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TUDO SOBRE FOTOGRAFIA

Tudo Sobre Fotografia_Trecho

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TUDO SOBRE

FOTOGRAFIA

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EDITORA GERALJULIET HACKING

PREFÁCIO DEDAVID CAMPANY

TUDO SOBRE

FOTOGRAFIA

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PREFÁCIO de David Campany 6

INTRODUÇÃO 8

1 | DE 1826 A 1855 16

2 | DE 1856 A 1899 86

3 | DE 1900 A 1945 168

4 | DE 1946 A 1976 320

5 | DE 1977 ATÉ HOJE 416

GLOSSÁRIO 554

COLABORADORES 557

CITAÇÕES 558

ÍNDICE 562

CRÉDITOS DE FOTOS E ILUSTRAÇÕES 574

SUMÁRIO

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PREFÁCIO

Estritamente falando, a história completa da fotografi a seria um registro de todas as fotos já tiradas e da reação suscitada por cada uma delas, desde as primeiras experiências realizadas na década de 1830 até os cerca de 30 bilhões

de registros fotográfi cos produzidos por ano no mundo inteiro. Impossível. É preciso fazer escolhas. O processo de traçar uma história da fotografi a não é muito diferente do ato de tirá-las. Trata-se de uma arte ou de uma ciência da síntese. Um trabalho que envolve discernimento, seleção, enquadramento, edição, avaliação e reavaliação.

A fotografi a teve mais vidas do que um gato sortudo, cada qual com sua própria história conturbada. Também teve muitas mortes. O fi m desse meio de expressãofoi anunciado com regularidade durante mais de um século. A primeira ameaça foio cinema, seguido pela televisão, pela imagem digital e, mais recentemente, pela internet. A fotografi a, no entanto, tem se mostrado, acima de tudo, fl exível e adaptável. Sua essência não está em determinada tecnologia ou função social. Na verdade, discute-se até hoje se existe de fato uma essência ou apenas uma combinação maleável e inconstante de características.

A fotografi a já estava muito bem estabelecida antes de qualquer tentativa de contar sua história. O primeiro esforço nesse sentido viria apenas com o seu centenário, na década de 1930. Durante boa parte de sua existência, ela simbolizou um presente em movimento, o meio mais adequado para retratar um mundo em rápida transformação. Esse inexorável impulso adiante parecia dissociá-la de seu próprio passado. A fotografi a dera origem a novos campos de experiência, penetrando cada uma das instituições da vida moderna. Jornalismo, etnografi a, arquitetura, publicidade, moda, topografi a, medicina, educação, turismo, história, direito, política, design e, naturalmente, arte. Vinha se tornando a arte moderna por excelência. E também transformava as outras artes, redefi nindo o realismo e fi rmando-se como o meio de reprodução através do qual todas as demais obras de arte seriam conhecidas fora dos museus. Mesmo em 1930, traçar um panorama da fotografi a era o mesmo que executar um trabalho de Sísifo, condenado a repetir sempre a mesma tarefa. Aliadas a uma mistura de expertise e ciência, essas primeiras tentativas de historiografi a estabeleceram uma lista familiar de grandes nomes e momentos decisivos de inovação técnica.

Desde então, a história da fotografi a se tornou ainda mais complexa e plural. Entretanto, o fascínio continua o mesmo. Na verdade, para cada voz que afi rma que a fotografi a é responsável pela aniquilação da história, ao soterrá-la em uma avalanche de “instantaneidades” descartáveis, há também quem veja com clareza a relação entre o que a fotografi a é hoje e o que ela foi no passado.

Ao longo das últimas décadas, a fotografi a se tornou um meio de expressão muito mais autorrefl exivo, consciente de sua história e capaz de se aproveitar dela com maturidade. Consequentemente, os movimentos de continuidade são tão formidáveis quanto os de ruptura. Este livro retrata a revitalização do interesse pelo passado da fotografi a – não como um conjunto de fatos mortos, mas como uma maneira de compreender como nos posicionamos atualmente em relação a ela.

A internet sem dúvida desempenhou um papel signifi cativo nessa revitalização. Em primeiro lugar, a experiência de observar imagens imateriais na tela nos trouxe uma percepção acentuada dos suportes físicos e materiais que deram forma à fotografi a durante grande parte de sua existência. Não me refi ro apenas a impressões, mas também a livros, revistas, jornais, álbuns e arquivos (meios que até hoje não foram engolidos pelo vácuo digital). Em segundo lugar, a internet nos permitiu identifi car as tensões entre as histórias locais da fotografi a e a globalização desigual da cultura visual. E, em terceiro, tornou o passado da fotografi a mais disponível do que nunca, com um grau de riqueza jamais visto. Muitos dos desafi os, questões e interesses que consideramos exclusivamente nossos foram vivenciados pelos fotógrafos e apreciadores do passado.

6 PREFÁCIO

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Por exemplo, a tensão entre a fotografi a como registro de fatos e como expressão artística esteve presente em todas as etapas de seu desenvolvimento na qualidade de arte. Seu status legal e factual é tão inescapável e contestado hoje em dia quanto na época em que William Henry Fox Talbot a descreveu, de forma tão profética, como um “novo tipo de evidência”. As propriedades narrativas da imagem fi xa mobilizaram os pioneiros da fotografi a da mesma forma que mobilizam os produtores de imagens artísticas ou publicitárias contemporâneos. A relação entre as imagens individuais e as múltiplas também foi explorada por esses pioneiros em seus livros e ensaios fotográfi cos, ao passo que atualmente sabemos que uma fotografi a é ao mesmo tempo uma imagem singular e parte de um conjunto de obras mais amplo. Registros de pessoas, lugares e objetos continuam sendo fundamentais e sempre serão: retratos, paisagens e naturezas-mortas se mantêm não como bastiões de gêneros tradicionais, mas como formas pictóricas fl exíveis. E há também as relações profundas entre o impulso colonialista, que difundiu de forma tão rápida a fotografi a pelo mundo no século XIX, e a nova cultura global, que emana dos centros de produção de imagens.

A fotografi a nos cativa porque, mais do que um tema, ela é um bilhete de viagem. Quando nos interessamos por sua história, podemos explorar todos os aspectos do passado e do presente abordados e transformados por ela, sem nem sequer tirarmos os pés do chão.

PREFÁCIO 7

DAVID CAMPANYESCRITOR, CURADOR, RADIALISTA E FOTÓGRAFO

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O que há de tão sedutor nas imagens fotográfi cas? O fato de atualmente muitos de nós tirarmos fotos todas as semanas, ou até todos os dias, não diminuiu a magia de retratos pessoais ou de obras exibidas em galerias,

museus e livros. As fotografi as coladas em um álbum ou postadas em redes sociais na internet ainda nos fazem dar gargalhadas. Quando descobrimos imagens extraordinárias da história da fotografi a, como as fotos da Antártida tiradas por Herbert Ponting (1870-1935) no início do século XX, ainda somos cativados por elas. As imagens de Ponting da Expedição Britânica à Antártida de 1910 a 1913 transformam o passado remoto em um presente vibrante. Contudo, essas imagens não são meros documentos históricos: podemos ver com clareza que, mesmo em condições tão hostis, o fotógrafo estava determinado a não sacrifi car nada do efeito estético. A fotografi a pertence tanto à esfera da realidade quanto à da imaginação: embora por vezes favoreça uma em detrimento da outra, ela nunca abre mão de nenhuma das duas completamente.

Quando, em janeiro de 1839, o mundo recebeu a notícia de que era possível capturar a imagem vista na camera obscura – um equipamento de desenho que projetava o que o artista via numa superfície a partir da qual ele poderia copiar a cena –, parecia não haver limites para a engenhosidade humana. A daguerreotipia – desenvolvida na França por Louis-Jacques-Mandré Daguerre (1787-1851) – resultava numa imagem rica em detalhes em uma pequena placa de metal, como se um espelho minúsculo tivesse sido colocado diante da natureza. A divulgação do daguerreótipo em janeiro foi logo seguida pela notícia de outro processo fotográfi co desenvolvido na Inglaterra por William (conhecido como Henry) Fox Talbot (1800-1877). O processo de Talbot, batizado pelo próprio inventor de “desenho fotogênico”, resultava numa imagem negativa em papel cujas características a aproximavam das artes gráfi cas. Enquanto o daguerreótipo era um objeto único (não havia negativo), um desenho fotogênico poderia ser usado para produzir inúmeras cópias positivas.

INTRODUÇÃO

Um estudo do Castle Berg, com trenó

puxado por cães, na Antártida, de autoria

de Herbert Ponting (1911), que ensinou

fotografi a aos membros da expedição de

descobrimento do polo Sul, realizada entre

1911 e 1912. Os negativos não revelados

foram encontrados na tenda em que o

capitão Scott, Edward Wilson e Henry

Bowers morreram durante a viagem

de volta, após descobrirem a bandeira

norueguesa no polo.

8 INTRODUÇÃO

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Desde seus primórdios, a fotografi a oscilou entre a singularidade e a multiplicidade. Atualmente, uma impressão fotográfi ca única ou de tiragem limitada de uma celebridade pode ser vendida por mais de 1 milhão de dólares, ao mesmo tempo que a fotografi a digital – com seu potencial de reprodução aparentemente infi nito – desempenha um papel fundamental na comunicação global.

Tudo sobre fotografi a conta a história de imagens extraordinárias obtidas por meio de processos fotográfi cos. Existem milhares de fotografi as artísticas importantes em coleções públicas ou particulares em todo o mundo, porém a maioria delas não foi produzida com o propósito de fi gurar em uma exposição de arte. Algumas foram pensadas como demonstrações do que aquele novo meio de expressão era capaz de fazer; outras eram inicialmente documentos, registros ou ilustrações, e somente no futuro seriam vistas como obras de arte. Algumas fotografi as, como o ensaio de Eugène Atget (1857-1927) de um grupo de parisienses observando um eclipse, encontram elementos surreais na realidade. Outras, como Autorretrato de um homem afogado (1840; ver p. 21), de Hippolyte Bayard (1807-1887), brincam com a capacidade da fotografi a de transformar fi cção em fato. Já que a maior parte das grandes imagens fotográfi cas foi aceita como obra de arte retrospectivamente, sua história não pode ser contada com base em movimentos, escolas ou círculos sociais. Portanto, este livro é dividido em uma série de acontecimentos fundamentais, grupos, assuntos e temas. Ao longo destas páginas, você encontrará obras individuais extraordinariamente pungentes, quer tenham sido produzidas como documentos, quer como obras de arte.

Desde a invenção da fotografi a em 1839, a questão da identidade e do status desse meio de reprodução de imagem foi debatida com base não em suas origens tecnológicas, mas em seu relacionamento com as artes. Poucos negavam que a

A fotografi a de Eugène Atget de um

grupo de parisienses assistindo a um

eclipse (1912) foi utilizada por Man Ray na

capa do jornal La Révolution Surréaliste, em

junho de 1926. Segundo Man Ray, Atget

considerava suas fotografi as “meros

registros que faço” e se recusou a receber o

crédito pela foto em questão.

INTRODUÇÃO 9

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fotografi a fosse uma invenção engenhosa da era moderna, mas muitos a viam como uma ameaça aos valores tradicionais associados às belas-artes. Em uma sociedade simbolicamente dividida entre “cavalheiros” (que exercitavam seu intelecto e sua imaginação) e “operários” (trabalhadores braçais que realizavam trabalhos mecânicos, nos quais não precisavam pensar), uma máquina que produzia imagens era uma ameaça à ordem social vigente.

Na década de 1850, tanto o daguerreótipo quanto o calótipo (nome que Talbot deu ao seu processo após importantes melhorias em 1841) foram substituídos pela fotografi a em colódio úmido, processo baseado no uso de negativos de vidro para a produção de imagens em papel. As imagens resultantes eram geralmente impressas em papel coberto de albumina (clara de ovo) e são caracterizadas pela nitidez dos detalhes, por sua tonalidade amarronzada e superfície lustrosa. A prática da fotografi a, tanto amadora quanto comercial, teve grande expansão em meados da década de 1850. A fotografi a em papel havia se livrado das restrições de licenciamento, e dois novos formatos estavam prestes a se tornar muito populares. A fotografi a estereoscópica – duas imagens de uma mesma cena tiradas de uma distância ligeiramente diferente e coladas lado a lado em um pedaço de cartão – apresentava uma imagem tridimensional quando observada através de um visualizador especial. As cenas eram por vezes educacionais, mas geralmente produzidas somente para causar um efeito visual, ou até mesmo excitação. A carte

de visite era um retrato do tamanho de um cartão de visitas comum, que enfatizava as vestimentas em vez dos traços do retratado.

A popularização da fotografi a em meados do século XIX levou a uma mudança de atitude em relação a esse meio de expressão. A prática da calotipia durante as décadas de 1840 e 1850 na Grã-Bretanha e na França trouxe uma extraordinária série de experimentos e avanços técnicos e estéticos. Diante da rápida comercialização e popularização da fotografi a nessas décadas, a ideia de que esse processo de reprodução de imagem poderia ser uma arte – e de que fotógrafos (vindos das classes sociais mais baixas) poderiam ser artistas – parecia absurda para alguns. Em 1857, a crítica de arte e historiadora Elizabeth Eastlake ponderou que a fotografi a deveria ser louvada, mas apenas se não pretendesse ir além dos “fatos”. Poucos anos depois, o poeta e crítico francês Charles Baudelaire denunciou a fotografi a comercial

10 INTRODUÇÃO

O formato carte de visite permitia que

até oito retratos em miniatura fossem

impressos no mesmo negativo. Produzidos

em quantidade, eles podiam ser dados a

parentes, amigos e conhecidos. Este

exemplo de 1858, de autoria de André-

-Adolphe-Eugène Disdéri (1819-1889),

mostra o príncipe Lobkowitz em várias

poses, até mesmo em trajes pouco

convencionais.

Page 9: Tudo Sobre Fotografia_Trecho

como o “inimigo mais mortífero” da arte. O infl uente crítico de arte John Ruskin, que em meados dos anos 1840 maravilhara-se com a fi delidade com que o daguerreótipo representava a natureza ao usá-lo como auxílio visual para suas ilustrações em Veneza, afi rmou posteriormente que a fotografi a “não tem qualquer relação com a arte… e jamais irá substituí-la”.

Na década de 1860, a maioria dos fotógrafos comerciais considerava características técnicas, como a nitidez da informação visual e uma qualidade de impressão impecável, a melhor maneira de demonstrar a superioridade de suas imagens fotográfi cas. Essa concepção técnica de excelência signifi cava que, para os aspirantes a fotógrafos profi ssionais, a fotografi a era uma arte do real. Algumas fi guras notáveis rejeitaram essa visão ortodoxa, considerando a fotografi a uma maneira de criar combinações complexas de imaginação e realidade. O mais famoso desses fotógrafos amadores foi uma mulher: Julia Margaret Cameron (1815-1879). Ela beirava os 50 anos quando começou a fotografar e, ao longo da década seguinte, criou uma obra extensa com pretensões exclusivamente estéticas. Julia utilizava foco diferencial, fantasias e, por vezes, objetos cênicos para criar retratos com as bordas desfocadas e tons quentes, assim como estudos de personagens inspirados em temas bíblicos, literários ou alegóricos. Sua convicção de que estava transformando a fotografi a em arte era tão audaciosa, e sua prática idiossincrática, tão afrontosa às aspirações modestas das obras exibidas nas exposições das sociedades fotográfi cas, que ela foi rotulada pela comunidade fotográfi ca como uma pobre excêntrica incapaz de utilizar os equipamentos que tinha nas mãos.

Foi somente no fi m do século XIX que a subjetividade na fotografi a conquistou uma legitimidade cultural mais ampla. Fotógrafos que haviam alcançado “sucesso” nas sociedades fotográfi cas consagradas e os avanços técnicos que eles tanto valorizavam foram essenciais para o movimento internacional conhecido como

INTRODUÇÃO 11

O artista George Frederic Watts, junto

com duas das modelos-mirins favoritas de

Julia Margaret Cameron – Elizabeth e Kate

Keown –, personifi ca a inspiração criativa

em O sussurro da musa (1865).

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“pictorialismo”. A fotografi a pictorialista é caracterizada por técnicas e efeitos emprestados das artes gráfi cas. Embora a imagem pictorialista fosse geralmente derivada de um negativo de alta defi nição, as manipulações na câmara escura, que podiam ser extensivas e buscavam afastá-la desse realismo cristalino, signifi cavam que cada impressão poderia ser considerada única. As imagens resultantes, muitas vezes impressas em tons vibrantes e de aparência desfocada, nebulosa e onírica, pretendiam provocar reações estéticas, e não objetivas. Muitas das composições pictóricas invocavam a gravidade artística do simbolismo contemporâneo, como na fotografi a A harpa eólica (1912), de Anne Brigman (1869-1950).

Na época, a fi gura mais envolvida na promoção da fotografi a artística era Alfred Stieglitz (1864-1946), um nova-iorquino que possuía uma relação próxima com a Europa. Após abandonar o Camera Club de Nova York e criar a Fotossecessão em 1902, Stieglitz dirigiria a revista Camera Work, que apresentava o que se fazia de melhor em termos de fotografi a artística em todo o mundo, incluindo suas próprias obras. Stieglitz e a Camera Work tiveram um papel tão importante no distanciamento do pictorialismo quanto haviam tido em sua promoção. Em 1904, o crítico Sadakichi Hartmann utilizou, em um artigo da revista, a expressão “fotografi a convencional”, em contraste com a estética ambígua do pictorialismo. A terceira classe (1907; ver p. 182), publicada na Camera Work em 1911, é geralmente considerada a primeira fotografi a moderna. No entanto, somente na última edição da revista, em 1917, é que uma estética convencional para a fotografi a se concretizou de fato. A edição foi dedicada aos trabalhos de Paul Strand (1890-1976) e incluía sua agora icônica Wall Street (1915; ver p. 179), que combinava uma geometria pictórica arrojada com um tema da vida moderna.

A ideia de que a fotografi a pudesse ter uma estética própria e se basear em qualidades específi cas do suporte foi altamente sedutora para os fotógrafos artísticos americanos, muitos dos quais renunciaram ao pictorialismo. Edward Weston (1886-1958) chegou a defender a ideia de que o trabalho criativo da fotografi a não deveria mais ser conduzido na câmara escura, mas sim na “pré-visualização” da cena por parte do fotógrafo e em sua composição antes de expor o negativo na câmera. Em 1932, um grupo dedicado à promoção da fotografi a convencional, conhecido como Grupo f/64, foi formado na Califórnia, com

12 INTRODUÇÃO

A obra de Anne Brigman é marcada por

fi guras humanas retratadas em meio a

paisagens. Anne, que vivia na Califórnia,

não utilizava modelos profi ssionais, mas,

em vez disso, passava o verão acampada

na serra Nevada com seus amigos e suas

irmãs, fazendo-os posar nos terrenos

acidentados da região para criar

composições dramáticas, como A harpa eólica (1912).

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Edward Weston e Ansel Adams (1902-1984) entre seus membros. Weston, com suas naturezas-mortas e seus nus quase abstratos, e Adams, com suas líricas fotografi as de paisagens, dominariam a fotografi a artística nos Estados Unidos por décadas a fi o.

Na Europa, a Primeira Guerra Mundial teve um impacto profundo na produção artística. Artistas insatisfeitos buscaram desenvolver métodos de expressão pictórica que pudessem exprimir a crise de fé nos valores tradicionais causada pelo confl ito. As primeiras fotografi as não fi gurativas, que invocavam o tempo, o espaço e outros conceitos abstratos, foram realizadas durante a guerra, e esse espírito de inovação radical inspirou a produção artística de vanguarda a partir da década de 1920. Como uma tecnologia moderna de cunho popular, a fotografi a estava em ótima posição para assumir um papel central na arte de vanguarda. Esse meio de expressão – que então assumira a forma generalizada de imagens em “preto e branco” em prata –foi utilizado pelos dadaístas alemães em obras mordazes de crítica social; pelos construtivistas da União Soviética para forjar novos estilos pictóricos para uma nova sociedade; por surrealistas como Man Ray (1890-1976) em Paris, em seus chistes visuais e suas explorações do subconsciente; e por modernistas de todo o mundo para celebrar novas formas de arte e design. A fotografi a se prestava a esses objetivos estéticos tão distintos por conta de sua capacidade de apreender a realidade. Como uma tecnologia moderna, ela celebrava a contemporaneidade e o materialismo. Como um dispositivo de gravação mecânico, imbuía a imaginação e o irracional do peso dos fatos objetivos. Em países tão ideologicamente opostos quanto a União Soviética e os Estados Unidos, um pequeno porém infl uente grupo de artistas de vanguarda passou a ver a fotografi a como o meio de comunicação visual ideal para a era moderna.

A fotografi a pode ter sido amplamente utilizada por artistas de vanguarda, mas isso não signifi ca que eles sempre tenham reconhecido sua igualdade em relação às outras artes. Isso se devia, em parte, à sua comercialização na forma de retratos de celebridades e ao seu uso na publicidade e na moda. Essa preocupação quanto ao status da fotografi a era compartilhada por biógrafos, historiadores da arte e curadores, que minimizavam os elementos comerciais das carreiras dos fotógrafos para garantir que fossem reconhecidos como artistas. Atualmente, sabe-se que todos os grandes fotógrafos da vanguarda parisiense da década de 1920 – Man Ray, André Kertész (1894-1985) e Brassaï (1899-1984) – trabalharam sob encomenda.

INTRODUÇÃO 13

A fotografi a Larmes, de Man Ray (mais

conhecida como Lágrimas de vidro), tirada

no começo da década de 1930, é muitas

vezes relacionada à sua separação de Lee

Miller (1907-1977), a modelo e fotógrafa

americana. A imagem, que brinca com a

natureza da realidade, também sugere

falsidade, com suas lágrimas artifi ciais e

sua maquiagem perfeita.

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Man Ray, nascido Emmanuel Radnitzky em Filadélfi a, Pensilvânia, mudou-se para Paris em 1921 e se destacou como um inovador iconoclasta na pintura, na escultura, no cinema e na fotografi a. Hoje não acreditamos que sua criatividade tenha sido comprometida por suas fotografi as jornalísticas ou de moda (ver p. 261). Por vezes, como no caso de sua célebre foto intitulada Preto e branco (ver p. 224), o trabalho comercial em si serviu de estopim para a criatividade.

A fotografi a humanista foi outro importante desdobramento que teve suas origens na França durante o período entreguerras. Diretamente ligado à ascensão de revistas populares ilustradas com fotografi as, como a Life, esse tipo de fotografi a retratava temas de interesse humano. O fotógrafo mais conhecido desse estilo foi Henri Cartier-Bresson (1908-2004), cujas fotorreportagens realizadas ao redor do mundo também foram publicadas em uma série de livros infl uentes. Produzida dentro de uma estética realista, a obra de Cartier-Bresson devia tanto ao surrealismo quanto à fotografi a convencional, fato ocultado durante a segunda metade do século XX por conta da apropriação da fotografi a pela ortodoxia modernista.

O Museum of Modern Art de Nova York (MoMA) foi a base ideológica do modernismo – a estética de vanguarda dominante em meados do século XX, que incluía arte, design e arquitetura. O MoMA realizou uma importante exposição de fotografi a em 1937 e, posteriormente, em 1940, inauguraria seu próprio departamento fotográfi co. Contudo, o status da fotografi a como arte ainda não estava assegurado. John Szarkowski (1925-2007), que assumiu o posto de curador fotográfi co do MoMA em 1962, foi quem conseguiu, de forma mais efi ciente, assimilar a fotografi a ao modernismo. Segundo ele, a fotografi a legítima era “direta” e democrática no que dizia respeito aos seus temas e possuía um forte componente formal. Fotografi as não eram obra da imaginação, mas fragmentos da realidade pictoricamente organizados de modo a refl etir um ponto de vista pessoal contundente.

Nas palavras do acadêmico Douglas Crimp: “Se a fotografi a foi inventada em 1839, ela foi descoberta somente nas décadas de 1960 e 1970 – refi ro-me à fotografi a como essência, à fotografi a em si.” Assim como outros de seu círculo, Crimp criticava a incompreensão gerada pela transferência de fotografi as das gavetas dos arquivos para as paredes dos museus de arte. Como não poderia deixar de ser, esse grande interesse pela fotografi a, junto com textos como Un art moyen (Uma arte média, 1965), de Pierre Bourdieu, On Photography (Sobre a fotografi a, 1977), de Susan Sontag, e A câmara clara (1979), de Roland Barthes, serviu para elevar ainda mais o status cultural desse meio de expressão. O texto de Barthes – um relato comovente de sua busca por uma imagem “verdadeira” de sua mãe – é talvez o exemplo mais infl uente da tentativa de defi nir a fotografi a em termos essencialistas. Em seu livro, Barthes formulou a ideia do “punctum”, o detalhe em uma foto que causa no observador uma sensação semelhante a uma pontada de dor. Como outros textos modernistas sobre o tema, A câmara clara sugere que a fotografi a pode ser datada de uma natureza própria, que a distingue de qualquer outro meio de comunicação visual.

Um conceito oposto de fotografi a afi rma que ela não possui características inatas. Sua identidade, portanto, dependeria dos papéis e das aplicações a ela atribuídos. Essa teoria faz parte da crítica ao modernismo conhecida como pós--modernismo. O desejo de ver novamente a arte como parte de um engajamento social e político, em vez de pertencente aos domínios da pureza criativa, conduziu os acadêmicos de volta aos textos de Walter Benjamin, o crítico e fi lósofo associado à Escola de Frankfurt na década de 1930. Ao afi rmar que uma cópia fotográfi ca destruía a “aura” de uma obra de arte original, permitindo às massas apreciar a arte por meio desse simulacro, a fotografi a simbolizava, para Benjamin, a possibilidade de despojar os nazistas de seu poder cultural e, em última análise, político. Na década de 1980, teóricos de esquerda começaram a reconceitualizar a história da fotografi a em termos de como esse meio de expressão havia sido aplicado ao exercício do poder. A noção de objetividade fotográfi ca foi ainda mais solapada pelos textos desses acadêmicos e intelectuais, em especial por Jean Baudrillard, que atacou a ideia de uma realidade preexistente que seja meramente capturada ou refl etida pelos meios de comunicação visual. Segundo Baudrillard, a imagística é a realidade por meio da qual podemos conhecer o mundo.

Na década de 1970, a fotografi a artística estava relacionada a imagens icônicas do século XIX e do início do século XX. Hoje, o termo se refere a obras produzidas

14 INTRODUÇÃO

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INTRODUÇÃO 15

Andreas Gursky é um dos mais famosos

artistas contemporâneos a trabalhar com

a mídia fotográfi ca. Esta fotografi a do

Reno foi tirada em 1999 com uma câmera

de formato médio. A imagem resultante

foi escaneada em um computador e

retrabalhada digitalmente por Gursky, que

pôde criar o efeito desejado ao descartar

elementos da cena original – como os

prédios na margem oposta do rio –, que

em sua opinião distraíam o observador.

aproximadamente ao longo dos últimos 35 anos. Até o momento em que este livro foi escrito, a fotografi a mais cara do mundo – O Reno II (1999), de Andreas Gursky (1955) – havia sido vendida em leilão por 4,3 milhões de dólares. Apenas 12 anos antes, bem no início do século XXI, o recorde mundial era de 860 mil dólares – para A grande onda,

Sète (1856-1859), de Gustave Le Gray (1820-1884; ver p. 98). O aumento signifi cativo do valor das fotografi as é muitas vezes apontado como prova de que esse meio de expressão foi fi nalmente aceito como arte. Entretanto, nos ensaios contidos neste livro, você verá que esta não é a primeira vez que a fotografi a é identifi cada como uma atividade artística. O que diferencia o presente do passado, porém, é que hoje em dia a informação, em qualquer uma de suas formas, raramente é transmitida sem imagens fi xas ou em movimento: a fotografi a, em sua forma digital, é uma maravilha moderna tão fascinante quanto o daguerreótipo era em 1839.

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1825 18351830 184

1825 18351830 184

O CALÓTIPO BRITÂNICO (p. 42)

Boulevard du Temple, Paris / Louis-JacO NASCIMENTO DA FOTOGRAFIA (p. 18)

RETRATOS EM DAGUE

NATUREZA-MORTA (p. 62)

1 | de 1826 a 1855

PAISAGEN

A CONDIÇÃ

EGITO E TE

FOTOGRAF

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40 1845 1850 1855

40 1845 1850 1855

The Reading Establishment / Benjamin Cowderoy (p. 46) Santa Lucia, Nápoles / Reverendo Calvert Richard Jones (p. 48)

O palheiro / William Henry Fox Talbot (p. 24)cques-Mandé Daguerre (p. 22)

Associação dos Artistas de Hamburgo / Carl Ferdinand Stelzner (p. 38)Sem título (Duas mulheres posando com uma cadeira) / Albert S. Southworth e Josiah J. Hawes (p. 40)

ERREOTIPIA (p. 34)

Sandy (ou James) Linton, seu barco e seus filhos / David Octavius Hill e Robert Adamson (p. 56)ESTUDOS DE PERSONAGEM (p. 54)

As areias do tempo / Thomas Richard Williams (p. 64)

O Templo de Vesta, Roma / Joseph-Philibert Girault de Prangey (p. 30) O Sena, a margem esquerda e a Île de la Cité / Frédéric Martens (p. 32)

NS EM DAGUERREOTIPIA (p. 26)

Vale da sombra da morte / Roger Fenton (p. 52) TESTEMUNHOS FOTOGRÁFICOS (p. 50)

ÃO HUMANA (p. 58)Sem título (Passagem da melancolia para a mania) / Hugh Welch Diamond (p. 60)

ARTE E INDÚSTRIA (p. 66) Transporte da estátua Bavária para Theresienwiese / Alois Löcherer (p. 68)

ERRA SANTA (p. 70)As margens do Nilo em Tebas | John Beasly Greene (p. 72)

O CALÓTIPO FRANCÊS (p. 74)A floresta de Fontainebleau / Gustave Le Gray (p. 80)

A escada / Henri-Victor Regnault (p. 78)

FIA E AS BELAS-ARTES (p. 82)Placa XXIX do álbum de Delacroix / Eugène Durieu (p. 84)

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O NASCIMENTO DA FOTOGRAFIA

A imagem desfocada e granulada acima representa um divisor de águas na história da fotografi a. Tirada pelo inventor francês Joseph Nicéphore Niépce (1765-1833) em 1826-1827, Vista da janela em Le Gras é a foto mais antiga

preservada até os dias de hoje. Tendo passado praticamente despercebida na época, somente em 1839 ela seria revelada ao mundo de forma dramática. No entanto, muitos de seus elementos fundamentais já eram conhecidos bem antes. No século IV a.C., Aristóteles havia descoberto o princípio da câmara escura: a passagem da luz de uma fonte externa para um espaço escuro, através de um furo ou outra pequena abertura, forma uma imagem invertida da cena externa em superfícies como uma parede ou uma tela. Em meados do século XVI, os pouco efi cientes orifícios foram substituídos por lentes, dando origem a imagens mais nítidas. No século XVII, a câmara escura foi acoplada a uma tenda ou liteira para que pudesse ser transportada e, posteriormente, foi reduzida ao tamanho de uma urna. Durante o século XVIII, artistas passaram a utilizar com regularidade o instrumento para projetar uma imagem da vida real que pudessem copiar em seguida.

Contudo, para que a fotografi a evoluísse era fundamental que uma substância sensível à luz fosse encontrada. Os efeitos da luz sobre objetos físicos eram bem conhecidos – a capacidade da luz do sol de bronzear a pele, por exemplo – e alquimistas já haviam identifi cado várias substâncias que reagiam à luminosidade, geralmente escurecendo. Em 1777, Carl Wilhelm Scheele utilizou luz para fi xar

Joseph Nicéphore

Niépce tira uma

fotografia que é

considerada uma das

primeiras. Foi tirada da

vista de sua janela em

Saint-Loup-de-

-Varennes.

1837 1838 1839 18391826-1827 1835

PRINCIPAIS ACONTECIMENTOS

18 DE 1826 A 1855

A invenção do

daguerreótipo é

divulgada ao público

em janeiro, embora

os detalhes venham

à tona somente em

agosto. Talbot divulga

seus “desenhos

fotogênicos”.

Louis-Jacques-

-Mandé Daguerre

produz O ateliê do

artista, o primeiro

daguerreótipo a ser

exposto, revelado e

fi xado com sucesso.

Sir John Herschel

anuncia que o

hipossulfi to de sódio

(tiossulfato de sódio)

pode “fi xar” de forma

permanente uma

imagem fotográfi ca.

William Henry Fox

Talbot fotografa a

janela da biblioteca

de sua propriedade,

Lacock Abbey.

O resultado é o mais

antigo negativo

preservado até os dias

de hoje.

Daguerre tenta

vender seu processo

( juntamente com a

heliografi a de Niépce)

por encomenda, sem

sucesso.

Page 17: Tudo Sobre Fotografia_Trecho

uma imagem em um frasco contendo uma solução química. A química escocesa Elizabeth Fulhame explorou várias ideias, sendo a mais intrigante delas a formação de imagens fotográfi cas de rios em ácido cloroáurico fotossensível num mapa de pano. Embora aparentemente nenhum de seus trabalhos tenha sobrevivido, sua monografi a, An Essay on Combustion, with a View to a New Art of Dying and Painting (Um ensaio sobre combustão, com vistas a uma nova arte de impressão e pintura, 1794) foi a primeira publicação a analisar de forma explícita um processo fotográfi co.

Por volta da mesma época, Thomas Wedgwood (1771-1805) começou a utilizar nitrato de prata fotossensível em papel e couro. Sem conseguir fazer com que uma quantidade sufi ciente de luz atravessasse a lente de uma câmera, ele criou “fotogramas”, posicionando objetos diretamente sobre superfícies fotossensíveis. Ao publicar um resumo dos resultados de Wedgwood em 1802, Humphry Davy observou: “Basta que se descubra uma forma de evitar que as partes descobertas da gravura não escureçam ao serem expostas à luz do dia para que o processo se torne tão útil quanto elegante.” Wedgwood havia concebido a ideia de fotografi a e criado imagens, mas não foi capaz de preservá-las.

Em seguida, surgiram dois caminhos distintos que determinariam o futuro da fotografi a. Por volta de 1816, Niépce, motivado por seu interesse na arte da litografi a, realizou suas primeiras experiências com a câmara escura. Abandonando os sais de prata, ele passou a utilizar betume – um “revestimento” (camada protetora) para placas de impressão que endurecia sob a ação da luz. Por volta de 1826-1827, teve sucesso, criando Vista da janela em Le Gras em uma placa de estanho. Em 1829, associou-se ao parisiense Louis-Jacques-Mandé Daguerre (1787-1851), que havia tempos vinha tentando descobrir sem êxito um método para produzir fotografi as. Niépce faleceu em 1833, sem que o público conhecesse seu processo de “heliografi a” (que signifi ca “desenhar com o sol”).

Poucos meses depois da morte de Niépce, e desconhecendo completamente seu trabalho, o inglês William Henry Fox Talbot (1800-1877) embarcou em sua busca pessoal pela fotografi a. Em outubro de 1833, Talbot visitou a Itália acompanhado de vários familiares. Em suas horas livres, o grupo fazia desenhos da paisagem local – com exceção de Talbot, um exímio cientista e linguista, mas péssimo desenhista. A princípio, ele buscou ajuda na câmara clara – uma invenção portátil que utilizava um prisma na ponta de uma haste para projetar uma imagem em uma superfície, mas, ao contrário da câmara escura, sem a necessidade de uma fonte de luz intensa. Quando o artista posicionava o olho sobre o prisma, era possível sobrepor a imagem à superfície inferior, o que lhe permitia traçar seus contornos. O aparelho, no entanto, era difícil de dominar. Talbot então se lembrou da câmara escura; na primavera de 1834, em Lacock Abbey, sua propriedade em Wiltshire – e ainda sem conhecer o trabalho de Wedgwood –, ele havia aplicado compostos de prata em papel. Porém, ao contrário de Wedgwood, Talbot encontrou um “fi xador”, uma maneira de estabilizar a imagem. O desenho fotogênico Bryonia dioica – a norça-

-branca (à direita) é um exemplo do tipo de imagem que ele conseguiu produzir. Talbot então voltou sua atenção para os vários assuntos científi cos e políticos de seu interesse sem levar sua invenção a público.

Nesse meio-tempo, Daguerre realizou um incrível avanço ao descobrir que placas de prata iodadas podiam ser reveladas com mercúrio, produzindo positivos

Tendo descoberto o

conceito de imagem

latente (uma imagem

invisível que pode

ser revelada em

um negativo) em

1840, Talbot registra

a patente de seu

processo, a calotipia.

Anna Atkins publica

uma edição limitada de

British Algae: Cyanotype

Impressions (Algas

britânicas: impressões

em cianotipia), o

primeiro livro ilustrado

com fotografi as.

Os primeiros volumes

de The Pencil of

Nature (O pincel da

natureza), de Talbot,

chamam a atenção do

grande público para a

fotografi a.

1841 1841 1843 1844 1851 1853

O NASCIMENTO DA FOTOGRAFIA 19

Frederick Scott Archer

inventa o processo

do “colódio úmido”,

no qual uma placa

de vidro é banhada

em sais de prata e

colódio para criar um

negativo.

A Photographic

Society of London

(posteriormente Royal

Photographic Society)

é fundada.

1 Vista da janela em Le Gras (1826-1827) Joseph Nicéphore Niépceheliografi a 16,5 x 20cmHarry Ransom Center, Universidade do Texas, Austin, Texas

2 Bryonia dioica – a norça-branca (c.1839)William Henry Fox Talbotdesenho fotogênico • 22,5 x 18,5cmNational Media Museum, Bradford, Reino Unido

A Royal Academy of

Science de Bruxelas

exibe as primeiras

estereografi as –

imagens que, através

de um visor especial,

criam a ilusão de

profundidade.

Page 18: Tudo Sobre Fotografia_Trecho

4

5

3

diretos, como se vê em O ateliê do artista (acima). Em 1838, exibiu exemplos como Boulevard du Temple, Paris (ver p. 22) e tentou vender seu processo por encomenda, sem sucesso. Em janeiro de 1839, François Arago, da Académie des Sciences, anunciou a invenção de Daguerre, juntamente com a intenção do governo francês de comprar seus direitos em todo o mundo. Embora tenha optado por uma abordagem bastante independente, e radicalmente distinta da escolhida por Daguerre, Talbot foi forçado a anunciar sua própria descoberta.

Muitos outros aspirantes à arte da fotografi a também vieram a público. Hippolyte Bayard (1807-1887), um funcionário público francês, inventou de forma independente um processo que aliava o positivo direto de Daguerre ao uso de papel de Talbot. Seu Autorretrato de um homem afogado (à direita, embaixo) expressa sua frustração por ter sido ignorado pelo público em geral. Daguerre não voltaria a contribuir de modo relevante para a fotografi a, mas, em um espaço de dois anos, outros utilizaram bromo para aumentar a sensibilidade do daguerreótipo, protegendo-o com cloreto de ouro. No fi m de 1840, Talbot realizou outro grande avanço ao descobrir a imagem latente e o poder amplifi cador da revelação. O tempo de exposição para negativos de papel diminuiu de dezenas de minutos para meros segundos e o registro em 1841 da patente de seu processo, o calótipo, deu origem à primeira fotografi a negativo/positivo verdadeiramente prática.

Um alto nível de detalhes era o maior trunfo do daguerreótipo, reforçado por uma análise minuciosa com uma lente de aumento. A superfície lisa da placa de metal ajudava, pois não havia fi bras para poluir a imagem, como no caso de uma folha de papel. Some-se a isso o fato de que o daguerreótipo era uma imagem original produzida dentro da própria câmera e que apenas as limitações da lente restringiam sua visibilidade. Contudo, essa singularidade era também a maior desvantagem do aparelho. Embora fosse possível fazer cópias de daguerreótipos originais, era totalmente impraticável disseminar imagens em placas de cobre revestidas de prata. Imagine um livro ilustrado com páginas de metal…

O surgimento do primeiro livro ilustrado com fotografi as se deve a um dos primeiros membros do sexo feminino da Botanical Society of London, Anna Atkins (1779-1871). Atkins já havia realizado as belas aquarelas que ilustravam as publicações científi cas de seu pai e reconhecia seu potencial de atrair um público mais amplo para obras do gênero. Em 1842, seu amigo Sir John Herschel (1792-1871) inventara o cianótipo, um negativo fotográfi co em papel baseado em sais de ferro em vez de prata. Impróprio para exposições com câmeras, o processo se distinguia pela produção de fotogramas muito estáveis e altamente detalhados, apesar de

20 DE 1826 A 1855

3 O ateliê do artista (1837)Louis-Jacques-Mandé Daguerredaguerreótipo • 16 x 21cmSociété Française de Photographie, Paris, França

4 Dictyota dichotoma em estágio jovem;

& adulta (1843) • Anna Atkinscianótipo • 44 x 33cmNew York Public Library, Nova York, EUA

5 Autorretrato de um homem afogado (1840) • Hippolyte Bayardpositivo direto em papel25,5 x 21,5cmSociété Française de Photographie, Paris, França

Page 19: Tudo Sobre Fotografia_Trecho

seus peculiares tons de azul vivo. A partir de 1843 e ao longo de uma década, Atkins utilizou com sucesso algas secas achatadas como negativos, posicionando-as em folhas de papel fotossensível sob a luz do sol. Dessa forma, produziu milhares de exemplares do seu British Algae: Cyanotype Impressions (1843-1853). Publicadas inicialmente em edições separadas e posteriormente em volumes maiores, placas como Dictyota dichotoma em estágio jovem; & adulta (à direita) demonstravam com nitidez a precisão dessas reproduções fotográfi cas.

Levar a fotografi a às páginas dos livros sempre havia sido o objetivo de Talbot. Em junho de 1844, ele lançou o primeiro livro ilustrado com fotografi as a ser distribuído comercialmente: The Pencil of Nature. Talbot vislumbrava uma ampla gama de usos para a fotografi a e o propósito de seu livro era demonstrar essa diversidade. Seu antigo criado e assistente, Nicolaas Henneman (1813-1898), mudou-se para Reading em 1843 para montar um dos primeiros laboratórios fotográfi cos do mundo. Como não havia maneira de converter fotografi as em tinta de impressão, The Pencil of Nature foi ilustrado com fotografi as originais coladas às páginas. Henneman utilizou vários dos negativos calótipos de Talbot para editar as impressões. Lançados em série, cada um dos fascículos de The Pencil

of Nature continha diversas fotografi as, acompanhadas de textos escritos pelo próprio Talbot, entre elas O palheiro (1844, ver p. 24). Infelizmente, a transposição de uma arte pessoal para uma escala industrial revelou sua fragilidade inerente. Fotografi as jamais seriam tão permanentes quanto a tinta de impressão, que já havia passado pelo teste do tempo. Quando as placas de The Pencil of Nature começaram a se apagar, seja por falhas internas ou por exposição à poluição, o sonho de publicar fotografi as originais também chegou ao fi m. Talbot voltou sua atenção às fotogravuras. Pouco depois de sua morte, fotografi as impressas em tinta se tornariam o método universal para transmitir informações visuais. LJS

O NASCIMENTO DA FOTOGRAFIA 21

Page 20: Tudo Sobre Fotografia_Trecho

1 POSIÇÃO DA CÂMERA

Tomando por base os três prédios altos da foto, que estão de pé até hoje, é possível determinar a posição da câmera de Daguerre. Como seres humanos, veículos e animais se moviam rápido demais para serem registrados – por conta do longo tempo de exposição necessário –, os primeiros daguerreótipos tendem a mostrar apenas paisagens arquitetônicas.

22 DE 1826 A 1855

Boulevard du Temple, Paris 1838 LOUIS-JACQUES-MANDÉ DAGUERRE 1787-1851

2 RIQUEZA DE DETALHES

Desde tábuas expostas, passando por telhas e galhos de árvores, as imagens de Daguerre tinham uma nitidez sem precedentes. Samuel Morse se mostrou maravilhado em uma carta ao irmão: “O detalhismo da imagem é inconcebível. Nenhuma pintura ou gravura jamais chegou aos seus pés.”

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4 HOMEM E ENGRAXATE

O homem cujo sapato está sendo engraxado é a fi gura mais clara deste daguerreótipo. Ele mantém o pé fi rme enquanto inclina o tórax um pouco para a frente. O engraxate enérgico, possivelmente um menino, encontra-se menos defi nido. É possível que Daguerre tenha pagado aos dois, ou os tenha encorajado de alguma outra forma a fazer a pose.

Após anos de experimentos, em 1837 Louis-Jacques-Mandé Daguerre por fi m conseguiu fi xar de modo permanente as imagens vistas na câmara escura. Seus primeiros sucessos foram naturezas-mortas. Logo, no entanto, ele sairia

do estúdio e não se limitaria a representar paisagens arquitetônicas, passando a registrar a vida em si. Em algum momento entre 24 de abril e 4 de maio de 1838, Daguerre montou sua câmera em uma janela no andar superior de sua residência no número 5 da rue des Marais, logo atrás do seu Diorama (um teatro adaptado por ele, no qual os espectadores podiam assistir a séries de cenas pintadas em movimento), e tirou a primeira foto com seres humanos de que se tem notícia. Carruagens, cavalos e pessoas passavam pelo movimentado bulevar naquela manhã, mas o longo tempo de exposição e a pressa com que se moviam os relegou à condição de fantasmas. No entanto, a preocupação de um homem com a aparência de seus sapatos faria com que ele e seu engraxate fi cassem parados por tempo sufi ciente para fazerem história.

Esta foi uma das imagens que Daguerre apresentou orgulhosamente no início de 1839 ao inventor Samuel Morse e outros. Após a divulgação dos detalhes do processo em 1839, Daguerre tornou a apresentá-la ao rei da Bavária, que a exibiu publicamente em Munique em outubro do mesmo ano. A placa sobreviveu a um devastador bombardeio durante a Segunda Guerra Mundial, para ser quase totalmente apagada em uma tentativa equivocada de limpá-la por volta de 1960. Por sorte, o curador fotográfi co e historiador Beaumont Newhall solicitara uma reprodução de alta qualidade da imagem de modo a imprimi-la para sua exposição pioneira no Museu de Arte Moderna de Nova York em 1937. Em 1979, Peter Dost e Bernd Renard puderam usar essa reprodução para criar o um fac-símile do daguerreótipo, que atualmente se encontra mais uma vez exposto em Munique.

Todas as diversas reproduções deste daguerreótipo em livros e revistas se devem ao negativo de Newhall. Por ironia, considerando que seu rival afi rmava ser o inventor da fotografi a, foi o processo de negativo/positivo de William Henry Fox Talbot que preservou o legado de Daguerre. LJS

Daguerreótipo15 x 18,5cmBayerisches Nationalmuseum, Munique, Alemanha

NAVEGADOR

3 VULTOS NUM BANCO

Há quem veja cinco ou até seis pessoas nesta imagem. Seria um casal sentado no banco? Ou um homem lendo jornal? Outros acreditam ver um menino olhando de volta para Daguerre de uma das janelas do prédio branco em primeiro plano.

O NASCIMENTO DA FOTOGRAFIA 23