gêmeas, ShaykhAhmad e Siyyid Kázim. Se ele por acaso sonhar que quaisquerpalavras daqueles dois grandes seres, qualquer fragrância dojardim daquelas realidades, tenha cruzado teu caminho, eletentaria matar-me, e tu, também, te tornarias objeto de sua ira.

Táhirih respondeu:–– Há muito que tenho sede dessas palavras. Tenho esperado

ansiosamente por essas explicações, essas verdades interiores.Dá-me tudo o que tiveres desses livros. Não importa se tal coisadespertará a ira de meu pai.

Assim, Mullá Javád enviou os escritos do Shaykh e do Siyyid.Uma noite, Táhirih procurou seu pai na biblioteca, e

começou a falar dos ensinamentos de Shaykh Ahmad. Nomesmo momento em que soube que sua filha conhecia asdoutrinas do Shaykh, as denúncias de Mullá Sálih começaram,e ele gritou:

–– Javád fez de ti uma alma perdida!Táhirih respondeu:–– O falecido Shaykh era um verdadeiro estudioso em Deus,

e aprendi uma infinidade de verdades espirituais lendo os seuslivros. Ademais, ele baseia tudo o que diz nas tradições dosSantos Imáms. Tu te consideras um místico e um homem deDeus, consideras teu respeitável tio também como um erudito,e extremamente piedoso – entretanto em nenhum dos doisencontro qualquer traço dessas qualidades!

Por algum tempo, discutiu veementemente com o pai,debatendo questões como a Ressurreição e o Dia do Julgamento,a Ascensão Noturna de Muhammád ao Paraíso, a Promessa e aAmeaça, e o Advento do Prometido.120 Sem ter argumentos,seu pai recorria às maldições e à violência. Então uma noite,

120 Alcorão 17:1; 30:56; 50:19; etc.

Page 208: Tributo aos Fiéis

190

‘ABDU’L-BAHÁ

para fundamentar a sua afirmativa, Táhirih citou uma tradiçãosagrada do Imám Já’far-i-Sádiq;121 e como esta confirmava oque dizia, seu pai começou a rir, fazendo troça da tradição.Táhirih disse:

–– Ó meu pai, estas são as palavras do Santo Imám. Comopodes fazer troça delas e as negar?

A partir daquele momento, ela cessou de debater e de discutircom o pai. Entrementes, iniciou uma correspondência secretacom Siyyid Kázim, concernente à solução de complexasquestões teológicas, e assim aconteceu que o Siyyid conferiu-lhe o nome “Consolo dos Olhos” (Qurratu’l-‘Ayn); quanto aotítulo Táhirih (A Pura), foi inicialmente associado a ela emBadasht, tendo sido subseqüentemente aprovado pelo Báb, eregistrado em Suas Epístolas.

Táhirih se incendiara. Partiu para Karbilá, esperandoencontrar Siyyid Kázim, mas chegou tarde demais: dez dias antesque alcançasse aquela cidade, ele falecera. Não muito antes desua morte, o Siyyid havia compartilhado com seus discípulos asboas-novas de que o Advento prometido estava próximo.

–– Adiantai-vos – ele repetidamente lhes dizia – e buscai ovosso Senhor.

Assim, os mais ilustres de seus discípulos juntaram-se pararetiro e orações, para jejum e vigílias, no Masjid-i-Kúfih,enquanto alguns esperaram pelo Advento em Karbilá. Entreesses estava Táhirih, jejuando durante o dia, praticandodisciplinas religiosas, passando a noite em vigília e entoandoorações. Uma noite, perto do alvorecer, ela repousou a cabeçano travesseiro, perdeu toda a consciência dessa vida terrena esonhou; em sua visão um jovem, um Siyyid, portando um mantonegro e um turbante verde, apareceu-lhe nos céus; estava no

121 O sexto Imám.

Page 209: Tributo aos Fiéis

191

TRIBUTO AOS FIÉIS

ar, recitando versículos e orando com as mãos erguidas.Imediatamente ela decorou um desses versículos, e anotou-oem seu caderno ao despertar. Um certo dia, depois que o Bábhavia declarado Sua missão e Seu primeiro livro “A Melhor dasEstórias”122 começou a circular, Táhirih estava lendo um trechodo texto e deparou-se com o mesmo versículo que havia anotadodo sonho. Oferecendo graças, ela caiu de joelhos e levou a testaao chão, convencida da verdade da mensagem do Báb.

Essas boas-novas a alcançaram em Karbilá, e elaimediatamente começou a ensinar. Traduziu e expôs “A Melhordas Estórias”, escrevendo em persa e árabe, compondo odes epoemas, humildemente praticando as suas devoções, até mesmoaquelas que eram opcionais e não obrigatórias. Quando os cruéis‘ulamás em Karbilá ouviram falar de tudo isso, e ficaram sabendoque uma mulher estava convocando o povo a abraçar uma novareligião e que já havia exercido influência sobre um númeroconsiderável de pessoas, foram ao governador e apresentaramuma reclamação. Resumindo, suas acusações levaram a violentosataques contra Táhirih, que ela aceitou e pelos quais ofereceulouvores e graças. Quando as autoridades vieram em busca dela,primeiro atacaram Shams-i-Duhá, tomando-a por Táhirih. Tãologo, entretanto, ouviram falar que Táhirih havia sido presa,soltaram Shams – pois Táhirih havia enviado uma mensagemao governador dizendo: “Estou à vossa disposição. Não façaismal a qualquer outra.”

O governador colocou guardas vigiando a sua casa, e lá aprendeu, escrevendo a Bagdá para pedir instruções quanto aque deveria fazer. Por três meses ela viveu sitiada, completamente

122 O “Ahnasu’l-Qisas”, comentário do Báb sobre a Sura de José, foi chamado oAlcorão dos bábís, e foi traduzido do árabe para o persa por Táhirih. Ver A Presençade Deus, p. 82.

Page 210: Tributo aos Fiéis

192

‘ABDU’L-BAHÁ

isolada, com os guardas cercando sua casa. Como as autoridadesainda não tivessem recebido reposta de Bagdá, Táhirih levouseu caso ao governador, dizendo:

–– Nada veio de Bagdá ou de Constantinopla. Assim, iremosnós mesmas para Bagdá e lá esperaremos pela resposta.

O governador deu-lhe permissão para ir-se, e ela partiu,acompanhada por Shams-i-Duhá, pelo Rouxinol do Paraíso(irmã de Mullá Husayn) e sua mãe. Em Bagdá permaneceuprimeiro na casa do Shaykh Muhammad, o ilustre pai de ÁqáMuhammad-Mustafá. Mas, tão grande era a multidão à voltadela, que transferiu residência para outro bairro, ocupada dia enoite em disseminar a Fé, e associando-se livremente aoshabitantes de Bagdá. Tornou-se assim celebrada em toda acidade, e houve um grande tumulto.

Táhirih mantinha, também, correspondência com os ‘ulamásde Kázimayn, apresentou-lhes inúmeras provas irrefutáveis, equando um ou outro vinha ter com ela, ela lhe ofereciaconvincentes argumentos. Finalmente, enviou uma mensagempara os teólogos xiitas, dizendo-lhes:

–– Se não estão satisfeitos com essas provas conclusivas, euos desafio a um julgamento por prova.123

Houve então um grande protesto por parte dos teólogos, e ogovernador foi obrigado a enviar Táhirih e suas companheiraspara a casa de Ibn-i-Álúsí, que era o Muftí de Bagdá. Ali, elapermaneceu por mais ou menos três meses, esperando pelaorientação de Constantinopla. Ibn-i-Álúsí costumava mantercom ela diálogos de grande erudição, apresentando-lheperguntas e dela recebendo respostas, sem que ele negasse oque ela tinha a dizer.

123 Alcorão 3:61: “... então, deprecaremos para que a maldição de Deus caia sobe osmentirosos.” A prova era por imprecações.

Page 211: Tributo aos Fiéis

193

TRIBUTO AOS FIÉIS

Certo dia o Muftí contou-lhe um de seus sonhos, e pediu-lhe que dissesse o que significava. Disse ele:

–– Em meu sonho vi os ‘ulamás xiitas chegando ao túmulosagrado do Imám Husayn, o Príncipe dos Mártires. Eles tiravama barreira que cerca o túmulo, arrombavam a resplandecentesepultura, de modo que o corpo imaculado revelava-se ao seuolhar. Tentavam levantar a forma sagrada, então me lancei sobreo cadáver e os repeli.

Táhirih respondeu:— Esse é o significado de teu sonho: estás próximo de livrar-

me das mãos dos teólogos xiitas.— Também eu o havia interpretado dessa maneira.Como ele havia descoberto que ela era versada em questões

eruditas e nos sagrados comentários e nos Textos, os doisfreqüentemente realizavam debates; ela falava sobre temas comoo Dia da Ressurreição, a Balança e a Sirát124, e ele não seesquivava.

Houve então uma noite em que o pai de Ibn-i-Álúsí veio àcasa do filho. Teve um encontro com Táhirih e abruptamente,sem fazer qualquer pergunta, começou a amaldiçoá-la, fazer troçadela, e insultá-la. Envergonhado pelo comportamento do pai,Ibn-i-Álúsí pediu desculpas. Disse então:

–– A resposta chegou de Constantinopla. O Rei mandouque sejas libertada, mas apenas com a condição de que deixes oseu reino. Vai, então, amanhã, faz os preparativos para a viageme apressa-te em sair desta terra.

Assim Táhirih, com as suas companheiras, deixaram a casado Muftí, fizeram os preparativos para a viagem e deixaramBagdá. Quando deixaram a cidade, um certo número de devotos

124 Alcorão21:48; 19:37; etc. No islã, a Ponte para Sirát, afiada como uma espada emais estreita que um fio de cabelo, estende-se entre o Céu e o Inferno.

Page 212: Tributo aos Fiéis

194

‘ABDU’L-BAHÁ

árabes, portando armas, caminharam ao lado do comboio. Entreeles estavam Shaykh Sultán, Shaykh Muhammad e seu ilustrefilho Muhammad-Mustafá, e Shaykh Sálih, todos a cavalo. FoiShaykh Muhammad quem custeou as despesas da viagem.

Ao alcançarem Kirmánsháh as mulheres hospedaram-se emuma casa, e os homens em outra, e os habitantes chegaram emuma torrente contínua em busca de informação sobre a novaFé. Ali, como nos outros lugares, os ‘ulamás logo puseram-seem um estado de fúria, e deram ordens no sentido de que osrecém-chegados fossem expulsos. Conseqüentemente o Kad-khudá, ou oficial chefe daquele bairro, acompanhado de umgrupo de pessoas, cercou a casa onde estava Táhirih, e saqueou-a. Então, colocaram Táhirih e suas companheiras em umhowdah descoberto, e as levaram até um campo aberto, ondedeixaram as cativas. Então os condutores levaram seus animaise retornaram à cidade. As vítimas foram deixadas no campo,sem alimento, sem abrigo, e sem meios de prosseguirem viagem.

Imediatamente Táhirih escreveu uma carta ao príncipedaquele território, onde dizia-lhe: “O vós, justo governador!Éramos convidados em vossa cidade. É essa a maneira pela qualtratais os vossos hóspedes?”

Quando a carta foi entregue ao governador de Kirmánsháh,ele disse:

–– Eu nada sabia dessa injustiça. Essa maldade foi incitadapelos clérigos.

Ele imediatamente ordenou que o Kad-khudá devolvessetodos os pertences dos viajantes. O oficial devolveu os bensroubados, conforme lhe fora ordenado, os condutores com seusanimais vieram da cidade, os viajantes tomaram os seus lugarese retomaram a viagem.

Chegaram a Hamadán e ali sua estadia foi feliz. As mais ilustressenhoras daquela cidade, até mesmo as princesas, vinham visitá-

Page 213: Tributo aos Fiéis

195

TRIBUTO AOS FIÉIS

la, buscando os benefícios dos ensinamentos de Táhirih. EmHamadán ela dispensou uma parte de seus acompanhantes,enviando-os de volta a Bagdá, e por outro trazendo alguns deles,inclusive Shams-i-Duhá e Shaykh-Sálih, para irem com elapara Qazvín.

Enquanto viajavam, alguns cavaleiros adiantaram-se paraencontrá-los; eram parentes de Táhirih, de Qazvín, que queriamlevá-la sozinha, sem os demais, para a casa de seu pai. Táhirihrecusou, dizendo:

–– Esses são meus companheiros.Dessa maneira entraram em Qazvín. Táhirih encaminhou-

se à casa de seu pai, enquanto que os árabes que a haviamacompanhado dirigiram-se a um caravanserai. Táhirih logodeixou o pai e foi viver com o irmão, e lá as grandes senhorasda cidade vinham visitá-la; isso até o assassinato de MulláTaqí,125 quando todos os bábís de Qazvín foram feitosprisioneiros. Alguns foram enviados para Teerã e depoisdevolvidos a Qazvín e martirizados.

O assassinato do Mullá Taqí aconteceu da seguinte maneira:um dia, quando aquele tirano enlouquecido havia subido aopúlpito, começou a zombar e a insultar o grande ShaykhAhmad-i-Ahsá’í. Sem qualquer vergonha, com vulgaridade,gritando obscenidades, ele bradou:

–– Aquele Shaykh foi quem desencadeou esse fogo do mal,a todos sujeitando essas provações!

Havia um curioso entre os ouvintes, um nativo de Shíráz.Para ele o escárnio, a chacota, e as indecências foram mais doque ele podia suportar. Protegido pela escuridão, ele se dirigiu àmesquita, mergulhou uma lança entre os lábios do Mullá Taqí e

125 Cf. Rompedores da Alvorada, vol. II, p. 24. O assassino não era bábí, mas umardente admirador dos líderes Shaykhí, as Luminosas Luzes Gêmeas.

Page 214: Tributo aos Fiéis

196

‘ABDU’L-BAHÁ

fugiu. Na manhã seguinte, prenderam indefesos devotos e ossubmeteram a agoniante tortura, embora fossem todos inocentese nada soubessem do que acontecera. Jamais se pensou eminvestigar o caso; os devotos declararam repetidamente a suainocência mas ninguém prestou-lhes a mínima atenção. Depoisde alguns dias, o assassino entregou-se; confessou às autoridadesque havia perpetrado o crime, porque o Mullá Taqí insultaraShaykh Ahmad.

–– Entrego-me às vossas mãos – disse-lhes – para que soltemesses inocentes.

Foi também preso, acorrentado e torturado, e enviado, juntocom os demais, para Teerã.

Uma vez lá, observou que, apesar da confissão, os outrosainda não haviam sido libertados. À noite, fugiu da prisão edirigiu-se à casa de Ridá Khán – aquele homem raro e precioso,aquela estrela do sacrifício entre os amantes de Deus – filho deMuhammad Khán, Mestre do Cavalariço de Muhammad Sháh.Ele permaneceu ali por algum tempo, depois do que, emcompanhia de Ridá Khán, secretamente, dirigiram-se ao Fortede Shaykh Tabarsí em Mázindarán.126 Muhammad Khánenviou forças ao seu encalço, mas depois de muito procurarem,não conseguiram localizá-los. Aqueles dois cavaleiros chegaramao Forte de Tabarsí, onde ambos tiveram a morte dos mártires.Quanto aos outros amigos que estavam na prisão em Teerã,alguns deles foram enviados para Qazvín e, também, elessofreram o martírio.

Um dia, o administrador das finanças, Mírzá Shafí’, chamouo assassino e dirigiu-se a ele, dizendo:

–– Jináb, pertences a alguma ordem dos dervixes, ou seguesa Lei? Se és um seguidor da Lei, por que desfechaste um golpe

126 Cf. Rompedores da Alvorada, vol. II, p. 523.

Page 215: Tributo aos Fiéis

197

TRIBUTO AOS FIÉIS

fatal e cruel na boca daquele erudito mujtahid? Se és um dervixee se segues o Caminho, uma das normas do Caminho é nãofazer mal a nenhum homem. Como, então, pudeste assassinaraquele zeloso clérigo?

–– Senhor – respondeu ele – além da Lei, e além doCaminho, temos também a Verdade. Foi servindo a Verdadeque eu o fiz pagar por sua ação.127

Essas coisas se passaram antes que a realidade dessa Causafosse revelada e tudo ficasse claro. Pois, naqueles dias, ninguémsabia que a Manifestação do Báb culminaria na Manifestaçãoda Abençoada Beleza e que a lei da retaliação seria suprimida, eque o princípio fundamental da Lei de Deus seria esse: “é melhorser morto do que matar”; que a discórdia e o conflito cessariam,e que o império da guerra e do morticínio seriam eliminados.Mas louvado seja Deus, com o advento da Abençoada Belezabrilhou um tal esplendor de harmonia e paz, um tal espírito dedoçura e resignação, que quando em Yazd homens, mulheres ecrianças foram alvos da artilharia inimiga ou foram trespassadospela espada, quando os líderes e os cruéis ‘ulamás e seusseguidores juntaram-se e atacaram aquelas vítimas indefesasderramando seu sangue, talhando e abrindo os corpos demulheres castas, com suas adagas golpeando as gargantas decrianças a quem tinham tornado órfãs, e logo após lançando aofogo os membros arrancados e dilacerados – nenhum dos amigosde Deus levantou um dedo contra eles. De fato, entre aquelesmártires, verdadeiros companheiros dos que morreram, há muitotempo, em Karbilá, havia um homem que, ao ver a espadalevantada contra si, jogou um torrão de açúcar na boca de seuinimigo, enquanto gritava:127 Referência à doutrina segundo a qual há três caminhos para Deus: a Lei (sharí’at), oCaminho (taríqat), e a Verdade (haqíqat). Isto é, a lei do ortodoxo, o caminho dodervixe, e a verdade. Cf. R.A Nicholson, Commentary on the Mathnaví of Rúmí.

Page 216: Tributo aos Fiéis

198

‘ABDU’L-BAHÁ

–– Com um doce sabor em teus lábios, mata-me, pois metrazes o martírio, meu mais caro desejo!

Voltemos ao nosso assunto. Após o assassinato de seuimpiedoso tio, Mullá Taqí, em Qazvín, Táhirih mergulhou emterríveis dificuldades. Estava prisioneira e se angustiava,lamentando os dolorosos eventos que haviam ocorrido. Eravigiada de todos os lados: por empregados, pelos guardas, pelosfarráshes e pelos inimigos. Enquanto Táhirih assim definhava,Bahá’u’lláh enviou Hádíy-i-Qazvíní, marido da celebradaKhátún-Ján da capital, e conseguiram, por meio de umestratagema, libertá-la e enviá-la para Teerã durante a noite.Ela chegou à mansão de Bahá’u’lláh e ficou alojada em um dosapartamentos superiores.

Quando essa notícia espalhou-se em Teerã, o governoprocurou-a por toda a parte. No entanto, os amigos continuaramchegando para vê-la, e como que numa torrente estendendo-se continuamente, prosseguia Táhirih sentada atrás de umacortina, conversando com eles. Um dia, o grande Siyyid Yahyá,chamado Vahíd, estava presente. Táhirih o ouvia, por trás dovéu, enquanto ele se sentava do outro lado. Eu era criançanaquela época, e estava sentado no colo dela. Com eloqüênciae fervor, Vahíd discursava sobre os sinais e versículos quetestemunhavam o advento da nova Manifestação. Ela ointerrompeu repentinamente e, levantando a voz, declarouveementemente:

–– Ó Yahyá! Que ações, e não palavras, testifiquem a tua fé,se és um homem de verdadeira erudição. Cessa de repetirinutilmente as tradições do passado, pois o dia do serviço, daação firme, já veio. Agora é o momento de mostrar os verdadeirossinais de Deus, de apartar os véus da vã fantasia, de promover aPalavra de Deus, e sacrificar-se em Seu caminho. Que ações, enão palavras, sejam o nosso adorno!

Page 217: Tributo aos Fiéis

199

TRIBUTO AOS FIÉIS

A Abençoada Beleza fez elaborados preparativos para aviagem de Táhirih a Badasht e enviou-a com uma carruagem eescolta. O próprio grupo de Bahá’u’lláh partiu para aquela regiãoalguns dias mais tarde.

Badasht aconteceu num grande campo aberto. Em seu centrohavia uma corrente d’água que serpenteava, e à sua direita eesquerda e também por trás havia três jardins que causariaminveja ao Paraíso. Um desses jardins foi destinado a Quddús128,mas esse fato foi mantido em segredo. O outro foi para Táhirih,e em um terceiro foi erguido o pavilhão de Bahá’u’lláh. Naquelacampina, entre os três jardins, os devotos ergueram as suastendas. À noite, Bahá’u’lláh, Quddús e Táhirih costumavamencontrar-se. Naqueles dias o fato de que o Báb era o Qá’imainda não havia sido proclamado; foi a Abençoada Beleza, comQuddús, que preparou a proclamação de um Advento universale a revogação e o repúdio das antigas leis.

Num dos dias, e aí havia uma sabedoria, Bahá’u’lláh adoeceu;isto é, aquela indisposição estava destinada a servir a umpropósito vital. De repente, à vista de todos, Quddús saiu deseu jardim, e entrou no pavilhão de Bahá’u’lláh. Mas Táhirihenviou-lhe uma mensagem, dizendo que uma vez estandoadoentado seu Anfitrião, Quddús deveria visitar o seu jardim.Sua resposta foi:

–– Esse jardim é preferível. Vem, então, para esse.Táhirih, com o rosto descoberto, emergiu de seu jardim,

avançando para o pavilhão de Bahá’u’lláh; e enquantocaminhava, bradou essas palavras:

128 A oitava Letra da Vida, martirizado com indescritível crueldade no mercado deBárfurúsh, aos vinte e sete anos. Bahá’u’lláh conferiu-lhe uma posição inferior apenasa do Báb e a dEle mesmo. Cf. Rompedores da Alvorada, Vol. II, pp.360 e seguintes.

Page 218: Tributo aos Fiéis

200

‘ABDU’L-BAHÁ

— A Trombeta está soando! A grande Trombeta toca! OAdvento universal é agora proclamado!”129

Os devotos reunidos naquela tenda foram tomados depânico, e cada um se perguntava:

–– Como pode a Lei ser revogada? Como é que essa mulherestá aqui sem o véu?

— Lê a Sura do Inevitável130 – disse Bahá’u’lláh.E o leitor começou:— Quanto ao Dia que deve vir, subitamente aparecerá... O

Dia que causará espanto! O Dia que exaltará!...”E assim foi a nova Dispensação anunciada e a grande

Ressurreição tornou-se manifesta. No início, aqueles presentesfugiram, e alguns renegaram sua Fé, enquanto outros caíram naarmadilha da suspeita e da dúvida, e um certo número, depoisde hesitar, retornou a presença de Bahá’u’lláh. A Conferênciade Badasht fora interrompida, mas o Advento universal foraanunciado.

Depois disso, Quddús foi apressadamente para o Forte deTabarsí,131 e a Abençoada Beleza, levando provisões eequipamento, viajou para Níyálá, com a intenção de seguircaminho à noite, de lá atravessando o acampamento inimigopara penetrar no Forte. Mas Mírzá Taqí, governador de Ámul,soube desses planos, e acompanhado de setecentos soldadosarmados com rifles chegou em Níyálá. Cercando a cidade ànoite, enviou Bahá’u’lláh com onze cavaleiros de volta a Ámul,

129 Cf. Alcorão 74:8 e 6:73. Também Isaías 27:13 e Zacarias 9:14.130 Cf. Alcorão, Súrih 56.131 Uma campanha sistemática contra a nova Fé havia sido lançada na Pérsia pelasautoridades civis e eclesiásticas em combinação. Os devotos, cercados sempre queeram isolados, agrupavam-se sempre que podiam, para se protegerem do governo, doclero e do povo. Traídos e cercados enquanto atravessavam a floresta de Mázindarán,cerca de 300 devotos, na sua maioria estudantes e reclusos, construíram o Forte deShaykh Tabarsí e, por onze meses, resistiram aos exércitos da Pérsia. Cf. Os Rompedoresda Alvorada, capítulos XIX e XX; A Presença de Deus, p. 96 e seguintes.

Page 219: Tributo aos Fiéis

201

TRIBUTO AOS FIÉIS

e todas aquelas calamidades e tribulações, conforme narradaspreviamente, vieram a acontecer.

Quanto a Táhirih, foi capturada após a separação emBadasht, seus opressores enviaram-na com uma escolta paraTeerã. Ali, foi aprisionada na residência de Mahmúd Khán, oKalántar. Mas ela estava em fogo, enamorada, desassossegada,e não conseguia ficar quieta. As senhoras de Teerã, sob um ououtro pretexto, amontoavam-se para vê-la e ouvi-la. Aconteceuque houve uma celebração, na residência do prefeito, era ocasamento de seu filho; havia sido preparado um banquetenupcial e a casa estava decorada. A fina flor das senhoras deTeerã fora convidada, as princesas, as esposas dos vazírs e outraspessoas ilustres. Foi um esplêndido casamento, com músicainstrumental e melodias cantadas. Dia e noite, flautas e os sinosemitiram canções. Então Táhirih começou a falar, e tãoenfeitiçadas ficaram as grandes senhoras que elas deixaram delado a cítara e os tambores e todos os prazeres da festa decasamento para juntarem-se à volta de Táhirih e ouvirem asdoces palavras de sua boca.

Assim ela permaneceu, uma prisioneira sem quem a ajudasse.Então veio o atentado contra a vida do Xá;132 um farmán foi emitido,e ela foi condenada à morte. Dizendo que ela estava convocada acomparecer perante o primeiro-ministro, vieram levá-la da casa doKalántar. Ela lavou o rosto e as mãos, vestiu-se com um vestidocaro, e perfumada com atar de rosas, saiu da casa.

Levaram-na a um jardim, onde os carrascos esperavam; masesses hesitaram e depois recusaram-se a acabar-lhe com a vida.

132 No dia 15 de agosto de 1852, um jovem bábí desequilibrado feriu o xá com um tirode pistola. O atacante foi imediatamente morto, e as autoridades realizaram ummassacre dos devotos, sendo que o seu clímax foi descrito por Renan como “um diatalvez sem paralelo na história do mundo”. Cf. Lord Curzon, Persia and the PersianQuestion, pp. 501-02, e A Presença de Deus, pp. 121 e seguintes.

Page 220: Tributo aos Fiéis

202

‘ABDU’L-BAHÁ

Encontraram então um escravo, mergulhado na bebida; esteembriagado e depravado tinha um coração enegrecido, foi eleque estrangulou Táhirih. Forçou um lenço de pescoço entre osseus lábios e socou-o para dentro de sua garganta. Então,ergueram seu corpo imaculado e jogaram-no em um poço nojardim, e sobre ele jogaram terra e pedras. Mas Táhirih alegrava-se; ela havia ouvido com o coração leve a notícia de seu martírio;fixara os olhos no Reino superno e oferecera sua vida.

Saudações e louvor estejam com ela. Santificado seja o seupó, enquanto camadas de luz jorram sobre ele, vindas do Paraíso.

Page 221: Tributo aos Fiéis

203

TRIBUTO AOS FIÉIS

GLOSSÁRIO

‘Abá: manto, capaAbençoada Beleza, A: título de Bahá’u’lláhAbhá: superlativo de Bahá; Mais Glorioso; Todo-GloriosoAbjad, Cálculos de: valor numérico das letras no alfabeto árabe-

persaAfnán: parentes do BábÁrvore Sagrada: se refera ao Manifestante de DeusBeleza Antiga, A: título de Bahá’u’lláhDawlih: governo; estadoEscola Shaykhí: uma seita do islã xiita. Os xiitas são divididos

em dois ramos: a “Seita dos Sete” e a “Seita dos Dozes”.Provinda desta última, a Escola Shaykhí foi fundadapor Shaykh Ahamd e Siyyid Kázim, precursores doBáb. O Guardião relata no A Presença de Deus, ahistória dos primeiros 100 anos da Fé Bábí-Bahá’í, p.18: “Procurarei representar e correlacionar, ... , aquelesmomentosos eventos – que ante os próprios olhos desucessivas perversas, indiferentes ou hostís gerações –transformaram, insensível e inexoravelmente, umramo heterodoxo e aparentemente negligível da escolashaykhí... em uma religião mundial...”

Page 222: Tributo aos Fiéis

204

GLOSSÁRIO

Farmán: ordem; comando; decreto realFarrásh: o mesmo que parsang; unidade de medida, varia de 2 a

3 kilômetros de acordo com o terrenoFatvá: veredicto pronunciado por um muftíHájí: título de um muçulmano que fez peregrinação à MecaHazíratu’l-Quds: Celeiro Sagrado; sede administrativa bahá’íImám: aquele que lidera a oraçãoImám: título do décimo Shí’ih, sucessores de Muhammad.

Diferente do califa dos muçulmanos sunís que é umvisível e destacado chefe eleito, a vice-gerência doProfeta para os xiitas é um assunto puramenteespiritual conferido por Muhammad a Seus sucessoresaté o décimo. O Imám é: “o sucessor divinamenteordenado pelo Profeta, aquele possuidor de todas asperfeições e dádivas espirituais, aquele que o leal deveobedecer, cuja decisão é absoluta e final, cuja sabedoriaé supra-humana e cuja palavra é a autoridade.”

Imám-Jum’ih: líder da oração nas sextas-feiras ou na mesquitacentral

Jináb: título cortês que varia conforme a ênfase; de alguma formaequivalente a “honrado senhor”

Kad-Khudá: chefe do município; líder do vilarejoKalántar: prefeitoMashriqu’l-Adhkár: local de louvores a Deus; Templo Bahá’íMuftí: explanador das leis muçulmanasMujtahid: doutor na lei; clérigo cujo nível o permite a praticar

a jurisprudência religiosa. A maioria dos mujtahidspersa recebeu seus diplomas dos principais juristas deKarbilá e de Najaf

Page 223: Tributo aos Fiéis

205

GLOSSÁRIO

Mullá: líder religioso muçulmanoNabíl: letrado; nobre. O Báb e Bahá’u’lláh, ás vezes, se referiam

a alguma pessoa por um título cujas letras, no cálculoabjad, teriam o mesmo valor numérico que seu próprionome. E.g., o valor numérico das letras de Muhammadé 92 e as letras de Nabíl é, também, 92.

Qá’im: Aquele que emerge: título do BábSirát: ponte ou caminho; denota a religião de DeusSiyyid: título dos descendentes do Profeta Muhammad‘Ulamá: eruditos, santos

Page 224: Tributo aos Fiéis
Page 225: Tributo aos Fiéis

Outras obras de ‘ABDU’L-BAHÁ publicadaspela Editora Bahá’í do Brasil:

!"#$%:SEGREDO DA CIVILIZAÇÃO DIVINA, O

&'$('):EPÍSTOLAS DO PLANO DIVINO

ÚLTIMA VONTADE E TESTAMENTO DE ‘ABDU’L-BAHÁ, A

*+($*#")(':RESPOSTAS A ALGUMAS PERGUNTAS

&%,-"!'./*):ALMA HUMANA, ACOLEÇÃO: SELEÇÃO DOS ESCRITOS BAHÁ’ÍSREVELAÇÃO BAHÁ’Í, ASELEÇÃO DOS ESCRITOS DE ‘ABDU’L-BAHÁ

VISLUMBRES DE PERFEIÇÃO

-'!*)($'):PALESTRAS DE ‘ABDU’L-BAHÁ EM PARIS

PROMULGAÇÃO DA PAZ UNIVERSAL, A

%$'./*):ALIMENTO DA ALMA, OCOMUNHÃO COM DEUS

ORAÇÕES BAHÁ’ÍS

PEDIDOS:WWW.BAHAI.ORG.BR/EDITORA

Page 226: Tributo aos Fiéis
Page 227: Tributo aos Fiéis
Page 228: Tributo aos Fiéis