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ROTEIRO DE CURSO 2012.2 TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS AUTORES: JULIANO OLIVEIRA BRANDIS / PEDRO FORTES REVISÃO: JOSÉ AUGUSTO GARCIA DE SOUSA

Tutela Coletiva de Direitos 2012-2

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ROTEIRO DE CURSO 2012.2

TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

AUTORES: JULIANO OLIVEIRA BRANDIS / PEDRO FORTES

REVISÃO: JOSÉ AUGUSTO GARCIA DE SOUSA

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SumárioTutela Coletiva dos Direitos

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................................... 3Aulas 1 a 3: Tutela Coletiva — Noções iniciais e as três modalidades de direitos coletivos .............. 3

AÇÃO CIVIL PÚBLICA .......................................................................................................................................... 15Aulas 4 e 5: Cabimento e objeto .................................................................................................. 15Aula 6: Ministério Público — Atuação e legitimidade .................................................................. 23Aula 7: Demais legitimados ......................................................................................................... 32Aulas 8 e 9: Competência, coisa julgada e temas correlatos .......................................................... 45Aula 10: compromisso de ajustamento de conduta ...................................................................... 61Aula 11: Inquérito civil ................................................................................................................ 69Aula 12: Execução. Fundos .......................................................................................................... 75Aula 13: Outras questões processuais ........................................................................................... 84

OUTRAS AÇÕES CONSTITUCIONAIS......................................................................................................................... 90Aulas 14 e 15: Ação de Improbidade Administrativa .................................................................... 90Aulas 16 a 18: Ação Popular ........................................................................................................ 97Aulas 19 e 20: Mandado de injunção ......................................................................................... 105Aulas 21 A 24: Mandado de segurança — individual e coletivo ................................................. 111Aulas 25 e 26: Habeas data ........................................................................................................ 126

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

FGV DIREITO RIO 3

1 CAPPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant.

Acesso à justiça. Tradução: Ellen Gracie

Northfl eet. Porto Alegre: Sergio Anto-

nio Fabris, 1988, p.71.

2 CINTRA, Antônio Carlos de Aráujo;

GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMAR-

CO, Cândido Rangel. Teoria Geral do

Processo. 23ª ed. São Paulo: Malheiros,

2007, p. 39.

3 De acordo com CINTRA, GRINOVER e

DINAMARCO, há óbices para a efetivida-

de do processo, que situam-se, dentre

outros, no ponto sensível denominado

pelos autores de “admissão ao processo

(ingresso em juízo)”. E argumentam: “É

preciso eliminar as difi culdades econô-

micas que impeçam ou desanimem as

pessoas de litigar ou difi cultem o ofere-

cimento de defesa adequada. A oferta

constitucional de assistência jurídica

integral e gratuita (art. 5º, inc. LXXIV)

há de ser cumprida, seja quanto ao ju-

ízo civil com ao criminal, de modo que

ninguém fi que privado de ser conve-

nientemente ouvido pelo juiz, por falta

de recursos. A justiça não deve ser tão

cara que o seu custo deixe de guardar

proporção com os benefícios pretendi-

dos. É preciso também eliminar o óbice

jurídico representado pelo impedimen-

to de litigar para a defesa de interesses

supra-individuais (difusos e coletivos);

a regra individualista segundo a qual

cada qual só pode litigar para a defesa

de seus próprios direitos (CPC, art. 6º)

está sendo abalada pela Lei da Ação

Civil Pública (lei n. 7347, de 24.7.85),

que permite ao Ministério Público e às

associações pleitear judicialmente em

prol de interesses coletivos ou difusos,

assim como, v.g., pela garantia cons-

titucional do mandado de segurança

coletivo, que autoriza partidos políticos

e entidades associativas a defender

os direitos homogêneos de toda uma

categoria, mediante uma só iniciativa

em juízo”. CINTRA, Antônio Carlos de

Aráujo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DI-

NAMARCO, Cândido Rangel, op. cit., p.

40-41.

INTRODUÇÃO

AULAS 1 A 3: TUTELA COLETIVA — NOÇÕES INICIAIS E AS TRÊS MODALIDADES DE DIREITOS COLETIVOS

A — CASO

A quebra de uma barragem mantida por uma mineradora em Minas Ge-rais gerou o alagamento de diversas casas na cidade de Bicas, além de afetar trecho da Mata Atlântica do local, o que ocasionou a morte de diversos ani-mais. Qual ou quais os direitos coletivos afetados por esse fato?

B — INTRODUÇÃO

Inicialmente, vale recordar as três ondas renovatórias do acesso à justiça, tal como referidas por Mauro Cappelletti1 em obra sobre o assunto: uma primeira onda ligada à assistência judiciária aos economicamente hipossu-fi cientes; uma segunda onda relacionada à representatividade dos direitos coletivos e difusos em juízo; e uma terceira onda consistente na necessidade de adaptação e adequação do processo civil ao tipo de litígio. O objeto do presente estudo, portanto, correlaciona-se com a segunda onda renovatória de Cappelletti.

Percebe-se logo, pois, que acesso à justiça e tutela coletiva são ideias inti-mamente ligadas, esta a serviço daquele.

A propósito, vale salientar que “acesso à justiça não se identifi ca, pois, com a mera admissão ao processo, ou possibilidade de ingresso em juízo”2, sendo neces-sário mais que isso para se obter uma tutela jurisdicional efetiva.

Nesse contexto, insere-se a tutela coletiva de direitos, que, assim como a tutela jurisdicional individual, objetiva proteger os interesses/direitos de seus titulares, que podem ser um grupo determinável ou indeterminável de su-jeitos. Entretanto, diferentemente da tutela individual, a tutela coletiva pro-porciona diversas vantagens não só para o grupo titular do interesse/direito, como também para a própria administração da Justiça3.

Por exemplo: (i) a defesa dos interesses de grupos evita que decisões dife-rentes sejam proferidas para cidadãos que se enquadrem na mesma situação, minorando decisões contraditórias; (ii) a decisão do confl ito ocorre de modo mais efi ciente, pois a análise da lide é realizada uma única vez; (iii) ofensas de pequena monta a direitos, quando aferidas em dimensão coletiva, tomam grandes proporções e incentivam a busca da reparação em juízo de direitos que muito difi cilmente seriam buscados individualmente pelos lesados.

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

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4 MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro.

Direito processual coletivo e o antepro-

jeto de Código Brasileiro de Processos

Coletivos / coordenação: Ada Pellegrini

Grinover, Aluisio Gonçalves de Castro

Mendes e Kazuo Watanabe. São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais, 2007,

p.16.

5 MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro.

Direito processual coletivo e o antepro-

jeto de Código Brasileiro de Processos

Coletivos / coordenação: Ada Pellegrini

Grinover, Aluisio Gonçalves de Castro

Mendes e Kazuo Watanabe. São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais, 2007,

p.16.

6 MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro.

Direito processual coletivo e o antepro-

jeto de Código Brasileiro de Processos

Coletivos / coordenação: Ada Pellegrini

Grinover, Aluisio Gonçalves de Castro

Mendes e Kazuo Watanabe. São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais, 2007,

p.17.

7 DIDIER Jr. e ZANETTI Jr. Curso de Di-

reito Processual Civil. Vol. 4. Editora Jus

Podivm: Salvador, 2009. p. 54.

Por outro lado, o processo coletivo tende a ser mais complexo e demorado, pela quantidade de interesses envolvidos e grande número de documentos.

C — A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA TUTELA COLETIVA NO BRASIL: AVAN-ÇOS E RECUOS

De acordo com CASTRO MENDES, a origem do direito coletivo no ordenamento brasileiro se deu a partir da previsão da ação popular na Cons-tituição de 1934, depois ampliada e regulamentada pela Lei 4.717, de 19654.

Após o surgimento da ação popular, foi aprovada em 1985 a Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/1985), e, com o advento da Constituição da Re-pública de 1988 e o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990), restou defi nitivamente consagrada a incorporação das ações coletivas no or-denamento jurídico nacional.5

Por outro lado, como bem salientado por CASTRO MENDES, além de avanços na legislação sobre direitos coletivos, também existiram várias altera-ções legislativas que ocasionaram verdadeiros retrocessos em matéria de tutela jurisdicional coletiva6.

A exemplo disto, em 2001, a Medida Provisória n. 2.180-35 fez incluir expressamente na redação do § 1º da Lei n. 7.347/85 o descabimento de ação civil pública para veicular pretensões relativas a tributos, contribuições previdenciárias, FGTS e outros fundos de natureza institucional cujos bene-fi ciários poderiam ser individualmente determinados.

Ao lado disso, a partir da Lei 9.494 de 10 de setembro de 1997, foi dada nova redação ao art. 16 da Lei 7.347/85, passando o dispositivo a limitar os efeitos do julgado em sede de ação civil pública aos limites da competência territorial do órgão judicial prolator da sentença.

D — MODELOS DE TUTELA JURISDICIONAL DOS DIREITOS COLETIVOS

Segundo Michele Taruff o, existem dois modelos de tutela jurisdicional dos direitos coletivos: o da Verbandsklage alemã, adotado na Europa Conti-nental, e o modelo das class actions, de origem norte-americana, e difundido em países como Canadá e Brasil7.

São características do modelo alemão, segundo Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr:

a) especial legitimação ativa das associações, com a escolha de um ‘sujeito supraindividual’, para tutelar em nome próprio o direito que passa a ser consi-derado como direito próprio (tutela dos consumidores pelas associações de con-

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8 Op. cit., p. 56.

9 Op. Cit. p. 58.

sumidores, tutela do meio ambiente pelas associações ambientais etc.); b) dis-tanciamento da tutela dos direitos individuais de forma extremada e radical, por exemplo, segundo Taruff o a lei italiana sobre meio ambiente não prevê nenhuma hipótese de tutela individual, toda a responsabilidade do dano volta-se para a reparação ao Estado, em uma lógica diversa da responsabilidade aquiliana, uma responsabilidade de direito público (...); c) duas formas de tutela são previstas para as associações, c’) através da delegação da tarefa de representar o indivíduo, agindo a associação apenas mediante a autorização do titular da relação jurídica individual, método que mais do que uma tutela coletiva constitui apenas moda-lidade específi ca através da qual se faz valer um direito individual, c’’) hipóteses em que realmente a associação faz valer um direito supraindividual, que são infi nitamente mais restritas e excepcionais no sistema. Não se confundem essas hipóteses com as de litisconsórcio facultativo multitudinário, pois as situações que são tuteladas são situações individuais8.

O modelo da class action, originário da Federal Rule nº 23, trata-se de um modelo mais pragmático que o modelo alemão, visto que busca a proteção integral do direito. Destacam-se nesse modelo:

a) a legitimidade do indivíduo ou de um grupo de indivíduo, particular-mente caracterizada a partir de 1966 pela presença do forte controle judicial da ‘adequada representação’; b) a vinculatividade da coisa julgada para toda a classe, quer benefi ciando-a, quer prejudicando-a, no caso de improcedência da ação; c) a adequada notifi cação para aderir à iniciativa, modifi cação presente nas reformas de 1983 que procura fornecer um contraponto à vinculatividade dos membros da classe nas demandas improcedentes. Como esclareceu Taruff o, ‘a razão disto é que — como já vimos anteriormente — a sentença que decide uma class action tem efeito vinculante no confronto de todos os membros da classe’. Esse direito é reconhecido como right to opt out ou ‘direito de colocar-se a salvo’ da coisa julgada. Se o membro da classe entender mais vantajoso fazer valer seu direito como uma ação individual, ele tem o direito de ‘sair’ do grupo ou classe comunicando ao legitimado que não pretende ser representado na demanda co-letiva. Essa mesma ordem de raciocínio garante o direito de intervir. Por último, vale ressaltar uma das características que torna evidente a abissal distância fi sio-lógica entre um e outro modelo: a atribuição de amplos poderes ao juiz (defi ning function) para Abram Chayes é um notável elemento de distinção entre o mode-lo tradicional de litígio (vinculado preponderantemente a atividade das partes e a uma radical neutralidade judicial) e o processo civil de interesse público9.

O modelo brasileiro, apesar de ser infl uenciado pelo sistema norte-ame-ricano, possui características próprias: a coisa julgada no Brasil terá extensão erga omnes ou ultra partes apenas para benefi ciar o réu, diferentemente do sistema da class action, conforme visto acima.

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

FGV DIREITO RIO 6

10 GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito

Processual Coletivo. In Direito processual

coletivo e o anteprojeto de Código Bra-

sileiro de Processos Coletivos / coorde-

nação: Ada Pellegrini Grinover, Aluisio

Gonçalves de Castro Mendes e Kazuo

Watanabe. São Paulo: Editora Revista

dos Tribunais, 2007, pp. 12-14.

11 Expressão utilizada por Kazuo Wata-

nabe como forma de se referir ao agru-

pamento de várias ações individuais em

uma só ação coletiva.

No sistema brasileiro, outrossim, também não se admite a “adequada re-presentação” de um único cidadão para a tutela coletiva de direitos. O or-denamento jurídico pátrio prevê um rol de legitimados para a tutela desses direitos: associações, Ministério Público, Defensoria Pública etc. Somente a ação popular permite a tutela por um único cidadão de direitos coletivos, contudo, não há análise, pelo Poder Judiciário, sobre a adequação da repre-sentação, nos moldes do direito americano.

E — PRINCIPIOLOGIA

De acordo com GRINOVER, vários princípios do processo civil assu-mem uma feição própria em matéria de direitos coletivos10:11

Princípio processual Peculiaridades no direito coletivo

Acesso à justiça

O acesso à justiça transmuda-se em um princípio de interesse de uma coletividade, abrindo-se os esquemas da legitimação, pre-vendo-se a titularidade da ação por parte do representante adequado, portador em juízo de interesses e direitos de grupos, categorias, classes de pessoas.

Universalidade da jurisdição

Por intermédio deste princípio as massas passam a ter a oportunidade de submeter aos tribunais as novas causas, que pelo processo individual não teriam condições de chegar à justiça.

ParticipaçãoO contraditório cumpre-se pela atuação

do representante adequado da coletividade.

Economia

Obtenção de um máximo de resultado na atuação do direito com o mínimo emprego possível de atividades processuais. A mole-cularização dos litígios11 proporciona um jul-gamento concentrado, de modo a se evitar o emprego de inúmeros processos versando sobre as mesmas controvérsias de forma frag-mentária.

Instrumentalidade das formasObservado o contraditório e não havendo

prejuízo à parte, as formas do processo coleti-vo devem ser sempre fl exibilizadas.

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12 MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro.

Direito processual coletivo e o antepro-

jeto de Código Brasileiro de Processos

Coletivos / coordenação: Ada Pellegrini

Grinover, Aluisio Gonçalves de Castro

Mendes e Kazuo Watanabe. São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais, 2007,

p. 32.

13 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Tutela

jurisdicional dos interesses coletivos ou

difusos. Temas de Direito Processual

Civil. São Paulo: Saraiva, 1984, 3ª série,

p. 195-197.

14 DIDIER JR., Fredie e ZANETI JR., Her-

mes. Curso de Direito Processual Civil.

Processo Coletivo. Vol. 4. Salvador: Jus-

PODIVM, 2007, p. 73.

15 DIDIER JR., Fredie e ZANETI JR., Her-

mes. Curso de Direito Processual Civil.

Processo Coletivo. Vol. 4. Salvador: Jus-

PODIVM, 2007, p. 74.

F — ESCOPOS DAS AÇÕES COLETIVAS

CASTRO MENDES sistematiza os escopos das ações coletivas da seguin-te forma12:

a) Ampliação do acesso à justiça, de modo que os interesses da coleti-vidade, como o meio ambiente, não fi quem relegados ao esqueci-mento; ou que causas de valor individual menos signifi cantes, mas que reunidas representam vultosas quantias, como os direitos dos consumidores, possam ser apreciados pelo Judiciário;

b) Economia processual, com redução signifi cativa do quantitativo de demandas ajuizadas;

c) Oferecimento de maior segurança para a sociedade, na medida em que se evita a prolação de decisões contraditórias em processos in-dividuais, em benefício da preservação do princípio da igualdade;

d) Instituição de um instrumento efetivo para a manutenção do equi-líbrio entre as partes no processo, com atenuação das desigualdades e auxílio ao combate das injustiças praticadas no Brasil.

G — NATUREZA E CONCEITO DOS DIREITOS COLETIVOS

O direito coletivo não é estritamente público ou privado. Pode-se afi rmar que o direito coletivo faz parte de uma terceira categoria, na medida em que consubstancia interesses não necessariamente afetos ao Poder Público, mas que, como um todo, representam o interesse público revelando uma grande importância social.

Destarte, constata-se que o processo coletivo tem o condão de tutelar o in-teresse público primário, ou seja, qualquer interesse público que se relacione diretamente com a realização de direitos e garantias fundamentais constitu-cionalmente previstas.

Segundo DIDIER, com base na doutrina de BARBOSA MOREIRA13, o direito coletivo pode ser esquematizado da seguinte forma14:

Direitos coletivos lato sensu

Essencialmente coletivos

Difusos

Coletivos em sentido estrito

Acidentalmente coletivos Individuais homogêneos

DIDIER defi ne direito difuso como transindividual, de natureza indivi-sível, e cujos titulares sejam pessoas indeterminadas, ligadas por circuns-tância de fato, não existindo um vínculo comum de natureza jurídica. 15

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16 WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro

de defesa do consumidor: comentado

pelos autores do anteprojeto. 8ª ed. Rio

de Janeiro: Forense Universitária, 2004,

p. 625.

17 ZAVASKI, Teori Albino. Reforma do

Processo Coletivo: Indispensabilidade

de disciplina diferenciada para direitos

individuais homogêneos e para direitos

transindividuais. In Direito processual

coletivo e o anteprojeto de Código Bra-

sileiro de Processos Coletivos / coorde-

nação: Ada Pellegrini Grinover, Aluisio

Gonçalves de Castro Mendes e Kazuo

Watanabe. São Paulo: Editora Revista

dos Tribunais, 2007, p. 34.

18 DIDIER JR., Fredie e ZANETI JR., Her-

mes. Curso de Direito Processual Civil.

Processo Coletivo. Vol. 4. Salvador: Jus-

PODIVM, 2007, p. 75-76.

19 DIDIER JR., Fredie e ZANETI JR., Her-

mes. Curso de Direito Processual Civil.

Processo Coletivo. Vol. 4. Salvador: Jus-

PODIVM, 2007, p. 79.

O direito coletivo, por sua vez, também possui natureza indivisível, no entanto, não se confunde com o direito difuso por ser determinável, ou seja, pertencente a grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si, ou com a parte contrária, por uma mesma relação jurídica, anterior à lesão do bem tutelado.

WATANABE destaca que a diferenciação entre os direitos difuso e co-letivo reside na determinabilidade de seus titulares, “seja através da relação jurídica base que as une entre si, seja por meio do vínculo jurídico que as liga à parte contrária”16.

Destarte, diante da diferenciação do ponto de vista material entre as espé-cies de direitos coletivos, ponderou ALBINO ZAVASCKI uma categorização dos mecanismos de tutela coletiva da seguinte forma17:

MECANISMO DE TUTELA COLETIVA OBJETO TUTELADO

Ação Civil Pública

Direitos coletivos lato sensuAção Popular

Ação de Improbidade Administrativa

Ação Civil Coletiva Direitos individuais tutelados coletivamenteMandado de Segurança

Os direitos individuais homogêneos, por sua vez, foram defi nidos pelo legislador no art. 81, parágrafo único, inciso III, do CDC. Destaca DIDIER que a sua origem está relacionada às ações de reparação de danos à coletivida-de do direito norte-americano, conceituados como direitos “decorrentes de origem comum, ou seja, os nascidos em consequência da própria lesão ou ameaça de lesão, em que a relação jurídica entre as partes é post factum (fato lesivo)”18. Tem-se então que o direito individual homogêneo possui natureza divisível e determinável quanto a sua titularidade.

Portanto, conclui-se, à luz destes conceitos, que:

Espécie de direito Natureza Titularidade

Difuso Indivisível Indeterminável

Coletivo Indivisível Determinável

Individual Homogêneo Divisível Determinável

Por fi m, registre-se que há entendimento doutrinário no sentido de que os direitos individuais homogêneos não seriam propriamente integrantes da categoria dos direitos coletivos, e sim, direitos individualmente tratados.19

Neste sentido, com base nas lições de BARBOSA MOREIRA, concluiu ARAÚJO FILHO que:

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

FGV DIREITO RIO 9

20 ARAÚJO FILHO, Luiz Paulo da Silva.

Sobre a distinção entre interesses cole-

tivos e interesses individuais homogê-

neos. In Processo e Constituição: estu-

dos em homenagem ao professor José

Carlos Barbosa Moreira / coordenação

Luiz Fux, Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda

Alvim Wambier – São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 2006, p. 85.

21 STF, RE 163.231, Relator Ministro

Maurício Corrêa, Data: 03/08/2001; STF,

AI IgR 559.141, Relator Ministro Marco

Aurélio de Mello, Data: 24/08/2011.

22 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. In-

teresses difusos: conceito e legitimação

para agir. pág. 150.

23 MANCUSO, Rodolfo de Camargo.

“Transposição das águas do rio São

Francisco: uma abordagem jurídica da

controvérsia”. In: MILARÉ, Edis (org.). A

ação civil pública após 20 anos: efetivi-

dade e desafi os, 2005, págs. 521-528.

Não é possível caracterizar interesses individuais, referentes a bens divisíveis (rectius: a pluralidade de bens), como direitos coletivos stricto sensu, que pressu-põem, por lei e por sua própria natureza, a indivisibilidade do objeto do interesse e a consequente transindividualidade20.

Em contrapartida, o Supremo Tribunal Federal se posicionou pela admis-são dos direitos individuais homogêneos como subespécies integrantes dos direitos coletivos, in verbis:

(...) Direitos ou interesses homogêneos são os que têm a mesma origem co-mum (art. 81, III, da Lei 8.078, de 11.09.1990), constituindo-se em subespécie de direitos coletivos (...)21

H — CONFLITUOSIDADE INTERNA DOS INTERESSES DIFUSOS

Rodolfo de Camargo Mancuso indica a “confl ituosidade interna” como uma das características marcantes dos interesses difusos. Conceituando os interesses difusos, Mancuso explica serem “interesses metaindividuais que, não tendo atingido o grau de agregação e organização necessários à sua afetação insti-tucional junto a certas entidades ou órgãos representativos dos interesses já social-mente defi nidos, restam em estado fl uido, dispersos pela sociedade civil como um todo (v.g, o interesse à pureza do ar atmosférico), podendo, por vezes, concernir a certas coletividades de conteúdo numérico indefi nido (v.g, os consumidores)”.22

Em outra obra, ao apresentar minuciosa análise da controvérsia relativa à transposição das águas do rio São Francisco, Mancuso fi nalmente forne-ce explicação mais detalhada a respeito desta intrínseca confl ituosidade dos interesses difusos, fazendo menção à colisão de princípios constitucionais e à natureza multifacetada e pluridisciplinar do problema (que merece abor-dagem holística, por abranger a inclusão social das populações ribeirinhas (sociologia) e o desenvolvimento econômico da região (economia), além de questões de direito constitucional, administrativo, ambiental e processual23.

I — AÇÕES PSEUDOCOLETIVAS E AÇÕES PSEUDOINDIVIDUAIS

Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. se referem aos fenômenos das ações pseudocoletivas e das ações pseudoindividuais: “há que se atentar o leitor para o risco de tratar molecularmente as ações para tutela de direitos mera-mente individuais, aqueles desprovidos das características de “predominância das questões comuns sobre as individuais” e da “utilidade da tutela coletiva ao caso concreto”, que denotam e caracterizam os direitos individuais ho-mogêneos (art. 26, § 1º. CBPC-IBDP e art. 30 CBPC-UERJ/UNESA), e

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24 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Her-

mes, op. cit., pág. 95.

25 Idem, pág. 93.

26 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo co-

letivo. 3ª edição. São Paulo: RT, 2008,

pág. 45.

27 Idem.

28 Op cit, página 46.

possibilitar a formação dessas ações pseudocoletivas, alertando-se que daí “fre-quentemente haveria litispendência entre as ações pseudocoletivas e as ações individuais, na proporção em que seriam idênticos os pedidos e as causas de pedir, sem falar na discutível sujeição dos particulares à coisa julgada da falsa ação coletiva, à falta de normas próprias, já que as regras do CDC apenas cuidam das genuínas ações coletivas, ou na irremissível probabilidade de de-cisões praticamente contraditórias”.24

Já as ações pseudoindividuais, expressão cunhada por Kazuo Watanabe, seriam aquelas demandas individuais cujo resultado gera efeitos sobre toda uma comunidade, tal como a ação individual para derrubada de um muro ou para cessar a poluição de uma fábrica25

J — SITUAÇÕES JURÍDICAS HETEROGÊNEAS

Por seu turno, Teori Albino Zavascki alerta para a existência de situações jurídicas heterogêneas, cujos contornos seriam insuscetíveis de apropriação pelas molduras previamente estabelecidas por lei: “situações em que os direitos tuteláveis se apresentam como transindividuais ou como individuais homogêneos, ou ainda em forma cumulada de ambos, tudo a depender das circunstâncias de fato”26. O exemplo fornecido pelo Ministro do STJ é a propaganda engano-sa, que antes da sua veiculação teria feição transindividual e admitiria tutela preventiva, ao passo que posteriormente deveria haver a tutela reparatória de direitos individuais homogêneos das vítimas da mensagem transmitida27. Outro exemplo envolveria o transporte irregular de uma carga tóxica28. Em caso de uma colisão e da contaminação de um rio e de reservatórios de água, quais seriam os tipos de interesses afetados?

De qualquer maneira, é importante reproduzir a conclusão de Teori Al-bino Zavascki a respeito de como o Poder Judiciário deve lidar com as situa-ções jurídicas heterogêneas: “A existência de situações desse jaez, que fogem dos padrões conceituais rígidos, de modo algum infi rma as distinções antes empreen-didas, nem desautoriza o esforço metodológico que se deve desenvolver no trato doutrinário da matéria. Quando as peculiaridades do fato concreto não podem ser subsumidas direta e imediatamente nos gêneros normativos existentes nem submetidas aos padrões conceituais pré-estabelecidos, cumprirá ao aplicador da lei a tarefa de promover a devida adequação, especialmente no plano dos proce-dimentos, a fi m de viabilizar a tutela jurisdicional mais apropriada para o caso. Também no domínio do processo coletivo, que, como todo processo, tem vocação essencialmente instrumental, há de imperar o princípio da adequação das formas: o instrumento deve ser amoldado para servir a seus fi ns. Nesses momentos, mais do que em qualquer outro, é indispensável que o juiz assuma efetivamente seu papel de condutor e dirigente, o que inclui a tarefa de ordenar as situações novas,

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

FGV DIREITO RIO 11

29 Idem. Ibidem.

30 MANCUSO, Rodolfo de Camargo.

Ação civil pública: em defesa do meio

ambiente, do patrimônio cultural e dos

consumidores. Rio de Janeiro: Forense,

2007, pág. 42.

valendo-se para tal fi m, dos recursos hermenêuticos e das linhas de princípios que o sistema oferece”.29

K — CONFUSÃO JURISPRUDENCIAL

O fato de existirem situações heterogêneas traz como consequência a constante confusão jurisprudencial na classifi cação casuística dos interesses em disputa em um litígio. Exemplo evidente da confusão jurisprudencial é a proteção do meio ambiente do trabalho (prevista no artigo 200, inciso VIII, da Constituição Federal). Em seu excelente manual sobre o assunto, Rodolfo de Camargo Mancuso indica decisão do TAC-SP, que considera o cumprimento das normas de segurança do trabalho ser um interesse difuso, pois a preven-ção de acidentes do trabalho interessaria a sociedade como um todo, não ape-nas ao grupo de trabalhadores de uma empresa específi ca. Tal decisão pode ser contrastada com julgamento em que o STF considerou o meio ambiente do trabalho como direito coletivo indisponível dos empregados decorrente da relação jurídica empregatícia.30 Caso tenha ocorrido um acidente do tra-balho, qual seria a classe do interesse das vítimas a ser judicialmente tutelado?

L — QUESTIONÁRIO

1) Quais os princípios conectados à tutela coletiva dos direitos?2) Qual o conceito de Direito Coletivo?3) Qual é o seu objeto?4) Quais são os seus objetivos?5) O que é molecularização de demandas atomizadas?6) O que diferencia o sistema brasileiro das ações coletivas do sistema

norte-americano?

M — DOUTRINA

Leitura obrigatória

DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de Direito Processual Civil, vol. 4 (processo coletivo). Salvador: Jus Podivm — Capítulos I (Introdu-ção ao estudo do processo coletivo) e II (Direitos coletivos lato sensu...)

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

FGV DIREITO RIO 12

Leitura adicional

LEITE, Marcelo Daltro. Ação individual e ação coletiva: o fenômeno da unitariedade e a legitimidade para agir. Revista da EMERJ, n. 41, p. 235-265, 2008.

ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo: tutela de direitos coletivos e tu-tela coletiva de direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais — Capítulos 1 (Evolução do sistema de tutela jurisdicional...) e 2 (O subsistema do processo coletivo...).

N — JURISPRUDÊNCIA

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CONSU-MIDOR. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA POR ASSO-CIAÇÃO. DIREITO INDIVIDUAL HOMOGÊNEO NÃO DEMONSTRADO. INÉPCIA DA INICIAL E CARÊNCIA DE AÇÃO. INADEQUAÇÃO DAVIA ELEITA. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. Para confi guração de legitimidade ativa e de interesse proces-sual de associação para a propositura de ação civil pública em defesa de consumidores, faz-se necessário que a inicial da lide demonstre ter por objeto a defesa de direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos. Não é cabível o ajuizamento de ação coletiva para a defesa de interesses meramente individuais, o que importa carência de ação.

2. Nas ações em que se pretende a defesa de direitos individuais homogêneos, não obstante os sujeitos possam ser determináveis na fase de conhecimento (exigindo-se estejam determinados apenas na liquidação de sentença ou na execução), não se pode admitir seu ajuizamento sem que haja, ao menos, indícios de que a situação a ser tutelada é pertinente a um número razoável de consumidores. O promovente da ação civil pública deve demonstrar que diversos su-jeitos, e não apenas um ou dois, estão sendo possivelmente lesados pelo fato de “origem comum”, sob pena de não fi car caracterizada a homogeneidade do interesse individual a ser protegido.

3. Recurso especial a que se nega provimento.(STJ. REsp 823063 PR 2006/0036036-0. DJe 22/02/2012)

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

FGV DIREITO RIO 13

PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚ-BLICA. TAXA DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA. DIREITOS IN-DIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. ILEGITIMIDADE DO MI-NISTÉRIO PÚBLICO.

1. A Ação Civil Pública não é o meio adequado para a defesa de direitos individuais homogêneos de contribuintes.

2. Os direitos e interesses individuais homogêneos somente po-derão ser tutelados por Ação Civil Pública quando os titulares so-frerem danos na condição de consumidores.

3. Improvimento aos apelos.(TRF1. AC 2752 BA 1999.33.00.002752-6. Quarta turma)

AGRAVO REGIMENTAL. DECISÃO QUE INDEFERIU O PLEITO EMERGENCIAL NOS AUTOS DE MANDADO DE SEGURANÇA. SINDICATO NACIONAL DOS SERVIDO-RES FISCAIS DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL. DECI-SÃO QUE DEFERIU PEDIDO DE SUSPENSÃO DE SEGU-RANÇA. EFICÁCIA EX NUNC. LIMINAR PARCIALMENTE DEFERIDA NO MS 13.585. DIREITO COLETIVO STRIC-TO SENSU. EXTENSÃO DA COISA JULGADA SUBJETIVA. ART. 103, II DO CDC. EFEITOS ULTRA PARTES. AGRAVO REGIMENTAL CONHECIDO E PROVIDO.

1. A possibilidade de suspensão da efi cácia de tutela liminar, por ato do Presidente do Tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, é medida excepcional, com fi nalidade bastan-te específi ca: paralisar, suspender ou neutralizar os efeitos daquela medida. Tal instituto não tem natureza recursal, tanto que seu ca-bimento pode ocorrer simultaneamente com o Agravo de Instru-mento, contra a mesma decisão, sem afetar o princípio processual da unirrecorribilidade.

2. Os efeitos da decisão do Presidente do Tribunal que suspende medida liminar anteriormente concedida, com o fi m de evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à economia pública, somente se produzem a partir do decisão presidencial, obstativa da efi cácia do decisum impugnado, sem o revogar ou modifi car. Seus efeitos são, portanto, ex nunc, uma vez que, a priori, os pressupostos au-torizadores da medida anteriormente deferida não desapareceram, mas apenas deixaram de prevalecer diante do premente interesse público. Precedentes.

3. A indivisibilidade do objeto da ação coletiva, muitas das vezes, importa na extensão dos efeitos favoráveis da decisão a pessoas não vinculadas diretamente à entidade classista, que na verdade, não é a

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

FGV DIREITO RIO 14

titular do direito, mas tão-somente a substituta processual dos inte-grantes da categoria, a quem a lei conferiu legitimidade autônoma para a promoção da ação.

4. Irrelevante o fato de a totalidade da categoria ou grupo inte-ressado e titular do direito material não ser fi liado à entidade pos-tulante, uma vez que os efeitos do julgado, em caso de acolhimento da pretensão, estendem-se a todos aqueles que se encontram ligados pelo mesmo vínculo jurídico, independentemente da sua vincula-ção com a entidade (Sindicato ou Associação).

5. A extensão subjetiva é conseqüência natural da transidividu-alidade e indivisibilidade do direito material tutelado na demanda; se o que se tutela são direitos pertencentes a toda uma coletividade, não há como estabelecer limites subjetivos ao âmbito de efi cácia da decisão.

6. Os efeitos da medida deferida nos autos do MS 13.585/DF, atingem os substituídos do ora impetrante, uma vez que se referem à mesma categoria de profi ssionais.

7. Agravo Regimental conhecido e provido para declarar que os descontos a serem efetuados devem ter início a partir do deferimen-to da suspensão da antecipação de tutela anteriormente concedida, além de limitá-los ao percentual de 10%, a que alude o art. 46, § 1o. da Lei 8.112/90.

(STJ. AgRg no MS 13505 DF 2008/0082984-5. Terceira seção. DJe 18/09/2008.

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

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31 Idem, pág. 108.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

AULAS 4 E 5: CABIMENTO E OBJETO

A — CASO

O Ministério Público do Rio de Janeiro ajuíza ação civil pública para plei-tear a repetição aos contribuintes de taxa de iluminação pública cobrada pelo Município do Rio de Janeiro durante os anos de 2007 a 2009. Esse direito dos contribuintes pode ser enquadrado como um direito coletivo lato sensu? É cabível a ação?

B — LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL

Existe um verdadeiro microssistema de tutela coletiva de direitos no Bra-sil? Neste caso, é possível afi rmar que as regras da Lei de Ação Civil Pública, da Lei de Ação Popular, da Lei do Mandado de Segurança e do Código de Defesa do Consumidor são complementares e se interpenetram de maneira uniforme para a tutela dos direitos transindividuais? Assim, seria possível ajuizar uma Ação Popular em defesa das relações de consumo? À semelhança da Ação Popular, o prazo para a impetração do mandado de segurança cole-tivo seria de cinco anos? A sentença em uma Ação Civil Pública poderia ter o caráter mandamental e eventual descumprimento, neste caso, importaria em crime de desobediência à ordem judicial? Na verdade, parece que, na prática, a resposta a todas estas questões é negativa. A única hipótese em que a juris-prudência reconheceu a tese do microssistema foi para estender à Ação Civil Pública o prazo prescricional da Ação Popular, por ocasião da extinção pelo STJ das ações coletivas para restituição das perdas decorrente de expurgos dos planos econômicos31.

As hipóteses de cabimento da ação civil pública estão descritas em uma série de leis, conforme se verá a seguir:

a) Lei nº 7.347/85

Art. 1º. Regem-se pelas disposições desta lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e pa-trimoniais causados:

I — ao meio ambiente;II — ao consumidor;

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III — a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, tu-rístico e paisagístico;

IV — a qualquer outro interesse difuso ou coletivo;V — por infração da ordem econômica e da economia popular;urbanística.Parágrafo único. Não será cabível ação civil pública para veicular

pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o fundo de garantia por tempo de serviço — FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos benefícios podem ser individual-mente determinados.

(...)Art. 3º. A ação civil poderá ter por objeto a condenação em di-

nheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.Art. 4º. Poderá ser ajuizada ação cautelar para os fi ns desta lei,

objetivando, inclusive, evitar o dano ao meio ambiente, ao consu-midor, à ordem urbanística ou aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (vetado).

(...)Art. 21. Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, co-

letivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor.

b) Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90)

Art. 83. Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propi-ciar sua adequada e efetiva tutela.

Parágrafo único. (Vetado).Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obri-

gação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específi ca da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

§ 1° A conversão da obrigação em perdas e danos somente será admissível se por elas optar o autor ou se impossível a tutela especí-fi ca ou a obtenção do resultado prático correspondente.

§ 2° A indenização por perdas e danos se fará sem prejuízo da multa (art. 287, do Código de Processo Civil ).

§ 3° Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo jus-tifi cado receio de inefi cácia do provimento fi nal, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justifi cação prévia, citado o réu.

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32 Direito Processual Constitucional. 3ª

Ed. São Paulo: Atlas. 2012. p. 427.

§ 4° O juiz poderá, na hipótese do § 3° ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for sufi ciente ou compatível com a obrigação, fi xando prazo razoável para o cumprimento do preceito.

§ 5° Para a tutela específi ca ou para a obtenção do resultado prá-tico equivalente, poderá o juiz determinar as medidas necessárias, tais como busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazi-mento de obra, impedimento de atividade nociva, além de requisi-ção de força policial.

c) Proteção ao meio ambiente (Leis nº 6.938/81 e nº 9.605/98)

d) A defesa de outros interesses difusos e coletivos

— Defesa de pessoas com defi ciência (Leis nº 7.853/89 e nº 10.098/00)— Defesa dos investidores no mercado de valores mobiliários (Lei nº

7.913/89)— Defesa da criança e do adolescente (Lei nº 8.069/90)— Defesa da ordem econômica e da economia popular (Lei nº

8.884/94)— Defesa da ordem urbanística (Lei nº 10.257/01)— Defesa das pessoas idosas (Leis nº 8.842/94 e nº 10.741/03)— Defesa das mulheres (Lei nº 11.340/06)

Portanto, de acordo com esse arcabouço legislativo de direitos coletivos citado acima, pode-se extrair as seguintes hipóteses de cabimento da ação civil pública, segundo Paulo Roberto de Figueiredo Dantas32:

• Para a proteção do patrimônio público e social;• Para a proteção do meio ambiente;• Para a proteção do consumidor;• Para a proteção da ordem urbanística;• Para a proteção dos bens e direitos de valor artístico, estético, turístico

e paisagístico;• Para a proteção da ordem econômica e economia popular;• Para a proteção às crianças e aos adolescentes;• Para a proteção dos portadores de defi ciência;• Para a proteção dos valores mobiliários e dos investidores de mercado;• Para a proteção de outros interesses ou direitos difusos, coletivos ou

individuais homogêneos.Evidentemente, a última hipótese demonstra que o rol de direitos a serem

tutelados é aberto, não taxativo, o que permite aos legitimados tutelarem situações não previstas nas diversas leis que tratam sobre o tema.

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

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33 Nesse sentido, ver JATAHY, Carlos

Roberto de Castro. Curso de Princípios

Institucionais do Ministério Público. 4ª

ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009,

págs. 414-429.

34 MENDES, Gilmar Ferreira. “Ação civil

pública e controle de constitucionali-

dade”. In: MILARÉ, Édis (org.), op. cit.,

pág. 202.

35 Idem. Ibidem.

OBS: HIPÓTESES DE NÃO CABIMENTO:i — quando tiver por objeto pedido que envolva tributos,

contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço — FGTS ou outros fundos de natureza institucio-nal cujos benefi ciários possam ser individualmente determi-nados;

ii — quando tiver por objeto principal a análise de cons-titucionalidade de lei ou ato normativo, uma vez que, neste caso, ela estaria sendo utilizada como sucedâneo da ADI, o que resultaria em indevida usurpação de competência do STF.

A propósito da defesa do contribuinte, diga-se que a Medida Provisória nº. 2.180-35, de 2001 foi responsável por incluir o parágrafo único ao art. 1º da Lei de Ação Civil Pública (Lei 7.347/85). O referido dispositivo pre-ceitua que “não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço — FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos benefi ciários podem ser individualmente determinados”.

No âmbito da doutrina, há quem entenda que a Medida Provisória é in-constitucional. Entre outros argumentos, sustenta-se que o parágrafo único do art. 1º da LACP exclui da apreciação do Poder Judiciário ameaça ou lesão a direito, afrontando o art. 5º, XXXV da Constituição da República.33

C — CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE ATRAVÉS DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA

De acordo com o anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coleti-vos, seria admissível o controle difuso de constitucionalidade através da ação coletiva. Com relação a tal norma, é conhecido o posicionamento de Gilmar Mendes, que considera que uma ação coletiva se aproxima muito “de um típico processo objetivo, no qual a parte autora atua não na defesa de situações subjetivas, agindo, fundamentalmente, com escopo de garantir a tutela do inte-resse público”.34

De acordo com o entendimento do Ministro, sempre que a decisão em uma ação civil pública “afastar a incidência de dada norma por eventual in-compatibilidade com a norma constitucional, acabará por ter efi cácia semelhante à das ações diretas de inconstitucionalidade, isto é, efi cácia geral e irrestrita”.35 A conclusão de Gilmar Mendes é de que não se poderia admitir o controle difuso de constitucionalidade através da ação civil pública, uma vez que se estaria delegando uma prerrogativa do Supremo Tribunal Federal à jurisdi-

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

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36 Idem, págs. 202-205.

37 ZAVASCKI, Teori Albino, op. cit., pág.

47.

38 MEIRELLES, Hely Lopes; WALD, Arnol-

do; MENDES, Gilmar Ferreira, op. cit.,

pág. 238.

ção de primeiro grau, ampliando indevidamente o rol dos legitimados para o controle de constitucionalidade e criando enorme insegurança jurídica e incoerência no sistema jurídico pátrio.36

D — DANO MORAL TRANSINDIVIDUAL

Alguns autores defendem a existência de dano moral coletivo, tendo em vista o disposto no artigo 1º da Lei nº 7.347/85 (“regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados”). Teori Albino Zavascki, porém, se insurge contra este entendimento. Alerta o eminente Ministro do STJ que “a indenização por dano moral, tal como toda indenização, inobstante sua secun-dária função punitivo-pedagógica, apta a prevenir novas violações, tem natureza eminentemente reparatória e obedece ao sistema normativo da responsabilidade civil. Não pode, portanto, ser confundida com as sanções pecuniárias (multas) de caráter administrativo ou penal ao causador do dano, que são manifestações do poder sancionador monopolizado pelo Estado e sujeito a regras e princípios próprios, nomeadamente o da tipicidade e o da legalidade estrita. Indenização e penalidade são imposições juridicamente inconfundíveis, que até podem ser cumuladas, desde que se tenha em conta que a indenização supõe dano e que a aplicação de penas supõe prévia lei que estabeleça seu conteúdo e as hipóteses típi-cas de sua incidência. Assim, havendo dano, cabe a reparação, segundo as normas que regem o sistema da responsabilidade civil; todavia, por mais graves que sejam o ilícito e a lesão, signifi cará pura arbitrariedade, à luz do nosso sistema normati-vo, impor ao responsável pelo ato qualquer penalidade não prevista em lei, arbí-trio que não se atenua, mas, ao contrário, se mostra ainda mais evidente quando a pena imposta venha disfarçada sob o rótulo de indenização por dano moral”.37

E — TENDÊNCIAS PATOLÓGICAS NAS AÇÕES CIVIS PÚBLICAS?

Em uma das atualizações da obra clássica Mandado de segurança, de Hely Lopes Meirelles, seus atualizadores inseriram capítulo em que discutem a “re-cente patologia das ações públicas”. De acordo com eles, há quatro aspectos mais importantes: “1) as ações civis públicas intentadas com base na equidade, sem respaldo legal, caracterizando o pedido juridicamente impossível e a impro-priedade da ação; 2) as ações civis públicas intentadas como substitutas das ações diretas de inconstitucionalidade; 3) as ações civis públicas nas quais o juiz se atribui jurisdição nacional; 4) as ações civis públicas para a defesa de direitos individuais homogêneos e disponíveis, fora dos casos expressamente previstos pelo legislador”.38

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39 Idem, pág. 239.

Uma das principais críticas que é feita ao Ministério Público por estes autores diz respeito ao ajuizamento de ações civis públicas sem o respaldo de uma lei que defi na claramente a existência de um direito material a ser protegido. A tutela coletiva de direitos não poderia ser inovativa, uma vez que teria sido criado apenas um instrumento processual de defesa de direi-tos. Segundo eles, não se deve concluir que tais interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos estão amparados juridicamente quando não houver uma lei de direito material que os proteja, já que a Lei da Ação Civil Pública seria meramente processual e adjetiva: “A modifi cação processual, por si só, não importou alteração do Direito substantivo, nem criação de novo Direito Mate-rial, mas tão somente a estruturação de instrumento adjetivo para a adequada e efi caz proteção dos direitos substantivos já existentes e legalmente consagrados. Concluímos, pois, que a regulamentação processual da ação civil pública não é autoalimentável. Trata-se da criação e consagração de um instrumento processual da ordem jurídica, na qual o adjetivo, por mais importante que seja, não pode prescindir do substantivo”.39

Esta opinião parece contrastar com a tendência interpretativa do pós-po-sitivismo, de ampliar o alcance de princípios constitucionais aos casos con-cretos, de modo a expandir o ethos da constituição e tornar concretos seus mandamentos nucleares. Esta tendência pode ser verifi cada, por exemplo, na própria disciplina do moderno direito ambiental e mesmo do direito do con-sumidor, cuja legislação é eminentemente principiológica. Seria juridicamen-te possível ajuizar ação civil pública para anulação de cláusula em contrato de adesão, de modo a que uma empresa venha a respeitar o princípio da boa fé objetiva? Ou estaríamos diante de um uso patológico do instrumento da ação civil pública, uma vez que inexiste lei especifi cando que a cláusula seria, em si, abusiva? Como conciliar a crítica ao uso patológico das ações civis públicas com o pós-positivismo e a maximização do alcance dos princípios?

F — QUESTIONÁRIO

a) A admissibilidade de ação civil pública para a defesa de quaisquer interes-ses difusos causa “insegurança jurídica” ao Brasil. Você concorda ou discorda?

b) Caso o Ministério Público ajuíze uma ação civil pública com pedido somente de fechamento de uma empresa poluidora sem licença de operações (L.O.), poderia o Juiz vir a condenar a ré ao pagamento de indenização e à recomposição dos danos ambientais causados pela empresa?

c) Pode o Poder Judiciário impor diretrizes, critérios ou prioridades de ação ao administrador público?

d) É cabível ajuizar ação civil pública em defesa do contribuinte?

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e) Pode o Ministério Público promover ação civil pública para a defesa de interesse individual e de uma única pessoa? Em caso positivo, exemplifi que.

e) Existe no direito brasileiro o incidente de certifi cação de classe (class certifi cation), idêntico à class action norte-americana?

f ) Existe no direito brasileiro a exigência de que todos os membros de uma classe sejam informados pelo autor sobre a existência da demanda coletiva para decidir se querem optar por permanecer (opt in) ou por deixar (opt out) a ação coletiva?

g) É possível ajuizar uma Ação Civil Pública com pedido de obrigação de fazer quando, em tese, o réu está impossibilitado de fazer em virtude de ausência de norma regulamentadora de direito assegurado pela constituição?

h) Deve o poder judiciário ser ativista?i) Sendo a legislação referente à tutela coletiva omissa, pode o Código de

Processo Civil ser utilizado para suprir a omissão? Responda a questão a par-tir da noção de microssistema de tutela coletiva.

j) O que signifi ca o princípio do máximo benefício da tutela jurisdicional coletiva?

G — DOUTRINA

Leitura obrigatória

MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. São Paulo: Saraiva — Capítulo 6 (Objeto da Lei 7.347/85).

Leitura adicional

MEIRELLES, Hely Lopes; WALD, Arnoldo; MENDES, Gilmar Ferreira. Mandado de Segurança e Ações Constitucionais. São Paulo: Malheiros — Terceira parte, item 10 (A recente evolução da ação civil pública...).

H — JURISPRUDÊNCIA

STJ — REsp 987280/SP, Rel. Min. Luiz Fux — 1ª Turma, j. em 16.04.2009

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLI-CA. OBRAS DE ADEQUAÇÃO DO PRÉDIO DO FÓRUM DE SANTA FÉ DO SUL. ELIMINAÇÃO DE BARREIRAS DE ARQUITETÔNICAS. ACESSIBILIDADE DE DEFICIENTES FÍSICOS. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA COMINAÇÃO DE MULTA DIÁRIA. ASTREINTES. OBRI-

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

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GAÇÃO DE FAZER. INCIDÊNCIA DO MEIO DE COERÇÃO. AU-SÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 461, § 4, DO CPC. PREQUESTIO-NAMENTO. SÚMULAS 282 E 356/STF.

1. É cabível a cominação de multa diária (astreintes) em face da Fazenda Pública, como meio de vencer a obstinação quanto ao cumprimento da obri-gação de fazer (fungível ou infungível) ou entregar coisa, incidindo a partir da ciência do obrigado e da sua recalcitrância. Precedentes do STJ: AgRg no Ag 1025234/SP, DJ de 11/09/2008; AgRg no Ag 1040411/RS, DJ de 19/12/2008; REsp 1067211/RS, DJ de 23/10/2008; REsp 973.647/RS, DJ de 29.10.2007; REsp 689.038/RJ, DJ de 03.08.2007: REsp 719.344/PE, DJ de 05.12.2006; e REsp 869.106/RS, DJ de 30.11.2006.

2. Ação Civil Pública promovida pelo Ministério Público Estadual, obje-tivando a adequação do Prédio do Fórum de Santa Fé do Sul, para garantir acessibilidade aos portadores de defi ciência física, no qual foi deferida a ante-cipação dos efeitos da tutela, para determinar que o demandado iniciasse as obras de adequação do prédio, no prazo de três meses, sob pena de pagamen-to de multa diária no valor de R$ 400,00, na hipótese de descumprimento.

3. A simples indicação dos dispositivos legais tidos por violados (art. 12, § 2º, da Lei 7.347/84; art. 84, § 3º, da Lei nº 8.078/90; arts. 461, § 4º; 273, § 3º e 644, do CPC), sem referência com o disposto no acórdão confrontado, obsta o conhecimento do recurso especial. Incidência dos verbetes das Súmu-la 282 e 356 do STF.

4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido.

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40 MAZZILLI, Hugo Nigro, op. cit., pág. 84.

41 Idem, pág. 87.

AULA 6: MINISTÉRIO PÚBLICO — ATUAÇÃO E LEGITIMIDADE

A — CASO

No famoso “caso Palace” (desabamento de um prédio residencial na Barra da Tijuca, fazendo inúmeras vítimas), tinha o Ministério Público legitimida-de ad causam? Quais os direitos coletivos em jogo?

B — ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

O Ministério Público pode atuar de várias formas distintas no processo civil (autor, por legitimação ordinária; autor, por substituição processual; inter-veniente em razão da natureza da lide; interveniente em razão da qualidade da parte; réu)40. Mesmo quando atua como parte, o Ministério Público não per-de a condição de fi scal da lei (custos legis). A Constituição destinou o Minis-tério Público à defesa de interesses indisponíveis do indivíduo e da sociedade e à proteção dos interesses sociais, vedada a representação do estado e das entidades públicas em juízo (CF, artigos 127 e 129). Leciona a respeito do assunto Hugo Nigro Mazzilli que o Ministério Público pode tutelar interes-ses disponíveis apenas quando sua ampla abrangência ou grande repercussão social justifi que a atuação (hipótese que pode ocorrer na defesa de interesses individuais homogêneos em uma ação civil pública)41.

C — FEIÇÃO CONSTITUCIONAL

Acerca das atribuições do MP, dispõe a CF/88:Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, es-

sencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:(...)II — zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos servi-

ços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constitui-ção, promovendo as medidas necessárias à sua garantia;

III — promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

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42 MAZZILLI, Hugo Nigro, op. cit., pág 95.

43 Idem, pág. 111.

(...)VI — expedir notifi cações nos procedimentos administrativos

de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;

(...)IX — exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde

que compatíveis com sua fi nalidade, sendo-lhe vedada a representa-ção judicial e a consultoria de entidades públicas.

§ 1º. A legitimação do Ministério Público para as ações civis pre-vistas neste artigo não impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo o disposto nesta Constituição e na lei.

D — DISCRICIONARIEDADE CONTROLADA

De acordo com Hugo Nigro Mazzilli, “de lege ferenda, a melhor maneira de adequar o Ministério Público ao seu atual perfi l constitucional será conferir-lhe a lei, gradativamente, maior discricionariedade para identifi car as hipóteses em que entenda necessário agir ou intervir. Assim, poderá concentrar esforços nas questões em que se busque maior efetividade em sua atuação concreta. Mas, naturalmente, essa discricionariedade deverá ser muito bem controlada. Para que o sistema proposto funcione adequadamente, será necessário estabelecer um siste-ma de controle da inércia, mediante o qual qualquer interessado possa reclamar aos órgãos da administração superior do Ministério Público em decorrência da falta ou da insufi ciência de atuação de um de seus órgãos de execução, num caso concreto”42.

E — LEGITIMIDADE PARA A DEFESA DE INTERESSES INDIVIDUAIS HO-MOGÊNEOS?

A respeito da legitimidade do Ministério Público para a defesa de interesses individuais homogêneos, há três correntes doutrinárias distintas: i) restritiva, excluindo a legitimidade do Ministério Público com base na redação do artigo 129, Inciso III, da Constituição Federal; ii) ampliativa, sustentando a legiti-midade do Ministério Público para a defesa de todo e qualquer interesse indi-vidual homogêneo, com base na idéia de que a legislação presumiu a existência de interesse social na defesa destes interesses ao conferir indiscriminadamente a legitimidade ao Ministério Público; iii) análise concreta, defende a ideia de que “deve-se levar em conta, em concreto, a efetiva conveniência social da atuação do Ministério Público em defesa de interesses transindividuais”43.

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44 Nesse sentido, ver por exemplo REsp

695396/RS, Rel. Min. Arnaldo Esteves

Lima, Primeira Turma, j. em 12.04.2011.

EMENTA: ADMINISTRATIVO. PROCES-

SUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO

CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA

DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA DEFESA DE

INTERESSES OU DIREITOS INDIVIDUAIS

HOMOGÊNEOS. ARTS. 127 E 129, III E IX,

DA CF. VOCAÇÃO CONSTITUCIONAL DO

MINISTÉRIO PÚBLICO NA DEFESA DOS

DIREITOS FUNDAMENTAIS. DIREITO À

SAÚDE. DIGNIDADE DA PESSOA HUMA-

NA. RELEVÂNCIA PÚBLICA. EXPRESSÃO

PARA A COLETIVIDADE. UTILIZAÇÃO DOS

INSTITUTOS E MECANISMOS DAS NOR-

MAS QUE COMPÕEM O MICROSSISTEMA

DE TUTELA COLETIVA. EFETIVA E ADE-

QUADA PROTEÇÃO. RECURSO PROVIDO.

1. “O Ministério Público é instituição

permanente, essencial à função juris-

dicional do Estado, incumbindo-lhe a

defesa da ordem jurídica, do regime de-

mocrático e dos interesses sociais e in-

dividuais indisponíveis” (art. 127 da CF).

2. “São funções institucionais do

Ministério Público: III – promover o

inquérito civil e a ação civil pública,

para a proteção do patrimônio público

e social, do meio ambiente e de outros

interesses difusos e coletivos; IX - exer-

cer outras funções que lhe forem con-

feridas, desde que compatíveis com sua

fi nalidade, sendo-lhe vedada a repre-

sentação judicial e a consultoria jurídica

de entidades públicas” (art. 129 da CF).

3. É imprescindível considerar a

natureza indisponível do interesse ou

direito individual homogêneo - aque-

les que contenham relevância pública,

isto é, de expressão para a coletividade

- para estear a legitimação extraordi-

nária do Ministério Público, tendo em

vista a sua vocação constitucional para

a defesa dos direitos fundamentais.

4. O direito à saúde, como elemento

essencial à dignidade da pessoa huma-

na, insere-se no rol daqueles direitos

cuja tutela pelo Ministério Público inte-

ressa à sociedade, ainda que em favor de

pessoa determinada. 5. Os arts. 21 da Lei

da Ação Civil Pública e 90 do CDC, como

normas de envio, possibilitaram o surgi-

mento do denominado Microssistema

ou Minissistema de proteção dos inte-

resses ou direitos coletivos amplo senso,

no qual se comunicam outras normas,

como o Estatuto do Idoso e o da Criança

e do Adolescente, a Lei da Ação Popular,

a Lei de Improbidade Administrativa e

outras que visam tutelar direitos dessa

natureza, de forma que os instrumentos

e institutos podem ser utilizados com

o escopo de “propiciar sua adequada e

efetiva tutela” (art. 83 do CDC).

6. Recurso especial provido para

determinar o prosseguimento da ação

civil pública.

Tal entendimento é confi rmado pela

Primeira Turma do Supremo Tribunal

Federal (v. RE 500879 AgR/SC, Relatora

Min. Carmen Lúcia, j. em 10.05.2011).

O Superior Tribunal de Justiça, por seu turno, entende que o Ministério Público deve atuar na defesa dos interesses individuais homogêneos que pos-suam relevância social. Afi nal, se o órgão ministerial pode promover ações individuais para defender interesses individuais que possuem fundamento na Constituição, com muito mais razão poderia fazê-lo para promover ações coletivas, que possuem maior alcance44.

F — O MINISTÉRIO PÚBLICO E A IMPLEMENTAÇÃO JUDICIAL DE POLÍTI-CAS PÚBLICAS.

De acordo com Robson Godinho Renault, “na implementação judicial de políticas públicas, o Ministério Público vem atuando intensamente, seja por meio de ações coletivas, seja por meio de ações na defesa de direitos individuais indispo-níveis, em temas como, por exemplo, direito à saúde, à educação, ao saneamento básico, à ordem urbanística, ao patrimônio cultural, ao meio ambiente, à segu-rança do trânsito, ao patrimônio público, na defesa das crianças, adolescentes, idosos, portadores de defi ciência, comunidades indígenas, entre outras diversas hipóteses, além de ter na ação de improbidade um importante instrumento para a realização de políticas públicas, inclusive por seu caráter pedagógico”. Segundo ele, “em sua atuação, pode o Ministério Público contribuir decisivamente para a admissibilidade dos processos envolvendo políticas públicas, seja por meio de ações tecnicamente cuidadosas, explicitando as razões que autorizam a iniciativa judicial, seja por uma ativa participação como interveniente, aditando a petição inicial e manifestando-se de modo a suprir falhas que poderiam impedir indevida e desnecessariamente o julgamento do mérito”.45

Sobre o tema, José dos Santos Carvalho Filho comenta que a questão se insere no âmbito do “desenvolvimento das idéias de ‘judicialização da políti-ca’ (ou ‘politização da justiça’), segundo as quais se admite o que se tem de-nominado de ‘ativismo judicial’, propiciando a intervenção do Judiciário em áreas típicas de gestão administrativa, em virtude da reconhecida inefi ciência da Administração”46.

É legítima tal atuação?

G — QUESTIONÁRIO

a) Em que consiste a obrigatoriedade e a indisponibilidade da ação civil pública pelo Ministério Público?

b) A decisão de arquivamento de um inquérito civil viola a cláusula cons-titucional da inafastabilidade do poder judiciário, uma vez que retira do juiz o conhecimento da lesão ao direito coletivo?

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45 RENAULT, Robson Godinho. “A ad-

missibilidade da tutela jurisdicional e

a efetividade dos processos envolvendo

políticas públicas” In: VILLELA, Patrícia

(org.). Ministério Público e Políticas

Públicas. Rio de Janeiro: Lumen Juris,

2009, págs. 190-192.

46 CARVALHO FILHO, José dos Santos.

Manual de Direito Administrativo. 23ª

ed. rev. ampl. e atual até 31.12.2009.

Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2010, p. 57.

47 Idem, pág. 109.

c) Existe diferença na atuação do Ministério Público quando ela ocorre não pela natureza da lide, mas em razão da qualidade da parte? Neste último caso, deve o Ministério Público ser um defensor intransigente dos interesses da parte que justifi ca sua atuação no processo?

d) De acordo com Mauro Cappelletti, O Ministério Público não estaria psicologicamente adequado para ajuizar ações coletivas. Você discorda ou concorda?

e) Hugo Nigro Mazzilli afi rma que “não teria sentido, v. g., pôr o Mi-nistério Público em defesa de meia dúzia de importadores de carros de luxo danifi cados no transporte (...). Coisa diversa, porém, seria negar a priori a possibilidade a possibilidade da iniciativa da instituição para, p ex, propor ação civil pública cujo objeto fosse impedir a comercialização de medica-mentos falsifi cados ou adulterados, que podem causar graves danos à saúde de pessoas”47. Qual seria, então, o critério para se admitir a legitimidade do Ministério Público na tutela de interesses individuais homogêneos?

f ) O que ocorre se o autor de ação coletiva abandona a causa? O juiz deve extinguir o processo sem exame do mérito ou deve ser utilizada solução exis-tente no microssistema de tutela coletiva?

g) Deve o Ministério Público atuar sempre que uma lei infraconstitucio-nal obrigue a atuação da instituição em uma determinação ação judicial?

h) Em caso de desistência do autor, estará o Ministério Público obrigado a assumir o pólo ativo da ação civil pública?

i) Pode o Ministério Público desistir da ação civil pública?j) Pode desistir ou renunciar ao direito de recurso?

H — DOUTRINA

Leitura obrigatória

MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. São Paulo: Saraiva — Capítulos 4 (A atuação do MP no processo civil) e 17 (Legi-timação ativa).

Leitura adicional

ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais — Capítulos 6 (A tutela de direitos transindividuais pelo MP) e 9 (O MP e a defesa de direitos individuais homogêneos).

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I — JURISPRUDÊNCIA

REsp 821.395/PE, Rel. Min. Luiz Fux — 1ª Turma, j. em 23.03.2009PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLI-

CA. SERVIÇO DE TELEFONIA. SUJEITO PASSIVO DA COFINS E PIS/PASEP. ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. QUES-TÃO DEBATIDA EM AGRAVO DE INSTRUMENTO CONTRA CONCESSÃO DE LIMINAR (TUTELA ANTECIPADA). JULGAMEN-TO DO MÉRITO DA AÇÃO PRINCIPAL. PERDA DO OBJETO. INO-CORRÊNCIA. JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA. RESSAL-VA DO ENTENDIMENTO DO RELATOR (LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ARTIGO 129, III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LEI COMPLEMENTAR 75/93. INTERESSES INDIVIDU-AIS HOMOGÊNEOS. DIREITO DO CONSUMIDOR. ILEGALIDA-DE NO REPASSE DE TRIBUTOS A USUÁRIOS DO SERVIÇO PÚBLI-CO DE TELECOMUNICAÇÃO).

1. Ação civil pública, intentada pelo Ministério Público Federal, que obje-tiva impedir que as empresas de telefonia fi xa e móvel repassem, diretamente aos consumidores dos serviços, residentes no Estado de Pernambuco, os va-lores referentes ao recolhimento da COFINS e do PIS/PASEP.

2. O Tribunal de origem, em sede de agravo de instrumento, revogou a tutela antecipada concedida pelo Juízo Singular, que determinara às conces-sionárias/autorizatárias demandadas que procedessem à imediata suspensão do repasse da COFINS e do PIS/PASEP aos consumidores dos serviços de telecomunicações, nos limites da competência territorial do juízo, sob pena de imposição de multa diária a cada ré, no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), a ser revertida para o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (artigo 13, da Lei 7.347/85 e Decreto 1.306/94).

3. Deveras, o Ministério Público Federal carece de legitimidade ativa ad causam para, em sede de ação civil pública, postular direitos individuais ho-mogêneos, identifi cáveis e divisíveis, de titularidade dos consumidores do serviço público de telefonia, que reclamam a defi nição do sujeito passivo da COFINS e do PIS/PASEP (AgRg no AgRg no REsp 669.371/RS, Rel. Mi-nistro Francisco Falcão, julgado em 14.08.2007, DJ 11.10.2007).

4. Outrossim, a ilegitimidade passiva da ANATEL restou assente em jul-gamento da Primeira Turma, no sentido de que: “I — As atribuições da ora recorrente, contidas no inciso VII do artigo 19 da Lei nº 9.472/97, ou seja, controlar, acompanhar e proceder à revisão de tarifas dos serviços prestados no regime público, podendo fi xá-las nas condições previstas nesta Lei, bem como homologar reajustes, não justifi cam a manutenção da ANATEL no feito, seja para defesa da norma que determinou a cobrança das contribuições, seja em razão das atribuições referidas. II — A obrigação que se pretende impor à de-

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mandada é a devolução dos valores pagos pelos consumidores a título de con-tribuição ao PIS/PASEP e ao COFINS, bem como a imediata suspensão da cobrança. Não sendo a ANATEL titular de tal obrigação, tendo em vista que os efeitos da repercussão com a procedência da ação não poderão atingir sua órbita jurídica, uma vez que a cobrança das contribuições referidas é efetivada, através da conta telefônica, pela CONCESSIONÁRIA, há que se reconhecer a ilegitimidade passiva da recorrente”. III — Esta Colenda Turma, ao julgar o REsp nº 792.641/RS, Rel. p/Ac. Min. LUIZ FUX, tratando sobre a legiti-midade da ANATEL para integrar ação que questiona a legalidade da “Assi-natura Básica Residencial”, defi niu que a legitimidade da referida agência está vinculada à repercussão dos efeitos que a demanda pode causar a ela, sendo que naquela hipótese se observou que a referida agência não deveria integrar a relação processual, uma vez que a repercussão da ação, incluindo eventual re-petição de indébito, não poderia atingir sua órbita jurídica.” (REsp 716.365/RS, Rel. Ministro Francisco Falcão, julgado em 07.11.2006, DJ 14.12.2006).

5. Ressalva do entendimento do relator no sentido de que:(i) O Ministério Público tem legitimidade ativa para ajuizar ação civil

pública em defesa de direitos individuais homogêneos, desde que esteja con-fi gurado interesse social relevante, gênero do qual é espécie a proteção ao direito do consumidor.

(ii) In casu, o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública, com pedido de antecipação de tutela jurisdicional, em desfavor da Agência Na-cional de Telecomunicações — ANATEL e de diversas empresas de telefo-nia, objetivando, em síntese, a proibição do repasse, pelas concessionárias/autorizatárias, dos valores relativos à COFINS e à contribuição ao PIS para os consumidores fi nais dos serviços de telefonia mediante o detalhamento dos respectivos valores nas faturas mensais dos serviços telefônicos, sob o argumento de que o procedimento adotado pelas operadores dos serviços estaria transformando os consumidores em contribuintes de fato das referidas contribuições sociais, cujo ônus não lhes caberia suportar.

(iii) Demanda de nítido caráter consumerista que enseja a legitimidade, sem interdição legal, do Ministério Público (artigo 1º, parágrafo único, da LACP).

(iv) A nova ordem constitucional erigiu um autêntico “concurso de ações” entre os instrumentos de tutela dos interesses transindividuais e, a fortiori, legitimou o Ministério Público para o seu manejo.

(v) O novel artigo 129, III, da Constituição Federal, habilitou o Minis-tério Público à promoção de qualquer espécie de ação na defesa de direitos difusos e coletivos, não se limitando à ação de reparação de danos.

(vi) Hodiernamente, após a constatação da importância e dos inconve-nientes da legitimação isolada do cidadão, não há mais lugar para o veto da legitimatio ad causam do MP para a Ação Popular, a Ação Civil Pública ou o Mandado de Segurança coletivo.

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(vii) Em conseqüência, legitima-se o Parquet a toda e qualquer demanda que vise à defesa dos interesses difusos e coletivos, sob o ângulo material ou imaterial.

(viii) Deveras, o Ministério Público está legitimado a defender os inte-resses transindividuais, quais sejam os difusos, os coletivos e os individuais homogêneos.

(ix) Nas ações que versam interesses individuais homogêneos, esses parti-cipam da ideologia das ações difusas, como sói ser a ação civil pública. A des-personalização desses interesses está na medida em que o Ministério Público não veicula pretensão pertencente a quem quer que seja individualmente, mas pretensão de natureza genérica, que, por via de prejudicialidade, resta por infl uir nas esferas individuais.

(x) A assertiva decorre do fato de que a ação não se dirige a interesses in-dividuais, mas a coisa julgada in utilibus poder ser aproveitada pelo titular do direito individual homogêneo se não tiver promovido ação própria.

(xi) A ação civil pública, na sua essência, versa interesses individuais ho-mogêneos e não pode ser caracterizada como uma ação gravitante em torno de direitos disponíveis. O simples fato de o interesse ser supra-individual, por si só já o torna indisponível, o que basta para legitimar o Ministério Público para a propositura dessas ações.

6. Nada obstante, em virtude do julgamento simultâneo do presente es-pecial (interposto em sede de agravo de instrumento) e aquele manejado nos autos principais (REsp nº 974.489/PE), ambos do mesmo recorrente, revela-se prejudicada a análise do apelo extremo sub judice que se dirige contra a decisão proferida em sede de cognição sumária.

7. Recurso especial julgado prejudicado.STJ — REsp 933.002/RJ, Rel. Min. Castro Meira — 2ª Turma, j. em

16.06.2009PROCESSUAL CIVIL. COLÉGIO PEDRO II. EXTINÇÃO DO

CURSO NOTURNO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. INTERESSES COLETIVOS EM SENTIDO ESTRITO E DIFUSOS.

1. O Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública objetivando a manutenção do curso de ensino médio no período noturno oferecido pelo Colégio Pedro II — Unidade São Cristóvão, que teria sido ilegalmente supri-mido pelo Diretor da referida entidade educacional.

2. O direito à continuidade do curso noturno titularizado por um grupo de pessoas — alunos matriculados no estabelecimento de ensino — deriva de uma relação jurídica base com o Colégio Pedro II e não é passível de divisão, uma vez que a extinção desse turno acarretaria idêntico prejuízo a todos, mostrando-se completamente inviável sua quantifi cação individual.

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3. Há que se considerar também os interesses daqueles que ainda não ingressaram no Colégio Pedro II e eventualmente podem ser atingidos pela extinção do curso noturno, ou seja, um grupo indeterminável de futuros alunos que titularizam direito difuso à manutenção desse turno de ensino.

4. Assim, a orientação adotada pela Corte de origem merece ser prestigia-da, uma vez que os interesses envolvidos no litígio revestem-se da qualidade de coletivos e, por conseguinte, podem ser defendidos pelo Ministério Públi-co em ação civil pública.

5. No mais, o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece expressa-mente a legitimidade do Ministério Público para ingressar com ações funda-das em interesses coletivos ou difusos para garantir a oferta de ensino notur-no regular adequado às condições do educando.

6. Recurso especial não providoSTJ — REsp 605.295/MG, Rel Min. Laurita Vaz — 5ª Turma, j. em

20.10.2009LOCAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROPOSTA EM FACE DE

APENAS UMA ADMINISTRADORA DE IMÓVEL. CLÁUSULA CON-TRATUAL ABUSIVA. ILEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. DIREITO INDIVIDUAL PRIVADO. CÓDI-GO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INAPLICABILIDADE.

1. Nos termos do art. 129, inciso III, da Constituição Federal e do art. 25, inciso IV, letra a, da Lei nº. 8.625/1993, possui o Ministério Público, como função institucional, a defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos.

2. No caso dos autos, a falta de confi guração de interesse coletivo afasta a legitimidade ativa ad causam do Ministério Público para ajuizar ação civil pública objetivando a declaração de nulidade de cláusulas abusivas constantes de contratos de locação realizados com apenas uma administradora do ramo imobiliário.

3. É pacífi ca e remansosa a jurisprudência, nesta Corte, no sentido de que o Código de Defesa do Consumidor não é aplicável aos contratos locatícios, que são reguladas por legislação própria. Precedentes.

4. Recurso especial desprovido.

STJ — REsp 1.041.197/MS, Rel. Min. Humberto Martins — 2ª Tur-ma, j. em 25.08.2009

ADMINISTRATIVO — AÇÃO CIVIL PÚBLICA — CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS — POSSIBILIDADE EM CA-SOS EXCEPCIONAIS — DIREITO À SAÚDE — FORNECIMENTO DE EQUIPAMENTOS A HOSPITAL UNIVERSITÁRIO — MANIFES-TA NECESSIDADE — OBRIGAÇÃO DO ESTADO — AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES —

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NÃO-OPONIBILIDADE DA RESERVA DO POSSÍVEL AO MÍNIMO EXISTENCIAL.

1. Não comporta conhecimento a discussão a respeito da legitimidade do Ministério Público para fi gurar no pólo ativo da presente ação civil pública, em vista de que o Tribunal de origem decidiu a questão unicamente sob o prisma constitucional.

2. Não há como conhecer de recurso especial fundado em dissídio juris-prudencial ante a não-realização do devido cotejo analítico.

3. A partir da consolidação constitucional dos direitos sociais, a função estatal foi profundamente modifi cada, deixando de ser eminentemente legis-ladora em pró das liberdades públicas, para se tornar mais ativa com a missão de transformar a realidade social. Em decorrência, não só a administração pública recebeu a incumbência de criar e implementar políticas públicas ne-cessárias à satisfação dos fi ns constitucionalmente delineados, como também, o Poder Judiciário teve sua margem de atuação ampliada, como forma de fi scalizar e velar pelo fi el cumprimento dos objetivos constitucionais.

4. Seria uma distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamen-tais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente fundamentais. Com

efeito, a correta interpretação do referido princípio, em matéria de políti-cas públicas, deve ser a de utilizá-lo apenas para limitar a atuação do judiciá-rio quando a administração pública atua dentro dos limites concedidos pela lei. Em casos excepcionais, quando a administração extrapola os limites da competência que lhe fora atribuída e age sem razão, ou fugindo da fi nalidade a qual estava vinculada, autorizado se encontra o Poder Judiciário a corrigir tal distorção restaurando a ordem jurídica violada.

5. O indivíduo não pode exigir do estado prestações supérfl uas, pois isto escaparia do limite do razoável, não sendo exigível que a sociedade arque com esse ônus. Eis a correta compreensão do princípio da reserva do possível, tal como foi formulado pela jurisprudência germânica. Por outro lado, qualquer pleito que vise a fomentar uma existência minimamente decente não pode ser encarado como sem motivos, pois garantir a dignidade humana é um dos obje-tivos principais do Estado Democrático de Direito. Por este motivo, o princípio da reserva do possível não pode ser oposto ao princípio do mínimo existencial.

6. Assegurar um mínimo de dignidade humana por meio de serviços pú-blicos essenciais, dentre os quais a educação e a saúde, é escopo da República Federativa do Brasil que não pode ser condicionado à conveniência política do administrador público. A omissão injustifi cada da administração em efetivar as políticas públicas constitucionalmente defi nidas e essenciais para a promoção da dignidade humana não deve ser assistida passivamente pelo Poder Judiciário.

Recurso especial parcialmente conhecido e improvido.

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

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48 GRINOVER, Ada Pellegrini. “Rumo a

um código brasileiro de processos co-

letivos”. In: MILARÉ, Édis. A ação civil

pública após 20 anos: efetividade e

desafi os, 2005, pág. 15; GIDI, Antonio.

A class action como instrumento de

tutela coletiva dos direitos. São Paulo:

RT, 2007.

AULA 7: DEMAIS LEGITIMADOS

A — CASO

O Sindicato Estadual de Profi ssionais da Educação ajuizou Ação Civil Pública em face do Estado do Rio de Janeiro com a pretensão de que fosse proibido o pagamento de Gratifi cações por Lotação Prioritária (GLPs) aos professores da Rede Estadual de Ensino. De acordo com o Sindicato, o Es-tado do Rio de Janeiro estava pagando GLP a cerca de 15.000 professores, em virtude de eles estarem trabalhando com a carga horária dobrada. Assim agindo, o Estado deixava de contratar dezenas de milhares de professores aprovados em concurso público, mas que não eram convocados em virtu-de do pagamento destas gratifi cações. O sindicato argumentava que estava defendendo a qualidade da educação no Estado e justifi cava sua legitimação com base no fato de que, apesar de ainda não terem sido ofi cialmente contra-tados como professores, os concursados tinham licenciatura e eram profi ssio-nais da educação, apesar de ainda não estarem exercendo o magistério para o qual tinham se qualifi cado.

Na condição de juiz, você consideraria que o Sindicato Estadual dos Pro-fi ssionais da Educação possui legitimidade ativa para ajuizar esta ação civil pública?

B — BREVE NOTA SOBRE RECENTES E FUTURAS ALTERAÇÕES

Apesar de a jurisprudência já ter admitido a legitimidade ad causam da Defensoria Pública para ajuizar ações coletivas, a questão ainda era contro-vertida. Com o advento da lei federal nº 11.448/07, não há mais dúvidas a este respeito. Além disso, é importante alertar para a possível inclusão dos indivíduos no rol dos legitimados para ajuizar ações coletivas, tal como pre-visto no artigo 9º do Anteprojeto de Código Brasileiro de Ações Coletivas. Finalmente, o Anteprojeto também introduziria no ordenamento jurídico brasileiro a ação coletiva passiva (em face de uma classe, grupo ou categoria de pessoas), inspirada na ‘defendant class action’ do direito norte-americano.48

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C — LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL

a) Lei nº 7347/85.

Art. 5º. Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:

I — o Ministério Público;II — a Defensoria Pública;III — a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;IV — a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de

economia mista;V — a associação que, concomitantemente:a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da

lei civil;b) inclua, entre suas fi nalidades institucionais, a proteção ao

meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre con-corrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

§ 1º. O Ministério Público, se não intervier no processo como parte, atuará obrigatoriamente como fi scal da lei.

§ 2º. Fica facultado ao Poder Público e a outras associações legi-timadas nos termos deste artigo habilitar-se como litisconsortes de qualquer das partes.

§ 3º. Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitima-do assumirá a titularidade ativa.

§ 4º. O requisito da pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela di-mensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurí-dico a ser protegido.

§ 5º. Admitir-se-á o litisconsórcio facultativo entre os Ministé-rios Públicos da União, do Distrito Federal e dos Estados na defesa dos interesses e direitos de que cuida esta Lei.

b) Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90)

Art. 82. Para os fi ns do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)

I — o Ministério Público,II — a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal;

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

FGV DIREITO RIO 34

49 MIRRA, Álvaro Luiz Valery. “A ação ci-

vil pública em defesa do meio ambien-

te: a representatividade adequada dos

entes intermediários legitimados para

a causa”. In: MILARÉ, Edis (org). A ação

civil pública após 20 anos: efetividade e

desafi os, 2005, pág. 49.

III — as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especifi camente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este có-digo;

IV — as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fi ns institucionais a defesa dos interes-ses e direitos protegidos por este código, dispensada a autorização assemblear.

§ 1° O requisito da pré-constituição pode ser dispensado pelo juiz, nas ações previstas nos arts. 91 e seguintes, quando haja mani-festo interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido.

c) Proposta da Professora Ada Pellegrini Grinover para o Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos.

Art. 9º. São legitimados concorrentemente à ação coletiva:I — qualquer pessoa física, para a defesa dos direitos ou interes-

ses difusos;II — o membro do grupo, categoria ou classe, para a defesa dos

direitos ou interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos;(...)§ 3º. Em caso de inexistência inicial ou superveniente do requi-

sito da representatividade adequada, da desistência infundada ou abandono da ação, o juiz notifi cará o Ministério Público, observado o disposto no Inciso III, e, na medida do possível, outros legitima-dos adequados para o caso, a fi m de que assumam, querendo, a titu-laridade da ação. Havendo inércia do Ministério Público, aplica-se o disposto no parágrafo único do artigo 10 deste código.

D — REPRESENTATIVIDADE ADEQUADA

Como acabou de ser visto, uma das inovações pretendidas pelo Antepro-jeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos seria permitir que o juiz aferisse se o autor da ação coletiva está representando adequadamente os inte-resses que deve defender em juízo. Regra semelhante existe no direito norte-americano e autores brasileiros se referem a associações legitimadas que não apresentariam “credibilidade, seriedade, o conhecimento técnico-científi co, a ca-pacidade econômica, a possibilidade de produzir uma defesa processual válida”49. Álvaro Mirra defende “a necessidade de aferição da representatividade ade-quada de tais entes intermediários legitimados, entendida como a aptidão,

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

FGV DIREITO RIO 35

50 Idem, pág. 56.

51 BRITTO, Adriana “A evolução da De-

fensoria Pública em direção à tutela

coletiva”. In: SOUSA, José Augusto Gar-

cia de (coord.). A Defensoria Pública e os

processos coletivos: comemorando a Lei

11.448 de 15 de janeiro de 2007. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2008, págs. 1-28.

52 Idem, pág. 25.

53 A mais eloquente crítica ao fato de

que “o direito promete muito mais do

que pode cumprir” parece ter sido fei-

ta pelo ex-professor de Harvard, David

Kennedy, com relação às promessas dos

direitos humanos em artigo clássico

sobre o assunto.

que referidos titulares do direito de agir devem apresentar, para a defesa es-crupulosa e efi ciente em juízo do direito de todos ao meio ambiente ecologi-camente equilibrado, em perfeita sintonia com as expectativas da coletivida-de por eles representada. Nessa matéria, portanto, ao contrário do sustentado por parte da doutrina especializada dos legitimados ativos é indissociável da questão da legitimidade ativa para a ação civil pública ambiental”50.

E — AMPLIAÇÃO DO CONCEITO DE NECESSITADOS E O PAPEL DA DE-FENSORIA PÚBLICA NA TUTELA COLETIVA

Em recente artigo, a defensora pública Adriana Britto descreve a expansão da atuação da Defensoria Pública nas últimas décadas, defendendo a essen-cialidade da instituição e a necessidade de sua criação em todos os estados da federação. Além disso, a autora nota a ampliação dos conceitos de hipossufi -ciência e de assistência jurídica integral como etapas do processo de amplia-ção da Defensoria Pública que teria conduzido ao reconhecimento da legi-timidade para ajuizar a ação civil pública. O novo conceito de necessitados inclui pessoas com “razoável condição fi nanceira”, cujos gastos com custas e honorários acarretaram carência fi nanceira para as despesas básicas. Trata-se da hipossufi ciência jurídica.

Já o conceito de assistência jurídica integral justifi caria o uso da tutela coletiva como poderoso instrumento de efetivo acesso à justiça de todos os necessitados51. Conclui a defensora pública que “surge a necessidade de re-dimensionamento das funções da Defensoria Pública, para que possa ocupar um novo espaço institucional, intimamente ligado à tutela coletiva e à supe-ração do individualismo, relevando as funções atípicas ou “não tradicionais” da Defensoria Pública, o que não signifi ca abandonar a representação dos ne-cessitados individualmente considerados, que continuará sendo fundamental dentro das atribuições da instituição”52. Deve a tutela coletiva de direitos ser considerada uma função típica da Defensoria Pública? Neste caso, como deve ser o redimensionamento da Defensoria Pública?

F — SERÁ A DEFENSORIA PÚBLICA CAPAZ DE ATENDER A DEMANDA?

Refl exão importante diz respeito à capacidade de o Poder Judiciário aten-der a demanda da sociedade civil. Alguns autores norte-americanos criticam o direito contemporâneo por não ser capaz de cumprir as promessas que faz e que, por isso, o discurso jurídico funcionaria mais como mito do que como parte concreta da experiência social53. No contexto da tutela coletiva de direitos, merece registro a refl exão feita por Adriana Burger e Christine

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

FGV DIREITO RIO 36

54 BURGUER, Adriana Fagundes; BALBI-

NOT, Christine. “A dimensão coletiva da

atuação da Defensoria Pública a partir

do reconhecimento da sua legitimidade

ativa para a propositura das ações tran-

sindividuais” In: SOUSA, José Augusto

Garcia de (coord.). A Defensoria Pública

e os processos coletivos: comemorando

a Lei 11.448 de 15 de janeiro de 2007.

Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p.

34-35.

Balbinot, defensoras públicas no Rio Grande do Sul: “em que pese todo o esforço no sentido de assistir aos assistidos, não se consegue, no âmbito indi-vidual, realizar o direito tal como previsto pelo ordenamento constitucional de forma ampla e efi caz. Isso porque a massifi cação das demandas, com a repetição de dezenas de casos, inviabiliza a propositura e o acompanhamento de todas elas e nos leva à certeza de que outros tantos casos idênticos não foram atendidos pela prestação jurisdicional efetiva, seja pelo exaurimento da capacidade de atendimento dos poucos agentes da Instituição, seja porque muitos sequer procuram a Defensoria Pública para a defesa de tais direitos. Constata-se que, apesar de um número excessivo de demandas ajuizadas, o resultado, principalmente em se tratando de direitos transindividuais, não cumpre a tarefa constitucional de abranger e dar reparação a todos os lesados pela relação objeto da lide. Na verdade, vivemos um momento de crise, no qual resta claro o esgotamento do poder judiciário, cujas estruturas não com-portam nem jamais comportarão toda a litigiosidade das relações de massa, o que, perigosamente, acaba por dar ensejo a questionamentos a respeito do monopólio estatal da jurisdição”54.

G — UM NOVO MERCADO?

Uma das inovações discutidas no anteprojeto do Código Brasileiro de Pro-cessos Coletivos seria a introdução dos indivíduos no rol dos legitimados para ajuizar a ação coletiva, a exemplo do que ocorre nos Estados Unidos. De acor-do com Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, “a inovação abrirá importante campo de atuação para a advocacia privada, na defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, antes limitados àqueles que prestavam os seus serviços perante associações e sindicatos. A advocacia privada acabava desempenhando as suas funções principalmente no pólo contrário aos inte-resses coletivos. Com a legitimação das pessoas naturais, pode-se vislumbrar um grande atrativo futuro, pois causas que individualmente não seriam capa-zes de mobilizar e custear o aporte de recursos humanos e materiais poderão, sob o prisma coletivo, representar uma importante fonte de interesse para os advogados. Pode-se imaginar, por exemplo, um dano que individualmente remontasse a um valor unitário de mil reais, ensejando honorários, se fi xados em conformidade com o artigo 20, § 3º, do Código de Processo Civil, entre cem e duzentos reais, valor que não seria altamente signifi cativo e sufi ciente para a manutenção de uma banca de advocacia. Mas, diante de um grupo de mil pessoas afetadas, o valor da causa passaria para um milhão de reais, com a possibilidade de honorários entre cem e duzentos mil reais. Por conseguinte, direitos e interesses individuais, principalmente de natureza pecuniária de pequena monta, que acabavam sendo impunemente desrespeitados, poderão

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

FGV DIREITO RIO 37

55 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro.

“O anteprojeto de Código Brasileiro de

Processos Coletivos e a legitimidade da

Defensoria Pública para as ações coleti-

vas”. In: SOUSA, José Augusto Garcia de

(coord.), op. cit., pág. 66.

56 CÂMARA, Alexandre Freitas. “A legi-

timidade da Defensoria Ppública para

ajuizar ação civil pública: um possível

primeiro pequeno passo em direção a

uma grande reforma”. In: SOUSA, José

Augusto Garcia de (coord.), op. cit.,

pág. 49.

57 MAZZILLI, Hugo Nigro, op. cit., pág.

126.

58 GIDI, Antonio, op. cit., pág. 415.

59 Neste sentido, por exemplo, é o

entendimento de Geisa de Assis Ro-

drigues: “Não há no nosso sistema a

possibilidade de ser proposta uma ação

coletiva contra um réu que represente

toda uma classe, a exemplo da “de-

fendant class action” do direito norte-

americano. Assim, todos que estejam

violando ou ameaçando um direito

transindividual devem ser nominados

na ação judicial. O ajustamento de con-

duta, dessa forma, só terá efi cácia para

aqueles que celebrarem o ajuste, mani-

festando expressamente seu intuito de

cumprir as obrigações assumidas”. In:

RODRIGUES, Geisa de Assis. Ação civil

pública e termo de ajustamento de con-

duta: teoria e prática. 2ª edição. Rio de

Janeiro: Forense, 2006, pág. 174.

encontrar a sua alforria, despertando a atuação da advocacia privada, como ocorre com relativa freqüência nos Estados Unidos”55. Será esta uma inovação positiva?

H — UM REPOSICIONAMENTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO?

Alexandre Freitas Câmara sugere o reposicionamento do papel do Minis-tério Público na tutela coletiva de direitos: “A meu ver, a partir do momento em que se afi rmar (na prática, e não apenas no texto da lei) a Defensoria Pú-blica como principal legitimada a postular em juízo tutela para os interesses transindividuais, O Ministério Público pode passar a ser mais custos legis e menos demandante. Com isto, o MP passaria a exercer seu papel principal, de defensor imparcial da atuação da vontade concreta do direito objetivo”56. O advogado chega a sugerir a retirada do Ministério Público do rol dos le-gitimados ativos. A ideia de que o Ministério Público não teria vocação para ajuizar ações civis não é nova. Contra tal ideia, Hugo Nigro Mazzilli se insur-ge há longa data: “dizer que o Ministério Público não está institucionalmente adequado à defesa de interesses cíveis poderia ser argumento válido para o Ministério Público ou instituições congêneres de outros países na Améri-ca do Norte ou na Europa, mas seria despropositado no Brasil, em face do destacado papel que o Ministério Público já detinha na área cível (menores, acidentes do trabalho, questões de família etc)”57.

I — AÇÕES COLETIVAS PASSIVAS

Existe entre nós a possibilidade de se ajuizar ação coletiva em face de grupos, categorias ou classes de pessoas (a ‘defendant class action’ do direito norte-americano)? A este respeito escreve Antonio Gidi: “Alguns autores estão convencidos da possibilidade, necessidade e conveniência de uma interpretação mais ampla e fl exível da sistemática processual coletiva brasileira, em favor de se permitir de lege lata a propositura de ações coletivas passivas. Se é verdade que o CDC e a LACP não as contemplam expressamente, também é certo que não as proíbem. Se a tutela coletiva foi permitida pela lei e se há um regulamento pro-cessual adequado para a matéria, não há por que negar a possibilidade de uma ação coletiva passiva. A questão, porém, merece cuidadoso estudo, antes que uma palavra fi nal possa ser dada a respeito”58.

Apesar de alguns entendimentos em sentido contrário59, a melhor dou-trina e jurisprudência pátrias vinham reconhecendo a possibilidade de uma coletividade fi gurar no polo passivo de uma ação civil pública.

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

FGV DIREITO RIO 38

60 MANCUSO, Rodolfo Camargo Man-

cuso. Ação civil pública. 7ª edição. São

Paulo: RT, 2001, pág. 165.

61 Idem, pág. 167.

62 MANCUSO, Rodolfo Camargo Man-

cuso. Ação civil pública. 10ª edição. São

Paulo: RT, 2007, pág. 188.

63 Idem, pág. 177

64 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Her-

mes, op.cit., págs. 403-404.

Rodolfo Camargo Mancuso tem sistematicamente defendido a possibili-dade de se ajuizar ações civis públicas em face de coletividades, inspirando-se na experiência norte-americana e na necessidade de se assegurar o acesso à justiça e a efetividade da prestação jurisdicional: “a excessiva amplitude da legitimação passiva nas ações voltadas à tutela de interesses metaindividu-ais (que pode chegar a uma não fi xação apriorística dos demandados) não é casual, mas antes leva em conta fatores diversos, como as peculiaridades do caso concreto, as responsabilidades diversas, diretas e indiretas, emergentes segundo a natureza do dano produzido, o grau de informação das pessoas concernentes, a hierarquia entre os órgãos públicos envolvidos, a conveni-ência da extensão subjetiva da coisa julgada etc”60. Mancuso se referia ao problema das “demandas múltiplas”61, elogiando a solução de se evitar os litisconsórcios multitudinários, através da expansão da legitimação passiva para se solucionar os confl itos em que a coletividade é responsável por trans-gressões em massa.

Em edição mais recente de sua obra, Mancuso já se referia expressamente à previsão da ação coletiva passiva no anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos 62, citando como exemplo de legitimação passiva das as-sociações “o caso das ações civis públicas ajuizadas pelo Ministério Público Paulista contra algumas torcidas organizadas (Mancha Verde e Torcida Inde-pendente), para que fossem extintas, ao fundamento de distúrbios em está-dios de futebol”63.

Além do exemplo da responsabilização das torcidas organizadas, a realida-de prática exibe uma série de situações em que é necessária a responsabiliza-ção da coletividade para se assegurar o respeito a direitos diante de transgres-sões em massa. Fredie Didier Jr e Hermes Zaneti Jr, a seu turno, se referem à hipótese de uma greve ilegal, conduzida pelo sindicato profi ssional e lesiva aos benefi ciários do serviço essencial prestado por aquela categoria paralisada: “em 2004, em razão da greve nacional dos policiais federais, o Governo Federal ingressou com demanda judicial contra a Federação Nacional dos Policiais Fede-rais e o Sindicato dos Policiais Federais no Distrito Federal, pleiteando o retorno das atividades. Trata-se, induvidosamente, de uma ação coletiva passiva, pois a categoria ‘policial federal’ encontrava-se como sujeito passivo da relação jurídica deduzida em juízo: afi rmava-se que a categoria tinha o dever coletivo de voltar ao trabalho”64.

Resta claro que, nestas ações coletivas passivas, não se está diante de uma coletividade de vítimas, mas de uma coletividade de transgressores, a quem a demanda deve ser dirigida.

A difi culdade prática é identifi car uma entidade que possa representar ade-quadamente a categoria de transgressores. No caso de uma greve, é evidente que um sindicato pode representar adequadamente os interesses dos grevis-tas, até mesmo porque a entidade sindical é responsável pela articulação do

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

FGV DIREITO RIO 39

65 Tal hipótese foi enfrentada pelo

Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro

em Ação Civil Pública ajuizada pelo

Ministério Público fl uminense em face

do Sindicato de Estabelecimentos de

Ensino do Rio de Janeiro, tendo a 20ª

Câmara Cível superado as prelimi-

nares de ilegitimidade e enfrentado

o mérito, julgando improcedente os

pedidos formulados no Processo nº

2008.001.40179.

66 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Her-

mes, op.cit., págs. 172-173.

67 GIDI, Antonio, op. cit., pág. 391.

68 Idem, págs. 414-415.

movimento grevista, possuindo total condição de defender a legalidade do movimento grevista e, se for o caso, desarticular a paralisação, de modo a evitar sanções. Seria o caso também de uma ação coletiva ajuizada em face do Sindicato de Estabelecimentos de Ensino, em razão de práticas abusivas adotadas não pela entidade sindical, mas por cada um dos estabelecimentos de ensino individualmente na cobrança das mensalidades.

Apesar de a prática não ser realizada pela entidade sindical, trata-se de ati-vidade-fi m da categoria, de modo que, em tese, o sindicato estaria adequada-mente capacitado para exercer o papel de substituto processual dos supostos transgressores65. Antes do advento da Lei nº 10.671/10, Rodolfo Camargo Mancuso já cogitava da possibilidade de que uma torcida pudesse fi gurar como representante adequado de seus membros: “presente esse ambiente nor-mativo, e considerando ainda que o futebol é valor integrante do patrimônio cultural brasileiro (CF, art. 216), pode-se fi gurar uma ação civil pública movida pelo Ministério Público tendo como causa de pedir atos de vandalismo prati-cados em estádio municipal, atribuídos a integrantes de certa “torcida (des...) organizada”, e, como pedido, a condenação à recomposição do statu quo ante: neste contexto, haverá necessidade de saber se a citada torcida realmente pode ser considerada uma adequada representante dos aderentes da agremiação desportiva correspondente, como condição para sua regular imputação ao pólo passivo, e, também, para fi ns de efi cácia prática da futura coisa julgada.”66

Esta possibilidade, com o advento dos artigos 37-A e 37-B do Estatuto do Torcedor, agora se tornou uma realidade indiscutível. É que atualmente exis-te previsão legal expressa de que, (i) enquanto coletividade, a torcida organi-zada pode fi gurar no pólo passivo de uma ação civil pública e (ii) a torcida organizada deve ser considerada a representante adequada dos interesses de seus membros, que poderão ser responsabilizados pela transgressão de uma parcela de seus associados.

A nova regra consolida uma tendência doutrinária e jurisprudencial, de-fi nindo claramente a possibilidade de se ajuizar a ação coletiva passiva nestes casos. Trata-se de uma prática judicial adotada há séculos nos Estados Unidos e na Inglaterra, conhecida como “defendant class action”, cuja utilidade é bem explicada por Antonio Gidi: “a vantagem de uma defendant class action é mani-festa nos casos em que há um padrão de conduta ilegal entre um grupo de réus semelhantes situados, como, por exemplo, várias escolas, penitenciárias, lojas, municípios, cartórios, planos de saúde, franqueados, infratores etc. Com uma única ação coletiva é possível obrigá-los todos a cumprir a lei através de um único processo e uma única decisão, que terá força de coisa julgada em face de todos os membros do grupo”67. De acordo com o professor da Universidade de Houston, seria ideal que uma reforma legislativa delimitasse, no direito brasi-leiro, tal tipo de ação.68 Conforme já salientado, a regra está prevista no ante-projeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos, com a seguinte redação:

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

FGV DIREITO RIO 40

69 GRINOVER, Ada Pellegrini. “Rumo

a um Código Brasileiro de Processos

Coletivos – Exposição de Motivos”. In:

LUCON, Paulo Henrique dos Santos

(org.). Tutela Coletiva: 20 anos da Lei

de Ação Civil Pública. São Paulo: Atlas,

2006, p. 4.

“Capítulo III — Da ação coletiva passiva“Art. 36. Ações contra o grupo, categoria ou classe — Qualquer espécie de

ação pode ser proposta contra uma coletividade organizada, mesmo sem perso-nalidade jurídica, desde que apresente representatividade adequada (art. 19, I, “a”, “b” e “c”), se trate de tutela de interesses ou direitos difusos e coletivos (art. 3º) e a tutela se revista de interesse social”

“Art. 37. Coisa julgada passiva — A coisa julgada atuará erga omnes, vincu-lando os membros do grupo, categoria ou classe e aplicando-se ao caso, inver-samente, as disposições do artigo 12, caput e parágrafos 5º e 6º deste Código”.

Comentando tais dispositivos, Ada Pellegrini Grinover esclareceu que “o capítulo III introduz no ordenamento brasileiro a ação coletiva passiva, ou seja, a ação promovida não pelo, mas contra o grupo, categoria ou classe de pessoas. A jurisprudência brasileira vem reconhecendo o cabimento dessa ação (a defendant class action do sistema norte-americano), mas sem parâme-tros que rejam sua admissibilidade e o regime da coisa julgada”69. Na verdade, tal inovação legal acaba de ser introduzida em nosso ordenamento através da Lei nº 10.671/10, através da adoção da ação coletiva passiva no âmbito do Estatuto do Torcedor, em que a torcida organizada é citada como ré, mas a coisa julgada erga omnes abrange também todos os seus torcedores. Cabe, portanto, aos legitimados o ajuizamento de ações civis públicas em face das torcidas organizadas para fi ns de responsabilização civil da associação e de seus associados.

J — QUESTIONÁRIO

a) Pode a Ordem dos Advogados do Brasil ajuizar ações civis públicas?b) Em que consiste a expressão “pertinência temática”? Qual a diferença

em relação ao instituto da representação adequada? Esta última é exigível no ordenamento jurídico brasileiro?

c) O requisito da pré-constituição da associação é indispensável?d) Pode uma associação defender interesses transindividuais que ultrapas-

sem os seus próprios associados?e) É admissível que uma associação defenda em juízo interesses de um

grupo de associados, mas que contrarie outro grupo de associados?f ) A ação coletiva movida pela Defensoria Pública pode tutelar direitos

difusos ou se restringe à defesa dos hipossufi cientes?

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

FGV DIREITO RIO 41

K — DOUTRINA

Leitura obrigatória

DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de Direito Processual Ci-vil, vol. 4 (processo coletivo). Salvador: Jus Podivm — Capítulo VI (Le-gitimação ad causam nas ações coletivas)

Leitura adicional

GIDI, Antônio Gidi. A representação adequada nas ações coletivas brasilei-ras: uma proposta. Revista de Processo, São Paulo, n. 108, p. 61-70, abr./jun. 2003.

SOUSA, José Augusto Garcia de. A legitimidade da DP à luz do princípio da generosidade. In Maria Clara Gozzoli, Mirna Cianci, Petrônio Calmon e Rita Quartieri (coords.). Em Defesa de um Novo Sistema de Processos Coletivos: estudos em homenagem a Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 289-344.

SOUSA, José Augusto Garcia de. O destino de Gaia e as funções constitucio-nais da Defensoria Pública: ainda faz sentido (sobretudo após a edição da Lei Complementar 132/09) a visão individualista a respeito da institui-ção? In ___________ (coord). Uma Nova Defensoria Pede Passagem: refl e-xões sobre a Lei Complementar 132/09. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

L — JURISPRUDÊNCIA

Legitimidade da Defensoria Pública

STJ — REsp 1106515/MG, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima — 1ª Turma, j. em 16.12.2010

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA

PÚBLICA PARA AJUIZAR AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ART. 134 DA CF. ACESSO À

JUSTIÇA. DIREITO FUNDAMENTAL. ART. 5º, XXXV, DA CF. ARTS. 21 DA LEI

7.347/85 E 90 DO CDC. MICROSSISTEMA DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INS-TRUMENTO POR EXCELÊNCIA. LEGITIMIDADE ATIVA DA DE-FENSORIA PÚBLICA PARA AJUIZAR AÇÃO CIVIL PÚBLICA RE-CONHECIDA ANTES MESMO DO ADVENTO DA LEI 11.448/07.

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

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RELEVÂNCIA SOCIAL E JURÍDICA DO DIREITO QUE SE PRETEN-DE TUTELAR. RECURSO NÃO PROVIDO.

1. A Constituição Federal estabelece no art. 134 que “A Defensoria Públi-ca é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV”. Estabelece, ademais, como garantia fundamental, o aces-so à justiça (art. 5º, XXXV, da CF), que se materializa por meio da devida prestação jurisdicional quando assegurado ao litigante, em tempo razoável (art. 5º, LXXVIII, da CF), mudança efetiva na situação material do direito a ser tutelado (princípio do acesso à ordem jurídica justa).

2. Os arts. 21 da Lei da Ação Civil Pública e 90 do CDC, como normas de envio, possibilitaram o surgimento do denominado Microssistema ou Minis-sistema de proteção dos interesses ou direitos coletivos amplo senso, com o qual se comunicam outras normas, como os Estatutos do Idoso e da Criança e do Adolescente, a Lei da Ação Popular, a Lei de Improbidade Adminis-trativa e outras que visam tutelar direitos dessa natureza, de forma que os instrumentos e institutos podem ser utilizados para “propiciar sua adequada e efetiva tutela” (art. 83 do CDC).

3. Apesar do reconhecimento jurisprudencial e doutrinário de que “A nova ordem constitucional erigiu um autêntico ‘concurso de ações’ entre os instrumentos de tutela dos interesses transindividuais” (REsp 700.206/MG, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, DJe 19/3/10), a ação civil pública é o instrumento processual por excelência para a sua defesa.

4. A Lei 11.448/07 alterou o art. 5º da Lei 7.347/85 para incluir a Defen-soria Pública como legitimada ativa para a propositura da ação civil pública. Essa e outras alterações processuais fazem parte de uma série de mudanças no arcabouço jurídico-adjetivo com o objetivo de, ampliando o acesso à tutela jurisdicional e tornando-a efetiva, concretizar o direito fundamental disposto no art. 5º, XXXV, da CF.

5. In casu, para afi rmar a legitimidade da Defensoria Pública bastaria o comando constitucional estatuído no art. 5º, XXXV, da CF.

6. É imperioso reiterar, conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça, que a legitimatio ad causam da Defensoria Pública para intentar ação civil pública na defesa de interesses transindividuais de hipossufi cientes é reconhecida antes mesmo do advento da Lei 11.448/07, dada a relevância social (e jurídica) do direito que se pretende tutelar e do próprio fi m do ordenamento jurídico brasileiro: assegurar a dignidade da pessoa humana, entendida como núcleo central dos direitos fundamentais.

7. Recurso especial não provido.

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

FGV DIREITO RIO 43

Legitimidade de Associação Civil — dispensa de autorização de todos os associados

STJ — REsp 1.181.066/RS, Rel. Min. Vasco Della Giustina (Desem-bargador Convocado do TJ/RS) — 3ª Turma, j. em 15.03.2011

DIREITO DO CONSUMIDOR. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO BÁSICO DO CON-SUMIDOR À INFORMAÇÃO ADEQUADA. PROTEÇÃO À SAÚDE. LEGITIMIDADE AD CAUSAM DE ASSOCIAÇÃO CIVIL. DIREI-TOS DIFUSOS. DESNECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO ESPECÍ-FICA DOS ASSOCIADOS. AUSÊNCIA DE INTERESSE DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. ARTS. 2.º E 47 DO CPC. NÃO PREQUESTIONAMENTO. ACÓRDÃO RECORRIDO SUFI-CIENTEMENTE FUNDAMENTADO. CERVEJA KRONENBIER. UTILIZAÇÃO DA EXPRESSÃO “SEM ÁLCOOL” NO RÓTULO DO PRODUTO. IMPOSSIBILIDADE. BEBIDA QUE APRESENTA TEOR ALCOÓLICO INFERIOR A 0,5% POR VOLUME. IRRELEVÂNCIA, IN CASU, DA EXISTÊNCIA DE NORMA REGULAMENTAR QUE DISPENSE A MENÇÃO DO TEOR ALCÓOLICO NA EMBALAGEM DO PRODUTO. ARTS. 6.º E 9.º DO CÓDIGO DE DEFESA DO CON-SUMIDOR.

1. A motivação contrária ao interesse da parte ou mesmo omissa em rela-ção a pontos considerados irrelevantes pelo decisum não se traduz em insufi -ciência de fundamentação do julgado, sendo descabido, na hipótese, falar em ofensa aos arts. 165, 458, II e III, e 515, do CPC.

2. São legitimados para sua propositura, além do Ministério Público, detentor da função institucional de fazê-lo no resguardo de interesses difu-sos e coletivos (CF/88, art. 129, III), a União, os Estados, os Municípios, as Autarquias, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as associações civis.

3. Não se exige das associações civis que atuam em defesa aos interesses do consumidor, como sói ser a ora recorrida, autorização expressa de seus associados para o ajuizamento de ação civil que tenha por objeto a tutela a direitos difusos dos consumidores, mesmo porque, sendo referidos direi-tos metaindividuais, de natureza indivisível, e especialmente, comuns a toda uma categoria de pessoas não determináveis que se encontram unidas em razão de uma situação de fato, impossível seria a individualização de cada potencial interessado.

4. À luz dos enunciados sumulares n.ºs 282/STF e 356/STF, é inadmissí-vel o recurso especial que demande a apreciação de matéria sobre a qual não tenha se pronunciado a Corte de origem.

5. Inexistindo nos autos elementos que conduzam à necessidade de for-mação de litisconsórcio passivo necessário da União com a recorrente, já que

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

FGV DIREITO RIO 44

a demanda diz respeito exclusivamente às informações contidas no rótulo de uma das marcas de cerveja desta, não há falar, in casu, em competência da Justiça Federal.

6. A comercialização de cerveja com teor alcoólico, ainda que inferior a 0,5% em cada volume, com informação ao consumidor, no rótulo do pro-duto, de que se trata de bebida sem álcool, a par de inverídica, vulnera o dis-posto nos arts. 6.º e 9.º do CDC, ante o risco à saúde de pessoas impedidas ao consumo.

7. O fato de ser atribuição do Ministério da Agricultura a padronização, a classifi cação, o registro, a inspeção, a produção e a fi scalização de bebidas, não autoriza a empresa fabricante de, na eventual omissão deste, acerca de todas as exigências que se revelem protetivas dos interesses do consumidor, malferir o direito básico deste à informação adequada e clara acerca de seus produtos.

8. A dispensa da indicação no rótulo do produto do conteúdo alcóolico, prevista no já revogado art. 66, III, “a”, do Decreto n.º 2.314/97, não autori-zava a empresa fabricante a fazer constar neste mesmo rótulo a não veraz in-formação de que o consumidor estaria diante de cerveja “sem álcool”, mesmo porque referida norma, por seu caráter regulamentar, não poderia infi rmar os preceitos insculpidos no Código de Defesa do Consumidor.

9. O reexame do conjunto fático-probatório carreado aos autos é atividade vedada a esta Corte superior, na via especial, nos expressos termos do enun-ciado sumular n.º 07 do STJ.

10. Recurso especial a que se nega provimento.

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

FGV DIREITO RIO 45

AULAS 8 E 9: COMPETÊNCIA, COISA JULGADA E TEMAS CORRE-LATOS

A — CASO

O Ministério Público de São Paulo ajuizou ação civil pública em face da União, ANAC e oito companhias aéreas, pleiteando assistência e o paga-mento de indenização por danos morais e materiais a todos os consumidores vítimas do chamado “apagão aéreo”. A ação foi ajuizada na Justiça Federal de São Paulo. Quais consumidores seriam benefi ciados pela decisão?

B — COMPETÊNCIA: LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL

a) Lei de Ação Civil Pública (Lei nº. 7.347/85).

Art. 2º. As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa.

Parágrafo único. A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações posteriormente intentadas que possu am a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto. (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001)

b) Código de Defesa do Consumidor (Lei nº. 8.078/90).

Art. 93. Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local:

I — no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local;

II — no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente.

Art. 94. Proposta a ação, será publicado edital no órgão ofi cial, a fi m de que os interessados possam intervir no processo como litisconsortes, sem pre-juízo de ampla divulgação pelos meios de comunicação social por parte dos órgãos de defesa do consumidor.

(...)

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

FGV DIREITO RIO 46

70 MAZZILLI, Hugo Nigro, op. cit., pág.

278.

71 MAZZILLI, Hugo Nigro, op. cit., pág.

279.

Art. 101. Na ação de responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços, sem prejuízo do disposto nos Capítulos I e II deste título, serão observadas as seguintes normas:

I — a ação pode ser proposta no domicílio do autor;II — o réu que houver contratado seguro de responsabilidade poderá

chamar ao processo o segurador, vedada a integração do contraditório pelo Instituto de Resseguros do Brasil. Nesta hipótese, a sentença que julgar pro-cedente o pedido condenará o réu nos termos do art. 80 do Código de Pro-cesso Civil. Se o réu houver sido declarado falido, o síndico será intimado a informar a existência de seguro de responsabilidade, facultando-se, em caso afi rmativo, o ajuizamento de ação de indenização diretamente contra o se-gurador, vedada a denunciação da lide ao Instituto de Resseguros do Brasil e dispensado o litisconsórcio obrigatório com este.

Art. 102. Os legitimados a agir na forma deste código poderão propor ação visando compelir o Poder Público competente a proibir, em todo o ter-ritório nacional, a produção, divulgação distribuição ou venda, ou a determi-nar a alteração na composição, estrutura, fórmula ou acondicionamento de produto, cujo uso ou consumo regular se revele nocivo ou perigoso à saúde pública e à incolumidade pessoal.

(...)Art. 104. As ações coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágrafo

único do art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não benefi ciarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva.

Conforme se verifi ca do art. 2º da Lei nº. 7.347/85, as ações para a defesa dos interesses difusos e coletivos (art. 2º, IV) devem ser propostas no foro do local do dano. A lei dispõe que se trata de competência funcional, tendo, por-tanto, caráter absoluto. Assim, não poderá ser prorrogada nem ser objeto de exceção. Você consegue vislumbrar a intenção do legislador ao eleger o foro do local do dano para o processamento e julgamento destas ações?

Hugo Nigro Mazzilli pondera que por força do art. 90 do CDC (aplicação subsidiária da LACP), a regra do foro do local do dano é aplicável inclusive nas ações para a defesa de interesses difusos ou coletivos de consumidores70. Desta forma, a regra do art. 93, CDC teria aplicabilidade no caso de defesa de interesses individuais homogêneos. O dispositivo, ao contrário da LACP, não faz referência à natureza jurídica da competência, sendo crível, portanto, que se trata de competência relativa71.

Estas regras são aplicáveis na sistemática do Estatuto da Criança e do Ado-lescente (Lei 8.069/90)?

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

FGV DIREITO RIO 47

C — ESQUEMATIZAÇÃO DA COMPETÊNCIA NAS AÇÕES COLETIVAS

As regras de competência nas ações coletivas podem ser esquematizadas da seguinte forma:

Critério Regra

Funcional

Em regra, nunca haverá ação coletiva nos Tribunais, independentemente de quem for a au-toridade ré. Não há foro por prerrogativa de função nas ações coletivas. Mesmo para aqueles que admitem ação de improbidade administrativa contra agentes políticos, essa ação será pro-cessada sempre em primeiro grau. Houve uma tentativa de se criar foro privilegiado na impro-bidade administrativa igual a do crime. Essa tentativa se deu por meio da Lei 10.628/02, que al-terou o art. 84 do CPP. O objetivo era fazer que o foro crime valesse para a ação de improbidade. Ocorre que o STF, na ADIN 2.797, declarou inconstitucional esse dispositivo. O argumento foi o de que as regras de foro por prerrogativa de função estão previstas nas Constituições Estaduais ou na CF. Logo, Lei infraconstitucional não poderia criar regra que só caberia à Constituição. Exceção à regra: MS Coletivo e MI coletivo comportam processamento perante os Tribunais

Material

Compete à justiça eleitoral julgar ações coletivas nas quais a causa de pedir seja sufrá-gio / questões político-partidárias.

Compete à justiça do trabalho julgar ações coletivas que envolvam relação de traba-lho, na forma do art. 114 da Constituição Federal.

Enunciado nº 736 da Súmula do STF: Compete à Justiça do Trabalho julgar as ações que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores.

Territorial

Segundo a doutrina majoritária: interpretando o art. 2º da Lei 7347 com o art. 93 do CDC, se o dano for local, a competência será do juízo do local onde o evento danoso ocor-rer, ou onde possa ocorrer, caso se trate de tutela coletiva preventiva.

Art. 2º As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa.

Parágrafo único. A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto.

Se o dano for regional, o sistema estabelece que a competência é da capital de um dos Estados atingidos.

Art. 93. Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local:

I — no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local;II — no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito

nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente.

Obs. 1: DANO REGIONAL — Neste caso, o dano atinge mais de três comarcas ou subse-ções judiciárias. A competência neste caso será dada por prevenção.

Obs. 2: DANO NACIONAL — A regra é que a ação coletiva poderá ser ajuizada na ca-pital de um dos Estados da Federação atingidos ou no Distrito Federal, de acordo com entendimento do Superior Tribunal de Justiça. Quando ocorrer o dano em mais de três estados, sugere a doutrina majoritária que estaria confi gurado o dano nacional.

Obs. 3: Em sede de ações coletivas, o critério territorial em questão confi gura regra sobre competência absoluta de acordo com doutrina e jurisprudência pacífi cas.

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

FGV DIREITO RIO 48

D — COISA JULGADA: LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL

a) Lei de Ação Civil Pública (Lei nº. 7.343/85).

Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da com-petência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado impro-cedente por insufi ciência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento.

b) Código de Defesa do Consumidor (Lei nº. 8.078/90)

Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este Código, a sentença fará coisa julgada:

I — erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insufi ci-ência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81;

II — ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insufi ciência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81;

III — erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para benefi -ciar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.

§ 1º Os efeitos da coisa julgada previstos nos incisos I e II não prejudica-rão interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe.

§ 2º Na hipótese prevista no inciso III, em caso de improcedência do pe-dido, os interessados que não tiverem intervindo no processo como litiscon-sortes poderão propor ação de indenização a título individual.

§ 3º Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16, combinado com o art. 13 da Lei nº. 7.347, de 24 de julho de 1985, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste Código, mas, se procedente o pedido, benefi ciarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts. 96 a 99.

§ 4º Aplica-se o disposto no parágrafo anterior à sentença penal conde-natória.

Art. 104. As ações coletivas, previstas nos incisos I e II do parágrafo único do art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efei-tos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

FGV DIREITO RIO 49

72 DIDIER JR., Fredie e ZANETI JR., Her-

mes. Curso de Direito Processual Civil.

Processo Coletivo. Vol. 4. Salvador: Jus-

PODIVM, 2007, p. 337.

do artigo anterior não benefi ciarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva.

E — ASPECTOS SOBRE A COISA JULGADA NO PROCESSO COLETIVO

Coisa julgada é a situação jurídica que torna indiscutível o conteúdo de determinadas decisões jurisdicionais com conteúdo inerente ao direito fun-damental e à segurança jurídica72.

No processo individual, a coisa julgada vincula apenas os sujeitos do pro-cesso (inter partes), a favor ou em prejuízo do autor (pro et contra). Todavia, no processo coletivo, a coisa julgada ganha feição peculiar em razão da natu-reza dos interesses discutidos (coletivos, difusos e individuais homogêneos).

O tratamento da coisa julgada nas ações coletivas comportou ao longo da evolução legislativa duas fórmulas básicas:

a) A partir da Lei de Ação Popular (Lei n. 4.717/65) até a vigência da Lei de Ação Civil Pública (Lei 7.347/85) o processo coletivo com-portava a coisa julgada secundum eventus probationis, ou seja, em caso de insufi ciência de provas, não ocorreria a coisa julgada mate-rial, autorizando o legislador, neste caso, uma nova propositura da mesma demanda com base em novos elementos probatórios, desde que identifi cados preliminarmente na inicial, sob pena de indeferi-mento pelo magistrado.

b) Com o advento do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) buscou o legislador a adoção de uma fórmula para o tratamento da coisa julgada que também fosse capaz de solucionar problemas re-lativos aos efeitos da ação coletiva sobre demandas individualmente propostas. A partir de então, do ponto de vista subjetivo, passou-se a adotar a coisa julgada secundum eventum litis no processo coleti-vo, isto é, as sentenças somente farão coisa julgada em relação às demandas individuais quando forem procedentes — vale dizer: para benefi ciar, nunca para prejudicar (coisa julgada in utillibus).

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

FGV DIREITO RIO 50

Em síntese:

EfeitosObjetos Erga omnes

(toda a universalidade)Ultra partes

(só o grupo / categoria)Sem coisa julgada

material

Difusos— Procedente

— ImprocedenteNÃO

— Improcedência por falta de provas

Coletivos NÃO— Procedente

— Improcedente— Improcedência por

falta de provas

Ind. Homogêneos — Procedente NÃO— Improcedência por

qualquer fundamento

No que diz respeito à regra da coisa julgada in utillibus prevista no art. 103 da Lei 8.078/90 há que se destacar que existe uma exceção prevista no art. 94 do referido diploma legal:

Art. 94. Proposta a ação, será publicado edital no órgão ofi cial, a fi m de que os interessados possam intervir no processo como litisconsortes, sem prejuízo de ampla divulgação pelos meios de comunicação social por parte dos órgãos de defesa do consumidor.

Destarte, se houver a intervenção dos interessados como assistentes litis-consortes, em caso de improcedência da pretensão no processo coletivo, os intervenientes não poderão mais interpor sua ação individual.

Para parte da doutrina, a regra do artigo 94 só se aplicaria aos interesses in-dividuais homogêneos e coletivos, não sendo aplicável aos interesses difusos, em razão da indeterminabilidade de seus sujeitos.

Outra importante observação com relação à coisa julgada in utillibus: caso a ação individual seja anterior à coletiva, deverá o autor, para se benefi -ciar da sentença no processo coletivo, requerer expressamente a suspensão da ação individual nos trinta dias que se seguirem à comunicação pelo réu sobre a existência da ação coletiva com identidade de objeto. Caso não faça o requerimento de suspensão, não poderá o autor da ação individual se valer da sentença da ação coletiva, pois há exigência expressa neste sentido, prevista no art 104 da Lei 8.078/90.

Porém, para que a norma do art. 104 produza seus efeitos sobre as ações individuais é imprescindível que o réu faça previamente a devida comunica-ção dos autores sobre a existência da ação coletiva.

Se o autor de uma ação individual não for informado pelo réu da ação co-letiva sobre sua existência, também poderá se valer da coisa julgada in utilli-bus, ou seja, de uma sentença procedente na ação coletiva, mesmo sem ter

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

FGV DIREITO RIO 51

feito requerimento de suspensão de sua ação individual na forma do art. 104 da Lei 8.078/90.

Em suma, de acordo com a coisa julgada secundum eventum litis podemos estar diante de 3 situações:

1ª situação: ação coletiva anterior à ação individual:

AÇÃO COLETIVA

PROCEDENTE

IMPROCEDENTE

AÇÃO INDIVIDUAL

PROCEDENTE

IMPROCEDENTE

2ª situação: ação coletiva concomitante com uma ação individual:a) com intimação do autor da ação individual sobre a existência da

ação coletiva:

AÇÃO COLETIVAAÇÃO COLETIVA

PROCEDENTE

IMPROCEDENTE

O réu faz a comunica-ção ao autor individual

sobre a existência da ação coletiva

PODE SE BENEFI-CIAR DO JULGA-

MENTO DA AÇÃO COLETIVA PODE RETOMAR O

ANDAMENTO DA AÇÃO INDIVIDUAL SUSPENSA

AÇÃO INDIVIDUAL

Faz requeri-mento — art. 104 da Lei 8.078/90.

SUSPENDE A AÇÃO INDIVIDU-

AL

Não faz o requerimento —

art. 104 da Lei 8.078/90.

AÇÃO INDIVIDU-AL

PROCEDENTE

IMPROCEDENTE

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

FGV DIREITO RIO 52

b) sem intimação do autor da ação individual sobre a existência da ação coletiva:

AÇÃO COLETIVAAÇÃO COLETIVA

IMPROCEDENTE

PROCEDENTE

O réu NÃO faz a co-municação ao autor

individual sobre a existência da ação

coletiva

PODE SE BENEFICIAR DO JULGAMENTO DA AÇÃO

COLETIVA INDEPENDENTE DO REQUERIMENTO PRE-VISTO NO ART. 104 DA LEI

8.078/90

AÇÃO INDIVIDUAL Não faz

o requeri-mento — art.

104 da Lei 8.078/90.

AÇÃO INDIVIDUAL

IMPROCEDENTE

PROCEDENTE

3ª situação: ação individual anterior à ação coletiva julgada improcedente:Nesta situação, vale registrar que existem duas correntes doutrinárias acer-

ca da possibilidade ou não do autor individual prejudicado se valer da ação coletiva posterior ao trânsito em julgado da sentença de improcedência.

De acordo com a primeira corrente, seria possível a aderência do autor in-dividual à ação coletiva, mesmo após ter seu pedido julgado improcedente na ação individual. Esta possibilidade é defendida com base no entendimento de que o autor individual não poderia ser tratado de forma desigual, pois a sua situação fática (não existência de uma ação coletiva enquanto tramitava sua de-manda individual) o colocaria em posição de desvantagem em relação aos de-mandantes que possam fazer sua opção na forma do art. 104 da Lei 8.078/90.

Para a segunda corrente, o autor individual prejudicado não poderia mais se benefi ciar da ação coletiva, pois a análise de mérito nesta é genérica, en-quanto na demanda individual, já improcedente, pode ser realizada de forma específi ca, prevalecendo sempre sobre a coisa julgada coletiva.

F — LITISPENDÊNCIA, CONEXÃO E CONTINÊNCIA

Pode existir litispendência entre uma ação coletiva e uma ação individual?Para responder a esta indagação, vejamos a redação dos arts. 95 e 104 do

Código de Defesa do Consumidor:

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

FGV DIREITO RIO 53

73 DIDIER JR., Fredie e ZANETI JR., Her-

mes. Curso de Direito Processual Civil.

Processo Coletivo. Vol. 4. Salvador: Jus-

PODIVM, 2007, p. 163.

74 LEONEL, Ricardo de Barros. Manual

do Processo Coletivo. São Paulo: RT,

2002, p. 253.

75 GRINOVER, Ada Pellegrini. Uma

nova modalidade de legitimação à

ação popular. Possibilidade de conexão,

continência e litispendência. Ação Civil

Pública. Edis Milaré (coord.). São Paulo,

RT, 1995, p. 23.

Art. 95 do CDC: Em caso de procedência do pedido, a condenação será genérica, fi xando a responsabilidade do réu pelos danos causados. (grifo nosso)

Art. 104 do CDC: As ações coletivas, previstas nos incisos I e II do parágrafo único do art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada “erga omnes” ou “ultra partes” a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não benefi ciarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva. (grifo nosso)

Desta forma, a partir do art. 95 do CDC observa-se que, do ponto de vista lógico, nunca haverá coisa julgada e litispendência entre uma ação coletiva e uma individual em razão das diferenças encontradas entre os sujeitos (coleti-vidade a princípio não identifi cada x indivíduos identifi cados) e os pedidos (genérico x específi co).

No mais, a redação do artigo 104 do CDC é clara ao afi rmar expressamen-te que não pode haver litispendência entre ações coletivas e ações individuais.

Todavia, persiste a possibilidade de uma ação coletiva ter a mesma causa de pedir que uma ação individual. Neste caso, aplicam-se as regras de cone-xão e continência para eventual reunião dos feitos, de ofício ou a requerimen-to, na forma do art. 105 do CPC.

No que tange à litispendência entre duas ações coletivas, é plenamente possível sua ocorrência, no entanto, deve-se destacar que o efeito dessa litis-pendência não seria o mesmo observado nas ações individuais, pois as partes envolvidas podem ser diversas. Neste caso, a solução não pode ser a extinção de um dos processos, mas a reunião deles para processamento simultâneo73.

Em havendo total identidade entre os elementos de duas ações coletivas, existem duas posições doutrinárias a respeito dos efeitos da litispendência:

A primeira corrente (minoritária) defende que, havendo identidade total entre duas ações coletivas, extinguem-se as ações coletivas repetidas, possibi-litando-se aos autores das ações extintas ingressarem como assistentes litis-consorciais na ação que permanecer em tramitação.

A segunda corrente (majoritária) entende que não haverá extinção das ações repetidas, mas sim reunião das ações para julgamento conjunto, quan-do possível, valendo a mesma regra para o caso de identidade parcial entre duas ou mais ações coletivas. As ações extintas poderiam ser mais bem elabo-radas do que a que sobrou, logo, a reunião de todos os argumentos propicia-ria uma melhor tutela dos interesses coletivos.

Como bem destacado por DIDIER, com base na doutrina de LEO-NEL74 e GRINOVER75 que, “segundo parte expressiva da doutrina, esta litispendência não poderia gerar extinção do segundo processo, pois assim,

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

FGV DIREITO RIO 54

76 DIDIER JR., Fredie e ZANETI JR., Her-

mes. Curso de Direito Processual Civil.

Processo Coletivo. Vol. 4. Salvador: Jus-

PODIVM, 2007, p. 165.

77 GIDI, Antonio. Coisa julgada e litispen-

dência em ações coletivas. São Paulo:

Saraiva, 1995, p. 144.

poder-se-ia, se for o caso, tolher a iniciativa do cidadão, o que seria incons-titucional76”.

Todavia, ambas correntes concordam que, em havendo impossibilidade de reunião dos processos quando tramitarem em fases diferentes, a solução deverá ser, de lege ferenda, a suspensão do processo, com a aplicação do art. 265, IV do CPC.77

Por fi m, registre-se que são critérios legais para a reunião das ações coletivas:

Art. 106. Correndo em separado ações conexas perante juízes que têm a mesma competência territorial, considera-se prevento aquele que despachou em primeiro lugar.

Art. 219. A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1973)

Art. 2º da LAC: As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa.

Pará grafo único. A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto.

Pelo princípio da especialidade, a regra prevista no art. 2º da Lei de Ação Civil Pública deverá preponderar sobre as demais regras do CPC, prevalecen-do o critério de prevenção do juízo da propositura da ação para a reunião das demandas posteriormente propostas.

G — IMUTABILIDADE DOS EFEITOS DA SENTENÇA X COMPETÊNCIA DO JUIZ PARA CONHECIMENTO E JULGAMENTO DA CAUSA

O art. 16 da LACP dispõe que “a sentença civil fará coisa julgada erga om-nes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pe-dido for julgado improcedente por insufi ciência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento”.

O artigo dispõe simultaneamente sobre dois institutos — a competência e a coisa julgada — que, a princípio, não possuem vínculo entre si, pois o que determina os limites da coisa julgada é o pedido formulado pelo autor.

Porém, ao que parece, o legislador objetivou limitar o poder do julgador nas ações coletivas/ações civis públicas, já que a decisão terá autoridade ape-

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

FGV DIREITO RIO 55

78 MAZZILLI, Hugo Nigro, op. cit., pág.

292-293.

79 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Her-

mes, op. cit., págs. 183-184.

nas no âmbito da competência territorial do órgão jurisdicional. Hugo Nigro Mazzilli pondera:

“O legislador não soube distinguir competência de coisa julgada. A imutabi-lidade erga omnes dos efeitos de uma sentença transitada em julgado nada tem a ver com a competência do juiz que profere a sentença: se, em nome do Estado, o juiz detém parcela da jurisdição (isto é, ele é o órgão estatal competente para decidir aquela lide), então sua sentença, depois de transitar em julgado, repre-sentará a vontade estatal e passará a ser imutável entre as partes ou, em certos casos, imutável para toda a coletividade (como nas ações populares, nas ações civis públicas ou nas ações coletivas julgadas procedentes). A imutabilidade não será maior ou menor em decorrência da regra de competência que permitiu ao juiz decidisse a lide; a imutabilidade será mais ampla ou mais restrita de acordo, sim, com a natureza do direito controvertido e com o grupo social cujas relações de destine regular (interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos)”78.

Você consegue perceber o viés político existente no referido dispositivo?

H — A POSSIBILIDADE DE SUSPENSÃO DO PROCESSO INDIVIDUAL INDEPENDENTEMENTE DE REQUERIMENTO DA PARTE

De acordo com Fredie Didier Jr e Hermes Zaneti Jr, “a jurisprudência pode-ria, de maneira criativa, dando concreção aos direitos fundamentais da efetivi-dade da tutela jurisdicional, da duração razoável do processo e da segurança ju-rídica, encaminhar-se no sentido de reconhecer como de interesse público (não fi cando na dependência do particular, que muitas vezes desconhece a existência de uma ação coletiva) a suspensão das ações individuais, se pendente ação cole-tiva que versa sobre direitos individuais homogêneos. Trata-se de uma exigência de ordem pública, não só decorrente da necessária racionalização do exercício da função jurisdicional, como forma de evitar decisões diversas para situações semelhantes, o que violaria o princípio da igualdade. A aplicação dessa regra, permitindo a suspensão dos processos individuais por prejudicialidade, confor-me o dispositivo do art. 265, IV, a, do CPC, já foi utilizada com sucesso em diversos precedentes do Rio Grande do Sul no caso de expurgos infl acionários de poupança. Trata-se de evidente aplicação do princípio da adequação e da fl exibilização dos procedimentos aos processos coletivos”79.

Será que a suspensão do processo individual sem que haja manifestação de vontade do consumidor lesado é juridicamente adequada?

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

FGV DIREITO RIO 56

I — COISA JULGADA E CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NAS AÇÕES CIVIS PÚBLICAS

A possibilidade de utilização da ação civil pública como instrumento de controle de constitucionalidade dos atos do Poder Público é bastante debati-da na doutrina e já foi objeto de exame pelos Tribunais Superiores.

O tema ganha relevância em razão da natureza da coisa julgada erga omnes formada nas ações civis públicas (art. 16, Lei 7.357/85), bem como pelo fato de o legitimado ativo atuar na defesa de interesse que não se restringe à sua pessoa. Discute-se, assim, se a declaração de inconstitucionalidade de um ato em sede de ação civil pública usurparia a competência do Supremo Tribunal Federal, cujas decisões possuem efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta (art. 102, §3º, CRFB).

Deste modo, há que se verifi car quais seriam os efeitos da decisão profe-rida por um juiz em sede de ACP que afasta a aplicação de uma norma por reputá-la inconstitucional. Há distinção se a inconstitucionalidade da norma é invocada como causa de pedir (questão prejudicial) ou como pedido (ques-tão principal) na ACP?

J — QUESTIONÁRIO

a) A regra do art. 472 do Código de Processo Civil é compatível com a sistemática das ações coletivas?

b) O que vem a ser o transporte in utilibus da coisa julgada coletiva para o processo individual? Em que caso pode ocorrer?

c) Explique os conceitos de coisa julgada erga omnes, ultra partes, erga vic-timae, secundum eventum litis e secundum eventum probationis.

d) O art. 16 da Lei 7.347/85 coaduna-se com o sistema coletivo?e) Há litispendência entre ação civil pública/ação coletiva que objetiva a

anulação de ato lesivo ao patrimônio público movida pelo Ministério Público e ação civil pública/ação coletiva com o mesmo pedido e causa de pedir mo-vida por associação civil legitimada?

f ) Qual o fundamento constitucional existente por trás do art. 104 do CDC com relação à inexistência de litispendência entre uma ação individual e ação coletiva/ACP para defesa de interesses difusos e coletivos?

g) É possível haver litispendência entre uma ação popular e uma ação civil pública?

h) Qual é o foro competente para julgar a ação coletiva inibitória, em que não ocorreu dano algum, mas apenas um ilícito?

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

FGV DIREITO RIO 57

i) Qual é o foro competente para julgar a ação coletiva diante de lesão de abrangência nacional? Os efeitos territoriais da decisão, nestes casos, também serão nacionais?

j) Qual será a justiça competente para o julgamento de uma ação coletiva em que, dentre outras questões, se questiona também ato normativo emana-do de agência reguladora federal (eg. BACEN, ANVISA, ANATEL e ANS)?

K — DOUTRINA

Leitura obrigatória (o aluno pode escolher uma das obras indicadas)

DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de Direito Processual Ci-vil, vol. 4 (processo coletivo). Salvador: Jus Podivm — Capítulos IV (Competência), V (Litispendência, conexão e continência) e X (Coisa julgada).

MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. São Paulo: Saraiva — Capítulos 16 (Competência) e 37 (Coisa julgada).

L — JURISPRUDÊNCIA

Ação civil pública x ações individuais e Lei de Recursos Repetitivos

STJ — REsp nº. 1.110.549 — Rel. Min. Sidnei Beneti — 2ª Seção, j em 28.10.2009

RECURSO REPETITIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPE-CIAL. AÇÃO COLETIVA. MACRO-LIDE. CORREÇÃO DE SALDOS DE CADERNETAS DE POUPANÇA. SUSTAÇÃO DE ANDAMENTO DE AÇÕES INDIVIDUAIS. POSSIBILIDADE.

1.— Ajuizada ação coletiva atinente a macro-lide geradora de processos multitudinários, suspendem-se as ações individuais, no aguardo do julga-mento da ação coletiva.

2.— Entendimento que não nega vigência aos aos arts. 51, IV e § 1º, 103 e 104 do Código de Defesa do Consumidor; 122 e 166 do Código Civil; e 2º e 6º do Código de Processo Civil, com os quais se harmoniza, atualizando-lhes a interpretação extraída da potencialidade desses dispositivos legais ante a diretriz legal resultante do disposto no art. 543-C do Código de Processo Civil, com a redação dada pela Lei dos Recursos Repetitivos (Lei n. 11.672, de 8.5.2008).

3.— Recurso Especial improvido.

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Conexão e reunião de ações

STJ — CC nº. 115532/MA — Rel. Min. Hamilton Carvalhido — 1ª Seção, j. em 14.03.2011

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÕES CIVIS PÚBLICAS AJUI-ZADAS CONTRA A UNIÃO E O INEP. MODIFICAÇÃO DO EDITAL DO ENEM. CONEXÃO. REUNIÃO PARA JULGAMENTO CONJUN-TO. TUTELA DE INTERESSE DE ÂMBITO NACIONAL. ARTIGO 2º DA LEI Nº 7.347/85.

1. Havendo causa de modifi cação da competência relativa decorrente de conexão, mediante requerimento de qualquer das partes, esta Corte Superior tem admitido a suscitação de confl ito para a reunião das ações propostas em separado, a fi m de que sejam decididas conjuntamente (simultaneus proces-sus) e não sejam proferidas decisões divergentes, em observância aos princí-pios da economia processual e da segurança jurídica.

2. A tutela coletiva de interesses individuais homogêneos de âmbito na-cional atribui à sentença a mesma efi cácia, de modo a proteger o direito em sua integralidade, fi cando o juízo onde foi ajuizada a primeira ação prevento para as ações conexas em que detiver competência, nos termos do artigo 2º, parágrafo único, da Lei nº 7.347/85.

3. Ajuizadas seis ações civis públicas e uma ação cautelar preparatória vi-sando à tutela coletiva de interesse de amplitude nacional, em que se pre-tende a alteração da norma (edital) que rege a relação jurídica do grupo de participantes do Enem com a União e o Inep, autarquia federal vinculada ao Ministério da Educação, impõe-se ordenar a reunião das ações conexas propostas em separado, a fi m de que sejam decididas simultaneamente pelo juízo federal prevento.

4. Confl ito conhecido para determinar a reunião das ações civis públicas e da medida cautelar preparatória para julgamento conjunto perante o Juízo Federal da 5ª Vara da Seção Judiciária do Estado do Maranhão, onde foi ajuizada a primeira ação.

Competência e dano de âmbito regional aos consumidores

STJ — REsp 1101057/MT — Rel. Min. Nancy Andrighi — 3ª Turma, j. em 07.04.2011

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLI-CA. DANO DE

ÂMBITO REGIONAL. COMPETÊNCIA DA VARA DA CAPITAL PARA O JULGAMENTO DA DEMANDA. ART. 93 DO CDC.

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1. O art. 93 do CDC estabeleceu que, para as hipóteses em que as lesões ocorram apenas em âmbito local, será competente o foro do lugar onde se produziu o dano ou se devesse produzir (inciso I), mesmo critério já fi xado pelo art. 2º da LACP. Por outro lado, tomando a lesão dimensões geografi -camente maiores, produzindo efeitos em âmbito regional ou nacional, serão competentes os foros da capital do Estado ou do Distrito Federal (inciso II).

2. Na espécie, o dano que atinge um vasto grupo de consumidores, espa-lhados na grande maioria dos municípios do estado do Mato Grosso, atrai ao foro da capital do Estado a competência para julgar a presente demanda.

3. Recurso especial não provido.

Competência da Justiça do Trabalho

STF — RE 206.220/MG — Rel. Min. Marco Aurélio — 2ª Turma, j. em 16.03.1999

COMPETÊNCIA — AÇÃO CIVIL PÚBLICA — CONDIÇÕES DE TRABALHO. Tendo a ação civil pública como causas de pedir disposições trabalhistas e pedidos voltados à preservação do meio ambiente do trabalho e, portanto, aos interesses dos empregados, a competência para julgá-la é da Justiça do Trabalho.

Ação Civil Pública como instrumento adequado para desconstituir a coisa julgada formada em sentença lesiva à coletividade

STJ — REsp 445664/SC — Rel. Min. Eliana Calmon — 2ª Turma, j. em 24.08.2010

PROCESSUAL CIVIL — VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC — INE-XISTÊNCIA — SENTENÇA IMPREGNADA DE VÍCIO TRANSRES-CISÓRIO — RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA — QUERELA NULLITATIS — ARTS. 475-L, I E 741, I, DO CPC — AÇÃO CIVIL PÚBLICA: ADEQUABILIDADE — DEFESA DO PATRIMÔNIO PÚ-BLICO — LEGITIMIDADE DO PARQUET.

1. Não ocorre ofensa ao art. 535 do CPC, se o Tribunal de origem, para resolver a lide, analisa sufi cientemente a questão por fundamentação que lhe parece adequada e refuta os argumentos contrários ao seu entendimento.

2. A sentença proferida em processo que tramitou sem a citação de litis-consorte passivo necessário está impregnada de vício insanável (transresci-sório) que pode ser impugnado por meio de ação autônoma movida após o transcurso do prazo decadencial para ajuizamento da ação rescisória. Querela nullitatis que encontra previsão nos arts. 475-L, I e 741, I, do CPC.

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3. Por ação autônoma de impugnação (querela nullitatis insanabilis) deve-se entender qualquer ação declaratória hábil a levar a Juízo a discussão em torno da validade da sentença.

4. O Ministério Público detém legitimidade para atuar na defesa do pa-trimônio público.

5. A ação civil pública constitui instrumento adequado a desconstituir sentença lesiva ao erário e que tenha sido proferida nos autos de processo que tramitou sem a citação do réu. Precedente.

6. Recurso especial provido.

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80 Op. cit., p. 446.

AULA 10: COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA

A — CASO

Sabedor de que estacionamentos de shopping center estão impingindo aos consumidores indevida cláusula de exoneração de responsabilidade pelo fur-to de bens no interior dos veículos estacionados, seria possível ao Ministério Público promover um termo de ajustamento de conduta em que as empresas tão somente se comprometessem a cumprir a obrigação de não mais inserir a cláusula de exoneração de responsabilidade, sob pena de pagamento de multa? O fato de tal termo de ajustamento de conduta não fazer qualquer referência às indenizações por danos materiais e morais, individuais ou cole-tivos, caracterizaria uma disponibilização indevida de interesses indisponíveis por parte do Ministério Público?

B — LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL

a) Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85)

Art. 5º. (Omissis)(...)§ 6°. Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados com-

promisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante comina-ções, que terá efi cácia de título executivo extrajudicial.

C — ASPECTOS RELEVANTES SOBRE O TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA

Segundo Paulo Roberto de Figueiredo Dantas, é importante mencionar os seguintes aspectos sobre o termo de ajustamento de conduta80:

• A Lei da Ação Civil Pública prevê a possibilidade de elaboração de ter-mo de ajustamento de conduta na fase investigatória (administrativa), com força de título executivo extrajudicial, para se evitar a propositura de ação civil pública (art. 5º, § 6º).

• Somente podem tomar o compromisso de ajustamento os entes públi-cos com legitimidade para a propositura da ação, ou seja, o Ministério Público, a Defensoria Pública, a União, os Estados, os Municípios, o Distrito Federal, e suas respectivas autarquias e fundações públicas.

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• O termo de ajustamento de conduta só poderá ter por objeto o exato cumprimento das normas legais, não sendo possível aos entes públicos transigir de maneira a deixar de observar o estrito cumprimento do ordenamento jurídico vigente.

• Além da fase administrativa (pré-judicial), o termo de ajustamento de conduta também pode ser celebrado já na fase jurisdicional propria-mente dita, após a efetiva propositura de ação civil pública.

• Na fase judicial, o termo ajustado entre o ente público e o sujeito pas-sivo do feito deverá ser homologado pelo juiz do feito, por meio de sentença homologatória, tendo, portanto, natureza de título executivo judicial, e não extrajudicial.

D — QUESTIONÁRIO

a) É possível a transação no curso de uma ação civil pública? Caso positi-vo, respaldada em que argumento?

b) Em que consiste o termo de ajustamento de conduta?c) Quem é legitimado para tomar o compromisso de ajustamento de con-

duta?d) Qual é a natureza jurídica do TAC?e) Uma vez celebrado o compromisso de ajustamento, deverá ser subme-

tido à revisão?f ) O Ministério Público, verifi cando que a celebração de TAC se deu de

forma fraudulenta, pode ajuizar ação para anular o termo? Esta ação anulató-ria tem natureza de ação coletiva?

g) É possível a formalização de TAC no âmbito das ações de improbidade administrativa?

E — DOUTRINA

Leitura obrigatória

MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. São Paulo: Saraiva — Capítulo 24 (Transação e compromisso de ajustamento).

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F — JURISPRUDÊNCIA

STJ — REsp 1155144/MS — Rel. Min. Eliana Calmon — Segunda Turma, j. em 24.08.2010

RECURSO ESPECIAL — MANDADO DE SEGURANÇA — PRE-LIMINAR DE DECADÊNCIA AFASTADA — TERMO DE COMPRO-MISSO DE CONDUTA — PROIBIÇÃO DE ADQUIRIR CARVÃO, MADEIRA E OUTROS SUBPRODUTOS ORIUNDOS DA REGIÃO PANTANEIRA — OBRIGAÇÃO QUE NÃO PODE SER IMPOSTA AOS QUE NÃO ANUÍRAM AO TERMO — FUNDAMENTO CONS-TITUCIONAL DO ACÓRDÃO — INVIÁVEL DE ANÁLISE EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL — PREQUESTIONAMENTO AUSENTE EM RELAÇÃO ÀS DEMAIS QUESTÕES: SÚMULA 211/STJ.

1. O marco inicial para a contagem do prazo decadencial para a impetra-ção do mandado de segurança é a data em que o impetrante toma ciência inequívoca do ato coator.

2. O Termo de Ajustamento de Conduta, para ser celebrado, exige uma negociação prévia entre as partes interessadas com o intuito de defi nir o con-teúdo do compromisso, não podendo o Ministério Público ou qualquer ou-tro ente ou órgão público legitimado impor sua aceitação a todos, inclusive aos que não participaram do acordo. Precedente.

3. É inadmissível o recurso especial quanto à questão não decidida pelo Tribunal de origem, por falta de prequestionamento.

4. Inviável a análise de fundamento constitucional em sede de recurso especial.

5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido.STJ — REsp 802060/RS — Rel. Min. Luiz Fux — 1ª Turma, j. em

17.12.2009ADMINISTRATIVO. DANO AMBIENTAL. INQUÉRITO CIVIL.

TERMO DE AJUSTE DE CONDUTA. ART. 5º, § 6º, DA LEI 7.347/85. TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. IMPOSIÇÃO PELO MI-NISTÉRIO PÚBLICO. CERCEAMENTO DE DEFESA. COAÇÃO MO-RAL. VIOLAÇÃO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. EX-CESSO DE COBRANÇA. MULTA MORATÓRIA. HOMOLOGAÇÃO DE TERMO DE AJUSTAMENTO PELO CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ART. 9º, §§ 2º E 3º DA LEI 7347/85.

1. A revogação da manifestação de vontade do compromitente, por oca-sião da lavratura do Termo de Ajustamento de Conduta — TAC junto ao órgão do Ministério Público, não é objeto de regulação pela Lei 7347/855.

2. O Termo de Ajustamento, por força de lei, encerra transação para cuja validade é imprescindível a presença dos elementos mínimos de existência, validade e efi cácia à caracterização deste negócio jurídico.

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3. Sob esse enfoque a abalizada doutrina sobre o tema assenta: “(...) Como todo negócio jurídico, o ajustamento de conduta pode ser compreendido nos planos de existência, validade e efi cácia. Essa análise pode resultar em uma fragmentação artifi cial do fenômeno jurídico, posto que a existência, a validade e a efi cácia são aspectos de uma mesmíssima realidade. Todavia, a utilidade da mesma supera esse inconveniente. (...) Para existir o ajuste carece da presença dos agentes representando dois “centros de interesses, ou seja, um ou mais compromitentes e um ou mais compromissários; tem que possuir um objeto que se consubstancie em cumprimento de obrigações e deveres; deve existir o acordo de vontades e ser veiculado através de uma forma perceptível (...) (RODRIGUES, Geisa de Assis, Ação Civil Pública e Termo de Ajustamento de Conduta, Rio de Janeiro, Ed. Forense, 2002, p. 198). (Grifamos).

4. Consectariamente, é nulo o título subjacente ao termo de ajustamento de conduta cujas obrigações não foram livremente pactuadas, consoante ad-verte a doutrina, verbis: “(...) Para ser celebrado, o TAC exige uma negocia-ção prévia entre as partes interessadas com o intuito de defi nir o conteúdo do compromisso, não podendo o Ministério Público ou qualquer outro ente ou órgão público legitimado impor sua aceitação. Caso a negociação não chegue a termo, a matéria certamente passará a ser discutida no âmbito judicial. (FA-RIAS, Talden, Termo de Ajustamento e Conduta e acesso à Justiça, in Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo, v. LII, p. 121).

5. O Tribunal a quo à luz do contexto fático-probatório encartado nos autos, insindicável pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, consignou que: (a) o Termo de Ajustamento de Conduta in foco não transpõe a linde da exis-tência no mundo jurídico, em razão de o mesmo não refl etir o pleno acordo de vontade das partes, mas, ao revés, imposição do membro do Parquet Es-tadual, o qual ofi ciara no inquérito; (b) a prova constante dos autos revela de forma inequívoca que a notifi cação da parte, ora Recorrida, para comparecer à Promotoria de Defesa Comunitária de Estrela-RS, para “negociar” o Termo de Ajustamento de Conduta, se deu à guisa de incursão em crime de deso-bediência; (c) a Requerida, naquela ocasião desprovida de representação por advogado, fi rmou o Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público Estadual no sentido de apresentar projeto de refl orestamento e doar um microcomputador à Agência Florestal de Lajeado, órgão subordinado ao Executivo Estadual do Rio Grande do Sul; (e) posteriormente, a parte, ora Recorrida, sob patrocínio de advogado, manifestou sua inconformidade quanto aos termos da avença celebrada com o Parquet Estadual, requerendo a revogação da mesma, consoante se infere do excerto do voto condutor dos Embargos Infringentes à fl . 466.

6. A exegese do art. 3º da Lei 7.347/85 (“A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não

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fazer”), a conjunção “ou” deve ser considerada com o sentido de adição (per-mitindo, com a cumulação dos pedidos, a tutela integral do meio ambiente) e não o de alternativa excludente (o que tornaria a ação civil pública instru-mento inadequado a seus fi ns). Precedente do STJ: REsp 625.249/PR, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, DJ 31/08/2006)

7. A reparação de danos, mediante indenização de caráter compensatório, deve se realizar com a entrega de dinheiro, o qual reverterá para o fundo a que alude o art. 13 da Lei 7345/85.

8. Destarte, não é permitido em Ação Civil Pública a condenação, a título de indenização, à entrega de bem móvel para uso de órgão da Administração Pública.

9. Sob esse ângulo, sobressai nulo o Termo de Ajustamento de Conduta in foco, por força da inclusão de obrigação de dar equipamento de informática à Agência de Florestal de Lajeado.

10. Nesse sentido direciona a notável doutrina: “(...) como o compromis-so de ajustamento às “exigências legais” substitui a fase de conhecimento da ação civil pública, contemplando o que nela poderia ser deduzido, são três as espécies de obrigações que, pela ordem, nele podem fi gurar: (i) de não fazer, que se traduz na cessação imediata de toda e qualquer ação ou atividade, atual ou iminente, capaz de comprometer a qualidade ambiental; (ii) de fazer, que diz com a recuperação do ambiente lesado; e (iii) de dar, que consiste na fi xa-ção de indenização correspondente ao valor econômico dos danos ambientais irreparáveis (Edis Milaré, Direito Ambiental, p. 823, 2004).

11. Consectariamente, é nula a homologação de pedido de arquivamento de inquérito civil público instaurado para a apuração de dano ambiental, pelo Conselho Superior do Ministério Público, à míngua de análise da incon-formidade manifestada pelo compromitente quanto ao teor do ajuste.

12. A legislação faculta às associações legitimadas o oferecimento de razões escritas ou documentos, antes da homologação ou da rejeição do arquiva-mento (art. 5º, V, “a” e “b”, da Lei 7347/85), sendo certo, ainda, que na via administrativa vigora o princípio da verdade real, o qual autoriza à Adminis-tração utilizar-se de qualquer prova ou dado novo, objetivando, em última ratio, a aferição da existência de lesão a interesses sob sua tutela.

13. Mutatis mutandis, os demais interessados, desde que o arquivamento não tenha sido reexaminado pelo Conselho Superior, poderão oferecer ra-zões escritas ou documentos, máxime porque a reapreciação de ato inerente à função institucional do Ministério Público Federal, como no caso em exame, não pode se dar ao largo da análise de eventual ilegalidade perpetrada pelo órgão originário, mercê da inarredável função fi scalizadora do Parquet.

14. Sob esse enfoque não dissente a doutrina ao assentar: “A homologação a que se refere o dispositivo, contudo, não tem mero caráter administrativo, nela havendo também certo grau de institucionalidade. Note-se a diferença.

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Não trata a lei de mera operação na qual um ato administrativo é subordi-nado à apreciação de outra autoridade. Trata-se, isso sim, de reapreciação de ato inerente à função institucional do Ministério Público, qual seja, a de defender os interesses difusos e coletivos, postulado que, como já anotamos, tem fundamento constitucional. Por isso mesmo, não bastará dizer-se que o Conselho Superior examina a legalidade da promoção de arquivamento. Vai muito além na revisão. Ao exame de inquérito ou das peças informativas, o Conselho reaprecia todos os elementos que lhe foram remetidos, inclusive — e este ponto é importante — procede à própria reavaliação desses elementos. Vale dizer: o que para o órgão responsável pela promoção de arquivamento conduzia à impossibilidade de ser proposta a ação civil, para o Conselho Su-perior os elementos coligidos levariam à viabilidade da propositura. O poder de revisão, em consequência, implica na possibilidade de o Conselho Supe-rior substituir o juízo de valoração do órgão originário pelo seu próprio (...) José dos Santos Carvalho Filho, in Ação Civil Pública, Comentários por Arti-go, 7ª ed; Lúmen Juris; Rio de Janeiro, 2009, p. 313-316) grifos no original.

15. A apelação que decide pela inexigibilidade do Termo de Ajustamento de Conduta — TAC, por maioria, malgrado aluda à carência, encerra decisão de mérito, e, a fortiori, desafi a Embargos Infringentes.

16. In casu, as razões de decidir do voto condutor dos Embargos Infrin-gentes revelam que análise recursal se deu nos limites do voto parcialmente divergente de fl s. 399/402, fato que afasta a nulidade do referido acórdão suscitada pelo Ministério Público Federal à fl . 458.

17. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido.STJ — AgRg no REsp 1175494/PR — Rel. Min Arnaldo Esteves de

Lima — 1ª Turma, j. em 22.03.2011ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMEN-

TAL NO RECURSO ESPECIAL. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. MATERIAL PROBATÓRIO SUFICIENTE PARA JULGAMEN-TO. PERSUASÃO RACIONAL. INEXISTÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. REFORMA DO DECISUM. SÚMULA 7/STJ. TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA. TÍTULO EXECUTIVO EXTRA-JUDICIAL. ART. 5º, § 6º, DA LEI 7.347/85. VIGÊNCIA. ART. 9º DA LEI 7.347/85. HOMOLOGAÇÃO PELO CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DESNECESSIDADE. VERBA SUCUMBEN-CIAL. MANUTENÇÃO. AGRAVO NÃO PROVIDO.

1. “O art. 131 do Código de Processo Civil consagra o princípio da per-suasão racional. Destarte, inexiste cerceamento de defesa quando o julgador, ao constatar nos autos a existência de provas sufi cientes para o seu convenci-mento, indefere pedido de produção de prova técnica” (REsp 879.046/DF).

2. É pacífi co o entendimento segundo o qual “A referência ao veto ao arti-go 113, quando vetados os artigos 82, § 3º, e 92, parágrafo único, do CDC,

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não teve o condão de afetar a vigência do § 6º, do artigo 5º, da Lei 7.374/85, com a redação dada pelo artigo 113, do CDC, pois inviável a existência de veto implícito” (REsp 222.582/MG).

3. Ademais, verifi ca-se que a norma do art. 9º da Lei 7.347/85 apontada pelo recorrente como violada não estabelece a necessidade de homologação do termo de ajustamento de conduta pelo Conselho Superior do Ministério Público.

4. O termo de ajustamento de conduta, como solução negociada de ajuste das condutas às exigências legais, constitui título executivo extrajudicial e, como tal, na hipótese de descumprimento, enseja a sua execução direta, de forma que não há falar em interferência do Poder Judiciário em matéria da esfera de competência exclusiva do Poder Executivo.

5. Deve ser mantida a condenação do recorrente pela verba sucumbencial, tendo em vista ser inquestionável a observância do princípio da causalidade ao presente caso, porque escorreita a decisão singular que o condenou ao pa-gamento dos ônus sucumbenciais também daquela demanda.

6. Agravo regimental não provido.STJ — REsp 1150530/SC — Rel. Min. Humberto Martins — 2ª Tur-

ma, j. em 18.02.2010PROCESSUAL CIVIL — RECURSO ESPECIAL — AÇÃO CIVIL

PÚBLICA —FECHAMENTO DE LOJAS — DANO MORAL COLE-TIVO — VIOLAÇÃO DO ART. 535, II, DO CPC — INEXISTÊNCIA — LIVRE CONVENCIMENTO DO JUÍZO — INCONFORMAÇÃO DA PARTE — VIOLAÇÃO DOS ARTS. 269, II, E 267, VI, DO CPC — NÃO-OCORRÊNCIA — TERMO DE AJUSTAMENTO DE CON-DUTA NÃO AFASTA PROVIMENTO JURISDICIONAL QUANDO JÁ HOUVER SIDO PROVOCADO — DA AUSÊNCIA DE DANO — IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO — DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL — PARADIGMA DO MESMO TRIBUNAL NÃO ENSEJA RECURSO ESPECIAL — VIOLAÇÃO DOS ARTS. 927, 884 E 944 DO CC — IM-POSSIBILIDADE DE REVISÃO DO VALOR DA CONDENAÇÃO.

1. Inexiste violação do art. 535 do CPC quando a prestação jurisdicional é dada na medida da pretensão deduzida.

2. O Termo de Ajustamento de Conduta entabulado após pronunciamen-to jurisdicional não tem o condão de implicar em perda do interesse de agir do recorrido, pois, como corretamente consignou o acórdão, o TAC fi rmado entre as partes poderá ser alterado, o que é incompatível com a proteção intentada por meio de ação civil pública. Com o provimento jurisdicional, será formado título executivo judicial, o qual poderá ser executado a qualquer momento. Outrossim, o TAC não afasta a apreciação da matéria pelo Poder Judiciário. Nesse caso, a sentença apenas deixaria de subsistir se houvesse pedido de desistência do autor da ação ou se o acordo fosse homologado

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judicialmente, o que implicaria em formação de título executivo da mesma forma, mas que não é o caso dos autos. O Termo de Ajustamento de Conduta não afasta provimento jurisdicional se já houver sido provocado.

3. Não pode ser conhecido o recurso especial por violação dos arts. 186 do CC e 333 do CPC, pois, para verifi car a ausência de ato ilícito e de dano e apreciar as razões do recurso especial, seria imprescindível analisar as provas dos autos, o que não é possível em sede de recurso especial, como prescreve o enunciado 7 da Súmula do STJ.

4. A recorrente trouxe a confronto julgados do mesmo Tribunal, o que não confi gura a divergência exigida no permissivo constitucional, nos termos do verbete 13 da Súmula do STJ.

5. Apenas pode ser revisto o valor de condenação por danos morais quanto manifestamente exorbitante ou irrisório, o que não é o caso dos autos, por implicar no revolvimento de provas, com incidência do verbete 7 do STJ. Recurso especial parcialmente conhecido e improvido.

STJ — HC 82911/MG — Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima — 5ª Tur-ma, j. em 05.05.2009

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME AMBIENTAL. POLUIÇÃO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDA-DE. TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA QUE NÃO IMPE-DE A INSTAURAÇÃO DA AÇÃO PENAL. INDEPENDÊNCIA ENTRE AS ESFERAS ADMINISTRATIVA E PENAL. ACEITAÇÃO DE SURSIS PROCESSUAL. ORDEM DENEGADA.

1. A suspensão condicional do processo não obsta o exame da alegação de trancamento da ação penal. Precedentes do STJ.

2. O trancamento de ação penal em sede de habeas corpus reveste-se sem-pre de excepcionalidade, somente admitido nos casos de absoluta evidência de que, nem mesmo em tese, o fato imputado constitui crime.

3. A estreita via eleita não se presta como instrumento processual para exame da procedência ou improcedência da acusação, com incursões em as-pectos que demandam dilação probatória e valoração do conjunto de provas produzidas, o que só poderá ser feito após o encerramento da instrução cri-minal, sob pena de violação ao princípio do devido processo legal.

4. A assinatura do termo de ajustamento de conduta não obsta a instau-ração da ação penal, pois esse procedimento ocorre na esfera administrativa, que é independente da penal.

5. Ordem denegada.

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AULA 11: INQUÉRITO CIVIL

A — CASO

Instaurado inquérito civil para apurar vício na prestação de serviço de transporte urbano, o Ministério Público exige que a empresa demonstre que vem cumprindo com a legislação quanto ao número de veículos mínimos e quanto aos intervalos entre os coletivos. Haveria, neste caso, indevida inver-são do ônus da prova no curso de um inquérito civil?

B — LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL

a) Lei da Ação Civil Pública (Lei nº. 7.347/85)

Art. 8º Para instruir a inicial, o interessado poderá requerer às autoridades competentes as certidões e informações que julgar necessárias, a serem forne-cidas no prazo de 15 (quinze) dias.

§ 1º O Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, inquérito civil, ou requisitar, de qualquer organismo público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar, o qual não poderá ser inferior a 10 (dez) dias úteis.

§ 2º Somente nos casos em que a lei impuser sigilo, poderá ser negada certidão ou informação, hipótese em que a ação poderá ser proposta desa-companhada daqueles documentos, cabendo ao juiz requisitá-los.

Art. 9º Se o órgão do Ministério Público, esgotadas todas as diligências, se convencer da inexistência de fundamento para a propositura da ação civil, promoverá o arquivamento dos autos do inquérito civil ou das peças infor-mativas, fazendo-o fundamentadamente.

§ 1º Os autos do inquérito civil ou das peças de informação arquivadas serão remetidos, sob pena de se incorrer em falta grave, no prazo de 3 (três) dias, ao Conselho Superior do Ministério Público.

§ 2º Até que, em sessão do Conselho Superior do Ministério Público, seja homologada ou rejeitada a promoção de arquivamento, poderão as associa-ções legitimadas apresentar razões escritas ou documentos, que serão junta-dos aos autos do inquérito ou anexados às peças de informação.

§ 3º A promoção de arquivamento será submetida a exame e deliberação do Conselho Superior do Ministério Público, conforme dispuser o seu Regimento.

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81 Op. cit., p. 444.

§ 4º Deixando o Conselho Superior de homologar a promoção de arqui-vamento, designará, desde logo, outro órgão do Ministério Público para o ajuizamento da ação.

Art. 10. Constitui crime, punido com pena de reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos, mais multa de 10 (dez) a 1.000 (mil) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional — ORTN, a recusa, o retardamento ou a omissão de da-dos técnicos indispensáveis à propositura da ação civil, quando requisitados pelo Ministério Público.

C — ASPECTOS RELEVANTES SOBRE INQUÉRITO CIVIL

Segundo Paulo Roberto de Figueiredo Dantas, é importante mencionar os seguintes aspectos sobre o inquérito civil81:

• O inquérito civil é um procedimento administrativo destinado a co-lher provas sobre fatos que possam autorizar a propositura de futura ação civil pública.

• O inquérito civil é ato privativo do Ministério Público (art. 129, III, CF/88), não podendo ser manejado por quaisquer dos outros legiti-mados da ação civil pública, nem mesmo pelos demais entes de direito público.

• O inquérito civil não é ato indispensável para a propositura da ação civil pública, da mesma forma que o inquérito penal não é essencial à propositura da ação penal.

• Caso seja instaurado o inquérito civil, o Parquet não poderá arquivá-lo livremente, sem antes submeter as razões do arquivamento ao Conse-lho Superior do Ministério Público.

• O inquérito civil poderá ser instaurado de ofício, através de portaria do Ministério Público, ou graças à representação de qualquer interessado.

D — QUESTIONÁRIO

a) O que são peças de informação?b) Como se inaugura e conduz um inquérito civil?c) O inquérito civil é semelhante a algum outro instrumento de investiga-

ção existente na legislação pátria?d) Como é feito o controle do arquivamento do inquérito civil?e) Quais são os efeitos do arquivamento de um inquérito civil?f ) É possível a alegação de excesso de prazo de tramitação de um de inqué-

rito civil? Se possível, quais seriam as suas consequências?

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E — DOUTRINA

Leitura obrigatória (o aluno pode escolher uma das obras indicadas)

DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de Direito Processual Ci-vil, vol. 4 (processo coletivo). Salvador: Jus Podivm — Capítulo VII (Inquérito civil público).

MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. São Paulo: Saraiva — Capítulos 27 (Inquérito civil), 28 (Tramitação do inquérito civil no colegiado competente) e 29 (Efeitos do arquivamento do inquérito civil).

F — JURISPRUDÊNCIA

Dispensabilidade do inquérito civil para a instrução de ação civil pública

STJ — AgRg no REsp 1066838/SC — Rel. Min. Herman Benjamin — 2ª Turma, j. em 07.10.2010

PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. DEFICIÊN-CIA NA FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. SÚMULA 329/STJ. INQUÉRITO CIVIL ANTERIOR À AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESNECESSIDADE. DANO AO ERÁRIO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PROVA EMPRES-TADA. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IM-POSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.

1. Inadmissível Recurso Especial quanto a questão que, a despeito da opo-sição de Embargos Declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal de origem. Incidência da Súmula 211/STJ.

2. É cediço no STJ que não se conhece de Recurso Especial quando a par-te não aponta, de forma clara, o vício em que teria incorrido o acórdão im-pugnado na interpretação do Direito Federal. Aplicação da Súmula 284/STF.

3. Inexiste cerceamento de defesa pela utilização de prova emprestada. Precedente do STJ.

4. Prescindível a instauração prévia de inquérito civil à Ação Civil Pública para averiguar prática de improbidade administrativa. Precedente do STJ.

5. O Tribunal a quo concluiu que o ato de improbidade administrativa fi cou comprovado. A revisão desse entendimento implica reexame de fatos e provas, obstado pelo teor da Súmula 7/STJ.

6. O Ministério Público é parte legítima para propor Ação Civil Pública visando ao ressarcimento de dano ao Erário — Súmula 329/STJ.

7. Agravo Regimental não provido.

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

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Nulidade do inquérito civil e repercussão na ação civil pública

STJ — 1119568/PR — Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima — 1ª Turma, j. em 02.09.2010

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DI-VERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. NÃO CARACTERIZAÇÃO. RE-QUISITOS DOS ARTS. 541, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC E 225, §§ 1º E 2º, DO RISTJ. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. DEVIDA PRES-TAÇÃO JURISDICIONAL. MATÉRIAS QUE DEMANDAM ANÁLISE DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. PROCEDIMENTO PRÓ-PRIO DA AÇÃO DE CONHECIMENTO. SÚMULA 7/STJ. IRREGU-LARIDADES NO INQUÉRITO CIVIL. AUSÊNCIA DE VÍCIO NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, NÃO PROVIDO.

1. Dissídio jurisprudencial não caracterizado na forma exigida pelo art. 541, parágrafo único, do CPC c.c 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ, diante da ausência de transcrição dos julgados confrontados e do necessário cotejo ana-lítico a evidenciar a similitude fática entre os casos e a divergência de inter-pretações.

2. Não há falar em vícios no acórdão nem em negativa de prestação ju-risdicional quando todas as questões necessárias ao deslinde da controvérsia foram analisadas e decididas.

3. O magistrado não está obrigado a responder a todos os argumentos das partes, quando já tenha encontrado fundamentos sufi cientes para proferir a decisão.

4. As alegações de inépcia da inicial pela ausência de discriminação dos va-lores atribuídos a cada réu, de ilegitimidade passiva, prescrição e nulidade do inquérito civil exigem análise do conjunto fático-probatório, procedimento próprio da ação de conhecimento, vedado na via do recurso especial, a teor da Súmula 7/STJ.

5. O inquérito civil, como peça informativa, tem por fi m embasar a pro-positura da ação, que independe da prévia instauração do procedimento ad-ministrativo. Eventual irregularidade praticada na fase pré-processual não é capaz de inquinar de nulidade a ação civil pública, assim como ocorre na esfera penal, se observadas as garantias do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório.

6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido.

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

FGV DIREITO RIO 73

Inquérito civil e mitigação do princípio da publicidade no caso concreto: preserva-ção da intimidade e privacidade do investigado

STJ — RMS 28989/RS — Rel. Min. Benedito Gonçalves — 1ª Turma, j. em 23.03.2010

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁ-RIO. MANDADO DE SEGURANÇA. INQUÉRITO CIVIL. DECRE-TAÇÃO DE SIGILO DAS INFORMAÇÕES. DIREITO À INTIMIDA-DE E À PRIVACIDADE DOS INVESTIGADOS. POSSIBILIDADE. MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO DE ACESSO AO INQUÉRITO CIVIL.

1. Recurso ordinário em que se discute o acesso do Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul — DCE/UFRGS aos autos de inquérito civil instaurado pelo Ministério Público para apurar irregularidades nos contratos da Fundação Apoio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul — FAURGS com o Banco do Estado do Rio Grande do Sul S.A (BANRISUL).

2. O inquérito civil, procedimento administrativo, de natureza inquisitiva e informativa, destinado à formação da convicção do Ministério Público a respeito de fatos determinados, deve obediência ao princípio constitucional da publicidade.

3. Porém, o princípio da publicidade dos atos administrativos não é ab-soluto, podendo ser mitigado quando haja fatos ou atos protegidos pelos direitos relacionados à intimidade e a privacidade do investigado, a exemplo do comando inserto no § 2º do art. 8º da Lei n. 7.347/85.

4. No caso dos autos, o acesso ao inquérito civil foi obstado por conta do conteúdo dos dados coletados pelo parquet, que são protegidos pelo direito constitucional à intimidade e à privacidade, a exemplo dos dados bancários dos investigados, conseguidos, judicialmente, por meio da quebra de sigilo.

5. De outro lado, não há nos autos qualquer indício de que o Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul — DCE/UFRGS possa, institucionalmente, utilizar os dados constantes do in-quérito civil nas atividades inerentes ao seu objeto social.

6. As informações do inquérito civil não podem fi car à mercê daqueles que não demonstram interesse direto nos fatos apurados, ainda mais quando tais informações estão protegidas por sigilo legal.

7. Recurso ordinário não provido.

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

FGV DIREITO RIO 74

Inquérito Civil e instrução de ação penal

STJ — APn 548/MT — Rel. Min. Francisco Falcão — Corte Especial, j. em 16.03.2011

PENAL E PROCESSO PENAL. PECULATO, LAVAGEM DE DI-NHEIRO E QUADRILHA. CONSELHEIRO DO TRIBUNAL DE CONTAS. INSTAURAÇÃO DE PROCESSO CRIMINAL COM BASE EM INQUÉRITO CIVIL. POSSIBILIDADE. EXCESSO PRAZAL NA INVESTIGAÇÃO. IRREGULARIDADE QUE NÃO CONTAMINA A AÇÃO PENAL. INQUÉRITO CIVIL PRESIDIDO POR PROMOTOR DE JUSTIÇA. POSSIBILIDADE. DENÚNCIA QUE NÃO DESCRE-VE ADEQUADAMENTE O CRIME DE QUADRILHA. REJEIÇÃO. QUANTO ÀS DEMAIS CONDUTAS, A PEÇA INAUGURAL PREEN-CHE OS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. AFASTAMENTO DO CARGO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. DENÚNCIA PARCIAL-MENTE RECEBIDA.

I — Mostra-se cabível o oferecimento de denúncia criminal com escólio em inquérito civil. Precedentes do STF e do STJ.

II — O eventual excesso prazal na apuração realizada em inquérito civil não representa nulidade, mas sim irregularidade que não contamina o pro-cesso criminal posteriormente instaurado. Precedentes do STJ.

III — Compete ao Promotor de Justiça a instauração e presidência do inquérito civil, não se podendo falar em nulidade da investigação em face do foro por prerrogativa de função do denunciado. Uma vez presentes os indícios de prática delitiva, foram os autos encaminhados para o Procurador-Geral de Justiça, que em âmbito criminal adotou as medidas que entendeu pertinentes, restando respeitado o foro por prerrogativa de função do agente. Precedentes do STJ.

IV — Encontrando-se descrita a conduta em todas as suas nuances, não se impõe a pecha de vaga à denúncia apresentada.

V — Existindo indícios de autoria e prova da materialidade quanto aos crimes de peculato e lavagem de dinheiro, há de ser recebida a denúncia.

VI — Relativamente ao crime de quadrilha, não estando satisfatoriamente delineada a conduta, deve ser rejeitada a acusação.

VII — Recebida parcialmente a denúncia, e dada a natureza das impu-tações e o cargo exercido pelo réu, impõe-se seu afastamento preventivo das funções pelo prazo de um ano.

VIII — Denúncia parcialmente recebida, afastando-se a imputação pelo crime de quadrilha, e também afastando-se preventivamente o denunciado do cargo que exerce, pelo prazo de um ano.

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

FGV DIREITO RIO 75

AULA 12: EXECUÇÃO. FUNDOS

A — CASO

Ajuizada uma ação civil pública em face de uma empresa X, que teria causado danos aos consumidores, o juiz condena a empresa ao pagamento de indenização. O valor de cada indenização foi devidamente fi xado na fase de liquidação. Diante de tal fato, o MP tem legitimidade para promover a exe-cução coletiva da sentença condenatória proferida nessa ação civil pública?

B — LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL

a) Lei de Ação Civil Pública (Lei nº. 7.343/85)

Art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano cau-sado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conse-lhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstitui-ção dos bens lesados.

§1º Enquanto o fundo não for regulamentado, o dinheiro fi cará deposita-do em estabelecimento ofi cial de crédito, em conta com correção monetária. (Primitivo parágrafo único renumerado pela Lei nº. 12.288, de 20 de julho de 2010).

§2º Havendo acordo ou condenação com fundamento em dano causado por ato de discriminação étnica nos termos do disposto no art. 1º desta Lei, a prestação em dinheiro reverterá diretamente ao fundo de que trata o caput e será utilizada para ações de promoção da igualdade étnica, conforme defi -nição do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial, na hipótese de extensão nacional, ou dos Conselhos de Promoção de Igualdade Racial estaduais ou locais, nas hipóteses de danos com extensão regional ou local, respectivamente. (Acrescentado pela Lei nº. 12.288, de 20 de julho de 2010).

(...)Art. 15. Decorridos sessenta dias do trânsito em julgado da sentença con-

denatória, sem que a associação autora lhe promova a execução, deverá fazê-lo o Ministério Público, facultada igual iniciativa aos demais legitimados. (Redação dada pela Lei nº 8.078, de 1990)

(…)Art. 20. O fundo de que trata o art. 13 será regulamentado pelo Poder

Executivo no prazo de 90 (noventa) dias.

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

FGV DIREITO RIO 76

b) Código de Defesa do Consumidor (Lei nº. 8.078/90)Art. 91. Os legitimados de que trata o art. 82 poderão propor, em nome

próprio e no interesse das vítimas ou seus sucessores, ação civil coletiva de responsabilidade pelos danos individualmente sofridos, de acordo com o dis-posto nos artigos seguintes. (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)

Art. 92. O Ministério Público, se não ajuizar a ação, atuará sempre como fi scal da lei.

(...)Art. 95. Em caso de procedência do pedido, a condenação será genérica,

fi xando a responsabilidade do réu pelos danos causados.Art. 96 (VETADO).Art. 97. A liquidação e a execução de sentença poderão ser promovidas

pela vítima e seus sucessores, assim como pelos legitimados de que trata o art. 82.

Parágrafo único (VETADO).Art. 98. A execução poderá ser coletiva, sendo promovida pelos legiti-

mados de que trata o art. 82, abrangendo as vítimas cujas indenizações já tiverem sido fi xadas em sentença de liquidação, sem prejuízo do ajuizamento de outras execuções (Caput com redação determinada pela Lei nº. 9.008, de 21 de março de 1995).

§ 1º A execução coletiva far-se-á com base em certidão das sentenças de li-quidação, da qual deverá constar a ocorrência ou não do trânsito em julgado.

§ 2º É competente para a execução o juízo:I — da liquidação da sentença ou da ação condenatória, no caso de exe-

cução individual;II — da ação condenatória, quando coletiva a execução.Art. 99. Em caso de concurso de créditos decorrentes de condenação pre-

vista na Lei nº. 7.347, de 24 de julho de 1985, e de indenizações pelos preju-ízos individuais resultantes do mesmo evento danoso, estas terão preferência no pagamento.

Parágrafo único — Para efeito do disposto neste artigo, a destinação da importância recolhida ao Fundo criado pela Lei nº. 7.347, de 24 de julho de 1985, fi cará sustada enquanto pendentes de decisão de segundo grau as ações de indenização pelos danos individuais, salvo na hipótese de o patrimônio do devedor ser manifestamente sufi ciente para responder pela integralidade das dívidas.

Art. 100. Decorrido o prazo de um ano sem habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano, poderão os legitimados do art. 82 promover a liquidação e execução da indenização devida.

Parágrafo único — O produto da indenização devida reverterá para o Fundo criado pela Lei nº. 7.347, de 24 de julho de 1985.

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

FGV DIREITO RIO 77

C — A EXECUÇÃO EM AÇÕES COLETIVAS PODE OCORRER NA MODALI-DADE COLETIVA OU INDIVIDUAL

A execução da pretensão coletiva está expressamente prevista no art. 15 da Lei 7.347/85, sendo legitimados para propor a execução o autor, qualquer outro legitimado ou o Ministério Público, caso em que se aplica o princípio da indisponibilidade da execução da ação coletiva, e tramitará perante o juízo da condenação, nos termos do art. 475-P do CPC:

Art. 15 da Lei 7.347/85: Decorridos 60 (sessenta) dias do trânsito em jul-gado da sentença condenatória, sem que a associação autora lhe promova a exe-cução, deverá fazê-lo o Ministério Público, facultada igual iniciativa aos demais legitimados.

Art. 475-P do CPC: O cumprimento da sentença efetuar-se-á perante: (In-cluído pela Lei nº 11.232, de 2005)

I — os tribunais, nas causas de sua competência originária; (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)

II — o juízo que processou a causa no primeiro grau de jurisdição; (In-cluído pela Lei nº 11.232, de 2005)

III — o juízo cível competente, quando se tratar de sentença penal conde-natória, de sentença arbitral ou de sentença estrangeira. (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)

Parágrafo único. No caso do inciso II do caput deste artigo, o exequente po-derá optar pelo juízo do local onde se encontram bens sujeitos à expropriação ou pelo do atual domicílio do executado, casos em que a remessa dos autos do pro-cesso será solicitada ao juízo de origem. (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)

Em se tratando de execução em ações coletivas que versem sobre interesses difusos e coletivos, o dinheiro arrecadado será destinado para o Fundo de Reparação de Bens Lesados, nos termos do art. 13 da Lei 7.347/85:

Art. 13 da Lei 7.347/85: Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados.

Este Fundo de Reparação de Bens Lesados é regulamentado pela Lei 9.008/95, na qual se prevê que o dinheiro arrecadado deve ser destinado à reparação do bem coletivo envolvido, campanhas educativas para sua preser-vação e questões afi ns.

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

FGV DIREITO RIO 78

A execução da pretensão individual nas ações coletivas, por sua vez, está prevista nos arts. 103, § 3.º e 104 do CDC (Lei 8.078/90):

Art. 103, § 3° do CDC: Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16, combinado com o art. 13 da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, não preju-dicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas in-dividualmente ou na forma prevista neste código, mas, se procedente o pedido, benefi ciarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts. 96 a 99.

Art. 104 do CDC: As ações coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágra-fo único do art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não benefi ciarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva.

Destarte, constata-se que são legitimados ativos para a execução da preten-são individual em ações coletivas as vítimas ou seus sucessores.

No que tange à competência para o processamento da execução individual em ações coletivas a lei confere duas opções: perante o juízo da condenação, nos termos do art. 98, § 2.º, II do CDC, ou no juízo do domicílio do lesado, nos termos do art. 101, I do CDC:

Art. 98, § 2° do CDC: É competente para a execução o juízo:II — da ação condenatória, quando coletiva a execução.

Art. 101 do CDC: Na ação de responsabilidade civil do fornecedor de pro-dutos e serviços, sem prejuízo do disposto nos Capítulos I e II deste título, serão observadas as seguintes normas:

I — a ação pode ser proposta no domicílio do autor;

Veja-se que nesta situação, o destinatário da condenação não será o Fun-do, tal como ocorre nas ações coletivas que versem sobre interesses difusos e coletivos. Em havendo individualização da execução na ação coletiva, passam a ser benefi ciários exclusivos as vítimas ou os seus sucessores.

Isto se deve ao fato de, nas ações coletivas que tenham como objeto inte-resses difusos ou coletivos, não existir a possibilidade de individualização dos benefi ciários.

Por fi m, a execução nas ações coletivas que versem sobre interesses in-dividuais homogêneos poderá ser processada de três formas diferentes:

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

FGV DIREITO RIO 79

1ª) Da mesma forma que processada a execução que verse sobre interesses difusos e coletivos (art. 97 do CDC). A legitimidade é das vítimas ou dos sucessores. O juízo competente é o da condenação ou do domicílio do lesado. O dinheiro arrecadado reverte para a vítima ou seus sucessores.

Art. 97 do CDC: A liquidação e a execução de sentença poderão ser promo-vidas pela vítima e seus sucessores, assim como pelos legitimados de que trata o art. 82.

2ª) Individual coletiva. É bastante rara na prática, mas vale mencionar a sua previsão no art. 98 do CDC. Os legitimados são os do art. 82 do CDC ou do art. 5.º da LACP. A competência será a do juízo da condenação (art. 98, § 2.º, II do CDC). O dinheiro eventualmente arrecadado reverterá para as vítimas ou seus sucessores. Em suma, cuida-se de verdadeiro caso de repre-sentação processual.

Art. 98 do CDC: A execução poderá ser coletiva, sendo promovida pelos legitimados de que trata o art. 82, abrangendo as vítimas cujas indenizações já tiveram sido fi xadas em sentença de liquidação, sem prejuízo do ajuizamento de outras execuções. (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)

§ 1° A execução coletiva far-se-á com base em certidão das sentenças de liquidação, da qual deverá constar a ocorrência ou não do trânsito em julgado.

§ 2° É competente para a execução o juízo:I — da liquidação da sentença ou da ação condenatória, no caso de execução

individual;II — da ação condenatória, quando coletiva a execução.

Art. 82 do CDC: Para os fi ns do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)

I — o Ministério Público,II — a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal;III — as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta,

ainda que sem personalidade jurídica, especifi camente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este código;

IV — as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fi ns institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este código, dispensada a autorização assemblear.

Art. 5º da Lei 7.347/85: Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:

I — o Ministério Público;II — a Defensoria Pública;

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

FGV DIREITO RIO 80

III — a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;IV — a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia

mista;V — a associação que, concomitantemente:a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;b) inclua, entre suas fi nalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente,

ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artís-tico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

c) Coletiva residual (fl uid recovery). A previsão está no art. 100 do CDC. São legitimados aqueles previstos no art. 82 do CDC e art. 5º da Lei 7.347/85. A competência será a do juízo da condenação (art. 98, § 2.º, II do CDC). O dinheiro arrecadado reverte para o Fundo de Reparação de Bens Lesados. A liquidação só pode ocorrer com mais de um ano depois do transito em julgado e caso não haja vítimas habilitadas em quantitativo compatível com a gravidade do dano.

Art. 100. Decorrido o prazo de um ano sem habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano, poderão os legitimados do art. 82 promover a liquidação e execução da indenização devida.

Parágrafo único. O produto da indenização devida reverterá para o fundo criado pela Lei n.° 7.347, de 24 de julho de 1985.

Importante salientar que a liquidação do dano pode ser realizada a partir de dois critérios básicos: 1º — gravidade do dano; e 2º — número de vitimas habilitadas que deverão ser indenizadas.

Vale também mencionar a regra do art. 99, caput, do CDC que traz ex-pressamente previsão sobre concurso de preferências no âmbito da execução coletiva:

Art. 99. Em caso de concurso de créditos decorrentes de condenação previs-ta na Lei n.° 7.347, de 24 de julho de 1985 e de indenizações pelos prejuízos individuais resultantes do mesmo evento danoso, estas terão preferência no pa-gamento.

Parágrafo único. Para efeito do disposto neste artigo, a destinação da impor-tância recolhida ao fundo criado pela Lei n°7.347 de 24 de julho de 1985, fi cará sustada enquanto pendentes de decisão de segundo grau as ações de indenização pelos danos individuais, salvo na hipótese de o patrimônio do devedor ser mani-festamente sufi ciente para responder pela integralidade das dívidas.

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

FGV DIREITO RIO 81

E, encerrando o presente tópico, tem-se como prazo prescricional da exe-cução individual e coletiva o mesmo prazo de prescrição para a correlata ação coletiva, nos termos do Enunciado nº 150 da Súmula do STF, in verbis:

Enunciado n. 150 da Súmula do STF — Prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação.

Vale registrar que a ação popular comporta prazo diferenciado, pois, de acordo com o art. 21 da Lei 4.717/65, a mesma prescreve em cinco anos. Destarte, a execução na ação popular deverá ser iniciada dentro de cinco anos a partir do trânsito em julgado.

Todavia, existem duas importantes exceções à regra da prescrição da exe-cução em sede coletiva. Há dois tipos de danos que são imprescritíveis. É o caso do dano ao patrimônio público (art. 37, § 5º da CF) e do dano ambiental (posição jurisprudencial).

D — QUESTIONÁRIO

a) Quem pode promover a execução de ação coletiva que tutele interesses difusos e coletivos stricto sensu? E de ação coletiva que tutele direitos indivi-duais homogêneos?

b) Qual o foro competente para a liquidação de sentença/execução no caso de ação coletiva que tutele interesses difusos e coletivos stricto sensu? E de ação coletiva que tutele direitos individuais homogêneos?

c) O Ministério Público tem legitimidade para promover a liquidação ou cumprimento de sentença nas ações coletivas?

E — DOUTRINA

Leitura obrigatória (o aluno pode escolher uma das obras indicadas)

DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de Direito Processual Ci-vil, vol. 4 (processo coletivo). Salvador: Jus Podivm — Capítulo XI (Li-quidação e execução da sentença).

MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. São Paulo: Saraiva — Capítulos 34 (Fundo para reconstituir o bem lesado) e 36 (Liquidação, cumprimento da sentença e execução).

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

FGV DIREITO RIO 82

F — JURISPRUDÊNCIA

Competência para a execução da sentença coletiva

STJ — AgRg no Ag 633994/PR — Rel. Min. Vasco Della Giustina (Desembargador convocado TJ/RS) — 3ª Turma, j. em 08.06.2010

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRO-CESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EXECUÇÃO. COMPETÊN-CIA. FORO QUE PROLATOU A SENTENÇA EXEQUENDA. INE-XISTÊNCIA DE OBRIGATORIEDADE. ESCOLHA DO FORO DO CONSUMIDOR. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIOS DA INSTRUMEN-TALIDADE DAS FORMAS E DO AMPLO ACESSO À JUSTIÇA.

1. Esta Corte Superior possui entendimento pacífi co de que a sentença proferida em ação civil pública (ACP) faz coisa julgada erga omnes nos limites da competência territorial do órgão julgador que a prolatou (art. 16 da Lei nº 7.347/1985, na redação dada pela Lei nº 9.494/1997).

2. A sentença proferida na ação civil pública proposta pela Associação Paranaense de Defesa do Consumidor (APADECO) contra o BANCO DO BRASIL S/A teve seus efeitos estendidos, pelo Tribunal estadual, a todos os poupadores do Estado do Paraná que mantiveram contas de poupança inicia-das ou renovadas até 15.06.87 e 15.01.89.

3. A Terceira Turma deste Sodalício, levando em consideração os efeitos da sentença proferida na aludida ação, bem como aplicando os princípios da instrumentalidade das formas e do amplo acesso à Justiça, passou a enten-der não haver obrigatoriedade das execuções individuais serem propostas no mesmo Juízo ao qual distribuída a demanda coletiva, podendo o consumidor fazer uso do foro da comarca de seu domicílio.

4. Agravo regimental a que se nega provimento.

Execução de ação coletiva por sindicato

STJ — AgRg no Ag 1391935/SC — Rel. Min. Mauro Campbell Marques — 2ª Turma, j. em 19.05.2011

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INS-TRUMENTO. AÇÃO COLETIVA. SINDICATOS. LEGITIMIDADE. ATUAÇÃO. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL.

1. Os sindicatos, que atuam na qualidade de substitutos processual, pos-suem legitimidade para atuar nas fases de conhecimento, liquidação e execu-ção de sentença proferida em ações versando direitos individuais homogêne-os, dispensando, inclusive, prévia autorização dos trabalhadores. Precedentes.

2. Agravo regimental não provido.

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

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Liquidação coletiva de sentença

STJ — CC113523/RJ — Rel. Min. Castro Meira — 1ª Seção, j. em 23.02.2011

PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊN-CIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LIQUIDAÇÃO COLETIVA DE SEN-TENÇA.

1. A controvérsia reside em defi nir o juízo competente para processar e julgar ação civil pública ajuizada com fundamento nas Leis 7.347/85 (Ação Civil Pública) e 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), em fase de liquidação de sentença promovida pelo Ministério Público.

2. Constatado o caráter coletivo da liquidação nas ações ajuizadas com o fi m de preservar direitos difusos e coletivos, o foro competente será o da con-denação, observando-se o rito do § 2º do artigo 475-A do CPC, tendo em vista a inexistência de dispositivo legal específi co no Código Consumerista.

3. Da mesma forma, diante da ausência de regra acerca da competência para a liquidação coletiva de sentença nos processos em que sejam tutelados direitos individuais homogêneos, deve ser realizada interpretação extensiva da norma prevista no artigo 98, § 2º, inciso II, segundo o qual competirá ao juízo condenatório a execução coletiva da sentença.

4. Assim, independentemente da natureza do direito tutelado pelo Minis-tério Público Federal — se difuso, coletivo ou individual homogêneo — o juízo competente para a liquidação será o da ação condenatória, já que se trata de liquidação coletiva, ou seja, requerida por um dos legitimados de que trata o artigo 82 do CDC.

5. Confl ito de competência conhecido para declarar a competência do Juízo Federal da 21ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, o suscitado.

Súmula 345, STJ: São devidos honorários advocatícios pela Fazenda Pú-blica nas execuções individuais de sentença proferida em ações coletivas, ain-da que não embargadas.

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AULA 13: OUTRAS QUESTÕES PROCESSUAIS

A — ESTUDO DE CASO

A Associação dos Amigos da Natureza, regularmente constituída, ajuíza ação civil pública objetivando o ressarcimento de danos causados ao meio ambiente por indústria de produtos químicos, sendo a sentença julgada pro-cedente. A Ré apela, mas não recolhe as custas referentes ao recurso. A apela-ção é julgada deserta por ausência de preparo, sendo, em seguida, interpostos embargos de declaração com a alegação de omissão na aplicação do art. 18 da Lei 7.357/1985 pelo órgão julgador. Os embargos de declaração merecem ser acolhidos?

B — LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL

a) Lei de Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85)

Art. 4º. Poderá ser ajuizada ação cautelar para os fi ns desta Lei, objetivan-do, inclusive, evitar o dano ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem ur-banística ou aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (VETADO). (Redação dada pela Lei nº 10.257, de 10.7.2001)

Art. 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justifi cação prévia, em decisão sujeita a agravo.

§ 1º A requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, poderá o Presidente do Tribunal a que competir o conhecimento do respec-tivo recurso suspender a execução da liminar, em decisão fundamentada, da qual caberá agravo para uma das turmas julgadoras, no prazo de 5 (cinco) dias a partir da publicação do ato.

§ 2º A multa cominada liminarmente só será exigível do réu após o trân-sito em julgado da decisão favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se houver confi gurado o descumprimento.

Art. 14. O juiz poderá conferir efeito suspensivo aos recursos, para evitar dano irreparável à parte.

Art. 17. Em caso de litigância de má-fé, a associação autora e os diretores responsáveis pela propositura da ação serão solidariamente responsáveis em honorários advocatícios e ao décuplo das custas, sem prejuízo da responsabi-lidade por perdas e danos. (Redação dada pela Lei nº. 8.078/90)

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Art. 18. Nas ações de que trata esta Lei, não haverá adiantamento de cus-tas, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da as-sociação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais.

b) Código de Defesa do Consumidor (Lei nº. 8.078/90)

Art. 87. Nas ações coletivas de que trata este Código não haverá adianta-mento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras des-pesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogados, custas e despesas processuais.

Parágrafo único— Em caso de litigância de má-fé, a associação autora e os diretores responsáveis pela propositura da ação serão solidariamente con-denados em honorários advocatícios e ao décuplo das custas, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos.

C — POSSIBILIDADE DE PROPOSITURA DE AÇÃO CAUTELAR E DA CON-CESSÃO DE LIMINAR EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA

É possível a propositura de ação cautelar em sede de ação civil pública, inclusive para evitar danos ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem urba-nística ou aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (art. 4º, Lei nº 7.347/85).

Também é possível a concessão de liminar, com ou sem justifi cação prévia, em decisão sujeita a agravo (art. 12, Lei nº 7.347/85). É pacífi co que a norma em questão refere-se inclusive à possibilidade de concessão de antecipação de tutela, em sede de ação civil pública.

Em se tratando especifi camente de liminar contra o Poder Público, esta só poderá ser concedida, como regra geral, após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de 72 horas (art. 2º, Lei nº 8.437/92).

É vedada a concessão de liminar contra atos do Poder Público que esgote, no todo ou em parte, o objeto da ação, e também toda vez que providência semelhante não puder ser concedida em mandado de segurança, em virtude de vedação legal (art. 1º, Lei nº 8.437/92).

D — REEXAME NECESSÁRIO

O art. 19 da Lei de Ação Popular (Lei nº. 4.717/65) dispõe que “a senten-ça que concluir pela carência ou improcedência da ação está sujeita ao duplo

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grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confi rmada pelo tribunal (...)”. O dispositivo prevê espécie de reexame necessário que, em úl-tima análise, se justifi ca pela necessidade de preservação do interesse público. Considerando a noção de microssistema de tutela coletiva, você acha que a aplicação do dispositivo se justifi ca nas ações civis públicas?

E — QUESTIONÁRIO

a) Qual o fundamento/ intenção do legislador na previsão de isenção/desnecessidade de adiantamento de despesas processuais pelos legitimados ativos da ação civil pública?

b) Quais são os pressupostos para a concessão de medida liminar? Há al-gum requisito específi co em se tratando de ações coletivas/ações civis públicas ajuizadas contra a Fazenda Pública? Em caso positivo, sob qual fundamento?

c) Qual(is) instrumento(s) pode(m) ser utilizado(s) para impedir que a medida liminar produza seus efeitos?

E — DOUTRINA

Leitura obrigatória

MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. São Paulo: Saraiva — Capítulos 12 (Ações principais e cautelares e ações individu-ais), 32 (Liminares e recursos) e 38 (As custas e os demais encargos da sucumbência).

F — JURISPRUDÊNCIA

Inversão do ônus da prova em favor da coletividade

STJ — REsp 951785/RS — Rel. Min. Luis Felipe Salomão — 4ª Tur-ma, j. em 15.02.2011

CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. JULGAMENTO MONO-CRÁTICO. LEGALIDADE. ART. 557 DO CPC. POSSIBILIDADE DE AGRAVO INTERNO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLI-CO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. POSSIBILIDADE.

1. Não há óbice a que seja invertido o ônus da prova em ação coletiva — providência que, em realidade, benefi cia a coletividade consumidora —, ainda que se cuide de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público.

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2. Deveras, “a defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das víti-mas” — a qual deverá sempre ser facilitada, por exemplo, com a inversão do ônus da prova — “poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo” (art. 81 do CDC).

3. Recurso especial improvido.

Oitiva do Poder Público e concessão de liminar

STJ — AgRg no Ag 1314453/RS — Rel. Min. Herman Benjamin — 2ª Turma, j. em 21.09.2010

ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONCESSÃO DE LIMINAR SEM OITIVA DO PODER PÚBLICO. ART. 2° DA LEI 8.437/1992. AUSÊNCIA DE NULIDADE.

1. O STJ, em casos excepcionais, tem mitigado a regra esboçada no art. 2º da Lei 8437/1992, aceitando a concessão da Antecipação de Tutela sem a oitiva do poder público quando presentes os requisitos legais para conceder medida liminar em Ação Civil Pública.

2. No caso dos autos, não fi cou comprovado qualquer prejuízo ao agra-vante advindo do fato de não ter sido ouvido previamente quando da conces-são da medida liminar.

3. Agravo Regimental não provido.

Condenação em honorários advocatícios e Ministério Público

STJ — REsp 1177597/RJ — Rel. Min. Mauro Campbell Marques — 2ª Turma, j. em 23.11.2010

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE PASSIVA. ANÁLISE DE DIREITO LOCAL. APLICAÇÃO ANALÓGICA DA SÚMULA N. 280/STF. CONDENAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLI-CO AO PAGAMENTO DE CUSTAS E DESPESAS PROCESSUAIS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MÁ-FÉ. NECESSIDADE.

1. Foi com base em lei local que o Tribunal de origem entendeu que o ora recorrido não é parte legítima para a presente demanda, pois não era o respon-sável pelos atos ora discutidos. Neste sentido, para acolher a pretensão recursal e alterar a fundamentação do aresto recorrido, seria necessária interpretação de lei local, o que atrai a incidência da Súmula n. 280/STF, por analogia.

2. Se não há má-fé no ajuizamento da ação civil pública, o Ministério Público não pode ser condenado ao pagamento dos honorários advocatícios. Precedentes.

3. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido.

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H — QUESTÕES DE CONCURSO

1) Promotor de Justiça — MPE/SE — 2010 (organização: CESPE)

Assinale a opção correta no que concerne aos ônus da sucumbência no processo coletivo.

(A) A responsabilidade por litigância de má-fé incide apenas sobre a asso-ciação autora e alcança, solidariamente, os diretores responsáveis pela propo-situra da ação civil pública.

(B) O MP está imune ao pagamento de custas, despesas processuais e ho-norários advocatícios. No caso de comprovada má-fé, apenas o membro que ajuizou a ação responde direta e pessoalmente pela condenação em perdas e danos.

(C) Na ação civil pública, no que concerne às associações civis, diversa-mente do regime da ação popular constitucional, não há dispensa de custas e adiantamento das despesas processuais.

(D) A condenação por comprovada litigância de má-fé da associação au-tora, independentemente do resultado do processo, consiste no pagamento de honorários de advogado e o décuplo das custas, além das custas judiciais e demais despesas processuais.

(E) Segundo orientação consolidada na jurisprudência do STJ e do STF, não cabe a condenação em honorários de advogado em ação civil pública proposta pelo MP julgada procedente.

2) Promotor de Justiça — MPE/SE — 2010 (organização: CESPE)

O MP de um estado da Federação ajuizou ação civil pública contra em-presa pública estadual e sociedades comerciais, com pedido de antecipação de tutela, fundada em causa de pedir enunciada em nulidade de procedimento licitatório destinado à contratação de serviços de limpeza urbana, conserva-ção de praias e manutenção e destinação de resíduos urbanos sólidos, susten-tando lesão de difícil reparação ao meio ambiente, ao patrimônio público e aos princípios da legalidade e da isonomia.

A partir da situação hipotética acima apresentada, assinale a opção correta.(A) Da decisão que indefere a antecipação de tutela cabe agravo de instru-

mento com pedido de efeito suspensivo ao tribunal de justiça. O desprovi-mento do agravo pelo tribunal enseja a interposição de recurso especial, que, entretanto, deve necessariamente permanecer retido nos autos até decisão fi nal.

(B) No caso de indeferimento liminar da petição inicial, sob o fundamen-to de litispendência, diante de mandado de segurança ajuizado por particular

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e despachado com precedência à ação coletiva, deve ser citada a parte contrá-ria para oferecer resposta, antes do recebimento da apelação.

(C) Declarada a nulidade da licitação e, por conseguinte, do contrato ad-ministrativo, a condenação em obrigações de fazer e não fazer, atinentes à reparação dos danos causados ao meio ambiente, deve abranger a prestação da atividade devida e a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específi ca ou imposição de multa diária, se sufi ciente ou compatível.

(D) A decisão do presidente do tribunal de justiça proferida em suspensão de segurança requerida pela pessoa jurídica de direito público interessada, que suspender a execução de medida liminar deferida em mandado de segu-rança impetrado por pessoa jurídica de direito privado, tem o efeito de cassar provimento antecipatório de tutela concedido na ação civil pública.

(E) O órgão de representação processual da pessoa jurídica de direito pú-blico deve formular resposta à ação, não se admitindo o litisconsórcio ativo para coadjuvar o autor coletivo.

3) Concurso para a Residência Jurídica da PGE/RJ — Prova de Direito Processual Civil — 2011.

Após o ajuizamento de ação civil pública em face do Estado do Rio de Janeiro, o juiz de primeiro grau antecipa, inaudita altera pars, os efeitos da tutela jurisdicional pretendida, para os fi ns de determinar a disponibilização de leitos em unidades hospitalares da rede estadual de saúde, bem como a contratação imediata de médicos em virtude de um surto de dengue.

Comente exclusivamente os aspectos processuais pertinentes à decisão e aos meios de impugnação a serem apresentados na defesa do Estado do Rio de Janeiro, apontando as questões processuais envolvidas.

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OUTRAS AÇÕES CONSTITUCIONAIS

AULAS 14 E 15: AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

A — CASO

O marido de uma professora da rede pública estadual é transferido do Rio de Janeiro para a cidade de Salvador. A professora decide acompanhar seu marido e se muda para Salvador. Porém, a fi m de não perder seu cargo de professora e de manter parte de seu rendimento, combina com uma ami-ga, professora não concursada, que ela irá lecionar em seu lugar e dividir os rendimentos.

Uma vez que seja descoberta a situação de “professora fantasma”, indaga-se (a) se foi praticado ato de improbidade administrativa? (b) em caso afi rma-tivo, qual a categoria de improbidade praticada? (c) quem seriam os legitima-dos ativos e passivos em uma eventual ação de improbidade administrativa? (d) quais deveriam ser as sanções aplicadas nesta ação? (e) ao receber a petição inicial, deveria o juiz determinar liminarmente o afastamento da professora do cargo?

B — FEIÇÃO CONSTITUCIONAL

Importante mencionar os seguintes dispositivos do texto constitucional:Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes

da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e efi ciên-cia e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº. 19, de 1998)

(...)§ 4º — Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão

dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da Repúbli-ca q ue atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:

(...)V — a probidade na administração;

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

FGV DIREITO RIO 91

82 Esta é também a posição de José dos

Santos Carvalho Filho. In: CARVALHO

FILHO, José dos Santos. Manual de Di-

reito Administrativo. 23ª ed. rev., ampl.

e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, p.

1178.

C — ATOS DE IMPROBIDADE, PRINCIPAIS C ARACTERÍSTICAS E SANÇÕES APLICÁVEIS

Atos que importam enriquecimento ilícito (art. 90 da Lei 8.429/92):Conceito legal: “Auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em

razão do exercício do cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entida-des mencionadas no art. 1º” da Lei.

O art. 9º da Lei traz em seus incisos exemplos de práticas que traduzem a conduta descrita no caput. Pela própria redação do dispositivo, extrai-se que se trata de rol meramente exemplifi cativo, mormente pelo fato de que a lei não pode prever todas as situações que caracterizam a conduta do caput82. A prática do ato não necessariamente importa no prejuízo ao erário.

Para ser enquadrado no ato de improbidade em comento o agente precisa agir (ação) com dolo.

As sanções cabíveis na espécie são as seguintes (art. 12, I, Lei 8.429/92): (i) perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio; (ii) ressar-cimento integral do dano, quando houver; (iii) perda da função pública; (iv) suspensão dos direitos políticos de 08 (oito) a 10 (dez) anos; (v) pagamento de multa civil de até 03 (três) vezes o valor do acréscimo patrimonial; (vi) proibição de contratar com o Poder Público; (vii) proibição de receber bene-fícios ou incentivos fi scais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 10 (dez) anos.

Atos que causam prejuízos ao erário (art. 10 da Lei 8.429/92):Conceito legal: “Qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje

perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º da Lei”.

Da mesma forma, os incisos do art. 10 revelam apenas algumas condutas que podem causar prejuízo ao erário, sendo o rol exemplifi cativo. O prejuízo pode ser causado pela via da ação ou omissão e por dolo ou culpa, sendo cer-to que não é necessário para a sua confi guração que haja o enriquecimento ilícito do agente.

As sanções cabíveis na espécie são as seguintes (art. 12, II, Lei 8.429/92): (i) ressarcimento integral do dano; (ii) perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância; (iii) perda da fun-ção pública; (iv) suspensão dos direitos políticos de 05 (cinco) a 08 (oito) anos; (v) pagamento de multa civil de até 02 (duas) vezes o valor do dano; (vi) proibição de contratar com o Poder Público; (vii) proibição de receber benefícios ou incentivos fi scais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 05 (cinco) anos.

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

FGV DIREITO RIO 92

Atos que atentam contra os princípios da Administração Pública (art. 11 da Lei 8.429/92):

Conceito legal: “Qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestida-de, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições”.

O rol legal é exemplifi cativo, tendo em vista a impossibilidade do legis-lador de prever, de antemão, todas as situações que se caracterizam como violadoras dos princípios da Administração Pública.

A violação pode ser causada por ação ou omissão e tão somente por dolo. Independe de efetivo prejuízo ao erário e de enriquecimento do agente.

As sanções cabíveis na espécie são as seguintes (art. 12, III, Lei 8.429/92): (i) ressarcimento integral do dano, se houver; (ii) perda da função públi-ca; (iii) suspensão dos direitos políticos de 03 (três) a 05 (cinco) anos; (iv) pagamento de multa civil de até 100 (cem) vezes o valor da remuneração percebida pelo agente; (v) proibição de contratar com o Poder Público; (vi) proibição de receber benefícios ou incentivos fi scais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 03 (três) anos.

Atos do Prefeito que importam em desrespeito à ordem urbanística (art. 53 da Lei 10.257/01):

Neste caso, o Estatuto da Cidade traz condutas específi cas, que, praticadas pelo Prefeito, confi guram atos de improbidade (vide legislação anexa). Exige-se o dolo do administrador público, mas não é necessário que se enriqueça ilicitamente ou que cause dano ao erário.

Na hipótese, a lei, que estabelece diretrizes gerais da política urbana, não dispõe sobre as sanções específi cas aplicáveis ao agente.

D — ESQUEMA BÁSICO DA TRAMITAÇÃO PROCESSUAL

Procedimento: Lei 8.429/92. Há previsão de procedimentos administra-tivo e judicial.

Procedimento administrativo (arts. 14 a 16): representação à autorida-de administrativa competente para a instauração de investigação destinada a apurar o ato. O órgão encarregado da investigação (comissão processante) dá conhecimento do fato ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas (art. 15). Ainda nesta fase, verifi cado que existem fundados indícios de respon-sabilidade, a comissão representará ao Ministério Público ou à procuradoria do órgão para que se requeira ao juízo competente a decretação de sequestro dos bens do agente ou terceiro que se enriqueceu ilicitamente ou que cau-sou dano ao patrimônio público. Na forma do art. 7º da Lei, e presentes os requisitos do fumus boni iuris e periculum in mora, também será possível a decretação da indisponibilidade dos bens do indiciado.

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

FGV DIREITO RIO 93

Procedimento judicial (arts. 17 e 18):Competência: Justiça Estadual como regra. A competência será da Justiça

Federal em havendo interesse da União, autarquias ou empresas públicas fe-derais (art. 109, I, CRFB/88).

Rito: ordinário. A ação deve ser promovida dentro de 30 (trinta) dias da efetivação da medida cautelar.

Polo ativo: Ministério Público ou pessoa jurídica interessada.— De acordo com o art. 17, § 2º, Lei 8.429/92, a Fazenda Pública será

responsável pelo ajuizamento de ação que tenha como objetivo complemen-tar o ressarcimento ao patrimônio público.

— O Ministério Público atua como custos legis, se não for o autor da ação (ar. 17, § 4º, Lei 8.429/92).

— Sendo o Ministério Público o autor da ação, será possível que a pes-soa jurídica — cujo ato está sendo objeto de impugnação — se abstenha de contestar o pedido e atue ao lado do Ministério Público (art. 17, § 3º, Lei 8.429/92 c/c art. 6º, § 3º, Lei 4.717/65).

Polo passivo: agente que cometeu ato de improbidade, podendo ser for-mado litisconsórcio passivo caso o ato tenha mais de um responsável.

Petição inicial— Instrução com documentos ou justifi cação que contenham indícios su-

fi cientes de existência do ato de improbidade ou com razões fundamentadas da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas (art. 17, § 6º, Lei 8.429/92).

— Os prazos de prescrição (limite máximo de tempo para a propositura da ação) encontram-se no art. 23 da Lei 8.429/92.

Notifi cação do requerido para oferecer manifestação por escrito em 15 (quinze) dias

— Art. 17, § 7º, Lei 8.429/92.— A manifestação pode ser instruída com documentos e justifi cações.Após, decisão de rejeição da ação ou recebimento da inicial— De acordo com a Lei 8.429/92, a demanda será rejeitada se o juiz esti-

ver convencido da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita.

— Caso contrário, será recebida a petição inicial e o juiz ordenará a ci-tação do réu para apresentar contestação. Esta decisão desafi a o recurso de agravo de instrumento.

— Art. 17, § 8º, § 9º e § 10, Lei 8.429/92.Instrução processualArt. 17, § 12.SentençaArt. 18.

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

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E — QUESTIONÁRIO:

a) Em que medida a ação popular é um instrumento para a tutela coletiva de direitos?

b) É possível que um particular seja réu em uma ação de improbidade administrativa? E quanto ao agente político?

c) A relação de atos de improbidade estabelecida através da Lei nº. 8.429/92 é exaustiva ou meramente exemplifi cativa?

d) É possível que um administrador público seja responsabilizado judicial-mente através de uma ação de improbidade administrativa em razão de uma conduta culposa?

e) As sanções previstas na Lei nº. 8.429/92 estão de acordo com as dis-posições constitucionais? Qual a sua natureza e como devem ser aplicadas concretamente?

f ) Quais devem ser os pedidos formulados pelo autor na ação de impro-bidade administrativa? Pode o juiz aplicar sanção não postulada diretamente na inicial?

F — DOUTRINA

Leitura obrigatória (o aluno pode escolher uma das obras indicadas)

BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil, vol. 2, tomo III (direito processual coletivo e direito processual públi-co). São Paulo: Saraiva — Capítulo 5 da Parte I (ação de improbidade administrativa).

MEIRELLES, Hely Lopes; WALD, Arnoldo; MENDES, Gilmar Ferreira. Mandado de Segurança e Ações Constitucionais. São Paulo: Malheiros — Terceira parte, item 9 (a ação de improbidade administrativa).

ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais — Capítulo 5 (a ação de improbidade).

Leitura adicional

GARCIA, Emerson. O combate à corrupção no Brasil: responsabilidade éti-ca e moral do STF na sua desarticulação. Revista da EMERJ, n. 41, p. 175-204, 2008.

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G — JURISPRUDÊNCIA.

STJ — REsp 810.662/SP, Rel. Min. Luiz Fux — Primeira Turma, j. em 13.11.2007

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA, POR IMPROBIDA-DE ADMINISTRATIVA, CONTRA EX-PREFEITO. PRERROGATIVA DE FORO. PRONUNCIAMENTO DO STF SOBRE A CONSTITU-CIONALIDADE DA NOVEL REDAÇÃO DO ART. 84 DO CPP (LEI 10.628/02).

1. Ação Civil Pública de improbidade administrativa ajuizada pelo Minis-tério Público Estadual em face de ex-prefeito, posteriormente eleito Deputa-do Federal.

2. A questão concernente à prerrogativa de foro de agentes políticos para responder por crimes de responsabilidade, decorrente da novel redação con-ferida ao art. 84 do CPP pela Lei 10.628 de 24 de dezembro de 2002, resta superada nesta Corte.

3. Com efeito, na sessão de julgamento do dia 15 de setembro de 2005, o Pleno do Supremo Tribunal Federal, por maioria, julgou procedente a ADI 2797/DF, para declarar a inconstitucionalidade da Lei n.º 10.628/2002, que acresceu os §§ 1º e 2º ao art. 84 do Código de Processo Penal, conforme noticiado no “Informativo STF” nº 401,

de 12 a 16/9/05, in verbis: “O Tribunal concluiu julgamento de duas ações diretas ajuizadas pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Pú-blico — CONAMP e pela Associação dos Magistrados Brasileiros — AMB para declarar, por maioria, a inconstitucionalidade dos §§ 1º e 2º do art. 84 do Código de Processo Penal, inseridos pelo art. 1º da Lei 10.628/2002 — v. Informativo 362. Entendeu-se que o § 1º do art. 84 do CPP, além de ter feito interpretação autêntica da Carta Magna, o que seria reservado à norma de hierarquia constitucional, usurpou a competência do STF como guardião da Constituição Federal ao inverter a leitura por ele já feita da norma constitu-cional, o que, se admitido, implicaria submeter a interpretação constitucio-nal do Supremo ao referendo do legislador ordinário. [...]. ADIN 2797/DF e ADI 2860/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 15.9.2005.

4. Deveras, a competência do juízo singular para processar e julgar as ações propostas contra prefeitos revela-se irretorquível. Precedentes do STJ: RESP 718248/SC, Relator Ministro José Delgado, DJ de 06.02.2006 e RESP 712170/RS, desta relatoria, DJ de 28.11.2005.

5. In casu, o fato de o ora Requerente ser Deputado Federal, detentor de foro especial, por prerrogativa de função, perante o Supremo Tribunal Fe-deral, por infração penal comum (art. 102, I, b, CF), traz à lume intrigante indagação acerca da possibilidade de extensão desse foro especial às investiga-

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

FGV DIREITO RIO 96

ções por atos de improbidade administrativa previstos na Lei 8.429/92, que também podem confi gurar ilícitos penais.

6. Com efeito, a despeito de acirradas controvérsias sobre o tema, a ju-risprudência predominante no âmbito da Corte Especial desta Corte, perfi -lhando entendimento exarado pelo C. STF, decidiu “que compete ao juiz de primeiro grau o processo e julgamento de ação civil pública de improbidade administrativa, ainda que no pólo passivo da ação fi gure autoridade que dete-nha foro especial por prerrogativa de função, tendo em vista que as hipóteses de foro especial previstas na Constituição Federal são taxativas.” (HC 22.342/RJ, Corte Especial, Relator Ministro Félix Fischer, DJ de 23.06.2003)

7. Sob esse enfoque confi ra-se julgado do Supremo Tribunal Federal: “AÇÃO CIVIL PÚBLICA CONTRA O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, IMPUGNANDO ATO DE NOMEAÇÃO DE MINISTRO DO SUPE-RIOR TRIBUNAL MILITAR. LEI Nº 7.347/85. INCOMPETÊNCIA, EM SEDE ORIGINÁRIA, DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Nos termos do art. 102 e incisos da Magna Carta, não detém esta Suprema Corte competência originária para processar e julgar ações movidas contra o Presi-dente da República, exceto quando se tratar de feitos criminais e de manda-dos de segurança. Agravo desprovido. “Pet-AgR 3087/DF, Relator Ministro CARLOS BRITTO, DJ de 10.09.2004)

8. Recurso especial desprovido.

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

FGV DIREITO RIO 97

83 SIDOU, J. M. Othon. Habeas corpus,

mandado de segurança, mandado de

injunção, habeas data, ação popular (as

garantias ativas dos direitos coletivos).

5ª ed. Forense: Rio de Janeiro, 2000, p.

303-317.

84 SIDOU, J. M. Othon, op cit, págs. 329-

334. Todas as referências históricas

contidas no parágrafo do texto foram

extraídas deste excelente livro.

AULAS 16 A 18: AÇÃO POPULAR

A — CASO

Revoltado com o escândalo do mensalão, um cidadão decide ajuizar ação popular, no STF, contra o então Presidente da República, Lula, sob a alega-ção de que o então governante teria prevaricado ao se quedar inerte diante de graves acusações descritas por Roberto Jeff erson. Formulou, ao fi nal, pedido de indisponibilidade de bens e de impeachment do Presidente da República. O autor poderia formular os pedidos descritos acima? O Supremo Tribunal Federal é competente para julgar essa ação popular?

B — BREVE NOTA HISTÓRICA

Em erudita monografi a, J. M. Othon Sidou vislumbra traços comuns en-tre a ação popular brasileira e a popularis actio do direito romano, em que não se defendia exatamente um direito individual, mas se agia pro populo.83

Qualquer estudo comparativo entre o direito moderno e as leis romanas corre sério risco de ter um caráter retrospectivo de reconstrução e idealização da antiguidade, já que é difícil resistir à tentação de se olhar o passado histó-rico com as lentes do presente.

Segundo J. M. Othon Sidou84, a Constituição do Império prescrevia que “todo o cidadão poderá apresentar, por escrito, ao Poder Legislativo e ao Executi-vo, reclamações, queixas ou petições, e até expor qualquer infração da Constitui-ção, requerendo perante a autoridade competente a efetiva responsabilidade dos infratores” (Artigo 179, Inciso XXX). A primeira Constituição da República repetiu dispositivo semelhante: “É permitido a quem quer que seja representar mediante petição aos poderes públicos, denunciar abusos das autoridades e pro-mover a responsabilidade dos culpados” (Artigo 79, § 9º).

Apenas em 1934, o texto constitucional parece destinar precipuamente ao poder judiciário o papel de controle dos atos administrativos, ao defi nir que “qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a declaração de nulidade ou anulação dos atos lesivos ao patrimônio da União, dos Estados ou dos Muni-cípios” (art. 13, n. 18). Apesar de a constituição ter defi nido a legitimidade ativa e o objeto desta espécie de ação, faltava batizá-la. O nome “ação popu-lar” foi defi nido através da Lei nº 4.717/65, tendo sido também adotado pela Constituição de 1967 (artigo 153, § 31).

J. M. Othon Sidou dispõe que: “O texto constitucional de 1967 foi de fato, mais proveitoso do que o original. Primeiro, porque, com o personalizar do insti-

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FGV DIREITO RIO 98

85 SIDOU, J. M. Othon, op. cit., pág. 334.

86 Direito administrativo. 23ª ed. São

Paulo: Atlas, 2010, p. 800.

tuto, no que tem caráter pioneiro nas Cartas republicanas, assegurou à ação po-pular, tal como ocorre com o habeas corpus, a característica tradicional. Segundo, porque, em termos constitucionais, marcou nítido avanço na identifi cação com a actio popularis, consagrada pelo direito histórico.”85

De fato, denominar a “ação popular” foi importante para a sua popula-rização, mas o mérito não é somente da Constituição militar. Foi uma lei ordinária que batizou a “ação popular” (Lei nº 4.717/65).

C — PREVISÃO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

A Constituição Federal de 1988 prevê expressamente a possibilidade de ajuizamento, por qualquer cidadão, da ação popular, em defesa da moralida-de administrativa, meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural (art. 5°, LXXIII).

Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cul-tural, fi cando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus de sucumbência.

A consagração da ação popular no rol de direitos fundamentais do art. 5º refl ete a preocupação do Poder Constituinte com a defesa dos direitos funda-mentais de terceira geração, que são aqueles de titularidade da coletividade.

Desse modo Maria Sylvia Zanella di Pietro conceitua ação popular como “a ação civil pela qual qualquer cidadão pode pleitear a invalidação de atos praticados pelo poder público ou entidades de que participe, lesivos ao patrimô-nio público, ao meio ambiente, à moralidade administrativa ou ao patrimônio histórico e cultural, bem como a condenação por perdas e danos dos responsáveis pela lesão”86.

D — OMISSÃO ILEGAL E LESIVA AO PATRIMÔNIO PÚBLICO

A Constituição brasileira se refere a “ato lesivo ao patrimônio público” (CF, artigo 5º, LXXIII), não fazendo qualquer menção à omissão lesiva ao patrimônio público. Será que a ação popular pode ter como objeto omissões? José Afonso da Silva defende este entendimento:

se a prestação dos serviços públicos se incrusta no elenco de direitos essenciais do cidadão, direitos estes contrapostos ao dever estatal de cumprimento de fi ns

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

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87 DA SILVA, José Afonso. Ação popular

constitucional. 2ª ed. Malheiros Edito-

res: São Paulo, 2007. p. 127.

88 Ação Popular In Ação Constitucionais.

Org. por Fredie Didier Jr. Editora Jus Po-

divm: Salvador: 2008.

89Veja, neste sentido, as considerações

de Helly Lopes Meirelles sobre o prin-

cípio da moralidade: “A moralidade

administrativa constitui, hoje em dia,

pressuposto de validade de todo ato

da Administração Pública (CF, art. 37,

caput). Não se trata – diz Hauriou, o sis-

tematizador de tal conceito – da moral

comum, mas sim de uma moral jurídica,

entendida como ‘o conjunto de regras

de conduta tiradas da disciplina interior

da Administração’ (Maurice Hauriou,

Précis Élémentaires de Droit Administra-

tif, Paris, 1926, pp. 197 3 ss.). Desenvol-

vendo sua doutrina, explica o mesmo

autor que o agente administrativo,

como ser humano dotado da capaci-

dade de atuar, deve, necessariamente,

distinguir o Bem do Mal, o honesto do

desonesto. E, ao atuar, não poderá des-

prezar o elemento ético de sua conduta.

Assim, não terá que decidir somente

entre o legal e o ilegal, o justo e o injus-

to, o conveniente e o inconveniente, o

oportuno e o inoportuno, mas também

entre o honesto e o desonesto”. In:

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Admi-

nistrativo Brasileiro. 23ª ed. atualizada

por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio

Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle

Filho. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 86.

90 Para este debate específi co, reco-

menda-se a leitura de MEIRELLES, Hely

Lopes; WALD, Arnoldo; MENDES, Gilmar

Ferreira. Mandado de segurança e Ações

Constitucionais. São Paulo: Malheiros,

2010, p. 176.

justifi cativos da própria existência do Estado, e se a conduta omissiva pode pre-judicar direitos subjetivos, também pode lesar o patrimônio público. Verifi cada essa lesão, surge a legitimidade do cidadão para propor a demanda popular, a qual poderá voltar-se simplesmente contra a pessoa ou autoridade que omitiu, prejudicando o patrimônio público, se a omissão não houver dado azo ao surgi-mento de um ato ou fato lesivo, ou não tiver dado cobertura a ato anterior, isto é, quando o dano tiver fl uído tão-só do próprio omitir.87

Apesar de parte da doutrina entender que o texto constitucional não prevê a possibilidade de omissão, como justifi cativa para o ajuizamento da ação popular, Geisa de Assis Rodrigues88 segue a mesma linha de José Afonso da Silva: “Entendemos que se da omissão administrativa, que ocorre quando a Ad-ministração Pública deve agir e não o faz, resulta lesão ao patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente, ao patrimônio histórico e cultu-ral, há possibilidade de ajuizamento da ação”.

E — O PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA COMO FUNDA-MENTO PARA A AÇÃO POPULAR

O art. 5º, LXXIII da Constituição da República dispõe que a ação popu-lar é cabível, dentre outras fi nalidades, para anular atos lesivos à moralidade administrativa.

Tal possibilidade implica na necessidade de busca do conceito de morali-dade para o Direito Administrativo89, de modo que o juiz, no caso concreto, possa aferir se os fatos narrados na inicial efetivamente confi guram ofensa ao princípio. Ocorre que por se tratar de noção que tangencia as áreas do Direi-to e da Moral, torna-se difícil para o intérprete determinar em que medida um ato formalmente legal pode ser imoral, sobretudo se no momento inter-pretativo estiver mergulhado em crenças pessoais.

Esta difi culdade deve ser ressaltada para que possamos refl etir até que pon-to a ação popular amparada na violação da moral administrativa pode inter-ferir no poder discricionário do administrador público e no sistema de freios e contrapesos que deve nortear a separação de Poderes90.

F — ESQUEMA BÁSICO DA TRAMITAÇÃO PROCESSUAL

F.1 — Competência:

A primeira norma a se levar em consideração é o artigo 5º, caput, da Lei nº 4.717: “conforme a origem do ato impugnado, é competente para conhecer da ação, processá-la e julgá-la o juiz que, de acordo com a organização judiciária de

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91 Direito Processual Constitucional. 3ª

Ed. São Paulo: Atlas. 2012. p. 417.

92 Op. cit., p. 416.

cada Estado, o for para as causas que interessa à União, ao Distrito Federal, ao Estado ou ao Município”.

Desse modo, leva-se em conta para a fi xação da competência a origem do ato impugnado e o interesse do ente político envolvido, que sofreu a lesão. A Lei de Organização Judiciária também será fundamental para a fi xação da competência.

Paulo Roberto de Figueiredo Dantas cita o seguinte exemplo: Na hipótese de uma ação popular que vise anular uma licitação pública lesiva ao Estado de São Paulo, a Lei de Organização Judiciária do Estado determina que a competência para o processo e julgamento da ação será de uma das Varas da Fazenda Pública de São Paulo91.

O artigo 5º, §§ 1º, 2º e 3º da Lei da Ação Popular, também são dispositi-vos fundamentais para a fi xação da competência.

O §1º informa que os atos praticas por autarquia, fundação pública, socie-dade de economia mista ou qualquer entidade que receba dinheiro público, a competência para julgamento será fi xada de acordo com o órgão político a que estiver vinculada.

O § 2º informa que se o pleito interessa simultaneamente à União, aos Estados e Municípios, ou qualquer entidade a eles vinculada, será competen-te o juiz da causa da União, que é a Justiça Federal, nos termos do art. 109, CF/88. Se somente Estados e Municípios possuírem interesses simultâneo, prevalecerá como competente o juiz das causas do Estado, que, normalmen-te, é o juiz de uma das Varas da Fazenda Pública. E estipula

O § 3º trata da prevenção e estipular que: uma vez proposta a ação, todas as ações posteriores contra as mesmas partes e com os mesmo fundamentos correrão perante o mesmo juízo prevento.

OBS: A ação popular será proposta sempre no primeiro grau de jurisdição, independentemente da autoridade.

F.2 — Legitimidade e procedimento

Sobre a legitimidade, importante observar o disposto nos artigo 1º e 6º da Lei nº 4.717/65. Resumidamente, podemos mencionar as seguintes observa-ções feitas por Paulo Roberto de Figueiredo Dantas92:

• A ação popular somente poderá ser proposta pelo cidadão (o nacional eleitor), o qual age em nome próprio defendendo o interesse do Poder Público. A condição de cidadão deverá ser comprovada com a juntada de título de eleitor.

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• Não poderão fi gurar no polo ativo da ação os estrangeiros, os apátri-das, os conscritos (durante o período de serviço militar obrigatório), as pessoas jurídicas, os brasileiros que ainda não tenham se alistado como eleitores, além daqueles que estejam com seus direitos políticos suspensos ou perdidos.

• No que se refere à legitimidade passiva ad causam, deverá haver um li-tisconsórcio passivo necessário, no qual estarão incluídos, obrigatoria-mente, o Poder Público, os agentes que determinaram ou celebraram o ato, bem como os eventuais benefi ciários do ato lesivo ao patrimô-nio público (artigo 6º da Lei nº 4.717/1965).

OBS: O poder público, quando citado, poderá concordar com os pedidos formulados pelo autor e requerer, até mesmo em segundo grau de jurisdição, a sua ida para o polo ativo da demanda — art. 6º, §3º, da Lei nº 4.717/65.

Quanto às regras procedimentais, destaca-se, inicialmente, que se aplica o rito ordinário do CPC, com algumas especifi cidades trazidas pela Lei nº 4.717/65.

A petição inicial segue a regra geral do artigo 283 e 284, CPC, por isso, não cumpridos os requisitos do dispositivo, deverá o juiz determinar a emen-da da petição inicial. Ademais, a petição inicial deverá conter os seguintes documentos: i — prova da cidadania para fi ns de instrução (art. 1º, §3º da Lei nº. 4.717/65); ii — requerimento de certidões e informações (art. 1º, §4º da Lei nº. 4.717/65).

No despacho inicial (art. 7º da Lei nº. 4.717/65), o juiz determinará a citação dos responsáveis pelo ato, a intimação do Ministério Público e requi-sitará documentos necessários à instrução (15 a 30 dias para atendimento).

A parte poderá apresentar contestação no prazo de 20 dias, prorrogáveis por mais 20 dias (art. 7º, IV da Lei nº. 4.717/65), sendo esse prazo comum a todos os interessados. Reitera-se a opção de migração, pelas pessoas jurídicas de direito público/privado, para o pólo ativo da ação (art. 6º, §3º da Lei nº. 4.717/65). Não cabe reconvenção, especialmente pelo fato do autor tutelar em nome próprio direito alheio.

A sentença será proferida em Audiência de Instrução e Julgamento, se houver, ou em até 15 dias do recebimento dos autos pelo juiz. A sentença de improcedência enseja duplo grau obrigatório de jurisdição ou apelação voluntária (art. 19 da Lei nº. 4.717/65).

A sentença de procedência enseja apelação voluntária com efeito suspensi-vo (art. 19 da Lei nº. 4.717/65). Existe também a possibilidade de suspensão da sentença pelo Presidente do Tribunal a quem compete julgar o recurso (até o trânsito em julgado) — art. 4º, §1º, Lei nº. 8.437/92. O requerimento de suspensão pode ser feito pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica

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de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de fl agrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas (art. 4º, caput. Lei 8.437/92). A decisão do Presidente do Tribunal, que concede ou não a suspensão, desafi a agravo para o órgão co-legiado competente no prazo de 5 dias (art. 4º, §3º, Lei 8.437/90). Se a deci-são do agravo for no sentido da manutenção ou restabelecimento da decisão que se pretende suspender, caberá novo pedido de suspensão ao Presidente do Tribunal competente para conhecer de recurso especial ou extraordinário (art. 4º, § 4º, Lei 8.437/92).

G — QUESTIONÁRIO

a) Em que medida a ação popular é um instrumento para a tutela coletiva de direitos?

b) Pessoa jurídica possui legitimidade para ajuizar ação popular?c) Pode a pessoa jurídica de direito público, ao invés de contestar o pedido

formulado pelo autor, atuar ao lado deste na ação popular?d) O autor da ação popular deve arcar com custas judiciais?e) Em que consiste o binômio ilegalidade-lesividade? O ajuizamento de

ação popular restringe-se aos casos em que há ocorrência de prejuízo de or-dem material para as entidades públicas?

f ) Qual a natureza do litisconsórcio formado no pólo passivo da ação popular?

H — DOUTRINA

Leitura obrigatória (o aluno pode escolher uma das obras indicadas)

BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil, vol. 2, tomo III (direito processual coletivo e direito processual público). São Paulo: Saraiva — Capítulo 4 da Parte I (ação popular).

MEIRELLES, Hely Lopes; WALD, Arnoldo; MENDES, Gilmar Ferreira. Mandado de Segurança e Ações Constitucionais. São Paulo: Malheiros — Segunda parte (ação popular).

ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais — Capítulo 4 (ação popular).

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Leitura adicional

RODRIGUES, Geisa de Assis. “Ação popular”. In Fredie Didier Jr. (organi-zador). Ações Constitucionais. Salvador: Jus Podivm, 2008.

I — JURISPRUDÊNCIA

Petição nº 8.397 — DF (2011/0048934-6), Rel. Min. Castro Meira, decisão publicada em 24/03/11

PROCESSO CIVIL. AÇÃO POPULAR. ATO DO MINISTRO DA FAZENDA. PRERROGATIVA DE FORO. INEXISTÊNCIA. INCOM-PETÊNCIA DO STJ. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM.

1. Diferentemente do mandado de segurança, a competência na ação po-pular não se defi ne pelo grau hierárquico da autoridade responsável pelo ato combatido, razão pela qual não se aplicam as regras do foro privilegiado. Precedentes do STF.

2. Dessarte, os autos devem retornar ao Juízo Federal de Primeira Instân-cia, a fi m de serem adotadas as providências pertinentes.

3. Incompetência originária do Superior Tribunal de Justiça.REsp 1.143.807, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, publicação no

DJe de 06/10/10ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO POPULAR.

ILEGALIDADES EM PROCEDIMENTO LICITATÓRIO. PEDIDO DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. PROCEDÊNCIA. JUSTIFICATIVA PLAUSÍVEL. PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE DOS ATOS LICITATÓ-RIOS.

1. A violação do artigo 535, do Código de Processo Civil— CPC, não se efetivou no caso dos autos, uma vez que não se vislumbra omissão no acórdão recorrido capaz de tornar nula a decisão impugnada no especial.

2. O acórdão recorrido proferido pelo Tribunal ordinário entendeu que o recorrente não apontou circunstâncias capazes de justifi car a exibição de documentos perquirida. Este entendimento merece reforma.

3. A ação popular intentada visa demonstrar irregularidades ocorridas em procedimentos licitatórios realizados pela recorrida. E, requer, o recorrente, a exibição dos documentos — que estão no poder da recorrida — relativos à licitação para comprovar as irregularidades apontadas.

4. Está claramente justifi cado o pedido de exibição de documentos, pois não existe conteúdo probatório mais robusto do que o solicitado pelo recor-rente, capaz de comprovar a alegada ilegalidade licitatória.

5. Procedimentos licitatórios são públicos. A licitação é regida pela publi-cidade dos atos, conforme explicita o art. 3º da Lei n. 8.666/93. Nos dizeres

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de Hely Lopes Meirelles: “a licitação não será sigilosa, sendo públicos e aces-síveis ao público os atos de seu procedimento, salvo quanto ao conteúdo das propostas, até a respectiva abertura”.

6. Sendo assim, fundamentado no princípio da publicidade dos atos dos procedimentos licitatórios, e no legítimo interesse do recorrente de ter acesso aos documentos que possam provar as alegações presentes na ação popular, entende-se que a documentação pleiteada deve ser fornecida.

7. Recurso especial providoSTJ — REsp nº 945238/SP, Rel. Min. Herman Benjamin — Segunda

Turma, j. em 09.12.2008PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO POPULAR. MIGRAÇÃO DE ENTE

PÚBLICO PARA O PÓLO ATIVO APÓS A CONTESTAÇÃO. PRE-CLUSÃO. NÃO-OCORRÊNCIA.

1. Hipótese em que o Tribunal a quo concluiu que o ente público somente pode migrar para o pólo ativo da demanda logo após a citação, sob pena de preclusão, nos termos do art. 183 do Código de Processo Civil.

2. O deslocamento de pessoa jurídica de Direito Público do pólo passivo para o ativo na Ação Popular é possível, desde que útil ao interesse público, a juízo do representante legal ou do dirigente, nos moldes do art. 6º, § 3º, da Lei 4.717/1965.

3. Não há falar em preclusão do direito, pois, além de a mencionada lei não trazer limitação quanto ao momento em que deve ser realizada a migra-ção, o seu art. 17 preceitua que a entidade pode, ainda que tenha contestado a ação, proceder à execução da sentença na parte que lhe caiba, fi cando evi-dente a viabilidade de composição do pólo ativo a qualquer tempo. Prece-dentes do STJ.

4. Recurso Especial provido.

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AULAS 19 E 20: MANDADO DE INJUNÇÃO

A — CASO

Você faz estágio em um grande escritório de direito trabalhista, mas o advoga-do com quem você trabalha faltou às aulas sobre mandado de injunção durante a faculdade. Ele será procurado pelo presidente do Sindicato Estadual de Pro-fessores (SEP), que, por telefone, já adiantou que pretende organizar uma greve de professores em virtude da baixa remuneração dos profi ssionais da educação no Estado do Rio de Janeiro. O Presidente do SEP quer saber se (a) em caso de realizada a greve, poderá ser cortado o ponto dos professores, tendo em vista a ausência de lei regulamentadora do direito de greve de funcionários públicos; (b) caso a greve seja mal sucedida como instrumento de pressão ao governo estadual, será possível ajuizar alguma ação para assegurar o aumento anual da remuneração dos professores e, em caso de procedência, quais seriam seus efeitos?

B — INTRODUÇÃO

O objetivo desta aula será aprofundar o conhecimento do aluno sobre o mandado de injunção, importante instrumento judicial para os indivíduos prejudicados pela falta de norma regulamentadora que torne inviável o exer-cício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.

C —FEIÇÃO CONSTITUCIONAL

De acordo com o texto constitucional, “Conceder-se-á mandado de in-junção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exer-cício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania” (art. 5º, LXXI).

Curiosamente, o instituto não é regulamentado por lei específi ca, aplican-do-se-lhe a lei referente ao mandado de segurança (Lei 12.016/2009).

D — COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO

Não há difi culdade na fi xação da competência para julgamento do mandado de injunção, visto que ela está prevista expressamente no texto constitucional.

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

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• Supremo Tribunal Federal: Art. 102, CRFB/88: Compete ao Supre-mo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, ca-bendo-lhe: I — processar e julgar, originariamente: q) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribui-ção do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores, ou do próprio Supremo Tribunal Federal; II — julgar, em recurso ordinário: a) o habeas corpus, o mandado de segurança, o ha-beas data e o mandado de injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão;

• Superior Tribunal de Justiça: Art. 105, CRFB/88: Compete ao Supe-rior Tribunal de Justiça: I — processar e julgar, originariamente: h) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamenta-dora for atribuição de órgão, entidade ou autoridade federal, da ad-ministração direta ou indireta, excetuados os casos de competência do Supremo Tribunal Federal e dos órgãos da Justiça Militar, da Justiça Eleitoral, da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal;

• Tribunal Superior Eleitoral: Art. 121, CRFB/88: Lei complementar disporá sobre a organização e competência dos tribunais, dos juízes de direito e das juntas eleitorais. § 4º — Das decisões dos Tribunais Regionais Eleitorais somente caberá recurso quando: V — denegarem habeas corpus, mandado de segurança, habeas data ou mandado de injunção;

• Justiça Estadual: Art. 125, CRFB/88: Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição. § 1º — A competência dos tribunais será defi nida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça.

E — JULGAMENTO E SEPARAÇÃO DE PODERES

Ao longo dos anos, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em relação ao instituto do mandado de injunção sofreu modifi cações.

Em um primeiro momento, a atuação do Supremo se restringia à decla-ração de mora do Poder Legislativo na regul amentação do direito tutelado pela via do mandado de injunção. Esta posição fi cou conhecida como tese “não concretista”, pois o exercício do direito carente de regulamentação não era propriamente implementado pelo STF. Havia, tão somente, re-comendação para que o Poder Legislativo atuasse com brevidade, Pode-se dizer que essa posição se aproximava mais da clássica noção de separação

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de poderes, já que primava por menor intervenção na esfera de atribuições do Poder Legislativo.

Ainda nesta linha de menor intervenção, mas já avançando em relação à efetividade do instituto, o STF consignou a existência da mora, impondo prazos específi cos para a atuação do Poder Legislativo, sob pena de imple-mentação do direito pleiteado pelo impetrante.

Com o passar do tempo, verifi cou-se que esta forma de atuação não estava sendo sufi ciente para garantir a efetividade do instituto. Diante da perma-nência da omissão legislativa, o STF se mostrou mais ativo, implementando ele próprio, e independente da ausência da norma regulamentadora, a solu-ção para o caso concreto. Neste momento, fala-se em tese “concretista”, pois a implementação do direito/prerrogativa se dá imediatamente pelo órgão do Poder Judiciário, até que sobrevenha a respectiva norma regulamentadora.

Ao julgar os Mandados de Injunção 670, 708 e 712, que buscavam uma solução para a ausência de norma regulamentadora para o exercício do direito de greve pelos servidores públicos (art. 37, VII, CF/88), o Pretório Excelso determinou, por maioria de votos, que fosse aplicada, no que coubesse, a Lei nº 7.783/89, até que fosse editada norma específi ca para o setor público.

Verifi ca-se, assim, uma postura mais ativa e de controle da inércia do Po-der Legislativo, garantindo-se maior efetividade aos direitos consagrados na Constituição. Neste ponto, é interessante refl etir sobre os limites da atuação do Poder Judiciário, sobretudo sob o aspecto de sua legitimidade democráti-ca. Importante, ainda, questionar até que ponto uma intervenção mais ativa do Poder Judiciário está compreendida e promove o sistema de freios e con-trapesos presente na noção de separação de poderes.

F — ESQUEMA BÁSICO DA TRAMITAÇÃO PROCESSUAL

O procedimento a ser utilizado é o mesmo do mandado de segurança (Lei 12.016/2009), com aplicação supletiva do Código de Processo Civil (v. art. 24, parágrafo único, Lei nº. 8.038/90).

Quanto à legitimidade, no polo ativo fi gurarão pessoas físicas ou jurídicas prejudicadas pela ausência de norma regulamentadora, que torna inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas ine-rentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. No caso de mandado de injunção coletivo devem ser observadas as normas referentes ao mandado de segurança coletivo.

O Ministério Público possui legitimidade ativa para impetrar mandado de injunção, conforme previsão na Lei Complementar federal nº 75/93 (arts. 6º, VIII e 83, X).

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93 MOREIRA, José Carlos Barbosa. SOS

para o mandado de injunção. In: Jornal

do Brasil, publicação de 11 set. de 1990.

No polo passivo fi gurarão os órgãos/entidades públicas encarregados da produção da norma.

OBS: A jurisprudência do STF é no sentido de que a limi-nar não é cabível, a despeito de ser possível no mandado de segurança (AC 124 AgR/PR).

Na petição inicial deve haver comprovação de plano, tal como no manda-do de segurança. Não se admite dilação probatória.

Intimação do legitimado passivo para prestar informações em 10 (dez) dias (v. art. 7º, I, Lei 12.016/2009) e atuação do Ministério Público como custos legis. O processo então irá concluso para julgamento, podendo ser pro-ferida decisão concessiva ou denegatória. Recursos cabíveis: v. arts. 102, II, a; 102, III e 105, III da CRFB/88.

G — QUESTIONÁRIO

a) Em que medida o mandado de injunção é um instrumento para a tutela coletiva de direitos?

b) O mandado de injunção pode ser utilizado para sanar qualquer tipo de omissão legislativa?

c) Para fi ns de mandado de injunção, quem possui legitimidade ativa? E legitimidade passiva?

d) Que fundamento respalda a atuação do Ministério Público na condição de legitimado ativo do mandado de injunção?

e) Qual deve ser o rito procedimental adotado para a tramitação do man-dado de injunção?

f ) Por que um famoso processualista fl uminense se referia, em 1990, ao mandado de injunção como “sino sem badalo”93?

g) Há formação de coisa julgada na decisão judicial que implementa, di-retamente e até que sobrevenha lei regulamentadora, o direito postulado pela via do Mandado de Injunção?

H — DOUTRINA

Leitura obrigatória (o aluno pode escolher uma das obras indicadas)

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BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil, vol. 2, tomo III (direito processual coletivo e direito processual público). São Paulo: Saraiva — Capítulo 3 da Parte 1 (mandado de injunção).

MEIRELLES, Hely Lopes; WALD, Arnoldo; MENDES, Gilmar Ferreira. Mandado de Segurança e Ações Constitucionais. São Paulo: Malheiros — Quarta parte (mandado de injunção).

Leitura adicional

Mandado de Injunção 283, STF, Relator Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, julgamento em 20/03/91 (ler a íntegra do acórdão).

I — JURISPRUDÊNCIA

Cabimento

STF — MI 628-8/RJ, Rel. Min. Sydney Sanches — Tribunal Pleno, j. em 19.08.2002

DIREITO CONSTITUCIONAL E TRABALHISTA. MANDADO DE INJUNÇÃO DESTINADO A COMPELIR O CONGRESSO NACIO-NAL A ELABORAR A LEI COMPLEMENTAR A QUE SE REFERE O INCISO I DO ART. 7° DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. Existindo norma, na própria Constituição Federal, mais precisamente no art. 10, I, do A.D.C.T., que regula, provisoriamente, o direito previsto no inciso I do art. 7º da Parte Permanente, enquanto não aprovada a lei complementar a que se refere, mostra-se descabido o Mandado de Injunção destinado a compelir o Congresso Nacional a elaborá-la. 2. Precedentes: Mandados de Injunção nos 487 e 114. 3. Mandado de Injunção não conhecido.

STF — MI 766 AgR/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa — Tribunal Ple-no, j. em 21.10.2009

MANDADO DE INJUNÇÃO. REGULAMENTAÇÃO DA ATIVI-DADE DE BINGO. INEXISTÊNCIA DE COMANDO CONSTITU-CIONAL. WRIT NÃO CONHECIDO. AGRAVO REGIMENTAL DES-PROVIDO. Os agravantes objetivam a regulamentação da atividade de jogos de bingo, mas não indicam o dispositivo constitucional que expressamente enuncie esse suposto direito. Para o cabimento do mandado de injunção, é imprescindível a existência de um direito previsto na Constituição que não esteja sendo exercido por ausência de norma regulamentadora. O mandado de injunção não é remédio destinado a fazer suprir lacuna ou ausência de regulamentação de direito previsto em norma infraconstitucional, e muito menos de legislação que se refere a eventuais prerrogativas a serem estabe-

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lecidas discricionariamente pela União. No presente caso, não existe norma constitucional que confi ra o direito que, segundo os impetrantes, estaria à espera de regulamentação. Como ressaltou o Procurador-Geral da República, a União não está obrigada a legislar sobre a matéria, porque não existe, na Constituição Federal, qualquer preceito consubstanciador de determinação constitucional para se que legisle, especifi camente, sobre exploração de jogos de bingo. Agravo regimental desprovido.

Impossibilidade de concessão de liminar

STF — AC 124 AgR/PR, Rel. Min. Marco Aurélio — Tribunal Pleno, j. em 23.09.2004

MANDADO DE INJUNÇÃO — LIMINAR. Os pronunciamentos da Corte são reiterados sobre a impossibilidade de se implementar liminar em mandado de injunção — Mandados de Injunção nºs 283, 542, 631, 636, 652 e 694, relatados pelos ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Ilmar Galvão, Maurício Corrêa, Ellen Gracie e por mim, respectivamente. AÇÃO CAUTELAR — LIMINAR. Descabe o ajuizamento de ação cautelar para ter-se, relativamente a mandado de injunção, a concessão de medida acauteladora.

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94 Art. 113, n. 33 da Constituição Federal

de 1934: “dar-se-á Mandado de Segu-

rança para defesa de direito certo e in-

violável, ameaçado ou violado por ato

manifestamente inconstitucional ou

ilegal de qualquer autoridade. O pro-

cesso será o mesmo do habeas corpus,

devendo sempre ser ouvida a pessoa

de direito público interessada. O man-

dado não prejudica as ações petitórias

competentes” - in PEREIRA, Helio do

Valle. Manual da Fazenda Pública em

Juízo – 2ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar,

2006, p. 238.

95 PEREIRA, Helio do Valle. Manual da

Fazenda Pública em Juízo – 2ª Ed. Rio de

Janeiro: Renovar, 2006, p. 238.

AULAS 21 A 24: MANDADO DE SEGURANÇA — INDIVIDUAL E COLETIVO

A — CASO

Você, como advogado(a), em 01/02/2012 recebe em seu escritório um cliente que lhe relata que impetrou mandado de segurança em 10/01/2012 para participar de um concurso público que ocorrerá em 01/03/2012, tendo-lhe sido denegada a segurança pleiteada pelo magistrado por insufi ciência de provas. O cliente lhe relata que o advogado anterior deixou de juntar diversos documentos que ele havia lhe entregado, tais como: edital do concurso, fi -chas de inscrição e pagamento, atos internos da instituição que comprovavam a possibilidade de participação na seleção, diplomas que comprovavam sua qualifi cação dentro do certame e cópias de documentos pessoais. Analisando o caso, você percebe que a documentação do cliente é capaz de comprovar o seu direito de se candidatar à vaga e participar do concurso em igualdade de condições com os demais candidatos. Partindo desta premissa, qual me-dida judicial você adotaria para que seu cliente possa participar do concurso a tempo? Seria possível a impetração de novo mandado de segurança ou há óbice pela coisa julgada material? Fundamente sua resposta.

B — BREVE NOTA HISTÓRICA

A origem do mandado de segurança remonta à Constituição de 193494, sendo regulamentado pela Lei n. 191/36, posteriormente substituída pelo Código de Processo Civil de 1939. Após, nova regulamentação específi ca foi dada pela Lei n. 1.533/51, ao lado de diversos diplomas esparsos que tam-bém veiculavam algumas regras sobre o instituto (como, por exemplo, a Lei n. 4.348/64 e a Lei n. 5.021/66)95. Atualmente, o mandado de segurança é objeto da Lei n. 12.016/2009.

Pode-se dizer que o mandado de segurança é um instrumento que surgiu com o objetivo de se garantir ao administrado maior celeridade e efetividade em sua tramitação, de modo que se possa assegurar direitos líquidos e certos em um pequeno espaço de tempo em causas que envolvam o Poder Público.

C — FEIÇÃO CONSTITUCIONAL

Segundo o texto “Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o res-

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FGV DIREITO RIO 112

96 THEODORO JÚNIOR, Humberto. O

mandado de segurança segundo a Lei n.

12.016, de 07 de agosto de 2009. Rio de

Janeiro: Forense, 2009, p.2.

97 MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de

segurança. 31ª ed. atualizada por Ar-

noldo Wald e Gilmar Ferreira Mendes.

São Paulo: Malheiros, 2008, p. 22.

98 THEODORO JÚNIOR, Humberto. O

mandado de segurança segundo a Lei n.

12.016, de 07 de agosto de 2009. Rio de

Janeiro: Forense, 2009, p.3.

ponsável pela ilegalidade ou abuso do poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do poder público” (CRFB/88, artigo 5º, LXIX).

D — CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

Mandado de segurança é o remédio processual constitucional, manejável contra ato de qualquer autoridade pública que cometa ilegalidade ou abuso de poder, tendo como objetivo proteger o titular de direito líquido e certo não amparado por habeas corpus ou habeas data96.

LOPES MEIRELLES conceitua o mandado de segurança como “o meio constitucional posto à disposição de toda pessoa física ou jurídica (...) para pro-teção de direito individual ou coletivo, líquido e certo, (...) lesado ou ameaçado de lesão, por ato de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça”97.

O mandado de segurança pode ser individual ou coletivo, e pode ser in-terposto nas modalidades preventiva (quando houver ameaça de lesão) ou repressiva (quando a lesão efetivamente já ocorreu).

Segundo THEODORO JÚNIOR, quanto à natureza do mandado de se-gurança, este seria um “procedimento especial com imediata e implícita força executiva contra os atos administrativos. Acolhida a segurança impetrada, o juiz vai além da simples declaração e condenação. Expede ordem de autorida-de para cumprimento imediato. Fala-se, por isso, em ação mandamental”98.

E — REQUISITOS PARA A IMPETRAÇÃO DO MANDADO DE SEGURANÇA

Liquidez e certeza do direito alegado

Primeiramente, defi ne-se direito líquido e certo como aquele que se apre-senta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. Em última análise, direito líquido e certo é o direito que pode ser comprovado “de plano”, ou seja, sem dilação probatória, por meio de elementos já acompanhados da inicial.

Por esta razão, a dilação probatória não se mostra admissível no proce-dimento especial do mandado de segurança, pois uma fase instrutória mais complexa, demorada, seria completamente incompatível com tal remédio, que, tendo em vista seu caráter eminentemente emergencial, demanda maior celeridade e simplicidade no seu processamento.

A doutrina tem mencionado uma mitigação à regra de que a prova deve ser apresentada de plano, com base na norma prevista no art. 6º da Lei nº 12.016/2009.

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99 Enunciado n. 625 da Súmula do STF:

Controvérsia sobre matéria de direito

não impede concessão do Mandado de

Segurança.

100 THEODORO JÚNIOR, Humberto. O

mandado de segurança segundo a Lei n.

12.016, de 07 de agosto de 2009. Rio de

Janeiro: Forense, 2009, p. 20.

101 GOMES, William Akerman. Mandado

de segurança. Jus Navigandi, Teresina,

ano 17, n. 3146, 11 fev. 2012. Dispo-

nível em: http://jus.com.br/revista/

texto/21060, p. 2.

102 STJ, Terceira Seção, MS 13.816/DF,

Relator Ministro Napoleão Nunes Maia

Filho. Data: 04/06/2009.

Em verdade, cuida-se de uma regra de inversão do ônus probatório para que se mantenha o equilíbrio da relação processual, em razão da maior faci-lidade de acesso que a autoridade impetrada tem à documentação necessária para a elucidação dos fatos, pois em sede de mandado de segurança sempre estará sendo discutido um ato da Administração Pública, sendo certo que em várias situações existe sigilo e difi culdade de obtenção das informações por simples iniciativa do administrado.

Importante destacar, por fi m, que a controvérsia acaso existente apenas sobre a matéria de direito, por complexa que seja, não impedirá a concessão do man-dado de segurança de acordo com o Enunciado n. 625 do STF99, pois “inter-pretar, defi nir e aplicar o direito é função técnica e dever institucional do órgão judicial, de que não pode eximir-se a pretexto de difi culdades exegéticas”100.

F — OBSERVÂNCIA DO PRAZO PARA IMPETRAÇÃO DO MANDADO DE SEGURANÇA

O art. 23 da Lei nº 12.016/2009 prevê expressamente o prazo de 120 dias para impetração, o qual somente é aplicável ao mandado de segurança em sua modalidade repressiva, ou seja, quando já ocorrida a lesão por ato de autori-dade pública. Em caso de mandado de segurança preventivo, que tem como requisito a existência de uma ameaça de lesão a um direito líquido e certo, ainda não existe qualquer ato a ser atacado, razão pela qual o prazo não fl ui101.

Da mesma forma, o prazo também não se aplica a casos em que se consta-ta uma omissão do Poder Público, ressalvada a possibilidade de sua fl uência quando o ato que deveria ser praticado tiver expressamente algum prazo esti-pulado por lei para ser praticado pela autoridade tida como coatora.

Em casos de relações de trato sucessivo, ou seja, com previsão de presta-ções periódicas, o prazo para impetração do mandado de segurança se renova mês a mês, de sorte que a decadência não se opera102.

Para a maior parte da doutrina o prazo a que alude o art. 23 da Lei 12.016/2009 seria decadencial, pois, uma vez ultrapassado, extinguirá a pos-sibilidade de o interessado se valer do mandado de segurança em face da au-toridade coatora. Nada impede, no entanto, que maneje uma ação ordinária versando sobre idêntica pretensão, com pedido de liminar, uma vez constata-da a urgência e comprovação de plano da lesão.

Importante ressaltar que, considerando-se este prazo como decadencial, seguirá este as mesmas regras do Código de Processo Civil, não se submeten-do a nenhuma causa de suspensão ou de interrupção.

Vale salientar que, de acordo com decisão do Superior Tribunal de Justiça, caso o prazo se encerre em feriado forense, ou seja, dia não útil, deverá ser prorrogado para o primeiro dia útil seguinte. Por outro lado, não se manifes-

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

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103 Art. 49 da Lei 9.784/99: Concluída a

instrução de processo administrativo, a

Administração tem o prazo de até trinta

dias para decidir, salvo prorrogação

por igual período expressamente mo-

tivada.

104 GOMES, William Akerman. Mandado

de segurança. Jus Navigandi, Teresina,

ano 17, n. 3146, 11 fev. 2012. Dispo-

nível em: http://jus.com.br/revista/

texto/21060, p. 3.

tou o Colendo STJ quanto à natureza do prazo para a impetração do man-dado de segurança, prevalecendo ainda o entendimento doutrinário de que este seria decadencial.

Por fi m, de acordo com o Enunciado 632 da Súmula do STF “É constitu-cional lei que fi xa o prazo de decadência para a impetração do Mandado de Segurança”. Resta, portanto, ao lado da constitucionalidade do aludido pra-zo, evidente o entendimento do STF também no sentido de que sua natureza é decadencial, em consonância com a doutrina majoritária.

G — OBJETO DO MANDADO DE SEGURANÇA

O objeto do mandado de segurança é o ato administrativo praticado ou que deveria ser praticado por autoridades públicas ou equiparados no exercí-cio de função típica do Poder Público.

Como já visto no art. 1º, § 2º da Lei 12.016/2009, não podem ser objeto do mandado de segurança atos de mera gestão, mesmo que praticados pelo Poder Público, pois não estão relacionados à realização do interesse público primário.

O art. 5º, I, a, da Lei nº 12.016/2009, por sua vez, estabelece que não cabe MS se for cabível, em face do ato, recurso administrativo com efeito sus-pensivo e sem caução. No entanto, há entendimento consolidado em alguns julgados do STJ, no sentido de que o impetrante pode deixar de recorrer na esfera administrativa ingressando diretamente com o MS, pois o dispositivo em questão não poderia ser interpretado como uma exigência de esgotamen-to da esfera administrativa, sob pena de violar a inafastabilidade do controle jurisdicional, a garantia do acesso à justiça.

Por outro lado, de acordo com o entendimento jurisprudencial supra, se o recurso administrativo já tiver sido interposto anteriormente à impetração do mandado de segurança, carecerá interesse de agir à parte interessada, salvo se o julgamento do recurso ultrapassar prazo legalmente previsto no art. 49 da Lei 9.784/99103.

Em caso de decisões irrecorríveis, como é o caso das decisões interlocutó-rias em sede de Juizados Especiais, grande parte da doutrina e jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e Turmas Recursais do Rio de Janeiro admi-tiam a impetração do mandado de segurança para afastar eventuais prejuízos aos litigantes.

Contudo, o STF se manifestou, em 2009, no julgamento do RE 576.87/BA [03], com repercussão geral, no sentido de que não cabe MS em face das decisões interlocutórias dos juizados. Não se poderia aplicar subsidiariamente o CPC nesse ponto, porque o sistema recursal dos juizados é próprio, pre-visto de maneira específi ca. Admitir o Mandado de Segurança representaria uma contrariedade aos objetivos dos juizados104.

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

FGV DIREITO RIO 115

105 Art. 5º, incisos I a III da Lei

12.016/2009.

106 Art. 14, § 4º da Lei 12.106/2009:

O pagamento de vencimentos e van-

tagens pecuniárias assegurados em

sentença concessiva de mandado de

segurança a servidor público da admi-

nistração direta ou autárquica federal,

estadual e municipal somente será

efetuado relativamente às prestações

que se vencerem a contar da data do

ajuizamento da inicial.

De acordo com a Lei 12.016/2009105 também não podem ser objeto de mandado de segurança:

a) ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo, in-dependentemente de caução;

b) decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo;c) decisão judicial transitada em julgado.

E, conforme a jurisprudência dos Tribunais superiores, não é cabível man-dado de segurança nas seguintes situações:

a) em face de lei em tese, ou seja, norma geral e abstrata (Enunciado n. 266 da Súmula do STF);

b) contra ato judicial passível de recurso ou correição (Enunciado n. 267 da Súmula do STF);

c) contra decisão judicial com trânsito em julgado (Enunciado n. 268 da Súmula do STF, com teor absorvido pela norma do inciso III do art. 5º da Lei 12.016/2009);

d) quando utilizado como meio substitutivo da ação de cobrança em relação a valores vencidos antes da impetração do mandamus, os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via judi-cial própria (Art. 14, § 4º da Lei 12.016/2009106 e Enunciados 269 e 271 da Súmula do STF).

H — COMPETÊNCIA CONSTITUCIONALMENTE DEFINIDA

• Supremo Tribunal Federal: Art. 102, CRFB/88: Compete ao Supre-mo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, ca-bendo-lhe: I — processar e julgar, originariamente: d) o habeas corpus, sendo paciente qualquer das pessoas referidas nas alíneas anteriores; o mandado de segurança e o habeas data contra atos do Presidente da República, das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do Procurador-Geral da República e do próprio Supremo Tribunal Federal; II — julgar, em recurso or-dinário: a) o habeas corpus, o mandado de segurança, o habeas data e o mandado de injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão.

• Superior Tribunal de Justiça: Art. 105, CRFB/88: I — processar e julgar originariamente: b) os mandados de segurança e os habeas data contra ato de Ministro de Estado, dos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica ou do próprio Tribunal. (Redação dada pela

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

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107 Cabe ressaltar que a Lei 12.016/09

só menciona como legitimado ativo as

pessoas físicas e jurídicas (art. 1º). En-

tretanto, tratando-se de direitos funda-

mentais constitucionais, argumenta-se

que a interpretação deve ser a mais am-

pla possível. Além disso, a Constituição,

em nenhum momento, teria restringi-

do o cabimento do remédio à pessoa

humana. Nesse sentido: MEIRELLES,

Hely Lopes; WALD, Arnoldo; MENDES,

Gilmar Ferreira. Mandado de Seguran-

ça e Ações Constitucionais. 33ª ed. São

Paulo: Malheiros, 2010, págs. 65-67.

Emenda Constitucional n0. 23, de 1999.); II — julgar, em recurso ordinário: b) os mandados de segurança decididos em única instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando denegatória a decisão.

• Tribunal Regional Federal: Art. 108, CRFB/88: I — processar e jul-gar, originariamente: c) os mandados de segurança e os habeas data contra ato do próprio Tribunal ou de juiz federal. Justiça Federal (1ª instância) Art. 109, CRFB/88: VIII — os mandados de segurança e os habeas data contra ato de autoridade federal, excetuados os casos de competência dos tribunais federais.

• Justiça do Trabalho: Art. 114, CRFB/88: IV — os mandados de segu-rança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição. (Incluído pela Emenda Constitucio-nal n0. 45, de 2004).

• Justiça Eleitoral: Art. 121, CRFB/88: § 3º — São irrecorríveis as de-cisões do Tribunal Superior Eleitoral, salvo as que contrariarem esta Constituição e as denegatórias de habeas corpus e de mandado de segu-rança. § 4º — Das decisões dos Tribunais Regionais Eleitorais somen-te caberá recurso quando: V — denegarem habeas corpus, mandado de segurança, habeas data ou mandado de injunção.

• Justiça Estadual: Art. 125, CRFB/88: Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição. § 1º — A competência dos tribunais será defi nida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça.

I — ESQUEMA BÁSICO DA TRAMITAÇÃO PROCESSUAL

O procedimento do mandado de segurança é aquele previsto na Lei nº 12.016/09, com aplicação subsidiária do Código de Processo Civil. Pode ser impetrado diante da ameaça concreta de ofensa a direito líquido e certo (mandado de segurança preventivo) ou na hipótese de a violação já ter se consumado (mandado de segurança repressivo).

Polo ativo: Pessoa física ou jurídica, órgão com capacidade processual ou universalidade reconhecida em lei107. Também é possível que o titular de di-reito líquido e certo decorrente de direito de terceiro impetre mandado de segurança, caso o titular não o faça em trinta dias, contados de sua notifi ca-ção judicial (arts. 1º e 3º, Lei 12.016/09).

Polo passivo: o impetrado é a autoridade coatora, cujo conceito, para os fi ns da Lei, está previsto no art. 6º, § 3º (v. também art. 2º). De todo modo, o órgão de representação judicial da pessoa jurídica que a autoridade coatora

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FGV DIREITO RIO 117

108 Encontra-se pendente de julgamen-

to Ação Direta de Inconstitucionalidade

(ADI 4.296/DF) ajuizada pelo Conse-

lho Federal da OAB contra o referido

dispositivo, alegando-se ofensa aos

arts. 50, XXXV (acesso à justiça) e LXIX,

CRFB/88 (concessão do mandado de

segurança). Andamento processual

disponível em: www.stf.jus.br/portal/

processo/verProcessoAndamento.

asp?incidente=3755382. Acesso em:

24/04/2011.

integra deve ser cientifi cada, para, querendo, integrar o pólo passivo da ação na condição de litisconsorte (art. 7º, II).

Liminar: art. 7º, III, Lei 12.016/09108. É concedida por ocasião do des-pacho inicial do juiz em havendo fundamento relevante, e quando do ato impugnado puder resultar a inefi cácia da medida. Para a concessão da liminar é possível exigir do impetrante caução, fi ança ou depósito com o propósito de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica.

Quanto à petição inicial (art. 6º, Lei 12.016/09), o direito deve ser com-provado de plano na petição inicial, não se admitindo dilação probatória (direito líquido e certo). A liquidez e certeza do direito não se confundem com a complexidade do tema (v. súmula 625, STF). Se a documentação para a comprovação do direito estiver em poder do próprio impetrado, o juiz pode determinar, preliminarmente, a exibição do documento, na forma do art. 6º, §1º da Lei.

O mandado de segurança repressivo se sujeita ao prazo decadencial de 120 (cento e vinte) dias, contados da ciência do ato impugnado (art. 23, Lei 12.016/09). O referido prazo não é interrompido pelo pedido de reconside-ração na via administrativa (súmula 430, STF). Ressalte-se que a constitu-cionalidade do referido prazo já foi apreciada pelo Supremo Tribunal Fede-ral, culminando na edição da súmula 632, ainda sob a égide da antiga Lei 1.533/51. Contudo, fi ndo este prazo, não há impedimento para que o titular do direito violado acione o Poder Judiciário por meio das vias ordinárias. O processo tem prioridade de tramitação sobre os demais, exceto sobre o habeas corpus (v. art. 20, Lei 12.016/09).

Despacho judicial para (i) notifi cação do coator para prestar informações em 10 (dez) dias; (ii) dar ciência do feito ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada, para que, querendo, ingresse no feito; (iii) suspender o ato impugnado (quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a inefi cácia da medida), sendo possível exigir do impetrante caução, fi ança ou depósito com o propósito de assegurar o ressar-cimento à pessoa jurídica.

A decisão do juiz que concede/nega a liminar desafi a agravo de instrumen-to. A menos que seja revogada/cassada, os efeitos da liminar persistem até a sentença (v. art. 7º, Lei 12.016/09).

Oitiva do Ministério Público após o decurso do prazo para o coator pres-tar as informações. O MP atua como custos legis, devendo manifestar-se no prazo improrrogável de 10 (dez) dias (art. 12, Lei 12.016/09). Logo após o processo irá para a conclusão, devendo ser decidido em 30 (trinta) dias (art.12, parágrafo único, Lei 12.016/09).

Recursos cabíveis: a decisão que concede ou não a segurança desafi a o recurso de apelação. No caso de concessão da segurança (decisão contrária ao impetrado), haverá duplo grau obrigatório de jurisdição. Contudo, há pre-

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

FGV DIREITO RIO 118

109 Art. 23 da Lei 12.016/2009: O direito

de requerer mandado de segurança

extinguir-se-á decorridos 120 (cento e

vinte) dias, contados da ciência, pelo

interessado, do ato impugnado.

110 THEODORO JÚNIOR, Humberto. O

mandado de segurança segundo a Lei n.

12.016, de 07 de agosto de 2009. Rio de

Janeiro: Forense, 2009, p. 40.

111 Tema abordado no ponto 1.4 da pre-

sente apostila.

visão legal para a execução provisória da sentença concessiva, salvo nos casos em que não for possível a concessão da liminar (v. art. 14, Lei 12.016/09). Há possibilidade de suspensão da segurança (da execução da liminar e da sentença), com fulcro no art. 15, Lei 12.016/09. Esta decisão, proferida pelo Presidente do Tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, desafi a o recurso de agravo (prazo de cinco dias).

Não fará coisa julgada material a sentença que denegar a segurança por in-sufi ciência de provas ou não comprovação do direito líquido e certo, ocasião em que ao impetrante será oportunizada a veiculação da mesma pretensão por meio de ação sob o rito ordinário.

Se houver denegação da segurança por ausência de liquidez e certeza do direito ainda dentro do prazo decadencial a que alude o art. 23 da Lei 12.016/2009109, poderá ainda o impetrante renovar a propositura do manda-do de segurança, exibindo provas adequadas não apresentadas anteriormente.

Quanto às regras especiais aplicáveis ao mandado de segurança, a primeira regra especial dispõe que em sede de mandado de segurança não se admite condenação em honorários advocatícios. Esta regra está prevista expressa-mente no art. 25 da Lei 12.016/2009, na qual se consagrou entendimento anteriormente já pacifi cado nos Enunciados n. 512 da Súmula do STF e n. 102 da Súmula do STJ.

No que concerne à execução de prestações vencidas após a impetração do mandado de segurança, resta controversa na doutrina e na jurisprudência qual seria a forma de pagamento, se haveria ou não subsunção ao regime de precatórios.

THEODORO JÚNIOR destaca a existência de duas correntes no Supe-rior Tribunal de Justiça, verifi cando-se julgamentos desta Corte no sentido de se reclamar a execução pelos padrões normais de condenações em face da Fazenda Pública, adotando-se aqui o regime dos Precatórios, e outros que entenderam ser exequível em sede de mandado de segurança por mandado de pagamento, dado o caráter emergencial do remédio constitucional adotado. Para THEODORO JÚNIOR, o melhor entendimento seria de que a exe-cução habitual prevista no art. 730 do CPC em face da Fazenda Pública não se demonstraria compatível com o rito célere do mandado de segurança110.

Todavia, este entendimento esbarra na exigência constitucionalmente prevista no art. 100 da Constituição, que adota nas condenações em face da Fazenda Pública o regime de precatórios, sem exceções, abrandando tal exigência por meio do requisitório de pagamento (RPV) em se tratando de valores inferiores ao teto dos juizados especiais.

No caso do mandado de segurança, não há uma limitação de valores, mas a condenação, como já vimos111, só poderá ser referente a valores vencidos a partir da impetração do mandado de segurança, pois este remédio não possui o condão de executar quantias pretéritas.

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

FGV DIREITO RIO 119

112 “Por leis e decretos de efeitos concre-

tos entendem-se aqueles que trazem em

si mesmos o resultado específi co preten-

dido, tais como as leis que aprovam pla-

nos de urbanização, as que fi xam limites

territoriais, as que criam municípios ou

desmembram distritos, as que conce-

dem isenções fi scais, as que proíbem

atividades ou condutas individuais; os

decretos que desapropriam bens, os que

fi xam tarifas, os que fazem nomeações e

outros dessa espécie. Tais leis ou decretos

nada têm de normativos; são atos de

efeitos concretos, revestindo a forma im-

própria de lei ou decreto por exigências

administrativas”. In: MEIRELLES, Hely

Lopes; WALD, Arnoldo; MENDES, Gilmar

Ferreira. Mandado de segurança e Ações

Constitucionais. 33ª ed. São Paulo: Ma-

lheiros, 2010, pág. 40.

Por fi m, registre-se a existência de entendimento doutrinário híbrido, se-gundo o qual prestações vencidas a contar do ajuizamento do mandado de segurança seriam pagas independentemente de precatório (em remissão ao art. 1º, caput da Lei 5.021/66) e prestações vencidas a partir da impetração do mandamus teriam sua liquidação e execução sujeitas às normas do art. 100 da Constituição da República de 1988 e do art. 730 do Código de Processo Civil.

Todavia, observa-se na prática, que todas as quantias pagas em sede de mandado de segurança têm seguido o regime de precatórios, podendo-se expedir RPV quando o valor for inferior a 60 salários mínimos na Justiça Federal, e 40 salários mínimos na Justiça Estadual, pois grande parte dos ma-gistrados prefere se ater à literalidade do dispositivo constitucional na medida em que este não excepciona expressamente a execução de valores em sede de mandado de segurança.

J — MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO

Segundo o texto constitucional, art. 50, LXX, CRFB/88, o mandado de segurança coletivo poderá ser impetrado por: a) partido político com repre-sentação no Congresso Nacional; b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados.

K — QUESTIONÁRIO

a) Em que medida o mandado de segurança é instrumento para a tutela coletiva de direitos?

b) Para fi ns de mandado de segurança, quem é considerado “autoridade”?c) Qual é o signifi cado da expressão “direito líquido e certo”?d) João da Silva, militar das forças armadas, teve sua prisão administrativa

imposta por um ofi cial em razão de suposta insubordinação. A decisão não foi fundamentada, tendo o ofi cial deixado de fornecer os motivos da prisão e de descrever a conduta que teria caracterizado a insubordinação. Consta do procedimento apenas uma menção genérica a “violação de hierarquia”. Considerando que a prisão de João foi arbitrária e, ainda, que, de acordo com a Constituição Federal, “não caberá habeas corpus em relação a punições administrativas militares” (art. 142, § 2º), seria admissível a impetração de mandado de segurança?

e) É cabível a impetração de mandado de segurança no curso do processo penal? Ou apenas o habeas corpus pode ser impetrado?

f ) É cabível o mandado de segurança contra uma lei de efeitos concretos112?

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g) É cabível mandado de segurança contra sentença arbitral ilegal?h) O decurso do prazo decadencial para impetração do mandado de segu-

rança inviabiliza o questionamento judicial do ato ilegal emanado da autori-dade coatora?

i) Indique uma hipótese em que deverá ocorrer a perempção ou a caduci-dade de uma medida liminar em decorrência da inércia do impetrante.

j) É admissível a oitiva de testemunhas durante o procedimento do man-dado de segurança?

k) As informações prestadas pela autoridade coatora são uma espécie de contestação à pretensão formulada pelo impetrante?

l) Qual é o recurso cabível da decisão do juiz relativa à petição inicial do mandado de segurança?

m) Qual a natureza do litisconsórcio formado no pólo passivo do manda-do de segurança?

L — DOUTRINA

Leitura obrigatória (o aluno pode escolher uma das obras indicadas)

BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil, vol. 2, tomo III (direito processual coletivo e direito processual público). São Paulo: Saraiva — Capítulo 1 da Parte I (mandado de segurança) e Capítulo 3 da Parte II (mandado de segurança coletivo).

MEIRELLES, Hely Lopes; WALD, Arnoldo; MENDES, Gilmar Ferreira. Mandado de Segurança e Ações Constitucionais. São Paulo: Malheiros — Primeira parte (mandado de segurança).

Leitura adicional

SOUSA. José Augusto Garcia de. A instrumentalidade do processo a serviço dos direitos fundamentais. Memorial sustentando o cabimento de embar-gos infringentes em processo de mandado de segurança versando sobre direitos fundamentais (mais especifi camente, o próprio direito à vida). Re-vista Síntese Direito Civil e Processo Civil, nº 72, jul./ago. 2011, p. 41-58.

ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais — Capítulo 8 (tute-la coletiva por mandado de segurança).

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M — JURISPRUDÊNCIA

STJ — MS 14909/DF, Rel. Min. Adilson Vieira Macabu (Desembar-gador convocado do TJ-RJ) — Terceira Seção, j. em 23.03.2011.

MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. ANISTIA POLÍTICA. LEI N.º 10.559/2002. PORTARIA DO MINISTRO DA JUS-TIÇA. INDUBITÁVEL OMISSÃO DO MINISTRO DE ESTADO DA DEFESA NO SEU INTEGRAL CUMPRIMENTO. CABIMENTO DO WRIT. DECADÊNCIA AFASTADA. COMPROVAÇÃO DA DISPONI-BILIDADE ORÇAMENTÁRIA. INOBSERVÂNCIA DO PRAZO DE SESSENTA DIAS. RECONHECIMENTO DO DIREITO LÍQUIDO E CERTO DO IMPETRANTE AO INTEGRAL CUMPRIMENTO DA PORTARIA. EFEITOS RETROATIVOS. SEGURANÇA CONCEDIDA. PRECEDENTES.

1. Consoante entendimento pacifi cado nesta Terceira Seção, em sintonia com o adotado pelo Supremo Tribunal Federal, restou sedimentada a tese segundo a qual o mandado de segurança é a via adequada para se pleitear o cumprimento integral de portaria que reconhece a condição de anistiado político. Precedentes.

2. O Superior Tribunal de Justiça, por intermédio da sua remansosa ju-risprudência, assentou-se no sentido de que, em se tratando de mandado de segurança contra ato omissivo de Ministro de Estado em cumprir, parcial ou integralmente, o disposto em portaria concessiva de anistia política, deve ser afastada a pretensão de decadência do direito. Em verdade, vê-se, de modo insofi smável, que se trata de ato omissivo continuado, ou seja, que se renova seguidamente. Precedentes.

3. Não pairando dúvidas quanto à existência de disponibilidade orçamen-tária, após a edição da Lei nº 10.726/03 que forneceu crédito especial ao Ministério da Defesa, bem como em relação à indubitável omissão da au-toridade impetrada em dar fi el cumprimento ao ato declaratório de anistia política ao impetrante, no prazo legal de sessenta dias, resta evidenciado o seu direito líquido e certo ao recebimento dos efeitos fi nanceiros retroativos da reparação econômica. Precedentes.

4. Segurança concedida.

STJ — REsp 1200324/MS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques — Segunda Turma, j. em 15.03.2011

ADMINISTRATIVO. REMUNERAÇÃO MENSAL PELO USO DAS VIAS PÚBLICAS INSTITUÍDA POR LEI COMPLEMENTAR. MAN-DADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. CABIMENTO. DIFEREN-ÇA COM IMPETRAÇÃO CONTRA LEI EM TESE. PRAZO DECA-DENCIAL. INEXISTÊNCIA.

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FGV DIREITO RIO 122

1. Se a lei tem efeitos concretos e já nasce ferindo direito subjetivo, o man-dado de segurança é via adequada para a recomposição deste direito.

2. Tal raciocínio aplica-se ao presente confl ito, pois o recorrente impetrou a segurança no sentido de evitar uma futura lesão, decorrente de um ato administrativo de cobrança, estabelecida por meio da Lei Complementar n. 123/08, o qual dispôs sobre a permissão de uso de bens públicos mediante pagamento de importância em dinheiro denominada “preço público”.

3. Tal comando traz efeitos concretos e imediatos para a Concessionária de Serviço Público.

4. A jurisprudência deste Tribunal é pacífi ca no sentido de que, em se tratando de mandado de segurança preventivo, não se aplica o prazo deca-dencial de 120 dias previsto no art. 18 da Lei n. 1.533/51 (vigente à época da impetração).

5. Assim, impõe-se a devolução dos autos à instância de origem, para que prossiga no exame do mandamus, afastada as premissas de que não são ca-bíveis mandado de segurança no presente caso, e de que houve decadência.

6. Recurso especial provido.

STJ — MS 9.575/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki — Corte Espe-cial, j. em 19.12.2007

PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ACÓRDÃO DE TURMA DO STJ. IMPOSIÇÃO DE MULTA POR EM-BARGOS DE DECLARAÇÃO CONSIDERADOS MANIFESTAMEN-TE PROTELATÓRIOS. INEXISTÊNCIA DE OFENSA A DIREITO LÍ-QUIDO E CERTO.

1. O mandado de segurança não é instrumento com natureza substitutiva de recurso ordinário (não previsto em lei ou não utilizado pela parte). Mes-mo quando excepcionalmente admitido em face de ato judicial, não perde sua natureza de ação constitucional destinada à defesa de direito subjetivo líquido e certo, ameaçado ou violado por ato ilegal ou praticado com abuso de poder (CF, art. 5º, LXIX).

2. No caso, não foi abusiva nem ilegal a decisão atacada. A multa imposta à impetrante tem previsão legal (art. 538 do CPC) e sua imposição foi devida-mente justifi cada, nomeadamente pela circunstância de se tratar de segundos embargos declaratórios, claramente incabíveis, já que reproduziram alegações contidas nos primeiros embargos, com manifesto propósito infringente.

3. Segurança denegada.

Enunciados da Súmula do STFSúmula 101 — O mandado de segurança não substitui a ação popular.Súmula 248 — É competente, originariamente, o Supremo Tribunal Fede-

ral, para mandado de segurança contra ato do Tribunal de Contas da União.

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FGV DIREITO RIO 123

Súmula 266 — Não cabe mandado de segurança contra lei em tese.Súmula 267 — Não cabe mandado de segurança contra ato judicial pas-

sível de recurso ou correição.Súmula 268 — Não cabe mandado de segurança contra decisão judicial

com trânsito em julgado.Súmula 269 — O mandado de segurança não é substitutivo de ação de

cobrança.Súmula 270 — Não cabe mandado de segurança para impugnar enqua-

dramento da Lei nº 3.780/60, que envolva exame de prova ou de situação funcional complexa.

Súmula 271 — Concessão de mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais em relação a período pretérito, os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via judicial própria.

Súmula 294 — São inadmissíveis embargos infringentes contra decisão do Supremo Tribunal Federal em mandado de segurança.

Súmula 304 — Decisão denegatória de mandado de segurança, não fa-zendo coisa julgada contra o impetrante, não impede o uso da ação própria.

Súmula 330 — O Supremo Tribunal Federal não é competente para co-nhecer de mandado de segurança contra atos dos Tribunais de Justiça dos Estados.

Súmula 392 — O prazo para recorrer de acórdão concessivo de segurança conta-se da publicação ofi cial de suas conclusões, e não da anterior ciência à autoridade para cumprimento da decisão.

Súmula 405 — Denegado o mandado de segurança pela sentença, ou julgamento do agravo, dela interposto, fi ca sem efeito a liminar concedida, retroagindo os efeitos da decisão contrária.

Súmula 429 — A existência de recurso administrativo com efeito suspen-sivo não impede o uso do mandado de segurança contra omissão da autori-dade.

Súmula 430 — O pedido de reconsideração na via administrativa não interrompe o prazo para mandado de segurança.

Súmula 433 — É competente o Tribunal Regional do Trabalho para julgar mandado de segurança contra ato de seu presidente em execução de sentença trabalhista.

Súmula 474 — Não há direito líquido e certo, amparado pelo mandado de segurança, quando se escuda em lei cujos efeitos foram anulados por ou-tra, declarada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal.

Súmula 510 — Praticado o ato por autoridade, no exercício de competên-cia delegada, contra ela cabe o mandado de segurança ou a medida judicial.

Súmula 512 — Não cabe condenação em honorários de advogado na ação de mandado de segurança.

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Súmula 597 — Não cabem embargos infringentes de acórdão que, em mandado de segurança decidiu, por maioria de votos, a Apelação.

Súmula 623 — Não gera por si só a competência originária do Supremo Tribunal Federaç para conhecer do mandado de segurança com base no art. 102, I, “n”, da Constituição, dirigir-se o pedido contra deliberação admi-nistrativa do Tribunal de Origem, da qual haja participado a maioria ou a totalidade de seus membros.

Súmula 624 — Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer ori-ginariamente de mandado de segurança contra atos de outros tribunais.

Súmula 625 — Controvérsia sobre matéria de direito não impede conces-são de mandado de segurança.

Súmula 626 — A suspensão da liminar em mandado de segurança, salvo determinação em contrário da decisão que a deferir, vigorará até o trânsito em julgado da decisão defi nitiva de concessão da segurança ou, havendo recurso, até a sua manutenção pelo Supremo Tribunal Federal, desde que o objeto da liminar deferida coincida, total ou parcialmente, com o da impetração.

Súmula 627 — No mandado de segurança contra a nomeação de magis-trado da competência do Presidente da República, este é considerado autori-dade coatora, ainda que o fundamento da impetração seja nulidade ocorrida em fase anterior do procedimento.

Súmula 628 — Integrante de lista de candidatos a determinada vaga da composição de tribunal é parte legítima para impugnar a validade da nome-ação de concorrente.

Súmula 629 — A impetração de mandado de segurança coletivo por enti-dade de classe em favor dos associados independe de autorização destes.

Súmula 630 — A entidade de classe tem legitimação para o mandado de segurança ainda quando a pretensão veiculada interesse apenas a uma parte da respectiva categoria.

Súmula 631 — Extingue-se o processo de mandado de segurança se o im-petrante não promove, no prazo assinado, a citação do litisconsorte passivo necessário.

Súmula 632 — É constitucional lei que fi xa o prazo de decadência para a impetração de mandado de segurança.

Súmula 701 — No mandado de segurança impetrado pelo Ministério Público contra decisão proferida em processo penal, é obrigatória a citação do réu como litisconsorte passivo.

Enunciados da Súmula do STJSúmula 41 — O Superior Tribunal de Justiça não tem competência para

processar e julgar, originariamente, mandado de segurança contra ato de ou-tros tribunais ou dos respectivos órgãos.

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Súmula 105 — Na ação de mandado de segurança não se admite conde-nação em honorários advocatícios.

Súmula 169 — São inadmissíveis embargos infringentes no processo de mandado de segurança.

Súmula 177 — O Superior Tribunal de Justiça é incompetente para pro-cessar e julgar, originariamente, mandado de segurança contra ato de órgão colegiado presidido por Ministro de Estado.

Súmula 202 — A impetração de segurança por terceiro, contra ato judi-cial, não se condiciona à interposição de recurso.

Súmula 213 — O mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária.

Súmula 333 — Cabe mandado de segurança contra ato praticado em licitação promovida por sociedade de economia mista ou empresa pública.

Súmula 376 — Compete à turma recursal processar e julgar o mandado de segurança contra ato de juizado especial.

Súmula 460 — É incabível o mandado de segurança para convalidar a compensação tributária realizada pelo contribuinte.

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AULAS 25 E 26: HABEAS DATA

A — CASO

Ex-empregada do Banco do Brasil faz um pedido administrativo para ter acesso à sua fi cha no Departamento de Recursos Humanos daquela institui-ção bancária. O pedido, contudo, é negado pelo DRH do Banco do Brasil, sob o argumento de que as informações do setor de pessoal são registros internos do banco, cujo acesso é vedado. Impetrado um habeas data, na con-dição de juiz de direito, como você julgaria o caso?

B — FEIÇÃO CONSTITUCIONAL

Segundo o texto constitucional, CF, art. 5º, LXXII: “Conceder-se-á habeas data: a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do im-petrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público; b) para a retifi cação de dados, quando não se prefi ra fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo”.

C — REFLEXÃO HISTÓRICA

Historicamente, o habeas data foi concebido como um remédio constitu-cional apto a permitir que os particulares tivessem acesso às informações, reu-nidas arbitrariamente pelo Estado brasileiro, sobre sua pessoa. Tinha-se em mente as vítimas da ditadura militar, em especial, os ‘desaparecidos políticos’, cujo paradeiro até hoje, na maioria dos casos, é desconhecida. Pretendia-se criar um instrumento ju dicial capaz de viabilizar o acesso às informações colhidas pelo SNI e pelo DOI-CODI sobre os dissidentes d o regime. De-corrido um quarto de século desde o fi m do regime militar, no entanto, as informações sobre as vítimas da ditadura ainda não foram disponibilizadas. Considerando a jurisprudência e a legislação específi ca sobre legitimidade, objeto, procedimento e cabimento do habeas data, faça uma refl exão sobre as limitações, na prática, para que este i nstrumento processual viesse a cumprir suas promessas históricaD — Competência constitucionalmente defi nida

• Supremo Tribunal Federal: Art. 102, CRFB/88: Compete ao Supre-mo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, ca-bendo-lhe: I — processar e julgar, originariamente: d) o habeas corpus, sendo paciente qualquer das pessoas referidas nas alíneas anteriores; o

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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS

FGV DIREITO RIO 127

mandado de segurança e o habeas data contra atos do Presidente d a Repúb lica, das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do Procurador-Geral da República e do próprio Supremo Tribunal Federal; r) as ações contra o Conse-lho Nacional de Justiça e contra o Conselho Nacional do Ministério Público; (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004); II — julgar, em recurso ordinário: a) o habeas corpus, o mandado de se-gurança, o habeas data e o mandado de injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão;

• Superior Tribunal de Justiça: Art. 105, CRFB/88: Compete ao Supe-rior Tribunal de Justiça: I — processar e julgar, originariamente: b) os mandados de segurança e os habeas data contra ato de Ministro de Estado, dos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica ou do próprio Tribunal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 23, de 1999)

• Tribunais Regionais Federais: Art. 108, CRFB/88: Compete aos Tri-bunais Region ais Federais: I — processar e julgar, originariamente: c) os mandados de segurança e os habeas data contra ato do próprio Tribunal ou de juiz federal;

• Justiça Federal (1ª instância): Art. 109, CRFB/88: Aos juízes federais compete proces sar e julgar: VIII — os mandados de segurança e os habeas data contra ato de autoridade federal, excetuados os casos de competência dos tribunais federais;

• Tribunal Superior Eleitoral: Art. 121, CRFB/88: Lei complementar disporá sobre a organização e competência dos tribunais, dos juízes de direito e das juntas eleitorais. § 4º — Das decisões dos Tribunais Regionais Eleitorais somente caberá recurso quando: V — denegarem habeas corpus, mandado de segurança, habeas data ou mandado de injunção.

• Justiça do Tr abalho: Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho pro-cessar e julgar: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004). IV — os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

• Justiça Estadual: Art. 125, CRFB/88: Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição. § 1º — A competência dos tribunais será defi nida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça.

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E — ESQUEMA BÁSICO DA TRAMITAÇÃO PROCESSUAL

O procedimento está previsto na Lei nº 9.507/97, com aplicação subsidiá-ria do Código de Processo Civil. A Lei nº 9.507/97 dispõe sobre o desenvol-vimento do habeas data em duas fases: extrajudicial e judicial.

Fase extrajudicial: apresentação de requerimento ao órgão/entidade deposi-tária do registro/banco de dados, que deverá se manifestar em até 48 (quarenta e oito) horas. A decisão deve ser comunicada ao requerente em 24 (vinte e quatro) horas. Na hipótese de deferimento do pedido, o depositário do regis-tro/banco de dados marcará dia e hora para que o requerente tenha acesso às informações. (v. arts. 2º e 3º). O requerente tem, ainda, a oportunidade de solicitar a retifi cação das informações, o que deve ocorrer em até 10 (dez) dias, ou apresentar explicação/contestação sobre o dado registrado (v. art. 4º).

Fase judicial: Polo ativo: Pessoa física ou jurídica interessada na obtenção das informações constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público. Polo passivo: entidades públicas ou de caráter público depositárias do registro/banco de dados.

Liminar: não há previsão legal para a sua concessão, principalmente em razão da prioridade na sua tramitação. Contudo, estando presentes os requi-sitos, não há impedimento para a concessão.

Quanto à petição inicial, o direito deve ser comprovado de plano por meio da documentação tal como no mandado de segurança. Não se admite dilação probatória. O interesse de agir do impetrante é demonstrado com a prova do anterior indeferimento de obtenção/retifi cação/anotações das informações na esfera administrativa (v. art. 8º, parágrafo único, Lei 9.507/97 e Súmula 2 do STJ). Ausentes os requisitos previstos em lei, a petição inicial será indeferida. A decisão de indeferimento desafi a o recurso de apelação.

O habeas data está isento de custas, conforme previsão no art. 5º, LXVII, CRFB/88 e no art. 21 da Lei 9.507/97. O processo tem prioridade de trami-tação sobre os demais, exceto sobre o habeas corpus e mandado de segurança (v. art. 19, Lei 9.507/97).

Deverá haver intimação do coator para prestar informações em 10 (dez) dias (v. art. 9º, Lei 9.507/97). O prazo é contado da data da juntada aos autos do ofício endereçado ao coator (v. art. 11 Lei 9.507/97).

Atuação do Ministério Público como custos legis: manifestação em 05 (cin-co) dias, nos termos do art. 12, Lei 9.507/97.

Conclusão para julgamento: decisão concessiva ou denegatória em 05 (cinco) dias. Julgado procedente o pedido, o juiz designará dia e hora para que o coator apresente as informações requeridas pelo impetrante ou apre-sente prova da respectiva retifi cação ou anotação (v. art. 13, Lei 9.507/97).

Recursos cabíveis: a apelação interposta da decisão que concede o habeas data tem somente efeito devolutivo. Neste caso, será cabível pedido de suspensão de

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execução de sentença ao Presidente do Tribunal competente para conhecer do recurso. A decisão que suspende a execução desafi a o recurso de agravo para o respectivo Tribunal. Arts. 15 e 16, Lei 9.507/97 (apelação) e arts. 102, II, a; 102, III e 105, III da CRFB/88 (recursos ordinário, extraordinário e especial.

OBS: Bruno Garcia Redondo, Guilherme Peres de Oliveira e Ronaldo Cramer entendem aplicável o princípio da fungibi-lidade entre mandado de segurança e habeas data, desde que o órgão jurisdicional seja ‘competente para todas as demandas’. (Mandado de Segurança — Comentários à Lei 12016/2009, ed. Método, 1ª ed, 2009).

F —QUESTIONÁRIO

a) Em que medida o habeas data é um instrumento para a tutela coletiva de direitos?

b) É cabível a impetração de habeas data para a liberação de histórico esco-lar retido indevidamente por direção de escola e que impede a transferência de um aluno para outra unidade escolar?

c) É necessário que a informação seja requerida em via administrativa e que o pedido seja negado, a fi m de que se possa impetrar habeas data?

d) Um concursando é proibido de fazer a prova oral, última fase de seu con-curso, em razão de informações reunidas durante ‘investigação informal’ sobre sua personalidade e conduta social. Neste caso, é possível a impetração do habeas data?

e) Quais as principais diferenças entre o mandado de segurança e o habeas data?f ) É cabível a impetração de habeas data para ter acesso a inquérito policial

de conteúdo sigiloso?g) A impetração de habeas data está sujeita a prazo decadencial?

G — DOUTRINA

Leitura obrigatória (o aluno pode escolher uma das obras indicadas)

BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil, vol. 2, tomo III (direito processual coletivo e direito processual público). São Paulo: Saraiva — Capítulo 2 da Parte I (habeas data).

MEIRELLES, Hely Lopes; WALD, Arnoldo; MENDES, Gilmar Ferreira. Mandado de Segurança e Ações Constitucionais. São Paulo: Malheiros — Quinta parte (habeas data).

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H — JURISPRUDÊNCIA

CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. HABEAS DATA. INCLUSÃO DOS DEMANDANTES NO SISTEMA CENTRAL DE RISCO DE CRÉDITO DO BANCO CEN-TRAL DO BRASIL. RETIFICAÇÃO DE EVENTUAIS IN-CORREÇÕES. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. INFORMAÇÕES PRESTADAS QUE NÃO RES-PONDEM ÀS INDAGAÇÕES DOS IMPETRANTES. INSU-FICIÊNCIA QUE LEGITIMA A PROPOSITURA DA AÇÃO. HABEAS DATA DEFERIDO EM PARTE.

1. A Lei nº 9.507/97, ao regulamentar o art. 5º, LXXII, da Cons-tituição Federal, adotou procedimento semelhante ao do mandado de segurança, exigindo, para o cabimento do habeas data, prova pré-constituída do direito do impetrante. Não cabe, portanto, di-lação probatória.

2. Em razão da necessidade de comprovação de plano do direito do demandante, mostra-se inviável a pretensão de que, em um mesmo habeas data, se assegure o conhecimento de informações e se determine a sua retifi cação. É logicamente impossível que o impetrante tenha, no momento da propositura da ação, demonstra-do a incorreção desses dados se nem ao menos sabia o seu teor. Por isso, não há como conhecer do habeas data no tocante ao pedido de retifi cação de eventual incorreção existente na base de dados do Banco Central do Brasil.

3. Ademais, ainda que superado tal óbice, como bem demons-trado nas informações apresentadas, “é incontestável a ilegitimida-de do Presidente do Banco Central para fi gurar no pólo passivo da presente demanda no que pertine à inclusão, exclusão ou alteração de dados constantes na Central de Risco de Crédito” (fl . 97). Isso, porque, consoante se observa no art. 2º, II, da Resolução 2.724 do Conselho Monetário Nacional, as informações constantes do refe-rido banco de dados são de inteira responsabilidade das instituições fi nanceiras, inclusive no que se refere a inclusões, atualizações ou exclusões do sistema.

4. Assiste razão aos impetrantes quanto à pretensão no sentido de que lhes sejam prestadas as informações requeridas, haja vista que os documentos expedidos pelo Banco Central do Brasil, jun-tados às fl s 54/59, não respondem suas indagações. Tratam-se de registros cadastrais de difícil compreensão para cidadãos que não tenham conhecimento do sistema operacional do banco. Dos refe-

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ridos documentos não há como concluir se a inclusão dos deman-dantes no sistema ocorreu, ou não, em função de algum contrato realizado com o Banco do Brasil S/A ou com a BB Financeira S/A.

5. O fornecimento de informações insufi cientes ou incompletas é o mesmo que o seu não-fornecimento, legitimando a impetração da ação de habeas data.

6. Habeas data deferido em parte.(STJ, HD 160, Primeira Seção; Rel. Min. Denise Arruda; Julg.

27/08/2008)

RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL. HABEAS DATA. PE-DIDO DE INFORMAÇÕES JUNTO A ÓRGÃO PÚBLICO. DENEGAÇÃO DA ORDEM. ALEGAÇÃO DE SATISFAÇÃO DOS REQUISITOS PARA CONCESSÃO DAS INFORMA-ÇÕES SOLICITADAS. INOCORRÊNCIA. PEDIDO DE EX-TRAÇÃO DE FOTOCÓPIAS DE DOCUMENTAÇÃO DE IMÓVEIS ESPECÍFICOS E NÃO RELATIVO À PESSOA DOS IMPETRANTES. MEIO PROCESSUAL INADEQUADO. FAL-TA DE INTERESSE DE AGIR (ART. 295, III, DO CPC). RE-FORMA DE OFÍCIO. PROCESSO EXTINTO SEM JULGA-MENTO DO MÉRITO EM SEDE DE REEXAME (ART. 267, VI, ÚLTIMA FIGURA). As informações protegidas pelo habeas data são aquelas relativas à pessoa dos impetrantes, não se con-fundindo com as informações de interesse particular, cuja proteção se dá pela via judicial ordinária ou pelo mandado de segurança. Comprovado a carência de interesse processual dos impetrantes (art. 295, III do CPC), deve de os autos ser extintos sem julgamen-to do mérito, nos termos do artigo 267, VI, última fi gura do CPC. (TJ-MT; RAC 45880/2006; Cuiabá; Quarta Câmara Cível; Relª Desª Marilsen Andrade Adário; Julg. 30/10/2006)

HABEAS DATA. OBTENÇÃO DE CERTIDÕES. VIA INA-DEQUADA. O habeas data é uma ação constitucional que tem por objeto a proteção do direito líquido e certo do impetrante em conhecer todas as informações e registros relativos a sua pessoa e constantes de repartições públicas ou particulares acessíveis aos pú-blico, para eventual retifi cação de seus dados pessoais. No presente caso, o recorrente pretende a expedição de certidão de tempo de serviço a fi m de acionar o seu ex-empregador. No presente caso, o recorrente pretende a expedição de certidão de tempo de serviço a fi m de acionar o seu ex-empregador. Município de Afonso Cláu-dio, para receber o FGTS não recolhido à conta vinculada, o que

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para tanto basta requerimento perante o órgão público e, após a negativa ou omissão, a impetração de Mandado de Segurança se mostra como via legítima e adequada para tal fi m, descabendo habeas data para expedição de certidões, mas tão somente para conhecimento e retifi cação de dados do impetrante. (TRT 17ª R.; RO 00838.2005.101.17.00.8; Redª Desig. Juíza Maria de Lourdes Vanderlei e Souza; Julg. 16/05/2006)

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JOSÉ AUGUSTO GARCIA DE SOUSAAlém de professor na FGV-Rio, é defensor público no Estado do Rio de Janeiro (atuando junto ao segundo grau de jurisdição), mestre em Direi-to pela UERJ, professor assistente da UERJ, professor licenciado da Uni-versidade Cândido Mendes (Centro) e ex-vice-presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos.

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FICHA TÉCNICA

Fundação Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen LealPRESIDENTE

FGV DIREITO RIO

Joaquim FalcãoDIRETOR

Sérgio GuerraVICE-DIRETOR DE ENSINO, PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

Rodrigo ViannaVICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO

Thiago Bottino do AmaralCOORDENADOR DA GRADUAÇÃO

Cristina Nacif AlvesCOORDENADORA DE METODOLOGIA E MATERIAL DIDÁTICO

Paula SpielerCOORDENADORA DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES E DE RELAÇÕES INSTITUCIONAIS

Andre Pacheco MendesCOORDENADOR DO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA

Thais Maria L. S. AzevedoCOORDENADORA DE TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

Márcia BarrosoNÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA — PLACEMENT

Diogo PinheiroCOORDENADOR DE FINANÇAS

Milena BrantCOORDENADORA DE MARKETING ESTRATÉGICO E PLANEJAMENTO