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8/22/2019 Turma 23 - Caso Coleta de Lixo
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A tenso na definio de competncias
entre Judicirio e Executivo a coleta de
lixo
1. Introduo
Com a promulgao da Constituio de 1988, muitos temas
passaram a ser analisados pelo Poder Judicirio, transferindo-se questes
de cunho poltico, tpicas do Poder Executivo e do Legislativo, para o
ramo de poder com funo jurisdicional. Esse fenmeno conhecido
como judicializao da poltica, ou seja, quando questes de cunho
poltico passam a ser definidas pelo Poder Judicirio.
Nesse contexto, considerando ainda o extenso leque de direitossociais, o Poder Judicirio passa a ser tambm demandado em questes
polticas mais especficas, previstas ou no em polticas pblicas. Essa
judicializao das polticas pblicas possui inmeras possibilidades de
anlise. Uma delas quanto ao papel do Poder Judicirio na efetivao
de direitos sociais constitucionalmente previstos. Quando e em que
termos pode ou deve o Poder Judicirio efetivar um direito social?
O presente caso1 aborda dois direitos sociais: o direito sade e
ao meio ambiente saudvel. Contudo, a complexidade deste estudo de
caso reside no fato de existir uma poltica pblica, que questionada no
Poder Judicirio.
Assim, alm dos questionamentos sobre a pertinncia da atuao
do Poder Judicirio, uma segunda problemtica surge: em que medida a
atuao do Poder Judicirio, substituindo uma poltica pblica definida
por ator eleito (no caso prefeito), afeta a democracia?
2. Dilemas da judicializao
O Ministrio Pblico do Estado de Minas Gerais ajuizou uma ao
civil pblica (ao de carter coletivo) contra o Municpio de Cambuquira,
para obrig-lo a efetuar diariamente a coleta de lixo residencial,
Elaborado por Julia Maurmann Ximenes
(2012)
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2 A tenso na definio de competncias entre Judicirio e Executivo a coleta de lixo Elaborado por Julia MaurmannXimenes
comercial e hospitalar, pois o recolhimento estava sendo feito uma nica
vez por semana.
De acordo com laudo pericial, o acmulo de lixo no interior das
residncias, nas ruas da cidade e, principalmente, em estabelecimentos
de sade (hospitais, clnicas mdicas, laboratrios, farmcias, drogarias
e centros de sade) vinha provocando o aparecimento de moscas, insetos
(baratas e escorpies), ratos, bactrias, fungos e vrus, motivadores do
surgimento de vrias patologias como gastroenterites, diarreias, micoses,
parasitoses e zoonoses.
O municpio coletava diariamente o lixo at a proibio de depsito
no terreno denominado Boa Vista e, apesar de imediatamente ter
conseguido outro terreno, passou a coletar o lixo uma vez por semana,
no perodo da tarde, aps a feitura dos demais servios. O lixo deveria
ficar no interior das moradias e dos estabelecimentos comerciais at a
data e hora estabelecidas para a realizao do recolhimento, e os que
no cumprissem a regra seriam multados diante do descumprimento da
lei. Considerando o flagrante risco sade da populao, o Ministrio
Pblico ajuizou a ao contra o municpio.
O juiz de 1 grau condenou o municpio, salientando que a coleta do
lixo e a limpeza dos logradouros so servio pblico essencial e,
portanto, submetido ao princpio da continuidade. A interrupo ou a
prestao de forma descontinuada extrapolou os limites da legalidade
e afrontou o respeito dignidade humana, pois o cidado necessitava
utilizar esse servio pblico, o qual indispensvel sua vida em
comunidade.
O municpio no aceitou a condenao e recorreu. O Tribunal de
Justia, aps recurso da prefeitura, reformou a sentena, entendendo
que sem lei especfica no seria possvel obrigar o municpio a realizar as
coletas dirias do lixo e que a definio da periodicidade estaria no
mbito da discricionariedade do administrador. Nesse sentido, no
caberia a ingerncia do Judicirio nessa esfera da administrao, at
porque a matria interferiria diretamente na competncia privativa dotitular do Executivo, envolvendo, aleatoriamente, anlise de existncia
de dotaes financeiras e recursos materiais que somente o municpio
tem condies de considerar e aferir.
Dessa deciso, o Ministrio Pblico apresentou recurso especial e o
Superior Tribunal de Justia (STJ) reformou a deciso para novamente
condenar a prefeitura nos termos da sentena do Juzo de 1 grau.
Na discusso que ocorreu no STJ, destacam-se dois pontos: primeiro,
buscou-se analisar a efetividade dos direitos garantidos a todos os
cidados pela Constituio Federal; segundo, questionou-se se o Poder
Judicirio teria capacidade para intervir na poltica oramentria do
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3A tenso na definio de competncias entre Judicirio e Executivo a coleta de lixo Elaborado por Julia MaurmannXimenes
Veja mais casos em http://casoteca.enap.gov.br
estado, que j havia definido como iria investir o dinheiro que tinha nas
atividades de sade pblica e meio ambiente.
Sobre a primeira discusso, foram resgatados os argumentos do juiz
de 1 grau, que invocou o art. 22 do Cdigo de Defesa do Consumidor2,
que obriga a prestao contnua do servio de coleta de lixo, considerada
atividade essencial.
A argumentao do juiz de 1 grau foi que a coleta de lixo corresponde
a necessidades inadiveis da populao, impondo a regncia da atividade
pelo princpio da continuidade. At porque a interrupo do servio
violaria a dignidade da pessoa humana, reconhecendo-se o asseio
pblico como indispensvel para a vida em comunidade. Assim, segundo
o STJ, o Poder Executivo demonstrou m vontade ao no priorizar a
coleta.
Quanto ao segundo argumento, a concluso foi de que no caberia
ao administrador qualquer parcela de discricionariedade no
oferecimento de servios de natureza essencial populao, consagrados
na Constituio como fundamentais. A prefeitura alegou que a coleta
de lixo norma programtica a ser aplicada conforme discricionariedade
do administrador.
Para o STJ, a Constituio Federal trouxe uma srie de direitos de carter
social, que foram sendo implementados ao longo dos anos, tendo
modificado significativamente a dinmica dos poderes. A funo estatal
foi profundamente modificada, deixando de ser eminentemente
legisladora, em prol das liberdades pblicas, para se tornar mais ativa,
com a misso de concretizar polticas de transformao da realidade social.
Dessa nova dinmica, o Poder Executivo possui a misso de
implementar as polticas pblicas, mas o Poder Judicirio recebeu o poder
de fiscalizar e assegurar que os direitos que a Constituio conferiu
populao sejam, de fato, garantidos a todos.
A problemtica discutida foi: pode o Judicirio, diante da omisso do
Poder Executivo, interferir nos critrios da convenincia e oportunidade
da administrao, para dispor sobre a prioridade da efetivao de direito
social fundamental?
Para os ministros do STJ, o que torna vlida a interferncia do Poder
Judicirio a omisso do Poder Executivo em assegurar todos os direitos
constitucionais, importando em uma ilegalidade que precisa ser
corrigida, cabendo, nesse ponto, a interveno jurisdicional.
Para o STJ, os direitos sociais no podem ficar condicionados
exclusivamente vontade do administrador pblico de execut-los. A
condio de direito constitucional exige a sua implementao pelo Poder
Executivo, mediante aes positivas e concretas para que o direito se
efetive.
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Assim, cabido considerar o servio de coleta de lixo como essencial,
sendo amparado por direito fundamental sade e ao meio ambiente.
Nesse sentido, sua prestao de forma descontnua acarreta srios danos
sade pblica, sendo a competncia dada ao Poder Judicirio para
corrigir o rumo da poltica pblica definida pelo municpio.
Notas
1 Todos os argumentos aqui apresentados foram retirados do relatrio
e do voto do relator no Recurso Especial n 575.998-MG.
2 Cdigo de Defesa do Consumidor (Lei n 8.078/90), art. 22. Os rgos
pblicos, por si ou suas empresas, concessionrias, permissionrias
ou sob qualquer outra forma de empreendimento, so obrigados a
fornecer servios adequados, eficientes, seguros e, quanto aos
essenciais, contnuos.