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Tudo pela pátria - Em busca do combate!

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Ele foi o maior ás dos Aliados na 2ª Guerra Mundial! E agora você pode conhecer a sua história! A vida e a trajetória de combates do ás soviético Ivan Kozhedub, da Batalha de Kursk à tomada de Berlim, em suas próprias palavras. Um depoimento único da luta aérea no Fronte Leste, na 2ª Guerra Mundial. Pela primeira vez traduzido em língua portuguesa, em texto integral, esta edição inédita traz ainda prefácio biográfico de N.G. Bodrikhin, notas explicativas de Claudio Lucchesi, dezenas de fotos raríssimas, e ilustrações exclusivas de Murilo Martins. Uma obra inestimável de aviação e história! Uma visão pessoal e íntima da Aviação Militar soviética, uma das forças decisivas do maior conflito armado do século 20. Uma biografia emocionante de uma trajetória de vida única!

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IVAN KOZHEDUB

São Paulo2015

1ª Edição

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ÍNDICEPARTE 1 25 MEMBROS DO KOMSOMOL, AO AVIÃO!

PARTE 2 161 A GRANDE GUERRA PATRIÓTICA

PARTE 3 431 DO VÍSTULA AO ELBA

PARTE 4 537 GUARDANDO A PAZ

ÍNDICEPARTE 1 25 MEMBROS DO KOMSOMOL, AO AVIÃO!

PARTE 2 161 A GRANDE GUERRA PATRIÓTICA

PARTE 3 431 DO VÍSTULA AO ELBA

PARTE 4 537 GUARDANDO A PAZ

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Apresentação

Este livro, pela primeira vez publicado no Brasil, em tradução direta do original russo, é a edição mais completa, ampliada e revisada de memórias daquele que foi não “apenas” o maior ás soviético, mas de fato o “ás dos ases” de todos os Aliados na 2ª Guerra Mundial. Três vezes condecorado como herói da União Soviética, Ivan Kozhedub alcançou 62 vitórias em combates aéreos contra os aviões da Luftwaffe e este número não inclui dois caças norte-americanos P-51 Mustang, que em abril de 1945, por engano, atiraram no avião do Kozhedub sobre Berlim e foram imediatamente abatidos em contra-ataque. Seis anos depois, Ivan Nikitovich iria de novo entrar em confronto com os antigos aliados – agora na Coreia, onde ele comandou a 324ª Divisão de Caça, a mais eficaz da Guerra da Coreia, que destruiu 216 aviões dos EUA, tendo perdido apenas 27 dos seus aparelhos e nove pilotos.

Um impecável combatente, piloto e comandante, desinteressado em bens materiais, sem quaisquer nuances de aristocrata ou de político – não sabia e não considerava útil lisonjear, intrigar e nem desenvolver relacionamentos por interesse. Portanto, não fez carreira burocrática militar, apesar de, no fim da vida, haver recebido as estrelas de marechal.

Um homem de honra e dever, absolutamente dedicado à Pátria, I. N. Kozhedub foi enfim poupado de ver o fim da União Soviética, tendo falecido de um ataque cardíaco em 8 de agosto de 1991...

Nesta edição pioneira, foram incluídas as correções que o próprio autor fez no manuscrito original, pouco antes da sua morte.

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PREFÁCIO

EM BUSCA DO COMBATE!

No ano do 60º aniversário da grande vitória1, Ivan Kozhedub estaria com 85 anos2. Para alguns, Ivan Nikitovich foi o um símbolo de uma grande época, três vezes herói da União Soviética, o marechal do ar talhado em bronze, um piloto lendário e invicto, com um lugar junto de Peresvet, Pozharsky e Suvorov3. Para outros, ele foi um grande piloto, sempre à procura de uma luta; o melhor dos ases soviéticos, tendo a seu crédito um número recorde de “Messers” e “Focke-Wulf” abatidos; e tornando-se ainda, durante a Guerra da Coreia, um grande comandante e líder militar proeminente. Para uns terceiros – estes, infelizmente, em número cada vez menor – um amigo de luta alegre e carinhoso e um comandante camarada. E para uns últimos – um anfitrião hospitaleiro, amável, inesgotável de ideias e histórias, um homem cheio de um humor único.

Sua vida foi simples, objetiva e totalmente transparente.

Ivan Kozhedub nasceu na aldeia de Obrazheevka, perto de Shostka, numa região da “Velha Rússia”, local onde ocorreu uma das batalhas com os polovtsianos4, terra de Igor5. Sendo o caçula, o quinto filho na família, Ivan cresceu em extrema pobreza. Seu pai, Nikita Illarionovich, perdeu muito cedo a saúde, mas era um homem educado e até um tanto filósofo. E talvez tenha sido mesmo a sua conversa educada e o seu conhecimento que o fizeram ter sucesso em cortejar Stefanida Veremes – uma bela menina, de uma família abastada. No entanto, o casamento com alguém de uma

1 NE: Referência à vitória final na 2ª Guerra Mundial, sendo que este prefácio foi escrito originalmente para a edição russa publicada em 2005.2 Embora talvez a sua data oficial de nascimento esteja incorreta, pois sua esposa dizia que Kozhedub de fato nascera em 6 de julho de 1922 e não em 8 de junho de 1920 (conforme o registro oficial). A alteração de dois anos teria sido obra do próprio Kozhedub, para facilitar o seu ingresso na escola técnica.3 NE: Referência a três ícones da história militar russa: Alexander Peresvet (monge da Igreja Ortodoxa Russa, participante de um épico combate mortal na Batalha de Kulikovo, em 1380), o Príncipe Dmitry M. Pozharsky (líder militar contra os invasores poloneses, em 1611-1612, outorgado com o título de “Salvador da Mãe-Pátria”) e o Conde Alexander V. Suvorov (1730-1800, líder militar russo que nunca perdeu uma batalha, tendo participado de mais de 60 grandes confrontos, muitos com forças inferiores às do oponente).4 NE: Povo nômade que habitava uma área relativa ao atual leste da Ucrânia, Crimeia e partes do território da Rússia, até o Rio Volga.5 NE: Príncipe Igor Svyatoslavich, o Bravo (1151-1201).

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classe “inferior” não era do agrado do obstinado pai de Stefanida, que lhe negou o dote.

Ivan não era uma criança malcomportada, sabia desenhar muito bem e aprendeu a ler aos 6 anos, mesmo sem ter acesso a material escolar. Após sete anos de estudo na escola, matriculou-se no colégio técnico de química de Shostka e, em 1938 , encantado com o uniforme dos cadetes, inscreveu-se no aeroclube.

Fez seu primeiro voo em abril de 1939, tendo uma sensação inesquecível. A beleza de sua terra natal, que se abriu para ele da altitude 1.550m, vista da cabine de um biplano U-2, impressionou muito o jovem.

No início de 1940, sem terminar ainda o curso técnico e sem se tornar um “especialista em pólvora”, Kozhedub foi encaminhado para a Escola Militar de Pilotos, em Chuguyev, onde recebeu instrução de voo sequencialmente nos aparelhos UT-2 , UTI-4 e I-16. No outono do mesmo ano, tendo feito dois voos perfeitos em circuito, para seu desânimo total, foi selecionado para permanecer na escola, como professor instrutor.

Isso o levou a voar muito, sempre experimentando e aperfeiçoando as suas habilidades de pilotagem. “Se fosse possível, eu não sairia de seu cockpit. A técnica de pilotagem, os números de voo, me dão uma alegria incomparável”, diz Ivan Nikitovich neste livro, revelando a essência do piloto.

A notícia do início da guerra fez o então Sargento Kozhedub (ironicamente, os pilotos formados naquela que viria a ser chamada de “Turma de Ouro”, em 1941, não foram graduados como tenentes, mas como sargentos) se empenhar com ainda maior persistência em treinamentos de voo, a estudar as questões de táticas, analisar mesmo as raras, e não muito objetivas, descrições dos combates aéreos que apareciam nos jornais. Os dias, incluindo os fins de semana, foram repartidos em minutos e estavam subordinados todos a um único objetivo – tornar-se um digno piloto de caça. Com boa visão espacial, ele vividamente imaginava o desenrolar de um combate e calculava as consequências de possíveis ações, anotando e recordando o que parecia importante.

O discurso de Stalin, pronunciado em 7 de novembro de 1941, causou-lhe uma grande impressão. Kozhedub anotou algumas

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frases-chave do discurso em seu caderno, onde também guardava desenhos de aeronaves e esquemas de combates aéreos. Supersticioso, como a maioria dos pilotos, ele considerava esse caderno como seu talismã e o levava em cada voo. Anotar os pensamentos no papel e ali também analisar os acontecimentos tornou-se um hábito para ele e durante toda a sua vida ele manteve esse diário.

No fim do outono de 1942, depois de inúmeros pedidos e relatórios, o Sargento Kozhedub, entre outros instrutores e formandos da escola de voo, foi enviado a Moscou, para o Posto de Triagem de tripulantes e técnicos de manutenção de aeronaves, de onde foi enviado para o 240º Regimento de Aviação de Caça.

Ainda em agosto, esse regimento tornou-se um dos primeiros a ser reequipado com os caças de última geração Lavochkin La-5. Mas a conversão para o novo modelo foi feita apressadamente, em apenas 15 dias, e ao irem para as operações reais percebeu-se a necessidade de retificações no projeto e na fabricação, com o regimento sofrendo pesadas baixas na área de Stalingrado. Assim, apenas dez dias depois, o regimento foi retirado do fronte e, além do comandante do regimento, o Major I. Soldatenko, permaneceram em serviço apenas alguns pilotos. A recomposição e o novo ciclo de treinamento foram então conduzidos cuidadosamente e no final de dezembro de 1942, após um mês de treinamento teórico intenso, com aulas diárias, os pilotos começaram a voar com os novos aviões.

Em uma das missões de treinamento, quando imediatamente após a decolagem o motor começou a falhar, com perda brusca de potência, Kozhedub, de modo determinado, levou a aeronave numa curva e conseguiu pousar em emergência, no limite do campo de pouso. Mas sofreu alguns traumas nesse pousou duro e por alguns dias ficou fora de ação. Assim, antes do envio para o fronte, tinha voado apenas umas 10 horas com o novo caça. E o incidente do motor foi apenas o primeiro de uma longa série de problemas que o perseguiu no início de seu caminho de guerra.

E ao serem distribuídas as novas aeronaves aos pilotos, Kozhedub recebeu um avião mais pesado, a variante com cinco tanques de combustível, de número “75”. E em sua primeira missão de combate, para cobrir o aeródromo, tentando atacar um grupo de bombardeiros, foi atingido por caças inimigos e depois ficou na

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zona de fogo da sua própria artilharia antiaérea. Seu avião ficou muito danificado pelas rajadas de canhão de um Bf-109 e por dois projéteis antiaéreos, e o próprio Kozhedub sobreviveu por um milagre – o encosto blindado do seu assento o protegeu contra um projétil de carga explosiva do caça alemão, lembrando que na fita de munição esses projéteis eram geralmente intercalados com outros, de tipo perfurante, antiblindagem...

Depois dos reparos, o seu La-5 poderia ser chamado de um avião de combate “só condicionalmente”. Kozhedub passou a fazer missões de combate raramente e de “sobras”, ou seja, com aeronaves que ficassem livres, com a quantidade destas sendo menor que a de pilotos. Aconteceu então de ele quase ser transferido do regimento para uma posição em posto de observação. Só a interferência de Soldatenko, que ou enxergou no silencioso “azarão” o futuro grande combatente ou sentiu pena dele, salvou Ivan dessa requalificação.

Foi só na Batalha do Saliente de Kursk, em sua 40ª missão, quando já se tornara o “paizão” (vice-comandante do esquadrão), que enfim Kozhedub derrubou o seu primeiro avião alemão – um bombardeiro de mergulho Ju-87 Stuka. Após essa vitória, porém, a sua conta de vitórias passou a crescer rapidamente – em missões de cobertura e apoio às tropas terrestres, Kozhedub alcancou quatro vitórias oficiais.

Exigente consigo mesmo, frenético e incansável em combate, fenomenalmente resistente às sobrecargas físicas no voo, tornou-se um combatente aéreo ideal, ativo e cumpridor de ordens, ousado e calculista, valente e habilidoso, um cavaleiro sem medo e sem censura. “A manobra precisa, o ataque com rapidez desconcertante e o tiro de uma distância extremamente curta”, assim Kozhedub definia os fundamentos de combate aéreo. No entanto, ele próprio era um excelente atirador (aliás, também de armas pessoais, e isso foi registrado em provas oficiais no regimento e na divisão, quando foi capaz de acertar a boca de uma garrafa a 50m), um verdadeiro “sniper”, preferindo atacar os aviões inimigos a distâncias de 200-300m e raramente, conforme a situação, aproximando-se numa distância menor. Ele nasceu para lutar, vivia de luta, ansiava por ela. Aqui, um episódio típico seu, observado por outro grande ás, companheiro seu de regimento, Kyrill Evstigneev: “Uma vez, Ivan retornou de uma missão, quente pela luta, excitado e talvez por isso extraordinariamente falador: ‘Os filhos da mãe! Devem ser os

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‘lobos’ do Esquadrão ‘Udet’. Mas nós batemos neles para valer!’. E apontando o Posto de Comando, perguntou esperançosamente ao ajudante do esquadrão: ‘Como é que é? Nada mais para hoje?’”.

A atitude de Kozhedub com o seu avião adquiriu características quase religiosas, naquela sua forma chamada de “animismo”. “O motor funciona bem. O avião obedece cada movimento meu e isso me ampara. Eu não estou sozinho – comigo está o meu amigo de combate.” Nestas palavras, a atitude do ás com a sua aeronave é quase como que com um ser vivo. E não é um exagero poético, não é uma metáfora. Aproximando-se do avião antes de cada voo, Kozhedub sempre tinha para ele algumas palavras amáveis e, também nos próprios voos, com ele “conversava” como que com um amigo, que realiza uma parte importante do trabalho. Afinal, é difícil encontrar uma profissão, além do voo, onde o destino de um homem esteja mais dependente do comportamento da máquina.

No total, durante a guerra, ele voou em seis diferentes caças Lavochkin e nenhum falhou com ele. E ele também nunca perdeu um único avião, apesar de ter tido fogo a bordo, perfurações de projéteis e pousos em aeródromos com crateras espalhadas.

De seus aviões, dois são mais famosos. Um, o La-5FN, construído com dinheiro do fazendeiro apicultor Konev, com inscrições brilhantes, em branco com vermelho, em ambos os lados (apesar dos pilotos, na verdade, não gostarem de pinturas externas indiscretas), que teve um destino em combate surpreendente. Com tal caça, Kozhedub lutou em maio e junho de 1944 e abateu sete aviões alemães. Depois de sua transferência para o 176º Regimento de Aviação de Caça, P. Bryzgalov fez algumas missões com o aparelho e, em seguida, Evstigneev, que destruiu com ele mais seis aviões inimigos.

Outro caça famoso de Kozhedub – o La-7, de número “27” – pode ser visto hoje no Museu da Força Aérea, em Monino. Com ele, Ivan Nikitovich voou no “Regimento de Aviação de Caça dos Marechais” e foi com ele que terminou a guerra, tendo abatido 17 aviões inimigos com tal aparelho.

No total, durante a guerra, Kozhedub fez 330 missões, participando de 120 combates aéreos e abateu pessoalmente 62 aeronaves – o melhor resultado de um piloto de caça dos Aliados.

Sobre o seu caminho de combates, Ivan Nikitovich contou muito

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neste livro. Mas quero adicionar nesta introdução algumas coisas sobre as quais, por várias razões, ele não pôde escrever.

Assim, Kozhedub menciona que um dos oficiais do regimento, o Vice-Comandante de Esquadrão Timofeev, abatido no início da guerra, quando em cativeiro alemão, se tornou um traidor da Pátria e um agente do inimigo. E depois de voltar para o fronte, do lado soviético, ousadamente tentou organizar ações de sabotagem. Sua audácia foi sua sentença – mesmo antes do início de novos intensos combates, foi preso pelo Smersh (o departamento de contraespionagem do Exército). Em uma das missões voadas em dupla, Timofeev tentou colocar Kozhedub numa situação sem saída, mas a habilidade deste (ou sua predestinação) o salvou... No total, durante os anos da guerra, Kozhedub chegou a voar em dupla com uma dezena de pilotos – os mais frequentes, V. F. Mukhin e V. A. Gromakovskiy – e ele nunca perdeu nenhum de seus alas.

Infelizmente, ele escreveu pouco sobre o fato de que, entre os pilotos do regimento, havia um homem que se tornou para ele um exemplo vivo – Kyrill Alexeevich Evstigneev. Este ás, durante a maior parte da guerra, ficou na frente de Kozhedub pelo número de vitórias oficiais e só perdeu tal liderança em 1945.

E, finalmente, outro fato pouco conhecido que Ivan Nikitovich omitiu em suas memórias foi que, no final da guerra, ele incrementou a sua conta de vitórias em combates aéreos com dois caças americanos P-51 Mustang, que por engano o tentaram abater sobre Berlim, mas foram imediatamente derrubados em contra-ataque. Como me contou Ivan Nikitovich, em 17 de abril de 1945, quando encontrou em voo as “fortalezas voadoras” dos aliados norte-americanos, ele com rajadas de proteção afastou dois Messerschmitt dos bombardeiros, mas logo depois ele próprio foi atacado por caças norte-americanos da escolta.

“Atirando em quem? Em mim?!”, com indignação recordava Kozhedub o episódio, meio século mais tarde. “A rajada foi longa, mas de grande distância, uns 1.000m, com os traçados brilhantes dos projéteis diferentes dos nossos e dos dos alemães. Por causa da grande distância, era visível como a ponta da rajada se dobrava para baixo. Rolei, me aproximei rapidamente e ataquei o norte-americano mais próximo (pela quantidade de caças na escolta eu calculei qual seria). Algo explodiu dentro de sua fuselagem, ele soltou muita fumaça e começou a descer na direção de nossas tropas. Fiz uma manobra

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immelmann e de posição invertida ataquei o próximo. Meus projéteis o pegaram em cheio – o avião explodiu no ar...

Quando a tensão da batalha diminuiu, meu humor não era bem o de vitória – eu havia percebido já as estrelas brancas nas asas e fuselagens. ‘Vou sofrer uma punição severa’, pensei ao pousar. Mas ficou por isso mesmo. No cockpit do Mustang que pousou em nosso território, estava um piloto grandalhão que, ao ser questionado pelo pessoal de resgate sobre quem o derrubara (ou melhor, quando esta questão foi traduzida), respondeu: ‘um Focke-Wulf de nariz vermelho...’ Não acho que ele mentiu de propósito. Ocorria que aqueles nossos aliados, naquelas alturas, ainda não tinham aprendido a ser bons observadores...

Quando os filmes da câmera de bordo foram revelados, os principais momentos de combate estavam registrados neles de forma muito clara. Os filmes foram vistos pelo comando do Regimento, da Divisão e do Corpo Aéreo. E o comandante da Divisão, Savitskiy, que controlava as nossas operações, depois de assistir às filmagens, me falou: ‘Estas vitórias – ficam já para a sua conta da próxima guerra’. E Pavel Fedorovich Chupikov, o nosso comandante no regimento, logo depois me deu esses filmes, com as seguintes palavras: ‘Leve-os, Ivan, e não mostre a ninguém’.”

Este foi um dos (poucos) confrontos entre aviação soviética e norte-americana, que ocorriam em 1944-45...

Após a guerra, o Major Kozhedub foi enviado para a Academia da Força Aérea, em Monino, e em novembro de 1945, no trem suburbano Moscou-Monino, conheceu Veronika, uma moça bonita que estava no último ano do colegial, e não demorou muito para que a pedisse em casamento. Em 2 de janeiro de 1946, eles registraram o seu matrimônio e o comemoraram (é difícil chamar o que houve de “festa de casamento”) em uma das salas administrativas do Aeródromo de Teply Stan.

Esse amor profundo e sincero por Veronika Nikolaevna, sua “maior ajudante e assistente”, iria ser guardado por Ivan Nikitovich por toda a sua vida. Em cartas para suas amadas esposa e filha, este severo combatente, aterrorizador para os inimigos, se apresentava como um homem afetuoso e de um sentimentalismo tocante.

Mulher de extraordinária beleza, enérgica, elegante e fina, Veronika Nikolaevna era capaz de manter uma conversa descontraída

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e significativa – e também negociar com sucesso no mercado, participar de competições de natação marítima de longa distância e ainda se lembrar de centenas de pessoas que encontrava, os seus nomes, rostos e hábitos. Ela gostava e sabia muito bem cozinhar, colecionava pinturas, tendo amizade com muitos pintores famosos6, e era mestre num jogo de cartas similar ao whist, mas também podia cortar com uma palavra afiada um interlocutor abusado...

Em 1947, nasceu a filha de Ivan Nikitovich e Veronika Nikolaevna, que foi batizada com o nome de Natasha.

Os estudos na Academia da Força Aérea foram de início difíceis para Kozhedub, pois os atrapalhavam os intermináveis convites para eventos comemorativos, aniversários ou até mesmo simples reuniões de amigos. Homem de trato extremamente gentil, ele não era capaz de dizer um “não” com rigidez e firmeza, como Pokryshkin. E muitos desses convites não eram nada fáceis – do coletivo dos trabalhadores da fábrica de veículos ZiS, encontros com artistas famosos, com o comandante do Kremlin e seu pessoal. “Aqueles homens sombrios, que pareciam corvos, com seus uniformes azuis com brilhos nos ombros – um horror”, recordava Veronika Nikolaevna, sobre aqueles últimos. Ocasionalmente, se reunia com os companheiros de regimento, os amigos de combate – jovens, alegres e fortes. E desnecessário é dizer que a maioria desses encontros incluía muita bebida, muitas vezes com os inevitáveis resultados. Olkhovskiy, ex-comandante do Kozhedub, por exemplo, era um grande amante da bebida e, de suas visitas, houve aquelas que passaram da meia-noite e até as que se prolongaram até o dia seguinte.

Como o pai de Ivan Nikitovich faleceu em 1945, sequer conseguindo se reencontrar com seu filho depois da guerra, e a mãe se fora ainda antes, em 1936 – a função paterna para ele foi assumida, até certo ponto, pelo Marechal do Ar F. Y. Falaleyev. Ele agia como podia para proteger Kozhedub de tantos convites e até deu ordem para que não se admitissem visitantes, mesmo de farda, 6 Numa ocasião, por exemplo, Veronika ajudou o pintor Aleksandr Ivanovich Laktionov a resolver o seu problema de moradia. O artista tinha uma grande família, mas morava em um apartamento minúsculo. Então, numa recepção em Moscou, na qual estavam expostas obras de Laktionov, Veronika chegou ao presidente da Câmara Municipal da capital soviética, Georgi Popov, e com o seu habitual jeito espirituoso e discreto, lamentou que, de certo modo, houvesse uma contradição objetiva entre o tamanho da obra do artista e as dimensões de onde este morava. Popov entendeu e, segundo diversas testemunhas, foi dada a promessa de corrigir tal contradição. Logo, Laktionov recebeu do governo um novo e espaçoso apartamento.

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dentro da Academia. Tanto o protegia contra os interesseiros, numerosos mesmo naqueles dias. (Note-se que Kozhedub escolheu a Academia da Força Aérea em junho de 1945, depois de uma conversa com Falaleyev; apesar de alguns o terem aconselhado a seguir o exemplo de Pokryshkin, Alelyukhin e Lavrinenkov, e ingressar na Academia Frunze). Entretanto, faltava algo muito importante para Falaleyev – sua saúde era frágil, fruto do desgaste durante a guerra, sendo suplente do comandante da Força Aérea, e pessoalmente relatando a Stalin sobre o trabalho de combate da aviação. Então, em 1955, Falaleyev faleceu.

O estado de saúde do próprio Kozhedub ao término dos estudos na Academia de Monino também já deixava muito a desejar – o monstruoso desgaste nervoso e físico dos combates aéreos bem como os compromissos diários de ser uma pessoa famosa após a guerra não poderiam deixar de afetar o seu condicionamento. Assim, surgiram problemas cardíacos e respiratórios. Mas, apesar de tudo, Ivan Nikitivich concluiu com êxito a Faculdade de Comando da Academia da Força Aérea, recebendo a nota máxima por seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), e foi nomeado comandante de divisão na região de Baku. Entretanto, Stalin o segurou perto de Moscou, em Kubinka, como adjunto de vice-comandante, vice-comandante e, em seguida, comandante da 324ª Divisão de Caça, e seria assim que Ivan Nikitovich iria novamente mergulhar no “rio de guerra” – no primeiro conflito armado da era do jato e de novo trazer glórias militares para a sua Pátria.

No final de 1950, a divisão de Kozhedub, uma das primeiras que havia sido reequipada com os caças a jato MiG-15, foi enviada para o Extremo Oriente; e entre março de 1951 e fevereiro de 1952, nos céus de Coreia, a unidade conquistou supremacia sobre os até então autoconfiantes norte-americanos, conseguindo 215 vitórias e perdendo apenas 52 aeronaves e dez pilotos. Os pilotos de Kozhedub não só derrubaram 12 “superfortalezas” norte-americanas (os Boeing B-29, então o mais avançado bombardeiro dos EUA, e foram tais as perdas catastróficas do modelo na Coreia que levaram os EUA a abandonar o conceito de que era viável um ataque nuclear contra a União Soviética com tais aeronaves), mas também capturaram um precioso troféu. Um dos recém-lançados caças norte-americanos F-86 Sabre, ao ser abatido por Yevgeny Pepelyaev (um dos pilotos da divisão), fez um pouso de emergência no território norte-coreano, de onde foi então levado para a URSS e cuidadosamente investigado, com os estudos resultantes

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beneficiando os modelos seguintes de caças da MiG.

Embora o próprio Kozhedub tenha sido estritamente proibido de participar pessoalmente de combates, sob o seu comando, a 324ª Divisão de Caça apresentou a maior “produtividade de combate” na Coreia (número de vitórias em relação ao número de aviões de combate) e as menores baixas relativas (em proporção ao número de missões) de aeronaves e pilotos. De fato, o desempenho em ação da unidade na Coreia permanecerá para sempre entre as páginas mais brilhantes da história militar da Rússia e o seu líder passou a merecer o direito de ser chamado não só de o maior ás soviético, mas também de um dos grandes comandantes da aviação militar de seu país.

Depois da Coreia, foi servir na região de Kaluga, em Inyutino, e em seguida na Academia do Estado-Maior, após a conclusão da qual, em 1956, I. N. Kozhedub foi nomeado 1º Vice-Chefe do Comando de Treinamento de Combate da Força Aérea soviética. De maio 1958 até 1964, foi Vice-Comandante da Força Aérea no Distrito Militar de Leningrado e, em seguida, no Distrito Militar de Moscou.

Até 1970, Ivan Nikitovich voou regularmente em caças de combate, dominando dezenas de tipos de aviões e helicópteros, e suas últimas missões foram voando o MiG-21. Ele encerrou sua atuação em operações de voo por decisão própria.

As unidades comandadas por Kozhedub sempre apresentaram um baixo índice de acidentes e ele próprio como piloto, após a Grande Guerra Patriótica, nunca sofreu avarias, embora tenha passado por algumas “situações de emergência”, como por exemplo, em 1966, quando num voo em baixa altitude o seu MiG-21 colidiu com um bando de gralhas e uma das aves foi sugada na entrada de ar, danificando o propulsor. Para conseguir pousar, dele foram exigidas todas as suas habilidades de piloto.

Depois do Distrito Militar de Moscou, Kozhedub retornou ao cargo de Vice-Chefe do Comando de Treinamento de Combate da Força Aérea, de onde fora transferido há quase 20 anos...

Um impecável combatente e destacado comandante de aviação militar, daqueles que não se forjam em tempos de paz, parecia não perceber os ciúmes e a inveja de suas condecorações e de sua fama.

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Ivan Nikitovich recebeu três Estrelas de Herói da União Soviética, duas Ordens de Lênin, sete Ordens da Bandeira Vermelha, duas Ordens da Estrela Vermelha, e as Ordens de Alexander Nevsky, da Guerra Patriótica de 1º Grau e “Pelo Serviço à Pátria nas Forças Armadas da URSS” de 3º Grau, além de ordens e comendas estrangeiras...

Entre seus amigos, havia pessoas de todos os tipos. Muitas vezes, ele aparecia na companhia do grande tenor I. S. Kozlowski, do diretor de cinema S. F. Bondarchuk ou do escritor A. V. Sofronov, e teve amizade com os atores I. V. Pereverzev e I. Andreev, os escultores N. V. Tomskiy e L. E. Kerbel, os pintores A. I. Laktionov e B. M. Shcherbakov e os projetistas V. P. Glushko e S. A. Lavochkin, entre outros. E ainda, muitas vezes, e não nos melhores anos para o marechal, visitava amigavelmente G. K. Zhukov.

Mas o mais importante lugar na alma de Ivan Nikitovich foi sempre ocupado pelos amigos da linha de frente: Evstigneev e Mukhin, Chupikov e Kumanichkin, Olkhovskiy e Gromakovskiy... E talvez o seu amigo mais próximo tenha sido Yevgeny Vasilyevitch Petrenko, seu compatriota, coronel, herói da União Soviética e ex-piloto de caça da Armada do Norte. Homem de humor inesgotável, amante de todos os tipos de piadas e brincadeiras, ele era semelhante a Kozhedub em sua propensão para investidas satíricas, trocadilhos e piadas.

Os familiares e amigos recordam dezenas de frases com as quais Ivan Nikitivich ponteava seus discursos: “O ser humano não é um pássaro”, ao responder a um pedido para se apressar; “Está monitorando o hemisfério traseiro?”, para um amigo que estava a admirar alguma mulher; “Que tanque externo de combustível você arrumou!”, ao se surpreender com a barriga de um amigo que engordara.

No entanto, Ivan Nikitivich era também um homem excepcionalmente pensativo e propenso à análise. Ainda na juventude, começou o seu diário, onde registrava cuidadosamente fatos e observações selecionados, necessários aos combatentes aéreos, e também tirava conclusões e fazia planos. Posteriormente, continuou esses cadernos a vida toda. Também reuniu em sua vida uma grande biblioteca, sendo um leitor voraz7, apreciador especialmente das obras de S. Yesenin, M. Sholokhov e K. Simonov.

7 A prateleira central era dominada por um livro sobre os caças Lavochkin.

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Jogava bem xadrez e baralho (com preferência pelo whist) e gostava de bilhar e tênis.

Não gostava de músicas lúgubres ou tristes, as quais o aborreciam...

Herói nacional, foi obrigado a atender a um infindável leque de compromissos sociais. Desses, talvez os únicos agradáveis a ele tenham sido aqueles como vice-presidente da Federação Aeronáutica Internacional (FAI), reunindo-se com a “sua turma” – pilotos, astronautas, etc. – em atividades de voo e viagens ao exterior. Deputado, presidente de dezenas de diversas sociedades, comitês e federações, Ivan Nikitovich Kozhedub era tão transparente e honesto com um chefe de Estado quanto com um dirigente provincial.

Ele faleceu em sua dacha, em Monino, vítima de um ataque cardíaco, em 8 de agosto de 1991, apenas duas semanas antes da tentativa de golpe que marcaria o início do fim da União Soviética, parte de cuja glória ele próprio representava.

O nome desse grande combatente e comandante, porém, persistirá enquanto existir a terra russa. Ao lado dos nomes de outros grandes defensores das fronteiras da Rússia – os Príncipe Svyatoslav I, Vladimir II Monomakh e Alexander Nevsky; os guerreiros Yevpaty Kolovrat e Kuzma Minin; os Generais Alexander Suvorov, Pyotr Bagration e Alexei Brusilov; e os Marechais Georgy Zhukov e Konstantin Rokossovskiy –, para sempre permanecerá o nome do vencedor da Luftwaffe, Ivan Nikitovich Kozhedub.

Na sua vida, além de dezenas de artigos, discursos e prefácios, I. N. Kozhedub escreveu cinco livros: Servindo à Pátria, Dia da Vitória, Tudo pela Pátria, Nos Combates Aéreos e Amigos Combatentes. Desses, o mais completo e que de fato incorpora o conteúdo de todos os outros é Tudo pela Pátria, publicado pela primeira vez em 1969 e cuja primeira edição em língua portuguesa é agora oferecida aos leitores brasileiros e a todos os versados neste idioma.

Como todos os outros, este livro de I. N. Kozhedub foi publicado em edição literária com texto final da famosa filóloga e tradutora A. A. Khudadova, que foi recomendada ao Kozhedub pelo escultor G. I. Kipinov, como competente especialista literária. Ela era uma tradutora brilhante do francês, que pessoalmente e em coautoria traduziu para o russo muitas obras clássicas de Rousseau, Voltaire,

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PREFÁCIO

Balzac, Dumas, Júlio Verne, George Sand, Simenon e Bazin. Além disso, Khudadova era uma mulher fina, inteligente, discreta e solitária, e os seus livros com Kozhedub foram escritos num estilo simples e, em geral, de forma aberta e honesta – e até hoje continuam entre as mais interessantes e importantes edições de memórias dedicadas à Grande Guerra Patriótica.

Talvez a forma de apresentação original de Tudo pela Pátria tenha sido afetada pelo fato de o livro ter sido inicialmente lançado na série “Biblioteca da Escola”. No entanto este livro de modo algum pode ser classificado como uma literatura infanto-juvenil e não admira que na cópia do autor foi preservada a seguinte inscrição do Marechal Rotmistrov, na página de título: “Caro Ivan Nikitovich! Este é um livro muito sério. E não é nada juvenil. Foi, digamos assim, escrito para adultos e artisticamente apresentado de modo que, provavelmente, está sendo e será lido com o mesmo interesse tanto por adultos quanto por jovens. Foi bom que você tenha feito este livro acontecer. 14 de janeiro de 1970. Respeitosamente, P. Rotmistrov”.

Ao preparar a reedição russa, da qual surge esta edição brasileira, os editores tiveram a oportunidade de conferir o texto do livro de memórias do I. N. Kozhedub com a cópia do autor da edição de 1969, incluindo anotações de punho próprio de Ivan Nikitovich nas margens das páginas, consideradas durante o trabalho com esta edição definitiva do livro.

N. G. BODRIKHIN

Nikolai Georgyevich Bodrikhin é um escritor russo, nascido em 1954, em Ussuriysk, atuante na área de história e temas militares, com dezenas de trabalhos publicados, incluindo as biografias do próprio Kozhedub e do projetista aeronáutico Andrei Tupolev, na coleção “A Vida de Pessoas Notáveis” (2010-2014).

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Dedico aos camaradas combatentes, com quem eu lutei contra o fascismo.

Ivan Kozhedub

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PARTE 1

PARTE 1MEMBROS DO KOMSOMOL, AO AVIÃO!

PARTE 1MEMBROS DO KOMSOMOL, AO AVIÃO!

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TUDO PELA PÁTRIA – EM BUSCA DO COMBATE!

IMENSIDÃO LIVRE

O Rio Desna, navegável nesta região, flui a 10km do nosso povoado, Obrazheevka. No outro lado, mais alto, atrás da curva do rio e das colinas íngremes, fica a antiga cidade de Novgorod-Seversky8.Na enchente de primavera, o Desna e o seu afluente, Ivotka, inundam os prados e aumentam muito a sua largura. Nas proximidades do povoado, o Lago Vspolny transborda de suas margens e como que desaparece, fundindo-se com as águas na várzea. As colinas baixas nos protegem do ataque destas águas da primavera, mas nas grandes cheias os aldeões ansiosamente acompanhavam o nível, preocupados com a possibilidade de subir mais alto do que normal, e falavam de uma só coisa – que as águas da várzea não penetrassem até suas casas.Transbordam também os pequenos lagos dos povoados. Fortes correntezas corriam então ruidosamente pelos campos e roças, atravessavam ruas, cobriam e derrubavam as já raras pontes de madeira. Não havia como andar ou transitar.A várzea parecia infinita, suas margens escapavam dos olhos. Apenas lá ao longe, no horizonte das águas, subia o barranco oposto do Desna. Para nós, meninos, aquele lado alto do rio era uma forte atração. Dava vontade de atravessar até lá de barco e subir correndo pela ladeira íngreme para curtir a vista de Novgorod-Seversky, porém os maiores não deixavam. Sonhando com uma longa navegação, ficávamos fazendo barcos de casca e papelão, que os córregos da primavera depois levariam para os lagos.As águas baixavam e éramos então atraídos pelos bosques e prados – imensidões verdes e livres.Estradas e atalhos levavam do povoado a diferentes direções: para as florestas (em Sobych e Ushinskaya Dubina), para a balsa de Novgorod-Seversky, à região de Chernigov, para nosso centro distrital, Shostka, e para o memorável povoado de minha infância, Krupets.

8 Nota do Editor (NE): Hoje, na Ucrânia, localizada no norte do país, perto da fronteira com a Bilorússia.

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PARTE 1

MÃE

A minha mãe nasceu ali, em Krupets. Ainda uma moça jovem, conheceu em uma festa um atraente rapaz de Obrazheevka – o meu futuro pai. E eles se apaixonaram. Mas quando ele veio para pedi-la em casamento, o meu avô, um homem severo, mandou o noivo embora – aquele forte e alegre rapaz de camisa bordada era um pobre sem-terra e meu avô queria que sua filha se casasse com uma pessoa sólida, abastada. Mas minha mãe não aceitou e fugiu da casa paterna – meus futuros pais se casaram secretamente.Era difícil a um camponês pobre sustentar a família, e esta família crescia e as preocupações aumentavam. Meu pai tinha de trabalhar para proprietários que exploraram gente como ele. Servir a ricos que odiava era o mais difícil para ele. E, além de todos os males, no início da 1ª Guerra Mundial ele contraiu tifo. Minha mãe, com crianças pequenas, enfrentou dias muito difíceis, apesar de contar com ajuda dos irmãos e irmãs em Krupets. A longa e grave doença minou para sempre a força e a saúde do meu pai – ele passou a adoecer com frequência, sentia falta de ar e respiração alterada. Mesmo assim, mal recuperado, já era ele contratado de uma fábrica em Shostka, onde, com algumas interrupções, trabalhou por muitos anos.Veio então a Grande Revolução de Outubro. Meu pai, como outros pobres, recebeu do Estado um pedaço de terra em concessão e ganhou um cavalo. Mas o lote dele era pouco produtivo, de solo arenoso e longe da aldeia. Infelizmente, uma vez ele caiu de uma pilha alta de feno que estava montando, machucou-se e levou muito tempo para se recuperar e, desde então, passou a mancar. Nosso pai nunca conseguiu chegar à estabilidade econômica. A família era grande – sua esposa, uma filha e quatro filhos; o mais velho, Yakov, nascido em 1908, e eu, o caçula, em 1920.Meus irmãos – Yasha, Sashko e Grisha – desde a mais tenra idade trabalharam para proprietários ricos. E minha mãe viu que meu pai não podia dar conta do trabalho duro, mas mesmo assim às vezes o repreendia:– Nossos filhos sofrem trabalhando para ricos por causa de você.

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TUDO PELA PÁTRIA – EM BUSCA DO COMBATE!

Meu pai ouvia silenciosamente tais reclamações.Na primavera, nos anos 1920, quando os alimentos em casa acabavam até a última batata, minha mãe ia até os parentes em Krupets para buscar ajuda. Às vezes, dizia à noite:– Bem, Vanya9, amanhã vamos a Krupets, à Tia Gália.Naquelas noites eu acordava várias vezes e olhava – “será que já clareou?” Entretanto, apesar de os parentes de minha mãe ajudarem, eu me sentia constrangido nas casas deles – com exceção da Tia Gália. Eram casas de dois quartos, com piso de madeira, sempre limpas. E a nossa era simples, com chão de terra. Eu ficava tímido, não sabia onde pisar, onde sentar. Além disso, o ferreiro Ignat, marido de uma das minhas tias, ao me ver, sempre franzia a testa e falava de modo rude:– Veio de novo!E eu, sem saber se ele estava brincando ou na verdade estava descontente em me ver, agarrava-me à minha mãe e repetia com lágrimas: – Mãe, vamos à Tia Gália!Apenas na casa desta tia sentia aconchego e bem-estar. Ela sinceramente se alegrava com nossas visitas e eu percebia isso. Me agradava, oferecia comidinhas, dividia o último pedaço e nos deixava ir embora com relutância.Minha mãe retornava de Krupets com um saco pesado, com farinha, grãos, bacon. Eu também levava a carga. Às vezes, cansado, começava a ficar para trás, choramingando. E mamãe, com suspiro, se livrava da carga pesada, colocava-a no chão debaixo de uma árvore, escolhendo um lugar seco, e nós nos sentávamos para descansar. Eu tirava um cochilo, com minha mãe cantarolando baixinho.Mas às vezes a voz dela de repente tremia e ela chorava baixinho. Todo o sono sumia. Abraçava o pescoço dela, tentando confortá-la, embora eu não entendesse por que minha mãe chorava tão tristemente. E ela sorria em meio às lágrimas, levantava com dificuldade e, colocando o peso em suas costas, segurava a minha mão. Nós andávamos devagar para nossa Obrazheevka pela estrada margeada pelos salgueiros.A saúde de minha mãe era fraca, mas ela trabalhava muito, hábil e rapidamente, nunca ficava ociosa. Estava com problemas de 9 NE: Forma diminutiva e carinhosa para “Ivan”.

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PARTE 1

audição, muitas vezes se queixava de surdez e, compadecido pela situação dela, eu começava a chorar. Soluçando, andava atrás dela. Às vezes, minha mãe dizia: “Oh, meu filho, eu não me sinto bem”. – E deixando seu trabalho, com um gemido, caía no sofá. E eu desejava correr para fora de casa, sem rumo, por não aguentar ouvir seus gemidos, mas eu me segurava, por preocupação com minha mãe e o desejo de ajudá-la. Eu não saía de perto dela: oferecia água para beber, arrumava o travesseiro.E papai parava ao lado, abria mãos em desespero e suspirava:– Sua mãe se forçou demais. Já desde a infância trabalhava demais na casa do seu pai em Krupets. Crescendo, eu comecei a passar menos tempo com mamãe. Apareceram interesses próprios, atraía a turma dos amigos de rua. Às vezes, as cheias de primavera causavam muitos transtornos para os moradores, mas já para nós, os meninos, as águas dessa época sempre eram motivo de brincadeiras divertidas.Com os primeiros riachos de primavera nas ruas, já não ficávamos mais em casa. De manhã, sob as janelas da nossa casa apareciam os amigos e chamavam:– Vanya, vem!E com os camaradas chamando, como não correr, não participar dos jogos, não medir as forças! E também sentia vergonha, ficava embaraçado, quando os amigos diziam “você é filhinho da mamãe, sempre segurando à saia”. Este tipo de vergonha é frequente entre meninos.O difícil era conseguir a licença de mamãe – ela deixava ir com relutância, preocupada com possíveis resfriados. Vestindo o velho boné de papai e uma jaqueta grossa e longa, já um tanto rasgada durante o longo inverno, e mesmo com sandálias de palha, corria para a rua, me juntando à turma.– Não molhe os pés no riacho! – gritava minha mãe, às minhas costas.Eu era pequeno em estatura, mas forte e resistente – nunca fiquei doente. Minha mãe ainda me protegia, se preocupando com a minha saúde. Com os filhos maiores, ela era rigorosa, mas comigo, mais doce. E quando meu pai a repreendia por isso, ela explicava: “Mas ele é o meu caçula”.E ela ficava doente cada vez mais frequentemente. Uma vez,

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Como milhares de pilotos soviéticos, Kozhedub aprendeu a voar num biplano Polikarpov U-2 (mais tarde redesignado Po-2). Esta incrível aeronave, simples e robusta, foi intensamente usada por toda a guerra, em funções das mais variadas, de ambulância e aparelho de ligação a bombardeiro noturno.

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PARTE 1

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Lavochkin La-5, numeral “75”, 240 IAPA aeronave traz do lado esquerdo a inscrição “Eskadrilya Valery Chkalov”, em homenagem ao pioneiro aviador russo que voou sobre o Polo Norte num reide épico em 1937. Do lado

direito, a inscrição que indica que todos os aparelhos assim identificados foram construídos com donativos dos trabalhadores de um kolkhoz da região de Gorky.

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