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ISSN 2176-1396 TURISMO EDUCACIONAL: OPORTUNIZANDO O DIÁLOGO ENTRE TEORIA E PRÁTICA Valquiria Elita Renk 1 - PUCPR Raquel Panke 2 - PUCPR Grupo de Trabalho - Metodologias para o Ensino e Aprendizagem no Ensino Superior Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo A formação de graduando no século XXI exige metodologias de ensino/aprendizagem dinâmicas e que promovam a relação entre os conhecimentos teóricos e a prática. Este é artigo aborda o turismo educacional, através da experiência da visita técnica na formação do Bacharel em Turismo. Objetiva-se relatar e analisar o caráter educacional da visita técnica, realizada na cidade histórica da Lapa, PR, realizada pelos graduandos de Turismo da PUCPR. A visita técnica é uma metodologia de ensino da disciplina de Projeto Integrador e é organizada nas seguintes etapas: o planejamento, a execução, a comunicação dos dados pesquisados e a avaliação. O Projeto Integrador é uma disciplina de caráter obrigatório aos estudantes que objetiva estabelecer a relação entre os conhecimentos teóricos e a prática. Como instrumentos de pesquisa foram analisados o Projeto Pedagógico do Curso de Turismo, o Plano de Ensino da disciplina Projeto Integrador e também os Relatórios apresentados pelos estudantes com a avaliação desta atividade. O diálogo teórico se estabelece entre Turismo e Educação, Morin (2002), Behrens (2005, 2006) Pontchuska et al (2009), Ruschmann (2001), Beni (2003),), Dencker (2003), Moura; Barbosa (2006). A especificidade pedagógica da visita técnica está em seu caráter educativo, formal, planejado, interdisciplinar, que promove o diálogo entre os diferentes campos do saber. Mais do que uma exigência da normatização acadêmica, a visita técnica é uma prática sistemática planejada e também um desafio na superação da dicotomização entre a teoria e prática, que instrumentaliza os graduandos a apreender a realidade social na perspectiva multi e interdisciplinar. Como uma atividade acadêmica curricular, a visita técnica possibilita maior autonomia cognitiva ao educando ao proporcionar vivencias em situações reais, desenvolver a habilidade da observação, do registro, coleta e análise de dados. Palavras-chave: Educação. Turismo Educativo. Visita técnica. 1 Doutora em Educação pela UFPR. Professora Titular da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Professora do Programa de Pós Graduação em Bioética. E-mail: [email protected]. 2 Mestre em Ciências da educação pela Universidade Internacional de Lisboa. Doutoranda em gestão urbana pelo PPGTU PUCPR. Professora Adjunta da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). E-mail: Raquel. [email protected].

TURISMO EDUCACIONAL: OPORTUNIZANDO O DIÁLOGO …educere.bruc.com.br/arquivo/pdf2015/18896_8388.pdf · ISSN 2176-1396 TURISMO EDUCACIONAL: OPORTUNIZANDO O DIÁLOGO ENTRE TEORIA E

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ISSN 2176-1396

TURISMO EDUCACIONAL: OPORTUNIZANDO O DIÁLOGO ENTRE

TEORIA E PRÁTICA

Valquiria Elita Renk1 - PUCPR

Raquel Panke2 - PUCPR

Grupo de Trabalho - Metodologias para o Ensino e Aprendizagem no Ensino Superior

Agência Financiadora: não contou com financiamento

Resumo

A formação de graduando no século XXI exige metodologias de ensino/aprendizagem

dinâmicas e que promovam a relação entre os conhecimentos teóricos e a prática. Este é artigo

aborda o turismo educacional, através da experiência da visita técnica na formação do

Bacharel em Turismo. Objetiva-se relatar e analisar o caráter educacional da visita técnica,

realizada na cidade histórica da Lapa, PR, realizada pelos graduandos de Turismo da PUCPR.

A visita técnica é uma metodologia de ensino da disciplina de Projeto Integrador e é

organizada nas seguintes etapas: o planejamento, a execução, a comunicação dos dados

pesquisados e a avaliação. O Projeto Integrador é uma disciplina de caráter obrigatório aos

estudantes que objetiva estabelecer a relação entre os conhecimentos teóricos e a prática.

Como instrumentos de pesquisa foram analisados o Projeto Pedagógico do Curso de Turismo,

o Plano de Ensino da disciplina Projeto Integrador e também os Relatórios apresentados pelos

estudantes com a avaliação desta atividade. O diálogo teórico se estabelece entre Turismo e

Educação, Morin (2002), Behrens (2005, 2006) Pontchuska et al (2009), Ruschmann (2001),

Beni (2003),), Dencker (2003), Moura; Barbosa (2006). A especificidade pedagógica da visita

técnica está em seu caráter educativo, formal, planejado, interdisciplinar, que promove o

diálogo entre os diferentes campos do saber. Mais do que uma exigência da normatização

acadêmica, a visita técnica é uma prática sistemática planejada e também um desafio na

superação da dicotomização entre a teoria e prática, que instrumentaliza os graduandos a

apreender a realidade social na perspectiva multi e interdisciplinar. Como uma atividade

acadêmica curricular, a visita técnica possibilita maior autonomia cognitiva ao educando ao

proporcionar vivencias em situações reais, desenvolver a habilidade da observação, do

registro, coleta e análise de dados.

Palavras-chave: Educação. Turismo Educativo. Visita técnica.

1 Doutora em Educação pela UFPR. Professora Titular da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).

Professora do Programa de Pós Graduação em Bioética. E-mail: [email protected].

2 Mestre em Ciências da educação pela Universidade Internacional de Lisboa. Doutoranda em gestão urbana

pelo PPGTU PUCPR. Professora Adjunta da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). E-mail:

Raquel. [email protected].

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Introdução

Este artigo é o relato da visita técnica à cidade da Lapa, Paraná. Objetiva discutir e

analisar os aspectos educacionais desta prática metodológica, assim a relação entre os

conhecimentos teóricos e práticos na formação acadêmica do Bacharel em Turismo. O

turismo educacional tem como base a educação do turismo, ou seja capacitar pessoas a

conhecer a atividade do turismo, suas características, seu envolvimento e sua aplicabilidade.

As visitas técnicas realizadas na formação do Graduando em Turismo, são viagens e

estudo do meio com o objetivo de transpor o conhecimento teórico, contribuindo para tornar

as aulas mais dinâmicas e interativas. Ante a complexidade do espaço geográfico e turístico,

um dos desafios na formação destes profissionais, é como superar a fragmentação disciplinar

e aliar os conhecimentos teóricos à experiência das vivências. Uma das necessidades do

ensino é a de ultrapassar os muros dos espaços escolares e integrar a realidade social ao

processo de aprendizagem.

A visita técnica em análise foi realizada na cidade histórica da Lapa, Paraná. Esta

cidade se formou no século XVIII, situada no antigo Caminho do Viamão e tem grande parte

do patrimônio arquitetônico preservado. Distante 60 km de Curitiba, integra as “Rotas do

Pinhão de Curitiba e Região Metropolitana do Paraná”, na regionalização do Turismo do

Paraná (SECRETARIA DO TURISMO DO PARANÁ, 2013).

Este artigo está organizado em três etapas: na primeira serão discutidos os aportes

teóricos sobre a visita técnica e o turismo educativo; na segunda etapa é conhecida a dinâmica

da disciplina Projeto Integrador, as etapas de desenvolvimentos e execução da visita técnica e

na terceira parte são apresentadas as avaliações dos estudantes sobre a vista técnica.

O caráter educativo e formativo da visita técnica

As viagens de caráter pedagógico são parte da tradição do turismo. Oliveira (2001)

registra que, no século XVI, teve início na França o Petit Tour e o Grand Tour, que consistiam

em viagens a lugares e cidades históricas e culturais, de aprendizado aos aristocratas,

acompanhados por seus tutores (BARBOSA, 2002). O Turismo Educacional pode ser

considerado como a retomada das viagens de estudo e insere-se no contexto do ‘viajar para

aprender’ (BENI, 2003, SWARBROOKE; HORNER, 2002). A Organização Mundial do

Turismo - OMT, (2003) considera que o Turismo pode ser educativo, pois o visitante ao

conhecer um lugar também está aprendendo sobre a cultura, a história e sociedade. O

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Ministério do Turismo considera que o “Turismo de Estudos e Intercâmbio constitui-se da

movimentação turística gerada por atividades e programas de aprendizagem e vivências para

fins de qualificação, ampliação de conhecimento e de desenvolvimento pessoal e profissional”

(MTur, 2015, p. 19). Neste sentido é importante que os cursos de graduação em Turismo

dialoguem com a realidade e ampliem os espaços educativos para além dos muros da

universidade (GADOTTI, 2000). O Turismo Pedagógico pode ser entendido como uma

modalidade de turismo que serve às instituições educacionais em suas atividades educativas

(ANDRIOLO; FAUSTINO, 1997, p. 165). Neste sentido, é uma metodologia inovadora

relacionando a teoria à prática, oportuniza os estudantes conhecer de forma multidisciplinar.

Além disso, possibilita a aplicabilidade e a verificação conceitual, uma vez que são os

componentes do ambiente da aprendizagem que dão origem à estimulação para o aluno.

A especificidade educacional da visita técnica está em seu caráter educativo, formal,

planejado, interdisciplinar, que promove o diálogo entre os diferentes campos do saber. A

vivência em campo também permite que os alunos exercitem os aspectos éticos de respeito

aos outros, às outras culturas e ao meio ambiente. A visita técnica “é uma atividade não

apenas física, mas, principalmente mental, de elaboração, que apela para conhecimentos e

habilidades já adquiridos e os enriquece, de modo que o aluno volte à escola modificada, mais

rica em conhecimentos e experiências” (LIBÂNEO, 2013, p. 189, 190). No curso de

Bacharelado em Turismo da PUCPR, a visita técnica é uma prática pedagógica sistematizada

na disciplina de Projeto Integrador e desenvolvida a partir da metodologia do Ensino por

Projetos. Neste sentido, ela se constitui numa metodologia de ensino interdisciplinar, como

analisa Pontuschka et all (2009, p. 173) “que pretende desvelar a complexidade de um espaço

determinado extremamente dinâmico e em constante transformação, cuja totalidade

dificilmente uma disciplina isolada pode dar conta de compreender”.

A universidade precisa superar a rigidez da lógica clássica por uma dialógica e que o

conhecimento progride pela capacidade de conceituar e globalizar. Edgar Morin (2002)

analisa que o pensamento complexo requer que se captem as relações e as inter-relações, as

realidades, o respeito à diversidade e um pensamento organizador que concebe a relação entre

as partes. O conhecimento disciplinar tão caro ao saber universitário no século XX passa a ser

repensado para atender a complexidade do século XXI. A interdisciplinaridade é

compreendida como as “diferentes disciplinas se encontram reunidas [...] ela pode querer

dizer a troca e cooperação e, deste modo transformar-se em algo orgânico” (MORIN, 2002,

p.48).

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A visita técnica é uma atividade acadêmica desenvolvida nas seguintes etapas: o

planejamento, a execução e a apresentação dos resultados. Ao efetivar esta atividade, os

estudantes graduandos ultrapassam a condição de turistas, no sentido da experiência pessoal.

(SPINOLA DA HORA; CAVALCANTI, 2003). Desta forma, é uma ação pedagógica que

permite o diálogo entre os campos do saber, a superação do fazer pedagógico disciplinar e a

reflexão permanente das ações e metodologias educacionais. Possibilita maior autonomia

cognitiva ao educando ao proporcionar vivencias em situações reais, desenvolve a habilidade

da observação, do registro, coleta e análise de dados e amplia as possibilidades de novas

pesquisas. No campo cultural e ético também permite conhecer o ‘outro’ em suas

manifestações culturais e éticas.

O Projeto Integrador posto em prática: a visita técnica como possibilidade de apreensão

do espaço turístico

O curso de Bacharel em Turismo da PUCPR iniciou em 1999, atendendo uma

necessidade de formação de profissionais qualificados. As matrículas são semestrais com a

opção de disciplinas obrigatórias, optativas e especiais. As atividades de integração entre as

diversas disciplinas se efetivam nas atividades pedagógicas de organização de eventos, a

realização de visitas técnicas, a utilização de laboratórios de práticas profissionais como a

Agência Escola3, conforme estabelecido no Art. 5 §III das Diretrizes Curriculares Nacionais

de Graduação em Turismo. O curso está organizado em conformidade com as Diretrizes

Curriculares Nacionais – DCN - para cursos de Bacharelado em Turismo, que evidenciam o

caráter multidisciplinar da formação e o contato com o mercado de trabalho através dos

estágios, visitas técnicas e laboratórios de aprendizagem (DCN, 2000). Neste sentido, as

instituições de ensino superior têm o compromisso com a formação profissional técnica,

teórica, prática e ética do bacharel em Turismo (OMT, 1999).

O Turismo desempenha o papel de atividade econômica nas localidades envolvidas e

também é uma estratégia de aprendizagem assumindo um papel educativo. O

desenvolvimento de atividades e projetos de cunho interdisciplinar apresenta-se como

alternativa para a superação da fragmentação dos saberes disciplinares. De acordo com

DENCKER (2002, p.83)

3 A Agência Escola é uma agência de Turismo que funciona em parceria com uma agência profissional, nas

dependências da instituição que é um campo de estágio.

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A construção da interdisciplinaridade dentro do currículo passa por ações cujo objetivo é permitir conciliar seus objetivos com as necessidades administrativas da

estrutura universitária. Essas ações envolvem remuneração de horas dedicadas à

atividade, número de horas dentro da grade curricular, atribuições de competências;

ou seja, é preciso confrontar a flexibilidade, interação e criatividade interdisciplinar

com a necessidade da instituição escolar de disciplinar, organizar e sistematizar de

forma compartimentalizada os resultados obtidos.

Para viabilizar a interdisciplinaridade na formação do Bacharel em Turismo, na matriz

curricular há a disciplina Projeto Integrador. Esta tem o caráter de integrar os conhecimentos

através de estudos, pesquisas e visitas técnicas, com a metodologia de Ensino por Projetos.

Esta metodologia é definida, como os “projetos desenvolvidos por alunos em uma (ou mais)

disciplina(s), no contexto escolar, sob a orientação do professor, e têm por objetivo a

aprendizagem de conceitos e desenvolvimento de competências e habilidades específicas”

(MOURA & BARBOSA, 2006, p. 12). A sistematização da visita técnica é definida a partir

de um Projeto, com etapas organizadas e articuladas entre si, que são: a vivência, a

observação e a sistematização dos resultados (COSME; TRINDADE, apud BEHRENS, 2006,

p. 37). Neste sentido, o Projeto Integrador, articula as diferentes disciplinas do curso, propicia

conhecer a realidade social e a formação ética dos alunos (PPCT, 2013).

A sistematização da visita técnica coloca aos docentes envolvidos algumas questões,

tais como: o que investigar? Como orientar a elaboração e expressão da síntese no final desta

atividade? (FANTIN; TAUSCHEK, 2005).

A seguir são apresentadas as etapas de sistematização das visitas técnicas:

- Etapa de Planejamento: O Colegiado do curso define qual será o espaço a ser objeto

do Projeto Integrador, de acordo com as disciplinas e conteúdos de cada período letivo do

curso. O Professor responsável pela disciplina define o local da visita técnica são organizados

os objetivos, os conteúdos a serem abordados e o roteiro. Os professores envolvidos abordam

os conteúdos referentes ao espaço objeto de estudo, nos seus Planos de Ensino, trazem textos

de apoio teórico, fontes iconográficas, mapas, indicam outras fontes de pesquisa. O professor

da disciplina organiza a visita técnica em seus aspectos burocráticos e organiza as equipes de

alunos e suas responsabilidades na sistematização dos instrumentos de coleta de dados e das

entrevistas. Enfatizam-se os aspectos éticos do turismo e de respeito à diversidade social e

cultural.

- A execução do projeto. É a vista técnica propriamente dita. O roteiro é a visita ao

centro histórico da cidade do século XVIII, tombado pela Secretaria de Estado da Cultura do

Paraná, em 1989 (SECRETARIA DE ESTADO DA CULTURA, 2013). Em campo, a

22100

observação sistemática, orientada e explorada pela intervenção qualificada do professor é de

importante significado pedagógico (GELPI; SCHÄFFER, 2003). No roteiro pelo centro

histórico da cidade observam-se os aspectos arquitetônicos da cidade, conhecem as políticas

de preservação do patrimônio histórico e cultural, nas visitas aos museus, igrejas, casas de

memória, teatro e outros espaços culturais. Realizam entrevistas com os moradores, com os

visitantes, com os funcionários dos espaços museológicos, dos restaurantes e dos espaços de

hospedagem. Este processo de coleta de dados permite conhecer as falas dos sujeitos

envolvidos com o turismo e representam importante material empírico para ser analisado.

-A Exploração dos resultados em sala, os estudantes e os professores partilham das

informações, revelam os registros, organizam os dados, analisam os resultados e relacionam

com os aspectos teóricos e éticos. Os estudantes são confrontados com a dinâmica de

organização e execução de um projeto e do trabalho em equipe. Além do campo cognitivo, os

participantes partilham das impressões afetivas sobre o espaço, constroem os significados, os

nexos, as contradições e vislumbram as áreas de trabalho do Bacharel em Turismo.

-A comunicação dos resultados através da elaboração do Relatório da Visita Técnica.

Este é organizado segundo um roteiro previamente disponibilizado pelo coordenador da

disciplina e que também é parte da avaliação da disciplina. Deve estar o registro dos

conhecimentos apreendidos, as impressões, as descobertas e a relação com os aportes teóricos

do turismo.

A avaliação da disciplina Projeto Integrador é realizada em três etapas. A primeira é

no desenvolvimento do Projeto de Estudos, a segunda etapa é o desenvolvimento das

atividades de coleta de dados no campo, sua análise e discussão dos resultados e a terceira é a

elaboração do Relatório. Os procedimentos de avaliação do Projeto Integrador são: a

participação, desempenho dos alunos nas dinâmicas de sala, execução das etapas na aula de

campo, a elaboração e entrega do Relatório.

A visita técnica, ora relatada, apresenta uma possibilidade de desenvolvimento dos

conteúdos de caráter interdisciplinar. A importância da preservação dos bens materiais e

imateriais preservados denota a importância dos aportes teóricos da História, da Geografia e

da Sociologia para a compreensão do processo de construção do espaço turístico e articulação

entre as áreas do conhecimento e as políticas de turismo, as políticas culturais de preservação

do patrimônio local e nacional.

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Conhecendo a Lapa e discutindo os resultados da visita técnica

Conhecer a cidade objetiva conhecer os modos de vida da população local, a

organização espacial, a preservação do patrimônio histórico cultural. Pedro Demo (2000)

entende esta construção do conhecimento como um princípio educativo, a inovar a realidade.

A visita técnica possibilita aos estudantes conhecer uma nova realidade, interagir com a

cultura local, estabelecer relações entre a especificidade da atividade turística e o respeito à

diversidade cultural. Fourez (1995) afirma que para estudar uma determinada questão do

cotidiano, é preciso uma multiplicidade de enfoques.

Ao sair de Curitiba, os alunos observam a transformação do espaço metropolitano: a

área industrial, a periferia da metrópole, passando por cidades menores, até aos campos de

criação de gado e agricultura. O espaço geográfico é entendido como o resultado da

materialidade construída pela sociedade e as relações sociais que a construíram (SANTOS

1996). Lapa é uma cidade histórica, que tem grande parte do patrimônio histórico preservado,

pela Constituição Brasileira, nos artigos 215 e 216. O IPHAN (Instituto do Patrimônio

Histórico e Artístico Nacional), considera o patrimônio material nos bens imóveis como os

núcleos urbanos, sítios arqueológicos e paisagísticos e bens individuais e o patrimônio

imaterial são as práticas e domínios da vida social que se manifestam em saberes, ofícios e

modos de fazer” (IPHAN, 2013).

A memória histórica ou memória coletiva da Lapa, objeto das políticas de preservação,

foi construída sobre o ‘Cerco da Lapa’, parte da Revolução Federalista, ocorrido em 1894.

Muitas edificações tombadas pelos órgãos de preservação da memória eram residências e hoje

são museus, são lugares de memória, que trazem em si o sentido simbólico, que revelam o

passado (NORA, 1993). Os espaços religiosos e sagrados visitados são Igreja de Santo

Antônio, o Santuário de São Benedito e a Gruta do Monge. São entendidos como espaços

significativos para os diferentes grupos sociais e de pertencimento religioso.

A cultura dos Tropeiros, que foi tão importante no transporte de muares e mercadorias

pelo interior do Brasil, na fundação de cidades e caminhos, nos séculos XVIII e XIX, tem

pouco espaço de representação social na Lapa. A memória faz parte da identidade individual

ou coletiva, construída socialmente e que os indivíduos recorrem (LE GOFF, 1996,

HALBWACHS, 1968). Isto reflete uma opção dos órgãos de preservação do patrimônio

durante o processo de construção da memória coletiva, que, na construção de uma identidade

cultural, privilegiou o patrimônio histórico e arquitetônico.

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A visita técnica analisa o espaço turistificado, relacionado aos aspectos da oferta local,

quanto aos interesses de grupos específicos da demanda, objeto de análise das diferentes áreas

do Turismo. Com relação à oferta dos serviços turísticos, a cidade da Lapa caracteriza-se

culturalmente do ponto de vista histórico, religioso, gastronômico com elementos de

atratividade turística, já com relação à demanda, suscita e motiva a visitação de grupos

formados especialmente pelo turismo da terceira idade, por historiadores, por estudantes de

diferentes faixas etárias e por visitantes do entorno. O estudante do curso de Turismo

materializa conceitos das diferentes áreas do Turismo, das tipologias da atividade turística,

além de desenvolver a percepção interdisciplinar do espaço.

A avaliação da Visita Técnica, sob o olhar dos alunos.

Para os estudantes4, a visita técnica representa um momento importante na formação

acadêmica. Os seus registros, colhidos, a partir dos Relatórios de Visita Técnica, permitem

avaliar a importância por eles atribuída a esta atividade. A seguir os resultados são

sistematizados e apresentados pelo olhar dos estudantes.

a) Estabelecendo relações entre a teoria e a realidade – O Estudante 1 analisa”

Algumas das soluções para o município desenvolver –se turisticamente, é uma atenção maior

dos órgãos públicos aos atrativos naturais, hoje pouco explorados na região”. Esta fala do

aluno traz um olhar mais acurado ante o planejamento turístico e as relações entre o poder

público. Quando o estudante não é só um turista, mas, também futuro profissional, a cidade é

observada com mais critério. “A visita técnica proporcionou a formação de um olhar mais

técnico da cidade, mostrou que a cidade necessita de ideias novas para chamar a atenção do

turista, proporcionar a população gratuitamente informações, palestras, cursos sobre a

importância do turismo para a economia, para a conscientização ambiental, para a atividade

turística sustentável. E principalmente preparar a população para a recepção do turista”

(Estudante 5). O Estudante 4, relata o valor pedagógico e educacional da visita técnica para a

sua formação profissional. “Para nós, estudantes de turismo, a visitação é um entendimento de

como funciona o planejamento da atividade turística em um município e de todos os fatores

que a mesmo envolve. Foi de grande valia, tanto para nós no sentido acadêmico, quanto para

o crescimento profissional e pessoal”. Também firmou a importância da conscientização e

preservação do patrimônio cultural e natural e principalmente a valorização da identidade

4 Os estudantes não serão nominalmente identificados e sua identidade será preservada. Serão nominados como

estudante 1, estudante 2 e assim por diante.

22103

local. ”Portanto acredito que a visita agregou a nossa futura formação de turismólogos, em

termos de conhecimentos e experiências.“ O depoimento demonstra que a visita técnica,

supera as dicotomias de o ensino disciplinar e apresenta-se com uma atividade

multidisciplinar. O estudante 7 analisa em seu depoimento “A respeito a visita a Lapa, foi

com o intuito de conhecermos os patrimônios históricos urbanos fazendo uma correlação com

as disciplinas, porém a visitação foi muito além das perspectivas. Além dos patrimônios

históricos conhecemos também a gastronomia, costumes, e a própria história da região que

interferiu muito na história brasileira e paranaense.”

b) Planejamento Turístico: O Estudante 4 “Conclui-se com esta visita que a atividade

turística, como qualquer outra, necessita de planejamento e entendimento de todos os setores

envolvidos (público e privado) pois para que este traga benefícios aos moradores e visitantes é

preciso pensar de forma integrada”. “A cidade necessita de um projeto para ampliar a

permanência do turista’ (Estudante 6 e Estudante 1). A necessidade do planejamento turístico

ser reavaliado. As explicações dadas pelos técnicos nos espaços culturais visitados são

importantes, conforme relatado pelo Estudante 3. “Com a visita ao patrimônio, tivemos a

palestra e assim obtivemos conhecimento de alguns problemas turísticos da cidade, como

sendo um deles e talvez o maior problema, o fato de o turista permanecer na cidade apenas

um dia. A necessidade de infra estrutura é condição para a melhoria da qualidade de vida dos

moradores e também dos turistas. Assim, o Estudante 2, analisou que o município deveria

“Investir em melhorias da sua infra estrutura, trabalhando de muitas formas para melhorar e

deixar a imagem da cidade.”

c) Relação com os Turistas: “A visita técnica esclareceu muitas coisas sobre como se

trata o turista no município. Pode-se observar de maneira mais específica a importância que

os autóctones dão ao turista (estudante 2). Este depoimento evidencia a necessidade de

respeitar as diferenças sociais e culturais, implicam no reconhecimento da diversidade cultural

e no respeito mútuo entre os moradores e os turistas. A acessibilidade aos portadores de

deficiências ou mesmo para atender inúmeros grupos de terceira idade foi uma situação que

sensibilizou os alunos. As calçadas de pedra, a ausência de rampas, e elevadores, dificultam o

acesso aos atrativos turísticos. “Pudemos perceber que há algumas falhas na infra estrutura

turística, como a falta de acessibilidade para os portadores de deficiências ou com

necessidades especiais de locomoção” (Estudante 3). Este relato é corroborado com de outro

aluno, que afirma: “Não há acessibilidade para os portadores de necessidades especiais.”

22104

(Estudante 6). As críticas relatadas pelo aluno devem ser entendidas como possibilidades de

contribuição ao planejamento turístico.

Estes depoimentos evidenciam que os graduandos passam a ‘olhar’ o espaço

geográfico com uma sensibilidade para a importância do envolvimento do setor público e

privado na elaboração do planejamento turístico.

A importância e a sensibilidade para a preservação do patrimônio foi outra questão

identificado com um dos resultados da visita técnica. Os depoimentos dos estudantes

demonstraram o caráter educacional da visita técnica e sua característica inter e

multidisciplinar. Os estudantes ressaltam os múltiplos olhares sobre o objeto em estudo,

manifestações culturais e patrimônio histórico, evidenciando a associação dos conteúdos das

diversas disciplinas envolvidas. Assim, pode-se afirmar que o conhecimento teórico e a

observação da realidade, ultrapassam os limites disciplinares e no dizer de Morin (2002),

ocorre a troca e a transformação.

A visita técnica também tem a dimensão ética e um exercício de cidadania, na medida

em que os alunos percebem, registram, respeitam as diversidades culturais. E mais, quando

reconhecem as alteridades entre os moradores e os turistas e a necessidade de que as trocas

entre ambos sejam respeitosas. Gadotti (2004, p. 8) analisa que “a escola não deve apenas

transmitir conhecimentos, mas também se preocupar com a formação global dos alunos, em

uma visão em que o conhecer e o intervir no real se encontrem”. A visita técnica permite

confrontar os conhecimentos teóricos e práticos das diferentes disciplinas e construir novos

conhecimentos.

Considerações Finais

Pretendeu-se, com este trabalho, discutir a importância da visita técnica na formação

do Bacharel em Turismo, evidenciando seu caráter educativo interdisciplinar. A educação do

século XXI necessita estabelecer relações entre os conteúdos teóricos e as situações reais. O

ensino do turismo deve ser pautado pela inovação superando os limites existentes entre as

disciplinas na busca pela concretização de uma nova área do conhecimento através da

interdisciplinaridade.

A dinâmica interdisciplinar do turismo possibilita um ensino dinâmico, instigante, e

corrobora com as perspectivas educacionais de que o processo de aprendizagem não pode ser

passivo e apreender os aspectos teóricos e práticos. Neste sentido, a visita técnica propicia o

22105

estabelecimento da relação entre a teoria e a prática por meio da análise da realidade, instigar

a busca do conhecimento da realidade e preparar o aluno a lidar com os contextos sociais.

Esta visita técnica possibilita ao estudante compreender as formas de preservação do

patrimônio histórico e cultural, a importância do patrimônio material e imaterial para

desenvolver a atividade turística no município, compreenda as políticas de Turismo, para

preservar o patrimônio e gerar renda. Por outro lado, também é um exercício de cidadania

para os alunos, ao confrontar-se com diferentes realidades, podem vivenciar o que é cultura

local, o respeito à comunidade local, tornam-se um exercício de respeito e ética.

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