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TUTELA COLETIVAMPF - PFDC

Repblica Federativa do Brasil Ministrio Pblico da UnioProcurador-Geral da Repblica Antonio Fernando Barros e Silva de Souza Diretora-Geral da Escola Superior do Ministrio Pblico da Unio Lindra Maria Araujo Procuradora Federal dos Direitos do Cidado Ela Wiecko Volkmer de Castilho

ESMPU

MANUAISDE ATUAO

Viso Geral e Atuao Extrajudicial

TUTELA COLETIVAMPF - PFDC

Alexandre Amaral Gravronski

Braslia - DF 2006

Escola Superior do Ministrio Pblico da Unio Endereo: SGAS Av. L2-Sul, Quadra 604, Lote 23, 2o andar CEP 70200-901 Braslia/DF Tel.: (61) 3313-5114 Fax: (61) 3313-5185 Home page: E-mail: Procuradoria Federal dos Direitos do Cidado SAF Sul, Quadra 4, Conjunto C, Lote 03, Bloco B, Sala 303/304 70050-900 Braslia-DF Tel.: (61) 3031-6000/6001/5445/5442 Fax: (61) 3031-6106 Home page: E-mail: Copyright 2006. Todos os direitos autorais reservados. Autoria ALEXANDRE AMARAL GAVRONSKI Procurador da Repblica E-mail: Colaborao Francisco Gomes de Souza Jnior Servidor Patrcia Nomia da Cruz Mello Servidora Setor de Documentao e Editorao Cecilia S. Fujita Projeto grfico e capa Ana Manfrinato Cavalcante Editorao eletrnica, fotolitos e impresso: Artes Grficas e Editora Pontual Ltda. SIG/Sul Quadra 08 n. 2315 CEP 70610-400 Braslia/DF Tel.:(61) 3344-1210 Fax: (61) 3344-3041 E-mail: Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) Biblioteca da Escola Superior do Ministrio Pblico da Unio

G283t

Gavronski, Alexandre Amaral Tutela coletiva: viso geral e atuao extrajudicial /Alexandre Amaral Gavronski; colaborao: Francisco Gomes de Souza Jnior, Patrcia Nomia da Cruz Mello. Braslia : Escola Superior do Ministrio Pblico da Unio; Procuradoria Federal dos Direitos do Cidado, 2006. 230 p. (Manuais de atuao ESMPU ; v. 1) ISBN 1. Tutela coletiva. 2. Ministrio Pblico - atuao. 3. Inqurito civil. 4. Procedimento administrativo. 5. Termo de compromisso de ajustamento de conduta. I. Ttulo. II. Srie. CDD 341.4622

Manuais de Atuao ESMPUA maior parte da humanidade deposita sua esperana em sucessivos nascimentos, quando a vida se reinicia. Incontveis vidas futuras, ainda em branco, animam quem cr dispor de inmeras ocasies para reparar erros pretritos rumo iluminao. A transposio dessa reconfortante f individual para as instituies nacionais freqentemente as arruna: elas no podem recomear a todo instante do marco zero, pois sempre aspiram a transcender seus componentes momentneos. Sua esperana repousa na reflexo contnua sobre o novo, luz dos acertos e erros que tenha protagonizado. Por isso a Escola Superior do Ministrio Pblico da Unio edita estes Manuais de Atuao. Almeja, desse modo, oferecer aos Colegas material de reflexo, com cujo auxlio nossa instituio haver de solucionar os problemas presentes e vindouros que o povo brasileiro lhe confiou. Oxal esta srie de manuais cresa sempre, para mapear o imenso campo de nossos afazeres. A colaborao dos Colegas indispensvel, tanto com a produo de novos manuais como com eventuais contribuies aos trabalhos publicados e sugestes. As iniciativas so muito bem-vindas no endereo , sem prejuzo, evidentemente, do contato pessoal com a Escola. A ESMPU agradece sensibilizada ao Colega Alexandre Amaral Gavronski, que generosamente inaugura a srie com este Manual da Tutela Coletiva. Espera-se que a srie Manuais de Atuao contribua para o aprimoramento do Ministrio Pblico brasileiro. Lindra Maria Araujo Diretora-Geral da ESMPU Subprocuradora-Geral da Repblica

Sumrio

Apresentao 11 Introduo 13

1 1.1 1.2 1.3 1.4 1.5 1.6 1.7 1.8 1.9 2 2.1 2.2 2.3

As peculiaridades da tutela coletiva: viso geral 17 A novidade 17 A interdisciplinaridade 19 A conflituosidade coletiva 20 O contato com a sociedade 22 A funo investigativa 24 Ministrio Pblico resolutivo 26 As parcerias 28 As vantagens para o Ministrio Pblico de sua condio de litigante habitual em tutela jurisdicional coletiva: a importncia dos bancos de dados 32 A equipe de apoio 36 O atendimento ao pblico 43 O primeiro contato e a triagem: do individual para o coletivo 44 O cadastro simplificado 47 O encaminhamento 49

Tutela coletiva

2.4 2.5 2.6 3 3.1 3.2 3.2.1 3.2.2 3.2.3 3.2.4

A reduo a termo da representao oral 50 Agenda 52 Reunies 53 O inqurito civil e o procedimento administrativo 55

Inqurito civil ou procedimento administrativo? 57 Autuao e instaurao 59 Distino 59 Providncias prvias 60 Cabimento 62 Forma e elementos mnimos da instaurao de procedimento administrativo ou inqurito civil 75 3.2.5 Publicao, publicidade e sigilo 78 3.3 Andamento 79 3.3.1 Os despachos 79 3.3.2 A funo da Secretaria ou do Cartrio da Tutela 82 3.3.3 Ofcios requisitrios de informaes 83 3.3.4 Notificaes 85 3.3.5 Certides 86 3.3.6 Informaes 86 3.3.7 Oitivas 86 3.3.8 Percias e apoio especializado 87 3.3.9 Diligncias in loco e diligncias fora da sede do rgo que preside o inqurito 89 3.3.10 Audincias pblicas 89 3.3.11 Prazo para encerramento 94 3.4 O arquivamento 97 3.4.1 Cabimento e motivao 97 3.4.2 Do encaminhamento Cmara ou PFDC para homologao 99 3.4.3 Necessria comunicao aos interessados e outras providncias 100 3.5 As outras solues 102

Sumrio

4 4.1 4.2 4.3 5 5.1 5.2 5.3

A recomendao 105 Hipteses de cabimento 105 Providncias especficas e orientaes das Cmaras e da PFDC 107 O descumprimento 109 O termo de compromisso de ajustamento de conduta TAC 111 Hipteses de cabimento 113 A negociao 118 Cuidados especficos e orientaes das Cmaras e da PFDC 119

Anexos I Stios interessantes 125 Sade 127 Patrimnio Pblico 128 Educao 129 Meio Ambiente e Cultura 130 Fundo Federal dos Direitos Difusos 131 II Orientaes para insero de peas nos bancos de dados da PGR 133 Base de dados de manifestao de Inteiro Teor do MPF 135 Base de dados de pesquisa em documentos de inteiro teor 147 III Orientaes consolidadas 151 X Encontro Nacional de Procuradores do Cidado 153 Roteiro para padronizao dos instrumentos de atuao da 5a CCR 159 Relatrio final da Comisso sobre Compromisso de Ajustamento de Conduta 169

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IV

Modelos e peas referidas 179 Portaria de Instaurao de Procedimento Administrativo/ Inqurito Civil 181 Ofcio requisita informaes 183 Ofcio requisita informaes em menor prazo 185 Ofcio reiterando informaes com advertncia 187 Termo de declaraes investigado ou comparecimento espontneo 189 Notificao padro 190 Termo de depoimento 192 Ofcio co-legitimados representao no prioritria 193 Promoo de arquivamento direito individual disponvel 195 Promoo de arquivamento resoluo de irregularidade 198 Recomendao n. 02/2002 202 Recomendao n. 02/2003 204 Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta Extrajudicial 207 Compromisso de Ajustamento de Conduta 213

V

Resoluo n. 87 237 Resoluo n. 87 237 Enunciados de Interpretao 248

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Apresentao

O X Encontro Nacional dos Procuradores dos Direitos do Cidado, realizado em Braslia, em agosto de 2004, consolidou o entendimento sobre quais so as matrias do ofcio coordenado pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidado e sobre algumas questes de procedimento, definiu prioridades de atuao e criou grupos de trabalho. O contedo dos debates e os seus resultados revelaram a demanda pelo estabelecimento de critrios e de rotinas padronizadas para assegurar coerncia, continuidade, confiabilidade e transparncia ao servio que prestamos populao brasileira. Nesse sentido, os Grupos de Trabalho Alimentao Adequada, Comunicao Social, Sade e Incluso para Pessoas com Deficincia elaboraram manuais para atuao nesses temas, a partir do debate nos Grupos e da identificao dos procedimentos e aes adotados pelos membros do MPF. Faltava um manual de procedimento de contedo geral para a tutela coletiva, aplicvel s matrias da PFDC e quelas afetas s 3a, 4a, 5a e 6a Cmaras de Coordenao e Reviso (relaes de consumo e ordem econmica, meio ambiente, patrimnio pblico e social, ndios e outras minorias, respectivamente). Encontramos no Procurador da Repblica Alexandre Amaral Gavronski o autor entusiasta e disposto a assumir a tarefa, realizan-

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do-a de forma competente e em dilogo com membros e servidores interessados na atuao eficaz e eficiente do MP. Com a publicao impressa, esperamos aumentar a possibilidade do dilogo para o aperfeioamento do Manual. Ela Wiecko V. de Castilho Procuradora Federal dos Direitos do Cidado

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Introduo*

Quando, na faculdade ou mesmo no estudo para o concurso, o futuro membro do Ministrio Pblico Federal tem o primeiro contato com as matrias de tutela jurisdicional coletiva, no demora muito a constatar que se trata de uma rea do conhecimento jurdico complexa e informada por valores e princpios distintos das disciplinas tradicionais1. Aquele(a) que, nesse momento, tomar-se de um apreo especial por ela passar a estud-la com maior profundidade e logo dominar seus principais aspectos jurdicos, especialmente no que se refere doutrina e jurisprudncia relacionadas Lei de Ao Civil Pblica e ao Ttulo III do Cdigo de Defesa do Consumidor (cuja integrao chamada por Antnio Gidi de Cdigo de Processo Ci* Primeira reviso e ampliao realizada em abril de 2005, incorporando valiosas crticas e contribuies das Subprocuradoras-Gerais da Repblica Ela Wiecko Volkmer de Castilho e Gilda Pereira de Carvalho, respectivamente Procuradora Federal dos Direitos do Cidado e Coordenadora da 5a Cmara de Coordenao e Reviso do MPF, do Procurador Regional da Repblica (4a Regio) Paulo Gilberto Cogo Leivas, da Procuradora da Repblica no Municpio de Ilhus Fernanda Alves de Oliveira, dos assessores da PFDC Fernando Lus Silveira Corra e Helena Lcia Cochlar da Silva Arajo e do Analista Processual Eduardo Caldora Costa, Chefe da Secretaria dos Ofcios da Tutela Coletiva da PR/SP. Segunda reviso e ampliao realizada pelo autor em abril de 2006, com a colaborao da revisora da ESMPU Cecilia Fujita dos Reis.Terceira reviso e ampliao realizada em abril de 2007 para incorporar ao texto o contedo da Resoluo n. 87, de 3 de agosto de 2006, editada pelo Conselho Superior do Ministrio Pblico Federal para regulamentar o inqurito civil no mbito da Instituio.1

As especificidades do chamado Direito Processual Coletivo Brasileiro foram muito bem compiladas na obra que leva o referido ttulo, de Gregrio Assagra de Almeida, publicada pela Editora Saraiva, em 2003, e prefaciada por Nelson Nery Jnior.

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vil Coletivo). Conhecer as principais obras e reflexes relacionadas aos maiores debates travados na rea acerca da legitimidade coletiva (especialmente no que se refere ao Ministrio Pblico), dos limites subjetivos da coisa julgada e mesmo das possibilidades de questionamento judicial das polticas pblicas, objetivando assegurar direitos previstos na Constituio e nas leis que dependem de prestaes positivas do Estado. Aprovado(a) no concurso e j empossado(a) no cargo, quando comear a atuar na rea, perceber o(a) colega que todo esse conhecimento, no obstante essencial, no suficiente para garantir uma atua-o resolutiva, vale dizer, uma atuao que de fato contribua para assegurar efetividade aos direitos coletivos, solucionando as complexas violaes deles levadas ao conhecimento do Ministrio Pblico. Constatar que a rea possui muitas peculiaridades extrajurdicas e, principalmente, que alcanar a pretendida atuao resolutiva requer muita criatividade e domnio dos instrumentos de que dispomos: inqurito civil ou procedimento administrativo (e o correspondente poder instrutrio), compromisso de ajustamento de conduta, recomendao, ao civil pblica e outras aes pertinentes; alm de proveitosas parcerias e interfaces com a sociedade civil e com outros rgos pblicos de atribuies afins. Identificar, igualmente, a importncia de contar com uma equipe de servidores especializados na rea e conhecedores das regras e dos procedimentos institucionais pertinentes, especialmente porque, cada vez mais, as nossas Cmaras e a PFDC, na funo de coordenao dos respectivos ofcios, vm regulamentando nossa atuao administrativa, com o objetivo de estabelecer um mnimo de uniformidade. para auxiliar nesse momento inicial que o presente Manual se destina; para servir de ponto de partida, para conferir ao colega uma viso geral e, em certos pontos, ideal do funcionamento da tutela coletiva, notadamente no que se refere atuao extraprocessual. Longe de pretender impor ou apresentar ao() colega recm-empossado(a) uma orientao institucional no s porque ela no existe ainda (ressalvado o j estabelecido pelas Cmaras ou pela PFDC, cujas orientaes constam do Anexo III e foram referidas neste Manual nos

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Introduo

respectivos tpicos) ou porque a independncia funcional no permitiria, mas tambm por causa da diversidade caracterstica da tutela coletiva, que torna muito difcil tal misso , este Manual tem apenas a pretenso de apresentar informaes e reflexes que podem ser teis tanto ao membro quanto sua equipe. fruto da experincia de cinco anos de atuao em todas as reas da tutela coletiva (trs deles com exclusividade) na Procuradoria da Repblica no Mato Grosso do Sul, do procurador que o elaborou, e de pesquisa realizada junto s Cmaras de Coordenao e Reviso, aos Conselhos Institucional e Superior e PFDC acerca das orientaes pertinentes. Foi elaborado antes da edio da Resoluo n. 87/2006, do CSMPF, que regulamentou o inqurito civil no mbito do Ministrio Pblico Federal, mas na terceira reviso incorporou as disposies da referida norma interna, passando a servir, ento, como um seu elemento propagador e fomentador do necessrio debate para sua plena implementao. Trata-se de projeto piloto no Ministrio Pblico Federal e, por isso, dependente de aperfeioamento, pelo que todas as crticas e sugestes sero bem-vindas, especialmente para nele acrescentar prticas valiosas de outras Procuradorias. Cumpre advertir, por fim, que em determinados pontos polmicos, pela sua importncia e para contribuir para as reflexes pertinentes, fez-se necessrio o registro da posio do autor, sem que ela represente, necessariamente, o entendimento esposado pela maioria dos colegas. Para ensejar uma reflexo mais aprofundada, tais pontos foram identificados. O objetivo, cabe repetir, avanar cada vez mais no ponto de partida e propor melhoras em nossa atuao na tutela coletiva, de modo a colaborar para a construo conjunta de um Ministrio Pblico Federal cada vez mais atuante e efetivo e com um mnimo de unidade e articulao na rea, altura da nobre misso constitucional que nos foi atribuda.

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As peculiaridades da tutela coletiva

As peculiaridades da tutela coletiva:Viso geral

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1.1 A novidadeCom larga e consolidada experincia na rea criminal e na representao judicial da Unio, construda ao longo de dcadas, o Ministrio Pblico Federal possui estrutura e mentalidade ainda no completamente adaptadas nova realidade que se ps com o advento da Constituio Federal de 1988 e, cinco anos mais tarde, com a Lei Complementar n. 75. Ao mesmo tempo em que perdeu a representao judicial da Unio, o Ministrio Pblico Federal ganhou a legitimidade para atuar na defesa dos interesses coletivos da sociedade (arts. 127 e 129, III, da CF) e no zelo pela observncia dos direitos constitucionais por parte dos poderes pblicos e servios de relevncia pblica (art. 129, II, da CF c/c arts. 5o, IV e V, e 39, ambos da LC n. 75/1993), como o caso dos servios de sade (art. 198 da CF). Essas novas atividades trouxeram grande incremento ao volume de trabalho dos procuradores da Repblica, especialmente se considerado que o Ministrio Pblico tem legitimidade para defender em juzo qualquer interesse coletivo ou difuso (art. 129, III, da CF c/c arts. 1o, IV, e 5o, caput, da Lei n. 7.347/1985) e que todas as leses ou ameaas a direito podem ser levadas apreciao judicial (art. 5o, XXXV, da CF). Mais: a concentrao de recursos e poder nas esferas federais da administrao (a agencificao apenas um exemplo disso) tem demandado a atuao do Ministrio Pblico

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Federal em reas que tradicionalmente eram atendidas pelos Ministrios Pblicos dos Estados. A esse incremento de trabalho soma-se a necessidade de uma mudana de postura dos membros da Instituio, que precisa, cada vez mais, aproximar-se da sociedade. Trata-se de realidade nova, que se refere a funes constitucionalmente atribudas ao MPF to relevantes quanto as relacionadas promoo da ao penal, e que demanda estrutura, disciplina e anlise especficas, consideradas as particularidades da rea, sem o que jamais se alcanar a satisfao do mandamento constitucional. Basta referir, para demonstrar como recente a preocupao da Instituio com a tutela coletiva, que s em 2006, passados mais de vinte anos da previso do inqurito civil no art. 8o da Lei n. 7.347/1985, foi ele regulamentado pelo Conselho Superior do Ministrio Pblico Federal (Resoluo n. 87). De outra parte, muitas procuradorias ainda no dispem de cartrios, secretarias ou ncleos especializados em tutela coletiva nem de apoio pericial especializado, muito embora tais carncias venham sendo diminudas com os recentes concursos e a reestruturao administrativa implementada em 2006, mas as melhorias ainda so, em geral, restritas s procuradorias localizadas em capitais e esto aqum das demandas que se apresentam, crescentemente, Instituio na rea. Vale considerar, outrossim, que so recentes e de uso acanhado os bancos de dados nacionais, fundamentais para otimizao de nossa atuao na rea, havendo promissoras expectativas de que o sistema nico informatizado, cuja implantao est prevista para iniciar-se em 2007, permita a adequada disponibilizao nacional das principais peas elaboradas pelos colegas, bem como uma avanada aferio estatstica. Esta ltima, entretanto, ainda precisar ser adaptada s peculiaridades da tutela coletiva de modo a valorar adequadamente o extenso, trabalhoso e muitas vezes mais resolutivo trabalho extraprocessual dos membros que atuam na rea. Com tal objetivo tramita no Conselho Superior proposta de estatstica adequada s peculiaridades da tutela coletiva, elaborada pela Subprocuradora-Geral Gilda Carvalho, e que foi reproduzida quase integralmente na Instruo Normativa n. 01, de 22.4.2003, da Procuradora Federal dos Direitos do Cidado, a qual estabelece normas para elaborar o relatrio

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As peculiaridades da tutela coletiva

mensal de produtividade das Procuradorias Regionais dos Direitos do Cidado e das Procuradorias dos Direitos do Cidado, norma esta que pode servir de parmetro para as Procuradorias, enquanto no editada definitivamente a resoluo do CSMPF. Contudo, inegavelmente promissor o futuro da tutela coletiva na Instituio. Alm de ser evidente a crescente ateno que ela tem merecido dos rgos superiores quanto estrutura e disciplina, tambm tem crescido o nmero de colegas comprometidos com esse novo iderio que atuam nas instncias revisoras e superiores. De outra parte, os poucos que atualmente atuam, com notveis qualidade e empenho fazem com que seja menos sentida essa escassez e, tambm, com que nos orgulhemos de contar com um apoio institucional no raro maior que aquele com que contam ordinariamente os colegas do Ministrio Pblico Estadual 2.

1.2 A interdisciplinaridadeComo referido acima, o Ministrio Pblico pode e deve atuar na defesa de toda e qualquer leso ou ameaa a direito coletivo. Aqui se incluem praticamente todos os problemas de nossa sociedade. Exemplificativamente: inexecuo de polticas pblicas por ineficincia ou desvio dos recursos a elas destinados (programa de sade de famlia, p. ex.), deficincias estruturais do Sistema nico de Sade, riscos sade das pessoas em razo das inovaes tecnolgicas e liberaes de remdios pela Anvisa (na rea de sade); irregularidades nos vestibulares ou nos cursos superiores, muitos deles abertos sem a mnima2

Em nossa Instituio, a atuao em instncias superiores (TRF, STJ e STF) costuma ficar sob a responsabilidade de colegas afinados com a temtica da tutela jurisdicional coletiva e, por via de regra (mas sem prejuzo da independncia funcional), tendentes a sustentar nos tribunais a tese apresentada em primeira instncia, desde que harmnica com a orientao institucional prevalente na matria. Tais colegas integram os chamados Ncleos de Tutela Coletiva, para onde so distribudos os recursos relacionados rea. A matria foi disciplinada pela Resoluo n. 25, de 7.5.1996, do Conselho Superior, para todas as instncias, e mais especificamente para o STJ vigora a Resoluo n. 33/1997, tambm do CSMPF, disponveis no site (acesso em: 10 mar. 2006). Na Procuradoria Regional da Repblica da 3a Regio, disciplina a matria a Portaria n. 25, de 12.4.1999 (disponvel em: . Acesso em: 10 mar. 2006).

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condio de funcionamento (educao); aumentos abusivos nas tarifas de servios pblicos autorizados pelas agncias reguladoras; contratos habitacionais permeados de clusulas abusivas (consumidor); ameaas ou leses ao meio ambiente ocasionadas pelo avano desordenado da fronteira agrcola (mormente soja), tais como assoreamento de rios ou desmatamento irregular de patrimnios nacionais como o Pantanal Mato-Grossense e a Mata Atlntica (meio ambiente); enriquecimento ilcito ou prejuzos ao errio decorrentes da m aplicao de recursos pblicos (patrimnio pblico); desrespeito cultura e aos direitos das minorias e das comunidades indgenas e quilombolas, tais como a dificuldade de verem reconhecidos e demarcados seus territrios ou a veiculao de programas televisivos que denigrem determinada cultura ou religio (ndios e minorias). Todas essas reas de atuao requerem conhecimentos tcnicos no-jurdicos estranhos aos membros do Ministrio Pblico. Se verdade que em determinadas ocasies ele pode se valer de servios tcnicos requisitados, em situaes crnicas que demandam acompanhamento permanente sua atuao fica praticamente inviabilizada. preciso dotar o Ministrio Pblico desse apoio tcnico especializado nas reas de maior atuao institucional. Da a importncia de se garantirem ncleos periciais de apoio aos rgos de execuo do Ministrio Pblico Federal nas prprias unidades, ao menos nas reas do conhecimento mais necessrias atividade ministerial local 3, garantindo nos rgos de coordenao (no caso do MPF junto s Cmaras) apoios mais especficos em relao aos quais no se justifica um tcnico em cada localidade4, bem como de se viabilizarem parcerias em determinadas matrias ou em casos em que existam interesses mtuos. So excelentes parceiros: outros rgos pblicos com atribuies fiscalizatrias (Con3

No caso do Mato Grosso do Sul, p. ex.: antropologia, para questes indgenas; bilogo ou engenheiro ambiental para as questes relacionadas ao meio ambiente e mais especificamente ao Pantanal, e outras, de grande demanda em todas as unidades do Ministrio Pblico: biomdicas, para as questes do SUS, e contabilidade para as questes de patrimnio pblico e criminais. Infelizmente, a formao desses ncleos dar-se- de forma gradual, acompanhando a posse dos servidores aprovados recentemente em concurso e prevista para ser realizada de forma diferida. Atualmente, somente junto s Cmaras e em algumas Procuradorias h ncleos periciais, havendo recente orientao daquelas muito louvvel de voltar a atuao de seus apoios tcnicos especializados para o auxlio primeira instncia. o caso da Economia (cincia imprescindvel para auxiliar a investigao no que se refere fixao de preos e tarifas pblicas, p. ex.), da Histria (patrimnio cultural) etc.

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As peculiaridades da tutela coletiva

troladoria-Geral da Unio, Denasus, Tribunal de Contas da Unio), Universidades Pblicas e organizaes no-governamentais voltadas proteo de interesses coletivos (v. item sobre parcerias).

1.3 A conflituosidade coletivaO conflito inerente ao Direito. No fosse assim, o conceito de lide no seria um dos mais importantes do processo civil. Na tutela coletiva, essa conflituosidade coletiva porque envolve interesses coletivos, por isso assume propores s quais o Direito e os seus operadores no estavam acostumados. O conflito j no se d entre indivduos, mas entre um legitimado coletivo, atuando em nome de um nmero indefinido de lesados reais ou potenciais, e o(s) infrator(es). Em decorrncia dessas peculiaridades, a busca de uma soluo passa a considerar fatores cada vez mais complexos que extrapolam o aspecto jurdico e vo do econmico (em face dos valores envolvidos) ao sociolgico (em ateno diversidade social e cultural dos interessados), passando necessariamente pelo poltico (conseqncia da repercusso coletiva das opes adotadas, dirijam-se elas ou no ao poder pblico: ajuizar ou no uma ao, optar pelo termo de ajustamento de conduta etc.). Ademais, a soluo de um conflito coletivo no raro envolver interesses igualmente legtimos: defesa do meio ambiente versus busca do pleno emprego, p. ex., quando as exigncias ambientais ameaam inviabilizar determinado empreendimento econmico que garantiria centenas de empregos em dada localidade muito pobre. Nesses casos, exigir-se- do intermediador e no raro esse o papel desempenhado pelo Ministrio Pblico ponderao que busque preservar a essncia de cada um dos interesses envolvidos no que for fundamental mantena da paz social com justia, fim maior do direito. Nesse complexo contexto de soluo dos conflitos, necessrio considerar que, justamente pelo nmero de envolvidos, dificilmente o Ministrio Pblico travar contato diretamente com todos os titulares dos direitos, mas, em geral, com os atores sociais que, com

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maior ou menor liderana e representatividade no grupo ou na sociedade, se fazem portadores das aspiraes coletivas. Assim, torna-se inevitvel, na tutela coletiva, o contato com lderes sindicais, comunitrios, estudantis, empresariais, polticos, dirigentes de ONGs, e com os conflitos coletivos que os opem, bem como com a imprensa, veiculadora e indutora desses conflitos. Tudo isso demanda uma especial conscincia por parte do Ministrio Pblico do papel que desempenha na soluo dos conflitos coletivos, assim como aprimorado manejo dos instrumentos de que dispe para desempenho dessa difcil misso.

1.4 O contato com a sociedadeO membro do Ministrio Pblico com atribuio na tutela coletiva que se fecha em seu gabinete, evitando o contato com a sociedade, aliena-se da realidade envolvente e compromete, por isso, a legitimidade e a eficcia de sua atuao na rea 5. nesse contato que ele consegue detectar com maior clareza os problemas que mais carecem de sua interveno, o que muito til na eleio de prioridades, tarefa essencial em tutela coletiva, dada a absoluta impossibilidade humana de, nos quantitativos atuais, responder o membro do Ministrio Pblico Federal a todos os descumprimentos a direitos coletivos para os quais teria atribuio. Ademais, no raro, desses contatos surgem excelentes idias para a soluo dos problemas. Todavia, no h por que restringi-lo ao atendimento pessoal individual, embora esse seja tambm muito importante, merecendo tpico prprio (captulo 2). primordial e at mais efetivo buscar estabelecer contato com a sociedade civil organizada, por meio dos conselhos previstos legalmente e integrados por cidados com atuao marcante nas respectivas reas (como os de sade Lei n. 8.142/1990,5

A observao no se aplica aos colegas que atuam na defesa do patrimnio pblico, visto que esses, realizando trabalho mais investigativo que qualquer outra rea da tutela coletiva e de grande enfrentamento de poderosos interesses escusos, tendem a obter mais eficcia com a preservao de seu trabalho e sua imagem, estabelecendo parcerias to-somente com os tcnicos de rgos pblicos relacionados (CGU, Coaf, Receita Federal, INSS, Polcia Federal etc.).

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As peculiaridades da tutela coletiva

de assistncia social Lei n. 8.742/1993) ou associaes civis (ONGs) ou organizaes da sociedade civil de interesse pblico (Oscips, previstas e regulamentadas pela Lei n. 9.790/1999) voltadas defesa dos direitos humanos, dos consumidores, do meio ambiente etc. nesse contato que o membro do Ministrio Pblico especialmente se no for oriundo da comunidade onde est atuando conseguir, ao mesmo tempo, melhor caracterizar a realidade que o aguarda e buscar sugestes de como e onde agir prioritariamente, alm de ganhar importantes aliados em sua atividade. Antes do contato, porm, deve procurar saber quais os procedimentos afetos a cada realidade que j se encontram em trmite na sua unidade de lotao (contando para isso com auxlio dos servidores do gabinete cf. item relacionado equipe), para evitar que sua desinformao acabe por deslegitimar sua atuao ou dos colegas que o precederam. Nesses encontros, por motivos bvios, no dever o(a) procurador(a) criar falsas expectativas ou fazer promessas de pronta soluo para todos os males identificados, visto que muitas so as limitaes fsicas e mesmo jurdicas que enfrentamos. Pelo contrrio, deve delas dar conhecimento a esses setores, inclusive para justificar a impossibilidade de uma atuao mais abrangente e conseguir o apoio necessrio para o implemento dos objetivos comuns estabelecidos como prioritrios. Enfim, deve apresentar-se como parceiro(a), brao jurdico da sociedade na defesa dos interesses sociais coletivos, sem prejuzo de ressaltar a legitimidade concorrente das associaes civis. Palestras e audincias pblicas6 desempenham importante papel nessa aproximao com a sociedade, o mesmo fim se alcanando com uma visita de apresentao ao conselho social da rea onde atuar o membro do Ministrio Pblico. Tais posturas ainda contribuem significativamente para divulgar a misso institucional e as possibilidades e limitaes de nossa atuao, tudo voltado capacitao da6

NoVI Encontro Nacional dos Representantes da 5a CCR, ficou consignado, nas concluses, que: As Audincias Pblicas podem ser realizadas em inqurito civil e procedimento administrativo, com o objetivo de informar sociedade e esclarecer aspectos tcnicos relativos ao tema, alm de colher a participao popular sobre aquele tema especfico, visando atender ao princpio constitucional do Estado Democrtico de Direito. Cf. tpico especfico sobre audincias pblicas.

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cidadania7. Para esses eventos, vm sendo organizadas cartilhas que esclarecem de forma acessvel e atrativa as atribuies da Instituio e divulgam os direitos coletivos8. Outro vis da atuao do membro junto sociedade a possibilidade de valer-se da credibilidade de que merecedora a Instituio e da iseno de seus propsitos, livre de interesses pessoais, polticos ou econmicos, para atuar como articulador na soluo de problemas, pondo em contato e congregando diferentes atores e rgos na efetivao dos direitos coletivos9.

1.5 A funo investigativaEm tutela coletiva, diferentemente da rea criminal, o Ministrio Pblico que ordinariamente responde pela investigao que instrui sua futura atuao, a teor do que dispe o inciso III do art. 129 e reiteradamente tem reconhecido o Supremo Tribunal Federal na discusso sobre o poder investigatrio criminal do Ministrio Pblico. Enquanto na apurao criminal a Polcia Federal que, geralmente, conduz a investigao por meio do inqurito policial10 (com seus agentes preparados espe7

Bom exemplo disso o projeto MPF nas Escolas, organizado pela Fundao Pedro Jorge () e implementado, em regra, pelas PRDCs, em vrios Estados da Federao. No Mato Grosso do Sul, em 2003, o projeto alcanou cerca de 2.000 jovens estudantes de escolas pblicas e privadas, abrangendo variadas e diferentes regies e classes sociais. Cf., p. ex., trabalho desenvolvido pelo MP/RN, sob a responsabilidade da Promotora de Justia Elaine Cardoso de Matos Novais, englobando cartilhas ilustradas com texto de fcil assimilao, sob temticas tais como: sade, educao, meio ambiente, direitos das pessoas com deficincia etc. Exemplo interessante foi trazido no Frum Social Mundial 2005 pela mesma promotora referida na nota anterior, dando conta de articulao promovida por aquele Ministrio Pblico com a Unicef, Correios e Associao de Moradores, para identificao das crianas portadoras de necessidades especiais que no estavam tendo acesso educao necessria, permanecendo alienadas e isoladas em suas residncias. Capacitados pela Unicef e com o apoio das associaes de bairros, que se integraram ao projeto, carteiros realizaram levantamento em todas as residncias de determinada regio, numa das reas mais pobres de Natal, para identificar o nmero de crianas desatendidas, passando-se, ento, a exigir do Poder Pblico a viabilizao de escola para tais crianas, nos termos da legislao especfica. Ainda que no restem dvidas, ao menos no seio da Instituio, de que o Ministrio Pblico pode investigar em matria criminal, tendo o Conselho Superior regulamentado essa nossa funo (Res. n. 77/2004), tambm pacfico que, nessa esfera, a investigao pela

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cificamente para a funo investigativa) e remete-o concluso para que o Membro do Ministrio Pblico denuncie, arquive ou requeira novas diligncias, na tutela coletiva cabe ao Ministrio Pblico essa funo, visto que ele preside o inqurito civil11 ou procedimento administrativo12 que viabiliza a futura adoo de providncias (art. 8o, 1o, da Lei n. 7.347/1985)13 , recentemente regulamentados pela Resoluo CSMPF n. 87/2006. Assim, ao Ministrio Pblico que cabe buscar as informaes necessrias propositura da ao (ou Instituio excepcional, enquanto na tutela coletiva a regra. Cabe lembrar, a propsito, que em sede de investigao de atos de improbidade administrativa, o MP poder requisitar a instaurao de inqurito policial ou procedimento administrativo para apurar qualquer ilcito previsto na Lei n. 8.429/1992 (art. 22). H determinados casos em que , de fato, mais conveniente requisitar inqurito policial, mormente quando no se vislumbra risco de interveno indevida das instncias superiores do Executivo.11

Qualquer estudo acerca da origem da ao civil pblica passa necessariamente pela obra coletiva de Antnio Augusto Camargo Ferraz, dis Milar e Nelson Nery Jnior, intitulada A ao civil pblica e a tutela dos interesses difusos (So Paulo: Saraiva, 1984 [esgotada]), em que os autores fornecem as bases doutrinrias do projeto da lei de ao civil pblica apresentado pelo Ministrio Pblico, por meio da Presidncia da Repblica, ao Congresso Nacional, tendo trmite mais clere que o projeto elaborado por doutrinadores paulistas como Ada Grinover e Cndido Dinamarco e, por isso, servindo de base para a Lei n. 7.347/1985. Na obra, os doutrinadores do Ministrio Pblico paulista principais responsveis pela previso, na lei, do inqurito civil ao sustentarem a necessidade de institu-lo argumentam: Para tanto [proteger os interesses difusos] h que se armar o Ministrio Pblico do poder de requisio, acompanhamento e controle de procedimentos conduzidos por organismos administrativos tendentes a realizar atividades de investigao preparatrias, e que, a exemplo do que ocorre com o trabalho desenvolvido pela polcia judiciria por meio do inqurito policial, chamaramos de inqurito civil ou administrativo. A prtica demonstrou o acerto da anteviso dos brilhantes membros do MP paulista e hoje se percebe cada vez mais a imprescindibilidade da investigao prvia do Ministrio Pblico, no apenas no intuito de evitar a propositura de lides temerrias, mas principalmente diante das vrias possibilidades de soluo pr-judicial que se abrem na fase investigatria. No Ministrio Pblico Federal identifica-se uma histrica preferncia pelo procedimento administrativo sobre o inqurito civil, reservado para hipteses mais graves. Com a edio da Resoluo n. 87 do CSMPF, entretanto, essa situao deve se inverter, visto que a norma demonstra evidente preferncia pelo inqurito civil, admitindo a instaurao e o trmite do procedimento administrativo apenas enquanto perdurar a insuficincia de elementos suficientes instaurao do inqurito civil ( 1o do art. 4o). Particularmente na defesa do patrimnio pblico, pode valer-se o Ministrio Pblico da investigao da Polcia, requisitando inqurito com fundamento no art. 22 da Lei n. 8.429/1992 (contra a improbidade administrativa), assim redigido: Para apurar qualquer ilcito previsto nesta Lei, o Ministrio Pblico, de ofcio, a requerimento da autoridade administrativa ou mediante representao formulada de acordo com o disposto no art. 14, poder requisitar a instaurao de inqurito policial ou procedimento administrativo.

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formao de convencimento fundamentado pelo arquivamento), ouvir pessoas, receber reclamaes, fazer diligncias in loco etc., providncias essas que merecem o adequado registro fsico (no procedimento) e eletrnico (nos bancos de dados, viabilizando melhor controle e a elaborao de estatstica). H, por isso, uma grande diferena em relao s demais reas de atuao no que se refere ao acompanhamento, impulso e registro dos procedimentos. Enquanto nos inquritos e processos os autos chegam na Procuradoria, vo aos gabinetes (onde h manifestao do procurador) e posteriormente voltam para a Polcia ou para a Justia (uma espcie de bate-volta), na tutela coletiva os procedimentos so movimentados inmeras vezes dentro da prpria Procuradoria, antes da adoo de alguma providncia judicial que, no raro, torna-se dispensvel, pois a situao resolvida no mbito do procedimento, com mais celeridade e efetividade no cumprimento da misso constitucional. Em razo dessa distino, h muito mais trabalho de apoio administrativo na tutela coletiva que nas demais reas. Apesar de tudo isso, nem os procuradores da Repblica nem os servidores de apoio (ambos em nmero insuficiente) so, ainda, especificamente preparados para tal fim, visto que o processo seletivo permanece voltado para as atribuies processuais e pouco se tem feito para reverter o quadro em termos de capacitao, ressalvadas algumas valiosas iniciativas da Escola Superior do Ministrio Pblico da Unio e, mais recentemente, das Cmaras de Coordenao e Reviso. Todas, entretanto, costumam abordar mais o direito que as tcnicas de apurao e o manejo dos instrumentos investigativos de que dispomos (a includa a capacitao para acessar informaes nos bancos de dados pblicos14).

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H vrios e valiosos convnios do Ministrio Pblico Federal com rgos federais que detm importantes bancos de dados (cf. prximo tpico).Todavia, ainda so muito poucos os servidores e procuradores capacitados a aproveit-los. Somente aqueles que demonstram interesse e empenho pessoal prprio e espontneo alcanam alguma familiaridade com eles e, ainda assim, sem aproveitar todo seu potencial.

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1.6 Ministrio Pblico resolutivoMarcelo Pedroso Goulart15 identifica dois modelos de Ministrio Pblico: o demandista, que prefere atuar perante o Poder Judicirio, como agente processual, transferindo-lhe a responsabilidade de resolver as diuturnas afrontas lei, mormente no que se refere aos direitos sociais e coletivos, e o resolutivo, que, valendo-se dos instrumentos de atuao sua disposio (inqurito civil ou procedimento administrativo, termo de ajustamento de conduta e recomendao), faz deles uso efetivo e legtimo para a soluo dos problemas que atentam contra tais direitos. O Poder Judicirio (felizmente bem menos a Justia Federal que a Estadual), como notrio, ainda se mostra refratrio tutela jurisdicional coletiva e nova posio que a sociedade espera dele num mundo massificado e com crescentes demandas sociais amparadas em lei, porm longe de serem implementadas. Por outro lado, no raro as causas coletivas acabam por se delongar exageradamente no tempo com grave comprometimento de sua eficcia seja porque so de fato muito complexas e requerem conhecimentos especficos no usuais (dependentes de exaustiva instruo), seja porque exigem do juiz uma posio mais criadora e transformadora na efetivao da lei16. sabido, p. ex., que em grande parte das causas coletivas, negada a liminar, muito dificilmente a situao se reverter no futuro. Nesse contexto, caber ao Ministrio Pblico ter a sabedoria para distinguir quais as causas que necessariamente devero ser levadas a juzo e quais aquelas que podem ser resolvidas extrajudicialmente, hiptese em que essa ltima via deve ser a escolhida.15 16

Ministrio Pblico e democracia: teoria e prxis. So Paulo: LED, 1998. Mauro Cappelletti, em Juzes legisladores? (Traduo de Carlos Alberto lvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1993, p. 59), alerta sobre os riscos de uma posio de simples rejeio do Poder Judicirio ante os conflitos coletivos e de classe e de sua auto-excluso da possibilidade de influir justamente nos conflitos que tm importncia cada vez mais capital em nossa sociedade: a obsolescncia e a irrelevncia do Poder em um mundo radicalmente transformado, sujeitando-se gradual sucesso por organismos quase-judicirios e/ou procedimentos criados ou adaptados para atender tais necessidades. Na verdade, o compromisso de ajustamento de conduta e as vias extrajudiciais de soluo dos conflitos que vm sendo utilizadas pelo Ministrio Pblico so um exemplo desses novos procedimentos.

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Essa resolutividade pode se manifestar tanto preventivamente, para evitar leses a direitos coletivos, com a instaurao de inquritos civis ou procedimentos administrativos para acompanhamento da situao, providncia que, no raro, suficiente para que o infrator, agente pblico ou privado, aja em conformidade com a lei e os interesses coletivos, ou por meio de recomendaes; quanto repressivamente, por meio de termos de ajustamento de conduta. Certo que, reconhecendo-se o grande papel do Direito na transformao social, e na tutela coletiva (judicial e extrajudicial) a via para tanto, logo se percebe que o Ministrio Pblico, com os instrumentos de que dispe para efetivar tal tutela, possui uma importantssima misso a desempenhar nessa transformao, que ser tanto mais bem atendida quanto maior for a capacidade de resoluo que a Instituio demonstrar em sua atuao.

1.7 As parceriasEm razo da deficincia tcnica existente na maioria das Procuradorias da Repblica de nosso pas, diante da falta de ncleos periciais compostos por servidores capacitados nas mais diversas reas (medicina, engenharia ambiental, biologia, contabilidade etc.) e mesmo em ateno ao valoroso trabalho apurativo realizado por outros setores do poder pblico, torna-se muitas vezes imprescindvel que o membro do Ministrio Pblico busque parcerias com rgos da administrao pblica direta e indireta, mormente os de atribuio fiscalizatria. Essas parcerias sero de grande valia para garantir perfeita agilidade e efetividade na resoluo dos problemas especficos da tutela coletiva, notadamente em setores relacionados a questes de sade, patrimnio pblico, meio ambiente. Muitas representaes que chegam ao conhecimento do membro atuante na rea de tutela coletiva, relacionadas diretamente s matrias supra-referidas ou outras quaisquer, exigem um conhecimento cientfico ou tcnico necessrio para a perfeita instruo do inqurito civil ou procedimento administrativo, tal como ocorre na investigao de desvio de verbas pblicas de programas ou conv-

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nios federais (Bolsa-Famlia, Bolsa-Escola, Programa de Erradicao do Trabalho Infantil PETI etc.) ou da constatao de irregularidades na gesto dos recursos do Sistema nico de Sade (SUS). O sucesso de uma futura demanda ou de alguma medida extrajudicial depender de uma investigao devidamente instruda com dados e elementos precisos, para a qual de todo conveniente que o membro do Ministrio Pblico, durante sua atuao, mantenha contato prximo com diversos rgos de nossa administrao, notadamente os de carter fiscalizatrio. Para que se formalize essa parceria podem ser celebrados termos de cooperao mtua ou convnios. No Mato Grosso do Sul firmouse, a ttulo de exemplo, um termo de cooperao17 com o Ministrio Pblico do Estado e com a Secretaria Estadual de Sade, por meio do qual se viabilizou uma unio de esforos para o combate das irregularidades existentes no Sistema nico de Sade, interessando ao Ministrio Pblico, em especial, a disponibilizao de auditores estaduais para elaborao de pareceres tcnicos necessrios instruo dos procedimentos administrativos e inquritos civis, assim como para realizao de inspees (clusula 3, item 3.5, do termo, constante do anexo/intranet)18.17

Dispe o art. 153, IV, do Regimento Interno do Ministrio Pblico Federal (Port. PGR n. 358/1998) que incumbe aos Procuradores-Chefes nas respectivas unidades assinar convnios, acordos ou ajustes de interesse da Procuradoria. Ainda assim, convm contatar a SecretariaGeral antes de cada assinatura para evitar conflito de atribuies com o Procurador-Geral ou previses incabveis nos respectivos termos. Cumpre aqui registrar que, por disposio expressa de lei (art. 33, 4o, da Lei n. 8.080/1990), cabe ao Ministrio da Sade acompanhar, por intermdio de seu sistema de auditoria, a conformidade programao aprovada da aplicao dos recursos repassados a Estados e Municpios, e que, constatada a malversao, desvio ou no-aplicao dos recursos, caber ao Ministrio da Sade aplicar as medidas previstas em lei. Em razo desse dispositivo, h forte corrente doutrinria (GARCIA, Emerson; ALVES, Rogrio Pacheco. Improbidade administrativa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004) e jurisprudencial a sustentar a competncia federal em tudo o que se refere aplicao de recursos do SUS. Contra esse entendimento, poder-se-ia opor a Smula 208 do STJ, visto que o repasse de recursos do SUS, realizado fundo a fundo, no se sujeita, em princpio, a prestao de contas especfica perante o Denasus, mas aos rgos de auditoria municipais ou estaduais. A matria, todavia, tormentosa e, em se tratando de questes coletivas que envolvam o direito sade sob uma perspectiva mais ampla, convm atuar juntamente com o Ministrio Pblico Estadual. Excelente referncia doutrinria para compreender a repartio de competncia em sade a obra do colega da Procuradoria Regional da Repblica da 3a Regio Marlon Alberto Weichert, Sade e Federao na Constituio Brasileira (Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004).

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Em nvel nacional, h inmeros convnios firmados pelo Procurador-Geral, merecendo destaque os assinados com os seguintes rgos federais: Caixa Econmica Federal, Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf ), Controladoria-Geral da Unio, Incra, Ministrio da Defesa, Secretaria da Receita Federal, Serpro e Tribunal de Contas da Unio, todos disponibilizados na ntegra no stio da 5a Cmara de Coordenao e Reviso do Ministrio Pblico Federal (cf. o teor na intranet do MPF, no endereo . Acesso em: 10 mar. 2006). Alm desse benefcio imediato de auxlio tcnico para a obteno de informaes essenciais investigao e mesmo para a avaliao tcnica de dados, as parcerias permitem tambm maior possibilidade de intercmbio de experincias, conhecimentos e estratgias entre o Ministrio Pblico e os servidores desses rgos, garantindo um sensvel aprimoramento da atuao ministerial. No obstante toda a convenincia das parcerias, especialmente para agilizao do fornecimento de informaes e da realizao de levantamentos tcnicos, bem como para troca de idias, importa ter presente que prerrogativa institucional (art. 7o, III, da LC n. 75/1993) requisitar autoridade competente a instaurao de procedimentos administrativos, tais como os de apurao de irregularidades, a serem executados pelos servios pblicos de auditoria (Controladoria-Geral da Unio, Departamento Nacional de Auditoria do SUS). O Ministrio Pblico tambm tem a prerrogativa de requisitar da administrao pblica servios temporrios de seus servidores (destaca-damente tcnicos com conhecimentos especializados) e meios materiais necessrios (tais como carros com trao especial para visitas em aldeias ou reas de preservao ambiental de difcil acesso) para a realizao de atividades especficas (art. 8o, III, da LC n. 75/1993), pelo que a inexistncia de convnios ou termos de cooperao no impede o Ministrio Pblico Federal de valer-se desses servios. Mesmo nesses casos em que o membro precisar valer-se das prerrogativas legais, convm manter bom dilogo com tais interlocutores, tendo sempre presente as dificuldades de recursos humanos e a sobrecarga experimentada, de modo geral, por esses rgos, evi-

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tando requisitar informaes ou servios temporrios (art. 8o, II, III e IV, da LC n. 75/1993) ou apurao administrativa (art. 7o, III) sem prvio contato com a autoridade requisitada, para estabelecer, de comum acordo, prazos razoveis para o cumprimento do requisitado ou apresentao dos resultados. A experincia demonstra que prazos acordados costumam ser cumpridos, enquanto a imposio de prazos exguos, de forma unilateral pelo Ministrio Pblico, alm de ensejar pedidos de prorrogao que terminam por esvaziar a pretenso inicial de celeridade, tendem a comprometer o esprito de cooperao. Essa postura foi expressamente recomendada pelo ento Procurador-Geral da Repblica, Dr. Cludio Lemos Fonteles, em e-mail encaminhado a todos os membros da Instituio, no dia 20.10.2003, relativo s requisies direcionadas Controladoria-Geral da Unio19. Merece meno destacada, outrossim, a convenincia de, em tutela coletiva, estabelecerem-se parcerias com o Ministrio Pblico Estadual. No foi toa que a Lei n. 8.078/1990 (CDC) acrescentou o 5o ao art. 5o da Lei n. 7.347/1985. Nas reas relacionadas defesa de interesses coletivos, no raro h grande dvida acerca da atribuio federal ou estadual, recomendando-se o litisconsrcio para evitar que, em caso de declnio de competncia, no fique a ao eventualmente proposta sujeita a ser extinta por falta de legitimidade ou presentao adequada do Ministrio Pblico. Por outro lado, em determinadas situaes de grande complexidade ou abrangncia, a atuao conjunta serve para unir esforos e garantir maior capilaridade na atuao do Ministrio Pblico Federal, menos interiorizado que o ramo estadual. Demais, no raro os colegas do ramo estadual gozam de qualificado apoio tcnico-pericial, bem como contatos preciosos com os rgos locais relacionados defesa dos interesses coletivos (polcia ambiental, Procons, ONGs etc.). Nesse contexto, merece nota a moderna tendncia de criao de associaes nacionais de membros do Ministrio Pblico com a atribuio de defesa dos direitos coletivos em reas especficas (Abrampa meio ambiente, cujo endereo eletrnico 20 e Ampasa sade, , p. ex.21) ou mesmo de grupos interinstitucionais pelo Conselho Nacional de Procuradores-Gerais (como caso do Grupo Nacional de Direitos Humanos, criado a partir de proposta levantada no I Encontro Nacional do Ministrio Pblico e Direitos Humanos, realizado juntamente com o Frum Social Mundial de 2005), de modo a estabelecer contatos e redes nacionais que otimizam a atuao ministerial e viabilizam a produo e a difuso de conhecimento especializado no interesse do Ministrio Pblico que atua nas referidas reas. No se pode desconsiderar, por fim, as parcerias no s tcnicas, mas tambm estratgicas, com a sociedade civil organizada, seja com associaes civis, seja com os movimentos ou com os conselhos sociais (valendo lembrar, neste ltimo caso, os conselhos de sade, previstos na Lei n. 8.142/1990, que disciplinou a participao da comunidade como diretriz do SUS, prevista constitucionalmente no art. 198, III). Tais parcerias permitem desde a mobilizao de foras sociais em prol da defesa de direitos coletivos at a identificao dos pontos mais importantes em que se faz necessria a atuao do Ministrio Pblico Federal sob uma perspectiva coletiva 22 (eleio de prioridades), passando pela necessria identificao e construo de solues criativas, muitas vezes imprescindvel nossa atuao em tutela coletiva. Particularmente no que respeita sade, corre o risco de perder a idia do contexto do SUS na sede de sua lotao o(a) procurador(a) que nunca estabelecer algum contato com os conselheiros de sade, embora no se possa desconhecer que, em algumas localidades, tais conselhos so manipulados pelo gestor local.

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Da qual hoje vice-presidente a Subprocuradora-Geral da Repblica Sandra Cureau, Coordenadora da 4a Cmara de Coordenao e Reviso O colega Humberto Jacques (PRR1) o vice-presidente nacional da Ampasa, podendo fornecer maiores detalhes para interessados em se associarem. Uma das grandes vantagens de o Ministrio Pblico estabelecer contato com os movimentos sociais e com as associaes conferir um enfoque mais coletivo a suas atuaes, evitando a particularizao a que tende o procurador se privilegiar o atendimento individual.

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1.8 As vantagens para o Ministrio Pblico de sua condio de litigante habitual em tutela jurisdicional coletiva: a importncia dos bancos de dadosMauro Cappelletti e Bryant Garth, na clssica obra Acesso Justia , ressaltam as vantagens que os litigantes habituais possuem em relao aos eventuais, citando trabalho do professor norte-americano Marc Galanter24:23

1) maior experincia com o Direito, a possibilitar-lhes melhor planejamento do litgio; 2) economia de escala do litigante, por possuir vrios casos; 3) oportunidades de desenvolver relaes informais com os membros da instncia decisora; 4) possibilidade de diluio dos riscos da demanda; 5) possibilidade de testar estratgias com determinados casos, de modo a garantir a expectativa mais favorvel em relao a casos futuros. Analisando essas vantagens pode-se perceber que o Ministrio Pblico possui excelentes condies de valer-se de sua condio de maior litigante na defesa dos interesses coletivos, ao menos no direito brasileiro25, para melhor desempenhar sua misso constitucional. Para isso servem manuais como o presente, que procuram compilar e consolidar conhecimentos hauridos da experincia cotidiana de atuao na rea.23

Traduo brasileira de Ellen Gracie Northfleet (Porto Alegre: Srgio Antnio Fabris, 1988). Tome-se como exemplo a vantagem que um grande supermercado possui perante um consumidor que teve seu veculo furtado no estabelecimento daquele. Enquanto o supermercado possui advogados especializados em defend-lo nessas causas, comuns para eles, o consumidor contar com um advogado que, por mais especializado que seja na rea de defesa do consumo, p. ex., no dominar o tema especfico Chega-se a aventar que o Ministrio Pblico responda por cerca de 90% das aes civis pblicas, o que no , necessariamente, um dado a ser comemorado, visto que importante que tambm os outros legitimados manejem os instrumentos que a lei lhes conferiu, mas que certamente um dado que deve ser tomado com especial ateno, principalmente porque, ainda que diminua significativamente, o referido percentual dificilmente baixar de 50% nas prximas dcadas.

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Refletindo sobre as vantagens acima identificadas, v-se que o desenvolvimento de relaes informais com os membros da instncia decisria e a reduo dos riscos da demanda so inerentes atuao do membro do Ministrio Pblico, que ordinariamente desenvolve suas atividades junto ao Poder Judicirio, em geral perante os mesmos juzes, mantendo de igual modo constantes contatos profissionais com os rgos do Poder Executivo que dispem de poder decisrio (cumprindo lembrar que h casos em que a deciso administrativa se mostra mais rpida e eficaz). Ademais, a iseno poltica e econmica que caracteriza sua funo pblica o habilita a ser merecedor de credibilidade e proximidade que no costumam ser destinadas a outros legitimados. Por outro lado, quanto reduo dos riscos da demanda, merecem meno as previses legais que o dispensam de custas e adiantamento de emolumentos e honorrios26 e, igualmente, as posies doutrinrias que sustentam ser a Instituio isenta de nus da sucumbncia, quando agindo de boa-f27. Outra vantagem que merece ser mais explorada pela Instituio diz respeito chamada economia de escala. Quantas e quantas vezes o Ministrio Pblico no enfrenta, no pas, as mesmas questes, seja no que diz respeito aos problemas reais apresentados a seus membros nos mais diversos pontos do pas, seja no que se refere s teses jurdicas que lhe so opostas? Diante dessas questes, seus membros, depois de muita reflexo, estudo e criatividade, encontram solues que precisam ser aproveitadas pelos demais colegas, como forma de otimizar o servio e qualificar a atuao. Para tanto se faz imprescindvel implementar organizados e eficazes bancos de dados nacionais (no caso do Ministrio Pblico Federal)26

A Lei n. 9.289/1996, no art. 4o, III, expressamente dispensa o Ministrio Pblico do pagamento de custas na Justia Federal. O art. 18 da Lei de Ao Civil Pblica expressamente afasta a obrigao de adiantar custas, emolumentos, honorrios periciais e quaisquer outras despesas nas aes civis pblicas, em benefcio de todos os legitimados. Nesse sentido doutrina minoritria, valendo citar Ricardo de Barros Leonel (Manual do processo coletivo. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2002). A doutrinria majoritria (NERY JNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Cdigo de processo civil comentado e legislao extravagante. 7. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2003; MANCUSO, Rodolfo Camargo. Ao civil pblica. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2004; e MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juzo. 18. ed. So Paulo: Saraiva, 2005) sustenta caber ao Estado ou Unio o pagamento da sucumbncia devida pelo Ministrio Pblico, conforme o ramo que atuou.

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e estaduais ou locais (em cada Procuradoria), numa perspectiva prxima de unificao desses dados ou, no mnimo, de acesso facilitado para todo o pas (pela intranet). Felizmente, est j implantada, em fase inicial, uma Base de Dados de Manifestao em Inteiro Teor, que ser alimentada pelas Cmaras, PFDC, Ncleos Temticos e demais Unidades do Ministrio Pblico Federal, mediante acesso credenciado, e possibilitar a pesquisa por assunto, autor, unidade, tipo de documento, nmero do procedimento ou ao judicial (consta do Anexo II um manual de ajuda para insero dos documentos digitalizados). Na Procuradoria da Repblica do Mato Grosso do Sul disponibiliza-se na intranet todas as peas elaboradas pelos membros atuantes naquele Estado (cf. , item Pesquisa. Acesso em: 10 mar. 2006). H orientaes das vrias Cmaras e da PFDC28 para que as portarias de instaurao, recomendaes, compromissos de ajustamento de condutas e iniciais de aes civis pblicas e de responsabilizao por ato de improbidade administrativa sejam encaminhadas em meio eletrnico para aqueles rgos da Instituio e para o referido banco de dados, podendo, inclusive, ser divulgados nas respectivas pginas da Internet. Tal providncia absolutamente indispensvel para a necessria e completa concretizao do banco de dados nacional do Ministrio Pblico Federal, convindo designar membros do gabinete para a respectiva insero ou deix-la sob a responsabilidade direta do membro. Tais bancos servem tambm para evitar atuaes conflitantes entre rgos do Ministrio Pblico Federal, na medida em que permite ao colega, antes de ajuizar a competente ao, verificar os posicionamentos j firmados em outros Estados. Complementarmente a tais bancos de dados nacionais, convm implement-los no mbito de cada sede, disponibilizando todos os trabalhos entre colegas sob um critrio que permita um arquivamento organizado e de fcil recuperao, para o que so necessrias sistemticas de nomenclatura e distribuio de pastas que considerem as peculiaridades da matria. Na Procuradoria da Repblica no Mato28

Por exemplo, Ofcio n. 25/2003 da PFDC, Ofcio Circular n. 08/2004 da 3a CCR, Ofcio Circular n. 33/2003 da 5a CCR.

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Grosso do Sul a soluo encontrada foi a estruturao de diretrios especficos e a edio de um manual que orientasse a nomenclatura dos arquivos eletrnicos (v. , item Manual Procedimentos. Acesso em: 10 mar. 2006). Esse banco de dados pode incluir tambm fontes de pesquisa especializada em meio fsico ou eletrnico: doutrina em livros ou artigos, coletneas de legislao e manuais, stios da internet e vrios outros que muito auxiliam a atuao do Ministrio Pblico. H, na PR/MS, diretrio compartilhado intitulado Biblioteca que armazena artigos, compndios de leis, anotaes feitas por colegas em congressos etc., valendo mencionar o Manual de direito sanitrio, uma coletnea de normas, artigos e julgados pertinentes. No Anexo I, consta uma lista bsica de stios de interesse.

1.9 A equipe de apoioCaracterizada por tantas particularidades, a tutela coletiva requer tambm uma equipe de apoio especializada para garantir boa atuao do Ministrio Pblico. Para tanto, primordial a viabilizao de uma secretaria administrativa (ou cartrio) e/ou29 de um apoio de gabinete, integrados por29

Entende o autor deste Manual que, em nome da especializao e racionalizao do servio e do controle institucional (vale dizer, apropriao pela unidade das informaes relacionadas aos feitos de tutela coletiva, para minimizar os males da rotatividade de membros e servidores), conveniente dividir as atribuies administrativas dos procedimentos e inquritos entre secretaria e gabinete. Ficariam com a secretaria as responsabilidades de acompanhamento (controle de prazos e de cumprimento das determinaes do procurador) e movimentao (nos sistemas eletrnicos respectivos: SPA, Caets etc.) dos procedimentos e inquritos, bem como armazenamento fsico e eletrnico dos documentos importantes (tais como cpias das peas produzidas e das orientaes das Cmaras) e numerao, expedio e recebimento de ofcios, por serem tais atividades sujeitas a uma rotina prpria que independe da orientao do(a) procurador(a). Tambm incumbiria secretaria o primeiro atendimento ao pblico e o encaminhamento a outros rgos quando a irregularidade no for da atribuio do Ministrio Pblico Federal.Ao apoio de gabinete incumbiria o trabalho interno de elaborao de despachos, ofcios e peas (TACs, recomendaes e aes), em que se faz imprescindvel a orientao jurdica e estratgica do titular do gabinete, bem como o atendimento relacionado a procedimentos ou inquritos em curso ou sobre matrias relacionadas atribuio do respectivo gabinete.Tem conscincia o autor deste Manual, contudo, que tal orientao no corresponde realidade da maioria das Procuradorias no pas. Nas menores, devido

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servidores capacitados especificamente na matria, de preferncia com formao jurdica, conscientes das peculiaridades da rea e bem integrados e articulados na execuo das suas funes. Em tutela coletiva, mais que na matria criminal e de custos, a experincia tende a garantir melhor desempenho desses servidores, por se tornarem mais familiarizados aos procedimentos e rotinas pertinentes. Demais, conjuntamente aos tcnicos periciais das vrias reas do conhecimento que a interdisciplinaridade requer (v. tpico prprio), convm estruturar uma assessoria de imprensa, fundamental em razo do grande interesse que as questes coletivas despertam na mdia. Trs particularidades referem-se diretamente atuao da equipe: o trabalho administrativo interno, a funo investigativa e a novidade que a tutela coletiva representa em termos jurdicos, demandando pesquisa especializada. Como j visto no item 1.5 (sobre a funo investigativa), h muito mais trabalho administrativo na tutela coletiva que nas demais reas: expedio, recepo e controle de ofcios, atendimento ao pblico e reduo a termo de declaraes e representaes, contatos com outros rgos da Administrao Pblica, controle e andamento dos procedimentos e inquritos etc. Para tudo isso preciso um nmero compatvel de servidores, tanto na secretaria como no gabinete, especialmente se esse acumular funes administrativas depouca disponibilidade de recursos humanos no Ministrio Pblico Federal, confundem-se secretaria e gabinete. Nas maiores, onde h a diviso, alguns dos servios aqui atribudos secretaria so realizados pelos gabinetes (como a expedio e cobrana dos ofcios) e viceversa. Em conseqncia, em um mesmo dia, possvel que mais de um gabinete telefone para o mesmo rgo pblico cobrando respostas a ofcios expedidos.Tambm pode ocorrer que, pela falta de experincia de determinados servidores do gabinete, o endereamento ou mesmo alguns aspectos bsicos do ofcio sejam erroneamente redigidos, sem que o procurador atente ao fato. Perde-se, com isso, as vantagens decorrentes da centralizao dessas atribuies em um mesmo setor: estabelecimento de rotinas, padres e contatos pessoais. Igualmente deve ocorrer de servidores do gabinete que fazem o primeiro atendimento ao pblico encaminharem erroneamente o cidado que trouxe ao Ministrio Pblico Federal matria que no de sua atribuio, por desconhecer endereos e servios disponveis na cidade. Para evitar essas falhas que o autor apresentou a sugesto acima que, todavia, no desconhece que s os colegas que atuam em cada unidade, conhecendo as peculiaridades dela, que tm condies de estabelecer a melhor rotina de trabalho. Certo que, juntos ou separados secretaria e gabinete e, nesse caso, com tal ou qual diviso de atribuies, no so poucas as responsabilidades da equipe de apoio, sendo de todo conveniente garantir um mnimo de especializao e capacitao especfica.

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andamento. Se as deficincias estruturais da Instituio no viabilizarem o nmero ideal, convm, ao menos, garantir a especializao de um setor (ainda que contando com um s servidor) e capacitar especificamente os servidores que atuam na rea 30. Por outro lado, como cabe ao Ministrio Pblico investigar, preciso, em primeiro lugar, que o apoio de gabinete (tambm o responsvel pelo atendimento ao pblico se esse no couber ao gabinete), sob a orientao do respectivo procurador, seja capaz, diante do problema bruto que lhe trazido por meio de uma representao (escrita ou oral), da imprensa ou de conhecimento prprio, de visualizar quais seriam as possveis atuaes do Ministrio Pblico para solucionar o problema: 1) ao civil pblica com pedido X ou 2) ao de responsabilizao por ato de improbidade administrativa contra quais agentes e por ato enquadrvel em qual das modalidades arts. 9o, 10 ou 11 da Lei n. 8.429/1992 ou 3) um termo de ajustamento de conduta ou, ainda, 4) uma recomendao, e dirigir para elas sua linha investigativa, sempre sob a orientao do(a) procurador(a). Essa viso se faz tanto mais necessria quando se trata de um primeiro atendimento individual, que resultar em uma representao reduzida a termo na Procuradoria, sendo de todo conveniente que os elementos registrados j levem em considerao o caminho que ser adotado. Para tanto, pressuposto que esse apoio possua algum conhecimento bsico e genrico sobre os institutos da tutela jurisdicional coletiva. Infelizmente, esse conhecimento no , em regra, estudado nas faculdades, de modo que a primeira orientao que o membro do Ministrio Pblico dever passar a sua equipe ser uma bibliografia bsica sobre inqurito civil, ao civil pblica e ao de responsabilizao por ato de improbidade administrativa 31, alm, por bvio, da leitura das prprias leis.30

H Procuradorias, como a de Campinas, nas quais certas funes (como o atendimento), por opo administrativa interna, so distribudas entre um grande nmero de servidores, em sistema de revezamento. Muito embora tal opo tenha a vantagem de evitar sobrecarga individual, h significativo risco de comprometimento da uniformidade e qualidade do servio prestado, dada a falta de especializao, dificuldade que, todavia, pode ser minorada com o estabelecimento de uma rotina-padro mnima (v. tpico sobre o atendimento) e com a capacitao especfica de todos que fazem tal atendimento. Uma sugesto de bibliografia bsica : 1) comentrios de Nelson Nery Jnior Lei de Ao Civil Pblica, constante de seu clebre Cdigo de Processo Civil Comentado e Legislao Extravagante (Revista dos Tribunais); 2) Luis Roberto Proena, Inqurito civil: atuao

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Esses conhecimentos bsicos, porm, no bastaro a resolver o problema apresentado ao Ministrio Pblico. Ser preciso adentrar no tema especfico, pesquisando detidamente a legislao de regncia (p. ex., normas relacionadas ao reconhecimento de cursos universitrios, quando a matria versar sobre cursos irregulares ainda no reconhecidos), tentando identificar solues j dadas pelo prprio membro ou por outros rgos do Ministrio Pblico ou o que diz a jurisprudncia 32 e a doutrina a respeito. Para essa pesquisa direcionada, a equipe de apoio e a qualidade e disponibilidade dos bancos de dados (em especial os informatizados) so fundamentais, devendo ser essa a misso que dela merea maior disposio e dedicao. A funo da Secretaria (ou Cartrio) de Tutela um pouco diversa daquela do apoio de gabinete (quando separados, considerandose o modelo ideal referido na nota n. 28), o que no a dispensa de procurar harmonizar-se com esse. Identificada a linha investigatria e as informaes necessrias pelo gabinete, sob a orientao do(a) procurador(a), caber ao cartrio a obteno dessas informaes junto aos rgos que as detm, demandando o mnimo possvel de trabalho do membro ofician-te e garantindo a mxima celeridade e eficincia possvel. Isso no fcil. Pressupe a existncia de modelos de ofcios requisitrios, cuidados com endereamento e forma de encaminhamento e, em especial, postura adequada perante os rgos destinatrios, capaz de garantir a pronta e completa resposta. Quando factvel, convm que os servidores do cartrio tenham acesso aos bancos de dados disponibi-lizados ao Ministrio Pblico Federal por meio de convnio.investigativa do Ministrio Pblico a servio da ampliao do acesso Justia (So Paulo: Revista dos Tribunais, 2001), captulos 2 a 5; e/ou 3) Hugo Mazzilli, Pontos controvertidos sobre o inqurito civil (in: MILAR, dis [Coord.]. Ao civil pblica: Lei 7.347/1985 15 anos), p. 267-303; e 4) Nicolao Dino de Castro e Costa Neto, Improbidade administrativa: aspectos materiais e processuais (in: SAMPAIO, Jos Adrcio Leite et al. [Orgs.]. Improbidade administrativa: 10 anos da Lei 8.429/92. Belo Horizonte: Del Rey [apoio da ANPR], 2002). Para aprofundamento dos temas de interesse geral para a tutela coletiva, v. MAZZILLI, Hugo. O inqurito civil. 2. ed. So Paulo: Saraiva, 2000; e LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo: de acordo com a Lei 10.444/02. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.32

Pesquisando-se, basicamente, nos stios do Conselho da Justia Federal (), incluindo STJ e TRFs, e do Supremo Tribunal Federal (), cujos julgados so os que mais interessam Justia Federal, como fonte de direito e argumento de autoridade.

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Outra funo da Secretaria, talvez a mais importante, ter controle sobre todos os inquritos ou procedimentos administrativos investigatrios em andamento e conhec-los relativamente bem, de modo a evitar novas instauraes sobre as mesmas circunstncias (o que dispersa fora e informaes) e garantir que as informaes pertinentes a cada investigao sejam levadas a registro no respectivo procedimento (p. ex., a notcia de um novo problema relacionado mesma entidade ou pessoa investigada em sede de defesa de patrimnio pblico, ou a reestruturao de um hospital que estava parado etc.). Para isso, fundamental que haja um mnimo de estabilidade nos servidores do cartrio, de modo a se constituir uma espcie de memria institucional (fundamental em uma Instituio onde h significativa mobilidade territorial entre os procuradores), o que pode ser garantido, tambm, com um eficiente software capaz de registrar em detalhes o objeto de todas as investigaes e sucintamente seus andamentos e linha investigatria adotada. Nesse software, convm, se possvel, armazenar informaes extra-oficiais, como a linha investigatria e os passos futuros, de modo a minimizar os prejuzos advindos da troca do membro oficiante ou dos servidores com atuao diretamente relacionada ao procedimento. A necessidade da qualificao e especializao acima demonstrada recomenda compatvel estrutura remuneratria dos setores que trabalham com a tutela coletiva, equivale dizer, a previso, na estrutura administrativa, de funes comissionadas de chefia e assessoramento que assegurem um mnimo de estabilidade dos servidores no setor e estimulem o auto-aprimoramento33. Cada unidade deve destinar um ou alguns servidores do quadro, lotados na Secretaria ou no gabinete, para a importante funo de realizar o atendimento ao pblico. O servidor responsvel pelo primeiro atendimento dever possuir, alm da formao jurdica, conhecimento especfico sobre as atribuies do Ministrio Pblico Federal na tutela coletiva e suas distines com outros rgos ou instituies tambm voltados ao atendimento da populao em geral (defensoria pblica, p. ex.). No sendo da atribuio do Ministrio33

Devido conscincia formada nesse sentido na PR/MS, contando com a sensibilidade de todos os colegas e em especial dos procuradores-chefes, destinava-se uma funo comissionada de assessoria jurdica da estrutura do gabinete do procurador-chefe para a Coordenao da Tutela Coletiva, com excelentes resultados.

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Pblico Federal a questo trazida, impende encaminhar o cidado para o rgo adequado (v. prximo captulo). Aquele que atender caso determinado, j em andamento ou cuja matria se inclua nas atribuies do respectivo gabinete, dever dominar minimamente a rea e ter cincia das investigaes similares j em curso. preciso ter presente que esses servidores sero responsveis pela imagem da Instituio perante o cidado atendido e que h dispndio de dinheiro e tempo deste ltimo no deslocamento Procuradoria. A Procuradora Federal dos Direitos do Cidado editou, em 22.4.2003, a Instruo Normativa n. 02/2003 para estabelecer critrios gerais para a organizao administrativa das Secretarias das Procuradorias Regionais dos Direitos do Cidado e das Procuradorias dos Direitos do Cidado. Pelo estudo que a precedeu, elaborado por grupo de trabalho designado especificamente para esse fim, e pela plena compatibilidade entre os ofcios da defesa dos direitos do cidado e dos demais da tutela coletiva, o modelo institudo pela referida IN pode servir de modelo a qualquer cartrio ou secretaria de tutela coletiva.

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A atuao na rea de tutela coletiva impe uma rotina diferenciada de trabalho dos membros do Ministrio Pblico, quando comparada s atividades desenvolvidas por aqueles que atuam nas reas de custos legis e criminal, visto que exige maior contato com o pblico em geral. Quanto maior a visibilidade do Ministrio Pblico Federal em uma dada comunidade, decorrente da atuao e conseqente cobertura da mdia e da participao dos membros em palestras e audincias pblicas, tanto maior ser a procura pela Instituio por integrantes da sociedade, visando soluo dos mais diversos tipos de questes. Para que se viabilize tal atendimento a todos, impende assegurar acessibilidade fsica s pessoas portadoras de deficincia, adaptando o prdio da Procuradoria s exigncias da legislao (Lei n. 10.098/200034) e da ABNT (NBR 9050)35. Cabe lembrar que as reparties pblicas devem dispensar atendimento prioritrio, imediato e diferenciado s pessoas portadorasNos termos do art. 11 da Lei n. 10.098/2000, devero ser observados os seguintes requisitos mnimos de acessibilidade: I nas reas externas ou internas da edificao, destinadas a garagem e a estacionamento de uso pblico, devero ser reservadas vagas prximas dos acessos de circulao de pedestres, devidamente sinalizadas, para veculos que transportem pessoas portadoras de deficin-cia com dificuldade de locomoo permanente; II pelo menos um dos acessos ao interior da edificao dever estar livre de barreiras arquitetnicas e de obstculos que impeam ou dificultem a acessibilidade de pessoa portadora de deficincia ou com mobilidade reduzida; III pelo menos um dos itinerrios que comuniquem horizontal e verticalmente todas as dependncias e servios do edifcio, entre si e com o exterior, dever cumprir os requisitos de acessibilidade de que trata esta Lei; e IV os edifcios devero dispor, pelo menos, de um banheiro acessvel, distribuindo-se seus equipamentos e acessrios de maneira que possam ser utilizados por pessoa portadora de deficincia ou com mobilidade reduzida.34 35

Tudo sobre os Direitos das Pessoas com Deficincia pode ser encontrado na magnfica obra com esse ttulo da colega Eugnia Augusta Gonzaga Fvero (Rio de Janeiro: WVA, 2004), indubitavelmente a maior especialista na matria, do Ministrio Pblico Federal, e uma das maiores do pas.

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de deficincia, aos idosos com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, s gestantes, s lactantes e s pessoas acompanhadas por crianas de colo, nos termos da Lei n. 10.048/2000, com a redao que lhe deu a Lei n. 10.741/2003.

2.1 O primeiro contato e a triagem: do individual para o coletivoPara no inviabilizar a atuao funcional do(a) procurador(a), imprescindvel o trabalho de servidores especialmente capacitados para um primeiro contato com o cidado, que assegure a um s tempo qualidade do atendimento (em respeito cidadania e no interesse de cumprir adequadamente a funo da Instituio) e triagem das irregularidades cuja soluo efetivamente se insere entre as atribuies do Ministrio Pblico Federal, visto que grande parcela das pessoas que buscam o auxlio da Instituio o fazem no intuito de resolverem problemas marcadamente individuais36, cuja defesa vedada ao Ministrio Pblico Federal (art. 15 da LC n. 75/1993)37 e 38. Tal vedao,36

Exemplificativamente: segurado do INSS reclamando que o perito do INSS no reconheceu evidente doena incapacitante para o trabalho ou que o instituto est demorando demasiadamente em deferir pleito legtimo seu; muturio da Caixa Econmica Federal reclamando que j pagou o financiamento de sua casa prpria e ainda no recebeu quitao ou que sua casa financiada est ruindo; cidado reclamando que no consegue fazer determinada cirurgia pelo SUS porque determinado hospital est lhe negando atendimento; estrangeiro que est com dificuldade de tirar documentao etc. Isso sem falar nos casos que, alm de individuais, sequer teriam qualquer relao com a esfera federal: causa na Justia Estadual que no anda ou vcio de produto ou servio prestado por empresa particular. Cumpre aqui registrar que tal posicionamento est longe de ser unanimidade na Instituio, havendo inmeros colegas que, diante da omisso de outros rgos notadamente da Defensoria Pblica da Unio e da resolutividade que possui a atuao do Ministrio Pblico Federal, entendem caber-nos atuar em benefcio dos indivduos que acorrem Instituio. Data maxima venia, esse entendimento, como dito, tende a consumir tempo e esforos que so retirados de nossa atuao coletiva. Exemplificando, prefervel concentrar esforos extrajudiciais ou judiciais para garantir a estrutura mnima necessria Defensoria Pblica da Unio, ou lev-la a firmar convnios para o adequado desempenho de suas funes (cf. art. 14, 1o da LC n. 80/1994), como feito no Amazonas e no Mato Grosso do Sul, com aes civis pblicas ajuizadas para garantir a lotao legal nos respectivos Estados ou a celebrao de convnio previsto em lei, ambas com provimento judicial favorvel, a atender os casos individuais que nos so trazidos. A Resoluo n. 02, extrada do X Encontro Nacional dos Procuradores dos Direitos do Cidado, realizado em Braslia, entre 16 e 18 de agosto de 2004, estatui, quanto ao mbito de atuao do PDC, que: Em interesses individuais indisponveis, [atuar] como agente, em decorrncia de expressa previso da atribuio do Ministrio Pblico na Constituio da Repblica, nas leis exemplificativamente, no Estatuto da Criana e do Adolescente e no Estatuto do Idoso e em tratados ou convenes internacionais. Em outros interesses

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assim como a constante do art. 129, IX, da CF, parece pretender evitar que a Instituio se desvie de sua maior e mais importante misso constitucional na rea cvel: a defesa dos interesses coletivos39. Com efeito, a prtica demonstra que, em no havendo uma firme orientao contra o enfoque individual de atuao por parte dos procuradores responsveis pelas matrias de cidadania, consumidor e defesa das minorias, para as quais surge um maior nmero de demandas individuais, a tendncia haver uma sobrecarga de trabalho decorrente dessas demandas impedientes de uma maior atuao coletiva, resultando, ao final, em prejuzo da populao que, pelos mais variados motivos, no teve acesso Instituio e v-se espoliada dos mais variados, essenciais e legtimos direitos coletivos que estariam a merecer atuao do Ministrio Pblico Federal. Todavia, nada impede ao contrrio, tudo recomenda que se procure identificar uma leso coletiva40 nas questes individuais trazidas, de modo a direcionar para ela a atuao do Ministrio Pblico Federal41. Um servidor bem qualificado e experiente capaz de disindividuais, quando no caracterizado, de plano, qual o rgo ou instituio que possui atribuio, pode o PDC colher elementos de convico antes do encaminhamento. Em qualquer caso e sempre que possvel, deve o PDC direcionar sua atuao soluo da questo sob a perspectiva coletiva.39

Ressalve-se que a importncia que se d, neste manual, nossa atuao em defesa dos interesses coletivos no desconhece possuirmos algumas atribuies em defesa de interesses individuais indisponveis. Toda a legislao referente s nossas atribuies deve ser interpretada em consonncia com o disposto nos arts. 127 e 129 da Constituio Federal. Enquanto aquele ressalta, como diretriz geral, o compromisso institucional com os interesses sociais e individuais indisponveis, o art. 129 detalha nossa atribuio, estabelecendo explicitamente nosso dever para com a defesa dos interesses coletivos (inciso III) e remetendo legislao a possibilidade de atribuir-nos outras funes (inciso IX) que, no entender do autor, devem harmonizar-se com a defesa de interesses sociais e individuais indisponveis (art. 127). Dessas atribuies legais especficas decorrem inmeros deveres nossos para com interesses individuais que no podem ser desconsiderados. Aproveitando os exemplos antes trazidos, suponha-se que durante o atendimento individual o servidor identifique: que a demora do INSS devida a uma greve ou falta de peritos; que o problema estrutural afeta todas as casas de determinado conjunto habitacional; que a negativa do hospital decorre do fato de o Sistema nico de Sade no autorizar nem remunerar determinado tratamento absolutamente necessrio ou que a negativa para registro do estrangeiro decorre de norma regulamentar do Ministrio da Justia. Todas essas circunstncias, muito embora tenham sido trazidas por um indivduo que expunha sua leso individual a direito, so, na verdade, leses coletivas. Ainda nos mesmos exemplos, poder o Ministrio Pblico Federal direcionar sua atuao para equacionar os prejuzos da greve (nesse sentido, ao civil pblica ajuizada no Mato Grosso do Sul, para permitir que os atestados do SUS suprissem a percia do INSS enquanto estas no se realizassem em prazo razovel), ou para apurar a responsabilidade solidria da Caixa

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tinguir aquela situao eminentemente individual da que apenas a ponta visvel de uma grave leso coletiva, mas isso pressupe orientao, capacitao e experincia, alm de conhecimentos jurdicos. Por tudo isso recomendvel que esse atendimento seja feito por servidores com formao em Direito e do quadro efetivo da Procuradoria, mas que, sem dvida, pode ser acompanhado por estagirio para o seu aprendizado. Descabido destinar estagirio ou servidor sem formao e experincia compatveis para uma funo que serve de imagem da Instituio para quem a procura. Cumpre de igual modo ter presente que determinados grupos sociais demandam um atendimento diferenciado, que considere suas caractersticas especficas, como o caso das populaes indgenas e das minorias socioculturais (remanescentes quilombolas e ciganos, p. ex.). Nesses casos, sempre que possvel, recomendvel que o servidor responsvel pelo atendimento seja um antroplogo, dada sua maior capacidade de contextualizar e dar visibilidade s categorias de pensamento e s prticas sociais dessas populaes. Igualmente convm que o(a) procurador(a) acompanhe pessoalmente esses atendimentos, mormente quando se trata de questo relevante, para melhor formar seu convencimento sobre a atuao cabvel.

2.2 O cadastro simplificadoUma providncia que tende a contribuir para melhor direcionamento da atuao ministerial a partir dos atendimentos individuEconmica Federal e da construtora das casas cuja estrutura defeituosa, visando a uma futura ao coletiva de responsabilizao genrica (art. 95 do Cdigo de Defesa do Consumidor CDC) contra ambas, ou para assegurar, judicial ou extrajudicialmente a incluso do referido tratamento na lista do SUS (com fundamento no princpio constitucional e legal da integralidade do atendimento) ou, ainda, para buscar a nulidade da norma do Ministrio da Justia. Optando pela busca de uma soluo coletiva por certo mais trabalhosa que a mera expedio de ofcios tendentes a resolver a situao individual trazida Procuradoria , a atuao do Ministrio Pblico Federal cumprir muito melhor sua funo constitucional e mais benefcios trar sociedade. Durante a instruo, contudo, pode-se adotar a estratgia de, no ofcio que requisita informaes de carter coletivo, referir o caso individual que foi trazido Instituio (v.g.: o Ministrio Pblico Federal, tomando conhecimento dos graves transtornos ocasionados pela greve dos peritos, exemplificados na representao que segue anexa, requisita de Vossa Senhoria as seguintes informaes: 1) qual a durao da greve?; 2) quantas pessoas, em mdia, eram atendidas por dia?; 3) quais as medidas que esto sendo adotadas para resolver a questo? [...]). A experincia tem demonstrado que essa referncia basta a resolver o problema individual, sem que se perca o enfoque coletivo.

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ais um cadastro simplificado dos atendimentos, que registre nome, telefone e endereo do(a) atendido(a), assim como assunto (inconformidade apresentada), encaminhamento e servidor responsvel pelo atendimento. Dentre as vrias vantagens desse cadastro na otimizao da atuao do Ministrio Pblico Federal destacam-se: 1) a possibilidade de, diante da reiterao de uma mesma denncia, vir a se caracterizar uma leso coletiva no detectada em um primeiro momento42, caso em que se justificar a instaurao do procedimento administrativo pertinente e ser conveniente solicitar s pessoas que antes foram atendidas (e cujos dados foram registrados) que compaream novamente Procuradoria para tomada formal do respectivo depoimento; 2) o valioso instrumental em que se constitui para a eleio de prioridades de atuao dos membros com atribuio na tutela coletiva43; 3) a identificao dos principais enganos das pessoas quanto s atribuies do Ministrio Pblico Federal para possibilitar que os membros, em palestras, audincias e outros eventos pblicos, afastem esses equvocos, ensejando, com o passar do tempo, a diminuio significativa dessa espcie de procura e evitando dispndio de tempo e dinheiro dos cidados; 4) serve de parmetro estatstico para medir o trabalho do(s) servidor(es) que atua(m) no atendimento, identificando a real necessidade do servio; 5) traa um perfil do cidado que procura a Instituio, do que ele espera dela e de quais matrias ensejam mais atendimento individual;42

Nos mesmos casos antes referidos, se o servidor no percebeu o enfoque coletivo no primeiro momento, ou em outros em que, de fato, s a repetio significativa tende a justificar a atuao do Ministrio Pblico Federal. Imagine-se, p. ex., um grande nmero de reclamaes por descaso profissional de determinado escritrio de advocacia sem que a respectiva seccional da Ordem dos Advogados do Brasil tome qualquer providncia, podendo-se justificar atuao do Ministrio Pblico Federal para provoc-la, talvez judicialmente, a agir no exerccio de sua funo fiscalizadora-punitiva ou responsabiliz-la por sua omisso. Exemplificativamente: em uma Procuradoria em que so muitos os atendimentos de pessoas reclamando do servio prestado pelo INSS, convm que o(a) procurador(a) com atribuio para a matria promova algumas medidas voltadas melhoria da qualidade do servio no Instituto; se as reclamaes se voltam contra advogados, h que se identificar se h por parte da respectiva seccional da OAB omisso passvel de responsabilizao administrativa ou judicial.

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6) contribui para identificar o grau de acessibilidade e visibilidade da respectiva unidade do Ministrio Pblico Federal, permitindo, no futuro, comparaes nacionais que sejam consideradas na estatstica. Recomenda-se fazer o registro aqui sugerido diretamente em um banco de dados eletrnico, elaborado na prpria unidade (em Access ou aplicativo de fcil configurao) e disponvel em computador destinado para o atendimento e instalado no local prprio para tal fim. Convm tambm que tal equipamento possua acesso Internet e um editor de texto com modelos dos principais termos de representao, de modo a facilitar as necessrias pesquisas e a reduo a termo das representaes orais.

2.3 O encaminhamentoSe o problema explanado pelo cidado no se incluir entre as atribuies do Ministrio Pblico Federal, imprescindvel que lhe seja assegurada uma orientao adequada de como resguardar seus direitos, encaminhando-o ao rgo ou instituio incumbida da apreciao da questo. Exemplificativamente, tratando-se de interesses individuais (ex.: reviso de penso previdenciria, solicitao de alvar para liberao de FGTS etc.) primordial que o servidor responsvel pelo atendimento informe ao cidado sobre a possibilidade de defender seus direitos valendo-se dos servios da Defensoria Pblica da Unio