145
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ - UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO EM BALNEÁRIO CAMBORIÚ ANGELO RICARDO CHRISTOFFOLI TURISMO E RELIGIOSIDADE NO BRASIL: UM ESTUDO DOS DISCURSOS DA PRODUÇÃO ACADÊMICA BRASILEIRA Balneário Camboriú Abril de 2007

TURISMO E RELIGIOSIDADE NO BRASILsiaibib01.univali.br/pdf/Angelo Ricardo Christoffoli.pdf · 2007. 9. 12. · RESUMO O Objetivo geral deste estudo é o de colaborar com a compreensão

  • Upload
    others

  • View
    0

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ - UNIVALI

CENTRO DE EDUCAÇÃO EM BALNEÁRIO CAMBORIÚ

ANGELO RICARDO CHRISTOFFOLI

TURISMO E RELIGIOSIDADE NO BRASIL: UM ESTUDO DOS DISCURSOS DA PRODUÇÃO ACADÊMICA BRASILEIRA

Balneário Camboriú

Abril de 2007

ANGELO RICARDO CHRISTOFFOLI

TURISMO E RELIGIOSIDADE NO BRASIL: UM ESTUDO DOS DISCURSOS DA PRODUÇÃO ACADÊMICA BRASILEIRA

Tese apresentada no Programa de Pós Graduação Stricto Sensu Doutorado em Turismo e Hotelaria da Universidade do Vale do Itajaí Orientadora: Profa. Dra.Yolanda Flores e Silva

Balneário Camboriú Abril de 2007

ANGELO RICARDO CHRISTOFFOLI

TURISMO E RELIGIOSIDADE NO BRASIL: UM ESTUDO DOS DISCURSOS DA PRODUÇÃO ACADÊMICA BRASILEIRA

Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do Grau de Doutor, no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Turismo e Hotelaria, Área de Concentração: Turismo e Hotelaria, do Centro de Educação de Balneário Camboriú, da Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI (SC) – e aprovada na sua versão final em: 25/04/2007.

BANCA EXAMINADORA:

____________________________________ Profa. Dra. Yolanda Flores e Silva

- Orientadora -

________________________________________ Profa. Dra. Dóris Van De Meene Ruschmann

Membro – (Titular UNIVALI)

________________________________________ Profa. Dra. Elisabete Tamanini

Membro - (Titular UNIPLAC/Lages)

________________________________________ Prof. Dr. Rafael José dos Santos

Membro – (Titular UCS/Caxias do Sul)

________________________________________ Dra. Luciana Paolucci

Membro - (Titular UNIVALI)

4

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a todos aqueles grupos sociais que, diante do mundo que nos rodeia, conseguem manter íntegras suas raízes culturais, nas quais a vida e o homem ainda são os maiores valores.

5

AGRADECIMENTOS

No decorrer deste trabalho, muitas foram às pessoas e instituições com as

quais cruzamos, e que nos marcaram com seus préstimos e apoios afetivos e

profissionais. Finda a tarefa, cabe-nos, registrar nosso apreço e reconhecimento,

pois, este trabalho não é o resultado das preocupações de apenas uma pessoa, daí

a sinceridade destes agradecimentos!

Começo por aqueles que deram vida a minha história, aos meus escritos.

Falo dos visitantes que circulam nos ambientes da religiosidade, aos quais procurei

com este trabalho, colaborar para que emergissem diante dos olhos dos

profissionais e pesquisadores do turismo. Digo isso porque muitas das vezes não

são reconhecidos enquanto um grupo coeso e uniforme, mas muitas outras vezes

são percebidos como sendo o contrário disso, pois diante da inexorabilidade da vida

atual, mantiveram junto a seu grupo e as suas famílias valores que nossa sociedade,

se conhece, não mais os vive mais cotidianamente. Espero então, que este trabalho

dê vida a estes diferentes personagens deste momento do passado, para que saiam

e assumam seu lugar na História.

Gostaría de agradecer aos Professores que estiveram na Qualificação e na

Banca de Defesa, Professores: Dra. Dóris Van De Meene Ruschmann, Dra.

Elisabete Tamanini, Dra. Luciana Paolucci e Dr. Rafael José dos Santos, as quais

resultaram na ampliação do horizonte da pesquisa que, permitiu-me avançar no

conhecimento e na dinâmica da produção científica sobre esse grupo da sociedade

brasileira merecedor de atenções e de observações acadêmicas.

Aos funcionários do Programa de Doutorado Acadêmico da Universidade do

Vale do Itajaí, principalmente Márcia, sempre disponíveis e prestativos às minhas

necessidades.

Merecem meus agradecimentos intensos e as minhas desculpas, a Deda, o

Giovanni e a Larissa, que por centenas de dias e noites, muitas vezes ouviram um

“não posso” participar das coisas do dia-a-dia familiar.

Para finalizar um agradecimento muito especial à minha Professora

Orientadora da Tese, que durante estes anos, ouviu pacientemente, argumentações

e considerações, e, por haver aceito o desafio de orientar-me — o que fez, sempre,

com muita competência e elegância —, com sua atenção e disponibilidade calorosa.

6

PENSAMENTO

“A miséria da religião, é, ao mesmo tempo, expressão e protesto contra a miséria real. É o lamento da criatura oprimida, coração de um mundo sem coração, alma de uma condição desalmada (...). Assim, a crítica do Paraíso transforma-se em crítica da Terra, a crítica da religião em crítica da lei, a crítica da teologia em crítica política (...). A religião é visão invertida do mundo, mas porque esta sociedade, este Estado, são o mundo invertido.”

Karl Marx, citado por Marilena Chauí (1986, p. 85)

CHRISTOFFOLI, Angelo Ricardo. Turismo e religiosidade no Brasil: um estudo dos discursos da produção acadêmica brasileira. 2007, 139 f. Tese (Doutorado em Turismo e Hotelaria) – Programa de Pós-Graduação em Turismo e Hotelaria, Universidade do Vale do Itajaí, Balneário Camboriú, 2007.

RESUMO

O Objetivo geral deste estudo é o de colaborar com a compreensão sobre os discursos existentes nos textos produzidos por autores do turismo sobre deslocamento religioso e turismo religioso na produção científica do turismo brasileiro e áreas afins entre os que atuam ou pesquisam este ambiente. A População que compões este estudo são os textos de autores brasileiros sobre o ambiente por eles denominado de turismo religioso. A Metodologia adotada para coleta, análise e discussão dos dados tem abordagem qualitativa de natureza exploratória na busca de dados bibliográficos e documentais. Os procedimentos de coleta de dados compreenderam a leitura dos textos e organização dos dados sobre a obra e o autor, o contexto de sua elaboração, a natureza de sua construção, o referencial utilizado como ancoragem e o uso da obra no turismo; a análise dos dados foi pela técnica de análise denominada de Discurso do Sujeito Coletivo – DSC, através das etapas: seleção das expressões chave; idéias centrais; ancoragem; e a síntese dos discursos. Os resultados obtidos estão relacionados ao avanço acerca das discussões e dos discursos do turismo associados a religiosidade católica junto aos autores do turismo brasileiro, visto que, a partir de suas publicações, estes influenciam diretamente a prática e os planejamentos, bem como na interpretação sobre o turismo nos ambientes dos deslocamentos religiosos. Confirmou-se que o turismo ainda não possui mecanismos definidos para a compreensão das diversas motivações culturais no ambiente religioso e na religiosidade popular do catolicismo, como também o turismo não tem estudos sistemáticos e sistematizados que discutam as diferentes categorias que interpretem a peregrinação, a romaria e o que se define como turismo religioso. Também se constatou ocorrer uma auto-aceitação e auto-citação entre alguns poucos autores, talvez em face do pequeno número de pesquisas de campo encontradas, as quais poderiam trazer mais luz à discussão e a compreensão da situação estudada, isso porque, as obras concentram-se quase sempre, em interpretar as atividades dos visitantes apenas, esquecendo-se dos fiéis e das congregações. Constatou-se que os autores não possuem um conjunto definido de categorias que possam explicar e justificar o uso do termo ‘turismo religioso’, pois, entende-se também que não conseguem distinguir todos os diferentes elementos que dão suporte aos grupos que convivem paralelamente no universo religioso, muito menos aos possíveis turistas que lá se encontram, e sobre os quais pretendem atuar. PALAVRAS CHAVE: Turismo; Turismo Religioso; Produção Acadêmica; Discursos.

CHRISTOFFOLI, Angelo Ricardo. Tourism and religiosity in Brazil: a study of the discourses of Brazilian academic production. 2007, 139 f. Thesis (Doctorate in Tourism and Hotel Management) – Postgraduate Program in Tourism and Hotel Management, University of Vale do Itajaí, Balneário Camboriú, 2007.

ABSTRACT

The general objective of this study is to further understanding on the discourses that exist in the texts produced by authors in the area of religious travel and religious tourism, in the scientific production of Brazilian tourism and related areas, or carrying out research in this ambient. The object of this study consists of texts by Brazilian authors, on the ambient which they denominate religious tourism. The Methodology adopted for the collection, analysis and discussion of the data was the qualitative, exploratory approach of bibliographic and documentary review. The data collection procedures included the reading of texts and organization of data about the works and the authors, the context in which the texts were written, the nature of their construction, the framework used as anchorage, and the use of the work in tourism. The data were analyzed using the document analysis technique known as the Collective Subject Discourse Analysis – CSD, through the following stages: selection of key expressions; central ideas; anchorage; and synthesis of the discourses. The results obtained relate to advances on tourism discussions and discourses associated with Catholic religiosity, since, based on their publications, they directly influence the practice and planning, as well as the interpretation of tourism in contexts of religious travel. This study also confirms that tourism still does not have any clearly-defined mechanisms for understanding the various cultural motivations in the religious environment, and in the popular religiosity of Catholicism, and that tourism lacks systematic and systemized studies on the different categories that interpret pilgrimage in what is defined as religious tourism. It also observes that there is a self-acceptance and self-citation among few of the authors, perhaps due to the small number of field studies found, which can shed more light on the discussion and understanding of the situation studied. This is because the works almost always focus on interpreting the activities only of visitors, forgetting religious followers and congregations. It demonstrates that the authors and researchers do not have a clear set of categories to explain and justify the use of the term ‘religious tourism’, therefore, it is assumed that they are unable to distinguish all the different elements which give support to the groups that coexist alongside the religious environment, far less the potential tourists to be found there, and on whom they intend to act. KEY WORDS: Tourism; Religious Tourism; Academic Production; Discourses.

9

CHRISTOFFOLI, Angelo Ricardo. Turismo y religiosidad en Brasil: un estudio de los discursos de la producción académica brasileña. 2007, 139 f. Thesis (Dotorato en Turismo e Hoteleria) – Programa de Posgrado en Turismo e Hoteleria, Universidad del Vale del Itajaí, Balneário Camboriú, 2007.

RESUMEN

El Objetivo general de este estudio es el de colaborar con la comprensión sobre los discursos existentes en los textos producidos por autores del turismo sobre desplazamiento religioso y turismo religioso en la producción científica del turismo brasileño y áreas afines entre los que investigan este ambiente. La Población que compone este estudio son los textos de autores brasileños sobre el ambiente por ellos denominado turismo religioso. La Metodología adoptada para recolección, análisis y discusión de los datos tiene abordaje cualitativo de naturaleza exploratoria en la búsqueda de datos bibliográficos y documentales. Los procedimientos de recolección de datos comprendieron la lectura de los textos y organización de los datos sobre la obra y el autor, el contexto de su elaboración, la naturaleza de su construcción, el referencial utilizado como fundamentación y el uso de la obra en el turismo; el análisis de los datos fue realizado por la técnica de análisis denominada Discurso del Sujeto Colectivo – DSC, a través de las etapas: selección de las expresiones clave; ideas centrales; fundamentación; y la síntesis de los discursos. Los resultados obtenidos están relacionados al avance acerca de las discusiones y de los discursos del turismo asociados a la religiosidad católica junto a los autores del turismo brasileño, puesto que, a partir de sus publicaciones, éstos influencian directamente la práctica y los planeamientos, así como la interpretación sobre el turismo en los ambientes de los desplazamientos religiosos. Se confirmó que el turismo aún no posee mecanismos definidos para la comprensión de las diversas motivaciones culturales en el ambiente religioso y en la religiosidad popular del catolicismo, así como tampoco el turismo tiene estudios sistemáticos y sistematizados que discutan las diferentes categorías que interpreten la peregrinación, la romería y lo que se define como turismo religioso. También se constató que ocurre una autoaceptación y autocitación entre unos pocos autores, tal vez debido al pequeño número de investigaciones de campo encontradas, las cuales podrían traer más luz a la discusión y a la comprensión de la situación estudiada, eso porque las obras se concentran, casi siempre, en interpretar solamente las actividades de los visitantes, olvidándose de los fieles y de las congregaciones. Se constató que los autores no poseen un conjunto definido de categorías que puedan explicar y justificar el uso del término ‘turismo religioso’, pues se entiende también que no logran distinguir todos los diferentes elementos que dan soporte a los grupos que conviven paralelamente en el universo religioso, mucho menos a los posibles turistas que allá se encuentran, y sobre los cuales pretenden actuar. PALABRAS CLAVE: Turismo; Turismo Religioso; Producción Académica; Discursos.

10

LISTAS DE FIGURAS

FIGURA 1 - CHRISTIAN D. M. DE OLIVEIRA .......................................................106

FIGURA 2 - EDIN SUED ABUMANSSUR..............................................................110

FIGURA 3 - REINALDO DIAS................................................................................112

FIGURA 4 - EMERSON J. S. DA SILVEIRA ..........................................................114

FIGURA 5 - ANCORAGEM DE CHRISTIAN D. M. DE OLIVEIRA.........................116

FIGURA 6 - ANCORAGEM DE EDIN SUED ABUMANSSUR.................................117

FIGURA 7 - ANCORAGEM DE REINALDO DIAS..................................................118

FIGURA 8 – ANCORAGEM DE EMERSON J. S. DA SILVEIRA ...........................119

FIGURA 9 – COMPOSIÇÃO DO TURISMO RELIGIOSO......................................124

LISTAS DE QUADROS

QUADRO 1 DSC - Sobre Turismo Religioso (Turismo Religioso).........................120

QUADRO 2 DSC - Sobre Turismo Religioso (Religiosidade) ................................120

QUADRO GERAL DSC - Sobre Turismo Religioso...............................................123

LISTAS ABREVIAÇÕES E SIGLAS

AIEST Associação Internacional de Espertos em Turismo

CAR Centro de Atividades Múltiplas

DSC Discurso do Sujeito Coletivo

ECA/USP Escola de Comunicação e artes da Universidade de São Paulo

EMBRATUR Instituto Brasileiro de Turismo

OMT Organização Mundial do Turismo

PUC Pontifica Universidade Católica

SISTUR Sistema de Turismo

UNIVALI Universidade do Vale do Itajaí

SUMÁRIO

LISTAS DE FIGURAS .............................................................................................10

LISTAS DE QUADROS ...........................................................................................11

LISTAS ABREVIAÇÕES E SIGLAS.......................................................................12

INTRODUÇÃO .........................................................................................................14

1 FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA PESQUISA..................22

2 TURISMO E RELIGIÃO........................................................................................30

2.1 O TURISMO E RELIGIÃO: DEFINIÇÕES E CONCEITOS IMPORTANTES À

DISCUSSÃO ............................................................................................................32

2.2 CRENÇAS RELIGIOSAS NO OCIDENTE: OS DESLOCAMENTOS RELIGIOSOS77

2.3 AS TRANSFORMAÇÕES DA IGREJA CATÓLICA NO BRASIL........................84

2.3.1 Transformações nos deslocamentos religiosos brasileiros (1500-1900).........85

2.3.2 Estratégias da Igreja Católica com relação aos deslocamentos religiosos

brasileiros (1900-2000) ............................................................................................95

3 OS DISCURSOS SOBRE TURISMO RELIGIOSO NO BRASIL .........................102

3.1 PERFIL DOS AUTORES ESCOLHIDOS PARA O ESTUDO...........................103

3.2 A PRODUÇÃO ANALISADA ............................................................................106

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................125

REFERÊNCIAS......................................................................................................137

INTRODUÇÃO

A partir das atividades profissionais desenvolvidas enquanto docente em

turismo, percebeu-se1 que a relação entre o ambiente religioso e o ambiente do

turismo é estruturada sobre premissas diferentes, para não dizer opostas entre si.

O estudo do turismo no ambiente da religiosidade católica popular2 que serve

de pano de fundo deste trabalho tem gerado poucas percepções e posições

estratégicas de análise por parte dos estudiosos das Ciências Sociais Aplicadas,

setor onde se encontra classificado o turismo, concentradas principalmente em dois

aspectos que são: a movimentação física de pessoas, e, o lazer turístico, ou seja,

percebeu-se que estas duas categorias apresentam-se em boa parte das

interpretações dos autores da relação entre os dois universos em questão. Além

disso, se percebe que há uma determinada necessidade de pesquisa para

responder ao mercado apenas (como é o caso, de muitas interpretações

funcionalistas que ocorrem nos textos e nas interpretações realizadas pelos autores

do turismo), as quais estão aquém dos valores sociológicos valorizados pelos grupos

sociais que estudam, e isso me moveu para a execução dessa Tese.

Isto porque estes autores parecem ver apenas o que consideram importante 1Desenvolvi durante dois anos uma pesquisa intitulada ‘Turismo religioso e Humanismo Latino no Brasil’ para a Fondazione Cassamarca de Treviso na Itália. O objetivo maior era identificar a existência de estruturas de apoio aos fiéis nos maiores santuários católicos brasileiros (Aparecida (SP), Iguape (SP), Frei Galvão (SP), Juazeiro (CE), Padre Eustáquio (MG), Nova Trento (SC), Bomfim (BA), Caravaggio (RS), Navegantes (RS), entre outros, com base nas estratégias da Conferência Episcopal Italiana (CEI). Para surpresa, apesar da existência de muitas pastorais (do romeiro, dos fiéis, dos peregrinos, etc.), nenhum local pesquisado conhecia tanto a estrutura relacionada ao turismo da CEI, bem como as estratégias, as ações e publicações direcionadas para os que trabalham com turismo. Essa relação com o ambiente religioso advém de minha graduação em História (1991), duas Especializações (História 1994; Turismo 1997), mais o Mestrado em Turismo e Hotelaria (2000), todos pela Universidade do Vale do Itajaí. Também deriva pelo fato de ser líder do Grupo de Pesquisas Investigação em Lazer e Eventos, registrado no CNPQ desde 2000 com pesquisas na Linha Gestão do Lazer Público e Privado, onde desenvolvo pesquisas sobre lazer público tanto nas praias de Balneário Camboriú e região, como sobre os espaços públicos para o lazer da comunidade, fato que me levou a pesquisar sobre os motivos que levam os visitantes a Nova Trento, SC. Atualmente sou professor nas áreas de Lazer, do Turismo e Gastronomia, atuando principalmente nos seguintes temas: História do Lazer, Lazer público, Planejamento do Lazer turístico, Patrimônio Histórico e Turismo, junto a Universidade do Vale do Itajaí. 2 O antropólogo Ruben César Fernandes em trabalho sobre as caminhadas e peregrinações no interior de São Paulo e no santuário de Czestochowa na Polônia, desenvolveu argumentações relacionadas ao simbolismo popular. Para o autor, “o predicado ‘popular’ deve caracterizar os laços que unem uma classe de iguais (vínculos horizontais); mas, por outro lado, deve também dar conta das relações obtidas entre posições desiguais em um eixo vertical. Remete às idéias de fraternidade, no primeiro caso, e às de autoridade no segundo. ‘Popular’ enquanto ‘classe subalterna’ está associado ao primeiro sentido; e, quando pensado como ‘extra-oficial’, associa-se prioritariamente, ao segundo” (FERNANDES, 1994, p.51 e p.231).

15

no ambiente religioso: a apropriação de mais este espaço através do planejamento,

da padronização ou controle, visando integrá-lo ao exigido pelo mercado e pelas

tendências das demandas turísticas em constante deslocamento físico. Outra

característica generalizada nas argumentações dos autores do turismo, é que a

urbanização, a vida agitada, a modernidade e a pós-modernidade, são os elementos

mais importantes para a justificativa da transformação da religiosidade em lazer

turístico, e essas transformações se expressam principalmente nos momentos

indicados por eles como sendo ‘profanos’ (festas, arraiais, danças, bailes) que

ocorrem junto aos locais ‘sagrados’ da religiosidade católica popular, e ainda

conforme a percepção destes, isso ocorre em detrimento dos momentos sagrados.

Como percebi que essas considerações dos autores não atingem o que

considero essencial, concentrei-me em entender como se davam as relações entre

os autores do turismo e os ambientes religiosos. Percebi também que o universo

religioso é pouco conhecido da população em geral, e mesmo dos estudiosos das

Ciências Sociais Aplicadas, assim, busquei com essa Tese desenvolver subsídios e

embasamento que colaborem e expliquem a realidade atual da relação entre ambos.

Chauí (1982) colabora com a compreensão do processo de apreensão do

conhecimento de determinado objeto (sobre a sociedade brasileira) em sua

discussão sobre os ‘discursos competentes e outras falas’ relacionados à

compreensão dos aspectos ideológicos existentes no universo brasileiro da relação

entre dominação e dominados. Para Chauí se quisermos compreender um

determinado acontecimento social (algo), isso ocorrerá quando esse algo é

“conhecido objetivamente quando é possível dominá-lo inteiramente pelas

operações do entendimento” (1982, p. 34). Retornando ao turismo, tome-se como

exemplo a apreensão de diferentes operações do entendimento elaboradas e

aplicadas sobre um determinado objeto, na obra de Ruschmann sobre os impactos

do turismo no meio ambiente. Mesmo distante de sua primeira edição (que ocorreu

em 1997), continua sendo utilizada como referência obrigatória para diversos

segmentos turísticos, porém o mesmo não se observa nem ocorre com o turismo e a

religiosidade, pois, as atuais descrições e análises realizadas pelos autores, por si já

bastam para explicar a atuação do turismo, isso porque, para os autores do turismo

atualmente se estabeleceu uma relação mais intensa entre religiosidade e lazer, que

ocorrem nos momentos de festas, compras e diversões.

16

Para tentar explicar porque essa situação ocorre nos autores do turismo em

relação à religiosidade, bem como demonstrar elementos menos valorizados nas

análises da relação entre religiosidade e turismo (o deslocamento físico e o lazer

através das atividades percebidas como ‘profanas’), tomarei como base os

elementos da teoria sociológica do sagrado e do profano de Durkheim (1996) nas

buscas de respostas. Para Durkheim, (apud Ferretti 2001, p. 1), nestes dias, a vida

religiosa atinge grau de excepcional intensidade. Referindo-se ao descanso

religioso, Ferretti (2001) lembra que Durkheim afirma ser o caráter distintivo dos dias

de festa correspondente, em todas as religiões conhecidas, à pausa no trabalho,

suspensão da vida pública e privada à medida que estes momentos não apresentam

objetivo religioso. Ferretti (2001) indica ainda que para Durkheim, as festas teriam

surgido da necessidade de separar o tempo em dias sagrados e profanos. Ferretti

(2001, p. 1) discute sincretismo religioso e festas indicando que Durkheim,

[...] discute a importância do elemento recreativo e estético na religião, mostrando, a interrelação entre cerimônia religiosa e a idéia de festa, pela aproximação entre os indivíduos, pelo estado de “efervescência” coletiva que propicia e pela possibilidade de transgressão às normas.

Para Durkheim (apud FERRETTI, 2001, p. 1) “as festas surgiram pela

necessidade de separar no tempo, dias ou períodos determinados dos quais todas

as ocupações profanas sejam eliminadas”. Adiante afirma: “o que constitui

essencialmente o culto é o ciclo das festas que voltam regularmente em épocas

determinadas”. Assim a repetição do ciclo das festas constitui, para Durkheim,

elemento essencial do culto religioso. Durkheim também salienta “da importância

dos elementos recreativos e estéticos para a religião, comparando-os a

representações dramáticas e mostrando, que às vezes é difícil assinalar com

precisão as fronteiras entre rito religioso e divertimento público” (apud FERRETTI,

2001, p. 1). Durkheim estabelece relações íntimas entre religião e festas, entre

recreação e estética, mostrando o parentesco ou a proximidade entre o estado

religioso e a efervescência, o delírio, os excessos ou exageros das festas. Para

Durkheim os elementos do profano e do sagrado, estão compondo o universo

religioso de forma concomitante, não existindo um sem a presença do outro, por

mais que, ambos não se expressem ao mesmo tempo. Para Durkheim “a

impossibilidade da coexistência dos dois num mesmo espaço permitiu a instituição

dos templos e dos santuários” (1996, p. 326), pois, que estes, “são porções de

17

espaço, destinadas às coisas e aos seres sagrados e que lhes servem de hábitat,

pois estes só podem se estabelecer ali com a condição de apropriar-se totalmente

daquele chão num raio determinado” (DURKHEIM, 1996, p. 326).

Já Mircéa Eliade na obra ‘O Sagrado e o Profano’ enfatiza que participando

das atividades festivas relacionadas ao illud tempus3 o homem religioso esforça-se

para reunir-se periodicamente num Tempo Original dos calendários sagrados, assim,

“a festa não é a omemoração de um acontecimento mítico (e protanto religioso), mas

sim sua reatuzalização” (1992, p 69). Nesse sentido se entende que, Eliade percebe

as ações que influenciam a vida dos homens, imersas cotidianamente no religioso,

compostas por complexos rituais culturais a serem observados e seguidos, muitas

vezes sem permissão para escolhas individuais.

Interessante perceber o que o antropólogo Roberto DaMatta (1983, p. 32)

considera em seus estudos sobre os ritos brasileiros: ele entende que são duas as

formas atuais de estudo desenvolvidas pelos cientistas sociais, em primeiro lugar

estão os estudos que consideram o cerimonial em si, passando a descrevê-lo

enquanto

[...] o estudo do cerimonial como reflexo direto é muito mais comum, pois é mais fácil reduzir o rito à sociedade do que perceber que elementos dessa sociedade são operados ritualmente, e assim dramatizados e colocados em foco.

Em segundo está um acontecimento repleto de simbolismos, em constante

modificação que não se extingue com o fim da cerimônia, pois ele o entende como

“um extraordinário de maior duração” (DAMATTA, 1983, p. 32), que se inicia antes e

o que vem depois da cerimônia. Nessa visão mais ampla do religioso, direcionamo-

nos também as idéias desenvolvidas por Mircéa Eliade, que entende ser a função

integradora do sagrado4 baseada na percepção do religioso como centro do mundo,

principalmente nos níveis culturais das sociedades arcaicas, “onde viver como ser

humano é, em si, um ato religioso, pois a alimentação, a vida sexual e o trabalho têm

um valor sacramental” (ELÍADE apud GUIMARÃES, 2000, p. 70). 3 Na repetição anual da Cosmogonia encontra-se o Tempo regenerado, que coincide com o illud tempus (momento em que o mundo viera pela primeira vez à existência). Participando desse ciclo de recriação, o homem tornava-se contemporâneo e, portanto, renascia de novo, recomeçando sua existência com a reserva das forças vitais intacta, tal como no momento de seu nascimento. 4 Para Eliade, mesmo na mais elementar das religiões é a experiência do sagrado que ‘funda’ e estrutura o Mundo de um determinado indivíduo, pois ao transcender o mundo físico, faz ver o passado mítico de cada grupo humano (isto é, mantém unido o conjunto de tradições mitológicas e culturais da tribo) (Apud Guimarães, 2000, p. 367-70).

18

Retomando as idéias de religião de Durkheim, observa-se que para ele

[...] os fenômenos religiosos caracterizam-se naturalmente em duas categorias fundamentais: as crenças e os ritos, sendo que as primeiras são os estados da opinião, consistem em representações; os segundos são modos de ação determinados. Entre esses dois tipos de fatos há exatamente a diferença que separa o pensamento do movimento [...]“todas as crenças religiosas conhecidas [...] supõem uma classificação das coisas reais ou ideais [...] em duas classes [...] que as palavras profano e sagrado traduzem bastante bem” (DURKHEIM, 1996, p. 19).

Partindo-se também dos elementos de análise propostos por Durkheim (as

crenças e os ritos), se fez a estruturação desta Tese onde, entende-se que as

crenças religiosas populares são as motivações que fazem com que os fiéis

movimentem-se física e continuamente na busca da confirmação de sua fé nos

santos (ou santuários) praticando “os ritos que lhes são solidários” (1996, p. 28),

enquanto componentes de um grupo socialmente estruturado. De outro lado têm-se

os ritos, ou seja, as formas como ocorrem essas movimentações, mediadas pelas

“regras de conduta que prescrevem como o homem deve comportar-se com as

coisas sagradas” (DURKHEIM, 1996, p. 24), bem como as estratégias (orações,

rezas, caminhadas, romarias, peregrinações, entre outras), utilizadas pelos fiéis em

busca da confirmação às suas crenças religiosas. Considerando também as idéias

de Durkheim (1996), de que o essencial é que haja indivíduos reunidos, que

sentimentos comuns sejam experimentados e expressos em atos comuns, “tudo nos

leva então à mesma idéia: os ritos são, antes de tudo, os meios pelo qual o grupo

social se reafirma periodicamente” (1996, p. 422).

Para colaborar com essa discussão utilizo Chauí que descreve a religião

como “uma atitude genérica perante o real, tornando-se impossível estabelecer uma

diferença qualitativa entre religião dos dominantes e religião popular” (1982, p. 72),

pois para a autora, variam apenas em grau e não em sua natureza. Complementa

dizendo que a religião popular é a “preservação de valores éticos, estéticos, étnicos

e cosmológicos de grupos minoritários e oprimidos, de sorte a funcionar como canal

de expressão da identidade grupal e de práticas consideradas desviantes [...]” (p.

72). DaMatta justifica a necessidade de se entender a religiosidade dentro da

cultura, distinguindo-a como conceito-chave para a interpretação da vida social

(1986, p. 123), como

um mapa, um receituário, um código através do qual as pessoas de um dado grupo pensam, classificam, estudam e modificam o mundo e a si

19

mesmas”. Porém, indica que a cultura não é um código que se escolhe simplesmente, “é algo que está dentro e fora de cada um de nós, como as regras de um jogo de futebol, [...] (123-4).

A partir deste contexto, se defende como proposta nesta Tese, que autores

do turismo percebem ambas as situações (crenças e ritos da religiosidade católica

popular) como formas diferentes de expressão, parte delas relacionadas à fé, e outra

parte maior ligada apenas ao lazer que se estabeleceu na sociedade atual (e,

portanto, apto ao turismo), cada qual com seus distintos objetivos e, portanto,

desconectadas entre si (em oposição à visão unívoca de Durkheim onde ambos

encontram-se conectados). Sendo que, além disso, é também considerado pelo

mercado turístico como parte de um produto a ser consumido (a religiosidade), como

outro qualquer dentro da ampla oferta de lazer turístico. Os autores ainda as vêem

de forma simples, como uma oportunidade de atuação do profissional do turismo.

Sobre as formas da movimentação dos fiéis (entendidas por Durkheim como

sendo os ritos) vêm ocorrendo estudos desenvolvidos por profissionais do mercado

turístico, para os quais a movimentação física (o deslocamento ocorrido pela

viagem) das pessoas per se, representa a totalidade do processo, permitindo sua

compreensão, e, portanto, a implantação de ações sobre ele. Na ausência de outras

explicações pelos autores do turismo, nesta Tese, serão procuradas outras

disciplinas para auxiliar, e, buscando explicar o que rege a existência dessa

condição na movimentação das pessoas. Será usado Steil5, por exemplo, ao indicar

a ocorrência de uma situação de inter-relação de dois mundos (uma articulação do

envolvimento religioso com o turismo) ao descrever e analisar de modo

concomitante algo que ao turismo ainda é desconhecido, o autor, indica que

o eixo comum dessa articulação pode ser encontrado no fato de que o turismo e a peregrinação são vividos como o inverso da vida cotidiana. O turismo, assim como a peregrinação, está na ordem do lazer, do ócio (2003b, p. 56).

Complementando sua argumentação Steil indica que (2003b, p. 56),

[...] tanto num como no outro, observa-se a busca de uma sociabilidade ideal. Mas enquanto a peregrinação busca uma dissolução simbólica do indivíduo num todo holístico, o turismo opera a partir de um corte social eletivo que procura estabelecer ilhas de sociabilidade através da

5 Carlos Alberto Steil Doutor em Antropologia tem uma extensa produção científica concentrada na análise antropológica das sociedades e dos grupos religiosos. Este autor será utilizado em diversos momentos neste trabalho, uma vez que, apesar de, desenvolver estudos junto à religiosidade, perpassa muitas vezes o turismo como forma de análise.

20

demarcação de fronteiras entre um "eles" e um "nós". De modo que, se a peregrinação visa integrar numa sociedade global, o turismo, num sentido ideal típico, visa integrar numa sociedade particular, onde se torna possível experimentar o "outro" (a alteridade), para melhor apreender a si mesmo.

E assim, a partir desses dois elementos propostos por Steil (a dissolução

simbólica e as ilhas de sociabilidades), se poderão perceber distintas condições e

interesses relacionados ás viagens aos ambientes religiosos. No entanto é preciso

estar atento à afirmação de Durkheim (1996, p. 328) que pode ser importante

quando da percepção sobre as estratégias utilizadas pelos autores do turismo, pois,

[...] ninguém pode se envolver numa cerimônia religiosa de alguma importância sem se submeter a uma espécie de iniciação prévia que o introduza progressivamente no mundo do sagrado. Para isso, podem se empregar unções, purificações, bênçãos, todas elas operações essencialmente positivas; mas chega-se ao mesmo resultado por meio de jejuns, vigília, pelo retiro e pelo silêncio, isto é, por abstinências rituais que não são senão a prática de interdições determinadas.

Essas diferentes condições e ações indicadas por Durkheim, mesmo que

conceituais e estruturais apenas, ultrapassaram os limites dos locais de ocorrência

da fé, isto é, precisam ser observadas muito antes da viagem, junto a cidade de

origem não sendo percebidas nos textos dos autores do turismo, nem na imprensa,

que passou a noticiar principalmente as vantagens econômicas advindas da

movimentação dos fiéis, agregando-lhes capacidades não admitidas pelos

administradores religiosos, ou ao menos desprezadas por estes. A partir daí passou-

se a utilizar correntemente o termo turismo religioso pelos jornalistas, apoiados tanto

pelos administradores públicos quanto por certos segmentos da Igreja, em oposição

aos desejos e dinâmicas dos administradores dos santuários católicos6.

Antes de adentrar-se especificamente nesta discussão, considera-se

importante recordar que o Turismo no Brasil nasce na Geografia7 e Antropologia,

sendo depois incorporado pelas Ciências Sociais Aplicadas onde se estabeleceu

plenamente, concentrando-se no estudo dos aspectos gerenciais e comerciais, mais

do que dos aspectos culturais, sendo que o turismo e a religiosidade católica

popular, somente nas últimas duas décadas mereceram atenção de pesquisadores 6 Na pesquisa desenvolvida nos santuários católicos, indicada anteriormente, ficou claro que os religiosos ligados as administrações dos ambientes de fé, renegam, mas não proíbem a existência de turistas no meio dos fiéis devotos, pois nesses momentos, vêem a oportunidade de atendê-los de forma igual aos fiéis. 7 Sugiro observar-se o texto de Adyr A. Balastrieri Rodrigues intitulado ‘Turismo e Geografia: reflexões teóricas e enfoques regionais’ (1999, p.22) que discute a evolução dos estudos sobre o turismo.

21

dessas ciências.

Por outro lado a produção de artigos resultantes dessa atenção para com a

relação turismo-religiosidade é muitíssimo recente, tanto na academia quanto na

produção textual disponível no mercado editorial, concentrando-se quase que toda

ela nos últimos sete anos (2000-2006).

22

1 FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA PESQUISA

Dentre todas as Ciências que vêm estudando o turismo e a religiosidade

popular de forma conjunta as Ciências Sociais são as que mais têm produzido

informações e análises sobre esses elementos inerentes à formação das

sociedades, indistintamente ao momento histórico analisado. Em contrapartida,

serão usados autores de outros ramos do conhecimento e de análise social,

buscando-se com isso, colaborar com as interpretações acerca dessa relação. São

Sociólogos, Antropólogos, Historiadores, Filósofos, bem como religiosos que

continuamente especulam desde os pequenos grupos humanos que ainda vivem os

valores tradicionais, ou ainda os pesquisadores que se concentram sobre as

transformações do catolicismo popular atual, o qual se assenta sobre uma

complexidade de formas e de dinâmicas baseadas em grupos distintos situadas nos

centros urbanos, bem como nas rurais mais tradicionais.

Assim, pretende-se avançar um pouco mais acerca das percepções dos

significados dos deslocamentos religiosos, pois, esta Tese leva à algumas análises

acerca do universo do turismo e da religiosidade católica popular realizada por

autores do turismo brasileiro, que em muitas produções vêem este ambiente como

uma demanda de mercado que pode ser colocada dentro dos ditames da

padronização de novos produtos e de serviços do turismo, não fosse um detalhe a

ser observado: a motivação deste movimento está relacionada à fé e as crenças, e

portanto, a aspectos que se entende, não podem ser quantificados ou incentivados

mediante apenas às mudanças das estruturas físicas e de serviços turísticos dos

locais visitados, bem como da própria forma da movimentação física em si.

Percebe-se nas ‘falas’8 que compõe os discursos destes autores do turismo,

uma dinâmica de fragmentação do universo das movimentações religiosas, na ânsia

de sua interpretação quando de sua predisposição para o mercado e, isso vai de

encontro ao que Carlos Rodrigues Brandão9 analisou em diferentes interfaces da

religiosidade de uma comunidade de Itapira, SP. 8 O termo ‘falas’ neste trabalho é com o sentido de falar, expressar, dizer, sendo, portanto para designar as expressões retiradas dos textos dos diferentes autores do turismo analisados. 9 Carlos Rodrigues Brandão é antropólogo possuindo uma grande produção concentrada no estudo da religiosidade popular em diversas obras como: Cavalhadas de Pirenópolis (1974); A festa do santo de preto (1975); A folia de Reis de Mossâmedes (1977); Religião e catolicismo do povo (1977); O Divino, o Santo e a Senhora (1978) e Deus te Salve, Casa Santa (1979), entre outros.

23

Em sua obra Brandão (1986, p. 295) indica que se deve olhar a religião a

partir de suas relações políticas, apreendendo os significados e os usos sociais

desta, através das crenças e cultos, pois que isso ajuda a “corrigir dois enganos no

exame da questão [...]”. Para ele, esses enganos são:

[...]“reter a discussão ao âmbito da historiografia das origens e do exercício etnográfico de descrições da burocracia religiosa, do processo ritual e do sistema de símbolos”, isso porque ficará “de lado o exame de problemas das relações entre o trabalho social com os deuses e as transações entre a sua prática e os interesses políticos especializados, de algum modo, como religião (BRANDÃO, 1986, p. 295).

Isto é, o autor entende que mais que descrever os processos sociais das

relações dos fiéis com os seus santos per se, é necessário aprofundar-se nos

diversos elementos dessa relação, elementos estes que, quando ausentes, induzem

a uma interpretação senão errônea ao menos superficial. E, em última análise é isso

que esta Tese propõe, isto é, recuperar nos discursos dos autores do turismo, os

elementos ou as categorias que utilizam para a interpretação do turismo na

religiosidade católica popular. Brandão (1986, p. 296) apresenta o segundo engano

que ocorre aos pesquisadores que pretendem chegar depressa e aos saltos a

conclusões finais superficiais a respeito das funções do setor religioso:

[...] olhando a religião pela porta dos fundos, se é tentado a reduzir o sagrado à lógica funcionalista que inventa corresponder tipos de respostas do trabalho e da ideologia das religiões a tipos emparelhados de necessidades específicas de categorias de sujeitos e grupos sociais [...].

De outro lado, a posição dos autores sobre turismo, que seguem no sentido

contrário, pode ser percebida na obra do antropólogo Carlos R. Brandão, que se

concentra na análise de uso dos espaços públicos para a realização das festas

populares. Brandão (1989, p. 7) afirma que:

[...] algumas sociedades comemoram com mais ênfase certos acontecimentos e situações, enquanto outras os deixam em segundo plano. Nas cidades médias e grandes as festas cívicas, históricas e profanas conquistam um lugar de crescente importância, enquanto nas pequenas cidades e nos povoados do interior elas ocupam um segundo plano, e os festejos locais e religiosos povoam quase todo o calendário.

Para responder os porquês da ocorrência dessas situações Brandão (1989, p.

8), justifica a importância de se conhecer os valores de grupo ou comunitários

intrínsecos aos ambientes dessas festas relacionadas ao ambientes religiosos,

indicando que,

24

[...] é como se no mundo da cidade a festa oscilasse entre um máximo sentido do universal como no Natal e no Ano Novo, e em contrapartida, um máximo de afirmação simbólica do valor da individualidade. Enquanto isso no campo, valem mais as cerimônias de reconhecimento de um ‘nós’ local, como nas festas de santos padroeiros, e de associação da biografia individual ao ritmo e ao sentido da vida comunitária, como no batizado, no casamento e no velório.

Essa opinião é compartilhada por DaMatta (1983, p. 55) na obra que discute

os componentes da realidade da sociedade brasileira quando, ao comparar

diferentes festas como o carnaval e as festas religiosas, afirma que as segundas,

[...] por colocarem lado a lado, e num mesmo momento o povo e as autoridades, os santos e os pecadores, os homens sadios e os doentes, atualizam em seu discurso uma sistemática neutralização de posições, grupos e categorias sociais, exercendo uma espécie de pax catholica.

Partindo-se da compreensão expressa nas reflexões apresentadas

anteriormente, estas conduziram para os elementos que colaboram com a

problematização desta Tese, os quais estão relacionados a pressupostos que temos:

o turismo não possui estudos sistematizados sobre turismo religioso; o turismo,

considerando sua inserção nas Ciências Sociais Aplicadas (Administração) não dá

ênfase aos estudos de planejamento do mercado para a religiosidade católica

popular; o turismo não conseguiu ainda produzir trabalhos que tenham por objetivo a

compreensão das motivações sociológicas e culturais que levam ao crescimento do

turismo junto aos ambientes de religiosidade católica popular; o turismo não tem

estudos que discutam as diferenças e os caminhos entre a fé, a peregrinação, a

romaria e o que determinam os autores do turismo de turismo religioso.

Ao relacionar as interfaces das percepções desenvolvidas na prática cotidiana

deste autor desta Tese, e sua comparação com o referencial teórico-metodológico

escolhido para consubstanciar a pesquisa, delinearam-se os seguintes objetivos:

Identificar os discursos sobre turismo religioso na produção científica do turismo

brasileiro e áreas afins; e Descrever os discursos adotados sobre deslocamento

religioso e turismo religioso na produção científica brasileira, que atuam ou

pesquisam este tema

Toda e qualquer pesquisa científica prescinde de um método sistematizado

que possibilite deixar claro, tanto o caminho a ser seguido quanto os elementos que

serão considerados nas análises. Assim, nesta Tese em face de que se utilizaram

elementos subjetivos na construção das categorias das ‘falas’ dos discursos

25

constantes nos textos analisados, entendeu-se ser o método qualitativo o mais

adequado enquanto referência para sistematização dos dados coletados. Geertz

(1989, p. 40) afirma que “estudar uma determinada cultura é estudar um código de

símbolos partilhados pelos membros dessa cultura”, e o pesquisador deve ter como

tarefa principal, descobrir as estruturas conceituais que informam os atos dos

sujeitos no discurso social, construindo um sistema permeado pela leitura

interpretativa que evidencie a base desses conhecimentos.

Para alcançar esta meta, a abordagem qualitativa possui três características

essenciais: ter uma visão ampla do tema a ser pesquisado; considerar que as

categorias dos discursos emergem progressivamente e que o pesquisador não

intervém com seus saberes e julgamentos, sem antes avaliar as inter-relações das

informações e a cultura em que estão coletadas (ALVES-MAZZOTTI;

GEWANDSZNAJDER, 1998).

A pesquisa desenvolvida com os discursos sobre turismo religioso utilizou

basicamente publicações brasileiras dos autores do turismo, sendo essa conduta

adotada para a coleta dos dados preliminares, também utilizou, para o debate, de

fontes de pesquisa de diferentes livros, periódicos e referências eletrônicas das

áreas de Antropologia, Sociologia, História, Religião, Turismo e áreas afins que

tenham estudos na temática de interesse, sobre os quais houve o mapeamento por

ordem de importância nas áreas do estudo, autoria, período de publicação.

As Etapas do desenvolvimento da Pesquisa utilizadas foram: a) Elaboração

da proposta de pesquisa e escolha do método de referência adotado para coleta,

análise e discussão dos dados levantados. b) Tipo de pesquisa: com abordagem

qualitativa de natureza exploratória (buscou dados bibliográficos e documentais)

para responder ao foco escolhido como norteador na elaboração dos objetivos

propostos. c) Contexto e universo da pesquisa: referenciais acadêmicos (livros e

periódicos) sobre turismo religioso de autores da área e áreas afins, editados nas

últimas décadas. d) Procedimentos e Instrumentos de coleta de dados: de natureza

multi-metodológica, num roteiro de leitura dos textos em que constam os dados

sobre a obra e o autor, o contexto de sua elaboração, a natureza de sua construção

(se é uma obra didática, epistemológica, ou teórico-prática,), o referencial utilizado

como ancoragem e o uso da obra no turismo; e) Análise dos dados: feita pela

técnica de análise de discurso com o uso do modelo denominado de Discurso do

26

Sujeito Coletivo – DSC (LEFÈVRE, 2003). A Identificação dos conceitos e categorias

adotados no material documental ocorreu segundo esta técnica de análise a partir

de leituras sistematizadas em que pelas revelações possíveis geradas pelas

diferentes leituras, se permitiu a revelação dos “modelos culturais interiorizados”

(Lefèvre, 2000, p. 16).

Os procedimentos desta análise compreenderam as etapas: seleção das

expressões chave (termos ou frases que destacam o tema ou sugerem sua

presença nos textos escritos); ou seja, a partir dos documentos consultados, foram

selecionadas e separadas as expressões (frases completas) que permitiram a

compreensão das dinâmicas que regeram ou regularam as práticas dos autores;

idéias centrais (nome ou expressão lingüística que revelou ou descreveu o sentido

que o especialista deu ao conteúdo de sua fala); ou seja, a partir da seleção das

frases, anteriormente feita, foram realizadas análises e identificadas, uma ou

algumas, palavras que permitiram incorporar o sentido completo da afirmação

realizada pelos autores; ancoragem (teoria, ou ideologia, ou crença, que, o autor do

Discurso professou sobre a temática); isto é, num nível acima das idéias centrais

utilizaram-se palavras âncoras que simbolizam as forças que regeram, consciente ou

inconscientemente, as ‘falas’ dos autores; e o discurso do sujeito coletivo (síntese

dos discursos feita na primeira pessoa pelo pesquisador sobre todos os discursos de

todos os autores); isto é, a partir da pré-seleção realizada anteriormente, fizeram-se

considerações visando reinterpretar as afirmações de cada autor.

Durante a análise das ‘falas’ dos autores, o papel do pesquisador é unir as

peças deste grande quebra-cabeça, chamado de produção científica, considerando

os seguintes princípios, que segundo Santil (2001, p. 83-4) são: Coerência, visto que

o Discurso do Sujeito Coletivo é uma agregação ou soma de depoimentos que

formam um discurso coerente, em que cada uma das partes deverá ser reconhecida

como constituinte de um todo; O discurso tem um posicionamento próprio distinto,

original, específico, frente ao tema pesquisado e os objetivos propostos; Distinção

entre os discursos quando os resultados apontam mais de um Discurso do Sujeito

Coletivo, sendo possíveis discursos totalmente distintos ou discursos

complementares, que apenas confirmam os resultados obtidos; Produção de uma

artificialidade natural, uma vez que o DSC é construído a partir da seleção de várias

‘falas’ semelhantes ou repetidas pelos informantes.

27

Vale recordar Lefèvre e Lefèvre e Teixeira (2000) quando afirmam que o DSC

é o resgate da fala social de várias pessoas, que são sistematizadas e agrupadas

em uma grande fala coletiva, em que se busca emergir da forma mais direta e

adequada à fala ou o discurso social do tema tratado.

Como afirmava Koch (1997), um texto é uma construção de sentidos que

recebe toda sorte de influências conscientes e intencionais, que reflete de forma

individual e coletiva as ideologias e domínios de crenças e valores dos seres

humanos. Daí a dificuldade em se fazer uma leitura e a partir dela extrair uma

essência mínima sobre o que se quer em uma pesquisa. A questão, como também

afirma Lopes (1978), não é somente saber o que as palavras nos dizem após,

reproduzidas em forma de categorias. O importante na verdade é alcançar o que

seria o resultado mais próximo do que se idealiza como resposta às questões

formuladas em uma pesquisa.

Para apresentar os argumentos relacionados à Tese, organizou-se o texto

com a seguinte disposição: inicialmente apresenta-se na INTRODUÇÃO uma

extensa justificativa para a realização da Tese condicionada às inferências

cotidianas do autor, o que permitirá captar a lógica de apresentação do texto.

Após, no capítulo 1 FUNDAMENTOS TEÓRICO E METODOLÓGICOS DA

PESQUISA se descrevem os Objetivos e os Procedimentos de Pesquisa, bem como

a Metodologia de Análise utilizada.

No capítulo 2 TURISMO E RELIGIÃO, apresenta-se, a discussão sobre os

significados de turismo, 2.1 TURISMO X RELIGIÃO: DEFINIÇÕES E CONCEITOS

IMPORTANTES À DISCUSSÃO. Este inclui os autores ligados à discussão do

turismo em geral, pois, considera-se importante apresentá-los antes de tudo, uma

vez que, em face da posição que os autores do turismo possuem, em relação aos

significados desses itens (conceitos, definições e turismo), os mesmos interferem

nas escolhas dos autores do turismo religioso. Isso se refletirá sobremaneira nas

escolhas das categorias de análise da relação entre a religiosidade e o turismo

religioso que cada autor opta por fazer, e que gera um determinado número de

categorias para sua descrição e interpretação. Após, apresento os autores que

perpassam o turismo religioso em textos esparsos ou descontínuos, objetivando

demonstrar o quão diverso é o universo de possibilidades de sua interpretação.

28

No item 2.2 CRENÇAS RELIGIOSAS NO OCIDENTE: OS

DESLOCAMENTOS RELIGIOSOS serão apresentados uma série concisa de

elementos que demonstram a evolução dos valores e significados das atividades

relacionadas às peregrinações e romarias e deslocamentos motivados pela fé

através dos séculos, desde a implantação do Catolicismo no mundo, até os

significados mais atuais, elementos que se percebe, não se fazem presentes nas

argumentações da maioria dos autores do turismo religioso aqui descrito.

No Item 2.3 será apresentado as informações obtidas sobre AS

TRANSFORMAÇÕES DA IGREJA CATÓLICA NO BRASIL, subdividindo os muitos

dados obtidos em dois momentos: o primeiro (2.3.1) é: as transformações nos

deslocamentos religiosos brasileiros (ocorridos entre os anos de 1500 até

aproximadamente 1900) que vai desde a entrada dos religiosos com os primeiros

colonizadores chegando às transformações ocorridas na religião oficial com a

entrada das diferentes congregações européias que buscam radicalmente

transformar as dinâmicas da religiosidade popular com a introdução do controle

sobre as Irmandades leigas, e o segundo (2.3.2): as estratégias da igreja católica

sobre diferentes caminhos percorridos pelos deslocamentos religiosos brasileiros

(entre os anos 1900 e 2000), visto que são muitas as informações sobre as

mudanças ocorridas nas dinâmicas da fé e da religiosidade, influenciadas pela

urbanização e pelas transformações nas relações sociais, como as do trabalho,

como também pelas intensas transformações dos valores religiosos.

A escolha em apresentar as informações sobre o desenvolvimento dos

deslocamentos religiosos no Ocidente e após sua evolução no Brasil prende-se à

estratégia de que, o leitor compare as falas dos autores do turismo analisados, com

outras ‘falas’ que compõe os discursos e as categorias das diferentes disciplinas que

corroboram esta Tese sobre a percepção limitada do universo da religiosidade

popular pelos autores do turismo.

O CAPÍTULO 3 se concentra na descrição dos DISCURSOS SOBRE

TURISMO RELIGIOSO NO BRASIL. Neste Capítulo apresenta-se primeiro o item:

PERFIL DOS AUTORES ESCOLHIDOS PARA O ESTUDO, pois, propositadamente

serão apresentados quatro textos apenas, pois se considera as referências

utilizadas pelos autores sobre os termos turismo e turismo religioso, uma vez que,

apresentam muitas das categorias que servem de referência a quase todos os textos

29

sobre turismo religioso no Brasil. No segundo o item: A PRODUÇÃO ANALISADA,

através do uso do Método do Discurso do Sujeito Coletivo, para logo a seguir,

desenvolver interpretações e análises sobre estes.

Para finalizar a Tese apresentam-se as CONSIDERAÇÕES FINAIS, onde

serão desenvolvidas ponderações acerca das compreensões e categorizações

percebidas junto aos autores do turismo sobre a relação, em parte conflituosa, que

ocorreu entre o turismo e o universo da religiosidade católica popular. Também se

faz afirmações baseadas em considerações próprias, com o objetivo de fechar o

ciclo desta Tese.

2 TURISMO E RELIGIÃO

Dentre as muitas obras brasileiras publicadas sobre turismo, algumas poucas

se referem especificamente ao turismo religioso, assim chamado por alguns autores

como: Andrade (1999), Aoun (2001), Beni (2000), Dias (2002), EMBRATUR (2000),

Montjano (2001), mas, sem consenso. Neste texto, a categoria ‘turismo religioso’ é

utilizada apenas quando os autores citados a fizerem, enquanto que a categoria

‘religiosidade’ será opção do autor para representar o movimento de pessoas em

ambientes religiosos, cuja primeira característica relacionada é a fé.

Optou-se pela utilização constante do termo religiosidade, face aos diferentes

argumentos dos distintos autores que, baseando-se em diferentes características

(categorias, adjetivos, qualidades, tipologias, etc.) generalizam o uso do termo

turismo religioso sobre esse espaço, pois se entende que esse termo, caracteriza

mais uma categoria de análise do que um conceito teórico a ser incorporado ao

turismo. A miríade de publicações no Brasil que perpassam o universo do turismo

enquanto objeto de estudos e análises aumentam dia a dia, tornou necessário

efetuar uma seleção das obras, face aos objetivos propostos neste trabalho.

Para a melhor compreensão do universo de autores dos trabalhos que

analisam o turismo e sua relação com a religiosidade católica popular foi

desenvolvido um amplo levantamento, com a finalidade de apresentá-los nesta

Tese. Tal seleção se iniciou com a leitura das referências bibliográficas utilizadas

pelos autores brasileiros que discutem turismo, mesmo quando são usadas algumas

obras traduzidas disponíveis no mercado editorial brasileiro, passando pelos artigos

esparsos publicados em revistas científicas (edições em papel e on line), terminando

nas coletâneas publicadas no Brasil, as quais indicaram expressamente o termo

turismo religioso. Algumas atingiram o objetivo que se entendeu primordial, que era

de colaborar com a compreensão sobre os processos sociais que delineiam o

fenômeno do turismo; outras se concentraram em descrevê-lo, através da

identificação dos elementos relacionados à administração das necessidades frente

os recursos (humanos e materiais) e a infra-estrutura física existente.

Encontraram-se autores (brasileiros ou não), que ampliaram a percepção

31

sobre o turismo, através do uso de muitas terminologias como: conceitos, definições,

características, tipologias, etc., isso aliado a que, após o uso de termos mais

distintos, raramente foram encontradas argumentações ou explicações que

relacionaram o uso de determinado termo com uma construção teórico-metodológica

que o justificasse ou o descrevesse. Assim, antes de tudo considera-se importante

desenvolver uma discussão introdutória sobre os significados de termos como

‘definição’ e ‘conceito’, relacionados ao turismo, bem como outros afins ao ‘turismo

religioso’. Entende-se ser tal condição imprescindível, visto que, ocorre certa

facilidade dos autores, na transposição ininterrupta do uso das mesmas, o que gera

certa confusão por parte do uso de temos que possuem significados diferentes, e

que parecem ser utilizados como elemento acessório à compreensão da relação

entre turismo e religiosidade católica popular.

Ao observar nos discursos dos autores atuais do turismo uma diversidade de

categorias e de terminologias, a primeira interrogação partiu do uso dos termos

conceito e definição, face que, os mesmos são apresentados nos textos como tendo

o mesmo significado. Resolveu-se voltar no tempo e consultar autores já em desuso

pela evolução da Língua e da grafia usual, para buscar alguns dos seus diferentes

significados. O dicionário Mesquita de Carvalho apresenta o termo conceito como

“síntese, símbolo, entendimento, juízo” (1955, p. 271) enquanto que para definição

afirma ser a “enunciação dos atributos e propriedades de uma cousa (sic), exposição

dos diversos pontos pelos quais pode ser encarado um assunto” (1955, p. 328).

Magalhães (1955, p. 710) entende que definição é a

[...] proposição recíproca, cujos atributos conhecidos exprimem a essência de um sujeito desconhecido, havendo duas espécies de definição: a nominal, que explica o significado de cada palavra e a real, que explica a essência ou a própria natureza das coisas designadas por essa palavra.

Para o termo conceito, Magalhães (1955, p. 552) indica que,

[...] é o produto ou o resultado de um ato da inteligência, mediante o qual está representa um objeto de maneira abstrata, isto é, desprovido de notas individualizadoras: por exemplo: o conceito de homem, que pode ser aplicado a todos os homens, passados, presentes e futuros; o objeto material do conceito é a cousa apreendida pela inteligência; o objeto formal, aquilo que a inteligência atinge em primeiro lugar nesta cousa (sic), isto é, uma essência.

Bueno, no Dicionário do Ministério da Educação (1991, p. 330), afirma que

32

definição é “explicação, distinção, enunciação de qualidades características”, e

conceito significa “idéia, opinião, reputação síntese do pensamento”. Os autores

Durozoi e Roussel (2002) são mais profundos em suas colocações relacionadas aos

diferentes significados relativos a conceito e definição. Definição é “a operação que

determina a compreensão de um conceito” (2002, p. 119) formado pela justaposição

do gênero próximo e da diferença específica.

Aos autores conceito significa “uma idéia abstrata e geral” (2002, p. 97) que

sofre transformações num constante vaivém e produz um enriquecimento mútuo.

Afirmam que os empiristas entendem que os conceitos são resultados de um

processo de abstração a partir das experiências, enquanto aos racionalistas, são

produzidos pela razão independente de qualquer empirismo.

Assim, a primeira constatação (que se evidenciará ao longo do texto), está na

necessidade do consenso do uso de certa terminologia quando da discussão sobre

turismo, em relação aos ambientes religiosos onde pode ocorrer o turismo religioso

indicado pelos autores.

2.1 O TURISMO E RELIGIÃO: DEFINIÇÕES E CONCEITOS IMPORTANTES À

DISCUSSÃO

Para a melhor compreensão do universo de autores e trabalhos que analisam

o turismo e sua relação com a religiosidade católica popular desenvolveu-se um

amplo levantamento com a finalidade de apresentá-los nesta Tese. Inicia-se

indicando que a Organización Mundial del Turismo (1995, p. 12) apresenta a

definição de turismo, a qual

[...] inclui as atividades que realizam as pessoas durante suas viagens e estadas em lugares distintos ao de seu entorno habitual, por um período de tempo inferior a um ano, com fins de lazer, por negócio e por outros motivos.

Ao fim da apresentação das Categorias motivacionais a OMT (1995, p. 23)

indica que,

[...] quanto ao motivo da visita se deve distinguir entre as motivações e as

33

atividades. [...]. Visitantes com diferentes motivos de visita podem dedicar-se à mesma classe de atividades, se bem que algumas destas estão estreitamente vinculadas com certas motivações. Ainda que o motivo da visita seja um dos elementos chaves que determinam a demanda turística, é essencial um bom conhecimento das atividades dos visitantes, por exemplo, para adequar a demanda turística e as atividades de oferta.

Noutra obra editada pela Organización Mundial del Turismo (1998, p. 43), no

item 2.2, o texto apresenta o título ‘Conceito e definições de turismo’, indicando que

[...] o conceito de turismo pode ser estudado de diversas perspectivas e disciplinas, dada à complexidade das relações entre os elementos que o formam. [...], existe, todavia, um debate aberto com o intento de se chegar a um conceito unívoco e padronizado de turismo que possa refletir uma definição universal.

O texto passa a descrever os diferentes autores e suas definições que ao

longo dos anos serviram de referência para a atividade turística. A seguir o texto

apresenta a definição adotada pela OMT em 1994:

[...] o turismo compreende as atividades que realizam as pessoas durante suas viagens e estadas em lugares distintos ao de seu entorno habitual, por um período de tempo inferior a um ano, com fins de lazer, por negócio e por outros motivos (OMT, 1998, p. 44).

Cooper (2001, p. 14-15) também sob o apoio da Organización Mundial del

Turismo apresenta diferentes autores como Mathieson e Wall (1982); Leiper (1981);

Gunn (1979); Murphy (1985); Mill e Morrison (1992); Westlake (1985) descrevendo

cada teoria desses autores, bem como seus diferentes argumentos. Em certo

momento afirma que

[...]. Não obstante, enquanto isso possa parecer um debate um tanto quanto seco e acadêmico, o rigor e a disciplina que uma definição de turismo válida e funcional impõe ao assunto, é vital, para o desenvolvimento do conhecimento completo, respeitado e valorizado.

Percebe-se nesta afirmação ser necessário balizar a discussão, em especial

quando o turismo atua conjuntamente com diferentes áreas do conhecimento que

possuem interesses específicos sobre os significados do turismo, por mais estéreis

que possam parecer a nossa discussão.

Adyr Rodrigues10 não admite essa possibilidade quando busca dissuadir o

leitor à busca de novos paradigmas para o turismo, por dois motivos: primeiro

porque é muito difícil determinar tecnicamente as especificidades para a construção

10 Texto já indicado anteriormente na Nota de Rodapé nº 7.

34

de uma nova epistemologia sobre o turismo, e segundo porque este momento

histórico não é o ideal para emprestar-lhe status de ciência autônoma (um momento

histórico repleto de transformações e instabilidade de todas as ciências). Isso

porque, talvez, à autora bastem os paradigmas da Geografia (1999, p. 22), pois

afirma que

[...] o fenômeno do turismo, por sua natureza complexa, reconhecida por todos os seus estudiosos, é um importante tema que deve ser tratado no âmbito de um quadro interativo de disciplinas de domínio conexo, em que o enfoque geográfico é de fundamental importância.

Em nova edição da OMT reaparecem as mesmas contradições teóricas

anteriormente apresentadas, nos aspectos relacionados a conceitos e definições.O

texto publicado em 2001, indica “que não existe definição correta ou incorreta, uma

vez que todas contribuem de alguma maneira para aprofundar o entendimento do

turismo” (OMT, 2001, p. 35). Adiante afirma (2001, p. 37) que “o conceito de turismo

pode ser estudado de diversas perspectivas e disciplinas, dada a complexidade das

relações entre os elementos que o formam”.

Na Revista Turismo, Visão e Ação do Programa de Pós-Graduação Mestrado

em Turismo e Hotelaria (2000, p. 25), turismo é definido no Congresso da AIEST

(Associação Internacional de Espertos em Turismo) realizado na cidade de Cardiff

em 1981, como “o movimento de pessoas, por tempo determinado, para destinações

fora de seu local de residência, e as atividades realizadas durante o tempo de

permanência nas localidades visitadas”. A Revista traz ainda outras diferentes

versões para o termo turismo (2000, p. 29), ao indicar como sendo,

[...] o conjunto de relações e fenômenos produzidos pelo deslocamento e permanência de pessoas fora do lugar de domicílio, desde que tais deslocamentos e permanências não estejam motivados por uma atividade lucrativa.

A revista cita também texto da EMBRATUR (Instituto Brasileiro do Turismo)

que apresenta ser turismo (2000, p. 29),

[...] uma atividade econômica representada pelo conjunto de transações – compra e venda de serviços turísticos – efetuadas entre agentes econômicos do turismo. É gerado pelo deslocamento voluntário de pessoas para fora dos limites da área ou região em que tem residência fixa, por qualquer motivo, excetuando-se os de exercer alguma atividade remunerada no local.

De outro lado, o texto da EMBRATUR, também apresenta o termo turista

35

(2000, p. 29) como sendo

[...] aquele que se desloca para fora do seu local de residência permanente, por mais de 24 horas, realizando pernoite, por motivo outro que não o de fixar residência ou exercer atividade remunerada, realizando gastos de qualquer espécie com renda auferida fora do local visitado.

Lage e Milone (2000, p. 26) afirmam que,

[...] o turismo moderno não precisa ter um conceito absoluto, mas importa no conhecimento do mecanismo dinâmico que integra. Especificamente sob a análise da teoria microeconômica, quando aplicada a um estudo do setor turístico particular, por se tratar de uma abordagem restrita do comportamento dos indivíduos e das empresas, não se incorporando aspectos globais, pode ser estudada em três partes: demanda, oferta e mercado turístico.

Barretto (2003, p. 5) em texto bastante elucidativo para a compreensão da

evolução que discute a participação das Ciências Sociais na interpretação e nos

significados do turismo considera que dois aspectos devem estar presentes para que

ocorra o turismo, pois

[...] o turismo consiste no deslocamento de pessoas que, por diversas motivações, deixam temporariamente seu lugar de residência, visitando outros lugares, utilizando uma série de equipamentos e serviços especialmente implementados para esse tipo de visitação. A atividade dos turistas acontece durante o deslocamento e a permanência fora da sua residência. Os negócios turísticos são os realizados nos equipamentos ou durante a prestação de serviços que os turistas utilizam na preparação e na execução da sua atividade. Começam no local de origem, quando os turistas se dirigem a uma agência de viagens ou a uma companhia de transportes para comprar um pacote turístico ou uma passagem, continuam quando os turistas chegam ao local de destino e utilizam transporte local, acomodações, serviços de alimentação, rede de diversões, lojas de suvenires, etc. e ainda quando os turistas retornam à casa e levam seus filmes para revelação na loja do bairro.

Veja-se que são citados os equipamentos e serviços especialmente

implementados e, os negócios são realizados nos equipamentos ou na prestação de

serviços que os turistas realizam nos equipamentos. Para Corrêa (2000, p. 94) em

um texto que interpreta o meio ambiente e a natureza como componentes do

mercado, o turismo

[...] é um processo que, basicamente, envolve cinco ciclos de atividades, de cuja interdependência resulta a materialização do respectivo negócio. Tais ciclos interdependentes podem ser representados pelos negócios do transporte, do albergamento, da restauração, dos serviços de apoio e do entretenimento de quem necessita deslocar-se por razões as mais diversas!

Já o conhecido autor do turismo Trigo (2001, p. 60) apresenta turismo não

36

mais como um ‘processo’, mas sim como uma ‘atividade’ apenas, incluindo

motivacionais como as ‘variadas razões’ que impelem à sua ocorrência, como uma

atividade,

[...] sofisticada que movimenta bilhões de dólares por ano e atinge centena de milhões de pessoas. Inúmeros locais transformaram-se em complexos turísticos pelas mais variadas razões: belezas naturais, núcleos históricos ou artísticos, centros comerciais, de convenções ou culturais, eventos esportivos ou ligados ao show business, grandes metrópoles ou complexos industriais ou ainda centros turísticos artificiais como a Disneylândia em Los Angeles.

Andrade (1999, p. 48) desenvolve algumas digressões na Introdução de uma obra que é considerada clássica para os estudiosos do turismo. Inicia afirmando que

o turismo é um fenômeno social anterior às viagens que os jovens aristocratas ingleses faziam, acompanhados de seus ilustres preceptores, [...], pois que havia uma programação de diversas atividades fundamentadas em grandes passeios de excelente qualidade e repleta de atrativos prazerosos. E estas viagens se formaram à base do dinheiro, a partir do século XVIII, com o nascimento do chamado ‘turismo financeiro’ ou ‘turismo de capital’, praticado pelos aristocratas que viviam das rendas auferidas da agricultura

Andrade (1999, p. 11) argumenta que as conceituações apresentadas sobre

o turismo baseiam-se em elementos colocadas dentro da classificação: ‘conceituais

doutrinais incompletas’ e ‘conceituais legais limitadas’, pois, entende que, face uma

preocupação em elaborar conceitos restritos de turismo (relacionando-o as

atividades fora da residência) e de turista (relacionando-o ao lazer, ao divertimento e

ao tempo livre), essas conceituações baseavam-se mais no que os turistas

abandonam quando viajam do que na análise das motivações que levam as pessoas

a tornarem-se turistas.

Afirma Andrade (1999, p.11-2) que “o turismo nasce de um conjunto de

atividades de natureza heterogênea que impedem a constituição de ciência

autônoma e de técnicas específicas independentes”, e, indica que três elementos

precisam compor o princípio elementar de análise do turismo: o homem, o espaço e

o tempo. O primeiro por ser do homem o autor do ato de viajar; o segundo face que

o ato de viajar ocupa para mover-se, do espaço físico, e o terceiro, que é uma

quantidade consumida para a realização do ato de viajar.

Ao discriminar as conceituações, Andrade (1999, p. 47), passa a descrever as

‘modalidades’ como sendo resultantes das necessidades, primeiramente dos

37

empresários, depois dos profissionais e por último dos turistas e os ‘tipos’ de

turismo. O autor também chama de modalidades turísticas, estando essas definições

relacionadas às motivações turísticas, elemento explorado inicialmente por Krapf

(ANDRADE, 1999, p. 60-61). Os tipos principais de turismo são: de férias, o cultural,

de negócios, desportivo, de saúde, e, o religioso. O autor (1999, p. 87-97)

desenvolve mais a fundo os elementos motivacionais que levam o homem a atingir

suas aspirações relacionadas ao: desejo de evasão, a necessidade de evasão, ao

espírito de aventura, a aquisição de status, a necessidade de tranqüilidade, ao

desejo ou necessidade cultural, ao desejo ou necessidade de compra.

De outro lado Giacomini Filho (2000, p. 62) indica que na era da Sociedade

da Informação o turista tem um perfil diferenciado, isso porque

suas necessidades e desejos alcançam facilmente o nível emocional. São carências procedentes das mais variadas fontes, como auto-estimas, imitação, auto-realização, frustrações pessoais, auto-afirmação, estímulos profissionais, etc..

Veloso (2003) ao início de sua obra indica uma percepção a respeito dos

porquês se utilizam formas parciais de análise, e diferentes termos por diferentes

autores com o intuito de analisar o desenvolvimento turístico. O autor afirma que

[...] as ações no turismo obedecem a critérios e características muitas vezes formais, mas que são enunciadas em publicações variadas, com interpretações que em determinados momentos chegam a confundir os próprios profissionais e cientistas do turismo, pois a evolução e a rapidez da transformação do momento turístico produz um efeito catalisador de idéias, imaginações e projetos que escapam ao próprio ordenamento e entendimento recíproco daqueles que nele trabalham (VELOSO, 2003, p. ).

Percebe-se que, contrariamente ao autor, não ocorre confusão pela profusão,

mas sim, a ausência de profundidade nas considerações teóricas dos autores,

parecendo que, a grande diversidade de conceitos e definições é lançada

aleatoriamente. Veloso para apresentar algumas definições gerais utiliza-se dos

seguintes termos: significados, sinônimos e conceitos (2003, p. 4), bem como logo a

seguir indica tipos, formas, modalidades e segmentos (2003, p. 7) dizendo que,

[...] de acordo com cada autor temos as interpretações mais interessantes, a partir da especialidade com que analisam o turismo, baseados nos estudos sociológicos, geográficos, comerciais, ambientais, filosóficos, institucionais, mas tudo leva a um bom e interessante denominador comum.

38

A partir dessas colocações de Veloso, se pode perceber então que os

resultados encontrados pelos autores do turismo serão sempre diferentes, face que

seus métodos e categorias também o são. O que, porém, parece preocupante da

parte dos autores e trabalhos citados nesta Tese, é que a poucos autores ocorre

utilizar conhecimentos de diferentes áreas científicos que estejam relacionados ao

ambiente religioso. Também preocupa que, quando são citados, inexistem embates

de fundo conceitual ou ideológico com os mesmos, havendo apenas a apresentação

de suas teorias (definições ou conceitos principalmente), sendo que, ao

aprofundarem a relação percebe-se que poderiam colaborar com o crescimento do

conhecimento sobre o tema, o que leva a se perceber que, não existe um campo de

conhecimentos delineados e aceitos pelos autores do turismo, como é o caso de

Abumanssur (2003), Bessa (2004), Costalonga (2003), Gazoni (2003), Moraes

(2000) e (2003), Novaes (1999), Oliveira (1996) e (1999), Ribeiro (2002), como

sendo pertinentes aos estudos da relação turismo e religiosidade.

Nash (1997) já havia percebido essa situação ao analisar o turismo em geral

como parte do imperialismo capitalista, mas de Nash (1997, p. 71) o que mais

interessa para essa Tese é que,

[...] talvez não se possa examinar toda a amplitude do turismo em um só esquema teórico, porém as formulações teóricas do turismo deveriam ser aplicáveis ao mais amplamente possível. [...]. Em todos os casos aqui mencionados, a investigação deveria concentrar-se na relação existente entre anfitriões e convidados, com suas correspondentes transações intergrupais.

Pois, para Nash (1997, p. 87) qualquer generalização sobre “a evolução dos

sistemas turísticos exige apresentar previamente de forma concreta os parâmetros

que tem maior importância nos câmbios socioculturais”, e, “se, se quer que a

investigação do turismo seja verdadeiramente antropológica, não deveria limitar-se a

uma estreita gama de sociedades ou de situações contratuais, se não que deveria

esforçar-se para abarcar o fenômeno onde quer que ele tenha lugar” (1997, p. 71).

Isto é, não se podem concentrar estudos em uns poucos santuários religiosos, e

após, generalizar que essa realidade encontra-se disseminada em todos os

ambientes religiosos. Nash vai de encontro ao pensamento de Ouriques (2005), que

discute o turismo como uma nova estratégia capitalista baseada no fetichismo

marxista e nas novas aparências dadas a antigos elementos culturais. Afirma que

quando houve a transformação da fé em Nova Trento - SC, “o que parece evidente é

39

a apropriação, pelos ideólogos do capital turístico, da fé religiosa em benefício de

uma forma específica de acumulação do capital”.

Hans Joachin Knebel (1974) na obra Sociologia del turismo, aprofunda

discussões sobre as origens do turismo moderno apresentando diversos elementos

que, a seu ver, compõem a evolução do fenômeno na sociedade ocidental.

Interessante observar que para o autor, essa ocorrência social vem se verificando há

poucos séculos apenas, pois, Knebel informa que na base das investigações da

obra está o conceito de ‘tempo livre’, o qual se compõe de um período de tempo que

media a jornada de trabalho e a necessidade fisiológica do descanso.

Aprofunda essa percepção sobre o que chamou de ‘as viagens dirigidas pela

tradição’ (KNEBEL, 1974, p. 17-19). Descreveu desde os cruzados, passando pelas

viagens científicas, as imposições familiares baseadas no patriarcado, atingindo as

agremiações dos ofícios que eram aprendidos obrigatoriamente em viagens (como

os artesãos, ao qual a mobilidade era componente de seu crescimento profissional),

ou mesmo à nobreza (que só aprendia nas viagens o elementar para a manutenção

da classe). Afirmou que “os antepassados dos modernos turistas remontam somente

ao século XVII e XVIII” (KNEBEL, 1974, p. 15), pois antes disso havia o “tour de

formação e não de informação” (KNEBEL, 1974, p. 19).

Como componentes históricos do turismo atual, Knebel (1974, p. 20-25)

descreve os tours desenvolvidos pelos burgueses nas viagens aos balneários que

estavam relacionados à manutenção da saúde, que num primeiro momento (entre os

anos 1720 e 1800), apesar de direcionados ao econômico, ficaram escondidos sob a

aparência de interesse cultural. Num segundo momento (entre os anos 1820 e 1900

aproximadamente), os balneários começaram a diversificar sua oferta, passando

daqueles que ofereciam somente banhos, para os que passaram a oferecer

divertimentos através das salas de jogos. Depois surgiram os tours que uniam

cultura e natureza, os quais originaram o termo Romantismo, e também os tours que

uniram natureza e esportes, fato que originou o surgimento de diferentes atividades,

como alpinismo, bridge ou whist (KNEBEL, 1974, p. 26-8). Para Knebel (1974),

portanto, os componentes culturais anteriormente presentes às sociedades não

podem ser colocadas no rol do turismo, visto não satisfazerem os elementos

relacionados ao tempo livre das pessoas e estarem relacionados a questões de

grupo (de trabalho, por exemplo) ou de classe social de origem do indivíduo, aos

40

quais ele não poderia separar-se voluntariamente.

De outro lado Peter Burns11 (2002p. 118-122) na sua obra ‘Turismo e

Antropologia’ editada originalmente na Inglaterra, faz uma grande discussão acerca

de muitos aspectos do turismo importantes para o antropólogo. O autor identifica

quatro temas importantes aos estudos antropológicos, sendo um deles o turismo

como religião e ritual, onde faz a pergunta: o turismo é uma forma moderna de

religião ou peregrinação?. Após isso, faz algumas digressões com base em

diferentes autores, os quais estão em grupos opostos12 de percepção. Porém o autor

nada conclui, apenas indica em nota de rodapé que “não estamos interessados em

definições como parte de algum fetiche maníaco de classificação, mas na busca de

significado e causalidade” (BURNS, 2002, p. 121).

Percepção que, em contrário a Burns, considera-se peça chave de uma

discussão que leve em consideração elementos da Antropologia na compreensão da

relação do turismo e a religiosidade. Um dos quatro temas indicados pelo autor é se

o turismo pode ser considerado como uma forma de peregrinação no sentido de

que: 1) apresenta estágios ou características similares [...]; 2) o turismo oferece

liberação da vida corriqueira e rotineira e às vezes (mas não sempre) esta inclui

liberação das normas sociais, e 3) o turismo pode oferecer oportunidade para auto-

reflexão e transformação pessoal (BURNS, 2002, p. 121).

Noutro momento Burns (2002, p. 54), afirma que a dominação capitalista da

cultura e, por conseguinte do turismo pela sua mercantilização, perverte suas

conseqüências sociais quando, busca incessantemente inserir os cidadãos no

universo das regras do consumo, que a princípio são negativas (faz referências à

necessária relação do turista com estruturas turísticas, através de controles

exercidos por guias e agências, etc.). Porém, o que mais chamou a atenção foi que,

em uma obra tão extensa e repleta de elementos humanísticos (cultura, homem,

11 Apesar de ser considerada uma obra didática pela Sociologia, Burns é um dos poucos autores disponíveis no Brasil que desenvolve considerações acerca da relação turismo e religiosidade. 12 Os autores indicados são concentrados em grupos a defender se turismo e peregrinação tem ou não o mesmo significado. O primeiro grupo é composto por Nash D. Tourism as an anthropological subject. Current Anthropology, 22, 1981; MacCannell D. The tourist. New York: Schocken, 1976; Passariello P. Never on a Sunday? Mexican tourist at the beach. Annals of tourism research, 10: 109-22, 1983; e Graburn N. To pray, pay and play: the cultural structure of japanese domestic tourism. Aix-em-Provence: Centre dês Hautes Études Touristiques, 1983. O segundo grupo inclui autores como Brown D. Genuine Fakes. In: Selwin, T. 1996; Boorstin D. The Image: a Guide to pseudo-events in América New York: Harper & Row 1964; e Barthes R. Mythologies. London: Paladin 1984.

41

respeito, etc.) não se percebeu claramente a utilização do termo turismo religioso

pelo autor, nem mesmo se percebeu a concordância com algum dos autores

indicados no segundo grupo. Isso se entende, poderia indicar que Burns não

concorda com o uso do termo ‘turismo religioso’, mesmo para um país com uma

história, repleta de referencias ligadas as movimentações religiosas.

Enquanto isso Montejano (2001) em trabalho originalmente editado na

Espanha, um país com grande tradição religiosa e de movimentação de fiéis13, faz

descrição sobre os fundamentos do turismo, não identificando o termo turismo

religioso enquanto turismo, sendo que, no único momento que o cita, relaciona-o às

peregrinações que exigem infra-estrutura de apoio. Quanto ao turista que perpassa

o universo religioso, “liga-o ao crente e praticante, o que pode ser interpretado como

alguém em movimento, ligado a valores sagrados” (MONTEJANO, 2001, p. 60).

Portanto, percebe-se no autor a necessidade da existência da movimentação físico-

espacial dos fiéis com os valores do sagrado para que esteja inserido no turismo.

Moesch (2003) discute a construção de um turismo holístico em oposição às

formas de desenvolvimento até o momento existente, argumentando que muitas das

ausências nas percepções sobre o turismo decorrem dos vícios de interpretação

conceitual sobre turismo e seu amplo espectro, condicionado a um conhecimento

ambíguo e limitado da capacidade transformadora desse marcante fenômeno social,

apresentando os motivos. Para a autora isso ocorre porque faltam alicerces, faltam

bases de sustentação conceitual, faltam informações e comunicação entre aqueles

que se propõe ser os engenheiros do projeto da construção turística nacional.

Moesch (2003) percebe o turismo ligado à existência de quatro eixos de sustentação

(segurança psicofísica, funcionalidade, confortabilidade e a agradabilidade), todos,

elementos relacionados aos serviços disponíveis e a infra-estrutura do setor turístico,

apesar de que, o texto ao caracterizar o aspecto holístico, poderia transparecer mais

elementos humanistas na percepção.

Essa concentração na análise dos problemas administrativos é facilmente

percebida quando se aprofunda efetivamente uma pesquisa sobre a religiosidade e

13 Trata-se do famoso Caminho de Santiago de Compostela dos mais conhecidos roteiros de deslocamento religioso de todo o mundo. As primeiras peregrinações ao túmulo do São Tiago ocorreram por volta do ano 800 quando o rei Alfonso II mandou construir uma igreja no local do possível sepultamento. Citado por MULLER S.A. Turismo e interioridade: a experiência do Caminho de Santiago de Compostela. In: MOSER G.C. Sociologia aplicada ao turismo. Indaial, SC: ASSELVI. 2001.

42

o turismo como ocorreu na pesquisa de Fagundes (2004, p. 12), quando indica para

a definição de turismo que face

[...] às características especiais de serviços e estrutura, o turismo é, conseqüentemente, cercado por problemas de análise, monitoração, coordenação e elaboração de políticas, geralmente porque seus planejadores e as pessoas que são responsáveis pela administração não estão preparados e agem isoladamente, sem estabelecer parcerias com todos os atores e agentes responsáveis pelo desenvolvimento do turismo,

O autor também entende que, apesar de serem conhecidos pelos autores e

planejadores turísticos, os termos desenvolvimento sustentável e sustentabilidade,

não o são pelas comunidades locais, as quais quase pouco ou nada participam do

processo de inclusão de ações turísticas. Assim Fagundes (2004, p. 13) afirma que

“de nada vale implantar um planejamento turístico numa destinação sem a

participação efetiva da comunidade local”. O autor reporta suas percepções aos

aspectos turísticos, porém, complementa indicando com detalhes que passam

despercebidos dos autores do turismo, indicando que,

[...] a pós-modernidade exige uma nova relação entre religião e turismo [...]. Esta relação é complexa e precisa ser melhor analisada não somente procurando explicar os motivos que possam unir fé com diversão ou entretenimento, nem mesmo diferenciar o lazer da religiosidade, mas apresentar essa relação dentro de um contexto antropológico e sociológico [...] (FAGUNDES, 2004, p. 14).

Essa percepção também baliza esta Tese, ao buscar identificar, para além

das categorias usuais de percepção dos autores, diferentes elementos que

permeiam a relação do turismo com a religiosidade popular. Tais características já

foram identificadas em pesquisa recente desenvolvida pelo Ministério do Turismo

Brasileiro (2005) cujo título é ‘Classe C e D, o Novo Mercado para o Turismo

Brasileiro’. Em linhas gerais as informações interessantes fornecidas pela pesquisa

são: esse turista tem um comportamento e uma visão específica dos passeios,

viagens, excursões e do turismo; costuma viajar em grupo e percebe a viagem como

uma forma de fortalecer laços de sociabilidade. Viaja com muita freqüência,

especialmente nos finais de semana, quando percorre distâncias curtas ou médias,

fica hospedado na casa de amigos e parentes e realiza dispêndios modestos ao

longo da viagem.

Outras conclusões da pesquisa são: o turista popular viaja com os

organizadores/operadores informais do turismo que residem no próprio bairro ou que

43

fazem parte de sua rede de relações; o uso sistemático de excursões no formato

bate e volta com duração curta (menos de 24 horas) e de curta distância com

pernoite no ônibus; Os provedores de serviços são totalmente informais (falta de

estrutura de negócios, existe a dificuldade de acesso às informações básicas sobre

fornecedores, destinos e do modus operandi da atividade turística e, o

desconhecimento dos pacotes turísticos econômicos disponíveis no mercado).

Continuando a percepção que vem ocorrendo mudanças evolutivas para o

conceito de turismo, Veloso (2003), o apresenta de uma maneira que se entende

seja a mais direta e a mais próxima daquilo que poderia colaborar com a percepção

dos horizontes e limites que o ambiente da religiosidade católica popular vem

exigindo do setor turístico. Veloso (2003, p. 4) indica o turismo como “uma atividade

econômica representada pelo conjunto de transações – compra e venda de serviços

turísticos –, efetuados entre os agentes econômicos do turismo”. Ou seja, para o

autor, somente seria incluído no universo do turismo o uso do termo ‘turismo

religioso’, se, e somente se, ocorresse o efetivo uso de estruturas e serviços para o

turista criados e implantados junto aos ambientes religiosos, caso contrário,

ressalvas devem ser observadas. Tais ressalvas, se entende, são apresentadas no

decorrer desta Tese.

Também afirma Veloso (2003, p. 4) ser “o turismo gerado pelo deslocamento

de pessoas para fora dos limites de sua residência fixa, por qualquer motivo, menos

o de exercer atividade remunerada”. Percebe-se que o autor indica uma

característica que se entende, ser a categoria mais tradicional utilizada pelos autores

do turismo para efetuar a análise da relação do turismo com a religiosidade católica

popular, qual seja: ocorre por parte dos autores do turismo a agregação de

diferentes motivações (porém, a primeira quase sempre é o deslocamento físico).

Corroborando essa situação, cita-se Aoun (2001, p. 28-9) que indica, “porém, os

autores do turismo tendem a generalizar como categoria de análise, que apenas o

deslocamento físico faz parte do fenômeno turístico”.

Em oposição a essas visões administrativas, poder-se-ia sugerir a leitura do

texto de Andréa Damacena e Silvia Fernandes que a partir de uma pesquisa de

campo, passam a descrever as mudanças percebidas no pluralismo religioso

brasileiro onde, “o indivíduo tem maior autonomia para construir um sistema de

crenças fora do espaço das instituições religiosas” (2001, p. 1). Apresentam detalhes

44

motivacionais e as novas dinâmicas, sem, no entanto, abandonar a sua

religiosidade. Para colaborar ainda mais com a possibilidade de interpretação das

transformações da religiosidade brasileira pelos autores do turismo, cita-se a

afirmação de Siqueira (1999, p. 1) que se utilizando de diversos autores que atuam

junto à religiosidade diz que,

[...] assiste-se a um processo de privatização das crenças religiosas e a uma pluralização da fé, ou como denomina Pace (1997), a uma liberalização religiosa. Parker (1997) refere-se à religião difusa; Hervieu-Léger (1993) a uma religiosidade ou identidade religiosa flexível-flutuante. Mardones (1994) usa os seguintes termos: nova sensibilidade místico-esotérica, sacralidade não religiosa, nova religiosidade sincrética. Maitre (1988) fala em nebulosa heterodoxa, Champion (1990) em nebulosa místico-esotérica e crédulos difusos e Sanchis (1997) em nebulosa polivalente da Nova Era e diversidade nas formas de adesão

Isso, segundo DaMatta porque não se tem capacidade de observar com

profundidade as matérias-primas que compõe os rituais, pois entre estes e a vida

diária, as diferenças são “apenas a colocação em foco, em close up, de um

elemento, de uma relação, sendo difícil classificá-los, quando não se entende como

são construídos” (1983, p. 65), fato que se entende, ocorre com os autores do

turismo.

O historiador Peter Burke baseando-se na obra de Fernand Braudel pode

colaborar com essa percepção quando caracteriza o cotidiano dos homens como “o

reino da rotina e das atitudes, o que poderíamos chamar de hábitos mentais” (1992,

p. 24). Na argumentação do cotidiano o autor inclui o ritual como elemento indicador

de ocasiões especiais, e não como parte das atitudes cotidianas apenas, e este

ritual pode ser confundido com os hábitos rotineiros, caso as pessoas que os

observem não estejam particularmente relacionadas ao grupo observado, o autor dá

como exemplos os modos de comer ou as formas de saudações. Outros aspectos

destacados na análise de Burke, é que para aqueles que olham de fora, talvez seja

difícil perceber que os rituais também podem colaborar diretamente com as

mudanças sociais, o que seria positivo à compreensão das transformações que

interessam ao turismo, e, se deve tomar cuidado ao que chamou de anacronismo

psicológico, isto é, “a presunção de que as pessoas no passado pensavam e

sentiam da mesma forma que nós” (1992, p. 34).

Quase sempre os autores utilizam poucos exemplos de locais (Aparecida,

SP), bem como de alguns exemplos de mudanças (barracas de lembranças, bailes e

45

festas) para generalizarem suas hipóteses, análises e interpretações. Dias (2003, p.

29) ao contrário, identifica e descreve seis tipos de locais religiosos, onde,

[...] considerando-se a área do destino, objetivo final da viagem, que, junto com a motivação, é outro dos principais pontos a serem considerados, podemos fazer algumas distinções básicas entre os atrativos turístico religiosos, classificando-os em seis diferentes tipos: 1. Santuários de Peregrinação; Espaços religiosos de grande significado de caráter religioso; 3. Festas e comemorações em dias específicos; 4. Espetáculos artísticos de cunho religioso e 6. Roteiros de fé.

Observa-se, porém, que apesar de quantificar e distribuir todos os ambientes

religiosos (populares ou não) o autor não os diferencia enquanto ambientes

propícios ao turismo e ambientes da fé. Ao contrário, a divisão desenvolvida pelo

autor transforma-os em segmentos, e estes passam a incorporar o conjunto de

possíveis atrativos do turismo cultural (dentro do qual está o religioso), assim sendo,

tudo é passível de inclusão no universo do turismo religioso. Essa generalização

compulsória incorporada por Dias se expressa novamente quando o autor,

utilizando-se de outro elemento da cultura e dos ambientes religiosos (as

festividades), utiliza-se da estratégia da turistificação, buscando através do uso dos

componentes da religiosidade católica popular torná-los atrativos, ao afirmar que:

[...] exibindo uma ampla diversidade e apresentando diferentes atrações populares, essas festividades podem ter lugar tanto em espaços públicos, quanto religiosos (ex: procissões), tendo em comum o fato de que ambos espelham a realidade dessa modalidade turística, o turismo religioso (2003, p. 28).

Ou seja, para o autor, como ocorre a quase todos os autores do turismo,

utiliza do uso desmedido desta visão que tudo e todos podem tornar-se parte do

conjunto turístico de uma localidade e essa posição parece compor quase todos os

destinos turísticos. Andrade (1999, p. 28-39) é outro autor que avança bem mais na

demonstração de suas posições sobre a evolução do termo turismo, perpassando

suas considerações da Antiguidade até a atualidade, descrevendo as conceituações

como sendo divididas em ‘etimológicas’, ‘funcionais’ e ‘estruturais’. Nesta evolução

dos significados, o autor apresenta a versão que, uma das primeiras tentativas

coordenadas de conceituação por parte dos teóricos, relacionava as viagens

turísticas com o lazer, e dentro desta percepção, negou a relação do turismo com a

religiosidade, pois para o autor (1999, p. 28-39).

viagens para o cumprimento de deveres de piedade é ato devocional e de fé; por isso obrigação moral impeditiva de finalidades turísticas, que se

46

baseiam no lazer e no descompromisso, jamais na meditação e na prece.

Porém, continuando sua argumentação, nega a possível importância das

teorias que utilizam o princípio do lazer como motivação para o turismo. Entende-se

que Andrade utilizando-se de elementos nada científicos, afirmou haver surgido uma

“febre de deserção entre os asseclas da doutrina do lazer como base do turismo”

(1999, p. 32), complementando que isso ocorreu “porque as próprias estatísticas

demonstram que a realidade é diferente das teorias que pretendem sustentar que

turista é a pessoa que viaja para depois permanecer sem fazer coisa alguma” (1999,

p. 32).

Além de não apresentar estes autores e suas teorias, o que por si já é uma

escolha deliberada sobre a valorização dada àquelas obras analisadas, entende-se

que Andrade pretensiosamente deu um tom de superficialidade à percepção que, o

lazer trabalha com o princípio que ‘se deve ficar sem fazer coisa alguma’, da mesma

forma, afirmar que os teóricos do lazer desertaram de suas posições é generalizar

sobre conteúdos aparentemente não dominados pelo autor. Para mostrar que a

produção teórica do lazer sobre o turismo existe e que o lazer poderia trazer ao

turismo para colaborar na gestão e no planejamento, basta observar-se a

quantidade de títulos disponíveis no mercado editorial, bem como a importância

deles para a compreensão de certos segmentos14 específicos do turismo atual. Para

finalizar essa discussão sobre o lazer, entende-se que se os autores do turismo

fossem menos tradicionais em suas interpretações, já que o são nas suas

descrições e análises, se poderia utilizar com maior propriedade as pesquisas já

desenvolvidas pelos estudiosos do lazer, visto que os autores do turismo, em sua

maior parte, repetem-se em poucos autores do lazer em suas argumentações.

14 A área do Lazer é responsável pela produção de muitas obras disponíveis no mercado editorial. A seguir serão listadas algumas delas, com o intuito de demonstrar o quanto é amplo esse segmento, bem como o quanto ele poderia colaborar com as percepções sobre o turismo: BOULLÓN R.C. Las actividades turísticas y recreacionales: el hombre como protagonista. 3ªed. México: Trillas, 1999. BRUHNS, H.T. (org.). Introdução aos estudos do Lazer. Campinas: Ed. da Unicamp, 1997. (Col. Livro Texto). CAMARGO L. O de L. Educação para o Lazer. São Paulo: Moderna, 1998. (Col. Polêmica). DUMAZEDIER J. Sociologia Empírica do Lazer. São Paulo: Perspectiva, 1980. MUNNÈ F. Psicosociologia del tiempo livre: un enfoque crítico. Mexico: Trillas, 1995. 8ª reimpressão. SESC. Lazer numa sociedade globalizada: Lazer in a globalized society. São Paulo: SESC/WRLA, 2000. MARCELLINO, N.C. Políticas Públicas Setoriais de Lazer: O Papel das Prefeituras. Campinas: Autores Associados, 1996. WERNECK, C.L. Lazer, Trabalho e Educação: relações históricas, questões contemporâneas. Belo Horizonte: UFMG/CELAR/DEF, 2000. SERRANO, C.M.de T & BRUHNS, H.T. (orgs.). Viagens à natureza: Turismo, cultura e ambiente. Campinas: Papirus, 1997. (Col. Turismo).

47

De outro lado, temos autores internacionais que analisam as movimentações

religiosas, como é o caso de Dean MacCannel antropólogo norte-americano, famoso

junto aos autores brasileiros, por considerar o turismo uma nova forma de lazer, pelo

fato de que este vem sofrendo um processo de sacralização generalizado, o que o

leva a ser comparado ao ambiente religioso. MacCannel indicou (199915, p. 3) que,

[...] a tese central deste livro está sustentada empiricamente na expansão e ideológica da sociedade moderna, intimamente ligados por diversos caminhos para o lazer de massa moderno, especialmente para o turismo internacional e a visitações.

Ainda na sua argumentação inicial, MacCannel (1999, p. 34) indica que o

[...] lazer é construído a partir de experiências culturais. Lazer e cultura continuam a existir indiferente ao mundo do trabalho e na vida diária. Estão concentrados nas férias, no entretenimento, nos jogos, brincadeiras e cerimônias religiosas. Esses rituais levam ao afastamento da cultura das atividades rotineiras e tem produzido o centro da crise da sociedade industrial.

Veja-se que a essência da argumentação do autor, - e o que faz com que seja

citado pelos autores brasileiros -, é a aceitação do lazer relacionado ao mundo do

trabalho e dos deslocamentos para fora do ambiente cotidiano, como ocorre no

turismo. MacCannel também se utilizou dos argumentos de Durkheim quando este

afirmou que “o turismo é uma forma de respeito ritual para com a sociedade e

absorve algumas das funções da religião no mundo moderno” (apud STEIL, 2002.

p.58). A partir disso, se percebe que os autores brasileiros não se aprofundaram

sobre quais seriam os outros elementos indicados por Durkheim (as funções da

religião), mas sim assumiram apenas aquela que entendem relacionadas

diretamente com a atividade turística, - o lazer -, sendo que, por lazer turístico são

entendidas pelos autores todas aquelas atividades desenvolvidas durante a viagem

nos ambientes religiosos.

O que se entende, no entanto, é que essas atividades podem ocorrem tanto

devido a uma motivação casual (pelo marketing, por exemplo), quanto por aspectos

causais (relacionados aos elementos culturais do grupo social), ou seja, aos autores

nas viagens o lazer transforma-se em uma ação compulsória, e não parte do código

social, como é o religioso. Ao agirem dessa maneira os autores percebem os dois

elementos indicados por Durkheim (crenças e ritos religiosos populares), apenas

15 A obra indicada é The tourist: a new thery of the leisure class. Berkeley: California Press, 1999.

48

enquanto ações praticadas isoladamente por indivíduos, não estando inter-

relacionadas socialmente, e por isso, passíveis de integrar a partir das estratégias de

planejamento.

Para melhor entender-se essa posição dos autores sobre lazer, utilizo o que

diz Stanley Parker na obra ‘A Sociologia do Lazer’. Nela o autor aprofunda estudos a

partir da visão que, os aspectos relacionados aos elementos culturais do grupo

social, estão ausentes nas diferentes esferas do lazer na sociedade inglesa da

década de 1970. Ao comparar a religião com o lazer, Parker percebe as duas formas

(o lazer e a religião) como comportamentos não mais regulamentados pessoal e

secretamente, e de escolha deliberada, isto é, entende que se precisa reconhecer

em todos os aspectos da cultura a mesma evolução geral que esclarece o

significado profundo da atividade de lazer na atualidade: a passagem de um

comportamento de lazer social e moralmente determinado pelo grupo para uma ação

livremente orientada em direção a objetos e valores que são exigências individuais

autênticas, visto que não mais estão separados da pessoa por um labirinto de

códigos sociais como ocorria no passado. Ou seja, para Parker, aquelas atividades

que no passado ocorriam relacionadas aos grupos sociais (como foram o lazer e a

religiosidade), agora são mediadas apenas pelos valores individuais, sendo que

tanto com a religiosidade ou com o lazer, o mesmo vem ocorrendo no turismo.

Porém, os autores do turismo que citam o lazer, não fazem uso dessa percepção em

suas argumentações, pois, boa parte deles não desenvolve explicações, apenas

descrevem ações praticadas pelos visitantes nos ambientes religiosos.

Em trabalho anterior, (2002, p. 7) desenvolvi diversas considerações teórico-

conceituais acerca dessa relação do turismo atual com o lazer, que entendo

conflituosa, visto indicar que os autores não percebem a diversidade de função dos

dois (turismo e o lazer), pois que,

[...] continuamente, os estudiosos do turismo, o apresentam como uma atividade de lazer, ou vice-versa, mudando-lhe a posição de importância indistintamente. Ambas as atividades, porém, na atualidade são atividades individuais e profundamente individualizantes, não permitindo que venha a ocorrer o desenvolvimento de ações que promovam o crescimento, nem o entrelaçamento dos seres humanos, em busca da evolução cultural dos seus praticantes, como num passado um pouco distante ocorria com o lazer.

Isso se reflete na situação que se descreve nesta Tese em relação à

percepção dos autores, visto que, claramente nas argumentações que desenvolvem

49

sobre lazer e turismo, não procuram explicar seus argumentos, mas apenas

descrevê-los, acabando por mascarar ou dificultar a compreensão da realidade, pois,

[...] como os estudiosos do turismo não apresentam a preocupação de caracterizar essas distinções, e, nem mesmo buscam caracterizar as diferenças entre o lazer do passado e o praticado na atual sociedade de consumo, principalmente através do turismo, acabaram por colaborar com algumas percepções errôneas sobre o lazer enquanto uma das formas de turismo, e não o contrário [...] (CHRISTOFFOLI, 2002, p. 7).

Face essa situação transforma-se a função e os objetivos anteriormente

instalados na sociedade pelas práticas do lazer, colocando-o no campo do consumo

para diferentes grupos sociais, e, entende-se que esse não é o papel da

religiosidade, que ao contrário, é o de aproximar pessoas não pelo consumo de

serviços, como de estruturas (hoteleiras, de alimentação, de transportes, etc.), nos

ambientes religiosos, mas sim a partir de um encontro em que a horizontalidade das

relações se estabelece quando se abandonam papéis sociais do mundo cotidiano.

Ieno Neto (2005, p. 14) nos ajuda a compreender como se forma essa percepção

diferenciada dos autores do turismo sobre o lazer nos ambientes religiosos ao

discutir os consumos dos espaços públicos na atualidade. O autor (2005, p. 14)

citando Augé indica que ocorre a existência de locais denominados de

os não-lugares (espaços que, não são lugares antropológicos e que [...] não integram os lugares antigos, [...] onde se multiplicam [...] os pontos de trânsito e as ocupações provisórias (as cadeias de hotéis e os terrenos invadidos, os clubes de férias, os acampamentos de refugiados, [...].).

Tais locais podem proporcionar a experiência do indivíduo se colocar como

espectador solitário em relação ao mundo que o cerca, como ocorre muitas vezes na

experiência turística, onde o contato efetivo com os companheiros de viagem ou dos

habitantes não ocorre, diferentemente daquilo que entendo, proporciona o ambiente

da religiosidade para os fiéis. Citando Sennet, Iedo Neto fala em voyeurismo na

medida em que o indivíduo observa sem participar e fala também da civilidade numa

sociedade intimista como sendo "a atividade que protege as pessoas uma das

outras e ainda assim permite que elas tirem proveito da companhia uma das outras"

(2005, p. 14). Essa também é a visão de Morin (1969, p. 74-75) quando discute as

diferentes nuanças que se estabelecem quando ocorrem as transformações dos

valores na sociedade moderna, através de mecanismos que ele generaliza como

parte da cultura de massas do capitalismo. Essa percepção superficial dos autores

50

do turismo sobre o lazer e o turismo, vai de encontro a Aoun16 (2001, p. 94) que

indicou ser expressa constantemente, pois,

durante o período em que estivemos acompanhando o material de VIP Exame, percebemos que apesar de essa revista se utilizar de palavras do universo religioso, sempre o fez de forma despreocupada, aproximando todo esse antigo mundo lingüístico do nosso cotidiano moderno, sempre buscando dessacralizar por meio de diálogos [...]”.

Eliade (1992, p. 17) explica em parte essa situação dizendo que basta constatar que a dessacralização caracteriza a experiência total do homem não-religioso das sociedades modernas, o qual, por essa razão, sente uma dificuldade cada vez maior em reencontrar as dimensões existenciais do homem religioso das sociedades arcaicas,

entende-se que essa condição também ocorre nas sociedades atuais. Descrevendo

a importância das festas religiosas para os fiéis indica que “a repetição esvaziada de

seu conteúdo conduz necessariamente a visão pessimista da existência, [...], quer

dizer, quando dessacralizado o Tempo cíclico torna-se terrífico [...]” (ELIADE 1992,

p. 90), isto é, transpondo-se essa visão para a atual relação da religiosidade os

autores turismo percebem certo vazio nos conteúdos das atividades religiosas,

transportando-as para a esfera do lazer.

A partir daqui, serão apresentados os textos que indicaram expressamente o

termo turismo religioso com suas categorias de compreensão.

Em número especial da revista “Turismo - Visão e Ação”17, encontraram-se

três referências ao universo do turismo religioso. O primeiro na página 23 indica o

termo ‘religião’ como sendo “uma das mais antigas manifestações do pensamento,

onde as pessoas postulam a existência de um meio ambiente invisível em pé de

igualdade com o mundo visível embora não possa ser evidenciado da mesma

maneira” (2000, p. 23). A seguir indica-se que nas religiões as pessoas “evocam

seres, forças, lugares sagrados e uma força superior misteriosa que chamam

16 Parte do livro concentra-se em descrever anúncios de revistas especializadas em turismo, os quais além de apresentarem paisagens magníficas, relacionavam-nas a adjetivos como paraíso, paz, tranqüilidade. 17 Uma das poucas publicações brasileiras reconhecidas pela academia como sendo científica em turismo, editada pelo Programa de Mestrado/Doutorado em Turismo e Hotelaria da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), vêm sendo editada ininterruptamente desde 1998. O número especial denominado ‘Glossário’ editado em 2000 supriu uma lacuna naquele momento histórico, quando através de um número especial, concentrou na agregação de diferentes autores, uma infinidade de termos e conceitos por temas de análise, perpassando diferentes áreas afins ao Turismo como a Administração, o Meio Ambiente, a Cultura, etc. Outra publicação é a revista Turismo em Análise uma publicação semestral (maio/novembro), editada pela Editora Aleph e pelo Departamento de Relações Públicas, Propaganda e Turismo da ECA-USP. Tem por objetivo publicar estudos, pesquisas e relatos de experiências de docentes, pesquisadores e profissionais na área de Turismo e Hotelaria.

51

conforme o caso de Deus, Espírito, Anjo, Demônio, enfim, uma força que pode

determinar e dominar o mal e o bem, assim como salvar e encaminhar a ‘alma’ de

uma pessoa após a sua morte”.

O segundo termo indicado pela revista é ‘turismo religioso’ (VISÃO E AÇÃO,

2000, p. 27), porém, não se faz a apresentação de uma definição, e sim, apenas são

indicadas as definições de outros autores como VAZ (1999), ANDRADE (1997) e a

EMBRATUR (1992).

O terceiro termo apresentado pela revista é uma definição de Beni (1998)

para turismo ‘religioso’, o qual é descrito e analisado a seguir. Beni (2000, p. 153),

por exemplo, faz parte do grande grupo de autores (que atuam no turismo brasileiro),

sendo que em seu trabalho sobre o SISTUR18, descreve a composição da

segmentação do mercado de turismo (no item 2.1). Citando os diversos elementos

que a compõe (desde os destinos geográficos, transportes, composição

demográfica, nível econômico, ocupação, estado civil, até o estilo de vida), ao final

afirma que o “motivo da viagem, entretanto, é o principal meio disponível para se

segmentar o mercado”. Mais adiante o autor apresenta os elementos que compõe a

vocação turística do núcleo receptor, sobre os quais se assentam os 35 tipos de

turismo possíveis.

Um destes tipos é o religioso, que Beni (2000, p. 422) refere como o que

promove,

[...] o grande deslocamento de peregrinos, portanto turistas potenciais, que se destinam à centros religiosos, motivados pela fé em distintas crenças. Este tipo de demanda tem características únicas levando, por isso, alguns autores a não considerá-lo nos estudos de Turismo.

Observa-se que o autor concentrou sua percepção em dois elementos:

primeiro frisou a motivação da viagem como o elemento mais importante a qualquer

turista; e em segundo referindo-se aos peregrinos como turistas potenciais, ressaltou

que estes são possuidores de características únicas, o que faz que os autores os

desconsiderem enquanto demanda a ser trabalhada pelo turismo. Poder-se-ia

ampliar a discussão dos motivos porque esta demanda é desconsiderada pelos

18 O SISTUR ou Sistema de Turismo é um modelo empírico de análise da estrutura do turismo proposto por Mário Carlos Beni a partir do universo da Administração. Baseia-se nos quatro subsistemas chamados por ele de: cultural, ecológico, social e econômico tendo sido incorporado pelo Turismo como um mecanismo de análise e interpretação, principalmente pelos profissionais que vêem nele um instrumento eficaz para o planejamento e a implantação de projetos turísticos.

52

autores, fazendo-se a seguinte pergunta: quais seriam essas características únicas

indicadas por Beni que tanto distanciam os peregrinos do universo do turismo?

Continuando sua argumentação Beni (2000, p. 422) afirma que,

[...] em nosso entendimento, conforme já referido, esses peregrinos assumem um comportamento de consumo turístico, pois utilizam equipamentos e serviços com uma estrutura de gastos semelhantes à dos turistas reais.

Perceba-se que o autor considera os peregrinos também enquanto turistas,

pelo fato de utilizarem-se das estruturas do turismo, enquanto isso, Carlos A. Steil

(2003a) afirma em contrário sobre a polêmica de existir dificuldades entre as

Congregações religiosas de assumirem a mesma terminologia dada pelos

profissionais que atuam com o turismo, indicando que entre os profissionais do

mercado e as prefeituras, desenvolveu-se a visão de que os eventos religiosos

podem transformar-se em turísticos, colaborando diretamente com economia local,

enquanto que aos religiosos “a retirada da centralidade e da profundidade do ato

religioso é nocivo frente às ações dispersivas e superficiais do turismo” (STEIL,

2003a, p. 36-7).

Ribeiro (2002, p. 4) indica o turismo religioso com a definição oficial dada pela

Conferência Mundial de Roma, realizada no ano de 1960, que percebe as

motivações relacionadas ao ambiente religioso. A autora amplia os locais e as

formas de ocorrência dessas práticas afirmando que,

[...] o turismo religioso é compreendido como uma organização que movimenta inúmeros peregrinos em viagens pelos mistérios da fé ou da devoção a algum santo. A sua prática efetiva realiza-se de diversas maneiras: as peregrinações aos locais sagrados, as festas religiosas que são celebradas periodicamente, os espetáculos e as representações teatrais de cunho religioso, e os congressos, encontros e seminários, ligados à evangelização.

Outro aspecto indicado no texto está na categorização usada pela autora: não

é utilizado o termo turista religioso, apenas usam-se fiéis, romeiros, peregrinos,

viajantes, caminhantes, etc., sem haver o uso explicito do termo turista ou seus

possíveis adjetivos e significados. Outro aspecto está no recorta-e-cola do texto, pois

a autora faz muitas afirmações sem preocupar-se em documentar as mesmas, como

é o caso da colocação sobre a criação da Pastoral do Turismo pela Igreja católica.

Noutro momento as explicações da autora para as modificações das dinâmicas

religiosas prendem-se as relações de trabalho apenas, onde o foco da análise se

53

concentra na ação dos fiéis, mais do que na força que induziu estas mudanças, ao

indicar que, os novos compromissos do trabalho faziam escassear o tempo

disponível para cumprir as longas rotas da fé (RIBEIRO, 2002).

Ribeiro indica que as manifestações de devoção tornavam-se cada vez mais

estáticas e restritas a determinados locais, previamente delimitados para essa

função, não importando as explicações relacionadas às imposições das

Congregações acontecidas através dos tempos (2002, p. 2). Da mesma forma as

explicações utilizadas por Ribeiro para justificar a compra de lembranças, não

indicam ocorrer à possível inclusão do souvenir turístico no ato religioso, pois,

[...] aqueles poucos que ainda participavam de peregrinações se esforçavam para trazer do santuário uma relíquia ou lembrança, que pudesse ser compartilhado com os que não foram. Esse objeto tornava-se uma forma de manter os vínculos entre os participantes da romaria e elemento de confraternização com os demais, transformando-se numa espécie de elo para a celebração de rituais (2002, p. 2).

Porém, em continuidade na justificativa da construção dos novos valores nas

movimentações religiosas, a autora indica o lazer (em oposição ao trabalho), como

um elemento relacionado à fé para a ocorrência das atividades paralelas,

esquivando-se de aprofundar compreensões sobre os valores simbólicos que

possam reger a ambiente, pois, afirma que

na segunda metade do século XIX, as peregrinações refloresceram de modo diferente, ainda que apresentando os mesmos elementos de suporte, como os dogmas da religião católica e os valores bíblicos. Os romeiros passaram a compartilhar não apenas a fé como também a intenção de desfrutar momentos de lazer em conjunto, onde era rompido o cotidiano de trabalho. A romaria passava a ser uma festa em si, para a qual o grupo preparava-se não apenas espiritualmente como também para desfrutar de um acontecimento social. Planejavam-se as datas ociosas, o transporte em conjunto, as acomodações, a alimentação e as atividades paralelas ao ato religioso (RIBEIRO, 2002, p. 2).

Fagundes (2004, p.14) em sua dissertação que analisa a presença da

comunidade nas discussões sobre sustentabilidade no Turismo Religioso em Nova

Trento - SC indica posição de pensamento semelhante quando se refere à presença

do lazer junto à religiosidade, afirmando que,

[...] atualmente, com cada vez mais pessoas residindo em cidades, as crises financeiras, políticas, desemprego, redução de renda, acabam por comprovar a necessidade de renovar mitos e ritos religiosos. Para este momento de religiosidade e lazer, as pessoas acabam buscando um espaço alternativo, longe de seu cotidiano, quebrando as barreiras de sua consciência limitada aos hábitos cíclicos do dia a dia, constituindo-se assim

54

como um momento de fuga e re-ligação. É neste contexto que ganha força a prática do turismo religioso.

Entende-se que ambos não percebem o momento festivo das atividades que

compõe o universo religioso conforme o fazem Durkheim (já indicado anteriormente)

ou Eliade, porque, ao não admitir a existência de um espaço religioso homogêneo,

renega a existência de valores contrários atuando de forma concomitante, talvez

porque mediada pela,

[...] experiência do espaço tal como é vivida pelo homem não-religioso, quer dizer, por um homem que recusa a sacralidade do mundo, que assume unicamente uma existência ‘profana’, purificada de toda pressuposição religiosa (1992, p. 23).

Eliade afirma que visto que o “homem não-religioso reproduz ainda mais essa

visão quando interpreta as festas como sendo profanas ligadas aos mitos” (1992, p.

72), quando nelas percebe que “em muitos casos, realizam-se durante a festa os

mesmo atos dos intervalos não-festivos, mas o homem religioso crê que vive então

num outro tempo, que conseguiu reencontrar o primeiro tempo mítico” (1992, p. 72).

Neste aspecto Fernandes se concentrou em estudar romarias, acompanhando os

romeiros desde as etapas anteriores (preparação, concentração, caminhada e

chegada ao santuário), até o retorno às suas casas. O autor faz lembrar que, ao

serem organizadas às primeiras romarias episcopais à Aparecida, estas “tomaram o

trem Rio – São Paulo e levaram os fiéis a rezar por Nossa Senhora de Aparecida –

um em setembro e outro em dezembro de 1900” (1994, p. 106), sendo que este

modelo foi utilizado anualmente até 1930.

Este modelo é argumento por Ribeiro, bem como é a modificação indicada

por Fagundes, porém, não são considerados os mitos como a base de sustentação

das ações dos fiéis. Novamente Fernandes (1994, p. 157-158) ajuda a esclarecer os

valores que compõe o universo religioso dos fiéis do santuário de Aparecida:

[...] num clima carnavalesco, fomos penetrados pela atmosfera de realismo fantástico que caracteriza os santuários brasileiros em dia de festa: a liturgia dos padres em luto, a fila quilométrica da devoção ao santo, a visita mórbida à sala dos milagres, as centenas de cruzes amontoadas [...]; cavaleiros, motoqueiros, ciclistas em quantidade, a animação da praça, as lojas e as barraquinhas repletas de souvenires de gesso e plástico coloridos; o papagaio que lê a sorte, índio que vende ervas curativas, o parque de diversões, o bondinho aéreo que leva ao alto do cruzeiro, a mulher que vira macaco, o bêbado cético [...]. A paquera, muita comida, muita bebida, gente vestida em roupa de domingo a passear em meio a outro tanto de gente maltrapilha, dormindo pelos cantos da calçada. Sagrado e profano, ambos em estado de graça.

55

O autor conclui que “esta conjunção de tempos conceituais, que são

insistentemente separados nos livros escolares, cria sérias dificuldades de

comunicação entre os diferentes atores, incluindo o pesquisador” (FERNANDES,

1994, p. 158). O mesmo autor ainda indica os vínculos que compõe o ambiente da

relação desses tempos conceituais como sendo: a dependência - os romeiros

cultuam os santos em troca de proteção; territorial - toda sorte de objetos e assuntos

são trazidos aos pés do santo para a benção; a inclusão - as promessas, romarias e

santos são múltiplos à disposição dos fiéis (FERNANDES, 1994, p. 158), vínculos

que não são percebidos, ou valorizados nas percepções dos autores do turismo.

Assim, entende-se que os autores (neste caso Ribeiro (2002) e Fagundes (2004)),

quando interpretam as ações dos peregrinos, entendem não haver possibilidade de

encontrar-se nenhuma outra atividade fora daquelas relacionadas à manutenção da

fé, pois caso isso ocorra, estes visitantes deixariam de ser fiéis, quando então,

podem ser considerados como componentes de outros universos, como o do

mercado turístico, ou do lazer, por exemplo, e a partir daí, os fiéis estariam

predispostos somente as ações destes.

Wernet (1999, p. 84) estudou as transformações ocorridas no Santuário de

Aparecida, a partir de uma visão tradicional, entendendo por peregrinação,

[...] um itinerário ou caminho difícil a um lugar sagrado que seja símbolo e manifestação do sagrado. Tal peregrinação exige penitência, testemunho público de fé e ação de graças por se ter chegado ao lugar sagrado e alcançado alguma graça.

Afirma isso porque quando as romarias passaram a ser organizadas pela

Igreja, vão transformar-se radicalmente. Citando documentos oficiais consultados

Wernet indicou que, quando da chegada dos padres Redentoristas em 1894 (da

Congregação do Santíssimo Redentor da Baviera), estes encontraram o Santuário

“em situação deplorável”, pois “milhares de peregrinos acorriam ao Santuário sem

receber uma palavra orientadora, permanecendo num nível de religiosidade externa

de promessas e de gestos penitenciais sem crescer na fé e na vida cristã” (1999, p.

84-85), isto é, “a ação pastoral quase nula, não se pregava, não havia catequese,

[...]” (1999, p. 84-85). Continuando o autor indicou que havia nestas peregrinações

pouca ou nenhuma presença da Igreja, seja na organização e promoção das

romarias, seja no caminho do Santuário, predominando “a peregrinação do povo,

praxe comum de sua religiosidade tradicional: uma caminhada difícil e penosa ao

56

lugar sagrado [...]” (1999, p. 84-85).

Objetivando-se mudar aquela realidade iniciaram-se assim as romarias

oficiais, conduzidas e dirigidas pelos padres redentoristas. Passou-se a observar um

rigoroso cerimonial para a chegada e à despedida do Santuário, neste, “havia

horário previsto para as pregações, as confissões, as missas e comunhões, e, à

tarde, antes da despedida, os peregrinos faziam a procissão [...]” (WERNET, 1999,

p. 86). O mesmo autor (1999, p. 87) também indicou que,

[...] estas romarias faziam parte do processo de moralização e racionalização dos costumes e das devoções do catolicismo tradicional. [...]. Obviamente os peregrinos continuavam a vir a Aparecida, individualmente e em grupos, a pé, a cavalo, e até de trem sem fazerem parte de uma romaria programada.

Segundo Wernet a partir do Concílio Vaticano II19 o apoio dado pelos padres

às romarias praticamente cessou visto que essas foram consideradas

“manifestações espúrias da religiosidade popular” (1999, p. 88), mesmo que o povo

não tenha dado ouvidos a essas discussões teóricas, continuando a ir à Aparecida.

Naquele momento (década de 1960), oficialmente, a igreja abandona as práticas

que estejam além dos muros dos santuários, permitindo mais liberdades para

aquelas pessoas que passam a organizar os grupos e que, pelo abandono da

organização da igreja, assumem esta função as ‘empresas turísticas’, (empresas de

ônibus, algumas paróquias e as pessoas em geral), as quais passam a organizar

uma “excursão sobretudo visava lucro” (1999, p. 88). Entende-se que o autor

generaliza por demais as práticas das excursões, visto que, quando coloca todas na

condição de serem resultantes de estratégias mercantilistas, não havendo mais

nenhuma excursão motivada pela fé e pela religiosidade. Também, considerando

essa condição reducionista baseada no mercatilismo como verdadeira para

Aparecida, não se pode generalizar, como referência de argumentos, essa condição

do transporte para todos os ambientes da religiosidade católica popular indicada por

Wernet.

Após esse momento de dominação sobre as dinâmicas religiosas populares

pela Igreja, mais uma vez vão ocorrer mudanças estruturais nas práticas dos padres

19 O Concílio Vaticano II foi um evento que objetivou profundas transformações nas dinâmicas dos deslocamentos religiosos quando por força de obediência a Roma, as coordenações assumem um discurso moderno das ciências sociais, onde a ação humana fundamenta e instaura o sagrado nos santuários, tornando-se, portanto uma instituição humana e não divina (STEIL, 1996, p. 37).

57

Redentoristas, quando introduzem a Pastoral do Santuário, subdivididas em ações

identificadas pelo Wernet (1999) em três momentos: a) não se devem destruir as

formas devocionais populares; b) os sacramentos foram introduzidos na

peregrinação, fato anteriormente pouco trabalhado; c) deve-se aproveitar a presença

dos romeiros nos santuários para a sua evangelização. Após essas considerações o

autor apresenta suas opiniões sobre as transformações nos espaços das

peregrinações a Aparecida:

[...] na pastoral do santuário procura-se sustentar e salvar o sentido tradicional da peregrinação e exercer uma pastoral moderna, opondo-se em parte, as tendências secularizadoras das quais se apresenta como uma das suas manifestações o ‘turismo religioso’ (1999, p. 89).

Complementando suas percepções Wernet (1999, p. 89) ainda afirma que,

[...] percebe-se um processo global que vai da romaria programada em direção a uma prática que facilmente se confunde com excursões religioso-turísticas ocorrendo também um esvaziamento da dimensão simbólica. A peregrinação religiosa se transformou em turismo religioso, salvo a ação pastoral no próprio santuário.

Tal situação, identificada pelo autor, é entendida em parte como verdadeira.

Porém, carece de aprofundamento visto que não é resultado de pesquisa efetiva

com o universo dos fiéis de Aparecida, uma vez que se percebe certa

superficialidade ou parcialidade na escolha dos elementos usados para a

argumentação da diminuição da fé, quando, somente são analisadas as ações das

Congregações, ficando alijadas as percepções a partir dos fiéis. Para colaborar

melhor com a compreensão dos diferentes elementos que compõe e incidem sobre o

universo dos visitantes que circulam o ambiente da religiosidade católica popular, e

para que se possam definir mais e melhor todos estes possíveis valores simbólicos

presentes e interferentes utilizo uma afirmação de Chauí (1986, p. 128) quando

apresenta a religiosidade popular, como um conjunto de informações que deveria

ser de domínio por parte dos autores do turismo, uma vez que,

[...] o catolicismo devocional é montado sobre rezas, bênçãos, curas, promessas, todas elas fundadas na crença do milagre. Este se refere às doenças [...], a busca de proteção (para a colheita, o gado, a saúde, contra desastres naturais, para encontrar objetos perdidos) e à reparação de injustiças cometidas contra os fracos. O milagre depende, sem dúvida, da vontade de Deus, da intervenção dos santos, da fé de quem o pede, do valor da promessa feita como retribuição da graça à recebida.

58

Lima (2002, p. 3) analisando os aspectos valorizados pela mídia (jornais e

TVs) que cobriram recente festa do padre Cícero20 indicou várias redes nacionais da

mídia que descrevem elementos da religiosidade popular na composição da festa,

enfatizando o aspecto do sacrifício associado à alegria do pagamento de

promessas, o tocar a estátua, etc. afirma que,

[...] as romarias do padre Cícero sempre são notícias nos principais jornais do Estado, como fonte de renda e atividade econômica da cidade de Juazeiro. O destaque, às vezes, não está no caráter religioso da festa, mas o grande evento comercial que a festa adquiriu atualmente. A festa passa a ter um caráter mais de valor conteudístico, preenchendo espaços na programação das emissoras de rádio ou TV, bem como motivando reportagens e coberturas especiais nos jornais diários ou revistas semanais (MELLO apud LIMA, 2002, p. 3).

Para Lima (2002, p. 8) os elementos identificados pela mídia que cobre esse

evento religioso,

[...] retratam de maneira superficial e rápida a manifestação popular. Portanto, o conteúdo cultural da festa, muitas vezes, não é destacado, mais sim, o movimento comercial, turístico ou trágico – caso aconteça algum acidente. Os meios de comunicação seja rádio, TVs ou jornais estarão voltados ao imediatismo da notícia e a cobertura voltada à indústria cultural ou comercial,

Este fato leva a percepção da inexistência de elementos da fé nessas

atividades, visto serem interpretadas pelos profissionais da mídia, como profanas

apenas. Steil interpretando as romarias no santuário de Bom Jesus da Lapa21 na

Bahia, explica em parte como se dá esse processo afirmando que “devido ao seu

status ‘intersticial’, dentro e fora do tempo ‘universal’ e ‘local’, a romaria pode

conciliar uma dupla ética transacional, onde o santo e o mercado se sobrepõem

como mediadores de bens espirituais e materiais” (1996, p. 83). Para o autor ocorre

uma troca de papéis quando o romeiro entende que “pode alcançar favores

materiais por intermédio das orações e penitência, também se pode alcançar favores

graças sobrenaturais, através de doações em dinheiro”.

20 Para um maior aprofundamento sobre a história do Padre Cícero Romão Batista leia-se o livro de Ralph Della Cava ‘Milagre em Joaseiro’, editora Paz e Terra, 1976 (Coleção Estudos Brasileiros, volume 13). Nele são apresentados todos os elementos sobre a formação da vida sacerdotal, bem como as diferentes etapas desde a ocorrência do milagre até sua expulsão da Congregação, sendo que alguns destes detalhes compõe ainda hoje, um conjunto de valores em disputa constante entre e Igreja e a população. 21 Bom Jesus da Lapa, no interior da Bahia, estabeleceu-se no século XVIII, pois em 1728 o local já era descrito com o santuário, sendo que o povoamento da região ocorreu após 1663. Está situado no médio vale do rio São Francisco a 900 km de Salvador. O livro que trata deste tema intitula-se O Sertão das romarias: um estudo antropológico sobre o santuário de Bom Jesus da Lapa – Bahia. Petrópolis: Vozes, 1996.

59

Noutro trabalho mais recente, Steil (2003c, p. 256), recuperou suas pesquisas

anteriores realizadas para sua tese de doutoramento sobre o santuário de Bom

Jesus da Lapa na Bahia (editadas em 1996), refazendo seus olhares sobre as

transformações por que vem passando o local, face às mudanças de significados

atribuídos pela Igreja Católica. Afirma que,

[...] em relação ao clero, registramos uma tentativa de reformulação do culto através da integração dos romeiros numa sociabilidade turística. No pequeno livro, escrito em 1969 e reeditado em 1988 pelos dirigentes do santuário, intitulado Guia dos Romeiros e Turistas de Bom Jesus da Lapa. Histórico e Curiosidades do Santuário e da Cidade (grifo meu), podemos ver que as categorias de romeiros e turistas não são apenas contrapostas, mas a segunda é sobreposta à primeira. Vemos, assim, uma tentativa de absorver o sentido e o ideário peregrínico numa estrutura de significados e categorias lingüísticas que remetem ao campo turístico, que é levada a cabo pelos próprios dirigentes do santuário.

Isso pode justificar as explicações sobre os interesses dos visitantes de

Aparecida, SP, indicados tanto por Wernet (1999) quanto por Moraes22 (2000) como

sendo exteriores a um ambiente da fé. Porém, entende-se que tais percepções têm

gerado falsas proposições dos autores sobre a estruturação dos elementos do

turismo junto aos visitantes nos santuários, pois entendem eles que, o consumo das

estruturas e serviços oferecidos aos fiéis, segue as linhas gerais dos consumidores

do lazer turístico tradicional, e tem conduzido às atividades desenvolvidas pelos

visitantes. Este consumo de lazer estaria colocado nas linhas gerais do

planejamento turístico onde as pessoas que se movimentam, o fazem inicialmente,

porque são possuidoras de um determinado tempo livre e usam este tempo para

desenvolverem diferentes formas de atividades de lazer, entre as quais a visitação

aos locais sagrados.

No entanto, nenhum dos autores citados (STEIL (2003C); MORAES (2000);

ou WERNET (1999), por exemplo), desenvolveram pesquisas que permitissem

confirmar essas hipóteses, pois, como já foi dito anteriormente, se percebe a

utilização de percepções parciais (isto é, desenvolvidas sobre observações

relacionadas a apenas um local (cidade ou santuário), ou acontecimento (festa,

22 Mestre em Ciências - Turismo e Lazer, pela ECA/USP, licenciada em História - Unicamp e bacharel em Turismo pela PUC Campinas. Professora da UNIBERO. Observe-se nas Referências à indicação de dois textos desta autora, que apesar de, terem sido publicados em épocas diferentes (2000 e 2003), foram considerados com o mesmo conteúdo. Os artigos são análises resultantes de uma pesquisa realizada pelos acadêmicos de Turismo da UNIBERO no ano de 1999. Os mesmos resultados da pesquisa transformaram-se em dados estatísticos descritos e analisados por T. Femenick (ver Referências).

60

romaria), pelos autores, relacionadas mais às Congregações que aos fiéis e suas

motivações. De encontro a essa percepção tem-se Costalonga (2003) que analisou

a presença e a movimentação de fiéis no santuário da Penha23 na cidade de Vila

Velha no Espírito Santo, existente há mais de 400 anos. Para a autora, encontram-

se muitos elementos da religiosidade popular relacionando as atividades que

ocorrem no santuário, bem como, noutros momentos isso não ocorre. Segundo a

autora, pelo fato que essas atividades estão relacionadas ao poder público (como é

o caso da transformação da área histórica da cidade em um ponto turístico para a

geração de renda para a população), o que tem levado muitos visitantes àquele

local. De um lado a autora utilizou-se do termo turismo religioso em poucos

momentos do trabalho, quando afirmou que

[...] a permanente presença de turistas oriundos de diversas regiões do estado do espírito Santo, somado, ao fluxo constante de turistas nacionais e internacionais, dão sustentação ao simbolismo religioso das celebrações iniciadas diariamente às 5 horas da manhã [...] (COSTALONGA, 2003, p. 166).

Noutro momento do trabalho Costalonga (2003, p. 160) afirma que “a

mobilização de multidões de devotos e peregrinos sustentam a evolução do mito

religioso através dos rituais da igreja”, indicando que estes são responsáveis pela

transformação do Convento da Penha no ponto turístico mais significante do estado

do Espírito Santo. Entende-se que os termos fiéis e peregrinos ficariam mais bem

colocados para a explicação de presença tão grande de pessoas, uma vez que,

certamente, a sustentação religiosa do santuário da Penha não é realizada por

turistas, mas sim por fiéis, mesmo diante dos investimentos do poder público.

Também indica que essas celebrações religiosas “que envolvem o turismo na

região” (COSTALONGA, 2003, p. 160, estão diretamente relacionadas “ao tempo

livre destinado aos ritos e celebrações” (COSTALONGA, 2003, p. 160). Nestas duas

afirmações, percebe-se uma grande facilidade de interação de Costalonga no uso

dos dois termos (fiéis e turistas) e suas adjetivações (devotos, turismo, tempo livre,

ponto turístico) na colaboração da grandiosidade das movimentações de pessoas no 23 Localizado no alto de um penhasco que domina toda a baia o atual santuário da Penha tem seu primeiro registro no ano de 1558 quando chegou a Vila Velha o frei espanhol Pedro Palácios. Este trouxe um painel com a imagem de Nossa Senhora das Alegrias, o qual desapareceu por duas vezes surgindo no alto do penhasco. No local foi construída uma capelinha. Nossa Senhora das Alegrias deu lugar a Nossa Senhora da Penha padroeira do Espírito Santo, a qual chegou ao estado em 1569. O convento foi concluído em 1670 com um caminho de 1200 metros de comprimento, 116 degraus e uma altura de 154 metros. (in: Jornal do Brasil Caderno Roteiros da Fé. 11.09.2000, p. 70-1).

61

santuário da Penha. Também é possível perceber o entendimento de que a relação

da existência de um tempo livre (apoiada pela presença de atividades relacionadas

ao poder público) com as celebrações religiosas é que dá as condições à presença

maciça de pessoas no local. Talvez, a partir desse exemplo de análise desenvolvida

pela autora, pudéssemos generalizar neste e noutros casos, sobre quanto cada

autor aprofunda as diferentes categorias que utiliza, e, como se dão as duas

grandes formas de atração (se o lazer e o sagrado) para, após isso, descrevermos

todos os elementos que as compõe, visto que estes podem facilmente pertencer as

duas ou mais categorias de interpretação, as quais, não são de conhecimento dos

autores do turismo, visto não aprofundarem-nas. Steil (1998, p. 2) já percebeu essa

condição quando afirmou que,

[...] turismo e peregrinação são tomados não apenas como experiências históricas de múltiplas formas de deslocamento espacial, mas, sobretudo como categorias explicativas e de compreensão da realidade que condensam estruturas de significados que estão sendo atualizadas e reavaliadas na prática social.

Portanto para Steil (1998, p. 4) surge uma nova

[...] categoria de peregrinos-turistas, ou de turistas religiosos, que se diferenciam dos peregrinos tradicionais não apenas pelo conjunto de motivações que os incitam a deslocar-se para os locais de peregrinação, mas, sobretudo pelas estruturas de significados dentro das quais inserem sua experiência, pois acreditamos que, se o objetivo declarado da viagem já não constitui um elemento importante de classificação para distinguir peregrinos de turistas, devemos buscar nas estruturas de significados, a que cada um está referido e aciona ao participar do evento, o critério possível de classificação.

Para Steil (1998, p. 4) essa nova conformação

[...] da peregrinação ao turismo atualiza um modelo de religião que está centrado na afirmação do indivíduo e na produção de diferenças, acionando, assim, no campo religioso, - a mesma lógica do distanciamento e da identidade que encontramos noutros domínios da vida moderna -, e que se contrapõe à lógica da communitas24, que opera no sentido da fusão

24 O termo communitas foi desenvolvido por Victor Turner em 1969, e significa basicamente a criação de um grupo de pessoas que o fazem sem necessariamente haver uma relação tradicional de agregação de grupo social, quando negam as classes sociais e rejeitam as ordens sociais existentes. A base de Turner foi o sociólogo Arnold Van Gennep com a teoria dos Ritos de Passagem em (apud SEGALEN, 2002, p. 48). Alphonse Dupront aprofunda a noção de communitas ideológica de Turner. Para Dupront (apud NASCIMENTO), a peregrinação forma-se por “um grupo humano dotado de uma irresistível pulsão comum, movido por uma força que o ultrapassa à procura de sua própria sacralização” (1987, p. 406). Ele pensa na formação de uma sociedade peregrina que, para além das fronteiras de sexo, idade, hierarquia, busca uma aproximação com os poderes sobrenaturais do sagrado. O autor enfatiza a idéia de uma experiência, acima de tudo, religiosa que, percorrendo um espaço até o lugar sagrado, permite fazer uma transformação misteriosa e espiritual, “Transmutação do homem. Transmutação do espaço” (idem, p. 375).

62

dos peregrinos numa totalidade idílica.

Nascimento reforça a lógica da communitas em sua análise sobre o santuário

de Trindade em Goiás, afirmando que “não são excludentes, mas constituem os

pólos de tensão entre duas estruturas de significados que nos remetem para as

múltiplas possibilidades de arranjos sincréticos entre tradição e modernidade” (2002,

p. 4). Chauí emprega o adjetivo ambíguo para explicar essa situação do universo da

religiosidade católica popular, isso porque “este é encarado ora como ignorância, ora

como saber autêntico; ora como atraso, ora como fonte de emancipação” (1986, p.

124), indicando que “talvez seja mais interessante considerá-lo ambíguo, tecido de

ignorância e de saber, de atraso e de desejo de emancipação, capaz de

conformismo ao resistir, capaz de resistência ao se conformar” (1986, p. 124).

Para Moraes o turismo religioso é resultante do “deslocamento humano que

vem ocorrendo a milhares de anos em diversos povos” (2000, p. 1). Perceba-se que

assim construída a afirmação da autora se correlaciona com a motivação, quase que

de forma automática, levando o leitor a interligar o turismo religioso, com o

deslocamento ocorrido nos últimos milhares de anos. Para a autora, “o turista

religioso, por sua vez, não viaja apenas pela fé ou por obrigação religiosa, visita

lugares sagrados para determinadas religiões e neles também pede graças ou

agradece” (2000, p. 2). Moraes admite que o conceito de prazer esteja então

“relacionado às sensações agradáveis. Para o peregrino a busca da satisfação e do

conforto espiritual está muitas vezes associada ao sofrimento e, para o turista

religioso não” (2000, p. 2), pois, este não procura sofrimento, ele que ir ao local

sagrado com as facilidades que o turismo e a tecnologia que a sociedade

contemporânea pode lhe oferecer, face que o local tem servido para atividades que

atraem milhares de turistas e estes ‘atravessam’ o ambiente religioso.

De outro lado Giovannini Junior ao analisar a tradicional celebração religiosa

que se realiza em Tiradentes – MG, há mais de 200 anos questiona sobre “a

possibilidade de colocar em um mesmo plano de sacralização experiências de

ordem religiosa, mística e experiências secularizadas” (2000, p. 2). Para o autor

parece “incompatível comparar a experiência que um torcedor de futebol vivência

com a experiência de um fiel carismático, assim como afirmar que um ateu tem uma

vivência do sagrado só porque visita uma igreja histórica” (2000, p. 2). O Autor

descreve que a celebração vem sofrendo continuamente influência negativa por

63

parte dos visitantes e turistas que a vivenciam. Afirma querer chamar a atenção,

[...] para a necessidade de se interpretar melhor os ambientes em que os ‘homens de fora’ circulam. No que se refere ao patrimônio cultural e ao turismo, é necessário uma interpretação e uma educação adequada para que o comportamento das pessoas não destoe de maneira agressiva do ambiente cultural e físico para onde se dirigem (2000, p. 4).

Giovannini Junior afirma que, se turismo e peregrinação se aproximam na

forma como buscam garantir uma eficácia simbólica dando sentido ao mundo,

através do rito liminar da viagem, por outro, este momento liminar guarda diferenças

quanto às estruturas de significado que estão sendo ativadas bem como suas

combinações(2000, p. 4). Isso ocorre, segundo o autor, porque as “manifestações de

tal complexidade merecem atenção minuciosa e prudente, para que não se formule

conclusões apressadas e generalizantes. É fundamental trabalhar no sentido de

levantar dados empíricos sobre os locais destas práticas” (2000, p. 4).

Para Giovannini Junior, (2000b, p. 4)

[...] a infra-estrutura ou os equipamentos, para usar um chavão da área turística, que envolvem, certamente guardam também um caráter alternativo: transporte individual, vans, kombis e ônibus fretados exclusivamente para este fim: dormitórios, às vezes organizados pela instituição ou por pessoas do entorno assim como a alimentação e barracas de souvenir, ervas, livros montados só para atender a ocasião. Enfim, toda uma rede variável de sociabilidade, comércio e estrutura incomum, alternativa e subterrânea que envolve uma gama enorme de pessoas, muitas delas vivendo à margem da sociedade, da indústria do turismo, das grandes instituições e bem longe, certamente dos olhares de economistas e pesquisadores pouco habituados a circularem no meio do povo como pessoas presentes na sociedade onde vivem.

Giovannini Junior (2000, p. 4) entende que

[...] se é o silêncio e o mistério que por um lado trazem esse sentido do sagrado e por outro estabelece regras de comportamento, a presença ‘mal programada’ de pessoas de fora, em massa, pode afetar drasticamente aquilo que sustenta a manifestação religiosa, o sentido do sagrado e também referências importantes a códigos de comportamento.

Isso vai de encontro à análise relacionada ao ambiente da festa de Padre

Cícero, feita por Lima (2002, p. 8) citado anteriormente, o qual indicou que, mais do

que a festa em si, de caráter comemorativo, se pode observar a excessiva

religiosidade do povo nordestino que se

[...] manifesta através do imaginário popular, dos processos comunicacionais que estão inseridos nas festas, através dos significados e símbolos que representam, na tentativa de uma hegemonia cultural; os espaços sociais que revelam as formas de relações sociais, como por

64

exemplo, a integração, às vezes, não muito cordial, de pessoas de classes econômicas distintas e também uma questão industrial no qual a mídia e outras instituições comerciais transformam as festas em espetáculos grandiosos e massificados.

Em direção a esse pensamento, Augé diz que talvez a solidão gerada pelo

individualismo contemporâneo permitisse a que a vida se tornasse uma viagem e o

indivíduo um espectador, assim, o indivíduo se livraria do peso de ter que ser um

personagem, um ator, um sujeito, para assumir a liberdade de ser apenas um

viajante, alguém que está de passagem pela vida (apud IENO NETO, 2005, p. 12-

14). Para o autor, a pluralidade de lugares, o excesso que isso impõe ao olhar (como

ver tudo?) e à descrição (como dizer tudo?), produz a "expatriação" (o que é que vim

fazer aqui?). Esse fato cria no sujeito o sentimento de não ver no espaço da

paisagem que ele percorre ou contempla um lugar, nem de se sentir plenamente

nele. Ele está de passagem, é um viajante (apud IENO NETO, 2005, p. 12-14).

Com relação à afirmação anterior de Giovannini Junior, que relaciona

negativamente elementos de sociabilidade do turismo para a religiosidade, Steil

(1998, p. 2) refere como a peregrinação no presente, na sua forma tradicional, é uma

crítica à sociabilidade do cotidiano e à vida moderna, que se organiza a partir da

divisão social do trabalho e da produção de múltiplos status sociais. Em

contrapartida, o turismo se caracteriza pela construção de diferenciações sociais a

partir de valores como o bom comportamento, a higiene, os usos corretos das

etiquetas, as condições materiais etc. (STEIL, 1998). Talvez isso justifique a

oposição que se processa nos universos em questão, quando a sociabilidade se

expressa por formas e conteúdos diferenciados, os quais não são percebidos pelos

autores do turismo, como estes descritos por Biderman (2004, p. 2) entende que

[...] além do aprimoramento pessoal e do efeito transformador a viagem espiritual tem um aspecto de confirmação. No caso do peregrino religioso, ajuda a revigorar a fé que professa. Quando não é um fiel, o viajante vai em busca de uma identidade que não sabe muito bem qual é [...] a sociedade de hoje, por desfazer as tradições que vinculavam as pessoas, deixou-as ‘desencaixadas’. Isso produziu uma camada de 'buscadores' atrás do conhecimento de si próprios e de outros sistemas de pensamento como alternativa aos valores liquefeitos da modernidade.

Entende-se que esses valores que compunham as tradições talvez estejam

sendo procurados no turismo, visto que usa de estratégias que levem as pessoas a

‘encontrarem-se’ nestas estratégias de marketing, como aquelas relacionadas à

sacralização do turismo descritas por Auon e indicadas nas páginas desta Tese.

65

Steil (1996) percebeu um aspecto que parece ser inerente aos espaços dos

santuários brasileiros. Isto é,

[...] manifesta-se aí, na variedade de discursos, muitas vezes contraditórios e competitivos, anunciados por romeiros, moradores, dirigentes, uma grande ‘polifonia’, onde não apenas as visões e ritos de cada uma destas categorias, mas também os mútuos ‘desentendimentos’ entre elas e as formas como cada um interpreta as ações e os motivos das outras, fazem parte do culto (1996, p. 58).

Pode-se perceber claramente nesta afirmação que o autor captou a miríade

de discursos colocados lado a lado no santuário, cada um deles servindo a um

determinado grupo, não necessariamente de fiéis, e que poderiam responder às

colocações de Biderman (2004) quanto à busca de identidades, acompanhadas por

Fernandes e percebidas por Steil (1996).

Nascimento (1999, p. 2) tem como pressuposto que “a romaria não deve ser

considerada uma ‘sobrevivência’ do catolicismo tradicional ou ‘rústico’”, pois entende

que não se observa, principalmente no Brasil, uma diminuição ou decadência destas

festas e romarias populares. Pelo contrário, naquelas que acontecem em santuários

e centros de devoção - Trindade (GO), Aparecida do Norte (SP), Nossa Senhora da

Penha (RJ), Pirapora do Bom Jesus (SP), Senhor do Bomfim (BA), o que se percebe

é uma gigantesca congregação de fiéis. Para Nascimento25 (2002, p. 2) que

aprofundou analises sobre as romarias em Trindade (GO), é neste ambiente que

[...] se cria uma rede de sociabilidade que redimensiona as relações familiares e de vizinhança. Por um lado, nos pousos, a família se une num mesmo espaço, na barraca, para passar a noite ao final de cada dia da viagem. Cada família - que abriga uma família extensa, composta de uma ou várias famílias nucleares - dorme e come junto na mesma barraca. É uma situação peculiar em relação ao cotidiano, em que cada família nuclear possui a sua própria casa e, muitas vezes, a sua propriedade. Na romaria, as relações familiares intensificam-se e a convivência nas barracas permite uma aproximação espacial entre avós, pais, tios, filhos, primos, netos.

Em contrário, Moraes (2000, p. 2) parece não valorizar a compreensão de

profundidade, quando entende que não existe mais somente o peregrino de outrora,

pois, outros tipos de viajantes apareceram como conseqüência do cotidiano das

cidades, das necessidades impostas pela sociedade moderna que alteraram a

religiosidade das pessoas e as suas peregrinações. A seguir descreve as variações

de interesses encontrados nas peregrinações, coloca que o bem estar corpóreo

25 O santuário localiza-se na cidade de Trindade em Goiás, atraindo um público regional estimado em duzentas a 300 mil pessoas para a sua festa, que pode atingir visitantes vindos de Goiânia e Brasília.

66

supera os motivos espirituais “[...], sendo os problemas da alma colocados em

segundo lugar” (2000, p. 5). Indica que cada vez menos o espírito religioso se faz

presente nos ambientes das viagens, afirmando que

[...] podemos apontar que, a maior parte dos entrevistados [...], estava ali mais por passeio ou curiosidade e os outros, que vieram como peregrinos voluntários, não o fizeram por motivos ligados ao mundo espiritual, mas em busca de cura para doenças (2000, p. 5).

Continuando a análise das argumentações da autora, percebe-se uma gama

de possibilidades para interpretar os significados da afirmação sobre o mundo

espiritual. Analisando a posição dos autores como Moraes (2000), Costalonga

(2003) e Wernet (1999), estes se concentram em perceber nas ações simbólicas dos

fiéis, apenas as preocupações com o corpo físico. Utilizando novamente das

afirmações de Chauí de que é “mania desses intelectuais imputar aos explorados

uma alienação que é sua, como, por exemplo, quando falam numa cultura da

pobreza dotada de estoque simbólico restrito, decorrente [...] de experiência de vida

muito simples” (1982, p. 67), entendo que a alienação que ocorre nas percepções

dos intelectuais sobre o universo da cultura popular, passa a generalizar também o

universo dos autores do turismo. Também para Chauí “atribuir às [...] ordens

inferiores pobreza cultural serve, no mínimo, para avaliarmos a miséria dos

intelectuais” (1982, p. 67), sendo que essa percepção limitada se projeta sobre os

momentos festivos do ambiente religioso dos autores do turismo. Também a partir

de Durkheim tenta-se buscar outra explicação para essas percepções dos autores,

quando afirma (1996, p. 325), que em todas as sociedades humanas “ocorre uma

pausa, uma interdição dos atos característicos da vida cotidiana, da ‘existência

vulgar’, quando da realização dos momentos religiosos”. Ao autor (1996, p. 325),

[...] esse repouso não é simplesmente uma espécie de folga temporária que os homens teriam se concedido para entregarem mais livremente seus sentimentos de alegria que os feriados geralmente despertam, pois há festas tristes, consagradas ao luto e a penitência, durante as quais ele não é menos obrigatório.

Baseando-se nesta afirmação se entende que, qualquer momento fora do

processo religioso per se, são vistos como diversão ou profanas, pois, “é um fato

conhecido que os jogos e as principais formas de arte parecem ter nascido da

religião e que conservaram durante muito tempo um caráter religioso” (DURKHEIM,

1996, p. 415) e que, apesar do culto remeter outra direção, acaba sendo também

67

interpretado apenas como uma forma de recreação dissociada do religioso. Nesse

sentido algumas obras publicadas recentemente, como os artigos de Steil (2003a) e

(2002)26, bem como o texto de Álvaro Banducci27 relacionados principalmente a

Antropologia, fogem às formas convencionais observadas em autores do turismo,

isto porque esses dois autores entendem que a interação entre diferentes universos,

é repleto de significações construídas por grupos sociais, sendo, necessário

compreender o processo sociológico determinante28 que rege e as representações

simbólicas e as práticas religiosas dos fiéis. Banducci (2001, p.23) argumenta que,

[...] os teóricos do turismo, principalmente aqueles das ciências sociais, concordam com um aspecto: o turismo é um fenômeno extremamente complexo, mutável, que opera de múltiplas formas e nas mais diversas circunstâncias sendo difícil apreendê-lo, em sua totalidade, por meio de uma única perspectiva teórica ou mesmo de uma única ciência.

Indicando a construção teórica de Jafar Jafari (baseada em quatro diferentes

abordagens das ciências sociais sobre turismo: plataformas de defesa, de

advertência, de adaptação e a do conhecimento), Banducci indicou que enquanto se

preocupam em apontar os efeitos, quase sempre desastrosos, da implantação do

turismo em diferentes comunidades,

[...] esses estudos têm deixado de abordar o fenômeno em toda a sua complexidade, verificando, o modo como a população envolvida tem sido influenciada por outras instâncias do mundo globalizado e mesmo como têm pensado esse processo e elaborado as respostas ás suas investidas (2001, p.38).

Assunto bastante polêmico essa diversidade de percepções também ocorre

entre autores do turismo bem como nos autores que analisam os grupos de pessoas

que se denominam de peregrinos e sua fé.

26 Trata se do texto “O turismo como objeto de estudos no campo das ciências sociais” publicado em 2002 no livro RIEDL, M; ALMEIDA J.A; VIANA A.L.B. Turismo rural: tendências e sustentabilidade. Santa Cruz do Sul: EDUNISC. No texto o autor descreve o papel da Sociologia e da Antropologia na compreensão do turismo enquanto fato social, onde o turista aparece com suas singularidades, em oposição as formas tradicionais de interpretação dos significados do turismo. 27 A obra intitula-se BANDUCCI JR. A; BARRETTO M. Turismo e Identidade local: uma visão antropológica. Campinas: Papirus, 2001. Banducci é Doutor em Antropologia Social, professor e pesquisador em Ciências Sociais. No texto o autor aprofunda a discussão sobre os poucos trabalhos que produzem conhecimento, enquanto a maior parte deles apenas descreve os efeitos do turismo sobre as comunidades hospedeiras. 28 Entende-se que, caso não se aprofunde os significados sociológicos determinantes que influenciam e compõe o universo do catolicismo popular, se estará realizando uma descrição superficial de um fato ou acontecimento em si, como o fazem os estudiosos tradicionais do turismo, sem haver uma explicação completa sobre o mesmo, não o relacionando às estruturas sociais que o geraram e que o perpetuam num determinado grupo social.

68

Neste segundo grupo temos Christian Dennys Monteiro de Oliveira que

analisou o Centro de Apoio ao Romeiro (CAR), no Santuário de Aparecida,

composto por “[...] um local para grandes romarias, áreas de lazer e de alimentação

e amplos estacionamentos, com 720 lojas onde se pretendem ofertar principalmente

artigos religiosos para que o romeiro possa estruturar seu tempo de forma alegre e

descontraída”. Sobre as instalações físicas do local Oliveira (1999, p. 96) pergunta

se não são as “preocupações sociais no mínimo revolucionárias para quem está

estritamente preocupado com a especificidade do serviço religioso” (1999, p. 96),

pois, a primeira vista se percebe uma estrutura comercial imensa, com muitas lojas à

venda de artigos religiosos, o que pode parecer que os administradores estão muito

mais preocupados em comercializar mercadorias do que preservar e disseminar a fé.

Oliveira (1999, p. 100) identifica que, com as mudanças da instalação do CAR

haveria a criação de dois novos percursos para os visitantes: um com o objetivo de

cumprir suas obrigações religiosas, e que depois seguirá para um espaço profano,

que foi “organizado para atender às suas necessidades de lazer, alimentação,

higiene e consumo”. O segundo visitante ou turista religioso indicado por Oliveira,

vêem que “suas obrigações sagradas corresponderiam mais a um plano

contemplativo, relativizando ou restringindo muito sua identificação como romeiro”

(1999, p. 100). Aproveita-se dessa percepção de Oliveira para em contraposição

apresentar a informação que consta no livreto editado pelos padres Redentoristas

(que administram o santuário de Aparecida), do ano de 1981, onde, em quase 100

páginas, somente em uma única foi utilizado o termo turista, da seguinte forma: [...] Aparecida apresenta poucas opções para o turista. Para você, no entanto, e para quem visita a cidade como romeiro, guiado pela fé, Aparecida é tão rica em atrações e tão fecunda em graças, que é chamada de ‘capital da fé’ (MISSIONÁRIOS REDENTORISTAS, 1981, p. 27).

Oliveira (1999) entende que é inoportuna a coexistência do espaço profano no

ambiente religioso, porque, ao restringir o tempo gasto com as ações religiosas dos

romeiros em função de outros interesses, eles estariam deturpando as funções

originais do espaço religioso do santuário, ou então, ao aumentar a importância do

comércio, depreciariam os valores originais da fé. Essa percepção é bastante

comum nos autores do turismo, em argumentos relacionados às atividades profanas

nos ambientes religiosos, no entanto, utilizo-me da percepção de Durkheim que

indicou o surgimento dos momentos de festividades junto aos religiosos como parte

69

da impossibilidade da coexistência do profano e do sagrado ocorrer nas mesmas

unidades de tempo. Para Durkheim “não há religião, nem conseqüentemente,

sociedade que não tenha partes definidas que se alternam segundo uma lei variável

com os povos e as civilizações” (1996, p. 327). Durkheim também afirma que é nas

sociedades mais rudimentares, nas sociedades inferiores que ocorre uma mistura

dos cultos com a vida temporal, percebidos nas expressões e ações populares

relacionadas a uma ‘naturalidade’ em transformar todos os acontecimentos em

coisas sagradas, fato que poderia estar se repetindo em diferentes grupos sociais

(1996, p. 327).

Constatou também Oliveira (1999) que a cidade de Aparecida foi apenas

comunicada sobre o empreendimento e que o monopólio sobre toda a infra-estrutura

construída direta ou indiretamente ficou a cargo do santuário. Tal percepção está

relacionada a outro aspecto que transparece em Oliveira (1999) e em Moraes (2000)

que pesquisaram Aparecida - SP, como também em outros autores impregnados

com a necessidade premente do planejamento turístico nestes espaços (NOVAES,

1999): esquece-se que ali se desenvolve planejamento por parte das Congregações,

para uso dos fiéis nos santuários baseado nas estratégias impostas às

congregações por Roma, e este espaço é disputado pelos profissionais do turismo.

Tais estratégias das diferentes Congregações são muito anteriores a

quaisquer ações dos poderes públicos e do turismo, ou mesmo muito anteriores à

existência e implantação destes poderes, como é o caso do Brasil colonial e mesmo

durante o Império (como se observa nos itens 2.1 e 2.2 desta Tese). Poder-se-ia

incluir no rol de situações parecidas a essa ‘independência’ das Congregações aos

poderes públicos constituídos a recentíssima inauguração do novo e imenso

santuário de Santa Paulina em Nova Trento29 no estado de Santa Catarina, o qual é

localizado no interior do município, e, só passou a integrar o Plano Diretor após

alguns anos de instalação das movimentações de visitantes. Novaes (1999, p. 125)

em texto que analisa mais profundamente a cidade de Nova Trento – SC, discorreu

sobre a importância de haver proximidade dos interesses da Congregação e da

comunidade, porém, ao citar a definição de turismo de Andrade,

29 O santuário de Santa Paulina localizado na cidade catarinense de Nova Trento distante 80 quilômetros de Florianópolis está relacionado à primeira santa brasileira Amábile Lucia Visintainer. Foi construído com dinheiro da Congregação e com a ajuda dos fiéis, sendo inaugurado em janeiro de 2006.

70

[...] o conjunto de atividades com utilização parcial ou total de equipamentos e a realização de visitas a lugares ou regiões que despertam sentimentos místicos ou suscitam a fé, a esperança e a caridade nos fiéis de qualquer tipo ou em pessoas vinculadas a religião,

anunciou os limites de sua percepção, delimitando também seu campo de atuação.

Ribeiro (2002, p. 3) num texto sobre peregrinações e romarias, a ausência da

discussão sobre o significado de turismo é percebida, pois a autora apresenta que,

[...] a institucionalização do turismo está intimamente ligada às peregrinações, que ao longo do tempo deram origem ao aparecimento das pousadas, hospedarias na beira dos caminhos, povoados, portos e cidades, onde os peregrinos podiam pernoitar, descansar e dispor de alimentação, bebida e até mantimentos para a continuação da viagem.

Para reforçar a afirmação anterior acrescenta Ribeiro (2002, p. 4) que as

viagens em busca de espaços para as manifestações da fé envolvem pessoas em

todo o mundo, e as empresas programam a implantação das estruturas turísticas,

havendo o desenvolvimento do planejamento bem como a recepção dos fiéis.

Porém, a autora não deixa claro como ocorre essa efetiva participação dos poderes

públicos e das empresas de turismo nesse processo, como, aliás, poucos autores o

fazem. Para Ribeiro (2002, p. 4), no entanto,

[...] de posse dessa realidade, a indústria do turismo intensificou o investimento nos centros de peregrinação através de ações diretas sobre a realidade local e do uso da mídia e do marketing para incentivar o fluxo de visitantes. A partir daí, algumas regiões começaram a investir em planejamento e obras para ampliar sua capacidade de recepção e proporcionar alternativas de lazer aos turistas.

Entende-se que as afirmações relacionadas à ‘indústria do turismo’ realizada

pelo autor não correspondem à efetiva realidade dos ambientes religiosos, isto é,

apesar do autor afirmar categoricamente ocorrer intensa presença do turismo nestes

locais, o que se vê é a ausência quase total de muitos dos elementos importantes do

turismo, como a hotelaria, os transportes, e principalmente a inexistência de pacotes,

talvez porque estes setores do turismo não tenham preocupações com as

motivações dos fiéis30. Aoun (2001, p. 16) argumenta sobre aspectos interferentes

nas motivações para as viagens e que talvez esses novos valores levem o homem à

busca dos novos significados da religiosidade através do uso das estruturas do 30 Apesar deste assunto não ser o foco desta Tese, após estudar diversos santuários católicos brasileiros constatou-se um enorme distanciamento entre os objetivos e as práticas das Congregações e a ausência de qualquer relação amistosa com empresas e agencias de turismo. O texto que indica sobre a pesquisa já foi citado anteriormente na Nota de Rodapé nº 1.

71

turismo, como,

[...] a complexidade da vida urbana moderna e a ressignificação de valores e ícones tradicionais da sociedade instituem como sinônimo da libertação desse cotidiano impassível o ‘culto das férias’, traduzido num tempo, embora específico e programado, como ‘sagrado’ e revestido de valor especial,

Porém, a autora só relaciona a movimentação de pessoas como libertação ao

cotidiano, principalmente do trabalho, em face de que “nos personagens do cenário

urbano e industrial [...], bem como de neuroses e inquietações, estamos o tempo

todo sonhando com as próximas férias e planejando-as [...]”(AOUN, 2001, p. 16).

Entende-se a afirmação da autora, quando diz que “ao se deslocar para o

lugar escolhido de suas férias, estabelece-se uma relação diferenciada com esse

novo espaço, compartilhando-o com novas pessoas e desfrutando de diferentes

experiências revitalizadoras” (AOUN, 2001, p. 16). Pode-se considerar essa

transmutação de espaços e tempos, em algo sagrado (como o é o ambiente

religioso), porém, tais identificações são características que tanto podem atender ao

lazer em oposição ao trabalho apenas, como também poderiam ser colocadas no

universo dos que se movimentam pela fé, mais do que no universo dos turistas.

Visto que os momentos de reunião pela fé são para muitos momentos sublimes de

trocas sociais, onde todos se tornam iguais ao abandonarem seus papéis dentro da

sociedade cotidiana, fato já indicado anteriormente na pax catholica de Roberto

DaMatta (1983, p. 55), pode-se então perceber uma igualdade pelo lazer através da

troca de ambiente, e ao mesmo tempo uma diferenciação, quando não ocorre efetivo

crescimento dos turistas diante de seu grupo de convivência, face essa experiência

ocorrer mais profundamente no individual do que no coletivo.

Continuando sua argumentação Aoun utiliza-se da categoria ‘lazer’ para

justificar a incorporação das férias, do tempo livre, e da aposentadoria como

resultado das conquistas da sociedade. O tempo livre seria (2001, p. 16-17) aquele

“dedicado espontaneamente ao descanso, à reposição das energias físicas e

mentais nas diferentes formas de recreio e entretenimento, segundo opção individual

das pessoas”. Em contínuo Aoun descreve que, “o ato de viajar também é entendido

como uma das expressões do lazer e como forma de ocupação do tempo livre das

pessoas, que ocorre geralmente nos fins de semana ou no período de férias [...]”

(2001, p. 17). Esta afirmação de Aoun colabora com o entendimento de que,

72

[...] no mundo contemporâneo, viajar pode ser uma ‘experiência religiosa’ sem necessariamente ter ocorrido num local considerado sagrado; uma ascese, um esforço capaz de produzir, mesmo que minimamente, uma transformação existencial, criando outros estados de afeto (AOUN, 2005, p.320),

Entende-se que essas afirmações (o tempo livre e o viajar) enfatizam aquilo

que considero uma das controvérsias das discussões teóricas atuais dos autores do

turismo: para esses o turismo está substituindo as formas tradicionais de lazer

através das viagens, assim, toma corpo à percepção de que o turismo se torna cada

vez mais uma necessidade para o bem-estar humano, quando percebem o turismo

como o lazer, gerados pelo tempo livre. Com esse sentido Aoun utilizou-se de

Marcellino (1995) que diz ser o

[...] tempo livre é uma categoria peculiar de tempo, [...], em que deixam de estar presentes o caráter obrigatório do trabalho ou da escola, o caráter instrumental das tarefas de manutenção doméstica, o caráter de descompromisso social, político, ou religioso (2001, p. 17).

Porém, o que não percebeu é que, se efetivamente nesta nova dinâmica,

tanto o turismo como o lazer vêm se desenvolvendo individualmente no Capitalismo,

então, as funções do deslocamento nos dois momentos seriam iguais; já no

ambiente religioso são motivado pela fé, visto que para muitos a religiosidade é

muito mais obrigação que diversão, onde não caberia o caráter de descompromisso

religioso. Continuando sua argumentação Aoun descreve acontecimentos

relacionados à ‘exemplos de andanças e perambulações’ (travessias marítimas, as

Cruzadas, as peregrinações a Santiago de Compostela, entre outras) relacionadas à

sociedade Ocidental, e que remetem aos antigos percursos do homem. Para a

autora, interessa o deslocamento em si na viagem, indiferente das motivações e dos

objetivos da mesma, pois afirma (2001, p. 28-29) que,

[...] em muitos outros momentos da humanidade, tivemos movimentos turísticos com variados objetivos, pois é notório que o homem sempre investiu no sonho de viajar, apresentando as mais diversas formas, seja como aquisição de novos conhecimentos, seja como descoberta de novas terras, seja como fonte de renda.

Novamente a autora se contradiz, pois, inicia a discussão citando a

Marcellino, o qual reforça que lazer (e, portanto, o turismo) não pode possuir o

caráter da obrigatoriedade em sua motivação, o que excluiria os objetivos como a

aquisição de conhecimentos, novas terras e fontes de renda.

73

Na esteira dessa discussão encontra-se Silveira (2003) que discute sobre a

ambigüidade do uso do conceito teórico de turismo e a possibilidade das

oportunidades de negócios advindos da movimentação de pessoas, quando

desenvolveu argumentações apresentando detalhes sobre essa ambigüidade

conceitual-teórica da utilização de uma categoria chamada ‘turismo religioso

popular’, indicando que o termo “tem alcançado uma enorme utilização, por parte

dos setores ligados a reflexão acadêmica sobre turismo, dos empresários do setor,

da própria igreja católica” (SILVEIRA, 2003, p. 142).

Entende-se que efetivamente ocorre essa disseminação desenfreada do uso

do termo, como também se concorda com a afirmação de que, “o termo é usado de

forma acrítica” (SILVEIRA, 2003, p. 142), e, indistintamente. Para o autor, a

utilização deslocada dos conceitos etimológicos de elementos como turismo,

religioso e popular, poderia ajudar a “constituir uma categoria que mapeie os

deslocamentos culturais [...]” (SILVEIRA, 2003, p. 141), talvez porque ele perceba a

dificuldade que espera ao pesquisador do turismo nos ambientes da religiosidade

popular. Também, o próprio autor utiliza-se do respaldo teórico de autores

reconhecidos no mercado editorial (DIAS 2002; SILVEIRA, 2003; SILVEIRA,

2003a)31, os quais servem de referência para quase todos os autores do turismo,

para afirmar que a categoria “emanada do mercado turístico, adquiriu foros de

conceito” (SILVEIRA, 2003, p. 144). Esse mesmo autor justifica uma linha de

análise interessante, que, porém, não foi aprofundada, quando afirmou que,

[...] há a necessidade de aumentar uma nova tessitura de conceitualizações, aumenta-se a ambigüidade e a imprecisão epistemológica de tantas categorias, acadêmicas e descritivo-estatísticas, como a que têm sido largamente utilizadas no mercado turístico, entre elas, o próprio termo turismo religioso (2003, p. 147).

De outro lado, entende-se, que, quanto mais estas categorias forem buriladas,

mais e mais se pode responder às interpelações dos deslocamentos culturais.

Entende-se também que, o autor baseando-se na utilização continuada de diferentes

terminologias por diversos autores (dentre os quais ele próprio), que pressupõe de

fato a existência destas, já na condição de categorias, deixou suas conclusões

confusas, devido às afirmações diversas que efetua, não permitindo perceber uma 31 SILVEIRA E.J.S. Turismo religioso: Mercado e Pós-Modernidade. In: DIAS R. SILVEIRA E.J.S. da (Orgs), Turismo religioso: ensaios e reflexões. Campinas, SP: ALÍNEA, 2003a, e, SILVEIRA E.J.S. Turismo e Consumo: A religião como lazer. In ABUMANSSUR, E.S. (org.), Turismo Religioso: Ensaios Antropológicos sobre religião e turismo. Campinas, SP: PAPIRUS, 2003b.

74

efetiva construção teórico-metodológica destas categorias de análise, como

pretendia. Gazoni encontra-se nessa condição, aceitando como referência para a

definição de turismo religioso a citada por Andrade, quando este indica ser o turismo

um “conjunto de atividades com utilização parcial ou total de equipamentos e a

realização de visitas a receptivas que expressam sentimentos místicos ou suscitam

a fé” (2003, p. 2). Concluiu de pronto, que, este movimento de pessoas vem

demandando “um conjunto de serviços indispensáveis que permitiriam ao cliente o

acesso e a permanência em um lugar sagrado, seja um templo, uma via ou outro

lugar” (GAZONI, 2003, p. 2).

Percebe-se que o autor usa o termo ‘cliente’ e que estes prescindem de

‘serviços’ para manterem-se em determinados locais religiosos. O autor admite

(2003, p. 2) que, na atualidade, a afirmação certamente é consenso entre autores do

turismo, mas que ainda não compõe as preocupações do mercado, devido que,

[...] a apropriação de elementos da religião, principalmente os santuários, como recursos para o desenvolvimento da atividade turística é passível de reflexão, apesar da complexidade de se envolver componentes aparentemente antagônicos como religiosidade e lazer

Dos vários autores mencionados até aqui, nenhum deixou transparecer essa

limitação antagônica do uso indiscriminado entre o lazer e a religiosidade, e Gazoni

o fez abertamente, percebendo onde ocorrem os choques devidos as motivações

das viagens. Sobre isso o Autor (2003, p. 3) entende que

[...] o turista difere do peregrino principalmente no que se refere à motivação. O peregrino é movido pela busca da satisfação e conforto espiritual, com a esperança de aumentar sua santidade pessoal, obtenção de bênçãos e curas especiais, enquanto o turista busca o bem estar, muitas vezes a preguiça, a satisfação de lazer, esta motivação recai no desejo de escapar das pressões da sociedade, mesmo que, temporariamente.

Tal afirmação do autor, por simples que possa parecer, compõe o cerne, a

essência do problema existente na análise da relação fé-turismo por parte dos

autores do turismo. Noutro momento, Gazoni afirma que “são raros os não-crentes

que conseguem ficar espiritualmente imunes à vibração ritual desencadeada pelas

grandes manifestações de fé [...]” (2003, p. 3), e que “o turismo vem se tornando um

meio seguro para tornar este contato acessível e real” (2003, p. 3).

Qual é a base teórica ou a experiência do autor para a afirmação realizada,

pois, não se consegue imaginar qual a capacidade da estrutura turística é evocada

75

para permitir aos não fieis participarem (espiritualmente) das vibrações religiosas

indicadas, pois, praticamente não existem empresas turísticas que atuem nestes

locais. Aoun pode nos ajudar a explicar porque os autores do turismo crêem nas

afirmações que fazem sobre as transformações dos ambientes da religiosidade em

locais turísticos, talvez, estejam baseando-se na premissa de mão-única, que vai do

turismo para a religiosidade para inverterem o processo, isto é, criam o mecanismo

de condução que vai da religiosidade para o turismo através da utilização de

símbolos e terminologia religiosa, visto que

[...] é o turismo vendendo o paraíso aqui na Terra, apoiado numa clara referência ao consagrado relato bíblico do jardim do Éden e com toda a carga simbólica que ele representa para o Ocidente. Portanto, a utilização, especificamente, de palavras, conceitos e referências provenientes do universo religioso demonstrou possuir força e competência suficiente para fixarem muitas das imagens utilizadas para vender produtos de consumo turístico (2001, p. 116).

Para reforçar a percepção dos valores que circulam na interpretação dos

elementos relacionados à administração de localidades que compõe o universo de

todos os autores do turismo em relação aos ambientes da religiosidade, utilizo-me

da afirmação de Aoun quando indica que “a imagem do paraíso de VIP Exame é

para ser consumida, para produzir deleite, nas formas mais diversificadas. No

paraíso de VIP Exame, o pecado nem existe, a culpa não é vivida, a serpente é

absolvida e a maçã é saboreada” (2001, p. 94). Isto é, os textos turísticos se utilizam

de palavras do universo religioso de forma despreocupada, aproximando esse antigo

mundo lingüístico ao nosso cotidiano moderno e pós-moderno, sempre buscando

dessacralizar as experiências dos fiéis, isto é, retiram dos rituais religiosos valores

que entendem não mais existir, fato que leva as percepções superficiais dissociadas

das realidades que pretendem atuar. Aoun (2001, p. 82) citando afirmação de Rocha

diz que

no mundo publicitário existe o que os autores da área chamam de ‘conjunto de valores eternos’, que vão do amor à felicidade, do mar à montanha, do pássaro ao tigre, da riqueza á alegria e estes valores são equacionados com os mais diversos produtos e em seguida são constantemente acionados.

Aoun citando a Vestergaard e Schroeder indicando estratégias do universo

ideológico da propaganda, informa que “essa relação de natural com a idéia de

natureza intocada, apoiada também em ideologias ambientais mais recentes,

76

transforma em mercadoria o paraíso, o santuário e também o templo, colocando-os

a disposição” (2001, p. 91). Andrade (1999 p. 28-39) aprofunda sua percepção sobre

a evolução do termo turismo, passando da Antiguidade até a atualidade,

descrevendo as ‘conceituações’ como sendo ‘etimológicas’, ‘funcionais’ e

‘estruturais’, nesse ínterim, apresenta a versão que, uma das primeiras tentativas

coordenadas de conceituação, relacionava as viagens turísticas com o lazer.

Dentro desta percepção, Andrade (1999), indicou que tais autores

enfatizavam que as “viagens para o cumprimento de deveres de piedade é ato

devocional e de fé; por isso obrigação moral impeditiva de finalidades turísticas, que

se baseiam no lazer e no descompromisso, jamais na meditação e na prece” (1999

p. 76). Argumenta que essa posição foi abandonada logo em seguida. Andrade

(1999, p. 76) descreve o turismo religioso como sendo,

[...] o conjunto de atividades com utilização parcial ou total de equipamentos e a realização de visitas a lugares ou regiões que despertam sentimentos místicos ou suscitam a fé, a esperança e a caridade nos fiéis de qualquer tipo ou em pessoas vinculadas a religião.

Logo a seguir o autor discrimina três ‘especificidades técnicas’ que “devem

ser observadas em trabalhos promocionais, calendários de eventos e outros

recursos de divulgação e de sistematização” (ANDRADE, 1999, p. 78). São elas:

1ª) quando alguém, por livre disposição e sem pretender recompensas materiais ou espirituais, viaja a lugares sagrados, o conjunto de atividades denomina-se romaria. 2ª) quando alguém visita lugares sagrados para cumprir promessas ou votos anteriormente feitos a divindades ou a espíritos bem-aventurados, o conjunto de atividades chama-se peregrinação. 3ª) quando alguém, empenhado em remir-se de suas culpas ou de seus pecados, de forma livre e espontânea ou por conselho ou disposição de líderes religiosos, se dirige a lugares sagrados ou a outros lugares, em espírito de arrependimento e compunção, o conjunto de atividades é designado como viagem de penitência ou viagem de reparação.

Complementando seu raciocínio Andrade (1999, p. 78) indica algumas

localidades onde,

[...] muitos outros lugares, marcados por devoções oficiais ou populares de religiões, são núcleos receptores importantes em termos de fé e, conseqüentemente, em termos de turismo, cujas dimensões – pela propaganda e pelo marketing – superam as manifestações da fé e as próprias motivações religiosas.

Aprofundando sua percepção, que se entende estar completamente errada,

continua afirmando “as notícias, o marketing direto e indireto e as ações de

77

promotores e comerciantes instalados nas microrregiões ou nos locais onde

acontecem os ‘feitos extraordinários’ acionam os agentes turísticos, que em geral, se

antecipam a qualquer medida ou manifestação de autoridades religiosas”

(ANDRADE,1999, p.79). Em contrário a isso, percebe-se que pouco ou nada da

estrutura turística age em prol do crescimento do turismo nos ambientes religiosos, e

se algum setor o faz, este é a mídia geral, porém sem, ou quase nenhuma ação

planejada.

Dias citando o Dicionário de turismo de Montaner, Antiach e Arcarons (1998),

afirma que turismo religioso

[...] é a atividade turística que consiste em realizar viagens (peregrinações) ou estadas em lugares religiosos (retiros espirituais, atividades culturais e liturgias religiosas, etc.), que, para os praticantes de uma religião determinada, supõe um fervor religioso por serem lugares sagrados de veneração ou preceituais segundo sua crença.

2.2 CRENÇAS RELIGIOSAS NO OCIDENTE: OS DESLOCAMENTOS RELIGIOSOS

Entende-se que os textos dos autores fazem sempre a referência que, existe

turismo religioso se as movimentações religiosas deixem de virem acompanhadas

de um contingente de sofrimento físico (não necessariamente dor física) como as

longas marchas e caminhadas, passar fome e sede, dormir mal, etc. elementos

presentes às movimentações religiosas do passado.

Consideram que a compulsória utilização de estruturas que não estejam

diretamente relacionadas com a fé (trens, rodovias, automóveis, caminhões, longas

caminhadas, compra de refeições, acomodações para pernoite, entre outras) passe

automaticamente a compor outros universos (entre eles o do turismo), sendo

necessário quase que por completo o abandono do uso dos termos como fiéis,

peregrinos e romeiros, etc. Como muitos fiéis desenvolvem outras atividades nos

mesmos ambientes (que os autores entendem estar relacionadas ao lazer) e,

intercaladas aos momentos da religiosidade como fazer uma visita a uma imagem ou

a um museu de ex-votos32 entre uma oração e uma missa, por exemplo, passam a

32 É comum encontrar-se nos santuários religiosos católicos um local onde são depositadas imagens pelos fiéis, tanto das esperanças como o resultado das graças alcançadas, junto aos santos de

78

ser considerados turistas em essência. No restante, existem autores do turismo

(NOVAES, 1999, OURIQUES, 2005, RIBEIRO, 2002, MORAES, 2000), que

perpassam estudos e análises pelo turismo que se desenvolve nos ambientes

religiosos ou da religiosidade católica popular, de forma limitada quase sempre

presos aos aspectos do planejamento (Custos, Segmentações de Mercado,

Demandas, etc.), e, da infra-estrutura (Hospedagem, Alimentação, Transportes,

etc.). Para essas análises, o conjunto de pessoas que se encontram nos ambientes

da fé, é, num ou noutro momento, consumidor de serviços e de produtos, não

importando outras características ou atividades que realizem.

Para responder a essas percepções pouco aprofundadas dos autores do

turismo, desenvolvem-se a seguir considerações que se entendem necessárias para

clarear-se a percepção sobre a cultura, a cultura simbólica e apropriação simbólica

que se realizam nos locais da fé da religiosidade católica popular. Para esta Tese se

entende por espírito religioso, um ambiente propício à meditação, com um clima

repleto de orações onde a introspecção rege as ações de cada um dos visitantes,

sendo que as visitações e as ações mantêm estreitos vínculos com a vida dos

santos e de seus milagres. Chauí (1986, p.83) afirma que “[...] nas religiões

populares o milagre é rotina simples, fidelidade mútua entre as divindades e os fiéis,

com ou sem ajuda de uma igreja ou de mediadores”.

Tentando demonstrar uma justificativa para a intensidade da popularização

dos milagres Chauí (1986, p. 83) indica que “os pedidos não são feitos porque se

escolhe uma via religiosa, mas se escolhe uma via religiosa, porque se sabe, no

presente, não há outra”. Complementa que

[...] por isso o milagre é de estonteante simplicidade para a alma religiosa popular (e afastado pelas teologias, que apenas o toleram nas fímbrias da religiosidade), pois o milagre é o que restaura a ordem predeterminada do mundo por um esforço de imaginação e da vontade (1986, p. 85).

Desde a Antigüidade a história está repleta de registros que indicam

diferentes referências sobre o deslocamento das pessoas relacionadas à fé, mas,

contrariamente disso, não ocorre consenso entre os autores sobre as origens desses

movimentos bem como as suas funções nos diversos grupos sociais em sua relação

com o turismo nesses períodos históricos.

devoção. Essas imagens podem ser desde bilhetes, recados e fotografias até reproduções de partes do corpo humano, casas, carros, etc.

79

Assim, visando colaborar com essa percepção a seguir são apresentados

autores de diferentes áreas do conhecimento através da apresentação de estudos

ligados a origens, transformações e significados para as palavras peregrino

peregrinação, romeiro, romaria, etc.

Dal Ri (2002, p. 29-38) em um texto que discute a origem e os significados

jurídicos da palavra cidadania, apresenta a evolução deste conceito que se

estabelece na história romana (enquanto Cidade-Estado), entre os séculos VI e V

antes de Cristo, indicando que naqueles momentos somente eram considerados

‘cidadãos romanos’, aqueles nascidos de ascendentes que fizessem parte das gens,

isto é, os antigos clãs romanos33, assim, todos aqueles que não estivessem dentro

dessa condição eram considerados peregrini.

Num segundo momento (quando Roma já era República) o significado de

cidadania modificou-se, incluindo a prerrogativa do casamento regular34 como forma

de aquisição dos direitos dos cidadãos romanos, através de uma das muitas leis

então vigentes. Uma delas dizia que um peregrinus (estrangeiro) podia ser

reconhecido como cidadão romano, se o casamento tivesse observado as leis

vigentes aos cidadãos daquele país.

Dal Ri (2002, p. 39) indica também que, quando Roma já havia dominado

militarmente boa parte do mundo da época, o conceito de cidadania se esvazia

“devido à extensão deste status a todos os indivíduos residentes nos diversos

territórios anexados pelo Império, realizado através do Constitutio Antoniniana de

212 a.C”, frente à pressão que estes povos realizavam constantemente em seu

apoio a manutenção das fronteiras romanas. O autor informa ainda que Justiniano

(482-465 d.C.) “o imperador do Império Romano do Oriente, ao eliminar da

legislação imperial o status de peregrinus e de latinus contribuiu ainda mais a esta

corrosão do civitas”35.

Ao encontro das palavras de Dal Ri, tem-se Salgado (2003, p.1) que informa

33 Segundo o autor, os antigos clãs romanos tinham suas origens rurais, isto é, nos primeiros momentos das tribos que a partir das suas aldeias, juntas construíram o Estado romano. As gens concentravam cada homem e mulher que derivavam de um ancestral comum, em linha paterna. Ser componente de uma gens era de caráter exclusivo como ter um só pai. 34 Entendia-se por casamento regular aquele que ocorresse de forma como a tradição exigia. Constituir esposa ou marido apenas, não atingia tal situação, caso um deles fosse peregrino. 35 Latinus indicava todos os povos que se localizavam próximos a Roma e que foram dos primeiros a ser dominados pela Cidade-Estado, os quais receberam a cidadania italiana. Civitas era a primeira forma de ordenamento jurídico da cidadania romana, criada posteriormente as legislações das gens originárias de Roma.

80

baseado nos Documento da Santa Sé sobre a Peregrinação de 2000, que

etimologicamente a palavra peregrinação

[...] é um vocábulo grego per-epi-demos (literalmente ‘estrangeiro’, ‘não residente’) definindo ao peregrino ou ao viajante casual. Em latim a palavra primitiva peregrinus se referia a pessoa que viajava por países estrangeiros ou àquela que não tinha direitos de cidadania. Surgiu como uma composição de dois vocábulos per-agros que descrevia a pessoa que caminha (passa) através do campo, fora do lugar de sua residência, longe de casa (peregre ‘no estrangeiro’, ‘fora de casa’).

Percebe-se o mesmo significado indicado por Dal Ri relacionados à

cidadania, ou aos residentes num local estrangeiro. Novamente Salgado (2003, p.1)

indica sobre as mudanças ocorridas nos significados:

o termo peregrinatio significa uma instância fora do país, uma caminhada, uma viagem, uma visita aos países estrangeiros. Na realidade foi tão somente no século XII quando o vocábulo peregrinatio começou a designar univocamente a prática religiosa de visitar lugares sagrados.

Di Bernardino (2002, p. 1138) afirma que o termo peregrinus no Império

Romano dizia respeito ao “estrangeiro, não cidadão romano, [...], a maior parte da

população de Roma era constituída de peregrini, vindos de países conquistados”. De

outro lado Di Benardino (2002, p. 1137) afirma que para o romano Eusébio o termo

peregrinatio no ano 300 d.C., indicava “todos aqueles que crêem em Cristo e se

reúnem aqui (em Jerusalém), de todas as partes do mundo [...]”. Isso exemplifica

como o significado alterou-se rapidamente em apenas alguns séculos.

Balbinot (1999), afirma que etimologicamente, o termo peregrino estava

relacionado com aquelas pessoas que se encontravam ‘per agros’, isto é, pelos

campos, fora do lugar de residência, transformando-se com o tempo em ‘aquele que

saía de sua casa ou de sua pátria’. Nos primeiros séculos do cristianismo o termo

peregrinus referia-se ao estrangeiro, em oposição aos ‘civis’, pessoas nativas,

aquelas nascidas no lugar. Para Scarvaglieri (apud BALBINOT, 1999, p. 77) o termo

peregrinus se origina no advérbio peregre (originalmente de ‘per’ e ‘ager’). Para Steil

(2003a, p. 30) a peregrinação “tem sua raiz etimológica relacionada ao aparecimento

do outro, do estrangeiro, que percorre caminhos por terras desconhecidas e

inóspitas”, e é “associado à idéia de um caminho ao encontro do outro, físico ou

espiritual” (2003a, p. 30).

Em concepção e entendimento mais atuais, Caselli diz que o significado das

palavras peregrino e romeiro, são “uma velha questão semântica” (1999, p. 129).

81

Pois, para ele, o romeiro é o peregrino que vai a Roma e, peregrino “é o que

abandona os lugares a si relacionados, os próprios hábitos e o ambiente afetivo para

dirigir-se com o espírito religioso, a um santuário ao qual ele escolheu livremente, ou

que lhe foi imposto pela indulgência” (1999, p. 129). Pode-se perceber na afirmação

de Caselli, que o elemento inerente ao peregrino é a movimentação física, o

abandono do local de habitação, porém essa movimentação é permeada por um

espírito religioso.

Para Bellinatti (1999, p. 20) a mudança dos Livros Canônicos redigidos no

século III, suscitou entre os religiosos um novo fervor litúrgico e o desejo de realizar

peregrinações a Roma que estava repleta de relíquias e mártires católicos, tendo por

objetivo a redenção e o perdão dos pecados. Esses primeiros movimentos de

grandes massas humanas em direção a Roma mostraram a necessidade de se

organizar espaços de acolhimento aos peregrinos, esta em parte sanada através do

surgimento de diversas associações (scholae) encarregadas de ajudar os devotos.

Para Salgado (2003, p. 1) peregrinação é definida como uma viagem

empreendida por motivo religioso, a um lugar que se considera sagrado (locus

sacre), para atuar de uma maneira especial diante de Deus ou outras divindades,

para realizar determinados atos religiosos, de devoção e penitência. Portanto,

entende-se que a motivação é o elemento que mais conta para o autor quando se

pretende desenvolver considerações acerca da movimentação dos peregrinos, e não

as estruturas que se desenvolveram paralelamente a esses movimentos.

Caselli (1999, p. 137), afirma que Veneza, cidade localizada ao norte da Itália,

servia de ponto de peregrinação, (bem como de apoio àqueles que demandavam a

Roma), entre os anos 1500 e 1800. Nesta cidade seguia-se um critério de

especialização no atendimento aos peregrinos, havendo hotéis que atendiam

apenas a italianos, a franceses, a flamengos e a alemães. Bellinatti cita a Erasmo de

Rotterdam que em seus ‘Colóquios’ apresentou as condições físicas e espirituais

daqueles locais dedicados aos peregrinos. Porém, afirmou que a esses serviços está

“faltando à demanda: cada um solicitava ou oferecia o direito da hospitalidade aos

do seu grupo” (1974, p. 57), indicando, portanto, um serviço disponível para poucos,

e se entende, não caracteriza o turismo moderno (a hospitalidade paga).

Atendo-se a estruturação das práticas religiosas Balbinot (1999, p. 77),

escreveu que a partir do século IV, com o final das perseguições aos católicos pelos

82

romanos, iniciam-se as construções das igrejas, muitas delas sobre os túmulos dos

mártires. O próprio imperador romano Constantino (que incorporou o catolicismo

como religião oficial do Império), mandou erigir enormes basílicas sobre as

sepulturas dos apóstolos Pedro e Paulo, sendo estas, referências de culto e motivo

para as peregrinações a Roma, principalmente em anos jubilares.

Segundo Piazzi (1999, p. 171), o termo Jubileu utilizado pelos católicos

lembra uma antiga tradição hebraica onde a cada cinqüenta anos, se suspendiam os

trabalhos nos campos, se cancelavam os débitos e se liberavam os escravos, sendo

que este termo era usado exclusivamente com sentido religioso. Apesar de

ocorrerem como parte espontânea da religiosidade dos primeiros católicos, as

peregrinações do Império Romano passaram a acontecer de forma organizada a

partir dos interesses da Igreja, através das peregrinações jubilares. Nestas

peregrinações a Igreja católica colocou em uso celebrações especiais, ligadas às

indulgências dos pecados cometidos, obtidas por meio das obrigações fixadas pelas

bulas papais. Estes benefícios obtidos pelas indulgências estavam inicialmente

ligados a muitas práticas religiosas, entre elas as visitas às basílicas ou locais de

sepultamento dos apóstolos Pedro e Paulo. Segundo o jornal L’Osservatore Romano

de 1974 aos peregrinos que se dirigiam a Roma foram redigidos diversos manuais

ou guias; no ano 540 existia o Notitia regionum urbis Romae, no ano 1000 existiam o

Itinerário Salisburguense, o Itinerário Malmesburiense e a Topografia Einsiedlensis,

assim como houveram diversos guias editados exclusivamente para os peregrinos

que se dirigiam a Terra Santa (BALBINOT, 1999, p. 112).

Di Bernardino indicou existir no século V o guia organizado por Euquério de

Lião, de “onde tiravam-se não apenas os itinerários, mas eram lidas em cada lugar

passagens adequadas, e cantava-se um salmo adaptado à circunstância e se

rezava” (2002, p. 1138).

Estes deslocamentos foram tão intensos, que Dante em sua famosa obra “A

Divina Comédia”, descreveu a torrente de peregrinos que se formou quando da

emissão da Bula Papal de Bonifácio VIII em 1300, originando diversas procissões de

devotos vindos dos arredores de Roma, de toda a Itália, bem como do resto do

mundo de influência romana da época (BELLINATTI, 1999, p. 21).

Bellinatti entendeu que a partir do século XV as peregrinações começam a

83

sofrer pesados questionamentos principalmente dos protestantes36 e humanistas.

Em contrapartida, Balbinot indicou que a esses questionamentos a igreja católica

através do Concílio de Trento reafirmou ainda mais os seus valores de veneração

aos santos e as suas relíquias (1999, p. 117). Descreveu a importância da

peregrinação e das penitências, mostrando como os pecados poderiam ser

redimidos por meio do deslocamento sofrido, em que cada peregrino segue

suportando pacientemente os trabalhos e as poucas comodidades do caminho

escolhido, aumentando desta forma a sua devoção pela imitação das ações dos

santos que venera. Houve também a exaltação a Virgem Maria (1999, p. 117).

Da Revolução Francesa até a atualidade, muitos dos significados da palavra

peregrinação transformaram-se ou desapareceram, porém, manteve-se a relação

entre peregrinação e deslocamento espacial. A palavra romaria é uma destas

transformações, pois para Balbinot (1999, p. 77) provém dos termos romerus,

romerius, romipeta ou romarius, nomes dados aos peregrinos que a partir do século

VI se dirigiam para Roma. Romaria, segundo Balbinot (1999, p. 77), transforma-se,

“com a formação das várias línguas nacionais”.

O termo foi assumido pela linguagem popular: romeo ou romipeto, em italiano;

romieu, em francês; romero em espanhol; romeiro, em português; romaign, romen

ou roam, em inglês.” Steil (2003ª, p. 31) acredita que o conceito ocidental de

peregrinação está relacionado ao que se escrevia sobre a Odisséia de Homero, ou

seja, “uma viagem cheia de dificuldades, marcada pelo sofrimento e pelo desejo de

alcançar o ponto almejado”; Para Sigal (apud STEIL 1996, p.168) “a peregrinação

como forma de penitência [...], se estabeleceu na Idade Média, especialmente no

período monástico céltico e anglo saxão, como um meio de controle da Igreja sobre

as peregrinações”. Sendo que para Sumption (apud STEIL 1996, p. 168) “eram as

que se faziam para Jerusalém e para São Tiago de Compostela, impostas a muitos

peregrinos como uma forma de punição para certos crimes seculares”.

O termo secular atualmente é utilizado para definir uma oposição da

comunidade ao controle praticado pela Igreja católica, ou, o desenvolvimento de

atividades sem o controle desta, isto é, crimes praticados pela população civil contra

36 O Protestantismo enquanto movimento religioso aboliu diversas manifestações praticadas pelo Catolicismo Romano principalmente aquelas relacionadas à valorização exacerbada da utilização de diferentes mecanismos na relação entre o homem e Deus, como por exemplo, o uso dos santos e de suas relíquias (santuários, imagens, medalhas, milagres, etc.).

84

a Igreja ou contra qualquer componente de uma ordem religiosa. Para Nolan e Nolan

romaria é apenas “uma especificidade das línguas espanholas e portuguesas

significando jornadas mais curtas ou pequenas peregrinações” (apud STEIL 2003a,

p. 33), que envolviam as participações comunitárias, combinando aspectos festivos e

devocionais.

Este sentido parece ser o mais popularizado no senso comum, fazendo-se

presente também nas considerações dos autores atuais do turismo quando tratam

de caracterizar aos deslocamentos religiosos ligando-os quase que exclusivamente

a movimentação física e a necessidade de utilização das estruturas turísticas. Turner

em extenso trabalho de análise das peregrinações ao redor do mundo, desenvolveu

interpretações múltiplas sobre movimentações nas diferentes religiões. Interessante

perceber que o autor não faz correlação entre as peregrinações e o turismo, isto é,

apesar de afirmar que “hoje, peregrinações, são vividas como outras formas de

atividades de lazer, organizadas, burocratizadas e sujeitas a influência dos

modernos meios de transporte de massa e comunicação, mediados o tempo todo

por agências de viagens” (1978, p. 37-38). Afirma ainda, que se encontrem

paróquias em procissão com seus estandartes caminhando para pequenos centros

de peregrinação, porém, “a maior característica da moderna peregrinação é a

mistura com o turismo, e envolve uma jornada maior, usualmente feita em modernos

meios de transportes, para santuários nacionais ou internacionais” (1978, p. 37-38),

A seguir, no próximo item continua-se a apresentação das informações sobre

as transformações na religiosidade popular, agora, ocorridas no Brasil, as quais se

entendem, levaram a diversas transformações da religiosidade popular, e, portanto,

das atividades realizadas nos santuários.

2.3 AS TRANSFORMAÇÕES DA IGREJA CATÓLICA NO BRASIL

Para compreender a realidade atual dos deslocamentos religiosos no Brasil é

preciso, antes de tudo, efetuar uma aproximação histórica destas movimentações.

Inicialmente, através da correlação de suas dinâmicas com as suas origens

eminentemente portuguesas (a maioria das devoções, o gosto pelas procissões, o

85

hábito das romarias e a crença nos milagres), como através da descrição das

ocorrências dos santuários como ponto alto das manifestações e das festas nos

diferentes locais do território brasileiro, pois estas sofreram diversas transformações

nestes 500 anos. Estas ocorrências foram subdivididas em dois momentos que

permitem uma maior compreensão e análise para a Tese: as transformações

ocorridas nos primeiros quatro séculos de religiosidade (oficial e popular), de 1500 a

1900 e estão identificadas e apresentadas no tópico 2.3.1. Neste tópico, se

descrevem as diferentes nuanças que caracterizaram e simbolizaram a

representação da fé. O segundo momento as transformações ocorridas nos últimos

cem anos, que vão de 1900 ao ano 2000, identificadas e apresentadas no tópico

2.3.2. Estão separadas, visto que, a Igreja, buscou neste período alicerçar a fé

popular noutros moldes quando comparados aos séculos iniciais, e, principalmente

recuperar o controle sobre esses locais, através da inclusão de mudanças, bem

como da negação de estratégias antes disseminadas.

Para Chauí essa resposta da igreja estaria colocada dentro da estratégia de

manutenção da sua universalização, evitando com essas ações cair para a condição

de individualização, isto é, esta individualização roubaria da igreja “a legitimidade de

valer igualmente para todos” (1982, p. 64), visto que ser uma instituição “lhe tiraria o

poder sobre os homens agora tomados universalmente como cidadãos e apenas

enquanto particulares como fiéis” (1982, p. 64).

2.3.1 Transformações nos deslocamentos religiosos brasileiros (1500-1900)

Oliveira (1985) desenvolveu seu estudo concentrando-se na visão da

estrutura religiosa da Igreja Católica na manutenção do status do Estado e das elites

brasileiras no período que vai de 1500 a 1960. Ao fazê-lo vai apresentando os

valores que são introduzidos ou abandonados pelo clero, sendo que essas

transformações descritas oferecem uma percepção sobre os diferentes valores que

contribuíram com a formação dos fiéis brasileiros, ligados ao catolicismo popular.

Oliveira define catolicismo popular como sendo “o conjunto de representações e

práticas religiosas dos católicos que não dependem da intervenção da autoridade

86

eclesiástica37 para serem adotadas” (1985, p. 113). Para Oliveira essas práticas

estabeleceram-se em face do tamanho físico do país aliado à ausência generalizada

do aparelho religioso (isto é, baixíssimo número de religiosos em contato direto com

o povo) desde o descobrimento em 1500 até o estabelecimento da República em

1889, momento decisivo na implantação de novas dinâmicas religiosas no Brasil

(principalmente a Romanização) (1985, p. 113).

Ainda para Oliveira (1985), os elementos do catolicismo popular

desenvolveram-se, principalmente, junto às capelas das irmandades, das confrarias

e das ordens terceiras, bem como nas capelas rurais administradas quase sempre

por leigos, sendo que estes assumiam a maior parte dos serviços religiosos como a

organização das festas ao santo padroeiro, as missas oficiais, os cultos, os funerais

e missas de defuntos, a ajuda mútua e a assistência médica. Para Oliveira, (1985, p.

115), no Brasil Colônia, para os fiéis a imagem do santo era importantíssima, pois

era através dela que se podia acessar ao santo e se sublimava o contato com Deus.

Outro aspecto importante estava em que “os santos estão ao alcance de qualquer

fiel, sem que intervenha alguma mediação institucional entre eles”.

E esta é uma das principais características do catolicismo popular que se

estruturou no Brasil desde sua descoberta e que perdura até hoje em muitos locais,

onde a religiosidade católica popular se expressa concomitante a uma discreta

presença dos padres. Essa proximidade física dos santos com seus fiéis davam e

dão a qualquer um o direito de conversar diretamente com o seu santo protetor,

independente dos respeitos aos dogmas e normas aplicadas pelo Clero (tome-se

como exemplo o Padre Cícero no sertão nordestino indicado na nota de rodapé

número 11, ou o exemplo de Frei Galvão de Guaratinguetá, cidade colada a

Aparecida, mas que não faz parte das estratégias católicas como Nossa Senhora).

Oliveira (1985, p. 114) indicou que “assim o catolicismo popular conhece uma

multidão de santos, desde aqueles oficialmente reconhecidos pelo magistério

eclesiástico, até os santos locais cujo culto não dura mais do que duas ou três

gerações”, desaparecendo, ou sendo substituído por outro. Oliveira (1985, p. 114)

afirma que neste período os santos são as representações fundamentais do

catolicismo popular, sendo dotados de poderes sobrenaturais, são tidos como

37 Autoridade eclesiástica é o corpo de agentes religiosos institucionalmente qualificados para a direção dos fiéis e dos trabalhos religiosos católicos.

87

capazes de influenciar o curso da vida e da natureza, bem como a relação entre

Deus e os homens se dá através da intermediação dos santos. Oliveira (1985, p.

131-132) entende que as aproximações dos fiéis com os santos de devoção

aconteciam principalmente nos santuários, que podiam ser locais de ocorrência de

algum milagre, passando às ermidas (onde viviam pessoas chamadas de ermitões

por haverem abandonado a vida mundana concentrando-se em orações e

penitências) e às capelas locais.

O autor indica que a dinâmica nestes santuários foram incentivados pela

renovação espiritual ocorrida em Portugal nos fins do século XVII, relacionadas a

uma valorização da meditação e da penitência; com o lema ‘padecer e amar’, tendo

como exercícios preferidos a via-sacra, a oração mental, com o uso eventual da

mortificação corporal pela autoflagelação. Azzi38 (1977) desenvolveu profundo

trabalho sobre o processo de implantação do catolicismo no Brasil, bem como as

instabilidades da relação das autoridades eclesiásticas com o povo, afirmando que o

[...] catolicismo popular ou tradicional a forma predominante nos primeiros três séculos de cultura cristã no Brasil, cujos principais aspectos são: construção de cruzeiros, oratórios e ermidas, constituição de irmandades, ordens terceiras e santuários, realização de romarias e procissões, ênfase no aspecto devocional em detrimento do sacramental e realização de festas religiosas (1977, p. 130).

Para o autor (1977, p. 130), “a romaria era um dos atos mais sagrados da

devoção popular, tida como um sacrifício: o de ir venerar o santo em sua casa. Uma

das expressões fundamentais da fé residia na promessa: pagar promessa era uma

das obrigações fundamentais do catolicismo popular”. Continua afirmando que “os

santuários constituíam centros de devoção para os quais os devotos seguiam em

romarias para a veneração do santo e cumprimento das promessas, ao lado do

santuário surgia, com freqüência, a chamada casa dos milagres, onde os devotos

deixavam os seus ex-votos como testemunhos das graças alcançadas”. Em

concordância a essa informação, Oliveira (1985, p. 135) descreve a “co-existência

de práticas religiosas católicas oficiais que convivem com valores auto produzidos

localmente, as quais podem até ser opostas”. Assim, observando-se diferentes

classes sociais participantes de uma mesma devoção religiosa, se encontrará

diversas representações e práticas religiosas dentro desta, cada qual moldada com 38 Riolando Azzi estudioso da religiosidade católica popular é um dos maiores estudiosos da evolução da Igreja católica brasileira possuindo muitas obras sobre a história da Igreja Católica.

88

elementos específicos de cada grupo social. Além dessa situação, Oliveira (1985, p.

135) apresenta a existência de um código moral operado no catolicismo popular

onde, a despeito do código jurídico oficial,

as transgressões a suas normas são punidas pelas sanções religiosas e pelas sanções sociais do grupo, que castiga os transgressores por meios simbólicos – como o rebaixamento do status social, a perda do prestígio, a vergonha – mais do que pela violência.

Entende-se que este código observado pelos fiéis é um aspecto bastante

importante a ser conhecido e dominado pelos estudiosos do turismo, para se possa

compreender às dinâmicas dos ambientes religiosos onde acontece também, não só

o turismo, pois conforme Durkheim (1996, p. 372-3) ocorre um estado de

dependência entre os seres sagrados e o homem, que se renova todo o momento que estes se reúnem para a solução de uma situação problema do dia-a-dia, e os problemas do cotidiano fortalece a relação dos homens com o sagrado e a imagem destes.

Soihet (2002) desenvolveu estudos sobre a Penha no Rio de Janeiro39,

concentrando-se em analisar o ambiente que se desenvolvia em torno da festa do

final do século XIX até os anos de 1920, com a presença de diferentes grupos

sociais, principalmente aqueles economicamente menos favorecidos (os homens

rudes e simples afeitos ao trabalho formidável de todos os dias, os populares, a

gentinha miúda da cidade). Completando a uma afirmação anterior de Oliveira

(1985), também Soihet (2002) apresenta a festa como decorrente da tradição

portuguesa presente na cidade, confirmando que no início, apenas os portugueses

participavam da romaria popular, mas que a partir do segundo quartel do século XIX

os negros tomam conta daquele espaço transformando-o em local de festa. É

naquele local, que, segundo Soihet ocorrem os primeiros ‘ajuntamentos de negros’,

que buscam dançar samba, batuques ou capoeira num processo que havia sido

iniciado pelos portugueses que cantavam fados e o vira, bem como consumiam seus

tradicionais alimentos nas barracas. Afirma a autora (2002, p. 345), que,

39 Nossa Senhora da Penha, no subúrbio da Penha no Rio de Janeiro é um famoso santuário que se estabeleceu sobre um rochedo de 65 metros de altura, com 382 degraus. A primeira imagem colocada no local foi em 1635 numa ermida mandada fazer quando o capitão Baltazar Abreu de Cardoso em homenagem a um pedido de ajuda seu a um ataque de serpente quando visitava o local, sendo que a atual igreja é do século XIX. É tradição ainda hoje ocorrerem shows de música popular e concursos de músicas de carnaval e festas populares bastante concorridas (SOIHET, 2002).

89

[...] durante a festa o local assumia características de arraial40 todo embandeirado, cabendo sua organização à comissão de festeiros da Irmandade41 da Penha. Constava de missa solene, cerimônia de benção, barraquinhas de prendas, jogos, comidas e vendas de medalhas.

Porém, também afirma que, “os devotos buscavam, em geral, cumprir

inicialmente a parte mais formalmente religiosa, assistindo a missa, celebrada de

hora em hora por toda a manhã e/ou efetuando o cumprimento de alguma

promessa” (2002, p. 346). Perceba-se que estamos no fim do século XIX e o maior

santuário carioca era administrado por leigos reunidos em Irmandades por afinidade

a um determinado santo, visto que esta era a prática usual em toda a história

daquele lugar, além disso, encontramos também uma gama de diferentes atividades

desenvolvidas pelos fiéis da época, muitas delas relacionadas ao mundo

considerado profano, isto é, em oposição ao sagrado.

Soihet (2002, p. 350-351) aprofunda sua argumentação em relação ao fato de

que a Igreja, após 1907, iniciou uma sistemática oposição sobre a forma como a

festa ocorria. Em primeiro lugar condenando os excessos cometidos pela massa

popular, depois, assumindo a condução do processo com a mudança radical dos

festejos com a submissão da Irmandade para com o Prelado local e depois com a

eliminação do jogo, das rodas de samba, da embriagues, entre outras limitações. Tal

submissão não se aplicou com tanta intensidade em todos os locais de expressão

da religiosidade popular, basta ver na afirmação de Nascimento (1999, p. 2) quando

diz que este, “reproduz durante os séculos de sua existência, o perfil característico

dos maiores centros brasileiros de devoção”. No santuário da Trindade reproduziam-

se as condições informadas por Soihet no Rio de Janeiro, tendo Nascimento

indicado que (1999, p. 2) “durante a festa, o local atrai uma multidão para visitar a

imagem, participar das missas e das procissões, além disso, há um gigantesco

comércio de ambulantes e barracas de comida e jogos”.

Estes elementos formam a dinâmica básica da relação entre fiéis e os santos

de devoção popular nos santuários, ocorrendo em todos os recantos. Oliveira (1985,

40 Arraial: lugar onde há festejos e aglomeração popular ou ajuntamento festivo de povo (Laudelino Freire, 1957, p.739). Pierre Sanchis na obra “Arraial: festa de um povo: as romarias portuguesas”. Lisboa: Dom Quixote, 1983, produziu diversas informações sobre as tradições das romarias realizadas em Portugal e que se estabeleceram no Brasil com a vinda dos imigrantes. 41 O termo Irmandade significava um conjunto de irmãos, uma confraria, liga ou associação (MAGALHÃES, 1955 p. 939) que se organizavam em função de sua relação com um santo de devoção. Elas assumiam quase todas as funções religiosas durante a ausência dos padres.

90

p. 279) em seu estudo sobre a relação direta da religiosidade e dominação de classe

indica que a partir de 1824 com D. Pedro I inicia-se uma reforma nas ordens

religiosas, visto que estas se mantinham fiéis aos superiores em Portugal

permanecendo dentro dos conventos ou próximos de suas paróquias apenas, e,

portanto, posicionavam-se contrárias a política do Estado - que era a de manter a

ordem do todo através da unidade religiosa.

Esta reforma vai se solidificar com a implantação do processo conhecido

como ‘romanização do clero’. Isto é, “moldar o catolicismo brasileiro conforme o

modelo romano onde eram valorizados a espiritualidade centrada na prática dos

sacramentos e o senso da hierarquia eclesiástica” (OLIVEIRA, 1985, p. 279). O autor

cita do documento produzido por Dom Macedo Costa redigido em 1890, denominado

‘Pontos da reforma da Igreja no Brasil’, que previa mudanças nas conferências

episcopais, nas missões, no clero, junto aos colonos imigrantes, nos seminários, nas

ordens, nas confrarias e nas dioceses. Uma das faces da romanização, segundo

Oliveira (1985, p. 288), foi o uso da substituição das devoções tradicionais nas áreas

urbanas, pelas novas devoções de origem européia, estratégia que trouxe a

substituição das antigas irmandades e confrarias (Santo Antônio, São Benedito,

Santa Bárbara, São José, Bom Jesus) por novas associações paroquiais ainda hoje

existentes (Sagrado Coração de Jesus, Imaculada Conceição, Sagrada Família e

São José) que atuavam profundamente junto aos fiéis. Isso explica diversas

situações que encontramos atualmente na realidade brasileira da religiosidade

católica popular: certos locais sofreram abandono oficial, outros passaram a receber

pesados investimentos pela Igreja. Schneider (2001, p. 34) ao descrever a história

do garoto Agostinho Marmo42 considerado santo pela população, identificou outra

estratégia, que foram as ‘Sagradas Missões’, “que se fez em base acentuadamente

moralista, dando ênfase às ‘verdades eternas’ do pecado, da morte e do inferno,

visando às reformas dos costumes do povo”. Segundo a autora,

[...] o ensino do catecismo foi difundido e o culto eucarístico promovido, assim como é intensificada a freqüente confissão e comunhão. A devoção do mês mariano é difundida, e também se introduz o costume das festas solenes de primeira comunhão (SCHNEIDER, 2001, p. 35).

42 Aprofundado na obra intitulada Memória e história: misticismo, santidade e milagre em São Paulo. São Paulo: T. A. Queiroz. 2001 onde apresenta a vida e o sofrimento nos poucos anos de existência do menino, bem como o processo de transformá-lo em santo, a despeito da oposição oficial da igreja.

91

Isso porque naquele momento o catolicismo popular era visto pelos

reformadores como que “eivado de paganismos e ‘imperfeições’, o catolicismo de

origem européia continuará, na Colônia, a mesclarem-se com elementos que lhe

eram estranhos, multifacetados, muitas vezes com a própria religião africana

transmigrada” (SCHNEIDER, 2001, p. 35). Os novos sacramentos que aos poucos

deveriam ser incutidos no povo aparecem, com efeito, neste caso do garoto Marmo,

pois quando da construção da biografia do menino feita por um padre, nela

constavam elementos que a Igreja considerava importantes como: o nascimento, o

batismo, amor e sofrimento, o mais belo dia na vida do menino (a primeira

comunhão), o devoto do menino Jesus e de Nossa Senhora, os quais seriam

utilizados para modificar as dinâmicas do povo, bem como retirar deles a

necessidade de transformá-lo em santo popular.

Por outro lado, Oliveira (1985, p.288) afirma que para controlar as áreas

rurais, imensas e dispersas pelo território, se fez uso do controle sobre os

santuários, locais de grande afluência e concentração popular, agregando também o

controle sobre as romarias: “procuram diminuir o seu número, só permitindo a

realização de romarias com autorização eclesiástica”. Isso porque,

[...] as razões encontradas para confiarem os santuários às congregações foram: combater as superstições e o fanatismo, catequizar, exercer o controle financeiro sobre as esmolas trazidas pelos romeiros destinando-as a obras prioritárias como seminários e moralizar as romarias.

Confirmando as contínuas transformações por que passou a igreja, Steil (1996)

ao analisar o ‘Relatório sobre as condições sócio-religiosas no santuário do Bom Jesus

da Lapa’ conseguiu resgatar as mudanças nas estratégias dos discursos da Igreja

frente aos fiéis e sua relação com o sagrado, baseados no Concílio Vaticano II43 e em

43 Ao ser iniciado o Vaticano II em outubro de 1962, a liturgia era na realidade um assunto prioritário, o primeiro assunto a ser discutido e, pode-se dizer também, o único assunto a ser discutido no Concílio durante o pontificado de João XXIII. Já que a Missa é o centro da liturgia, e a Missa é um sacrifício, tratou-se primeiramente da natureza do sacrifício em geral, depois de como ele entrou no Cristianismo e as intervenções do Magistério da Igreja em relação à missa até antes do Vaticano II (STEIL, 1996, p. 37). As orientações do Papa João XXIII sobre os objetivos do Concílio eram mais genéricas: "revestir o clero de novo fulgor de santidade", "instruir o povo nas verdades da fé e da moral", sem que se mencionasse nelas nenhum problema litúrgico. Em 5 de junho de 1960 João XXIII instituiu onze comissões preparatórias para estudar os diversos problemas da Igreja no mundo moderno. Havia uma Comissão Teológica, para examinar os problemas relativos à Sagrada Escritura, tradição, fé e costumes; e outras para os bispos e governo das dioceses, disciplina do clero, religiosos, sacramentos, liturgia, seminários, Igreja Oriental, missões, apostolado dos leigos, meios de comunicação (STEIL, 1996, p. 37).

92

oposição às práticas implantadas pelos Redentoristas44 no final do século XIX. Neste

documento, segundo Steil (1996), a Igreja se vê como parte importante da

sociedade e não apenas restrita ao santuário, passando a organizar ações de cunho

religioso que pudessem auxiliar diretamente nos destinos da sociedade brasileira.

Percebem-se aí as novas mudanças nas estratégias da Igreja, pois, se em 1890 os

Redentoristas provocaram diversas mudanças nas dinâmicas do catolicismo popular,

inclusive sobre as romarias, neste momento novamente o fizeram em função de

objetivos traçados por níveis hierárquicos superiores, provavelmente de Roma.

No Relatório o santuário é caracterizado como ‘um foco de ilusão religiosa a

prolongar indefinidamente certa mistificação do cristianismo’ que transforma de

forma reduzida “a religião a um comércio com Deus” apenas (STEIL, 1996, p. 263).

Apresenta-se uma nova estratégia para dessacralizar45 o espaço do sagrado do

santuário, destituindo dele todos os mistérios, principalmente pela desativação dos

mitos e das imagens como fontes de mistificação do sagrado, elementos até então

básicos na expressão da fé dos romeiros. Perceba-se que o ocorrido na Lapa

(indicado por Steil) vai se repetir em todo o país, em maior ou menor grau de

pressão. Em suma o novo pensamento era o de “destituir a peregrinação para a

Lapa de sua efervescência e intensidade místicas e inscrevê-lo dentro do conjunto

das práticas ordinárias do catolicismo oficial renovado”46 (STEIL, 1996, p. 263), o

qual valoriza outros elementos incorporados após o Concílio Vaticano II. Esse

aspecto precisa ser aprofundado no decorrer das percepções dos estudiosos dos

ambientes da religiosidade popular, uma vez que é a partir dessa política que as

atividades e os significados das ações dos fiéis se transformarão, bem como a

evolução dos santuários. Tome-se como exemplo Bom Jesus de Iguape (SP), que

não sofreu esse processo de dessacralização com a mesma intensidade, ou memso

de renovação tão acentuada.

44 Os Padres Redentoristas alemães entraram no Brasil no final do século XIX (1894). A eles foi dada a administração de diversos santuários, como o da Lapa na Bahia, do Pai Eterno em Trindade, Goiás ou o de Aparecida em São Paulo, uma vez que sua fama era de bons administradores de santuários. 45 O significado do termo dessacralizar é bastante amplo, porém popularmente pode dizer que significa tirar o poder sagrado de alguma coisa a que se dava o valor de sagrado. Este processo colocado em curso nos santuários objetivava que as Congregações tomassem as rédeas das mãos dos fiéis e das irmandades. 46 O catolicismo renovado permitiu fazer com que os diversos grupos que se denominavam católicos, mas que não satisfizessem as exigências e dinâmicas do clero pudessem participar das atividades religiosas nos santuários. A esses devemos somar os que valorizavam os relatos bíblicos, os valores e princípios morais, os mitos católicos e milenaristas, os santos e heróis do catolicismo colonial, as visões de mundo tradicionais e secularizadas, etc. (STEIL, 1996, p. 57 e 272).

93

Para Bauman (1999, p. 90) a explicação à instalação da dessacralização pelo

esvaziamento simbólico se estabelecer na sociedade atual, e, portanto, também na

religiosidade, está em que “a cultura da sociedade de consumo envolve, sobretudo o

esquecimento, não o aprendizado”. Eliade (1992, p. 45) ao descrever sobre a

dessacralização da morada humana como uma etapa das transformações religiosas,

afirma categoricamente que o

processo faz parte integrante da gigantesca transformação do mundo assumida pelas sociedades industriais – transformação que se tornou possível pela dessacralização do Cosmos, a partir do pensamento científico e, sobretudo, das descobertas sensacionais da física e da química.

Para Bauman (1999), com efeito, quando a espera é retirada do querer e o

querer da espera, a capacidade de consumo dos consumidores pode ser esticada

muito além dos limites estabelecidos por quaisquer necessidades naturais ou

adquiridas; também a durabilidade física dos objetos do desejo não é mais exigida.

Assim, para Bauman (1999, p. 90) o que vem ocorrendo no turismo em geral é,

[...] uma relação tradicional entre a necessidade e sua satisfação, que é revertida na promessa e na esperança de satisfação, as quais precedem à necessidade que se promete satisfazer e serão sempre mais intensas e atraentes que as necessidades efetivas.

Entende-se que este fato não está comportado pelo todo do universo dos

deslocamentos religiosos pela fé, ou mesmo do universo dos turistas nos locais de fé

e que, portanto, exige dinâmicas mais específicas do que a satisfação daquelas

necessidades supridas pela estrutura turística a um turista. É importante perceber

que o santuário de Aparecida no estado de São Paulo47 foi o precursor da

implantação do controle dos padres sobre as movimentações religiosas populares,

por dois motivos.

O primeiro relacionava-se a sua localização geográfica, porque fica muito

próximo das cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. Para entender-

se o segundo motivo, porque Aparecida (e não um dos muitos outros santuários

47 A história do santuário começa com os pescadores que encontraram a imagem da santa nas águas do rio Paraíba. Aparecida passou por diversas etapas desde que em 1740 foi construída a primeira capelinha erigida próximo ao porto de Itaguaçú, após em 1745, construiu-se no morro dos Coqueiros uma capela em homenagem a Conceição Aparecida, sendo que esta foi ampliada entre 1760 e 1770 (Almanaque de N. S. Aparecida, 2004, p. 156). A atual Basílica, também chamada de ‘basílica nova’ foi construída em um novo local que permitiu aumentar consideravelmente o número de fiéis (in: Jornal do Brasil Caderno Roteiros da Fé. 11.09.2000, p. 27-8).

94

espalhados pelo país) foi escolhida para a implantação da renovação, utiliza-se

novamente de Fernandes (1994, p. 107) que fez um pequeno histórico indicando

que isso ocorreu em face que “Nossa Senhora da Conceição tem sido a Padroeira

de Portugal e de seus Domínios Ultramarinos desde 1646, por um ato de D. João IV.

Ela foi confirmada como Padroeira do Império brasileiro por D. Pedro I”.

Efetivamente Aparecida conseguiu manter seu poder diante dos outros

santos, pois que “foi coroada em oito de setembro de 1904”, e, em “1930 o Papa Pio

XI declarou Nossa Senhora da Conceição Aparecida a Padroeira do Brasil”

(FERNANDES, 1994, p.107). Referindo-se às mudanças implantadas no santuário

de Aparecida, Fernandes descreve as transformações administrativas do local,

indicando que somente a partir de 1900 é que se estabeleceram as romarias

episcopais no país, dentro de uma política de promoção de romarias populares, mas

com controles exclusivos dos padres redentoristas alemães, instalados no local a

partir de 1894. Segundo o autor, antes disso existe apenas o registro de uma

romaria organizada por padres da Igreja, é de 1873 e, “foi dirigida pelo padre de

Guaratinguetá, a cuja jurisdição pertencia o santuário” (FERNANDES, 1994, p. 123).

Ainda, segundo o autor, nesta data as romarias independentes completavam

100 anos de existência, demonstrando que o povo em geral, independente dos

controles oficiais mantinha-se em constante visita ao local, uma prova da longa

existência dos deslocamentos religiosos populares. Deve-se perceber que dentro da

estratégia de elevar os santuários ligados à figura de Nossa Senhora (em suas

diversas possibilidades), houve um demérito em relação aos outros santuários,

mesmos àqueles mais antigos e mais tradicionais na atração dos fiéis brasileiros,

como foi o caso de Guaratinguetá, Iguape, os quais passaram a ser vistos como

retrógrados e ficaram estagnados quando se observam as estratégias e as ações

das congregações, tal qual se vê no crescimento contínuo e descomunal que

ocorreu e ocorre em Aparecida.

Alves (2005, p. 172) confirma as informações relacionadas ao Reino e as

Colônias portuguesas, bem como sobre D.Pedro I, indicando também que, face aos

problemas religiosos regionais que vinham ocorrendo no final do século XIX e início

do XX (Canudos, Contestado, Juazeiro), e, mesmo “descontente em relação à

ideologia do governo, neste período a Igreja emprestou as suas forças para auxiliar

o estado na manutenção da ordem, já que o messianismo atingia diretamente o seu

95

poder sobre as almas”, objetivando com isso evitar a dispersão de forças religiosas,

através da escolha de Maria.

2.3.2 Estratégias da Igreja Católica com relação aos deslocamentos religiosos

brasileiros (1900-2000)

A seguir desenvolvem-se algumas considerações relacionadas a mudanças

ocorridas nos espaços dos santuários brasileiros onde as dinâmicas das

congregações religiosas continuaram a se transformar, e, portanto, continuaram a

interferir nas dinâmicas dos deslocamentos religiosos.

Para compreender a situação atual das orientações de Roma aos

deslocamentos religiosos e a relação entre os representantes das congregações dos

santuários e os representantes dos poderes públicos, bem como os empresários do

turismo em geral, deve-se perceber alguns aspectos relacionados à estruturação

recente da Igreja, com influência direta no mundo do turismo. Assim, para entender o

que vem ocorrendo nos espaços do sagrado nos santuários brasileiros, se deve

aprofundar ainda mais as percepções acerca das relações que se estruturam e dos

papéis concomitantes aos espaços profanos que se incorporam continuamente

nestes locais. Vários autores como Fagundes (2004), Fernandes (1994), Brandão

(1986), entre outros conseguem identificar diferentes ‘momentos’ que ocorrem

concomitantes nos santuários. Nascimento (1999, p. 2) entendeu que a reza é um

importante fator de sociabilidade, na qual os romeiros podem ampliar suas relações

sociais para fora do âmbito da intimidade familiar. A reprodução do modelo de

romaria em outras festas tradicionais da região do santuário de Trindade em Goiás

evidencia que essas manifestações do catolicismo popular estão sendo redefinidas:

elas incorporaram as novas modalidades de festividades modernas, mas, não

deixaram de ter como parâmetro a tradição e sua memória.

O autor sugere que, quando foi conveniente, essas festas trouxeram da

cidade elementos para uma re-elaboração das suas tradições, provenientes da zona

rural e vice-versa, numa troca permanente. Para Steil (1996, p. 57), Bom Jesus da

Lapa na Bahia possui muitos elementos sagrados, como

96

os relatos bíblicos, os valores morais, os mitos católicos, as orações oficiais e clandestinas, os santos e heróis do catolicismo colonial e moderno, as cosmologias religiosas e as visões de mundo tradicionais e secularizadas, entre outros, bem mais extensos que a racionalidade dos padres é capaz de abarcar” (1996, p. 57).

Tais elementos vêm gerando um universo muito grande de possibilidades,

tanto de vivência por parte dos fiéis, quanto de interpretação por parte dos cientistas

sociais. Porém, Steil (1996, p. 56) admite e justifica a existência de outros espaços,

afirma que, sobre a coexistência de diferentes interesses sobrepostos no espaço do

santuário da Lapa,

[...] os peregrinos parecem não ter a mesma preocupação que os dirigentes do santuário em diferenciar as devoções tradicionais e modernas, mas transitam entre elas a partir de uma representação do santuário que engloba todas as manifestações do sagrado que possam vir a surgir neste espaço.

Generalizando essa condição, entende-se que cabe a todos os cientistas

sociais que se debruçam sobre estes espaços de transição, tomar pé da situação,

evitando utilizar-se de expressões delimitantes em relação às formas de expressão

da fé e de as suas dinâmicas, ou comportarem-se criticamente sem a devida

compreensão do todo que pode ser multifacetado. Confirma Steil (1996) que

ocorreram muitas trocas simbólicas no santuário do Bom Jesus, inclusive mediadas

pelo dinheiro, e também por um comércio paralelo à fé, administrado tanto pelos

religiosos como pela população, fato que, como ocorre noutros santuários

brasileiros, e que motivam diversos momentos de tensão entre o poder público, os

religiosos e os comerciantes que convivem nestes espaços. Steil (1996, p. 82)

identificou essas diversas mercadorias presentes no Bom Jesus, como sendo:

[...] objetos religiosos (imagens rosários, estampas de santos, medalhas), brinquedos de plástico e bonecas, objetos decorativos para a casa, artesanato de couro, utensílios domésticos, ferramentas de trabalho, vestuário e calçados, aparelhos eletrônicos, armas de fogo, etc..

Cada um dos grupos participantes deste comércio possui seus argumentos

para fazê-lo, muitas vezes em detrimento dos outros, aos quais se imputam sempre

os problemas inerentes a uma ética que se baseia na contradição da fé com as

transações. Segundo Steil, para os romeiros o comércio é parte da festa, pois, levar

uma lembrança do santo “é uma forma de prolongar a presença do Bom Jesus no

seu cotidiano” (1996, p. 83). Os padres alegam que a loja financia a formação de

seminaristas, os moradores alegam que há muito estão lá instalados (muitas vezes

97

dentro das grutas), mesmo antes dos redentoristas e o poder público entende ser

naturalmente responsável pelo controle sobre o comércio em geral.

Segundo Steil (1996) para os romeiros, nestes momentos acontece a chance

de encontrarem uma grande diversidade de ofertas, ausente em seus cotidianos,

fato que estimula o desenvolvimento deste comércio. Para Steil (1996, p. 86), no

entanto, por mais que aos fiéis pareça ser a romaria uma forma tradicional de

manutenção da fé, estas vêm se transformando continuamente num ‘palco de trocas

culturais e de idéias. Um ponto de encontro de crenças ortodoxas e dissidentes, um

universo de difusão de costumes e valores antigos e novos, um lugar de transações

rituais e econômicas e uma arena de disputas de discursos seculares e religiosos

“[...] ainda que para muitos cientistas sociais, essa evolução das estratégias da igreja

e das dinâmicas dos fiéis não seja algo a considerar”.

Moraes (2000, p. 4) percebeu que essa situação ocorria nos fiéis de

Aparecida em relação às romarias, porém não soube aprofundar a percepção noutro

aspecto por ela indicado quando afirmou que

é importante salientar que o esvaziamento da dimensão simbólica não se deve apenas à forma de organização das romarias, mas também aos novos rumos da ação pastoral da Igreja após o Concílio Vaticano II. [...] preocupando em direcionar suas ações para a preparação dos peregrinos, em especial os sacramentos da penitência, eucaristia e evangelização.

A autora começou a responder os porquês dos fiéis estarem alijados,

segundo ela, da participação política, bem como, colocarem nas mãos dos santos de

devoção o seu destino e os seus problemas, porém isso não ocorreu com

profundidade. A mesma constatação foi realizada por Nascimento (1999, p. 2) ao

analisar o santuário da Trindade em Goiás, afirmando que

foi a partir do Vaticano II (1962 e 1965) que os padres do santuário passaram a fazer as celebrações sem interferir abertamente nas formas de religiosidade católica popular. Hoje a proposta dos padres está voltada somente para as celebrações nas igrejas, para as confissões e as procissões da penitência.

Nascimento (1999, p. 2) considera a romaria de Trindade em Goiás como

“uma prática que engloba a dinâmica do tradicional e do moderno, do religioso e do

secular, sem perder a sua especificidade. Romaria não é apenas uma manifestação

do catolicismo popular”. Para esta autora aspectos ligados a um estilo de vida

98

tradicional, que inclui o catolicismo rústico, persistem ao lado de outros novos,

ligados a uma cultura das cidades, na qual se aproxima a dinâmica dos santuários

especialmente durante as festas. Assim, ”a romaria mantém elementos tradicionais

dessa forma de devoção e, ao mesmo tempo, não está fechada nem vulnerável às

transformações que provêm de um mundo urbanizado” (1999, p. 2).

Enquanto aqui no Brasil, conforme indicado acima, os santuários continuaram

com seus problemas cotidianos em relação às formas e aos objetivos das

movimentações religiosas de seus fiéis, enquanto na Europa a Igreja católica buscou

aproximar-se dos elementos que compõe o turismo nos santuários, construindo

teorizações de objetivos e dinâmicas a serem implantados através dos

procedimentos emanados da Conferenza Episcopale Italiana48 (CEI) que,

interessada na situação peculiar do entrelaçamento intenso do processo de locomoção baseada na fé (romarias, peregrinações, etc.), mais as necessidades físico-espirituais advindas do deslocamento geográfico (planejamento turístico), criou a Diretório Geral para a Pastoral de Turismo49, que segmentou-se nos diferentes países sob a forma das pastorais do turismo” (CHRISTOFFOLI, 2004, p. 387),

Ou seja, através das estratégias e dinâmicas do turismo, pretende aumentar

ainda mais a disseminação dos valores religiosos. Isso faz perceber que muitos são

os interesses relacionados às ações da Igreja por meio das pastorais do turismo

européias, no contexto dos locais onde acontecem os encontros entre os visitantes e

as comunidades, fazendo crer que, essas ações pressupõem também objetivos

comuns, com os responsáveis pelo turismo, visando à observância de elementos

muito além do consumo em si, como por exemplo, os elementos humanistas.

Na Europa essas pastorais vêm desenvolvendo atividades ligadas à recepção

e acomodação dos peregrinos, incluindo a sistematização de locais relacionados a

48 A Conferência Episcopal Italiana (CEI) é um órgão da Santa Sé da Igreja Católica. Sediado em Roma possui diversas funções na estrutura organizacional, sendo uma delas a institucionalização de novas ações e políticas de turismo junto às diferentes Congregações. Como o turismo é percebido como um momento ímpar de reunião das pessoas, o CEI vem desenvolvendo intensas discussões, em diferentes instâncias da Igreja, na busca da utilização desses momentos para a sensibilização religiosa. Para isso a igreja vem formando quadros de trabalhadores com formação específica para o atendimento de fiéis e de turistas, com vistas a um aproveitamento das viagens com fins religiosos em todas as ações praticadas. São desenvolvidos eventos (seminários, palestras, congressos) com o fim único de valorizar o turismo dentro da perspectiva do CEI. 49 É o Departamento dentro da CEI que coordena diretamente todas as ações relacionadas ao turismo, desde a definição das políticas de ação, passando por eventos nacionais e internacionais (jornadas de formação de recursos humanos, por exemplo) ou até a edição de textos básicos e livros como os acima indicados.

99

esses serviços, assim como a definição das dinâmicas de distribuição e venda das

lembranças. Porém, a expectativa da Igreja é de que com esse incremento da

movimentação humana atual seria necessário que houvesse “a admissão no circuito

turístico de novos conteúdos e de novas aberturas na perspectiva da promoção

humana e da cultivação da espiritualidade, sem dúvida, impeliu o turismo a um

horizonte mais idôneo às complexas exigências do homem pós-moderno” (MAZZA,

2001a, p. 1).

Inicialmente a sistematização proposta pela igreja parece utilizar-se de

elementos relacionados às formas economicistas tradicionais de estruturação do

turismo, porém, com mais cuidado observam-se objetivos muito mais profundos,

onde estariam colocados aspectos como a fé e as necessidades físico-espirituais

dos visitantes, as quais vão muito além dos interesses e das ações dos planejadores

turísticos e não apenas o consumo pelo consumo, tanto de paisagens como de

povos (ou de religiões) como parecem ver os autores do turismo na atualidade.

Para Mazza (2001a, p. 1) “se trata de olhar com sério interesse a um turismo

inspirado em valores de humanidade e de espiritualidade capazes de aproximar as

expectativas das pessoas” com a proposta de férias não mais medidas

exclusivamente sobre modelos de puro consumismo hedonista, ou seja, aquele onde

o indivíduo pode intermediar e escolher as experiências que quer ter, desprezando

outras. De tal modo que a Igreja reveja seus atuais papéis diante dos usos

promovidos pelo turismo, e se transforme

[...] em sujeito cultural e não só sujeito cultuado ou de simples conservação do bem cultural, mas um organismo de produção de cultura e de pesquisa contínua de significados, inserida num movimento turístico no qual seja protagonista e não vítima sacrificada. Uma maneira de reagir a respeito da complexa e delicada questão do ticket-non ticket que ordena a regulamentação do fluxo turístico nas igrejas, a qual revela um incômodo de parte da Igreja no relacionamento relativo aos novos fenômenos de buscas culturais-religiosas de consumo turístico dos bens culturais (MAZZA, 2001c, p. 9).

Segundo Mazza (2001a, p. 3) pelo turismo a Igreja é interpelada a posicionar-

se, mais em relação à intensa movimentação de pessoas, do que os possíveis tipos

de visitantes a serem atendidos, pois, respondendo através da Pastoral do Turismo,

não são considerados grupos sociais ou tipos de turistas merecedores de atenção

especial, visto que é,

100

[...] inerente a um modo próprio da Igreja imersa em uma realidade turística, isto é, em relação a uma Igreja que entende anunciar e viver a fé, a esperança e a caridade sob um determinado e qualificado território turístico. Não é, entretanto, uma Pastoral por opção, mas um compromisso objetivo, que não pode ser descuidado, sob pena da diminuição da missão da Igreja como Igreja de Jesus Cristo, aberta e enviada para anunciar o evangelho ao mundo.

Diferenciando-se dos cuidados dados aos peregrinos pela Pastoral específica,

a Igreja afirma que as ações relacionadas às Pastorais do Turismo não atingem

apenas aos turistas, mas que:

[...] os destinatários são os residentes das comunidades turísticas, os hóspedes turistas ou aqueles em férias, os operadores e os trabalhadores no turismo, e as instituições que operam na organização, na promoção e no acolhimento do turismo. Para cada categoria de pessoas, busca-se uma ocasião, uma formulação, uma caracterização própria do anuncio da catequese (MAZZA, 2001a, p. 5).

Apesar da intensidade e da complexidade das argumentações teóricas50

sobre a inter-relação entre religiosidade e turismo, existentes nos documentos do

Departamento para o Turismo da Conferência Episcopal Italiana, não se observaram

nos santuários católicos do Brasil51, elementos que caracterizassem a implantação

de estruturas similares àquelas propostas pela CEI, nem mesmo era do

conhecimento dos administradores responsáveis pelas atividades. Observou-se, de

outro lado, a existência de inúmeras estruturas religiosas que desenvolviam

trabalhos afins nos santuários católicos, isto é, se não usavam a teorização da Santa

Sé, atingiam os mesmos objetivos de bem acolher, ouvir os pedidos e lamentos,

ajudar espiritualmente, consolar, independente se os visitantes eram fiéis ou turistas,

como é o caso da Pastoral do Turismo e do Lazer instalada em Florianópolis-SC,

(ARQUIDIOCESE DE FLORIANÓPOLIS, 2000), a única com essa nomenclatura que

encontrada na pesquisa, sem, no entanto se preocuparem, porém, com a

comunidade e com os operadores turísticos, por exemplo.

Dentro dessa inter-relação que os estudiosos do turismo brasileiros desejam

ver estabelecida entre a Igreja e o mercado, pode-se observar uma pequena

50 A produção teórica da CEI italiana é grande, atingindo diferentes segmentos relacionados às movimentações humanas, dentre elas o turismo. Os textos mais conhecidos dos profissionais do turismo que atuam junto a CEI são: Pastorale del turismo, dello sport, del pellegrinaggio: sussidio per um impegno ecclesiale, 1996; La presenza della Chiesa nel mondo del turismo. 2001; Fondamenti Del Pellegrinaggio: quando nasce, come se sviluppa, come si vive. 2001; Viaggiare, visitare e accogliere. Per um turismo dei valori. 2001; La Pastorale del Turismo e la Pastorale dello Sport. 2001; La ripresa dell’intersse ecclesiale. Tendenze per la Pastorale del Turismo e per il Turismo Religioso. 2001. 51 Observações realizadas durante a pesquisa ‘Turismo religioso e humanismo latino no Brasil’ para a Fondazione Cassamarca de Treviso na Itália, já indicada anteriormente.

101

cristalização através do livro intitulado Turismo religioso: Roteiros da Fé Católica no

Brasil, editado pela EMBRATUR em parceria com a Igreja Católica em 2000. Na

obra estão descritas sessenta atividades religiosas por todo o país, passando por

procissões, romarias, festas, encontros de oração, peças teatrais, etc., nelas são

indicadas diversas informações relacionadas aos eventos (cidade, data, estimativa

de público, formas de acesso, distâncias, organizadores e infra-estrutura turística).

Porém, o que mais chama atenção é o fato de que no item entidade organizadora,

consta quase sempre, a indicação de grupos religiosos que se preocupam com a

organização e execução dos eventos, e somente em alguns deles aparecem setores

públicos como Secretaria municipais ou Prefeituras na condução dos mesmos.

De outro lado, as possibilidades de inter-relação entre o turismo e a fé no

Brasil e descritas no livro, são infinitas, visto que, milhares destas festividades estão

dispersas pelo território. Basta ver que no livro editado pela Embratur são listadas

60. Destas, apenas algumas (Nossa Senhora em Aparecida, SP, Círio de Nazaré em

Belém, PA, Santa Paulina em Nova Trento, SC), ou seja, as maiores em número de

fiéis merecem quase sempre o destaque dado pela mídia, como também o é pelos

estudiosos do turismo em suas publicações. De outro lado também é fato que,

agindo dessa maneira os estudiosos do turismo apenas sobrevoam o universo da

religiosidade católica popular do Brasil, não conseguindo identificar características

comuns a muitos destes locais, levantando assim detalhes que são generalizados

para o conjunto da religiosidade popular, isso porque as possibilidades de análise e

interpretação concentradas em poucos lugares são limitadas.

Resta um universo imenso de eventos religiosos que não são conhecidos e

menos ainda interpretados, dentre eles bastam citar os mais populares como as

romarias diocesanas, as missões paroquiais, as novenas. Nestes locais certamente

os pesquisadores da relação religiosidade e turismo poderiam encontrar mais

elementos a disposição de suas análises, e assim talvez, poderiam melhor

compreender as características e as necessidades dessas pessoas, tanto em sua

relação com a fé e a religião, como em relação aos serviços e produtos do turismo.

102

3 OS DISCURSOS SOBRE TURISMO RELIGIOSO NO BRASIL

A seguir apresentam-se os autores escolhidos para aplicação do Discurso do

Sujeito Coletivo (DSC) sobre o turismo religioso nos ambientes da religiosidade

católica popular, utilizando-se a denominação de turismo religioso, por eles indicada,

como uma categoria já definida e aceita pelo mercado.

De outro lado, apesar do mercado turístico alardear ser o turismo religioso um

dos segmentos que mais cresce, só existe três livros editados no Brasil

especificamente sobre este tema, nos anos 2003 e 2004 (sendo dois deles

coletâneas).

Estas coletâneas apresentam um total de 11 artigos, dos quais apenas os

quatro escolhidos apresentaram elementos mais densos que permitissem sua

utilização nas análises realizadas abaixo. O elemento regulador das escolhas

concentrou-se na presença no texto do desenvolvimento de considerações, sobre

tópicos como: se eram ou não autores do turismo; categorias de análise utilizadas;

generalização das análises (em oposição a artigos focados em situações bastante

restritas, como foi o caso dos autores Maria Ângela Vilhena, Paulo Roberto Albieri

Nery ou Carlos Alberto Steil), presentes no livro de EDIN S. Abumanssur, Turismo

Religioso: Ensaios Antropológicos sobre religião e turismo. Campinas, SP: Papirus,

2003; bem como com os artigos de Osvaldo Giovannini Junior; Jeferson L. Gazzoni

e Haudrey Germiniani presentes no livro organizado por Turismo religioso: ensaios e

reflexões. Campinas, SP: ALÍNEA, 2003.

No Capítulo 3 são apresentadas análises de outras obras de autores que

estão também em uso no DSC, as quais perpassam o turismo religioso, porém,

muitas são trabalhos individualizados e apresentam eventuais discussões sobre o

tema, sendo alguns deles sem profundidade acadêmica, fato que fez provocar seu

deslocamento para aquele capítulo.

A seguir apresento, analiso e desenvolvo as análises do DSC sobre esses

autores, bem como a seguir desenvolvo considerações.

103

3.1 PERFIL DOS AUTORES ESCOLHIDOS PARA O ESTUDO

As obras analisadas de onde se retiraram os textos são: ABUMANSSUR, E.S.

(org.), Turismo Religioso: Ensaios Antropológicos sobre religião e turismo.

Campinas, SP: Papirus, 2003; DIAS R., SILVEIRA E.J.S. da (Orgs), Turismo

religioso: ensaios e reflexões. Campinas, SP: Alínea, 2003 e OLIVEIRA, C.D.M. de.

Turismo religioso. São Paulo: ALEPH. 2004. (Col. ABC do Turismo).

A análise metodológica do Método do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) a

seguir apresentada foi realizada com apenas quatro artigos encontrados nestas três

obras. Em todos se operou a dinâmica do DSC, onde se fez a transcrição literal das

expressões-chave e o desmembramento do seu conteúdo nas Idéias Centrais e das

figuras metodológicas contidas na Ancoragem, com os resultados apresentados nos

Quadros. Somente com este material nas mãos é que se organizou posteriormente a

discussão teórica com as figuras do DSC.

No tópico a seguir se apresentam os resumos dos currículos dos quatro

autores analisados, e numa pequena Ficha Catalográfica com a intenção de que se

possam conhecer os autores e sua relação com o tema estudado, suas áreas de

atuação e produção científica. Após, são apresentadas as ‘falas’ relacionado a cada

autor, a partir dos objetivos propostos pela pesquisa, com a respectiva discussão

teórica, sendo que os elementos retirados dos artigos são descritos em Quadros dos

Discursos lndividuais e após no Quadro dos Discursos Coletivos obtidos.

Optou-se por escolher textos destes informantes em função da

representatividade teórico-científica, uma vez que estes são as poucas publicações

existentes especificamente sobre o tema turismo religioso no país, bem como

porque a distribuição de suas posições e análises desenvolvidas nos dá uma

amplitude maior de percepção do universo das obras em questão.

Na separação destes documentos observaram-se quais os argumentos

identificados estavam relacionados à organização do turismo, nos seus mais

diferentes e abrangentes adjetivos (planejamento, organização, demanda estrutura e

serviços); e noutro grupo à interação religiosidade - turismo religioso. Realizou-se

essa aproximação e redução a dois termos, como forma de sistematizar a

apresentação dos resultados, visto que a profusão de formas de expressão

104

encontrados nas análises tornaria a sua descrição no todo, inviável.

1) CHRISTIAN D. M. DE OLIVEIRA

Ficha Catalográfica do Autor/Texto.

Turismo Religioso. São Paulo: ALEPH. 2004. (Coleção ABC do turismo).

Mestre e Doutor em Geografia Humana (USP), e pós-doutorado em Turismo

pela ECA-USP, lecionando em diversos cursos de turismo. O autor tem uma

produção científica concentrada na área da Geografia Humana. Autor de outros

artigos sobre turismo: visitação a santuários (2000); Turismo, monumentalidade e

Gestação (2003) e Basílica de Aparecida: um templo para a cidade mãe (2001).

O texto analisado compõe um livreto com 102 páginas organizadas num texto

único. O referencial utilizado como ancoragem do texto os elementos de gestão dos

espaços, com atenção a categorização dos locais, das atividades e das motivações

dos fiéis e turistas que se encontram nos locais religiosos, argumentando a inclusão

de atividades sob a ótica da sustentabilidade,

2) EDIN SUED ABUMANSSUR

Ficha Catalográfica do Autor/Texto.

Religião e turismo: notas sobre as deambulações religiosas. In ABUMANSSUR, E. S. (org), Turismo Religioso: Ensaios Antropológicos sobre religião e turismo. Campinas, SP: PAPIRUS, 2003.

Mestre e Doutor em Ciências Sociais (PUC) e professor no curso de Teologia

e Ciências da Religião, autor do livro: Moradas de Deus: Arquitetura Protestante e

Pentecostal. 1. ed. São Paulo: Editora Cristão Novo Século, 2005, além deste

analisado neste texto sobre turismo religioso.

Possui relação com as orientações e bancas com temas afins a diferentes

religiões, possuindo apenas uma pesquisa em turismo religioso, quando se

concentrou principalmente sobre Iguape - SP.

O referencial utilizado como ancoragem do texto é sociológico e

105

mercadológico ao mesmo tempo, pois os elementos mais valorizados são os

comportamentos e as trocas de papéis sociais que vem ocorrendo, transformando os

valores de diferentes grupos (os fiéis e os turistas), ocorrendo somente o turismo

religioso. A obra aprofunda-se apenas nos detalhes estatísticos, sobre o perfil sócio-

econômico dos romeiros e sobre os dados orçamentários do município.

3) REINALDO DIAS

Ficha Catalográfica do Autor/Texto.

DIAS R. O turismo religioso como segmento do mercado turístico. In: DIAS R. e SILVEIRA E. J. S. da (Orgs.). Turismo religioso: ensaios e reflexões. Campinas, SP: ALÍNEA, 2003.

É sociólogo, Mestre em Ciência Política e Doutor em Ciências Sociais

(UNICAMP). É professor no curso de Mestrado em Turismo (UNA-MG). O autor tem

uma produção científica concentrada na área das Ciências Sociais, sendo autor de

diversos livros no setor turístico como: Sociologia do turismo (2003); Turismo

sustentável e Meio Ambiente (2003); e Turismo e patrimônio cultural (2006), sendo

que o texto aqui analisado é o único com foco no turismo religioso..

O referencial utilizado como ancoragem do texto é eminentemente

economicista, pois são observados elementos motivações para a viagem, gestão de

produto, com atenção especial aos resultados advindos da atividade de lazer e a

religiosidade. Também realiza uma extensa segmentação dos santuários, a partir

dos seus atrativos predispondo-os a uma utilização turística.

4) EMERSON J. S. DA SILVEIRA

Ficha Catalográfica do Autor/Texto.

Turismo religioso, mercado e pós-modernidade. In: DIAS R. e SILVEIRA E. J. S. da (Orgs.). Turismo religioso: ensaios e reflexões. Campinas, SP: ALÍNEA, 2003.

Mestre e Doutor em Ciências da Religião (UFJF). Professor de Sociologia e

Antropologia no Turismo. Autor Turismo e consumo: a religião como lazer em

106

Aparecida. In: Edin Sued Abumanssur. Turismo religioso: ensaios antropológicos

sobre religião e turismo. (2003) e do livro Por uma sociologia do turismo, (2007)

O referencial utilizado como ancoragem do texto é ao antropológico, pois são

observados elementos de interação dos espaços religiosos por fiéis e turistas, com

atenção especial aos resultados das estratégias das congregações em oposição as

atividades e as motivações dos turistas.

3.2 A PRODUÇÃO ANALISADA

A seguir serão apresentados os componentes dos discursos retirados dos

textos analisados. Inicialmente estão colocadas todas as Expressões-chave

encontradas (colocadas a esquerda). Após, destas expressões construíram-se as

Idéias Centrais dos discursos, onde foram juntadas diversas expressões. A seguir

apresento a Ancoragem e os Discursos Individuais.

Nestes discursos, a ancoragem não é citada literalmente, mas, aparece em

todas as ‘falas’, demonstrando que o conceituar turismo ocorre a partir das poucas

discussões e reflexões ocorridas nos trabalhos de campo realizados pelos autores,

sendo possível avaliar que esta capacidade de se expressar e de saber como

conceituar o modelo que foi adotado nasceu das práticas de pesquisas realizadas

em algumas localidades brasileiras. Nesta investigação, os discursos expressos não

foram analisados de forma quantitativa, uma vez que a proposta era de compreender

e talvez explicar a representação sociocultural dos autores sobre o turismo nos

ambientes religiosos, apresentando de forma discursiva os sentidos e os significados

de um fenômeno que hoje faz parte do cotidiano dos mesmos.

FIGURA 1 - CHRISTIAN D. M. DE OLIVEIRA Documento – Livro de Christian de Oliveira Titulo: Turismo Religioso. Expressões – chave • Seria ele um conjunto de viagens – incluindo

motivações e serviços – marcadas pela oferta de atrativos religiosos ou pela demanda por divindades, bens sagrados e rituais?

• Compreendê-lo em seus elementos constitutivos, sejam eles místicos ou sócio-espaciais; visualizando sua lógica em lugares típicos, como os Centros de Peregrinação

• Idéias Centrais • Idéia 01 – Pólos de convergência (altares, templos,

santuários e cerimoniais), são responsáveis pela principal motivação do peregrino.

• Idéia 02 – Entre cientistas sociais ou mesmo

teólogos dispostos a observar o desenvolvimento turístico das localidades religiosas, têm sido comum

107

típicos, como os Centros de Peregrinação (principalmente do catolicismo popular do Brasil).

• O turismo vai manter e recriar velhos equipamentos eclesiais em uma nova roupagem de visitação.

• É fundamental, portanto, reconhecer que as idéias de fé e sacrifício, estão na origem do ato religioso que motiva uma peregrinação.

• Identificar o turismo religioso com os dogmas religiosos é quase tentar juntar água e óleo! A identificação deve, isto sim, pautar-se pelo contexto devocional; por aquilo que denominamos de religiosidade: a maneira como a cultura religiosa é geograficamente vivenciada.

• Turismo religioso, como uma peregrinação contemporânea motivada por celebrações relacionadas direta ou indiretamente com a cultura cristã. Trata-se de apenas reconhecer os limites cristãos ocidentais que vêm transformando a peregrinação em turismo para atender à modernização de suas sociedades, tão marcadas pela noção de secularização.

• Os destinos religiosos, enquanto pólos de convergência (altares, templos, santuários e cerimoniais), são responsáveis pela principal motivação do peregrino.

• Entre cientistas sociais ou mesmo teólogos dispostos a observar o desenvolvimento turístico das localidades religiosas, tem sido comum identificar as diferenças predominantes entre peregrinos e turistas, na busca e na relação com o santuário.

• Se o lado inconsciente (individual e coletivo) acaba preponderando na realização do turismo religioso, não podem os planejadores e agentes de turismo continuar ignorando essas dimensões. Dimensões complexas, mas também riquíssimas para a reordenação dos territórios simbólicos (santuários) em sua capacidade receptiva.

• Diante de tais exigências de infra-estrutura e modernização, como a Igreja ficaria indiferente à chamada indústria do turismo, com suas técnicas, instalações, sistemas? Eis a origem de uma seqüência de interações que tornam os roteiros, os espaços e as festas religiosas objetos tão sagrados quanto turísticos, permitindo que o turismo religioso seja praticado por um crescente e diversificado volume de peregrinos.

• Acontece que os espaços religiosos, por força de uma separação estabelecida pelos agentes católicos ou estudiosos da religião, são verbalmente desqualificados de seu papel turístico. Ao contrário da valorização internacional de Jerusalém, Roma, Lourdes e Fátima, uma infinidade de espaços religiosos brasileiros fica destituída de seu peso turístico,

identificar as diferenças predominantes entre peregrinos e turistas, na busca e na relação com o santuário.

• Idéia 03 – Se o inconsciente (individual e coletivo)

acaba preponderando na realização do turismo, não podem os planejadores e agentes de turismo continuar ignorando essas dimensões. Dimensões complexas, mas também riquíssimas para a reordenação dos territórios simbólicos (santuários religioso.

• Idéia 04 – O produto turismo religioso continua

restrito aos problemas conceituais que já relacionamos – quem opera esse turismo não é um profissional do setor, e o profissional acaba confundindo cultura e confissão religiosa.

• Idéia 05 – O Santuário Ritual é, portanto, um

santuário decisivo para a renovação técnica e simbólica do turismo religioso. Além de reconstituir-se nas áreas privilegiadas dos outros três, colabora diretamente para configuração do terceiro tipo de roteiro classificado a pouco como Roteiro de Espetáculo. Nele o turismo religioso tende cada vez mais a se diluir em outras denominações, mais ajustadas com a aparência do atrativo. Em contrapartida, para compreensão do êxito do evento festivo, é cada vez mais fundamental destacar os aspectos da religiosidade que o santuário reedita.

• Idéia 06 – As exigências de infra-estrutura e

modernização é a origem de uma seqüência de interações que tornam os roteiros, os espaços e as festas religiosas objetos tão sagrados quanto turísticos, permitindo que o turismo religioso seja praticado por um crescente e diversificado volume de peregrinos.

• Idéia 07 – De um lado, a capacitação dos

profissionais deve exigir forte grau de especialização para lidar com um conjunto de atrativos tão complexos; de outro, a experiência do turista religioso, no Brasil, deve superar as barreiras estabelecidas pela religiosidade que afirma a fé como um dom inato e absoluto.

• Idéia 08 – Ao contrário da valorização internacional

de Jerusalém, Roma, Lourdes e Fátima, uma infinidade de espaços religiosos brasileiros fica destituída de seu peso turístico, apenas porque uma cultura de preconceitos vinculou turismo a profanação.

• Idéia 09 – Caracterizado como um turismo de baixa

renda – pouco consumo per capita e grande participação popular -, o turismo religioso só seria sustentável quando mobilizasse volumes crescentes de visitantes. Daí a estratégia de se renovar progressivamente a força simbólica das graças

108

brasileiros fica destituída de seu peso turístico, apenas porque uma cultura de preconceitos vinculou turismo a profanação.

• O turismo religioso – e isso é essencial – não é de religiosos, nem de religião. É um turismo motivado pela religiosidade, pela cultura religiosa. Portanto, onde quer que essa cultura se manifeste – seja na área rural, natural ou urbana, seja no cotidiano ou em momentos festivos – poderá existir um turismo religioso (com ou sem profissionalismo).

• Quatro tipos de santuários (Naturais, Tradicionais, Metropolitanos e Rituais).

• Só se torna acessível ao turista – e ao turismo religioso inclusive – mediante um processo contemporâneo de demarcação, controle, monitoramento e publicidade dirigida.

• A urbanização, os meios de comunicação e de transportes transformam-no: Passa de santuário tradicional a metropolitano no decorrer da construção da nova Basílica, e modifica, por extensão, o característico de seus peregrinos como turistas.

• O Santuário Ritual é, portanto, um santuário decisivo para a renovação técnica e simbólica do turismo religioso. Além de reconstituir-se nas áreas privilegiadas dos outros três, colabora diretamente para configuração do terceiro tipo de roteiro classificado a pouco como Roteiro de Espetáculo. Nele o turismo religioso tende cada vez mais a se diluir em outras denominações, mais ajustadas com a aparência do atrativo. Em contrapartida, para compreensão do êxito do evento festivo, é cada vez mais fundamental destacar os aspectos da religiosidade que o santuário reedita.

• De um lado porque o produto turismo religioso continua restrito aos problemas conceituais que já relacionamos – quem opera esse turismo não é um profissional do setor, e o profissional acaba confundindo cultura e confissão religiosa. Resultado: acredita-se que no Brasil não existe turismo religioso porque nossos receptivos (os diversos santuários) dispensam mediações. Entretanto, as mesmas agências que operam internacionalmente admitem que um trabalho sério e profissional com um grupo de turistas em motivação assumidamente religiosa torna indispensável à ação de duas lideranças: o guia de turismo e o guia espiritual. Essa observação expressa o peso das mediações que o simbolismo religioso vai requerer, principalmente em função das exigências promovidas pelo sistema de turismo. De um lado, a capacitação dos profissionais deve exigir forte grau de especialização para lidar com um conjunto de atrativos tão complexos; de outro, a experiência do turista religioso, no Brasil, deve superar as barreiras estabelecidas pela religiosidade que afirma a fé como um

alcançáveis a todos que se dirigem àquela localidade santa. Portanto, quanto mais massificada a fé, melhor será a sustentabilidade do turismo religioso.

• Idéia 10 – Identificar o turismo religioso com os

dogmas religiosos é quase tentar juntar água e óleo! • Idéia 11 – O turista religioso faz tanta visita que – e

até por isso mesmo – não se sente mais turista, é como alguém de casa; assim como a divindade – por imagens, orações, pensamentos – também não é um estranho nos espaços cotidianos desse turista.

• Idéia 12 – Só se torna acessível ao turista – e ao

turismo religioso inclusive – mediante um processo contemporâneo de demarcação, controle, monitoramento e publicidade dirigida.

• Idéia 13 – Reconhecer os limites cristãos ocidentais

que vêm transformando a peregrinação em turismo para atender à modernização de suas sociedades, tão marcadas pela noção de secularização.

• Idéia 14 – Quatro tipos de santuários (Naturais,

Tradicionais, Metropolitanos e Rituais). O Santuário Ritual é, portanto, um santuário decisivo para a renovação técnica e simbólica do turismo religioso. Além de reconstituir-se nas áreas privilegiadas dos outros três, colabora diretamente para configuração do terceiro tipo de roteiro classificado a pouco como Roteiro de Espetáculo. Nele o turismo religioso tende cada vez mais a se diluir em outras denominações, mais ajustadas com a aparência do atrativo. Em contrapartida, para compreensão do êxito do evento festivo, é cada vez mais fundamental destacar os aspectos da religiosidade que o santuário reedita.

• Idéia 15 – Compreendê-lo em seus elementos

constitutivos, sejam eles místicos ou sócio-espaciais visualizando sua lógica em lugares típicos.

• Idéia 16 – Os destinos religiosos, enquanto pólos de

convergência (altares, templos, santuários e cerimoniais), são responsáveis pela principal motivação do peregrino.

109

dom inato e absoluto. • A medieval estratégia de confecção de objetos

e imagens de santos vem sendo superada pela moderna força da comunicação escrita associada à pós-modernidade do acesso eletrônico. Missas, cultos, terapias e sermões pelas ondas do rádio ou nas telas de tv, todos esses rituais disseminaram-se nos últimos vinte anos. Dificilmente encontraremos uma estrutura mais eficaz para o crescimento da motivação religiosa ao fazer turístico.

• Não se trata da religião do indivíduo, mas sim dos simbolismos religiosos que se transformam, assim, o turismo religioso pode ser uma expressão autêntica de espiritualidade.

• A reflexão nos mostrou que o turismo religioso se fundamenta na construção de santuários e na projeção de simbolismos. [...] demonstrou, assim, ser possível praticar turismo religioso sem vínculos confessionais.

• O turismo é sustentável na medida em que seus atrativos otimizam diversas frentes de desenvolvimento, principalmente o vetor econômico, com a devida conservação do ambiente natural. Para tanto, deveriam existir mecanismos capazes de impedir a multiplicação ilimitada de peregrinos e as alterações no entorno do espaço sagrado.

• A sustentabilidade, por este ângulo, dinamiza algo como um ecoturismo sagrado. Considerando o santuário natural como o modelo de atrativo religioso mais conveniente para o turismo, reconhece-se a sustentabilidade em função da máxima preservação das formas originais. Eis um caminho interessante, para a maioria dos santuário já modificados.

• Caracterizado como um turismo de baixa renda – pouco consumo per capita e grande participação popular -, o turismo religioso só seria sustentável quando mobilizasse volumes crescentes de visitantes. Daí a estratégia de se renovar progressivamente a força simbólica das graças alcançáveis a todos que se dirigem àquela localidade santa. Portanto, quanto mais massificada a fé, melhor será a sustentabilidade do turismo religioso.

• A familiaridade que une visitante e visitado no turismo religioso explica também a alta freqüência das viagens a santuários. Dessa forma, o turista religioso faz tanta visita que – e até por isso mesmo – não se sente mais turista, é como alguém de casa; assim como a divindade – por imagens, orações, pensamentos – também não é um estranho nesses espaços.

• A comunidade mais preparada para receber permanentemente o turista será aquela que emite seus próprios turistas para outras comunidades, seja porque suas lideranças crescem em experiência, seja pelo aumento da renda de seus habitantes. O que não se pode

110

continuar acreditando é que o desenvolvimento turístico de um lugar dependa só do fluxo de entrada de turistas ‘estrangeiros’.

Ancoragem • Fé. • Turismo. • Administração.

Discurso Individual • Peregrinos e turistas possuem as mesmas motivações, faltando aos profissionais do turismo desenvolver

estratégias de atração, bem como instalar infra-estrutura para que se possa atingir a sustentabilidade do negócio.

FIGURA 2 - EDIN SUED ABUMANSSUR Documento – Texto de Edin Sued Abumanssur Titulo: Religião e turismo: notas sobre as deambulações

religiosas Expressões – chave • O turismo religioso, como discurso, tende a

desconsiderar as motivações religiosas para a viagem e se concentrar no fenômeno do deslocamento, e, mais especificamente, na necessidade que esse deslocamento traz em termos de estrutura de transporte, hospedagem e alimentação.

• Acresce o fato de que as peregrinações modernas têm de ser entendidas em um quadro de referências onde o tempo do trabalho e sua contraface, o tempo do lazer, emolduram o ato de fé.

• A peregrinação pode ser vista tanto como fenômeno religioso quanto como fenômeno turístico.

• O turista religiosamente motivado é mais do que um trabalhador em férias. Ele é o foco de convergência de transformações no campo religioso, reunindo e resumindo em sua prática de fé as atitudes que reconfiguram esse campo e expressam as formas como a religião é vivenciada em nossa modernidade.

• É preciso reconhecer que tratar as peregrinações como turismo religioso só se tornou possível após o surgimento das massas de trabalhadores que desde a revolução industrial vêm conquistando, aos poucos, o direito ao lazer.

• O turismo religioso e o turismo de massa são crias siamesas de um mesmo processo histórico.

• O produto turístico religioso sofre a mesma padronização de oferta.

• O turismo religioso que se destina aos

• Idéias Centrais • Idéia 01 – A peregrinação pode ser vista tanto como

fenômeno religioso quanto como fenômeno turístico. O turismo religioso e o turismo de massa são crias siamesas de um mesmo processo histórico. Se o mundo do trabalho é condicionante do tempo de lazer e, consequentemente, do turismo, as viagens com motivação religiosa não ficam alheias a essa mesma determinação.

• Idéia 02 – O turismo religioso, como discurso, tende

a desconsiderar as motivações religiosas para a viagem e se concentrar no fenômeno do deslocamento, e, mais especificamente, na necessidade que esse deslocamento traz em termos de estrutura de transporte, hospedagem e alimentação. Se o mundo do trabalho é condicionante do tempo de lazer e, consequentemente, do turismo, as viagens com motivação religiosa não ficam alheias a essa mesma determinação. Acresce o fato de que as peregrinações modernas têm de ser entendidas em um quadro de referências onde o tempo do trabalho e sua contraface, o tempo do lazer, emolduram o ato de fé.

• Idéia 03 – Se há algo de religioso no turismo, se há

algo de turístico nas peregrinações, é importante saber como um e outro ajudam-nos na compreensão das vivências religiosas e, nesse caso, da religiosidade de um Brasil experimentado pelas classes populares. Nem todo turismo é uma forma de religião, nem toda peregrinação é uma forma de turismo. Mas, quando um turismo e religião convergem em um mesmo evento, temos aí um objeto fecundo de oportunidades de compreensão do fenômeno religioso. A peregrinação não se torna turismo religioso apenas pela ação ou tratamento dado a ela pelos agentes e

111

santuários nacionais é considerado ‘turismo de pobre’. Como regra, as romarias são organizadas de forma espontânea pelas pessoas interessadas.

• Embora o peregrino também se divirta em sua peregrinação, é o compromisso religioso que o faz relevar as condições precárias em que se dá a sua viagem e, inclusive, aceitar o desconforto como um componente religioso da romaria.

• Nem todo turismo é uma forma de religião, nem toda peregrinação é uma forma de turismo. Mas, quando um turismo e religião convergem em um mesmo evento, temos aí um objeto fecundo de oportunidades de compreensão do fenômeno religioso.

• A peregrinação não se torna turismo religioso apenas pela ação ou tratamento dado a ela pelos agentes e gestores do turismo ou pela administração pública, o próprio peregrino moderno comporta-se com um turista à mediada que a religião mesma se torna objeto de consumo.

• Desde a Idade Média o aspecto penitencial era o motivador da viagem, mesmo porque a noção de lazer como algo que se opõe ao tempo do trabalho é própria de uma sociedade organizada em torno das atividades produtivas.

• Se o mundo do trabalho é condicionante do tempo de lazer e, consequentemente, do turismo, as viagens com motivação religiosa não ficam alheias a essa mesma determinação.

• Essa relação entre religião e lazer é inventada e reinventada no cotidiano das práticas devocionais da população brasileira, em especial a de baixa renda. É essa promiscuidade entre religião, consumo e lazer, que nos possibilita o questionamento da religião com base em diferentes disciplinas.

• Se há algo de religioso no turismo, se há algo de turístico nas peregrinações, é importante saber como um e outro ajudam-nos na compreensão das vivências religiosas e, nesse caso, da religiosidade de um Brasil experimentado pelas classes populares.

pela ação ou tratamento dado a ela pelos agentes e gestores do turismo ou pela administração pública, o próprio peregrino moderno comporta-se com um turista à mediada que a religião mesma se torna objeto de consumo.

• Idéia 04 – O turismo religioso que se destina aos

santuários nacionais é considerado ‘turismo de pobre’. Como regra, as romarias são organizadas de forma espontânea pelas pessoas interessadas. Embora o peregrino também se divirta em sua peregrinação, é o compromisso religioso que o faz relevar as condições precárias em que se dá a sua viagem e, inclusive, aceitar o desconforto como um componente religioso da romaria.

Ancoragem • Turismo

Discurso Individual • A peregrinação é fenômeno religioso tanto quanto turístico, mediada pelo mundo do trabalho, assim, o

turismo religioso tende a desconsiderar as motivações religiosas da viagem e se concentrar no deslocamento e nas necessidades que este traz em termos de estrutura de transporte, hospedagem e alimentação.

112

FIGURA 3 - REINALDO DIAS Documento – Texto de Reinaldo Dias Titulo: IAS R. O turismo religioso como segmento

do mercado turístico. Expressões – chave • O turismo está diretamente relacionado com o

aumento do tempo livre. Por isso, utiliza-se de Jofre Dumazedier para uma discussão sobre tempo livre, lazer e turismo.

• As funções da vida de um indivíduo (necessidades e obrigações) onde segundo Dumazedier não se encontra o lazer, quais sejam: 1) o trabalho profissional; 2) o trabalho suplementar ou complementação; 3) os trabalhos domésticos; 40 as atividades de manutenção biológica; 5) as atividades ligadas aos estudos e 6) as atividades rituais ou ligadas a cerimoniais resultantes de uma obrigação familiar, social ou espiritual, colocando entre eles os ofícios religiosos.

• A terceira função do lazer leva o indivíduo a buscar o desenvolvimento de sua personalidade, conhecer o mundo e a si mesmo. Nesse sentido desenvolve o lado espiritual, busca o sagrado, como uma forma de romper com a vida material, profana.

• Não podemos afirmar que a vida espiritual seja um produto do tempo livre

• Para o peregrino, o deslocamento ao santuário ocorre devido estritamente a sua espiritualidade, vai á busca de um aperfeiçoamento, cumprir votos feitos anteriormente, pagar uma promessa, agradecer uma benção, o reconhecimento de uma graça recebida, a participação em uma festa religiosa importante, etc.

• Podemos considerar que a maioria das atividades de peregrinação está estruturada no tempo de lazer e pode ser considerada experiência de lazer

• O turismo, enquanto fenômeno econômico e social pode apresentar um número indefinido de vertentes dependendo das motivações do viajante para empreender a viagem

• O turismo abrange as viagens realizadas por motivos religiosos, pois, não importando a motivação, os viajantes fazem uso dos mesmos equipamentos, transportes e são gerados produtos e serviços para atender suas expectativas.

• Na maioria das localidades, onde existem santuários ou ocorrem manifestações religiosas, a infra-estrutura para receber os visitantes ainda é precária, muitas vezes devido à pouca compreensão do potencial econômico da visitação periódica.

• O viajante pode ter um envolvimento grande com o sagrado, mas continua a necessitar de descanso, alimentar-se e desfrutar de momentos de calma e relaxamento, pois sua condição humana assim o exige. E, ao provocar essa demanda, usufrui dos mesmos equipamentos necessários ao atendimento dos viajantes que o faz com fins culturais, por exemplo.

• Embora com motivações de viagem diferentes,

• Idéias Centrais • Idéia 01 – O turismo está diretamente

relacionado com o aumento do tempo livre. Nesse sentido desenvolve o lado espiritual, busca o sagrado, como uma forma de romper com a vida material, profana. A peregrinação realizada com motivos estritamente religiosos onde os viajantes estão convictos de que estão observando uma obrigação religiosa, não poderia ser classificada como uma atividade de lazer.

• Idéia 02 – Porém a obrigação religiosa é

decorrência de uma livre escolha anterior, quando optou por uma determinada crença. Assim, a ocupação do tempo de lazer foi escolhida livremente pelo indivíduo, pois ao escolher a religião, escolheu o uso que faria de seu tempo livre. Podemos considerar que a maioria das atividades de peregrinação está estruturada no tempo de lazer e pode ser considerada experiência de lazer.

• Idéia 03 – Turismo religioso é aquele

empreendido por pessoas que se deslocam por motivações religiosas e/ou para participação em eventos de caráter religioso. Compreende romarias, peregrinações e visitação a espaços, festas, espetáculos e atividades religiosas. Embora com motivações de viagem diferentes, ambos os viajantes utilizam-se de serviços e produtos comuns, tornando-se deste modo, turistas no sentido exato do termo.

• Idéia 04 – O turismo, enquanto fenômeno

econômico e social pode apresentar um número indefinido de vertentes dependendo das motivações do viajante para empreender a viagem. O turismo abrange as viagens realizadas por motivos religiosos, pois, não importando a motivação, os viajantes fazem uso dos mesmos equipamentos, transportes e são gerados produtos e serviços para atender suas expectativas.

• Idéia 05 – Para o peregrino, o deslocamento ao

santuário ocorre devido estritamente a sua espiritualidade, vai á busca de um aperfeiçoamento, cumprir votos feitos anteriormente, pagar uma promessa, agradecer uma benção, o reconhecimento de uma graça recebida, a participação em uma festa religiosa importante, etc.

113

ambos os viajantes utilizam-se de serviços e produtos comuns, tornando-se deste modo, turistas no sentido exato do termo.

• Turismo religioso é aquele empreendido por pessoas que se deslocam por motivações religiosas e/ou para participação em eventos de caráter religioso. Compreende romarias, peregrinações e visitação a espaços, festas, espetáculos e atividades religiosas.

• Ambos peregrinação e turismo – compartilham a existência de uma jornada voluntária e temporária para um lugar diferente de sua residência habitual; a possibilidade de serem fenômenos de massa; sua natureza de serem eventos que quebram a rotina, o fato de que geram conseqüências econômicas, urbanas e demográficas idênticas, etc.

• A peregrinação realizada com motivos estritamente religiosos onde os viajantes estão convictos de que estão observando uma obrigação religiosa, não poderia ser classificada como uma atividade de lazer. Porém a obrigação religiosa é decorrência de uma livre escolha anterior, quando optou por uma determinada crença. Assim, a ocupação do tempo de lazer foi escolhida livremente pelo indivíduo, pois ao escolher a religião, escolheu o uso que faria de seu tempo livre.

• Considerando-se a área do destino objetivo final da viagem, que junto com a motivação, é outro dos principais pontos a serem considerados, podemos fazer algumas distinções básicas entre os atrativos turístico religiosos, classificando-os em seis diferentes tipos: 1. Santuários de Peregrinação; 2. Espaços religiosos de grande significado de caráter religioso; 3. Festas e comemorações em dias específicos; 4. Espetáculos artísticos de cunho religioso e 6. Roteiros de fé.

• Nas localidades onde a experiência religiosa ocorra em grande intensidade, é necessário haver alguma pausa, buscando atender essas necessidades o município multiplicará os efeitos econômicos e positivos do turismo religioso.

• O turista quando compra lembranças, busca algo relacionado com o local de visitação, que terá um valor simbólico importante em seu grupo social de origem. No turismo religioso a este aspecto deve ser acrescentado o místico-espiritual quando os suvenires se tornam objeto de devoção, identificados com aquelas práticas religiosas.

• Idéia 06 – Ambos peregrinação e turismo – compartilham a existência de uma jornada voluntária e temporária para um lugar diferente de sua residência habitual; a possibilidade de serem fenômenos de massa; sua natureza de serem eventos que quebram a rotina, o fato de que geram conseqüências econômicas, urbanas e demográficas idênticas, etc.

• Idéia 07 – Nas localidades onde a experiência

religiosa ocorra em grande intensidade, é necessário haver alguma pausa, buscando atender essas necessidades o município multiplicará os efeitos econômicos e positivos do turismo religioso. O turista quando compra lembranças, busca algo relacionado com o local de visitação, que terá um valor simbólico importante em seu grupo social de origem.

• Idéia 08 – No turismo religioso a este aspecto

deve ser acrescentado o místico-espiritual, quando os souvenires se tornam objeto de devoção, identificados com aquelas práticas religiosas. Na maioria das localidades, onde existem santuários ou ocorrem manifestações religiosas, a infra-estrutura para receber os visitantes ainda é precária, muitas vezes devido à pouca compreensão do potencial econômico da visitação periódica.

• Idéia 09 – O viajante pode ter um envolvimento

grande com o sagrado, mas continua a necessitar de descanso, alimentar-se e desfrutar de momentos de calma e relaxamento, pois sua condição humana assim o exige. E, ao provocar essa demanda, usufrui dos mesmos equipamentos necessários ao atendimento dos viajantes que o faz com fins culturais, por exemplo.

Ancoragem • Religião • Turismo

Discurso Individual • A opção religiosa é decorrência de uma livre escolha por uma determinada crença, e, é acompanhada por

uma pausa da rotina para o lazer. Buscando atender as necessidades durante a experiência, o município implantará equipamentos, transportes, produtos e serviços, gerando efeitos econômicos e positivos do turismo religioso

114

FIGURA 4 - EMERSON J. S. DA SILVEIRA Documento – Livro de Christian de Oliveira Titulo: Turismo religioso, mercado e pós-modernidade Expressões – chave • O termo turismo religioso, categoria surgida no

mundo do mercado/marketing, acabou sendo encampada nos discursos teóricos sobre o tema.

• A procissão pertence a lógica institucional, inscrita na história, mas o fiel que a vivencia estaria localizado numa lógica subjetiva. Contudo essas dimensões se interpenetram, modificando-se mutuamente.

• Será preciso, então, caracterizar a diversidade do deslocamento, perguntando-se o que diferencia o deslocamento-viagem em relação ao deslocamento-turismo e o deslocamento-peregrinação/romaria em relação ao deslocamento excursão. Todavia, o critério deslocamento ainda é insuficiente para construir tipologias turísticas.

• A condição de mercantilização dos lugares e religião com seu aparato de festas e tradições populares, ou seja, de torná-las possíveis porque comercializáveis, está na confecção das imagens. E é aí, no imaginário veiculado pelas mídias e em interação com o fluxo de visitantes/turistas, que o turismo e a religião vão encontrar seu ponto de convergência e o tecido no qual vão estar alinhavados pelo consumo.

• É necessário ter em mente que o turismólogo deve ser o profissional que deve refletir em termos globais e teórico/prático o fenômeno ao qual é instado a planejar.

• Talvez se possa dizer que na medida em que a sociedade se complexifica e em que sofre um desencaixe entre tempo/espaço, o turismo é alçado à condição de prática majoritária, com acentuada presença das classes médias, já o excursionismo parece ser a prática predominante das classes populares, exigindo outros tipos de conceitos para analisá-las. Houve o declínio da adesão institucional religiosa, o que não significa o declínio do sagrado. A religião não é mais aquela que fundamenta ação e visões de mundo dos homens e mulheres da sociedade ocidental.

• Se por um lado a secularização é um fato, de outro em sociedades latino-americanas, entre elas a brasileira, esse termo precisaria ser repensado, porque a modernidade capitalista nunca chegou a afirmar-se nas paragens tupiniquins. O turismólogo deverá estar atento para uma visão mais alargada desses fenômenos, para os símbolos presentes, suas dinâmicas peculiares e que servem como um código de leitura da sociedade, ou seja, pela religiosidade pode-se ler a sociedade que a produziu.

• A convivência simbiótica entre profano/sagrado, se é que tais características ainda permaneçam com o mesmo poder explicativo na pós-modernidade é anterior à constituição de um fluxo turístico.

• As massas de romeiros, antes sob o controle da

• Idéias Centrais • Idéia 01 – A categoria turismo religioso surgida

do mercado acabou encampada nos discursos teóricos. A mercantilização dos lugares e religião com festas e tradições populares, torna-as possíveis porque comercializáveis no imaginário veiculado pelas mídias e em interação com o fluxo de visitantes/turista, que o turismo e a religião vão encontrar seu ponto de convergência alinhavado pelo consumo.

• Idéia 02 – Na medida em que a sociedade se

complexifica e sofre um desencaixe entre tempo/espaço, o turismo é alçado à condição de prática majoritária, com acentuada presença das classes médias, já o excursionismo parece ser a prática predominante das classes populares, exigindo outros tipos de conceitos para analisá-las. Houve o declínio da adesão institucional religiosa, o que não significa o declínio do sagrado.

• Idéia 03 – A religião não fundamenta ação e

visões de mundo na sociedade ocidental. A religião torna-se espetáculo, a consumidores que não se vinculam a dogmas nem a sistemas teológicos e nem igrejas. Aí, talvez, possa-se falar em turismo religioso.

• Idéia 04 – O turismo é um espaço, uma

territorialidade específica, uma etiqueta que, pode variar entre cultural, religiosa, virtual, colocaria em circulação/venda desde artesanatos tradicionais aos de última geração, mesclando-os, desconstruindo e introduzindo novas posturas (lazer e ludicidade) dentro da religião. Dessa forma, o religioso dilui-se no mercado, no lazer.

• Idéia 05 – Formular definições não significa o

término da reflexão acadêmica que deve primar pela crítica, autocrítica e autonomia. É preciso criar uma hermenêutica, construir uma interpretação dos fatos turístico-religiosos a partir da tradição de pesquisa, acúmulo de dados e teorização de modo que se possa compreender e gerir a diferença/diversidade social, religiosa e turística.

• Idéia 06 – Não se pode colocar no mesmo

patamar teórico/hermenêutico um romeiro que busca sua fé no padre Cícero (Ceará), e um turista que visita cidade cenográfica de Nova Jerusalém (Pernambuco).

• Idéia 07 – Os elementos materiais em comum,

viagem, hospedagem, comércio e artesanato são

115

igreja, transbordam essas fronteiras. O monopólio do significado religioso por parte da igreja cede lugar à atuação das empresas de turismo e organizadores de excursão.

• Em termos estruturais, produziram-se espaços, nos locais para onde acorrem peregrinações/romarias, que sofrem ocupações e impactos econômicos.

• Só uma investigação mais profunda, abordando a rede de fluxos de romarias e peregrinações adentradas pelo turismo/consumo poderia responder podendo ser apontada uma mesma mediação que ata turismo e religião: o olhar, em direções que criam oposições e passagens.

• A religião torna-se espetáculo, oferecido a consumidores e diria consumidores errantes e experimentadores de sensações, que não se vinculam a dogmas nem a sistemas teológicos e nem igrejas. Aí, talvez, possa-se falar em turismo religioso.

• Não se pode colocar no mesmo patamar teórico/hermenêutico um romeiro que busca sua fé no padre Cícero (ceará), e um turista que visita cidade cenográfica de Nova Jerusalém (Pernambuco). Os elementos materiais em comum, viagem, hospedagem, comércio e artesanato são insuficientes para uma caracterização mais profunda. Por isso a interpretação precisa ser exercida sobre a forma, significado, visão de mundo que perpassa o ambiente e pessoas que o animam, desvelando sua polissemia, entre as quais o turismo religioso.

• O turismo é o consumo de um espaço, constituindo uma territorialidade específica, talvez uma etiqueta que, grudada no embrulho, pode variar entre cultural, religiosa, virtual, entre outras. O turismo colocaria em circulação/venda produtos desde artesanatos tradicionais aos de última geração, mesclando-os, desconstruindo dicotomias e introduzindo novas posturas (lazer e ludicidade) dentro de fenômenos como a religião. Dessa forma, o religioso dilui-s no mercado, no lazer.

• Talvez seja legítimo cunhar o conceito de turismo religioso a não ser que se defendam concepções essencialistas desses fenômenos, vendo-os como incapazes de interagir e produzir sínteses conceituais ou dissensuais.

• Formular definições não significa o término da reflexão acadêmica que deve primar pela crítica, autocrítica e autonomia. É preciso criar uma hermenêutica, ou seja, construir uma interpretação dos fatos turístico-religiosos a partir de uma tradição de pesquisa, acúmulo de dados e teorização sobre os mesmos, de modo que se possa compreender e gerir a diferença/diversidade social, religiosa e turística.

viagem, hospedagem, comércio e artesanato são insuficientes para uma caracterização mais profunda. A interpretação precisa ser exercida sobre a forma, significado, visão de mundo que perpassa o ambiente e pessoas que o animam, desvelando sua polissemia, entre as quais o turismo religioso. Só uma investigação mais profunda, abordando a rede de fluxos de romarias e peregrinações adentradas pelo turismo/consumo poderia responder podendo ser apontada uma mesma mediação que ata turismo e religião: o olhar, em direções que criam oposições e passagens.

• Idéia 08 – Talvez seja legítimo cunhar o

conceito de turismo religioso a não ser que se defendam concepções essencialistas desses fenômenos, vendo-os como incapazes de interagir e produzir sínteses conceituais ou dissensuais.

• Idéia 09 – O monopólio do significado religioso

da igreja cede lugar à atuação das empresas de turismo e organizadores de excursão. Em termos estruturais, produziram-se espaços, nos locais para onde acorrem peregrinações/romarias, que sofrem ocupações e impactos econômicos.

• Idéia 10 – A procissão pertence a lógica

institucional, inscrita na história, mas o fiel que a vivencia estaria localizado numa lógica subjetiva, essas dimensões se interpenetram, modificando-se mutuamente.

• Idéia 11 – Será preciso, caracterizar a

diversidade do deslocamento, perguntando-se o que diferencia o deslocamento-viagem em relação ao deslocamento-turismo e o deslocamento-peregrinação/romaria em relação ao deslocamento excursão. Todavia, o critério deslocamento ainda é insuficiente para construir tipologias turísticas.

Ancoragem • Religião • Turismo

116

Discurso Individual • Os elementos materiais em comum (viagem, hospedagem, comércio e artesanato) são insuficientes para

uma caracterização mais profunda do turismo religioso. A interpretação precisa ser exercida sobre a forma, significado, visão de mundo que perpassa o ambiente e pessoas que o animam, desvelando sua polissemia. Só uma profunda investigação, abordando a rede de fluxos de romarias e peregrinações adentradas pelo turismo/consumo pode responder a mediação turismo e religião.

CHRISTIAN D. M. DE OLIVEIRA

Discurso Individual:

“Peregrinos e turistas possuem as mesmas motivações, faltando aos

profissionais do turismo desenvolver estratégias de atração, bem como

instalar infra-estrutura para que se possa atingir a sustentabilidade do

negócio.”

FIGURA 5 - ANCORAGEM DE CHRISTIAN D. M. DE OLIVEIRA

peregrina ç ão e turismo religioso possuem um

elemento simb ó lico: a f é

turismo religioso é turismo de massa

peregrino e turista são o mesmo

indiv íduo

turismo planejado e sustentado

TURISMO RELIGIOSO

FÉ: peregrina ç ão e turismo religioso possuem um

elemento simb ó lico: a f é

TURISMO: turismo religioso

é

turismo de massa

TURISMO: peregrino e turista são o mesmo

indiv íduo

ADMINISTRAÇÃO: turismo planejado

e sustentado

TURISMO RELIGIOSO

117

EDIN SUED ABUMANSSUR

Discurso Individual:

“A peregrinação é fenômeno religioso tanto quanto turístico, mediada pelo

mundo do trabalho, assim, o turismo religioso tende a desconsiderar as

motivações religiosas da viagem e se concentrar no deslocamento e nas

necessidades que este traz em termos de estrutura de transporte,

hospedagem e alimentação.”

FIGURA 6 - ANCORAGEM DE EDIN SUED ABUMANSSUR

peregrina ç ão també m é lazer

peregrinação tem relação com

pobreza materi

turismo e religião têm as mesmas motiva ç ões e necessidades f ísicas

na atualidade

TURISMO RELIGIOSO

peregrina ç ão també m é lazer

peregrinação tem relação com

pobreza material

turismo e religião têm as mesmas motivações e necessidades f ísicas

na atualidade

TURISMO

118

REINALDO DIAS

Discurso Individual:

“A opção religiosa é decorrência de uma livre escolha por uma

determinada crença, e, é acompanhada por uma pausa da rotina para o

lazer. Buscando atender as necessidades durante a experiência, o

município implantará equipamentos, transportes, produtos e serviços,

gerando efeitos econômicos e positivos do turismo religioso.”

FIGURA 7 - ANCORAGEM DE REINALDO DIAS

agregar necessidades de infra-estrutura aos

peregrinos

turistificar os locais religiosos

o religioso enquanto uma

escolha de lazer

transformar as atividades

religiosas em turísticas

TURISMO RELIGIOSO

agregar necessidades de infra-estrutura aos

peregrinos

turistificar os locais religiosos

o religioso enquanto uma

escolha de lazer

transformar as atividades

religiosas em turísticas

RELIGIÃO E TURISMO

119

EMERSON J. S. DA SILVEIRA

Discurso Individual:

“Os elementos materiais em comum (viagem, hospedagem, comércio e

artesanato) são insuficientes para uma caracterização mais profunda do

turismo religioso. A interpretação precisa ser exercida sobre a forma,

significado, visão de mundo que perpassa o ambiente e pessoas que o

animam, desvelando sua polissemia. Só uma profunda investigação,

abordando a rede de fluxos de romarias e peregrinações adentradas pelo

turismo/consumo pode responder a mediação turismo e religião.”

FIGURA 8 – ANCORAGEM DE EMERSON J. S. DA SILVEIRA

A partir dos Discursos Individuais dos autores procedeu-se a construção dos

Discursos Coletivos. Foram colocados em dois Quadros (a seguir) os quais

comportam as duas principais visões encontradas nos quatro autores, ou seja: três

deles possuem uma visão quase coincidente aos quais identifiquei como: “Sobre

a religião é influenciada pelo

mundo do trabalho

a religião transforma -se com o turismo

é preciso criar uma

hermenêutica

é preciso uma investigação

mais profunda

RELIGIÃO E TURISMO

a religião torna-se espetáculo

120

Turismo Religioso (Turismo Religioso)”. O quarto autor destoa dessa visão e por isso

foi identificado como: “Sobre Turismo Religioso (Religiosidade)”.

A análise procurou sempre identificar se nas afirmações os autores

compreendiam os significados do que se estavam descrevendo e se os mesmos

correspondiam de forma clara e correta na interpretação dos significados de

algumas situações descritas. Ao juntarmos todas as ‘falas’ majoritárias dos autores

para uma avaliação sobre o que entendiam sobre o modelo de turismo religioso,

obtivemos os seguintes Discursos Individuais:

QUADRO 1 DSC - Sobre Turismo Religioso (Turismo Religioso)

Peregrinos e turistas possuem as mesmas motivações religiosas que decorrem de uma livre escolha por uma crença mediada pelo mundo do trabalho, e, é acompanhada por uma pausa da rotina para o lazer quando são desconsideradas as motivações religiosas da viagem. Os profissionais do turismo devem desenvolver estratégias de atração, instalar infra-estrutura para atender as necessidades de transporte, hospedagem e alimentação, implantar equipamentos, transportes, produtos e serviços para que se possa atingir a sustentabilidade do negócio gerando efeitos econômicos positivos.

QUADRO 2 DSC - Sobre Turismo Religioso (Religiosidade)

Só uma profunda investigação, abordando a rede de fluxos de romarias e peregrinações adentradas pelo turismo/consumo pode responder a mediação religião e turismo, pois, a interpretação precisa ser exercida sobre a forma, significado, visão de mundo que perpassa o ambiente e pessoas que o animam, pois os elementos materiais em comum (viagem, hospedagem, comércio e artesanato) são insuficientes para uma caracterização mais profunda do turismo religioso.

O que ficou também como algo forte quanto ao modelo de discurso adotado

entre os autores, foi a quase unanimidade sobre as mudanças decorrentes da

religiosidade e a implantação dos elementos do turismo entre as ações das

congregações e as práticas desenvolvidas nos locais de atração religiosa. Segundo

os autores essas mudanças definem as atuais relações entre fiéis e turistas, a partir

da inserção dos turistas nos rituais religiosos, pois, chama atenção que o espaço

simbólico, antes tão definido, agora é disputado também pelos turistas, que não se

incomodam em entrar e sair dos ambientes e das atividades ritualizadas, de acordo

com suas próprias vontades.

121

Entendem que não ocorre apenas uma mudança de ‘falas’ sem sentido na

religiosidade, mas sim uma mudança de discurso. Os moradores passam a se

relacionar com o evento de outros modos, pois, o ritmo alterou-se completamente. O

turismo é sinônimo de agito e a rotina diária é quebrada com a atmosfera religiosa

de contrição e silêncio sendo parcialmente dissolvida e contagiada pelo sentido

histórico, como apenas mais um espetáculo cultural, sendo que, ao contrário dos

espaços definidos nas ações ritualizadas, os turistas circulam com desenvoltura e

sem cerimônia por todos os espaços e locais. A diversidade de experiências dos fiéis

durante sua movimentação foi uma percepção unânime dos autores, porém muito

mais do que isto se pode perceber que esta mudança passa não apenas pela

quantidade das atividades nas visitações, mas também por transformações de teor

cultural, uma vez que antes da implantação desse processo de mudança estrutural

pelas Congregações, raramente ocorriam tais atividades. Isto indica uma mudança

cultural forte e decisiva na dinâmica das atividades destes fiéis.

Antes de tudo, se percebe claramente duas formas distintas de análise no

grupo de autores sobre a implantação do turismo: primeiro concentrando sua análise

na administração do espaço do sagrado como se o espaço religioso prescindisse

sempre do planejamento antecipado para poder existir; o segundo identificado pelos

autores como economicista. É o que atenta mais profundamente para os aspectos

da infra-estrutura turística e os potenciais atrativos turísticos nos quais concentraram

suas análises integralmente, enquanto que outro não tocou no assunto, ou ao

menos desconsiderou sua importância no processo religioso, particularmente

perpassando sua análise nos elementos da oferta e da infra-estrutura turística

(hotéis, restaurantes, transportes, etc.).

Ainda no que se refere aos objetivos economicistas de análise do turismo

retirados das percepções dos discursos dos autores, percebeu-se uma preocupação

direta destes apenas com os impactos sócio-econômicos, sendo que, também as

perspectivas de solução desses, estão limitadas a esse universo de ação, não

havendo menção de atuação junto a diferentes setores.

Os autores que possuem um discurso positivo sobre o turismo sempre o

apresentam como gerador de impactos positivos capazes inclusive de transformar as

tradicionais relações de poder (condição econômica da comunidade, inclusão de

novas profissões, serviços, etc.), com poucas possibilidades de crescimento ou de

122

cambio dessa condição. Isso também demonstra que os discursos dos autores

valorizam sobremaneira os papéis dos administradores, dos gestores públicos e

privados, que devem primar pela qualidade, predisposição para novos

conhecimentos, e, principalmente, estarem abertos frente às novas exigências dos

visitantes. Ainda assim, o grupo de autores concebe um discurso composto de

perspectivas bastante favoráveis para o futuro do turismo nos ambientes da

religiosidade popular, bem como, este modo de pensar e conceber o turismo

entendem são promissores e demonstram a viabilidade do modelo turístico adotado

nas localidades estudadas, e isso não significa dizer que o trabalho a ser realizado

pelos poderes públicos e empresários não terá problemas a ultrapassar. De uma

forma geral, entendem que se pode considerar que o modelo de turismo proposto

nas localidades, vem alcançando objetivos, visto serem Aparecida-SP e Nova

Trento-SC, consideradas referências para projetos da natureza religiosa em outras

localidades do país.

Percebe-se, no Quadro abaixo, que claramente o grupo de autores

apresentados tem tendência a admitir que a religiosidade encontra-se imersa num

universo turístico identificado como turismo religioso. Estas percepções, embora

causem uma transformação na análise tradicional dos locais de movimentação

religiosa, permitem constatar diferenciadas análises que destacam desde ações de

planejamento das políticas privadas e públicas, considerações sobre os efeitos

físicos, socioculturais e psicológicos, até o crescimento sustentável da atividade

turística.

Cada autor é detentor de diferentes conhecimentos relacionados a vários

momentos do seu saber específico, como também estes conhecimentos estão

relacionados às suas áreas de formação acadêmica e atuação profissional. Dominar

as informações sobre tais elementos torna-se importante para que se possa

entender a lógica de raciocínio do pensamento de cada autor, visto que, essa lógica

determinará a inclusão ou exclusão de diferentes categorias de análise e de

interpretação das práticas dos visitantes religiosos. Esse conhecimento técnico

específico dos autores faz também com que depreciem ou sobre-valorizem

diferentes aspectos encontrados nas movimentações religiosas, o que ao final,

permite um amplo espectro de categorias de percepção, análise e interpretação e,

por outro lado, transforma as informações em resultados muitas vezes contrários e

123

distintos.

Segundo os discursos identificados nos autores, a composição do universo do

turismo religioso se dá em função de diferentes aspectos, pois reforçam o foco nos

aspectos do consumo ao se concentrarem nas afirmações que o município com

atrativos e potenciais para o desenvolvimento do turismo, especialmente o religioso,

poderão conquistar benefícios sociais, econômicos e ambientais. Porém,

dependerão das políticas de planejamento territorial, além dos planos de turismo,

transformando as características encontradas nos diferentes locais precisam ser

disponibilizadas ao consumo turístico.

Esses diferentes questionamentos realizados pelos autores em suas ‘falas’,

depois de agrupados por conteúdo de análise, levaram aos seguintes DSC:

QUADRO GERAL DSC - Sobre Turismo Religioso

Peregrinos e turistas possuem as mesmas motivações religiosas que

decorrem de uma livre escolha por uma crença mediada pelo mundo do

trabalho, e, é acompanhada por uma pausa da rotina para o lazer quando

são desconsideradas as motivações religiosas da viagem. Os profissionais

do turismo devem desenvolver estratégias de atração, instalar infra-estrutura

para atender as necessidades de transporte, hospedagem e alimentação,

implantar equipamentos, transportes, produtos e serviços para que se possa

atingir a sustentabilidade do negócio gerando efeitos econômicos positivos.

Porém, só uma profunda investigação, abordando a rede de fluxos de

romarias e peregrinações adentradas pelo turismo/consumo pode responder

a mediação religião e turismo, pois, a interpretação precisa ser exercida

sobre a forma, significado, visão de mundo que perpassa o ambiente e

pessoas que o animam, pois os elementos materiais em comum (viagem,

hospedagem, comércio e artesanato) são insuficientes para uma

caracterização mais profunda do turismo religioso.

Apresentando de maneira diferente o Discurso Coletivo obtido nos discursos

acima, tem-se uma imagem em que a religiosidade estaria composta integralmente

124

pelo turismo religioso, e dentro dele também estariam todas as possíveis atividades

realizadas pelos fiéis organizadas em: LAZER, DIVERSÃO e PASSEIOS (cor

amarela); MUDANÇAS ECONÔMICAS (cor verde); e RELIGIOSIDADE e FÉ. Há nos

discursos uma indissociação entre todas essas atividades e estruturas físicas, não

cabendo mais suas separações como ocorria no passado.

FIGURA 9 – COMPOSIÇÃO DO TURISMO RELIGIOSO

No geral, porém, os discursos dos os autores se direcionaram a presença de

visitantes na condição de peregrinos-turistas, isto é, a existência dos dois papéis que

convivem conjuntamente, quando não inteiramente turistas relacionados apenas

com o lazer (em amarelo), a diversão o passeio e os papéis indefinidos.

LAZER; DIVERSÃO; PASSEIO; PAPÉIS

INDEFINIDOS

RELIGIOSIDADE; FÉ; PAPÉIS DEFINIDOS

INFRA-ESTRUTURA; POTENCIAIS; ATRATIVOS;

MUDANÇAS ECONÔMICAS

TURISMO RELIGIOSO

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diversas são as constatações realizadas nos textos dos autores do turismo,

assim, nas considerações a seguir, se desenvolvem algumas percepções afins aos

elementos encontrados nos discursos, partindo-se de elementos mais genéricos que

tomaram parte dos discursos para após, debruçar-se sobre os mais específicos. Os

autores e trabalhos aqui analisados, que versam com mais profundidade o turismo

religioso, são baseados em análises distintas ou mesmo opostas, sendo que a maior

parte, não tem como ancoragem os deslocamentos religiosos ou religião, mas o

turismo, e pro que não dizer a administração.

Aspectos gerais merecem considerações, o primeiro que se observa é que

existe uma gama de diferentes ciências a produzirem constantes e contínuas

análises e interpretações relacionadas aos diferentes segmentos (ecoturismo,

aventura, cultural, etc.) e setores das Ciências Sociais Aplicadas (gestão,

administração, transportes, hospedagem, etc.); e, em segundo, ocorre uma aparente

e sistemática negação dessas informações quando da aplicação dos autores

analisados, sobre uma determinada realidade religiosa. Basta ver a quantidade de

obras relacionadas ao turismo que são sistematicamente ignoradas pelos autores do

turismo, os quais, por exemplo, parecem desconhecer as características dos fiéis

indicadas diversas vezes no corpo da Tese. Isso também ocorre porque existem

poucas pesquisas de campo que sirvam de base para as afirmações dos autores, o

que leva a outra constatação: percebeu-se que os textos de diferentes autores

acabam por reproduzir as afirmações de poucos e repetidos autores, ocorrendo o

que chamei de auto-citação e auto-aceitação, isto é, o número total de autores que

tratam de turismo religioso é pequeno (aproximadamente 50 autores), e dentre estes

é comum ocorrer que um cita aos outros e vice-versa.

Percebe-se nos autores do turismo a ausência de um referencial teórico e

conceitual que ultrapasse as questões mais objetivas das Ciências Sociais Aplicadas

para a percepção mais subjetiva da religiosidade, visto que as orientações seguidas

pelos estudiosos do turismo são àquelas genéricas a muitos outros segmentos

turísticos, não ocorrendo explicações consistentes às medidas tomadas para sugerir

o planejamento turístico específico. Isso tem provocado uma situação conflitante,

pois, se buscam justificar em todas as atividades religiosas apenas as existências de

126

elementos turísticos gerais, suprimem explicações do que seria a fé, a religiosidade

e o religioso nas ações dos fiéis, para, a partir disso, construírem um consistente

arcabouço teórico que justifique ações turísticas.

Entende-se que alguns discursos conseguem claramente caracterizar

diferenças e semelhanças entre os personagens que compartilham os espaços

religiosos populares. Em sua maior parte, não indicam categorias que comportem a

turistas, peregrinos, visitantes ou fiéis, pois para os autores, são os mesmos

indivíduos que se revestem de todos esses papéis. A partir dessas colocações é

necessário lembrar que além das motivações para os deslocamentos, outro discurso

rege a ancoragem dos autores do turismo sobre a temática nos ambientes religiosos:

estes vêm enfatizando continuamente que somente através do desenvolvimento

sustentável é que se podem aumentar as possibilidades de atratividade turística.

Neste sentido, é possível afirmar, que os autores depositam esperanças na

estruturação do ‘turismo religioso’, isso porque as condições atuais encontradas são

consideradas pejorativas (ausência das empresas turísticas; ausência do

planejamento turístico; ausência dos poderes públicos; grandes aglomerados

humanos; consumo de imagens; excursões bate-e-volta em ônibus e baixo gasto per

capita.

Como estratégias para isso, apontam a ampliação dos canais de

comercialização e das vendas dos componentes da cultura, bem como a inclusão de

novos atrativos locais, indo muito mais além da religiosidade atualmente

estabelecida, mesclando-a também com produtos ligados a natureza. Isso porque

para os autores a presença de aglomerados humanos nos locais religiosos, leva

primeiramente a instalação do turismo de massa, aspecto que é desprezado por

todos, e porque também constatam nesse tipo de movimentação dos visitantes, além

dos incômodos causados pela sua presença (barulho, lixo, brigas, festas, etc.), um

pequeno incremento financeiro na economia local.

Porém, fica dos discursos dos autores do turismo que atuam nos ambientes

religiosos a percepção de que a comunidade (ou seja, os fiéis e os turistas), não é

chamada a participar dessa interação esperada, fato que nega o princípio do

sustentável, uma vez que não foram encontrados resultados de pesquisas dos

autores das Ciências Sociais Aplicadas, sobre aspectos como: religião e lazer;

religiosidade é sinônimo de viagem; religiosidade é praticada nas férias, feriados ou

127

fins de semana, ou mesmo outros mais como aqueles vistos na pesquisa da

EMBRATUR.

Assim, pode-se dizer que os discursos indicam antes de tudo, que a prática

do ‘turismo religioso’ contribui com a sustentabilidade levando ao crescimento das

comunidades, não apenas na esfera produtiva e econômica, mas elevando-o a

condição de um sujeito social e cultural, que mediante a possibilidade do resgate

dos atributos positivos do turismo e da realidade, cria e implanta nas comunidades,

fazendo crer que, a religiosidade não é mais capaz de desenvolver tais

características, ou que a mesma não tenha realizado essa função nos séculos

precedentes, podendo ser substituída pelo turismo. Dentro desta percepção, sugere-

se que se devam aprofundar bem mais a compreensão sobre as características

sócio-culturais que interferem diretamente na definição da presença de pobres nos

ambientes da religiosidade católica popular, visto ser este tema caro demais para os

planejadores turísticos e, ser um argumento continuamente utilizado para se explicar

a ausência de atividades turísticas do setor, também se deve trabalhar com mais

afinco nas percepções dos discursos dos autores quando, de um lado relacionam os

fiéis à pobreza material e a ignorância cultural, e de outro, quando relacionam a

necessidade de inclusão de turistas com maior poder aquisitivo junto aos ambientes

da fé.

Transformar essa realidade dos visitantes é muito mais complexo do que as

afirmações que o planejamento turístico faz como as que indicam a inclusão simples

de novos serviços e atrativos, que levariam a uma mudança de perfil dos visitantes.

Aos autores também ocorre à existência do turismo de massa junto da religiosidade

popular relacionada à formação urbana da sociedade brasileira, generalizada como

elemento preponderante e majoritário, o que, porém, não explica todas as realidades

e todas as transformações da religiosidade católica brasileira.

Os autores do turismo analisam a interação dos visitantes, somente junto a

alguns santuários católicos, sobre os quais são desenvolvidas suas análises, o que

demonstra, a meu ver, as poucas experiências empíricas dos autores, que não

comportam efetivamente o universo de religiosidade católica popular. Assim,

percebe-se que, se em parte forem verdadeiras as afirmações sobre mudanças

ocorridas nas dinâmicas dos visitantes (fiéis e turistas) nos santuários, a grande

maioria dos locais de ocorrência das movimentações religiosas, não está sendo

128

considerada nas pesquisas, mas apenas estão sendo colocadas no universo

religioso, como se fosse um único espaço social. Além disso, analisam exteriormente

as movimentações religiosas, isto é, a posição deles é feita a partir de interpretações

pessoais, desenvolvidas sem que haja uma busca daquelas informações originadas

e disseminadas pelos órgãos responsáveis (pelas Congregações), e isso se

entende, gera uma visão delimitada e superficial, desprendida das simbologias

peculiares a cada atividade realizada, visto que este é um aspecto da diferenciação

entre aqueles que estudam o turismo e os que se concentram na religiosidade e na

fé: ao utilizarem o termo religioso em vez de usar a religiosidade popular, entende-se

que os autores do turismo, nem apontam estudos da religiosidade, menos ainda a

religião, visto não compreendem esses processos em níveis mais profundos do que

aqueles que vivenciam empiricamente, e que vêm servindo de baliza para suas

posições pouco científicas, o que denota a ausência de uma visão holística dos

mesmos no processo. Para a supressão dessas lacunas, sugere-se que os autores

do turismo aprofundem pesquisas na direção de conhecer os valores disseminados

pela Igreja Católica, pelas Congregações bem como pelos grupos religiosos,

enquanto parte das estratégias de atração dos fiéis, face que as mensagens por elas

produzidas e utilizadas, interagem diretamente com o público desejado. É preciso

lembrar que as atuais estratégias de atração religiosa vão desde as mais

tradicionais, (missas, bênçãos, casamentos, batizados) que existem já há muitos

séculos, até as mais recentes que passam pelas rádios, TVs e pela internet, (como

os Carismáticos, Canção Nova, Novenas, Romarias, entre outras), que ocorrem

continuamente tanto na residência dos fiéis, como nos momentos onde ele está

relacionado ao cotidiano doméstico.

Quando discutem sobre os significados ao termo turismo se percebeu que,

por mais que afirmem a necessidade de observar o respeito às comunidades onde

devem ser inseridas as ações e atividades turísticas, não se percebeu

aprofundamento sobre esses indicativos que direcionassem estratégias de atuação

ou de ações efetivas do turismo em distintos locais de visitação religiosa. Ao

observar-se a ancoragem dos autores a respeito das informações geradas pelas

suas pesquisas que possuem dos visitantes (fiéis e turistas) nos ambientes da fé,

percebe-se que os mesmos não dão o devido valor, ou não querem aprofundar-se

nestes aspectos, o que seria o ideal para a inserção de ações sobre os visitantes.

129

Entende-se, que inicialmente é necessário a cada autor balizar a discussão

sobre turismo antes de qualquer consideração, em especial, quando atuam

conjuntamente com diferentes visitantes, como é o caso do ‘turismo religioso’ nos

ambientes da religiosidade católica popular, onde deveriam expressar em seus

textos, um conjunto de conhecimentos específicos pertinentes às práticas e

estratégias diferenciadas desse ambiente. Essas ancoragens dos autores as

motivações, entendem-se são parcias, devido à relação que tais atividades possam

representar frente à sua formação acadêmica, pois, não percebem ou não explicam

as mudanças ocorridas nas atividades oficiais (nos elementos reforçados impostos

pela Igreja) tanto quanto nas escolhas pessoais, mais do que enquanto uma escolha

de opções realizada individualmente.

Se forem levadas em consideração as afirmações, se poderia sugerir que os

estudiosos da relação entre o turismo e a religiosidade católica popular deveriam

cercar-se de elementos mais consistentes para afirmarem tanto sobre as

Congregações que administram os locais da religiosidade, quanto sobre os

componentes que poderiam influenciar as escolhas e as atividades dos visitantes.

Outra característica identificada, descrita, e muito valorizada pelos autores do

turismo, é de que todos os visitantes possuem os mesmo motivos para se

deslocarem aos ambientes religiosos, porque praticam as mesmas atividades,

porém, o fazem sem apresentar as pesquisas que produziram tais informações para

que se possa confirmar se essa visão não decorre apenas do viés

consumo/motivação de sua formação acadêmica, ou mesmo de suas experiências

empíricas sobre a religiosidade.

Considera-se importante apresentar quais categorias são identificadas em

todo este processo e de que forma os autores do turismo o fazem para sugerir a

inclusão de estratégias junto a esse público diferenciado, visualizando nessas novas

relações, uma percepção talvez mais subjetiva sobre o campo da prática

profissional, hoje bastante delimitada pelo apenas pelo planejamento turístico.

Assim, os autores do turismo, a partir de seus elementos de formação nas Ciências

Sociais Aplicadas (administração, planejamento, gestão, rentabilidade, lucro, etc.)

desprezam diversos outros valores presentes nas Ciências Sociais, na Geografia ou

na Ciência da Religião, tanto quanto os valores simbólicos daquelas pessoas que

compõem os visitantes dos ambientes religiosos, bem como com aqueles. As

130

categorias mais utilizadas nos discursos dos autores para explicarem a utilização do

termo turismo religioso, passa pelos termos como planejamento, planejamento

estratégico, demanda, oferta, preços, tendências, comunicação, economia,

sustentabilidade, efeitos econômicos, atividades turísticas, agências, entre outras,

bem como, nos diferentes autores também aparece, em maior ou menor grau, a

incidência das estratégias de marketing do local visitado para a atração de visitantes,

tanto quanto para a religiosidade católica popular,

Porém, se esquecem da diversidade dos visitantes que se utilizam dos

ambientes da religiosidade popular, e, em função da obtenção dessas informações,

é que o marketing turístico dificilmente interage com elas. Cabe lembrar a ausência

de conhecimento e de compreensão dos autores do turismo, sobre o processo de

evolução das práticas nos ambientes religiosos, principalmente nos santuários (os

ritos indicados por Durkheim), elas mesmas, em contínuo processo de adaptação

interna, são realizadas a partir de interesses de cada uma das congregações ou da

própria igreja. Portanto, é preciso conhecer os fiéis desde o momento em que, no

seu cotidiano, se forma em sua mente a imagem dos locais religiosos, até o

deslocamento, visto que a Igreja já o faz há muito tempo.

Deveras preocupante é observar que as características indicadas e

apresentadas pela pesquisa do Ministério do Turismo, muitas delas relacionados às

percepções dos viajantes populares sobre os significados de termos como passeios,

viagens, excursões e turismo, não constam das preocupações dos autores do

turismo aqui analisados, pois, as características identificadas na pesquisa fogem

literalmente aos valores e conceitos acadêmicos que norteiam as discussões dos

autores analisados nesta Tese. Portanto, devem ser conhecidas a fundo, para que

se possa efetivamente desenvolver ações que atinjam a estes visitantes com as

estratégias do turismo, evitando-se repetir a posição atual de quase todos os autores

que se ocupam dos ambientes religiosos: para eles, os visitantes que se encontram

nestes locais, estão na condição de turistas religiosos e são possuidores de um

conhecimento que os coloca ao alcance das estratégias do turismo, sendo que basta

instalar a infra-estrutura turística para que as transformações ocorram. Outro

aspecto das afirmações dos autores é que entendem ocorrer a substituição

generalizada dos fiéis pelos turistas em todos os ambientes religiosos, porém,

nenhum autor discrimina pesquisas científicas que colabore com essas afirmações,

131

e isso favorece ainda mais a confusão em torno tanto das afirmações utilizadas, bem

como dos símbolos religiosos de uso corrente. Isso se entende dificultará a

implantação das estratégias turísticas, pois, muitos fiéis ainda não estão inseridos

nas práticas aceitas como ideais pelo turismo, isto é, não utilizam o agenciamento,

os transportes, a hospedagem e as estruturas de serviços, como gostariam os

planejadores turísticos e os autores. De outro lado as citações e auto-citações entre

os autores não tem contribuído para o conhecimento acerca da relação entre fiéis e

turistas nos ambientes religiosos.

Percebeu-se uma ancoragem dos autores, que vai do turismo para a

religiosidade, e isso os leva à ausência de percepção mais ampla sobre as

dinâmicas existentes nos ambientes da religiosidade. Esta ausência decorre,

principalmente, porque a base de percepção e informações utilizadas em suas

análises vem do mercado, e, é centrada sempre em projeções de crescimento do

turismo, das viagens e dos atrativos diferenciados, o que gera apenas a percepção

da possibilidade de receita econômica, que dificilmente é desprezada pelos

administradores públicos. Estes administradores públicos aliados aos autores vêem

principalmente os benefícios econômicos trazidos pelas movimentações turísticas,

ainda mais sendo elas comunidades locais, onde, qualquer mudança econômica é

de grande importância, e assim inferem a movimentação religiosa, uma capacidade

econômica que até o momento, entende-se, não foi confirmada nos diferentes

ambientes religiosos brasileiros.

Porém, o que os autores pouco ou nada desenvolveram em suas análises é o

fato que praticamente nenhuma, ou quase nenhuma ação dos setores turísticos

oficiais (poderes públicos, redes internacionais, agências de viagens, operadoras

turísticas, campanha de marketing, pacotes, roteiros e atrativos, etc.), incide sobre

os ambientes da religiosidade católica popular. Esses serviços são praticados por

leigos no turismo oficial (organizadores de excursões bate-e-volta, grupos religiosos,

fiéis em pequenos grupos paroquiais, etc.), fato identificado pelos autores, mas não

aprofundado em suas considerações. Noutras palavras o que se vê nos ambientes

religiosos é a inexistência da atuação de empresas turísticas estabelecidas

formalmente, apesar das afirmações indicarem que o turismo e os turistas já

tomaram conta destes espaços.

Assim, na ancoragem dos autores, diferentes elementos locais (como a

132

cultura ou a natureza) passam de maneira simples a compor o rol de atrativos

disponibilizados ao turismo, como ocorre com a religiosidade, e com as

movimentações religiosas nos espaços dos santuários. Se num primeiro momento

os autores apresentam argumentos que poderiam ser utilizados pelo turismo para

alavancar ou incluir um elemento religioso de determinada comunidade na oferta

turística, os quais são por eles considerados positivos, logo após, os autores

apresentam restrições diversas (como as próprias dinâmicas da religiosidade

católica popular em questão), as quais criam barreiras que devem ser transpostas

em nome do planejamento, e da padronização exigida dos consumidores turísticos,

sendo que essa passa quase sempre pela transformação dos fiéis em turistas.

Ou seja, os autores não conhecem os limites existentes nos discursos que

perpassam os ambientes religiosos (o universo dos valores simbólicos religiosos

onde estão imersos os fiéis, os papéis sociais que vivem as aspirações e objetivos a

serem alcançados, etc.), mas indicam que diversos atrativos e práticas turísticas

seriam viáveis; indicam de forma preconceituosa os limites impostos pela religião

vividos pelos que perpassam os ambientes religiosos, mas não se aprofundam em

justificar suas existências (seus ritos e mitos Durkheiminianos - grifo meu), pois,

apenas os descrevem esquecendo-se de agregar às suas argumentações os

elementos motivacionais tantas vezes identificados superficialmente, como

propulsão às movimentações religiosas das pessoas.

Entende-se que este é um limite a ser transposto na construção da nova

relação entre turismo e a religiosidade, pois, os discursos admitem que a igreja

perdeu a centralidade na definição dos valores na sociedade, os quais vem sendo

sobrepujado pela ciência e pelo mercado, face isso, entendem os autores, houve a

introdução do turismo nos espaços da religiosidade popular, porém, não indicam

como que esse processo ocorre, tanto nas estruturas físicas (as mudanças nos

transportes e hospedagens, por exemplo), como, nos valores e práticas das

Congregações, a partir de Igreja em Roma, bem como não menos importantes as

transformações nos fiéis e nos seus valores religiosos, mas, apenas descrevem-no

relacionado ao lazer. Entende-se, porém, que não é o turismo que possui essa

capacidade de transformação, mas sim que ele é mais um dos componentes

colocados dentro das transformações das sociedades pelas práticas relacionadas a

estruturação decorrente do capitalismo.

133

Percebe-se nos discursos dos autores certa facilidade para falar da

possibilidade de existência de um modelo único de estruturação do ‘turismo religioso’

nos diferentes locais onde ocorre a religiosidade, uma vez que essa visão baseia-se

na implantação de componentes da infra-estrutura turística, uma vez que entendem,

esses investimentos visam mais programar um novo empreendimento dentro das

mudanças recentes da religiosidade, para fins econômicos ou de lazer. Nessa lógica

os autores não aprofundam seus estudos em análises documentais das

Congregações, bem como sobre as influencias que vem praticando sobre a

religiosidade popular, ou sobre os diferentes locais que compõem o universo da

religiosidade católica (festas, romarias, procissões, novenas, igrejas, santuários,

etc.). Entende-se, que essas manifestações são passíveis de sofrer interferência do

planejamento turístico a partir do momento que os autores do turismo comprovem as

suas informações sobre as transformações e aprofundem suas interpretações não

somente sobre as atividades realizadas pelos fiéis, mas também sobre os antigos e

novos significados que possam estar vigorando nos espaços religiosos, que não

condizem com as generalizações que se percebe, nos diferentes autores do turismo.

Será necessário aprofundar como se deram as transformações em todos os

diferentes locais de interação turismo e religiosidade, pois, essas não são iguais e

não se deram da mesma maneira em todos os locais, visto que, cada sociedade

possui diferentes elementos que interferiram e interferem em suas dinâmicas, em

suas escolhas de grupo, e em muitas delas, certamente não ocorrem condições

físicas, nem interesse por parte das comunidades para a inclusão do turismo. Parte

dessa percepção poderia colaborar na discussão sobre turismo em ambientes da

religiosidade, quando se percebe na fala dos autores que na atualidade uma parcela

dos fiéis deixou de participar efetivamente dos ambientes da fé, passando a ser

expectador apenas (por exemplo, ao ver uma procissão ‘passar’), falta à percepção

destes em aprofundar estudos sobre os diversos papéis e significados possíveis

dentro dos ambientes religiosos tradicionais e da religiosidade católica popular.

Percebo que essa condição efetivamente ocorre, porém, nossa função enquanto

cientistas sociais produtores de conhecimento, é também o de quantificar essas

transformações através de dados obtidos mediante trabalhos de campo, senão,

continuaremos a teorizar sobre condições irreais.

Entende-se que essas afirmações somente enfatizam aquilo que considero

134

uma das controvérsias dentro das discussões teóricas atuais dos autores do turismo:

para os autores o turismo religioso está substituindo as formas tradicionais de lazer,

através das viagens, assim, toma corpo a percepção de que o turismo se torna cada

vez mais uma necessidade para o bem-estar humano, sobre os quais os autores

percebem enquanto ambientes religiosos, porém, o que não percebem é que nesta

dinâmica tanto o lazer como o turismo vem se desenvolvendo individualmente no

capitalismo, pois, quem pratica lazer não o faz mais em grupo ou em comunidade,

mas sim sozinho e independente dos que os cercam, mesmo que cercado pela

multidão, onde os elementos culturais do grupo social não mediam as atividades. Os

autores não percebem que este fato é contrário as práticas vêem presentes nos

ambientes religiosos, os quais no meu entendimento estão ligados a manutenção da

relação com santo de devoção que a necessidade individual de lazer. Além disso,

para muitos fiéis ainda é importante o espírito de comunidade, que não se forma

apenas nos instantes em que se encontra nestes ambientes, nos quais se esquecem

os papéis sociais cotidianos, mas que se inicia bem antes de sua saída para a

viagem, na sua vida cotidiana, centrada naquilo que Elíade chamou de sagrado e

profano e Durkheim de ritos e mitos, elementos que explicam e dão significado aos

atos praticados nos ambientes religiosos, de forma muito mais profunda que a

análise dos atos em si.

Também, poderiam os autores das Ciências Sociais Aplicadas desenvolverem

maior aproximação com a percepção das teorias de Elíade e de Durkheim, visto que

os evocam e concebem distinções entre as motivações religiosas e as ações

relacionadas com as atividades festivas dos visitantes, as quais são consideradas

como lazer, independentes da sua correlação com outras atividades religiosas

realizadas no cotidiano e longe dos ambientes religiosos, pois, esses aspectos não

perpassam as preocupações dos autores do turismo que se interessam pela

religiosidade. Entende-se, também, que os autores utilizam o termo turismo religioso,

não conseguem distinguir todos os diferentes elementos que dão suporte aos grupos

que convivem paralelamente no universo religioso, muito menos aos possíveis

turistas que lá se encontram, e sobre os quais pretendem atuar.

Serve esse estudo de recorte para descrever as necessidades do domínio de

múltiplos e variados conhecimentos que deverá possuir a equipe de trabalho que

quiser desenvolver ações relacionadas ao turismo, junto ao público que circula nos

135

ambientes religiosos populares. Se percebe o quanto é importante ao cientista que

se debruça sobre o universo da religiosidade católica popular, evitar que, as análises

principiem sob o aspecto da discriminação através de um discurso que pode se

popularizar como verdade definitiva, provocando ainda mais para estigmatizar um

grande grupo componente da sociedade, sobre o qual ainda não se possui

elementos de consumo turístico que pouco permitam inferir sobre os conteúdos

culturais historicamente produzidos e incorporados, e, portanto, de lenta

transformação e mudança, que exigem mais do que apenas marketing turístico.

Entende-se que o termo turismo religioso poderá ser utilizado, quando a

academia perceber quais são as necessidades físicas e quais são todos os valores

espirituais dos fiéis, das congregações, tanto quanto dos turistas que circulam nos

ambientes da religiosidade popular, porém, se entende que, ainda não se sabe até o

presente momento, quais são essas características e as efetivas necessidades

desses diferentes visitantes, devido ao fato que, não existe um campo de

conhecimentos que tenha sido delineado a partir de pesquisas científicas, sendo

então os resultados aceitos pelos autores das Ciências Sociais Aplicadas como

sendo pertinentes aos estudos da relação turismo e religiosidade. Portanto,

desenvolver um campo específico de conhecimentos, que perpasse a existência de

um conjunto de valores definidos, os quais compõem um código de valores

religiosos dos visitantes dos santuários é imprescindível, é uma etapa necessária na

evolução dos estudos sobre o tema.

Porém, é necessário tomarmos posição sobre a exigência de uso do termo a

partir de uma profunda construção teórica, mesmo que para muitos, isso pareça

improdutivo e apenas mais um viés acadêmico, no entanto, percebo que o debate

acadêmico precisa mediar o conhecimento sobre o tema através da construção de

leis gerais que consigam interpretar e explicar as dinâmicas dos ambientes

religiosos, para que com isso se possa impor respeito aos universos fora da

academia, os quais estão relacionados superficialmente a ela, visto que a discussão

acadêmica tem levado ao desenvolvimento de interpretações, as quais foram, e

estão sendo apropriadas continuamente pelo mercado, e este, não prescinde de

profundidade teórica.

Para finalizar, compreendo que na atualidade o termo turismo religioso não é

imprescindível para a construção do conhecimento sobre a relação entre o turismo e

136

a religiosidade católica popular, visto que os autores buscam mais a definição de

estratégias de remodelação das dinâmicas dos fiéis, rechaçando certas atividades

entendidas como negativas ao turismo ou que a ele se aproximam, mais do que

aprofundar estudos explicativos sobre as transformações ocorridas.

Enquanto isso não acontecer, entendo que devemos usar apenas o binômio

turismo e religiosidade quando nos reportarmos às nuanças das relações desse

tema.

REFERÊNCIAS

ABUMANSSUR. E. S. Religião e turismo: notas sobre as deambulações religiosas. In ABUMANSSUR, E. S. (org), Turismo religioso: ensaios Antropológicos sobre religião e turismo. Campinas, SP: PAPIRUS, 2003. Pág. 53-68.

ALVES-MAZZOTTI, A. J.; GEWANDSZNAJDER, F. O método nas ciências naturais e sociais: pesquisa qualitativa e quantitativa. São Paulo: Pioneira, 1998.

ALVES, A. M. F. de Q. Pintando uma imagem – Nossa Senhora Aparecida – 1931: igreja e estado e a construção de um símbolo nacional. (Dissertação - Mestrado História, UFMS). Disponível em <www.dominiopublico.gov.br/ download/texto/ cp000949.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2006.

ANDRADE. J. V. Turismo: fundamentos e dimensões. 5. ed. São Paulo: Ática, 1999.

AOUN, S. A procura do paraíso no universo do turismo. Campinas, SP: Papirus, 2001. (Coleção turismo).

_______Turismo e religião. In: TRIGO L.G.G. Análises regionais e globais do turismo brasileiro. São Paulo: Roca, 2005. Pág. 313-323.

ARQUIDIOCESE DE FLORIANÓPOIS. Pastoral do turismo e do lazer. Disponível em <http://www.arquifloripa.org.br/past24.htm>. Acesso em: 10 out. 2000.

AZZI, R. Catolicismo popular e autoridade eclesiástica na evolução histórica do Brasil. Revista Religião e Sociedade, Rio de Janeiro, n. 1, 1977.

BALBINOT, E. Liturgia e política. Chapecó, SC: Grifos, 1998.

BANDUCCI JR. A; BARRETTO M. (Orgs.) Turismo e identidade local: uma visão antropológica. Campinas, SP: Papirus, 2001.

BARRETTO, M. O imprescindível aporte das ciências sociais para o planejamento e a compreensão do turismo. In: Revista Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v.9, n. 20, out. 2003.

BAUMAN, Z. Globalização: as conseqüências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. BELLINATTI, C. Il giubileo di Bonifacio VIII (1300). In: BELLINATTI C. (Org.) Il Veneto e i giubilei: contributto alla storia culturale e spirituale dell’evento in terra veneta (1300-2000). Padova: Il Poligrafo, 1999. Pag. 17-34.

138

BENI M. C. Análise estrutural do turismo. São Paulo: SENAC, 2000.

BENJAMIN, R. Devoções populares não-canônicas na América Latina: uma proposta de pesquisa. In: CONGRESO LATINOAMERICANO DE CIENCIAS DE LA COMUNICACIÓN Y SOCIEDAD: UN DIALOGO PARA LA ERA DIGITAL, 6. Santa Cruz de La Sierra, 2002. Disponível em: <http://www.eca.usp.br/alaic>. Acesso em: 10 set. 2004.

BESSA, A. S. M.; TEIXEIRA, L. A. A.; SOUZA, L. N. Marketing das cidades e o Turismo religioso: o caso do jubileu do Bom Jesus de Matosinhos de Congonhas do Campo (MG). Revista de Economia, Administração e Turismo, Belo Horizonte, v. 9, n.3, set./dez., 2004.

BIDERMAN, I. Jornadas espirituais: cada vez mais pessoas escolhem roteiros de viagem em busca de confirmação de fé ou de auto-conhecimento. Jornal Folha de São Paulo, Caderno Equilíbrio, São Paulo, 5 de agosto de 2004, p. 6-8.

BRANDÃO, C. R. Os deuses do povo: um estudo sobre a religião popular. 2. ed. São Paulo: Brasiliense. 1986.

_________. A cultura da rua. Campinas, SP: Papirus, 1989.

BRASIL. Ministério do Turismo. Relatório final: análise de dados da pesquisa quantitativa e qualitativa classes C e D, um novo mercado para o turismo brasileiro. Disponível em: <http://www.turismo.gov.br/index.html>. Acesso em: 15 set. 2006.

BUENO, F. da S. Dicionário escolar da língua portuguesa. 11. ed. Rio de Janeiro: FAE, 1991.

BURKE P. (Org.). A escrita da história: novas perspectivas. 2. ed. São Paulo: UNESP, 1992. (Col. Biblioteca Básica).

BURNS, P. Turismo e Antropologia: uma introdução. São Paulo: Chronos, 2002. (Coleção Tours).

CASELLI, L. Vie e luoghi di pellegrinaggio nella storia della pietà veneta. In: BELLINATTI, C. (Org.) Il Veneto e i giubilei: contributto alla storia culturale e spirituale dell’evento in terra veneta (1300-2000). Padova: Il Poligrafo, 1999. Pág. 129-150.

CHAUÍ, M. Cultura e democracia: o discurso competente e outras falas. 3. ed. São Paulo: Contemporânea, 1982.

139

_________. Conformismo e resistência: aspectos da cultura popular no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1986.

CHRISTOFFOLI A. R. Conceitos de Lazer no Turismo e suas interpretações. In: Encontro Nacional de Recreação e Lazer, 14, Santa Cruz do Sul: UNISC. 2002. Anais... Santa Cruz do Sul, UNISC.

___________. Estratégias da Igreja Católica na organização do turismo religioso no Brasil frente à Globalização. In: BOMBASSARO, L. C., DAL RI Jr, A, PAVIANI J. (Orgs). As Interfaces do humanismo latino. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004. Pág. 385-401.

COOPER C. Educando educadores em turismo: manual de educação em turismo e hospitalidade. São Paulo: Roca, 2001.

CORRÊA, T. G. Reflexões sobre turismo e mercado turístico: o caso do Brasil e dos estados unidos na perspectiva do turismo ecológico como negócio. In: LAGE B.H.G. e MILONE P. C. (Orgs.). Turismo: teoria e prática. São Paulo: ATLAS, 2000. Pág. 94-101.

COSTALONGA, I. M. R. Convento da Penha: mito, peregrinação, turismo religioso. Revista Turismo e Desenvolvimento, v. 2, n. 2, p.141-158, 2003.

DAL RI Jr. A. Evolução histórica e fundamentos Políticos-Jurídicos da Cidadania. In: DAL RI Jr. A. & OLIVEIRA M.O. Cidadania e Nacionalidade: efeitos e perspectivas nacionais – regionais – globais. Ijuí, RS: UNIJUI. 2002. (Col. ciências sociais)

DAMATTA, R. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. 4. ed. Rio de janeiro: Zahar. 1983.

DAMACENA, A.; FERNANDES, S. R. Dinâmicas do catolicismo contemporâneo: uma leitura a partir das crenças e motivações. In: Revista de Catequese. Ano 24. Nº 94. 2001. Disponível em: <http:/www.ceris.org.br/textos/dincatolicismo.asp>. Acesso em: 23 fev. 2003.

DIAS, R.; AGUIAR, M. R. Fundamentos do Turismo. Campinas, SP: Alínea, 2002.

DIAS, R. O turismo religioso como segmento do mercado turístico. In: DIAS, R. e SILVEIRA E. J. S. da (Orgs.). Turismo religioso: ensaios e reflexões. Campinas, SP: Alínea, 2003. Pág. 7-37.

DI BERNARDINO, A. Dicionário patrístico e de antiguidades cristãs. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.

140

DURKHEIM, E. As formas elementares da vida religiosa: o sistema totêmico na Austrália. São Paulo: Martins Fontes, 1996. (Coleção Tópicos).

DUROZOI G.; ROUSSEL A. Dicionário de Filosofia. Campinas, SP: Papirus, 2002. ELIADE, M. O Sagrado e o profano: a essência das religiões. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

EMBRATUR. Turismo religioso: roteiros da fé católica no Brasil. Brasília: [s/e], 2000.

FAGUNDES, J. E. Turismo religioso no santuário de Santa Paulina, Nova Trento – SC: Desafios para a prática de um turismo sustentável. 2004. Dissertação (Mestrado em Turismo e Hotelaria). Universidade do Vale do Itajaí, Balneário Camboriú, SC, 2004.

FEMENICK, T. Algumas reflexões sobre o turismo religioso em Aparecida/SP. Um estudo sobre o turismo religioso em Aparecida. 2000. Disponível em <http://www.tomislav.com.br/monografias.php>. Acesso em; 20 fev. 2006.

FERNANDES R. C. Romarias da paixão. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.

FERRETTI, S. Religião e cultura popular: estudo de festas populares e do sincretismo religioso. Revista Digital de Antropologia Urbana, 2001. Disponível em: <http://www.aguaforte.com/antropologia/osurbanitas/revista/Ferretti.html>. Acesso em: 08 set. 2006.

FREIRE, L. Grande e novíssimo Dicionário da Língua Portuguesa. 3ª ed. Volume A. Rio de Janeiro: José Olympio. 1957.

GAZONI, J. L. Aproveitamento turístico de recursos mítico-religiosos: Os passos de Anchieta. In: DIAS R., SILVEIRA E. J. S. da (Orgs), Turismo religioso: ensaios e reflexões. Campinas, SP: Alínea, 2003. Pág. 95-117.

GEERTZ, C. A Interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC 1989.

GIACOMINI FILHO, G. Atendimento e responsabilidade social como atributos da qualidade do turismo. In: LAGE B.H.G. e MILONE P. C. (Orgs.) Turismo: teoria e prática. São Paulo: Atlas, 2000. Pág. 97-117.

GIOVANNINI JUNIOR, O. Cidade presépio em tempo de paixão: patrimônio cultural, turismo e religiosidade em Tiradentes, 2000. Disponível em: <http://www.naya.org.ar/congreso2000/ponencias/Oswaldo_Giovannini.htm>. Acesso em: 20 jan. 2002.

141

GRABURN, N. H. H. Turismo: el viaje sagrado. In: SMITH, V. L. Anfitriones y invitados: antropología del turismo. Madrid: ENDYMION. 1997. Pág. 45-68. GUIMARÃES, A. E. O sagrado e a história: fenômenos religiosos e a valorização da história a luz do anti-historicismo de Mircea Eliade. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000. (Coleção Teologia, 21).

IENO NETO, G. O esvaziamento do espaço público: do espaço privado ao não lugar, uma resenha de Sennet e Augé. Disponível em: <http://planeta.terra.com.br/educacao/RBSE>. Acesso em: 10 mai. 2005.

JORNAL DO BRASIL. Caderno roteiros da fé. Rio de Janeiro, Publicado em 11 de setembro de 2000.

KOCK, I. V. O texto e a construção dos sentidos. São Paulo: Contexto, 1997.

KNEBEL H. J. Sociologia del turismo: cambios estructurales en el turismo moderno. Barcelona: Editorial Hispano Europea, 1974. (Coleção Biblioteca de Ciências Sociales).

LAGE, B.H.G.; MILONE, P. C. Fundamentos econômicos do turismo. In: LAGE B.H.G.; MILONE P. C. (Orgs.). Turismo: teoria e prática. São Paulo: Atlas, 2000. Pág. 25-37.

LEFÈVRE F; LEFÈVRE A. M. C; TEIXEIRA J. J. V. O discurso do sujeito coletivo: uma nova abordagem metodológica em pesquisa qualitativa. Caxias do Sul, RS: EDUCS, 2000.

LEFÈVRE F; LEFÈVRE A. M. C. O discurso do sujeito coletivo: um novo enfoque em pesquisa qualitativa (desdobramentos). Ed. Revista e ampliada. Caxias do Sul, RS: EDUCS, 2003.

LIMA, M. E. de O. Uma reflexão comunicacional na festa popular do Padre Cícero. Anais do ALAIC, 2002. Santa Cruz de la Sierra, Bolivia. Disponível em: <http://www.eca.usp.br/alaic/material>. Acesso em: 03 abr. 2005.

LOPES, E. Discurso, texto e significação: uma teoria do interpretante. São Paulo: Cultrix, 1978.

MACCANNEL D. The tourist: a new thery of the leisure class. Berkeley: California Press, 1999.

MAGALHÃES, A. Dicionário enciclopédico brasileiro ilustrado. 5. ed. Porto Alegre: Globo, 1955.

142

MAZZA, C. La presenza della Chiesa nel mondo del turismo. 27.03.2001a. Disponível em: <http:/www2.chiesacattolica.it/ceidocs>. Acesso em: 29 nov. 2001. ________. La ripresa dell’interesse ecclesiale. Tendenze per la Pastorale de Turismo e per il Turismo Religioso. BIT Milano, 16.02.2001b. Disponível em >http:/www2.chiesacattolica.it/ceidocs<. Acesso em: 29 nov. 2001.

MESQUITA DE CARVALHO, C. Dicionário prático da língua nacional. 4. ed. Porto Alegre: Globo, 1955.

MINAYO, M. C. de S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 5. ed. São Paulo/Rio de Janeiro: Hucitec/ABRASCO, 1998.

MISSIONÁRIOS REDENTORISTAS. O romeiro da Nossa Senhora Aparecida. Aparecida, SP: Santuário, 1981.

MOESCH, N. M. O Turismo no século XXI: por uma concepção holística. In: GASTAL S.; CASTROGIOVANNI, A. C. (Orgs.). Turismo na pós-modernidade (des) inquietações. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003. Pág. 11-28. (Col. Comunicação; 25).

MONTEJANO, J. M. Estrutura do mercado turístico. 2. ed. São Paulo: Roca, 2001.

MORAES, C. C de A. Algumas reflexões sobre o turismo religioso em Aparecida SP. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE TURISMO, 1 2000, Natal. I Congresso Brasileiro de Turismo, 2000. V. 1.

_____. A questão da demanda turística religiosa em Aparecida (SP). In: BAHL, M. (Org.) Perspectivas do turismo na sociedade pós-industrial. São Paulo: Roca, 2003. Pág. 215-238.

MORIN, E. Cultura de massas no século XX: o espírito do tempo. São Paulo: Forense, 1969. (Col. Culturas em debate).

MULLER, S. A. Turismo e interioridade: a experiência do Caminho de Santiago de Compostela. In: MOSER G.C. Sociologia aplicada ao turismo. Indaial, SC: ASSELVI, 2001. Pág. 87-98.

NASH, D. El turismo considerado como una forma de imperialismo. In: SMITH V. L. Anfitriones y Invitados: antropologia del turismo. Madrid: Endymion, 1997.

NASCIMENTO, S. S. Em busca da Trindade: um estudo antropológico sobre uma romaria goiana. In: Simpósio da Associação Brasileira de História das Religiões. 1999. Disponível em: <http://members.tripod.com/bmgil/papers1.htm>. Acesso em: 20 abr. 2005.

143

_____. A festa vai à cidade: uma etnografia romaria do Divino Pai Eterno, Goiás. 2002. Disponível em: <http://www.n-a-u.org/Nascimento1.html. Acesso em: 04 jan. 2006.

NOVAES, M. H. Turismo religioso. In: ANSARAH. M. G. dos R. (Org.) Turismo: segmentação de mercado. São Paulo: Futura, 1999. Pág. 125-138.

OLIVEIRA, C. D. M. de. A monumentalidade do templo e da romaria. Uma periodização geográfica das peregrinações à basílica de Aparecida. In: RODRIGUES A B. (Org.) Turismo e geografia: reflexões teóricas e enfoques regionais. Campinas, SP: Papirus, 1996. Pág. 262-272.

_____. Centro de apoio ao romeiro de Aparecida: um complexo religioso ou turístico? In: RODRIGUES A B. Turismo, modernidade, globalização. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1999. Pág. 91-101. (Coleção Teoria e Realidade).

_____. Turismo Religioso. São Paulo: Aleph. 2004. (Coleção ABC do turismo).

OLIVEIRA, P. A. R. de. Religião e dominação de classe: gênese estrutura e função do catolicismo romanizado no Brasil. Petrópolis, RJ: Vozes, 1985.

ORGANIZACIÓN MUNDIAL DEL TURISMO. Conceptos, definiciones y clasificaciones de las estadisticas de turismo. Madrid: OMT, 1995. (Manual Técnico nº. 1).

_____. Introdución al turismo. Madrid: OMT, 1998.

_____. Introdução ao Turismo. São Paulo: Roca. 2001.

OURIQUES, H. O. A produção do turismo: fetichismo e dependência. Campinas, SP: Alíena, 2005.

PARKER, S. A sociologia do lazer. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1978.

PIAZZI, A. Sintesi dei giubilei cristiani. In: BELLINATTI C. (org.) Il Veneto e i giubilei: contributto alla storia culturale e spirituale dell’evento in terra veneta (1300-2000). Padova: Il Poligrafo, 1999. Pág. 171-198.

REVISTA TURISMO–VISÃO E AÇÃO. Glossário, Balneário de Camboriú, Ano 2, n.4 , fev. 2000.

RIBEIRO, H. Andar com fé e o sentido do chegar. Instituto Virtual do Turismo, 2002. Disponível em <http://www.ivt-rj.net/caderno/anteriores/6/rotas/rotas.pdf>. Acesso em: 13 abr. 2003.

144

RODRIGUES, A. A. B. Turismo e geografia: reflexões teóricas e enfoques regionais. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1999.

RUSCHMANN, D.V.M. Turismo e planejamento sustentável: a proteção do meio ambiente. 6. ed. Campinas, SP: Papirus. (Col. Turismo)

SALGADO, J. R. Turismo religioso: alternativa de apoyo a la preservación del patrimonio y desarrollo, 2003. Disponível em: <http://www.aguaforte.com/ antropologia/osurbanitas/revista/JavierSalgado.html.> Acesso em: 10 ago. 2006.

SANTIL, J. A. dos S. Animação turística cultural: uso e resgate de manifestações culturais e folclóricas em hotéis resort. Dissertação (Mestrado em Turismo e Hotelaria) – Universidade Vale do Itajaí, Balneário Camboriú, SC. 2001.

SCHNEIDER, M. Memória e história: misticismo, santidade e milagre em São Paulo. São Paulo: T. A. Queiroz, 2001.

SEGALEN, M. Ritos e rituais contemporâneos. Rio de Janeiro: FGV, 2002.

SILVA, Y. F.; CHRISTOFFOLI A. R.; BRITO, H. C. Deslocamento religioso e turismo religioso: concepções antropológicas sobre peregrinação, romaria e caminhada religiosa. Balneário Camboriú, 2004, 35f. Relatório de Pesquisa (Doutorado em Turismo e Hotelaria) - Universidade do Vale do Itajaí, 2004. (Mimeografado).

SILVEIRA, E. J. S. Turismo religioso popular? Entre a ambigüidade do conceito e a oportunidade de negócios. Revista Turismo e Desenvolvimento, v. 2, n. 2, p.141-158, 2003.

_____. Turismo religioso, mercado e pós-modernidade. In: DIAS R. e SILVEIRA E. J. S. da (Orgs.). Turismo religioso: ensaios e reflexões. Campinas, SP: Alínea, 2003. Pág. 39-90.

SIQUEIRA, D. Pluralidade e trânsito religioso entre as novas religiosidades: sincretismo brasileiro constituinte. Simpósio de Religião e História, UNESP, Assis. 1999. Disponível em: <http://members.tripod.com/bmgil/sde47.html>. Acesso em: 15 abr. 2004.

SOIHET, R. Festa da Penha: resistência e interpenetração cultural (1890-1920). In: CUNHA M.C.P. Carnavais e outras f(r)estas: ensaios de história social da cultura. Campinas, SP: UNICAMP - CECULT, 2002. Pág. 341-375.

STEIL, C. A. O Sertão das romarias: um estudo antropológico sobre o santuário de Bom Jesus da Lapa – Bahia. Petrópolis, RJ: Vozes, 1996.

145

_____. O turismo como objeto de estudos no campo das ciências sociais. In: RIEDL, M; ALMEIDA J.A.; VIANA A. L. B. Turismo rural: tendências e sustentabilidade. Santa Cruz do Sul, RS: EDUNISC, 2002. Pág. 51-80.

______. Peregrinação, romaria e turismo religioso: raízes etimológicas e interpretações antropológicas. In: ABUMANSSUR, E. S. (Org.) Turismo religioso: ensaios antropológicos sobre religião e turismo. Campinas, SP: Papirus, 2003a.

______. Peregrinação e turismo: o natal em gramado e canela. Anais XXII Reunião Anual da ANPOCS. Caxambu, 1998. Disponível em: <http://www.clacso.edu.ar/ ~libros/anpocs/steil.rtf>. Acesso em: 27 set. 2003b.

______. Romeiros e turistas no Santuário de Bom Jesus da Lapa. Revista Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v.9, n. 20, p. 249-261, out., 2003c.

TRIGO, L. G. G. Turismo e qualidade: tendências contemporâneas. Campinas, SP: Papirus, 2001.

TURNER, V. W. Image and pilgrimage in christian culture. New York: Columbia Press, 1978

VELOSO, M. P. Turismo: simples e eficiente. São Paulo: Roca, 2003.

WERNET, A. Peregrinação a Aparecida: das romarias programadas ao turismo religioso. In: RODRIGUES A B. Turismo, modernidade, globalização. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1999. Pág. 83-90. Col. Teoria e Realidade).