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Universidade Estadual de Maringá13 a 15 de Maio de 2015
FACES OCULTAS DA ALFABETIZAÇÃO
OLIVEIRA, Marineiva Moro Campos de1.
Escritas iniciais
Este trabalho apresenta resultados parciais de uma pesquisa que tem por objetivo
analisar as concepção de alfabetização e as metodologias que fundamentam os cadernos
orientadores de estudos em um programa de formação continuada para alfabetizadores.
A análise pauta-se pela perspectiva histórico-cultural que se fundamenta na
filosofia marxista, e busca entender a alfabetização como um processo que deve ser
construído a partir das e para as relações culturais e históricas, buscando a
emancipação do sujeito.
Apontamos que no decorrer da história da educação brasileira, a alfabetização
foi se constituindo como um processo socialmente organizado e privilegiado que
contribui, de maneira fundamental, para a inserção do sujeito na cultura letrada.
Contudo, a simples inserção dos indivíduos nesse processo não possibilita sua
aprendizagem de leitura e escrita socialmente construída, para isso pressupõe um ensino
sistematizado que considere as condições objetivas e específicas da alfabetização como
um processo socialmente e culturalmente construído.
Com relação ao ensino, compreendemos que toda e qualquer organização do
trabalho pedagógico do alfabetizador está intrinsecamente relacionada com uma opção
política, ou seja, envolve tanto uma concepção de linguagem quanto de sua apropriação
que influencia na formação dos alunos e, por conseguinte, em toda sociedade, pois todos
os conteúdos, estratégias pedagógicas e a bibliografia utilizada estão carregados de
ideologias em especial de concepções de linguagem e de sujeitos que a escola pretende
formar (GERALDI, 2005).
Inserida em uma sociedade capitalista, a escola, em especial na fase da
alfabetização, deve contribuir para a emancipação humana e a superação dos processos
1 Pedagoga da Rede Municipal de Ensino, Mestranda em Educação do Programa de Mestrado em Educação da UNIOESTE – Campus de Francisco Beltrão. Grupo de Pesquisa Representações, espaços, tempos e linguagens em experiências educativas - RETLEE. [email protected]
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de exploração que são impostos pela classe dominante e que tornam a educação um
instrumento de alienação.
Nesse sentido, entendemos que o processo de alfabetização tem um
compromisso social, principalmente com a classe trabalhadora, e, se fundamentada na
perspectiva de emancipação, pode possibilitar o acesso a conhecimentos antes limitados
para essa classe.
Com a necessidade de analisar as faces ocultas da alfabetização impregnadas nas
práticas alfabetizadoras ao longo da história da educação, organizamos o texto em
quatro seções. Na primeira, analisamos as concepções advindas dos valores sociais
atribuídos à alfabetização. Salientamos que as mudanças de concepções e de valores no
processo de alfabetização são decorrentes das necessidades sociais, evidenciando a
relação do processo de alfabetização com o projeto hegemônico de sociedade. Na
segunda seção, analisamos o ensino na alfabetização, indicamos um cenário educacional
marcado por disputas de métodos.
Na terceira seção, apontamos a desmetodização na alfabetização, uma etapa que
marca a inserção das correntes construtivistas e sociocultural. Na quarta seção,
analisamos a alfabetização em prática no século XXI, apontamos para a necessidade de
reestruturação das práticas de alfabetização, pois moldadas pelo sistema capitalista,
continuam sendo instrumentos de reprodução e alienação.
Alfabetização ao longo da história
A alfabetização tornou-se no início do século XX o termo para representar o
processo de ensino da leitura e da escrita, porém, a história da alfabetização não remete
somente às nomenclaturas, mas a uma análise das disputas políticas, econômicas e
sociais, que marcaram o cenário desse processo.
Consideramos a alfabetização como um processo determinado a partir das e
pelas emanadas relações inerente à conjuntura histórica, às correlações de força e ao
grau de organização da formação social, por isso, síntese das múltiplas determinações.
Determinações que transferem à alfabetização características econômicas para a
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ampliação do capital vinculada ao ensino controlado pelo Estado2, cujo objetivo é
legitimar os padrões das relações sociais e econômicas da classe dominadora (NEVES,
2011, p. 20).
Diante da aclamação ao projeto vigente de sociedade, a alfabetização tornou-se
um projeto da hegemonia. Mortatti (2000) explica que a alfabetização tornou-se um
projeto hegemônico quando passou a ser instrumento de imposição e manutenção de
ideias de um sistema público de ensino baseado nas concepções de modernização e
progresso, o que acarretou na organização de uma nova concepção de leitura e escrita.
Essa concepção tornou a alfabetização um campo de disputas ideológicas
articulada ao projeto dominante e, por consequência arraigada de valores da ideologia
capitalista com o objetivo de produzir bens em benefícios próprios.
Graff (1994), autor que se dedicou a estudar as concepções de valorização da
alfabetização, nomeadas por ele de domínios3, aponta a alfabetização como um projeto
social vinculada à solução de problemas sociais, econômicos e políticos determinados
pelo fator tempo histórico da necessidade de cada época.
Segundo o autor, o progresso desejado vinculado ao processo de alfabetização é
um mito, pois pensar que a alfabetização é a salvação dos problemas sociais é um mito
necessário para assegurar a hegemonia4 do capital.
O mito, segundo Graff (1994), é decorrente da valorização capitalista sobre a
alfabetização que cristaliza a concepção econômica e de ascensão social em detrimento
a aprendizagem da leitura, da escrita e dos conhecimentos produzidos pelo homem. E,
nesse sentido, a alfabetização ao longo da história é tomada como aparelho hegemônico
manipulado pela classe dirigente como uma vitalidade para garantia de seus interesses.
Interesses que na medida em que são ameaçados, são novamente estruturados e,
inerentes à mudança, reestruturam seus aparelhos de manipulação (COOK-GUMPERZ,
2008, p. 41).
2 No campo da educação conceituamos Estado como o elemento que “pressiona, incita, solicita e pune, já que, criadas as condições nas quais, determinado modelo de vida é possível”, a ação ou omissão contra a legitimidade do projeto social deve ser punida (GRAMSCI, 2002, p. 28).3 Domínio ontológico; refere à busca da essência do ato de alfabetizar e do que constitui esse ato. Domínio axiológico; pautado nos valores e concepções da alfabetização (GRAFF, 1994).4 Com base nas escritas e Gramsci (2002) conceituamos Hegemonia como a criação de um bloco ideológico que permite à classe dirigente manter o monopólio intelectual o que fortalece sua dominância.
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Métodos que estruturaram a Alfabetização
Muitos discursos no âmbito educacional indicam a necessidade de entender o
que faz da alfabetização um problema social e porque nossos alunos têm dificuldades
em aprender a leitura e a escrita "especialmente na escola pública” (MORTATTI, 2006,
p.1).
Para Mortatti (2006) essa problemática está vinculada ao processo de
subordinação da alfabetização ao capital, um processo que limita o ensino e
aprendizagem para a classe trabalhadora.
Assim como Mortatti (2006), Graf (1994, p.24) afirma que nesse limitar do
processo do ensino da leitura e da escrita a alfabetização se resume em ensinamento de
códigos o que torna a alfabetização um instrumento para:
Facilitar a transmissão e assimilação da classe trabalhadora e dos pobres aos hábitos industriais e sociais ‘modernos’, se administra em instituições cuidadosamente estruturadas. [...] (que busquem) juntamente com os próprios promotores da escolarização- trabalhadores mais morais, ordeiros, disciplinados, obedientes e conformados: o resultado esperado da hegemonia da economia moral da alfabetização.
Essa concepção marca o processo de alfabetização escolar como facilitador da
disseminação da hegemonia. Moratti (2000) destaca que o ensino na alfabetização tem
sua história marcada e estruturada no movimento de disputas pela hegemonia
determinada por métodos.
Como solução para resolver os problemas do ensino da leitura e da escrita,
acreditava-se que o encontro de um método seria o ideal, o que acarretou em uma
disputa por métodos, uma “disputa entre as novas e as velhas explicações para um
mesmo problema alfabetizar todas as crianças” (MORTATTI, 2006, p.1).
Para análise dos métodos, as pesquisas de Braslavsky (1988), Frade (2007),
Franco (1997), Gonçalves (2011) e Mortatti (2006) tornam-se importantes, em vista que
esses autores lançam na alfabetização um olhar de totalidade e apontam como os
métodos utilizados para alfabetizar se operacionalizam em diferentes períodos.
De acordo com os autores, os métodos utilizados desde a antiguidade até o final
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do século XVIII foram os de fundamentação sintética, os métodos Alfabético, Silábico e
Fonético. Franco (1997) conceitua-os como um processo que segue das partes para o
todo, da síntese para a análise. Braslavsky (1988, p.42) caracteriza-os de “métodos que
partem de unidades não significativas da palavra”. Em Frade (2007), podemos encontrar
seu objetivo no ensino:
Cada letra (grafema) é aprendida como um fonema (som) que, junto a outro fonema, pode formar sílabas e palavras. Para o ensino dos sons, há uma sequência que deve ser respeitada, segundo a escolha de sons mais fáceis para os mais complexos. Na organização do ensino, a ênfase na relação som/letra é o principal objetivo (FRADE, 2007, p. 23).
Essa relação, fonema-grafema, é necessária, mas com esses métodos de base
sintética, o processo de alfabetização graduava-se, implicando a memorização e
repetição. Com ele iniciava-se o ensino da letra para as sílabas e delas para a palavra,
depois para as frases. O foco não estava no “uso social da escrita” (GOLÇAVES, 2011,
p.52) ou na significação, mas aprendia-se por partes isoladas para, então, chegar a um
todo, muitas vezes, sem significados, apenas como um ato mecânico.
Os métodos de base sintética concretizavam-se por meio do uso das chamadas
Carta de ABC, constituídas por abecedários maiúsculo e minúsculo, pelos silabários
compostos por até três letras para posterior formação de palavras soltas. Esse material
utilizado para alfabetizar, por volta de 1875, foi produzido por professores fluminenses
e paulistas que tinham como base sua experiência didática (MORTATTI, 2006).
O ensino da alfabetização por base no método de fundamentação sintética
apresentou esse método como incapaz de desnudar as razões do analfabetismo latente.
Nesse momento, sobre influência da pedagogia norte-americana de caráter
biopsicofisiológico da criança, vem à tona a necessidade de um novo método
(MORTATTI, 2006).
Diante dos indicadores da ineficácia do método de base sintética e, na tentativa
de atender à nova necessidade, em contradição a esse método, apresentado nas Cartas de
ABC, surge no ano de 1876, em Portugal, o “Método João de Deus”, nomeado com o
nome de seu criador, um dos primeiros autores a debater a alfabetização com aportes
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filosóficos. Esse método se consolidou na cartilha “Maternal João de Deus”, também
conhecidas como “Cartilha Arte da Leitura” (MONARCHA, 1997).
O “novo” método consolidou-se, no Brasil, em 1880, utilizado nas províncias de
São Paulo e do Espírito Santo. O pioneiro brasileiro foi Antônio da Silva Jardim,
positivista militante e professor de português na Escola Normal de São Paulo
(MONARCHA, 1997).
Fundamentado na linguística moderna, esse método consistia em iniciar o ensino
da leitura pela palavra, para, posteriormente ensinar o fônico das letras isoladas da
palavra. Na época, foi considerada uma inovação científica para o progresso
socioeconômico do Brasil (MONARCHA, 1997).
O novo método passa ser conhecido como método analítico ou global, com base
no positivismo, foca o ensino da palavração, partindo da palavra mais fácil para a mais
difícil, constituiu uma nova característica das cartilhas de alfabetização, mas que ainda
se faz presente nos dias atuais (MORTATTI, 2000).
Muitas discussões entre adeptos do método sintético e adeptos do método
analítico marcaram o cenário da alfabetização no Brasil. Houve até uma tentativa de
unir os dois, junção denominada de métodos mistos (MORTATTI, 2006).
Com o método misto, ocorre a constituição de um ecletismo processual e
conceitual para a alfabetização. A união dos métodos de ensino considerava o nível de
maturidade das crianças e as classificava em classes homogêneas; a escrita continuou
concebida como uma questão de habilidade caligráfica e ortográfica simultânea à
habilidade de leitura, e ambas eram adquiridas com base em exercícios de coordenação
motora (MORTATTI, 2000).
Eis, portanto, nosso perigoso ponto de chegada: a constatação da existência de um sistema [...] valorizando cada vez mais a cultura do apelo visual, do aprender pela repetição de frases curtas, mensagens pobres, sem reflexões e de verdades digeríveis, criadas para não serem questionadas (GIOVANNI; ONOFRE, 2006, s/p.).
Devido a tantos debates, acreditava-se que o método era a peça chave para a
alfabetização, o caminho que decide as formas sistematizadas para se alfabetizar e que
conduziria ao pleno conhecimento. Braslavsky (1988) afirma que o método:
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Não é uma panaceia. Acreditamos que o método deve inserir-se em uma concepção pedagógica compreensiva, holística, com perspectivas sociais, culturais, políticas e filosóficas, pesquisando os fatos educacionais no seu próprio campo, com o apoio de outras ciências as quais respeita e interroga, sem por isso subordinar-se a elas (BRASLAVSKY, 1988, p.47).
Em consonância às escritas de Braslavsky (1988), os resultados apresentados
pelos métodos utilizados para alfabetizar, apontam o continuo fracasso escolar e a
incapacidade da escola em alfabetizar, evidenciam também que nenhum dos métodos
asseverou o ensino da leitura e da escrita para todos.
Mortatti (2000) afirma que os métodos, definidos para o ensino em diferentes
momentos históricos, não possibilitaram um ensino que superasse as explorações que
eram impostas pela classe dominante, ao contrário, articulavam cada vez mais a
alfabetização a um instrumento de alienação. Para a autora, em nenhum momento
histórico a alfabetização foi estruturada para gerar condição de emancipação, em
especial a classe dominada.
Dessa forma, entre disputas, denominadas por Mortatti (2011) como querela dos
métodos, Manuel Bergström Lourenço Filho, professor, intelectual, que se dedicou entre
1920 a 1970, sobretudo, aos estudos dos problemas do ensino primário, principalmento
no ensino da leitura e da escrita, marca o cenário da alfabetização por relativisar os
métodos desse processo e causar agitações no campo educacional brasileiro,
proporcionando uma ruptura com os modelos de educação europeus.
A obra didática de Lourenço Filho, um dos primeiros idealizadores de cartilhas
para alfabetização, sendo as mais conhecidas “Cartilha do povo” e “Upa, cavalinho!”,
que, juntamente com o livro “testes de ABC”, eram utilizados para verificar a
maturidade necessária à aprendizagem da leitura e da escrita, enfatizam a necessidade
de avaliar a maturidade biofisiológica para a aprendizagem inicial e não o método que
possibilitava somente saber como alfabetizar (BERTOLETTI, 2001).
Esse projeto, originado dos estudos teórico-experimentais sobre o ‘aprendizado’ da leitura e da escrita pela criança, colocava-se em posição de superação das disputas travadas até então entre os defensores dos métodos analíticos e dos métodos sintéticos. Para Lourenço Filho, o problema deslocou-se do ‘como’ ensinar, para os fatores internos da ‘criança real’ que influenciavam nesse
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aprendizado. Os métodos, por isso, eram indiferentes e representavam o pensamento ‘tradicional’ em relação ao ‘novo’ ponto de vista proposto por Lourenço Filho (BERTOLETTI, 2001, p. 103).
Essa nova concepção deu inicio ao processo de desmetodização da alfabetização,
fatores que impulsionaram como foco central a aprendizagem pautada no interesse da
criança em aprender e à maturidade biofisiológica, aspectos internos passam a ser
considerados pré-requisitos para o aprendizado da leitura e da escrita.
A reestruturação da alfabetização num processo de desmetodização
Com a nova concepção de alfabetização, no início da década de 1980 inicia-se
um “processo de desmetodização da alfabetização, uma vez que não cabem, nesse
processo, os tradicionais métodos de ensino da leitura e da escrita” (MORTATTI, 1999,
p.473).
Nessa década, chega ao Brasil o pensamento construtivista, fruto de pesquisas
sobre a psicogênese da língua escrita desenvolvidas pelas pesquisadoras Emília Ferreiro
e Ana Teberosky, ambas argentinas seguidoras de Jean Piaget.
A nova teoria que, de forma equivocada, no Brasil, foi chamado de método,
passou a ser considerada solução para o fracasso da alfabetização. Ignorando os
métodos, o construtivismo inverte os papeis, a base essencial passa ser a aprendizagem
e o foco o aluno deixando em segundo plano o ensino e o professor (MORTATTI,
2000).
A nova teoria é difundida e apontada como a solução dos problemas na
alfabetização. Assim, muitas Secretarias de Educação adotam a proposta do
construtivismo como base fundamental dos trabalhos educacionais, proposta que tem
como “base teórica a epistemologia genética de Jean Piaget, que concebe o sujeito como
o centro da aprendizagem e quem produz o conhecimento na interação com o objeto”
(GONÇALVES, 2011, p. 59).
Os principais pressupostos do construtivismo pautam-se na análise do sujeito
como autônomo5, capaz de construir o seu próprio conhecimento, pois para Piaget
5 Com raízes piagetianas, adeptos da teoria construtivista conceituam autonomia com base na conceituação de Piaget. Para esse estudioso a autonomia é um poder que só se conquista de dentro, pela
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(1970) o conhecimento é uma reprodução da realidade, uma realidade construída pelo
sujeito a partir da sua relação com o objeto.
Seguidoras da concepção de Piaget, Ferreiro e Teberosky (1986) dedicaram-se
ao estudo da aprendizagem da escrita defendendo a ideia de que essa aprendizagem não
ocorre por representações de modelos, mas por uma construção da própria criança.
No construtivismo a aprendizagem parte do sujeito e por isso deve-se considerar
o fator biológico como determinante da aprendizagem. Mortatti (2007) explica que na
concepção construtivista a alfabetização é um processo que:
[...] resulta da construção, por parte da criança, do conhecimento sobre a leitura e a escrita, na interação com esse objeto de conhecimento (a língua escrita). A construção desse conhecimento ocorre de acordo com certas etapas, seguindo um processo de desenvolvimento de estruturas cognitivas que a criança possui naturalmente, sem depender de intervenções de ensino e de condições socioculturais (MORTATTI, 2007, p. 162, grifos nossos).
A divulgação em larga escala das ideias construtivistas provocou novas disputas,
de um lado os que ainda defendiam os métodos e do outro os defensores da nova teoria,
a construtivista. A disputa não estava apenas entre esses dois grupos, mas há um terceiro
envolvido, os defensores da corrente denominada na década de 1980 como
interacionista em alfabetização. Esta nova corrente, influenciada em especial por
Vygotsky sofre tentativas de conciliação e incorporação com a teoria construtivista, o
que causou um novo ecletismo teórico (MORATTI, 2000).
Nessa tentativa de aproximar as teorias, os métodos retornam camuflados nas
cartilhas chamadas de construtivistas, sócio-construtivistas e construtivistas-
interacionistas, cartilhas que se relacionam harmoniosamente com os métodos, hoje
implícitos nos livros que orientam as práticas de alfabetização (MORTATTI, 2000).
Essa tentativa de vinculação de teorias degrada a essência da teoria histórico-
cultural defendido por Vigostki. Pois, para Vigotski (1998) as condições socioculturais,
socioeconômicas e políticas, entre outros fatores determinantes do contexto social,
negados pela teoria de Piaget, sempre exerceram e exercem fortes influências na
aprendizagem e que por não serem considerados transformam o processo de
alfabetização em um problema educacional.
via do egocentrismo (PIAGET, 1970).
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A alfabetização em prática no século XXI
Na tentativa de analisar o processo de alfabetização no século XXI, analisamos
um caderno de planejamento semestral de alfabetização elaborado coletivamente por
alfabetizadores que atuam no 1º, 2º e no 3º ano do Ensino Fundamental em uma escola
pública localizada no Oeste de Santa Catarina. Esse caderno tem o objetivo de orientar
as práticas alfabetizadoras e as atividades presentes no caderno foram retiradas dos
materiais didáticos de alfabetização arquivados na biblioteca da escola.
Nesse caderno foi possível identificar atividades que remetem a formação
técnica do aluno, a exemplo de um texto de orientação para avaliação na alfabetização,
o texto indicava que era preciso avaliar os conhecimentos do tipo conceitual, que
envolviam a compreensão de que a escrita relaciona-se com a pauta sonora da palavra, e
não com o seu significado.
Essa análise nos possibilitou identificarmos que o ensino da escrita encontra-se
em uma perspectiva técnica, pois em toda forma de ensinar a escrita deve haver relação
com seu significado, pois é necessário que a criança relacione a escrita a um sistema de
significação. Como alfabetizar na perspectiva emancipatória se o planejamento de
alfabetização está pautado em um ensino técnico?
Voltamos a análise do caderno, ao refletirmos sobre as práticas de leitura e
escrita apresentadas no material, percebemos que as atividades mais utilizadas eram
atividades que continham uma imagem e, do lado, várias palavras com a grafia
parecidas, mas apenas uma estava correta, e a criança deveria assinalá-la.
Recorremos aos estudos de Geraldi (2010) para apontar que nessa condição de
ensino e aprendizagem o aluno não é conduzido a pensar, apenas deve decodificar a
palavra e assinalar a correta, a construção cognitiva para solução da pergunta não é
considerada, assim como não é considerado o trabalho do professor como um mediador,
pois este assume o papel de aplicador de atividades técnicas retiradas de materiais
didáticos.
Em contraposição a uma prática alienada por materiais didáticos que
transformam o professor em aplicador, Brito (2005) aponta que “[...] alfabetizar não é
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formar no domínio de uma técnica, mas sim pôr a pessoa no mundo da escrita, de modo
que ela possa transitar pelos cursos da escrita, ter condição de operar criticamente com
os modos de pensar e produzir da cultura escrita” (BRITO, 2005, PREFÁCIO).
Geraldi (2005) faz um apontamento sobre atividades iguais as utilizadas pelas
alfabetizadoras, chamando-as de uma enunciação monológica, na qual os sujeitos não
são interlocutores. Esse tipo de atividade tem somente o objetivo de verificar se o aluno
se apropriou da capacidade de codificar e decodificar a partir da análise ilustrativa do
objeto.
Não desconsideremos a necessidade do ensino da relação grafofônica, que é um
princípio básico da alfabetização, mas salientamos a necessidade de observar que cada
aluno tem sua história de vida num contexto social e ideológico, em que, com a relação
com o outro, vai construindo sua consciência, “[...] com diferentes palavras que
internalizamos e que funcionam como contrapalavras na construção de sentidos do que
vivemos, vemos, ouvimos, lemos” (GERALDI, 2005, p. 22), e não com palavras soltas
e isoladas de contextos.
Para Mazzeu (2007) essas práticas, por mais camufladas que estejam, continuam
sendo práticas reprodutivistas e funcionalistas que subordinas às demandas do capital e
às determinações do mercado de trabalho buscam o “adestramento e treinamento do
trabalhador” (MAZZEU, 2007, p. 44).
Em sínteses, a escola afinada com a reestruturação produtiva capitalista cumpre
o papel de delimitar os conhecimentos a serem repassados à classe trabalhadora
transformando-se assim em um instrumento de reprodução do/e para o capital
(MAZZEU, 2007).
Nesse contexto, o aluno pertencente à classe trabalhadora não pode se formar
livre, emancipado e crítico, pois já no início de sua vida escolar será manipulado por um
processo de alfabetização castrador de iniciativas críticas e democráticas.
A escola, como tal se estrutura na modernidade é uma instituição burguesa, no sentido de que é nascida no ventre da sociedade do capital, se vincula ao ideário democrático-burguês e toma parte na dinâmica produtiva e reprodutiva dessa sociedade (SOUSA JUNIOR, 2010, p.175).
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Assim, as ações do alfabetizador se configuram em um viés reprodutivista do
capital, o alfabetizador é levado a conduzir um ensino técnico, pois para o mercado o
importante é a codificação e decodificação, a função social desse e de outros processos
de ensino não se tornam importantes para quem, seguindo a lógica do capital, será
operário.
Escritas finais
Com o objetivo de analisar criticamente as faces ocultas da alfabetização
impregnadas nas práticas alfabetizadoras ao longo da história da educação, apontamos
que são inúmeras as máscaras postas nesse processo, e essas sempre decorrentes da
manipulação do capital sob a educação.
Esse estudo, pautado na perspectiva histórico-cultural pressupõe que a escola,
em especial, no processo de alfabetização, deve proporcionar aos alunos a possibilidade
de emancipação, de liberdade, de expressão crítica e reflexiva, gerando com isso
possibilidades de superação das concepções técnicas de alfabetização por parte dos
alfabetizadores que reproduzem práticas que formam para o mercado de trabalho. Pois,
a alfabetização como reprodução do sistema capitalista não possibilita outra forma de
ensino senão a um ensino técnico que busca preparar o aluno para responder as
demandas de empresas.
Nessa perspectiva, identificamos que, com ideologia do capital impregnada na
estrutura da escola, a qual permeia as práticas dos alfabetizadores, contribui para que o
discurso, manipulado pelos capitalistas, seja sempre o dominante. Por fim, apontamos
que as faces ocultas da alfabetização se manifestam de forma a comprometer o processo
de alfabetização aos desejos do capital.
REFERÊNCIAS
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Universidade Estadual de Maringá13 a 15 de Maio de 2015
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