Tvs Legislativas - Monografia Comunicacao rial - Ufjf - Nicole Leao - Nov2010

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA FACULDADE DE COMUNICAO SOCIAL ESPECIALIZAO EM COMUNICAO EMPRESARIAL

TVs legislativas: entre a comunicao poltica e a comunicao pblica, uma ferramenta de divulgao institucional

Juiz de Fora Novembro de 201

Nicole Fajardo Maranha Leo de Souza

TVs legislativas: entre a comunicao poltica e a comunicao pblica, uma ferramenta de divulgao institucional

Trabalho de Concluso de Curso apresentado como requisito para obteno de grau de Especialista no Curso de Especializao em Comunicao Empresarial da Faculdade de Comunicao Social da UFJF

Orientadora: Christina Ferraz Musse

Juiz de Fora Novembro de 2010

Nicole Fajardo Maranha Leo de Souza

TVs legislativas: entre a comunicao poltica e a comunicao pblica, uma ferramenta de divulgao institucional

Trabalho de Concluso de Curso apresentado como requisito para obteno de grau de Especialista no Curso de Especializao em Comunicao Empresarial da Faculdade de Comunicao Social da UFJF

Orientadora: Christina Ferraz Musse

Trabalho de Concluso de Curso aprovado em 22/11/2010 pela banca composta pelos seguintes membros:

_________________________________________________ Prof. Dra. Christina Ferraz Musse (UFJF) Orientadora

_________________________________________________ Prof. Dr. Eduardo Srgio Leo de Souza (UFJF) - Convidado

_________________________________________________ Prof. Dr. Paulo Roberto Figueira Leal (UFJF)- Convidado

Conceito Obtido _________________

Juiz de Fora Novembro de 2010

Falar de comunicao significa reconhecer que estamos numa sociedade na qual o conhecimento e a informao passaram a ter um papel primordial, tanto nos processos de desenvolvimento econmico, como nos processos de democratizao poltica e social. Jess Martn-Barbero

A tarefa de colocar todas as instituies pblicas que se dedicam comunicao social a servio dos direitos da cidadania algo que pode ser alcanado na nossa gerao. Eugnio Bucci

Que funo ou valia tem para um cidado um sistema de representao poltica que ele no compreende, no qual no confia e do qual no sente vontade de participar? Letcia Renault

RESUMO

Esse trabalho pretende abordar os conceitos que norteiam as TVs legislativas, tipo especfico de comunicao de massa que a cada dia ocupa mais espao na esfera pblica. O ponto de partida a anlise sobre todos os tipos de comunicao que perpassam essas emissoras da comunicao poltica comunicao pblica. Tomando como base o caso da TV Assembleia de Minas Gerais (a primeira emissora legislativa do pas), buscamos analisar as caractersticas desses canais, o processo que culminou na sua implantao, os elogios e crticas ao seu atual formato miditico e sua influncia sobre o comportamento poltico. Apesar de se pretenderem pblicas, essas emissoras ainda esto muito longe de alcanarem a necessria independncia do poder pblico, aproximando-se mais de instrumentos de divulgao governamental. Isso, no entanto, no as impede de exercerem importantes papis na promoo da cidadania e da divulgao de interesses pblicos.

Palavras-chave: Comunicao Poltica; TV pblica; TV legislativa.

SUMRIO 1. INTRODUO 2. COMUNICAO PARA AS MASSAS 3. MDIA E POLTICA 3.1 ESFERA PBLICA POLTICA 3.2 A MDIA COMO ATOR POLTICO 3.3 A IMPORTNCIA DA IMAGEM NA POLTICA 4. COMUNICAO PBLICA 5. A TELEVISO 5.1 A LEI DO CABO 5.2 PARA O CONSUMIDOR OU PARA O CIDADO? 5.3 PBLICA, ESTATAL OU PRIVADA? 5.4 INTERESSE PBLICO 5.5 O IDEAL DE TV PBLICA 6. ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DE MINAS GERAIS 6.1 COMUNICAO NA ASSEMBLEIA 7. COMUNICAO INSTITUCIONAL 7.1 ACCOUNTABILITY 8. TELEVISES LEGISLATIVAS 8.1 IMPACTOS NO COMPORTAMENTO PARLAMENTAR 8.2 DIGITALIZAO 9. A PRIMEIRA TV LEGISLATIVA DO PAS 10. CONCLUSO 11. REFERNCIAS 11.1 LIVROS E ARTIGOS 11.2 DOCUMENTOS 11.3 SITES

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1. INTRODUO

A comunicao ocupa um papel central na sociedade contempornea. Ela permeia diferentes processos e esferas da atividade humana, em especial a esfera da poltica. Nesse contexto, o crescimento das TVs Legislativas nos incita a analisar, mais a fundo, as relaes entre meios de comunicao, poltica e sociedade. Trata-se, inegavelmente, de uma via de mo dupla - a poltica exerce influncia sobre a mdia, mas esta tambm influencia o fazer poltico e a percepo do pblico. A verdade que h uma zona de interface entre os universos da poltica e da comunicao, que merece ser melhor analisado diante da existncia de veculos de comunicao que voltam sua cobertura prioritariamente para as atividades parlamentares. O modelo de televiso legislativa relativamente novo. A primeira TV desse tipo a entrar no ar, a TV Assembleia de Minas Gerais, completa, em 2010, quinze anos no ar. Apesar de serem cada vez mais numerosas no pas, as TVs legislativas ainda passam por um momento de definio de linhas editoriais, de estratgias de cobertura e programao, de critrios de noticiabilidade. Mais, por um momento de definio conceitual. Por outro lado, inegvel que essa modalidade de comunicao veio ocupar um espao vazio na interface dos campos de mdia e poltica. Durante anos, a cena poltica do Brasil teve como nico meio de interlocuo com a sociedade veculos comerciais que no tinham como principal foco de cobertura as atividades legislativas. Desse modo, o espao ocupado pelos trabalhos parlamentares dentro da grande gama de notcias era bastante reduzido. E, da mesma forma, o acesso que os cidados tinham aos acontecimentos legislativos. Um dos principais preceitos de uma televiso pblica priorizar assuntos que contribuam para elevar o nvel de conscincia e cidadania da populao. O mesmo princpio

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compartilhado pelas TVs estatais que, apesar dos pontos em comum, se diferenciam completamente das TVs pblicas, as no-estatais. So termos que geram um grande conflito conceitual, e cujo desmembramento alvo do interesse de diversos autores brasileiros. Tambm muito se discute que os canais legislativos atuam prioritariamente como ferramentas de comunicao institucional, deixando de lado esse compromisso social. Na realidade, ainda h uma grande dificuldade em definir em qual campo a TV Legislativa est: institucional ou pblica. Em alguns momentos, comporta-se claramente como TV pblica, voltando sua programao para a educao e reflexo dos espectadores. Em outros, assume uma postura mais estatal e institucional, voltando-se para a transmisso de aes e eventos parlamentares. Foi essa dubiedade que motivou o presente estudo. As TVs legislativas, tendo como parmetro a mais antiga delas, a TV ALMG, so realmente meios pblicos de comunicao a servio de interesses comuns sociedade? Ou so meramente ferramentas voltadas para a divulgao de atividades internas, como instrumento principal (e talvez nico) de accountability das casas legislativas? Ou mesmo podem ser uma interseo dessas duas possibilidades, atuando em favor do parlamento e tambm do cidado, em favor da comunicao poltica institucional e da comunicao pblica, sem prejuzo para nenhuma das partes? Para tentar chegar a uma concluso, imprescindvel que passemos, primeiramente, por conceitos da comunicao poltica e da comunicao pblica, sem deixar de lado a definio das trs categorias televisivas (estatal, pblica e privada) e sem desconsiderar, claro, importncia dos meios de comunicao de massa na atualidade.

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2. COMUNICAO PARA AS MASSAS

Os meios de comunicao permeiam e influenciam todos os aspectos da vida cotidiana. Os mais diversos acontecimentos so rotineiramente visualizados por meio da mdia. Na atualidade, os veculos de comunicao de massa so os principais mediadores entre a realidade social e a nossa percepo do mundo. Eles comeam a se desenvolver e a se expandir principalmente a partir dos sculos XIX e XX, juntamente com a sociedade de consumo. poca, a Revoluo Industrial permite uma produo cultural em larga escala, posteriormente caracterizada como cultura de massa. Segundo BARBERO (2001, p. 70), a cultura de massa a primeira a possibilitar a comunicao entre os diferentes estratos da sociedade. Este fenmeno faz com que os meios de comunicao comecem a operar em grandes propores e transforma a prpria concepo de espao pblico. O debate de assuntos polticos passam a acontecer a partir ou por meio da mdia, o que exige uma reconfigurao dos limites do pblico e do privado. Apesar da comunicao de massa ser um fenmeno marcante desde a sociedade do sculo XIX, foi apenas nos anos 20 do sculo passado que comearam a surgir os primeiros estudos sobre o tema. Mas a viso sobre a influncia da mdia na sociedade no homognea. Algumas correntes tericas tendem a superestimar o poder da mdia, supondo que o homem no tem nenhum poder de reao frente aos meios de comunicao. Os Apocalpticos e os Integrados1 enxergam a presena da mdia de forma onipotente. Os Apocalpticos2 consideram que a indstria cultural3 acarreta em padronizao e organizao, com a conseqente produo de esteretipos e contedo de baixa qualidade. O indivduo, ento, deixaria de tomar decises autnomas, passando a fazer escolhas baseado na1 2 3

Termos utilizados por Umberto Eco em obra sobre cultura de massa. Representados principalmente pelos tericos da Escola de Frankfurt. Termo usado por Horkheimer e Adorno pela primeira vez no livro Dialtica do Poder, publicado em 1947.

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manipulao exercida pela mdia. Como se percebe, essa viso crtica coloca o poder dos meios como malfico, apesar de tom-los como centrais para o entendimento da sociedade contempornea. Por sua vez, os Integrados4, vem os meios de comunicao como instrumentos para alcanar objetivos uma viso que claramente coloca a comunicao de massa como algo positivo para a sociedade. Ambas as correntes, no entanto, entendem o homem sem nenhum poder de reao frente aos meios de comunicao de massa. J algumas perspectivas elitistas da Cincia Poltica costumam menosprezar a influncia dos veculos de comunicao de massa. Ao invs de supervalorizar os meios, algumas reas das Cincias Sociais, como a prpria Cincia Poltica, tendem a menosprezar o impacto da mdia nas sociedades contemporneas. Para este estudo, no vamos adotar nem uma, nem outra posio extremista. Contrapondo os dois lados, temos que a perspectiva mais adequada aquela que destaca o papel dos meios de comunicao, sem, no entanto, desprezar o poder dos espectadores. O que pode ser aplicado, inclusive, no campo poltico. Para justificar a centralidade que a comunicao assumiu em nossa sociedade, LIMA (2007, p. 86) destaca trs pontos: o papel crescente da comunicao no processo de socializao e, em particular, na socializao poltica; a capacidade da comunicao de construir a agenda pblica (efeito agenda-setting); e o poder de longo prazo que a comunicao tem na construo da realidade atravs da representao que faz dos diferentes aspectos da vida humana e, em particular, da poltica e dos polticos. atravs da comunicao - em sua centralidade que a poltica construda simbolicamente, adquire significado.

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Representados pela pesquisa funcionalista da Escola Americana.

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Alguns autores defendem que a comunicao a nica detentora do poder de determinar o que pblico na sociedade contempornea. GOMES (2004) corrobora esta idia, afirmando que a comunicao hoje a nica janela para a realidade poltica para a maioria dos cidados.

Hoje a esfera da comunicao controla praticamente todo o provimento de informao e comunicao de interesse poltico e praticamente todo o fluxo de mensagens da esfera poltica em direo esfera civil. (GOMES, 2004, p. 419).

No podemos ignorar, no entanto, que os acontecimentos e ideias transmitidos pela mdia no so integralmente isentos, muito menos plurais.

As vozes que se fazem ouvir na mdia so representantes das vozes da sociedade, mas esta representao possui um vis. O resultado que os meios de comunicao reproduzem mal a diversidade social, o que acarreta conseqncias significativas para o exerccio da democracia. (MIGUEL, 2002, p. 163).

Nesse contexto, outra questo vem tona: a insero de grandes populaes nas democracias de massa e a centralidade dos meios de comunicao teriam provocado, segundo HABERMAS (1984), a desmontagem do espao crtico de discusso e da esfera pblica. Permeando as discusses sobre a supervalorizao ou o esquecimento dos meios, surgem, mais recentemente, os estudos de mdia e poltica.

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3. MDIA E POLTICAA mdia , nas sociedades contemporneas, o principal instrumento de difuso das vises de mundo e dos projetos polticos. (Lus Felipe Miguel)

Como j dissemos, o desenvolvimento dos meios de comunicao de massa comeou nos sculos XIX e XX, e culminou numa sociedade marcada pela presena destes. Mas os estudos sobre mdia e poltica comearam a aflorar no Brasil somente a partir dos anos 80. O fenmeno passa, ento, a ser reconhecido como relevante, e a influncia da comunicao sobre o fazer poltico desperta mais interesse. Hoje, a mdia ocupa posio central na cena poltica das democracias representativas contemporneas. As relaes entre mdia e poltica so, com certeza, complexas, mas das mais importantes para entender as novas configuraes polticas da atualidade.

3.1 ESFERA PBLICA POLTICA

O conceito de esfera pblica comeou a permear o campo das Cincias Sociais nos anos 1960, por meio de Jrgen Habermas, e fundamental para a compreenso da poltica contempornea e da democracia. O socilogo alemo define a esfera pblica como um espao de discusso intelectual egresso no campo tensional entre Estado e sociedade (HABERMAS, 1984, p. 44). Seria um espao politizado e de formulao subjetiva, essencial para o entendimento de uma comunicao independente e pluralista.Esfera pblica designa o mbito, domnio ou espao, socialmente reconhecido mas no-institucionalizado, onde h a livre flutuao de questes, informaes, pontos de vista e argumentos provenientes das vivncias quotidianas dos sujeitos. (HABERMAS, 1997).

Segundo GOMES (2007, p. 3), o conceito de esfera pblica consegue explicar o lugar, o alcance e o papel de fenmenos sociais importantes para a poltica contempornea, a

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comear pelos prprios meios de massa. Habermas vai mais longe, e costuma se referir ao domnio da esfera pblica pelos meios de massa. A esfera pblica inevitavelmente atravessada por fluxos de comunicao e, sem dvida, interpreta um papel importante de mediao.

A nfase est posta no encaixe entre a esfera pblica e o mundo da vida, na materializao da ao comunicativa (como ao voltada para o entendimento), na esfera pblica e no papel de mediao que a esfera pblica exerce entre o mundo da vida e o sistema poltico. (GOMES, 2007, p. 5).

Do conceito de esfera pblica, surge o conceito de esfera pblica poltica. Por meio desta, se daria a circulao informal e livre de questes mediante canais informais de comunicao poltica, a fim de realizar uma formao democrtica da opinio poltica. Seria a maneira informal para a concretizao do processo de formao de opinio e da vontade, alternativa via dita institucionalizada, por meio de corpos parlamentares ou cortes judiciais, que se materializa em leis, programas e polticas. So noes diretamente relacionadas questo do debate pblico, uma vez que a esfera pblica o domnio social da argumentao pblica, da oferta de questes e contribuies, mas, sobretudo, da troca pblica de razes (GOMES, 2007, p. 7). A discusso pblica, por sua vez, resultar na opinio coletiva que costumamos chamar de opinio pblica. So as bases do modelo da democracia deliberativa, permeada pela ocorrncia de cooperao argumentativa.No centro da vida democrtica foi colocada a deliberao pblica, que em nada se distingue da esfera pblica habermasiana, constatadas apenas (ou, ao menos prioritariamente) duas das suas dimenses: as razes devem ser pblicas e devem ser trocadas em pblico. (GOMES, 2007, p. 9).

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3.2 A MDIA COMO ATOR POLTICO

Existe uma relao ntima entre os campos da poltica e da mdia. No mais possvel pensar a poltica sem os efeitos da mdia, nem considerar que esta sobreviva alheia arena poltica. Por isso, e no por acaso, a atuao poltica influenciada pelas rotinas e prticas da comunicao. Afinal, a mdia , atualmente, o meio material mais influente para as discusses pblicas.Para a maioria das pessoas hoje, o conhecimento que ns temos dos fatos que acontecem alm do nosso meio social imediato , em grande parte, derivado da nossa recepo das formas simblicas mediadas pela mdia. (THOMPSON, 2002, p. 285).

Os conceitos de visibilidade e discutibilidade tornam-se fundamentais quando analisamos as interlocues entre mdia e poltica. GOMES (2007) levanta vrias questes sobre a qualidade democrtica das discusses pblicas: quanto se discute nesta sociedade as questes relativas aos negcios pblicos? Qual o volume dos cidados envolvidos nessas deliberaes? Quantos dos pontos de vistas representados nessas sociedades comparecem a essas discusses? Quanto da matria de interesse comum est submetido discusso pblica numa determinada sociedade?

A resposta a todas as perguntas , provavelmente: menos do que deveria. E o prprio GOMES vai alm, ao comentar a influncia da comunicao na determinao dos temas a serem vistos e discutidos.

A discutibilidade depende fundamentalmente do sistema poltico e da esfera civil, mas o campo da comunicao tem o poder de seqestrar os temas para a esfera da visibilidade, gerando com isso: a) uma discusso em pblico de tais temas por agentes polticos e pelos que tm lugar de fala na sociedade; b) a visibilidade de discusses que, de outro modo, aconteceriam em mbito particular ou reservado; c) o fornecimento de inputs para muitas discusses com pouca visibilidade (mas com algum grau de eficcia) na sociedade civil. (GOMES, 2007, p. 11).

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Cientes dessa participao da mdia, os poderes pblicos no hesitaram em, nas ltimas dcadas, criar seus prprios veculos para estabelecer uma comunicao direta com seus pblicos. o que Santanna (2007) denominou como mdia de fontes, conceito que busca identificar meios de comunicao de massa que so mantidos pelas prprias fontes.

Setores da sociedade civil e do Poder Pblico trazem esfera miditica um novo tipo de emissor de informaes. So meios mantidos por atores sociais at ento considerados apenas como fonte de informao. Jornais de grande circulao, emissoras de rdios, TV, ou mesmo programas especiais, so disponibilizados sociedade por corporaes, organizaes no governamentais e mesmo por movimentos sociais, influenciando o contedo da agenda apresentada opinio pblica. (Santanna, 2007, p. 2).

Os canais de comunicao do poder pblico e, em especial, as televises legislativas, surgiram em meio nsia de ofertar ao cidado comum uma formao poltica, tornando-se, assim, canais um pouco menos formais de comunicao poltica. Configuram-se, assim, como mais um instrumento da via informal da formao da opinio e da vontade, contribuindo para a materializao de questes e problemas que habitam a esfera pblica. Para isto, toma como base que a prpria esfera pblica que legitima a deciso poltica e a lei. Como j dissemos, a mdia tem um papel central na vida pblica contempornea, centralidade que no pode ser ignorada na atual arena poltica, mas que tambm no deve ser superestimada. Ela tem o poder de determinar a agenda pblica5- os assuntos so includos, tanto na pauta dos cidados como das elites polticas, na medida em que tm visibilidade nos meios de comunicao. inegvel, portanto, o poder da mdia em determinar quais sero os assuntos relevantes para a sociedade.

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Alguns dos primeiros trabalhos a apontar a mdia como principal responsvel pela agenda pblica foram os de Cohen, 1969, e McCombs e Shaw, 1962 com a teoria do agenda-setting, ou agendamento.

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Por outro lado, o jogo poltico continua, sem ser exclusivamente miditico. A dinmica prpria da poltica permanece, influencia e continua capaz de influenciar a pauta dos meios de comunicao.Mdia e Poltica formam dois campos diferentes, guardam certo grau de autonomia e a influncia de um sobre o outro no absoluta nem livre de resistncias; na verdade, trata-se de um processo de mo dupla. (MIGUEL, 2002, p.167).

Houve, em nosso entendimento, uma adequao mtua. Os agentes polticos passaram a operar na lgica da sociedade do espetculo. A encenao poltica passou a ser constituda e construda principalmente pela comunicao da massa6. Muitas vezes, os atores polticos comearam a exercer sua atividade em funo da mdia, criando fatos, fazendo uso dos espaos nos veculos de comunicao, agindo em funo do tempo determinado por esses7. PLASSER, citado por GOMES (2004), aponta que o advento de uma cultura poltica concentrada na televiso, tanto no que diz respeito s eleies quanto ao jogo poltico regular, uma das cinco grandes mudanas na relao entre comunicao e poltica que explicariam a emergncia de uma nova cultura poltica8.

Quando a comunicao social, particularmente a televiso, assume um lugar central em referncia ao qual se constroem identidades, imagens, afetos, conhecimentos comuns, sociabilidade, interesses, necessidades, opinies e saberes, esto estabelecidas as condies essenciais para que tambm a poltica possa dotar-se de um importante sistema de prticas associado infraestrutura social da comunicao e da cultura de massa. (GOMES, 2004, p. 423).

Essa nova cultura teria alterado, inclusive, o sistema partidrio. Segundo GOMES (2004), o crescimento da comunicao de massa deixou um pouco de lado o tradicional

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Falaremos mais sobre como os personagens polticos utilizam os meios a favor de sua imagem na prxima seo do presente trabalho. 7 Para mais sobre isso, ver GOMES (2004, p. 155-156), que aponta trs modos de como os agentes da poltica conseguem obter o que querem da comunicao de massa. 8 As outras quatro seriam: o crescimento da publicidade poltica paga; a maior importncia dos debates televisivos; a adoo crescente do modelo de campanha focada no candidato; e a profissionalizao das campanhas.

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sistema da poltica de partidos, ou seja, que tinha nos partidos sua forma maior de funcionamento. A estrutura partidria, no entanto, no foi suprimida, mas teve que se adaptar s novas circunstncias do sistema de prticas polticas pautado, principalmente, pela nova poltica miditica. LIMA (2007) corrobora esta ideia, e afirma que a comunicao est exercendo funes tradicionais dos partidos polticos - como, por exemplo, construir uma agenda pblica, transmitir informaes polticas, fiscalizar aes de governo, criticar polticas pblicas e canalizar demandas da sociedade.A ocupao desse espao institucional pela comunicao apontada como uma das causas da crise generalizada dos partidos em diferentes sistemas polticos. Alm disso, atribui-se preferncia pela cobertura jornalstica dos candidatos e no dos partidos uma crescente personalizao da poltica e do processo poltico que estaria sendo representado como uma disputa entre pessoas (polticos) e no entre propostas polticas alternativas (partidos). (LIMA, 2007, p. 87-88).

Segundo o autor, essa nova situao provoca conseqncias imediatas tanto para quem deseja ser poltico profissional, quanto para a prtica da poltica. Isso porque (a) os atores polticos tm que disputar visibilidade na mdia; e (b) os diferentes campos polticos tm que disputar visibilidade favorvel de seu ponto de vista. (LIMA, 2007, p. 87). Segundo JARDIM, os meios de comunicao se tornam mais poderosos na medida em que fornecem aos atores polticos algo que fundamental a sua permanncia, ou seja, visibilidade. Esta caracterstica da mdia de dar publicidade, ou no, aos acontecimentos polticos o que lhe confere um empoderamento perante os representantes e as instituies (2007, p. 7). RUBIM outro a afirmar que o novo cenrio miditico ocasionou mudanas significativas dentro da cultura poltica: Em uma sociedade estruturada pela comunicao e pela mdia, o espao privilegiado, por excelncia, foi transferido das ruas para as telas (2001,

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p. 181). A influncia da mdia no s alterou a prpria lgica do fazer poltico, como tambm obrigou as campanhas eleitorais a se adaptarem s rotinas prprias da comunicao. Sobre essa questo, outros dois pontos merecem ser comentados. Segundo LIMA (2007, p. 91), as caractersticas especficas da populao brasileira potencializam o poder da comunicao no processo poltico, sobretudo no processo eleitoral. o que confirmou uma pesquisa do Instituto Vox Populi realizada em 2006, que demonstrou como a maioria da populao brasileira est exposta s imagens da televiso para entretenimento e informao. No estudo, 58% dos entrevistados declararam ter a televiso como sua principal fonte de informao poltica. Em segundo lugar esto os familiares e os amigos (18%), e em seguida, os jornais (7%), o rdio (6%) e os colegas de trabalho (4%). 6% dos entrevistados ainda responderam no se informar sobre poltica ou no se interessar9. Outra considerao que essa centralidade da comunicao (e, em especial, da televiso) no algo construdo apenas nos ltimos anos.Do ponto de vista poltico, o papel central da comunicao, sobretudo eletrnica, em particular a televiso, foi inicialmente reconhecido pelo Estado militar durante o regime autoritrio. Foram os militares e seus aliados civis que por motivos, em primeiro lugar, de segurana nacional, e de mercado, em segundo criaram as condies de infra-estrutura fsica indispensveis consolidao de uma mdia nacional. E foram tambm eles que primeiro fizeram uso poltico dela, no s com o recurso censura, mas sobretudo com o apoio conquistado das principais redes impressas e eletrnicas. (LIMA, 2007, p. 86).

No restam dvidas, portanto, de que a comunicao miditica especialmente a desenvolvida pelos jornais e pela televiso se tornou o lugar privilegiado para a palavra poltica, e fator decisivo para a insero no jogo poltico.

Em tempos de poltica miditica, a comunicao de massa decisiva para o ingresso no crculo da representao poltica (ou, como se diz popularmente, para se chegar ao poder) e muito importante para se continuar nele. (GOMES, 2004, p. 423).

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CARTA CAPITAL, n. 400, p. 26, 5. jul. 2006 Disponvel em: .

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Mdia e poltica no so excludentes, tampouco se sobrepem. Em nossa opinio, mais sensato supor que os dois campos caminham juntos, complementando-se e, ao mesmo tempo, confrontando-se. O funcionamento da mdia tende a reforar e confirmar o prprio modo de existncia da poltica. E vice-versa.

3.3 A IMPORTNCIA DA IMAGEM NA POLTICA

Em Transformaes da poltica na era da comunicao de massa, GOMES comenta o que querem da comunicao de massa os agentes da poltica.

Querem exposio miditica favorvel, ou seja, aparecer nos jornais, nas revistas, no rdio e na televiso de modo que lhes renda o mximo de benefcios junto ao pblico. Querem tambm a exposio miditica desfavorvel aos seus adversrios. Querem, alm disso, que os meios de comunicao lhes sejam instrumentos para formar uma opinio no pblico que se converta em voto () Trata-se de estar na pgina ou estar na tela, sempre e constantemente, de preferncia construindo ou reforando imagens positivas. (GOMES, 2004, p. 155).

Essa busca pela exposio miditica vem do conhecimento que os agentes polticos tm da posio de destaque que a imagem ocupa dentro do cenrio poltico. MANIN (1995) aponta a influncia das imagens colocadas pela mdia como fator para as escolhas polticas, principalmente em pocas eleitorais. As imagens dos candidatos no se formam a partir de uma convivncia pessoal. So, antes, produtos dos meios de comunicao. o que GOMES chama de imagem pblica: complexo de informaes, noes, conceitos, partilhado por uma coletividade qualquer, e que o caracterizam. Imagens pblicas so concepes caracterizadoras (2004, p. 254). Segundo o autor, a visibilidade poltica contempornea, que depende da construo dessas imagens, muito dependente da comunicao de massa. GOMES considera

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fundamental que se inclua a disputa por imagem nos estudos da poltica contempornea, fenmeno que ele chama de poltica de imagem10.A imposio da imagem situa-se, tambm a, em condies de disputa constante. Disputam-se a audincia, ateno, interesse e predileo do pblico, disputa-se o tempo livre do cidado, disputam-se a memria e a preferncia do consumidor, disputa-se o apoio da opinio pblica e a eleio das prprias pretenses polticas pelo eleitorado. (GOMES, 2004, p. 243-244)

A mdia contribui significativamente para a construo de um ambiente diversificado de informaes. Se, por um lado, ajuda a construir a imagem pblica positiva do agente poltico, por outro pode produzir efeitos negativos, mediante informaes e denncias sobre o comportamento dos representantes, causando prejuzo ao capital poltico do indivduo. Segundo JARDIM (2007, p. 8), esse papel que a mdia busca desempenhar de representar os olhos e ouvidos do cidado imprescindvel nas democracias representativas contemporneas. Cabe mdia fazer rodar as imagens sejam positivas ou negativas - no imaginrio da sociedade. Mas no s. Aos veculos cabe, tambm, a dura misso de exigir dos atores polticos coerncia entre a imagem que veiculam e as atitudes polticas que assumem.

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GOMES (2004, p. 239-290) dedica um captulo inteiro a esse tema, no qual faz pertinentes anlises sobre imagem pblica e imagem poltica.

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4. COMUNICAO PBLICA

A comunicao e a informao so bens pblicos. Por isso, a comunicao deve ser feita baseada nos interesses coletivos, e no para atender a propsitos particulares. Deve objetivar, sempre, ser um veculo para a construo da cidadania produto principalmente do tipo de comunicao que costumamos chamar de comunicao pblica.

Dentre os mltiplos significados da expresso comunicao pblica, possvel encontrar um ponto comum de entendimento que aquele que diz respeito a um processo comunicativo que se instaura entre o Estado, o governo e a sociedade com o objetivo de informar para a construo da cidadania. (BRANDO, 2007, p. 9).

A comunicao pblica , em realidade, aquela realizada em um espao pblico democratizado, com envolvimento e participao de vrios setores sociais governo, empresas, terceiro setor e sociedade como um todo. Segundo OLIVEIRA (2004), o objetivo dessa modalidade de comunicao servir de interlocuo entre os diferentes atores sociais, por meio de um relacionamento de confiana, responsabilidade social, tica, transparncia e, principalmente, dilogo constante.

Para MATOS, a comunicao pblica uma das vertentes da comunicao poltica. A Comunicao Pblica se articula com a Comunicao Poltica na esfera pblica como local de interao social de todos os agentes e interesses envolvidos. (MATOS, 2006, p. 71) A comunicao pblica, no entanto, no deve ser confundida com comunicao governamental apesar de as duas se relacionarem em diversos pontos. Segundo BRANDO, a comunicao governamental uma forma legtima de o governo prestar contas e tornar pblico as aes que realiza.

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A comunicao governamental pode ser entendida como comunicao pblica, na medida em que ela um instrumento de construo da agenda pblica e direciona seu trabalho para a prestao de contas, o estmulo para o engajamento da populao nas polticas adotadas, o reconhecimento das suas aes promovidas nos campos polticos, econmico e social, em suma, provoca o debate pblico. (BRANDO, 2007, p. 5).

Afinal, a comunicao pblica no assunto exclusivo do governo (OLIVEIRA, 2004, p. 13). Mas como a comunicao pblica costuma ser erroneamente entendida apenas como a comunicao do governo, uma boa sada diferenciar a comunicao pblica da comunicao de interesse pblico11. Esta ltima extrapola os limites da comunicao governamental, e busca abranger as aes e atividades que tm como endereo a sociedade, independentemente da sua origem (pblica ou privada) (BUENO, 2007, p. 136). O que definiria a comunicao de interesse pblico seria, portanto, sua inteno, e no seu meio. Segundo BRANDO, a expresso comunicao pblica costuma ter preferncia para denominar aes de comunicao governamental com o intuito de legitimar um processo comunicativo que no quer ser confundido com a comunicao que se fez em outros momentos da histria poltica do pas.

Diante do novo cenrio poltico do pas, a comunicao de origem governamental tambm sofreu transformaes e buscou a adoo do sentido de comunicao pblica, ou seja, aquela com objetivo de informar o cidado. (BRANDO, 2007, p. 10).

A comunicao pblica trata, pois, de oferecer ao cidado comum o direito de se comunicar. O que, no entendimento de PERUZZO, trata-se no apenas de ter acesso informao, mas tambm de poder atuar na condio de emissor produtor e difusor de contedo. Trata-se, pois, de democratizar o poder de comunicar (2004, p. 57).

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Discutiremos melhor a noo de interesse pblico mais a frente.

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Quando falamos de comunicao governamental propriamente dita aquela praticada pelos governos temos que destacar a atuao do assessor de imprensa, profissional que cumpre uma tarefa difcil: defender a imagem da instituio em que trabalha sem pisotear os preceitos democrticos e o interesse pblico.

O comunicador encontra a grandeza do seu papel quando consegue identificar o ponto de equilbrio entre o direito da sociedade informao e a formao da imagem da instituio. Que ela no seja ingnua, mas que tambm no perca os escrpulos. (CAMARGOS, 2004, p. 150).

Tanto na comunicao pblica quanto na governamental, um veculo se destaca pelo seu poder de penetrao nos lares brasileiros e de influncia no imaginrio coletivo: a televiso.

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5. A TELEVISO

Desde sua origem, a televiso brasileira se caracterizou como um dos espaos de realizao da vida pblica, atuando como arena de negociaes e mudanas na sociedade.O nascimento do pas urbano que conhecemos hoje uma histria narrada - e impulsionada - pela televiso: ela registra a modernizao de um pas num espao em constante mutao, que organiza o movimento das multides, do consumo de massas, num primeiro momento e depois dos novos sujeitos e vozes sociais e culturais. A renovao da vida econmica e da vida poltica so aspectos que a televiso capta e ajuda a produzir. (GIL, 2006. p.6).

Na dcada de 1930, o Brasil optou por um modelo de radiodifuso que priorizou a explorao comercial por empresas privadas, mediante concesses da Unio. Historicamente, a regulao do setor incentivou o crescimento da radiodifuso privada. Na dcada de 60, a televiso rouba a cena do rdio, assumindo o lugar privilegiado que detm at hoje, como o meio de comunicao mais influente do pas. Desde seu nascimento, a TV brasileira segue o modelo destacadamente comercial12. J as televises ditas pblicas surgiram na Europa, como uma iniciativa do Estado13. A proposta era ser um servio pblico como o sistema de correios ou de esgoto diferente do modelo comercial americano e do estatal sovitico. A Europa buscava um modelo de televiso ideal, que gerasse e disseminasse cultura e histria. Aps a Segunda Guerra Mundial, com a democracia fortalecida, consolidou-se no mundo o conceito de controle pblico. A sociedade passou, ento, a participar da gesto das emissoras, por meio dos conselhos representativos. Esta a origem de televises pblicas como a BBC inglesa, tida at hoje como modelo ideal de televiso pblica14.

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Somente em 1998, a nova Constituio Federal comea a falar na complementaridade entre os sistemas pblico, privado e estatal. 13 No velho continente, as televises privadas e comerciais surgiram apenas anos mais tarde. 14 Laurindo Leal Filho se aprofunda nesse tema em A Melhor TV do Mundo (1997), Ed. Summus.

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Apesar da existncia de TVs pblico-estatais isoladas, como o caso notrio da Cultura de So Paulo, a discusso em diversas esferas remete aos modelos nacionais presentes nos pases europeus, onde a noo de servio pblico foi adotada desde o advento do rdio e cujo modelo mais bem-sucedido o do Reino Unido com a BBC. (STEVANIM, 2010, p. 2)

A ttulo de ilustrao do presente trabalho, segue um quadro muito bem elaborado por STEVANIM (2010), no qual ele apresenta uma comparao entre algumas TVs pblicas internacionais.

Quadro comparativo entre experincias de televises pblicas no mundo:

Televiso Pblica Misso

BBC (Reino Unido) Servio pblico

TVF (Frana)

RTVE (Espanha) Servio pblico

RTP (Portugal) Servio pblico

PBS (EUA)

Servio pblico

Interesse Pblico e Educativo Diverso: recursos da CPB (Corporation for Public Broadcasting) U$ 2,4 bi (trienal) Conselho de Diretores formado por representantes das estaesmembro

Modelo de Finanas

Licena paga (licence fee) e servios prestados

Publicidade (1/3) e Redevance (Licena paga 2/3)

Recursos pblicos e publicidade. No h licena paga.

Estatal. Apoio cultural e patrocnio so permitidos. Publicidade restrita.

Oramento

4,2 bi em 2006 Truste (gesto) e Conselho Executivo (aplicao das polticas editoriais)

2,8 bi em2006 Conselho Superior de Audiovisual e Conselho Administrativo

1,5 bi em 2005

274 mi em2004

Gesto e Fiscalizao

Conselho de Administrao, indicado pelo Parlamento; Conselho Assessor (programao) Concorrncia*

Conselho de Administrao (gesto) e Conselho de Opinio (programao)

Relao com a TV

Complementar Equilibrada

Concorrncia*

Complementar Desequilibrada

Complementar Desequilibrada

* Condio determinada pela presena da publicidade

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O Brasil seguiu o caminho inverso. A TV Pblica comeou a se estruturar dcadas aps a solidificao da TV comercial como modelo predominante. A partir de 1964, as emissoras privadas comearam a conviver com os canais estatais criados pelo regime militar. A programao, fraca, foi determinada pelo Decreto-lei n 236/67: aulas, palestras, conferncia e debates, todos dentro da linha do governo militar. Essa situao estendeu-se at meados dos anos 80, quando comeou a ecoar o movimento para que essas emissoras se tornassem realmente educativas. No perodo militar foi criada a Radiobrs, que operava emissoras de rdio e televiso do governo federal, e em 1988 passou a se chamar Empresa Brasileira de Comunicao. J nos anos 90, a TV Cultura de So Paulo comea a ganhar notoriedade, principalmente por causa de sua programao infantil de qualidade. Mas o conceito de TV pblica ainda dependia de regulamentao para ganhar fora - o que aconteceu em 1995, com a Lei do Cabo, que regulamenta os canais fornecidos pelo sistema de cabodifuso, os chamados canais fechados. A Lei 8.977/95 trouxe uma inovao: a obrigatoriedade de disponibilizao de canais gratuitos - tanto para TVs comunitrias e universitrias, quanto para os poderes judicirio e legislativo.

Por ser um terreno novo, no qual mais uma vez o interesse privado se consolidava, o Congresso decidiu plantar, na cabodifuso, o artigo 23, introduzindo algo novo no fechado sistema televisivo do pas. (RENAULT, 2004, p. 40).

Trs anos depois, em 1998, surge a Associao Brasileira de Emissoras Pblicas, Educativas e Culturais (Abepec), que promoveu a Rede Pblica de Televiso, por iniciativa da Rede Cultura e TVE Brasil. Em 2007, com a fuso da antiga Radiobrs com a Associao de

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Comunicao Educativa Roquette Pinto (que coordenava a TVE Brasil), foi criada a Empresa Brasil de Comunicao (EBC), que hoje gere, entre outras, a TV Brasil e a TV NBR. Em 3 de maio de 2010, foi iniciada a transmisso simultnea da Rede Nacional de Comunicao Pblica (RNCP), liderada pela TV Brasil, em parceria com emissoras educativas de 23 estados brasileiros. A nova rede tem como meta atingir 1.716 municpios e cerca de 100 milhes de brasileiros.

5.1 A LEI DO CABO

Foi em meados da dcada de 90, com a Lei do Cabo (8.977/95) que, pela primeira vez, os legisladores brasileiros se preocuparam em abrir espao para canais de contedo pblico. Fruto das discusses sobre a redemocratizao no Brasil, na dcada de 80, a norma fez surgir no mercado os chamados canais de interesse pblico. A ligao umbilical da TV brasileira com o mercado foi um dos propulsores para a emergncia dessa necessidade de emissoras pblicas que atendessem exclusivamente o interesse do cidado, levando educao, informao e cultura de qualidade ao telespectador. O novo dispositivo foi, sem dvida, inovador, e essencial para a ampliao da diversidade da programao televisiva. Em seu artigo 23, a Lei do Cabo obrigou os operadores privados a transmitirem gratuitamente o sinal de trs canais legislativos, um canal universitrio, um canal educativo-cultural, um canal comunitrio e, a partir de 2002, um canal do Poder Judicirio e servios essenciais Justia.

Art. 23. A operadora de TV a Cabo, na sua rea de prestao do servio, dever tornar disponveis canais para as seguintes destinaes: I - Canais Bsicos de Utilizao Gratuita: a) canais destinados distribuio obrigatria, integral e simultnea, sem insero de qualquer informao, da programao das emissoras geradoras locais de radiodifuso de sons e imagens, em VHF ou UHF, abertos e no

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codificados, cujo sinal alcance a rea do servio de TV a Cabo e apresente nvel tcnico adequado, conforme padres estabelecidos pelo Poder Executivo; b) um canal legislativo municipal/estadual, reservado para o uso compartilhado entre as Cmaras de Vereadores localizadas nos municpios da rea de prestao do servio e a Assemblia Legislativa do respectivo Estado, sendo o canal voltado para a documentao dos trabalhos parlamentares, especialmente a transmisso ao vivo das sesses; c) um canal reservado para a Cmara dos Deputados, para a documentao dos seus trabalhos, especialmente a transmisso ao vivo das sesses; d) um canal reservado para o Senado Federal, para a documentao dos seus trabalhos, especialmente a transmisso ao vivo das sesses; e) um canal universitrio, reservado para o uso compartilhado entre as universidades localizadas no municpio ou municpios da rea de prestao do servio; f) um canal educativo-cultural, reservado para utilizao pelos rgos que tratam de educao e cultura no governo federal e nos governos estadual e municipal com jurisdio sobre a rea de prestao do servio; g) um canal comunitrio aberto para utilizao livre por entidades no-governamentais e sem fins lucrativos; II - Canais destinados Prestao Eventual de Servio; III - Canais destinados Prestao Permanente de Servios. (LEI n 8.977/95)

5.2 PARA O CONSUMIDOR OU PARA O CIDADO?

Entendemos que nesse momento que o telespectador passa a ser visto tambm como cidado, e no apenas consumidor. Enquanto a TV comercial precisa de um pblico fiel que no sobrevive sem seus contedos, a TV Pblica deve formar um cidado que a use apenas como apoio para suas decises, como fonte de contextualizao e reflexo da informao (SERPA, 2003). A deve morar o grande diferencial da TV Pblica.A televiso pblica, como afirma Martn-Barbero, mais do que um projeto televisivo dirigido aos consumidores, est orientada para os cidados. Por isso, alguns de seus propsitos fundamentais so facilitar a convivncia, dar visibilidade aos diferentes atores da sociedade, ampliar as agendas de opinio, de tal forma que a diversidade de vozes, a multiplicidade de temas e as diferentes perspectivas de anlise estejam representadas no debate pblico. (RINCN, 2002, p. 341).

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RINCN, no entanto, relembra que somos seres humanos e, como tais, atuamos ao mesmo tempo como cidados e como consumidores, indissociavelmente.Os seres humanos, cidados e consumidores ao mesmo tempo, aspiramos viver em sociedades que garantam nveis de qualidade de vida que incluam dimenses de convivncia e de satisfao de necessidades materiais; excluir uma ou outra, empobrecer essa qualidade de vida. A televiso em geral, e a televiso pblica, em particular, pode e deve contribuir para ambas dimenses do ser humano. Evidentemente, uma televiso que enfatiza apenas a dimenso material consumidora do ser humano, pode ser objeto de crtica cultural - especialmente quando se trata de uma televiso pblica. (RINCON, p. 335-336)

A nosso ver, no caso do Brasil, a prpria emissora - seja ela privada, pblica ou estatal - que produz suas concepes de pblico (quem recepciona suas mensagens), ao sabor dos interesses de seus dirigentes. Essa viso de pblico geralmente ambgua e adapta-se s condies de produo e ao contexto discursivo das televises. LEMOS, CARLOS e BARROS tm uma viso mais pessimista, e chegam a afirmar que o pblico no tem identidade. Assim, ora o pblico apresentado como sendo o povo, a sociedade, a populao, os consumidores, os cidados ou os eleitores (2007, p. 7).Os receptores costumam ser encarados no como sujeitos culturais, mas como agentes econmicos ou polticos - consumidores ou eleitores. H uma relao instrumental e utilitria com o receptor, de acordo com os interesses dos veculos, inclusive no caso dos sistemas estatais ou supostamente pblicos. Esse espao de aparncia essencialmente excludente, tanto pela seleo de temas de sua programao, como pelo pblico a que se direciona. Os critrios de administrao e gerenciamento da informao seguem princpios editoriais que, no Brasil, quase sempre so incompatveis com causas pblicas propriamente ditas. O que prevalece so interesses de grupos empresariais, de famlias ou de instituies governamentais que os representam. Estamos, portanto, ainda muito ligados ao sistema cultural da casa-grande. Talvez esse seja um dos eixos do debate poltico sobre os canais estatais ou pblicos de TV no Brasil que carecem de aprofundamento. (LEMOS, CARLOS e BARROS, 2007, p. 7)

Mas afinal, o que uma emissora pblica de televiso? A diferenciao conceitual entre TV pblica e TV estatal uma questo que ainda carrega grandes dificuldades. Trata-se, na verdade, de uma grande confuso no conceito do que pblico, e do que privado. Vamos, nas prximas pginas, tentar elucidar um pouco essa questo.

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5.3 PBLICA, ESTATAL ou PRIVADA?

O servio de televiso algo que deve ser compartilhado entre mercado, sociedade e Estado. A lei 11.652/2008, que institui os princpios e objetivos dos servios de radiodifuso pblica explorados pelo Poder Executivo, determina, em seu artigo 2, a complementaridade entre os sistemas privado, pblico e estatal como um dos princpios da atividade. A maioria dos autores brasileiros tende a classificar as emissoras nacionais em trs categorias: comercial (ou privada), estatal e pblica. Mas esses conceitos ainda costumam ser muito confundidos. A prpria legislao brasileira contribui para a confuso. A Lei do Cabo coloca em um mesmo nvel as TVs comunitrias, as educativas, as universitrias e as dos Poderes Judicirio, Legislativo e Executivo, tanto em mbito local quanto nacional. Todas essas emissoras tm um carter pblico. Mas, ao mesmo tempo, gozam de naturezas muito diversas, tornando necessrio, portanto, que se faam leis especficas para cada uma delas. A maioria dos autores concorda que a legislao do setor ainda muito omissa.

H dcadas tem ocorrido a generalizao da aplicao da noo de servio pblico em relao aos sistemas de radiodifuso. Contudo, a ordem infraconstitucional carece de ferramentas adequadas para disciplinar os servios de televiso em favor dos consumidores e da cidadania. (SCORSIM, 2008, p. 379).

As emissoras do setor privado, conhecidas como televises comerciais tm como finalidade bsica o desempenho de uma atividade econmica com o intuito de lucro, o qual buscado mediante receitas do mercado publicitrio. Segundo SCORSIM (2008, p. 109-110) as outorgas das concesses de televiso por radiodifuso (televiso aberta) esto concentradas em, basicamente, seis redes nacionais de televiso por radiodifuso: Rede Globo, SBT, Record, Bandeirantes, CNT e Rede TV.

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Na TV comercial, modelo hegemnico no Brasil, o produto final o prprio pblico. Por isso, os telespectadores so vendidos como produtos para anunciantes, que por sua vez querem vender produtos para a audincia. Dessa forma, a grade de programao pensada de acordo com a audincia, e no com a qualidade - critrio que propicia o surgimento de programas pouco educativos e de baixa qualidade, e at mesmo sensacionalistas. Nos telejornais, prevalecem as hard news, que no propiciam a reflexo. Ou seja, o modelo comercial, opo da televiso brasileira desde seu incio, prioriza o consumo, e praticamente despreza as inmeras diversidades regionais do nosso pas, dentre vrias outras crticas. O que torna ainda mais essencial a busca pela valorizao da produo independente e a regional. A sada para isso est, principalmente, nos veculos pblicos de comunicao. Mas, o que pblico, e o que estatal?A mdia redefine a relao entre pblico, estatal e privado, fazendo com que os indivduos tenham a sensao de que, ao se conectarem a um circuito informativo, estejam, efetivamente, participando da vida pblica.(LEMOS, CARLOS e BARROS, 2007, p. 6)

O sistema de TV estatal presta um servio ao Estado, no intuito de levar at o cidado contedos informativos, educativos e culturais - uma modalidade de servio pblico privativo do Estado. Por isso, financiado pelo governo, que tambm nomeia seus titulares e exerce controle sobre a programao. Segundo SCORSIM (2008), essa titularidade exclusiva e esse controle sobre a programao, exercidos pelo Estado, que devem estar vinculados a conceituao da televiso estatal. Da a incompatibilidade entre a livre iniciativa e o sistema estatal. Entre os setores privado e estatal, existe um outro setor, que alguns autores chamam de setor pblico no-estatal, ou apenas sistema pbico de televiso. o espao do espectro eletromagntico que deveria ser reservado para a sociedade civil, dando garantias de expresso, informao e comunicao social aos cidados brasileiros que so,

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freqentemente, submetidos ao silncio no debate pblico. No entanto, segundo SCORSIM (2008, p.116) o modelo legal de radiodifuso em vigor ainda no tem as ferramentas para que um efetivo sistema pblico de comunicao seja formatado. E, para isso, contribui a lacuna na legislao brasileira a respeito das TVs estatais e das TVs pblicas. O termo estatal geralmente utilizado para definir as emissoras gerenciadas por um ente federativo ou entidade, pblica ou privada, criada por ele. O problema que, como a TV estatal vinculada aos poderes pblicos15, tradicionalmente conhecida como televiso pblica, apesar de constituir o sistema de radiodifuso estatal, sem a necessria autonomia em relao ao governo. Da mesma forma, o entendimento tradicional atribudo TV realmente pblica a identifica com a figura do Estado. Mas, conceitualmente, as televises pblicas no so nem entidades estatais, nem entidades privadas que visam o lucro.

O primeiro constituinte de uma poltica de Estado, enquanto o segundo refere-se a um espao abstrato entre mercado e Estado, mas que inclui as duas esferas e, no mais das vezes, serve-se desse ltimo como promotor de aes. (STEVANIM, 2010, p. 4)

O termo pblico16 associa-se ideia de um setor pblico no-estatal de televiso criado por e para cidados. Sua principal funo prestar um servio social relacionado educao, cultura e informao. O controle deve pertencer sociedade civil, e no ao governo, nem s empresas privadas.

Ainda que a determinao de qualidade mostre-se muito mais relativa do que parece, uma televiso que seja de fato pblica no pode passar distante da sociedade civil, seja atravs de uma fala na qual ecoem as demandas vindas de setores sociais

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O ideal proclamado pelo moderno Estado de Direito um Estado de todos e para todos, que passa a ter significado de poder pblico (HABERMAS, 1984, p. 45). Comeam a surgir a, as dificuldades para a distino entre estatal e pblico.16

O conceito de pblico constantemente associado negao do que privado. Tambm frequentemente definido como aquilo que pertence a uma coletividade sem pertencer exclusivamente a algum.

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diversos ou por meio da abertura das esferas decisrias representao popular. (STEVANIM, 2010, p. 14-15)

Ao contrrio das TVs comerciais, cujo produto final o prprio espectador, o produto final das TVs pblicas a prpria programao, pautada por critrios como formao cultural e educao para a cidadania. As informaes so repassadas de forma diferente, motivando a reflexo do espectador. Mas h de se tomar um cuidado: alm de no se basear no que feito pelas emissoras comerciais, a TV pblica tambm no deve funcionar apenas como veculo de propaganda de governos e governantes.

Trata-se de uma modalidade de servio de radiodifuso pblica, caracterizada como no privativa do Estado, com autonomia editorial e administrativa. Assim, o gerenciamento de um sistema de TV pblica deve ser implementado de forma independente do Governo, o qual no deve interferir na nomeao dos dirigentes, nem na programao. No Brasil, entretanto, comumente os dois sistemas so usados como sinnimos ou termos intercambiveis. (LEMOS, CARLOS e BARROS, 2007, p. 3).

Ou seja, um setor remete figura do Estado (exerccio de poderes estatais), e o outro, figura da sociedade civil. A verdadeira televiso pblica aquela criada, organizada e controlada pela sociedade civil. Sendo assim, a existncia de um Conselho Curador dentro de emissoras estatais no necessariamente a caracterizariam como pblicas. A diferenciao entre pblico e estatal passa, inclusive, por questes constitucionais e comerciais.

Na perspectiva do direito pblico brasileiro, o elemento estatal identificado como pblico. O pblico o mbito estatal (referente ao Estado), assim como o estatal est associado com a idia de pblico. Ocorre que com as transformaes sociais verificadas nas ltimas dcadas, passou-se a diferenciar o pblico do estatal, no mais se adotando o mbito estatal como sinnimo de pblico, da a emergncia de um setor pblico no-estatal. Pode-se afirmar que, atualmente, o termo 'pblico' o gnero que compreende as seguintes espcies: estatal (mbito destinado ao Estado em que h a atuao dos poderes pblico) e no-estatal (setor da sociedade em que h a ao de organizaes fora do aparelho estatal, em afirmao cidadania, assegurando a redistribuio do poder poltico e do poder social). (SCORSIM, 2008, p. 299).

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Outra grande dificuldade para separar TV pblica de estatal est na interferncia dos poderes na linha de programao e no contedo desses canais.

A dificuldade est em que os governos compreendam, por fim, e diferenciem que o estatal aquele que pertence a todos, a toda a sociedade; e que independente e autnomo.Todo governo quer que os meios pblicos sejam o rgo de difuso oficial de seus interesses; isto significa apropriar-se de um bem pblico para benefcio privado. Os governos devem entender que os meios pblicos, livres, autnomos e prximos comunidade so um sinal de mais democracia. (RINCN, 2006, p. 18).

Por conta dessa confuso conceitual, vrias televises pblicas criadas pelo governo federal no so propriamente emissoras pblicas - segundo o conceito adotado pela maioria dos autores - mas sim estatais. Apesar de alardeada pelo governo como uma espcie de televiso pblica, a EBC deve ser enquadrada no sistema de radiodifuso estatal. SCORSIM (2008, p. 296) afirma que em verdade, a EBC no propriamente uma televiso pblica uma vez que sua criao ocorreu por ato estatal e seu respectivo controle pertence Unio. E tambm a TV Brasil, apesar de ser denominada pelo legislador de TV pblica, seria uma televiso estatal.

5.4 INTERESSE PBLICO

Segundo SCORSIM, o ponto em comum entre os dois setores pblico-estatal e pblico no-estatal estaria na defesa dos interesses pblicos sem fins lucrativos. O que os diferencia, completamente, das TVs comerciais. Em suma, em um sentido amplo, o termo 'pblico' refere-se tanto ao Estado quanto sociedade, sendo que os interesses pblicos no so mais objeto de 'monoplio estatal'. (2008, p. 300). Mas a surge outro questionamento:

O discurso, pode-se dizer, geralmente voltado para o interesse pblico, mas quem assim o define? Com base em que critrios? Como o pblico participa efetivamente desse processo? (LEMOS, CARLOS e BARROS, 2007, p. 4)

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BUENO mais enftico, e defende o fim das fronteiras entre os interesses pblicos e privados.

Os interesses privados, diferentemente do que postulam algumas organizaes e entidades empresariais, no esto em conflito com o interesse pblico e, de h muito, a sociedade vem cobrando que eles estejam em harmonia. () A convergncia entre os interesses privados e pblicos um imperativo do mundo empresarial moderno, ainda que, infelizmente, no se constitua em uma tendncia majoritria em nosso pas. (BUENO, 2007, p. 151)

J FARIA vai alm, e afirma que interesse pblico no existe. Segundo ele, Em resumo, interesse pblico no existe em si, ou por si mesmo, mas trata-se de um emaranhado de interesses, de confrontos discursivos, ancorados nos processos sociais em curso (2007, p. 175)

Apesar das contradies, podemos afirmar que, quando expresso pelos meios de comunicao, o interesse pblico contribui para dar visibilidade s demandas sociais.

O interesse pblico, no que diz respeito aos meios de comunicao, inclui o fortalecimento da chamada mdia alternativa (sindical, ambiental, escolar etc.), as redes de comunicao coordenadas pelas ONGs verdadeiras e da mdia regional (do interior e de bairro). (BUENO, 2007, p. 149)

5.5 O IDEAL DE TV PBLICA

Ainda so muitos os desafios da TV pblica. Governos e polticos devem entender que essas televises no devem ser usadas como meios de promoo poltica e as emissoras precisam criar um modelo prprio, que fuja do que feito normalmente pelas emissoras comerciais. RINCN (2006, p.6) destaca cinco caractersticas que formam o conceito de televiso pblica:[Cidadania] A televiso pblica a que interpela o cidado, no o consumidor. No se contenta com o que h de cidado no consumidor; pelo contrrio, busca que o telespectador deixe sua passividade e sua crtica sem fundamento para passar a ser

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ativo frente programao, a exercer seu direito a uma boa televiso, a intervir na tela com sua voz, mensagens e estticas. [Diversidade Cultural] A televiso pblica um cenrio de dilogo intercultural, que amplia e estende a representao e o reconhecimento dos sujeitos sociais. [Identidade] A televiso pblica deve ser significativa no para as massas (para isso existem as TVs pagas e comerciais!), mas para as minorias. [Estticas mltiplas] A televiso pblica experimental e inovadora em formatos, estilos, temticas e estticas. [Entretenimento] A televiso pblica segue as lgicas do prazer e da diverso, porm, em verses inteligentes e em horizontes transgressores. [Educao] A televiso pblica, em todos os programas, deve promover telespectadores melhores e cidados ativos para a democracia.

Apesar de tambm ser um servio pblico, a TV pblica deve ser totalmente independente do Estado, do ponto de vista burocrtico e no que diz respeito programao. A programao no deve seguir critrios mercadolgicos, ficando a emissora independente, tanto em relao ao mercado, quanto aos governos. O que vai ao ar no deve ser pautado segundo a equao simples utilizada pelas TVs comerciais: o que d audincia tem que ser notcia.

A verdadeira TV pblica aquela independente do poder econmico (no visa ao lucro) e do poder poltico (no beneficia, nem prejudica o governo, candidatos ou partidos polticos). a modalidade de televiso voltada para a realizao das legtimas expectativas sociais em torno da concretizao de uma comunicao democrtica. (SCORSIM, 2008, p. 116).

A TV Pblica tem potencial para atuar como o maior instrumento de universalizao da informao, cultura e educao, um direito que deveria ser de todos. Dentre suas funes, alm do incentivo a contedos regionais e independentes, que atendam

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s audincias minoritrias, est o estmulo criao de contedos digitais inovadores e, sempre que possvel, interativos.Trata-se, em primeiro lugar de um servio, o que indica a existncia de uma necessidade da populao que precisa ser atendida. E pblico porque, segundo os idealizadores do modelo, um atendimento especial que no pode ser feito por empresas comerciais ou rgos estatais. Os veculos prestadores desse servio devem ser pblicos e por isso, mantidos total ou parcialmente pelo prprio pblico. S assim seriam capazes de dar conta de sua vocao cultural. (LEAL FILHO, 1997. p. 18).

O documento final do I Frum Nacional de TVs Pblicas (2007), a chamada Carta de Braslia, lista alguns dos princpios que deveriam nortear essas emissoras, a saber: - formao crtica do indivduo para o exerccio da cidadania e da democracia; - expresso das diversidades de gnero, tnico-racial, cultural e social brasileiras; - universalizao dos direitos informao, comunicao, educao e cultura, bem como dos outros direitos humanos e sociais; - alcance de todos os cidados e cidads; - independncia e autonomia em relao a governos e ao mercado; - financiamento com origem em fontes mltiplas; - gesto, programao e fiscalizao atribudas a rgo colegiado deliberativo, representativo da sociedade; - fomento a produo independente e regional; - parcerias estratgicas com o cinema brasileiro. A TV Pblica deve ainda buscar audincias que no so atendidas pela televiso comercial, como as minorias. BUCCI defende que a TV Pblica se recuse a competir no mercado, e busque dar visibilidade s expresses francamente minoritrias da cultura e do debate pblico, que no tm aptido para se tornar campes de audincia e no tm vez nas comerciais. Assim, as emissoras pblicas seriam instrumentos de voz para o segmento da sociedade marginalizado, sem possibilidade de participar ativamente da democracia.

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Mas, apesar desse objetivo nobre, importante que essas emissoras nocomerciais no abram mo de buscar o interesse da maior quantidade possvel de espectadores. Segundo RINCN (2002, p. 333), a TV pblica tambm deve se preocupar com a audincia, sob risco de torna-se irrelevante. Afinal, a emissora pblica tambm um veculo de comunicao de massa, e como tal, seu objetivo atingir um grande nmero de receptores, que legitimam a programao. Se no h pblico, no h televiso. Se a mensagem no chega at o receptor, no h comunicao. Um dos grandes entraves para que a autonomia das emissoras pblicas seja alcanada diz respeito forma de financiamento. O custeio das atividades das televises pblicas, em regra, depende de repasses oramentrios feitos pelo governo. A sada, segundo alguns autores, seria o financiamento por meio de fontes mltiplas.

Nesse quesito, as experincias das TVs pblicas ao redor do mundo so bastante distintas. No Reino Unido, predomina o mecanismo de licena paga ou licence fee (financiamento direto da populao); j na Espanha financiamento feito por meio de uma combinao de verbas governamentais e publicidade. (STEVANIM, 2008, p. 10).

Praticamente todas essas configuraes ideais para a TV pblica esto no papel. A Lei 11.652/2008 estabelece os seguintes princpios dos servios de radiodifuso pblica explorados pelo Poder Executivo:I - complementaridade entre os sistemas privado, pblico e estatal; II - promoo do acesso informao por meio da pluralidade de fontes de produo e distribuio do contedo; III - produo e programao com finalidades educativas, artsticas, culturais, cientficas e informativas; IV - promoo da cultura nacional, estmulo produo regional e produo independente; V - respeito aos valores ticos e sociais da pessoa e da famlia; VI - no discriminao religiosa, poltico partidria, filosfica, tnica, de gnero ou de opo sexual; VII - observncia de preceitos ticos no exerccio das atividades de radiodifuso; VIII - autonomia em relao ao Governo Federal para definir produo, programao e distribuio de contedo no sistema pblico de radiodifuso; e

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IX - participao da sociedade civil no controle da aplicao dos princpios do sistema pblico de radiodifuso, respeitando-se a pluralidade da sociedade brasileira.

E os objetivos:I - oferecer mecanismos para debate pblico acerca de temas de relevncia nacional e internacional; II - desenvolver a conscincia crtica do cidado, mediante programao educativa, artstica, cultural, informativa, cientfica e promotora de cidadania; III - fomentar a construo da cidadania, a consolidao da democracia e a participao na sociedade, garantindo o direito informao, livre expresso do pensamento, criao e comunicao; IV - cooperar com os processos educacionais e de formao do cidado; V - apoiar processos de incluso social e socializao da produo de conhecimento garantindo espaos para exibio de produes regionais e independentes; VI - buscar excelncia em contedos e linguagens e desenvolver formatos criativos e inovadores, constituindo-se em centro de inovao e formao de talentos; VII - direcionar sua produo e programao pelas finalidades educativas, artsticas, culturais, informativas, cientficas e promotoras da cidadania, sem com isso retirar seu carter competitivo na busca do interesse do maior nmero de ouvintes ou telespectadores; VIII - promover parcerias e fomentar produo audiovisual nacional, contribuindo para a expanso de sua produo e difuso; e IX - estimular a produo e garantir a veiculao, inclusive na rede mundial de computadores, de contedos interativos, especialmente aqueles voltados para a universalizao da prestao de servios pblicos.

Ou seja, so vrias as caractersticas que devem ser inerentes a um veculo para que este possa, realmente, definir-se como pblico. Sua atuao deve estar focada, principalmente, na formao crtica dos indivduos para o exerccio da democracia e da cidadania. Este objetivo s ser alcanado se o veculo conseguir expressar toda a pluralidade brasileira, dando destaque s diversidades tnicas e de gnero e ressaltando as mltiplas identidades culturais e sociais presentes em nosso pas. Na prtica, no entanto, as TVs pblicas ainda esto distantes desse conceito ideal. E so muitos os obstculos para a democratizao desse sistema.As distores de poder provocadas pelo desequilbrio histrico entre os sistemas privado, pblico e estatal (de radiodifuso), pela concentrao da propriedade em boa parte provocada pela ausncia de normas que impeam a propriedade cruzada e a vinculao dos grandes grupos de comunicao com lideranas polticas regionais e locais so alguns dos problemas que impedem a democratizao da nossa

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comunicao. E sem ela no haver diversidade e pluralidade de informao, vale dizer, opinio pblica autnoma e, portanto, democracia plena. (LIMA, 2007, p. 93).

Outra barreira o pequeno alcance ainda atingido pelas TVs no-comerciais. Se comparado ao alcance das emissoras privadas, o nmero de municpios que recebe o sinal desses canais ainda baixssimo, e o sinal muitas vezes de baixa qualidade. Isso sem falar nas TVs estatais, cuja grande maioria ainda opera exclusivamente via TV a cabo17. E afinal, um grupo de emissoras cuja misso principal promover a cidadania deveria chegar totalidade de cidados, no? No Brasil, apenas h poucos anos comeou-se a discutir o tema para tentar recriar o modelo de TV pblica presente no pas (e que ainda no atende de maneira satisfatria o interesse pblico). Foi apenas em 2007 que os profissionais envolvidos no setor se reuniram pela primeira vez em um grande evento para discutir o tema. Do I Frum Nacional de TVs Pblicas, realizado em Braslia, surgiu a Carta de Braslia, j citada anteriormente. O evento ainda contou com uma segunda edio, em 2009 e que deu origem II Carta de Braslia, a qual, sobre as televises pblicas (no-estatais) e estatais, afirma que a diferena fundamental entre os dois sistemas que, no sistema de radiodifuso pblico no-estatal, as diretrizes de gesto da programao e a fiscalizao devem ser atribuio de rgo colegiado deliberativo, representativo da sociedade, no qual o Estado ou o governo no devem ter maioria.

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Para ilustrar esse problema: dados da Associao Brasileira de Televises e Rdios Legislativas (Astral), divulgados em 2009, apontam que, dentre as dezenas de emissoras legislativas em funcionamento no pas, apenas sete j transmitiam suas programaes em canal aberto naquele ano, e 10 j haviam aberto processo no Ministrio das Comunicaes solicitando a concesso.

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6. ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DE MINAS GERAIS

A Assembleia Legislativa de Minas Gerais representa o poder legislativo do estado mineiro. Cabe ALMG, com a sano do governador, dispor sobre todas as matrias e leis de competncia do estado, entre elas o oramento anual de Minas Gerais. Seus membros, os deputados estaduais18, so eleitos como representantes do povo mineiro para um mandato de quatro anos. Os principais espaos deliberativos so o Plenrio (que se rene ordinariamente de tera quinta-feira, s 14h) e as Comisses Temticas. Segundo o site da ALMG, estas so organismos de trabalho especializados no estudo e na discusso de problemas gerais ou especficos, de acordo com a rea de interesse. Atualmente esto em funcionamento 21 comisses, entre permanentes e extraordinrias. A sede da ALMG o Palcio da Inconfidncia, em Belo Horizonte (MG). A estrutura organizacional da Assembleia19 comandada pela Mesa (atualmente presidida pelo deputado Alberto Pinto Coelho e tambm composta por 1, 2 e 3 vicepresidentes, e 1, 2 e 3 secretrios), seguida pela Secretaria Geral da Mesa e pela Diretoria Geral. Logo abaixo, so sete diretorias (alm da Procuradoria Geral), duas voltadas para atividades de comunicao. A Diretoria de Comunicao Institucional (DCI) responsvel pelas atividades de divulgao do rgo, incluindo aes de relacionamento com a imprensa, monitoramento da imagem institucional, marketing, relaes pblicas e cerimonial, alm da manuteno do site da ALMG.

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Na atual 16 legislatura (2007-2011), so 77 os deputados estaduais. Disponvel em .

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J a Diretoria de Rdio e Televiso (DTV) responde especificamente pela produo e veiculao das atividades do legislativo na rdio Assembleia e, principalmente, na TV Assembleia.

6.1 COMUNICAO NA ASSEMBLEIA

Seguindo uma tendncia de abertura das polticas de comunicao em rgos governamentais, na dcada de 90 a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) introduziu inovaes que modificaram toda sua estrutura comunicacional. A inteno era intensificar e melhorar a interlocuo entre a instituio e a sociedade civil, buscando criar um novo ambiente de socializao poltica.

A comunicao pblica desses poderes [executivo, legislativo e judicirio] tem passado por transformaes qualitativas sem precedentes na histria do Brasil. De posturas que dificultavam o fluxo de informaes (durante o regime militar, especialmente) passou-se ao discurso de transparncia e, mais recentemente, explicitao de iniciativas visando no s fornecer informaes em abundncia (assessorias de comunicao, canais de televiso legislativos, do judicirio e do governo federal, por exemplo), mas tambm abrir canais para ouvir a sociedade e facilitar a participao popular (entre os quais se destacam as ouvidorias, discusses pblicas, programas de comunicao e cultura). (PERUZZO, 2007, p. 159).

Foi montado um forte sistema de comunicao. As estratgias adotadas pela ALMG buscavam, principalmente, melhorar a visibilidade pblica, construindo uma imagem mais positiva da casa. O processo de abertura iniciou-se com realizao de Audincias Pblicas Regionais, que pretendiam centralizar o processo de elaborao das leis oramentrias. Culminou, em 2003, com a criao da Comisso Permanente de Participao Popular, que tem entre as atribuies acolher propostas legislativas da sociedade civil. Ainda dentro desse processo de democratizao da instituio foi criada, em 1992, a Escola do Legislativo, a primeira do Brasil, oferecendo formao tcnica aos funcionrios da casa e atividades pedaggicas para os cidados em geral.

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Outro esforo foi a informatizao da ALMG, que culminou na disponibilizao integral de todos os atos legislativos no site da instituio20. Em 1990, a ALMG contratou uma consultoria para realizar seu planejamento estratgico de comunicao social. O projeto sugeriu a criao de um setor de comunicao, profissional e autnomo, a fim de gerar mudanas rpidas na opinio pblica. Dessa forma, foi criado, ainda em 1990, o Departamento de Comunicao Social da ALMG, cuja misso principal era produzir e veicular uma grande carga de informao poltica para o pblico externo. Em 2002, o setor contratou duas agncias de publicidade. O prprio texto do edital j destacava a necessidade da instituio buscar novos caminhos para sua divulgao:

(...) a Assemblia nunca conseguiu com eficincia emplacar um conceito forte perante a sociedade. A idia que se tem da Casa a julgar pela anlise que dela fazem os licitantes em suas anlises neste processo que seus propsitos, embora fortes e elogiveis, no so percebidos pela sociedade. (Processo licitatrio n 72/2001).

Mais recentemente, em 2006, foi aberta nova licitao para a contratao de empresas de publicidade. Os problemas a serem enfrentados eram a falta de informao e a imagem negativa que a populao mineira tem da ALMG, fatos constatados por pesquisa de opinio, apesar dos esforos realizados at ento. Uma das iniciativas foi o Assembleia Informa, informativo de dois minutos transmitido de segunda a sexta-feira nas emissoras comerciais do estado, entre 1991 e 2001. Em dez anos, foram mais de duas mil edies veiculando informaes sobre as atividades do legislativo. No mesmo perodo, foi publicado o Acontece na Assembleia, matria paga semanal no jornal Estado de Minas. Nas duas iniciativas, o objetivo era aumentar a minoria

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www.almg.gov.br

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(cidados concentrados nos segmentos de alta escolaridade e renda, mas socialmente difusos). informada sobre as atividades polticas no estado. Como se v, a ALMG implantou poderosos recursos de comunicao, na expectativa de causar um grande impacto sobre a opinio pblica. claro que todas essas iniciativas tornaram a ALMG mais permevel participao da sociedade, e colocaram a casa em posio de destaque dentre todos os legislativos estaduais do pas. Os efeitos positivos da modernizao organizacional ressoam at hoje nos setores de comunicao da Assembleia. Mas, apesar das evolues, a imagem pblica da ALMG ainda no homognea. Segundo estudos posteriores (FIALHO; FUKS, 2007), a mudana de imagem no ocorreu da forma esperada. Ainda hoje, uma incmoda maioria expressa desaprovao em relao ao legislativo estadual. Houve, sim, impacto positivo na percepo do pblico mineiro. Mas a concorrncia com eventos polticos de cunho negativo (como o escndalo dos mega-salrios, em 2001) podem ter relativizado a eficincia das estratgias de comunicao e, nesse caso, o processo de inovao institucional no teria sido suficiente para transformar as atitudes polticas dos mineiros. Afinal, a legitimidade das instituies polticas brasileiras enfrenta uma severa cultura da desconfiana. E o impacto desigual dos tipos de informao poltica faz com que um nico evento negativo tenha efeito devastador sobre a imagem de uma instituio, a despeito dos intensos esforos para veicular notcias positivas. Segundo FIALHO e FUKS (2007), este quadro pouco favorvel ALMG reforado pelo fato de que a imagem da Assemblia no difere muito daquela que os mineiros tm do Congresso Nacional. Mas complementam: o mineiro, ainda que de forma vaga e tmida, identifica, no legislativo estadual, alguma singularidade positiva. Outro problema o pequeno espectro do pblico que se interessa e acompanha as atividades legislativas. Pesquisas mostram que grande parte da sociedade tem pouco ou

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nenhum interesse nas atividades polticas desenvolvidas pela ALMG. Ou seja, para grande parcela dos cidados, a Assembleia se mantm bem distante do seu cotidiano. Apenas uma minoria relevante se informa no apenas pelos canais convencionais, mas tambm por mensagem produzidas pela prpria ALMG o chamado pblico politicamente sofisticado. esse o pblico que est exposto s aes de comunicao da Casa, o grupo social sobre o qual as inovaes institucionais podem ter maior efeito. E esse pblico que reconheceu as novidades introduzidas pela Assembleia ao longo da dcada de 1990 (o mesmo pblico que hoje forma parte considervel da audincia da TV ALMG). Ou seja, as estratgias adotadas pelas ALMG para enriquecer o ambiente informacional podem sim ser consideradas efetivas, apesar de terem um alcance limitado. O intenso esforo de comunicao poltica realizado pela instituio esbarra no padro brasileiro de opinio negativa sobre as entidades polticas, e, portanto, no chegam a causar uma mudana expressiva na opinio pblica.

O comportamento do telespectador tem por base o senso comum de que tudo que vem do governo no serve, no srio. E somente so legtimas as questes discutidas na sociedade. (SERPA, 2003, p. 4).

O desinteresse pela poltica21, o baixo consumo de informao, as circunstncias polticas negativas e a diversidade de pblicos (com diferentes graus de interesse e ateno) so obstculos fortes para que as estratgias persuasivas das instituies polticas sejam mais efetivas. Mas, ao que tudo indica, as mudanas na ALMG causaram efeitos, modestos, e, em segmentos limitados da sociedade mineira, ocasionou aumento do conhecimento das funes desenvolvidas pela Casa.21

Diversos autores j se dedicaram a estudar a falta de interesse pela poltica do chamado cidado comum desde Walter Lippmann.

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Inevitavelmente, essas mudanas institucionais influenciaram o comportamento poltico, e foram acompanhadas de modificaes substantivas na cultura poltica mineira.O conjunto administrativo pblico que forma a comunicao governamental, SECOM e as assessorias, ainda tm influncia preponderante na maneira de produzir comunicao, mas nos ltimos anos, com a implantao de estruturas profissionais de comunicao na Cmara e no Senado e o incio dos trabalhos da TV Justia, o Legislativo e o Judicirio aportam novas formas de fazer comunicao governamental e pblica. (BRANDO, 2007, p. 11).

Em novembro de 1995, logo aps a publicao da Lei do Cabo (8.977/95) a ALMG inaugurou o primeiro canal legislativo da Amrica Latina22, antecedendo, inclusive, a TV Senado (que entrou em operao em fevereiro de 2006).

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Hoje, alm da TV Assembleia, a ALMG conta com a Rdio Assembleia e um amplo leque de publicaes impressas.

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7. COMUNICAO INSTITUCIONAL

Uma das finalidades do sistema de radiodifuso estatal a comunicao institucional.A prestao dos servios de televiso por radiofuso pode ser feita, em tese, por todos os entes integrantes da federao brasileira, isto , pela Unio, pelos Estados e Municpios. Tais entes podem prestar diretamente o servio, mediante a atuao da administrao pblica direta ou indireta, por meio de fundaes ou empresas estatais (). A finalidade bsica a realizao de comunicao institucional por parte do poder pblica e a operao das televises educativas'. (SCORSIM, 2008, p. 112).

Mais que isso, a comunicao institucional um dever de Estado, tanto no Poder Executivo, quanto no Legislativo e Judicirio. O decreto que trata da comunicao do Governo Executivo Federal aponta os objetivos da comunicao institucional:

- disseminar informaes sobre assuntos de interesse dos mais diferentes segmentos sociais; - estimular a sociedade a participar do debate e da definio de polticas pblicas essenciais para o desenvolvimento do Pas; - realizar ampla difuso dos direitos do cidado e dos servios colocados sua disposio; - explicar os projetos e polticas de governo propostas pelo Poder Executivo Federal nas principais reas de interesse da sociedade; - promover o Brasil no exterior; - atender s necessidades de informao de clientes e usurios das entidades integrantes do Poder Executivo Federal. (Decreto n 4.799/2003)

O mesmo artigo veda a publicidade que, direta ou indiretamente, caracterize promoo pessoal de autoridade ou de servidor pblico. A divulgao institucional tambm est prevista na Constituio brasileira.Uma das finalidades do setor estatal de radiodifuso a realizao da comunicao social de interesse pblico. Seu fundamento especfico encontra-se na regra constitucional que garante a realizao da publicidade institucional pela administrao pblica com a divulgao dos atos, programas, obras, servios e campanhas dos rgos pblicos, com carter educativo, informativo ou de orientao social, em observncia do princpio da impessoalidade (art. 37, 1, CF) (SCORSIM, 2008, p. 275)

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Portanto, no de se espantar que, sendo uma emissora estatal, voltada prioritariamente para a divulgao das atividades realizadas pela ALMG, a TV Assembleia possa ser caracterizada, tambm, como uma TV institucional.

O sistema estatal aquele voltado informao institucional do Estado (por exemplo o que ocorre nas TVs legislativas, na TV Justia ou nos horrios dedicados a informaes institucionais horrio eleitoral ou Hora do Brasil). (MARQUES NETO, 2004, p. 336 apud SCORSIM, 2008, p. 229).

7.1 ACCOUNTABILITY

Outro conceito fundamental na avaliao do papel dos veculos pblicos/estatais diz respeito aos mecanismos de accountability que, segundo JARDIM (2007, p. 3) tratam, principalmente, do controle sobre o exerccio do poder poltico nos espao das diferentes instituies presentes nas sociedades democrticas contemporneas. Comumente associa-se o termo simples prestao de contas, mas, como veremos, os instrumentos de accountability podem ter alcance muito maior que esta simples definio. O processo de accountability tratado a partir de duas dimenses: a horizontal diz respeito ao controle que poderes exercidos estabelecem entre si (por exemplo, a funo fiscalizadora que as Assembleias Legislativas exercem sobre os atos dos Governos Estaduais); a vertical se refere ao processo eleitoral, ocorrendo na relao direta entre representantes e representados, mediante a avaliao retrospectiva que os eleitores fazem da atuao dos governantes. O poder dos mecanismos de accountability, no entanto, limitado. Os cidados s colocam em prtica seu poder de controle de tempos em tempos, em poca eleitoral, o que insuficiente. Alm disso, no h nenhum instrumento legal que exija que os polticos eleitos

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cumpram o que foi prometido durante a campanha, o que faz com que esses mecanismos exeram poderes de sanes simblicas, apenas.

Assim, ganha importncia a discusso sobre a eficincia destes mecanismos que pode ser traduzida, em ltima instncia, como a eficincia do prprio regime democrtico representativo e de suas instituies. (JARDIM, 2007, p.4).

Nas ltimas dcadas, dois atores tm ganhado projeo especial no exerccio do controle social: a mdia e os movimentos sociais. Alguns autores chegam a apontar os dois como instrumentos de um novo tipo de controle, que seria chamado de accountability social. So ferramentas importantes para, por exemplo, diminuir a distncia entre representados e representantes e combater a fragilidade da legitimidade das democracias representativas. Assim como a comunicao institucional, o accountability social um dos grandes potenciais da mdia eletrnica legislativa.As TVs legislativas estimulam mecanismos de accountability vertical na medida em que se configuram como fonte de informao sobre o comportamento dos representantes e que ampliam a visibilidade do complexo trabalho legislativo, quando incluem na sua programao as transmisses das sesses das comisses permanentes e das audincias pblicas, atividades legislativas de grande importncia no processo decisrio e que possibilitam uma maior participao do eleitor, mas que normalmente tem pouco espao de cobertura na mdia comercial. (JARDIM, 2007, p. 13)

Mdia e movimentos sociais so elementos importantes para a qualidade da democracia, mas, sozinhos, no funcionam como soluo para diminuir a distncia entre os agentes polticos e os cidados.

O bom funcionamento da accountability vertical depender da existncia institucional de sanes efetivas sobre os representantes, da proviso de informao adequada e plural (no apenas sobre a atuao dos governantes, mas sobre o mundo social de modo geral) e do interesse pela poltica disseminado nos diferentes grupos da populao. (MIGUEL, 2005, p. 29).

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No entanto, entendemos que esse no deve ser o nico foco de atuao das TVs estatais e das TVs legislativas. O poder pblico tem outros deveres alm da comunicao institucional e do accountability, como, por exemplo, a educao e a cultura.

Nesse sentido, possvel que um canal de televiso integrante do sistema estatal veicule tanto contedos relacionados informao institucional quanto educao e cultura. Isso ainda no impede a constituio de televises educativas fora do sistema estatal e dentro do sistema pblico de radiodifuso (SCORSIM, 2008. p. 295).

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8. TELEVISES LEGISLATIVAS

Trazer as questes relacionadas aos negcios do Estado para as expor ao olhar pblico algo dotado de enorme potencial democrtico. Wilson Gomes

Como j vimos no captulo 4, a lei 8.977/1995 (Lei do Cabo) instituiu os Canais Bsicos de Utilizao Gratuita, ou seja, canais obrigatrios, de carter pblico, entre eles, o canal do legislativo. A norma foi decisiva para ampliar a diversidade da programao na televiso brasileira. A partir disso, as casas legislativas teriam feito a estratgica opo poltica de empreender o que pode ser chamado de uma ao comunicativa a partir da televiso. (RENAULT, 2004, p. 14). Os canais legislativos surgem em meios aos debates sobre a democratizao da comunicao organizados por movimentos sociais e so, sem dvida, extremamente importantes no campo televisivo no-comercial. Entre as emissoras que poderiam ser criadas a partir da Lei do Cabo, os canais parlamentares foram os primeiros a se estruturar. A Assembleia Legislativa de Minas Gerais foi a pioneira, inaugurando seu canal em 30 de novembro de 1995. O Senado tambm inaugurou sua emissora, apenas oito meses depois. Hoje, so vrias as emissoras parlamentares, entre TV Senado, TV Cmara Federal, TVs de Assembleia e TVs de Cmaras Municipais. No mundo, elas esto presentes em mais de 100 pases. LUCENA23 (2006, p.85) afirma que as emissoras legislativas so espelhos do poder Legislativo no Brasil, reproduzindo avanos e problemas desse poder. Assim, elas tentam romper uma cultura burocratizada, que em nada combina com o dinamismo que um canal de televiso requer e que raramente no dificulta sua expanso e seu desenvolvimento.

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Rodrigo Lucena ex- presidente da Associao Brasileira de Televises e Rdios Legislativas (ASTRAL) e atual diretor da TV Assembleia de Minas Gerais.

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Mas a Lei do Cabo no nos diz muito sobre a estruturao, inclusive editorial, dessas emissoras. Apenas determina que as emissoras legislativas podem existir, e sugestiona que dem prioridade para a transmisses ao vivo. O objetivo inicial desses canais era aumentar a transparncia na atuao do parlamento, abrindo portas para que o cidado pudesse acompanhar diretamente a discusso e elaborao de polticas pblicas e a atuao de parlamentares, o que aumentaria a possibilidade de controle pblico. Surgem, ento, com o desafio de tratar de assuntos de interesse pblico, sem, no entanto, se limitarem s demandas dos grupos estatais que as administram. H uma enorme diversidade de vises sobre a TV estatal. Apesar do ser carter pblico24, ainda h muita discusso sobre o papel institucional dessas televises. As crticas so muitas, e vo desde o tipo de programas exibidos at o processo de escolha dos seus diretores. Outro problema seria a pauta jornalstica, focada no noticirio governamental, atuando principalmente (ou, at mesmo, exclusivamente) para difundir aes dos governantes e sua administrao. Ou, como diria SENRA (2003, p. 4), o jornalismo que cobre a agenda do governador, da primeira-dama do Estado, dos secretrios e dos dirigentes das empresas estaduais da administrao indireta.

Os dirigentes do poder pblico estadual no atentam para o fato de que esse tipo de programao jornalstica faz com que a emissora perca a sua credibilidade e seja conhecida entre os telespectadores como uma TV chapa branca. (SENRA, 2003, p. 4)

Mas apesar da pouca (ou mesmo nenhuma autonomia), j que so canais com financiamento pblico, inegvel que, por meio desses veculos, pela primeira vez os24

O Manifesto pela TV Pblica independente e democrtica, emitido ao final do I Frum Nacional de TVs Pblicas e assinado, inclusive, pela Associao Brasileira de Televises e Rdios Legislativas Astral , afirma que a TV Legislativa parte de um mesmo todo, diverso e plural, complementar e dinmico, chamado Campo Pblico de Televiso.

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cidados poderiam monitorar o comportamento e a posio dos seus representantes durante a atuao poltica. Rompeu-se, ento, com a cultura poltica de portas fechadas. As TVs legislativas tm uma funo social e poltica, exercidas atravs da programao ao vivo, e uma funo institucional, que mostrar ao cidado o que acontece dentro do parlamento. Possuem, portanto, um carter de duplicidade: so, ao mesmo tempo, pblicas e institucionais. Essa ambigidade nasce junto com a proposta dessas emissoras. Seu propsito inicial dar transparncia ao processo legislativo, aproximando o cidado do parlamento. Mas como fazer isso sem passar pela divulgao das atividades internas da casa? Em diagnstico publicado no caderno de debates do I Frum Nacional de TVs Pblicas, LUCENA (2006, p. 88) volta a afirmar que a misso das emissoras legislativas contribuir para o crescimento do processo democrtico, por meio de ferramentas que ofertem ao cidado elementos para que ele mesmo forme sua opinio.

s emissoras legislativas cabe criar quadros especializados para decifrar os cdigos peculiares ao processo legislativo. Devem, tambm, esclarecer populao as motivaes que conduzem aos acordos polticos, que permitem a aprovao das matrias que impactam a vida dos cidados. Tudo isso com uma linguagem de fcil compreenso. (LUCENA, 2006, p. 89).

Mais uma vez, nos deparamos com a dicotomia misso pblica x misso institucional enfrentada pelas emissoras parlamentares. Seu principal objetivo mostrar o que acontece no parlamento, mas sem, com isso, fazer propaganda institucional. Ao mesmo tempo, no devem falar contra o poder, apenas relatar os fatos para que o prprio cidado os