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CASOTECA DIREITO GV – PRODUÇÃO DE CASOS 2011 JUDICIÁRIO E FORNECIMENTO DE INSULINAS ANÁLOGAS PELO SISTEMA PÚBLICO DE SAÚDE: DIREITOS, CIÊNCIA E POLÍTICAS PÚBLICAS Autores (em ordem alfabética) Daniel Wang Denise Franco Fernanda Terrazas Mariana Vilella Natália Pires I. INTRODUÇÃO A Lei Federal 11.347/06, em seu artigo 1º, diz que todos os pacientes portadores de diabetes terão direito a receber gratuitamente do Sistema Único de Saúde todos os medicamentos e insumos necessários para seu tratamento. A mesma lei estabeleceu também que cabe ao Ministério da Saúde selecionar os medicamentos que serão adquiridos pelos gestores de saúde para fornecimento gratuito aos pacientes (art. 2º). A despeito da existência dessa política, reclamam os pacientes que nas listas de medicamentos produzidos pelo Ministério da Saúde constam apenas as insulinas regulares e a NPH, ficando excluídas da política as chamadas insulinas análogas. Pacientes e médicos que defendem o uso das insulinas análogas alegam que seu uso diminui casos de hipoglicemia, além de ser mais conveniente, o que aumentaria a adesão ao tratamento e diminuiria a quantidade de problemas relacionados ao diabetes, economizando outros gastos pelo sistema de saúde. O fornecimento dessas insulinas tem sido a principal reivindicação de associações de pacientes de diabetes que, entre outras estratégias de atuação, fazem intenso uso de ações judiciais contra o poder público, tanto na forma de ações individuais em que se pede o fornecimento dessas insulinas para um indivíduo, quanto por meio de ações coletivas movidas em parceria com Ministério Público ou Defensoria Pública, para exigir a inclusão das insulinas análogas na lista oficial de

UDICIÁRIO E FORNECIMENTO DE INSULINAS ANÁLOGAS … · Controle da diabetes mellitus : insulinas análogas vs. insulinas humanas Como ainda não há cura para a diabetes, o paciente

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CASOTECA DIREITO GV – PRODUÇÃO DE CASOS 2011

JUDICIÁRIO E FORNECIMENTO DE INSULINAS ANÁLOGAS PELO SISTEMA PÚBL ICO DE SAÚDE:

DIREITOS, CIÊNCIA E POLÍTICAS PÚBLICAS

Autores (em ordem alfabética)

Daniel Wang

Denise Franco

Fernanda Terrazas

Mariana Vilella

Natália Pires

I. INTRODUÇÃO

A Lei Federal 11.347/06, em seu artigo 1º, diz que todos os pacientes

portadores de diabetes terão direito a receber gratuitamente do Sistema Único de

Saúde todos os medicamentos e insumos necessários para seu tratamento. A mesma

lei estabeleceu também que cabe ao Ministério da Saúde selecionar os medicamentos

que serão adquiridos pelos gestores de saúde para fornecimento gratuito aos

pacientes (art. 2º).

A despeito da existência dessa política, reclamam os pacientes que nas listas

de medicamentos produzidos pelo Ministério da Saúde constam apenas as insulinas

regulares e a NPH, ficando excluídas da política as chamadas insulinas análogas.

Pacientes e médicos que defendem o uso das insulinas análogas alegam que seu uso

diminui casos de hipoglicemia, além de ser mais conveniente, o que aumentaria a

adesão ao tratamento e diminuiria a quantidade de problemas relacionados ao

diabetes, economizando outros gastos pelo sistema de saúde.

O fornecimento dessas insulinas tem sido a principal reivindicação de

associações de pacientes de diabetes que, entre outras estratégias de atuação, fazem

intenso uso de ações judiciais contra o poder público, tanto na forma de ações

individuais em que se pede o fornecimento dessas insulinas para um indivíduo, quanto

por meio de ações coletivas movidas em parceria com Ministério Público ou

Defensoria Pública, para exigir a inclusão das insulinas análogas na lista oficial de

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medicamentos regularmente e gratuitamente oferecidos pelo Sistema Único de

Saúde1.

Atualmente, dentre as ações que demandam fornecimento e tratamento

médico, a insulina análoga representa um dos produtos mais pedidos em diversos

estados.

O grande número de pedidos judiciais gerou muitos efeitos. Além das vitórias

de pacientes individuais ou de ações coletivas nos tribunais, alguns estados já estão

fornecendo as insulinas análogas em suas listas de medicamentos, apesar da recusa

do Ministério de Saúde de incluí-las na política nacional de combate ao diabetes.

A decisão reiterada do Ministério da Saúde e da maioria dos estados de não

fornecer as insulinas análogas fundamenta-se no argumento de que não há evidências

científicas de que as mesmas reduzam a mortalidade e a morbidade dos pacientes,

sendo sua única vantagem o uso mais cômodo (Relação Nacional de Medicamentos

Especiais, 2008). Outra razão alegada seria o fato de que as análogas são muito mais

caras que as insulinas humanas e a NPH.

II. O QUE É DIABETES

A Diabetes mais comum é denominada diabetes mellitus. Em apertada

síntese, a diabetes mellitus é um conjunto de doenças que tem em comum a

hiperglicemia (excesso de açúcar no sangue), ou pelo falta de produção de insulina ou

associado à redução na sua ação.

Se não controlada, a diabetes mellitus pode trazer complicações graves à

saúde, como doenças cardiovasculares (primeira causa de morte entre indivíduos

diabéticos), falência renal, amputação de membros inferiores, disfunção erétil e

cegueira.

Segundo dados da Federação Internacional de Diabetes (Atlas IDF, 2009), a

prevalência mundial da doença entre os adultos (com idade entre 20-79 anos) é de

6,6%, já atingindo 285 milhões de adultos em 2010. Estima-se que esta prevalência

1 Um caso em que o pedido de inclusão das insulinas análogas teve sucesso foi o do Município de São Gonçalo, que criou uma política de distribuição dessas insulinas após uma ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal. Ver O Globo. “Prefeitura de São Gonçalo é obrigada a fornecer insulina especial a diabéticos do município”, 9 de Setembro de 2010. Disponível em http://oglobo.globo.com/rio/mat/2010/09/09/prefeitura-de-sao-goncalo-obrigada-fornecer-insulina-especial-diabeticos-do-municipio-917591941.asp. Acesso em 5 de Fevereiro de 2011.

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aumentará para 7,8% (438 milhões) de adultos até 2030, o que significa que, dentro

deste período de trinta anos, prevê-se um aumento de 69% no número de adultos com

diabetes nos países em desenvolvimento, paralelamente a um aumento de 20% nos

países desenvolvidos.

No Brasil, estima-se que 5,8% da população seja portadora de diabetes. Ela

atinge principalmente pessoas idosas (por volta de 20% dos brasileiros com mais de

65 anos sofrem de diabetes) e aqueles com até oito anos de escolaridade (VIGITEL,

2010). A tendência é que esse número aumente, em decorrência do avanço da

expectativa de vida no Brasil.

III. Controle da diabetes mellitus : insulinas análogas vs. insulinas humanas

Como ainda não há cura para a diabetes, o paciente tem de aprender a

controlar a patologia para prevenir ou estabilizar complicações ligadas a ela. O

controle passa por, entre outras coisas, mudanças no seu estilo de vida, como parar

de fumar, organizar um plano alimentar saudável e a prática de atividades físicas. O

controle da glicemia também necessita do uso de medicamentos, em especial as

insulinas.

As insulinas são de vários tipos e se classificam de acordo com o tempo da

ação. De forma bastante esquemática podemos dividir as insulinas entre aquelas de

ação rápida (Regular), intermediária (NPH), prolongada (Glargina e Detemir) e

ultrarápida (Lispro, Aspart e Glusilina). As insulinas de ação rápida e intermediária

(Regular e NPH) são chamadas também de “insulinas humanas”, enquanto que as

outras são agrupadas como “insulinas análogas” à humana, termos que usaremos ao

longo do texto.

Em termos de controle da diabetes, ambos os tipos de insulina apresentam a

mesma eficácia. Contudo, os defensores do uso das insulinas análogas no lugar das

humanas defendem que as análogas, por apresentarem perfil mais proximo do

fisiologico e por poderem ser aplicadas no inicio de cada refeição (enquanto as

regulares humanas precisam ser aplicadas pelo menos 30 minutos antes), aumentam

a flexibilidade na qualidade de vida do paciente e reduzem a incidência de

hipoglicemia (que apresenta sintomas como frio, tremor, fraqueza, tontura, dor de

cabeça e irritabilidade). Os defensores da insulina análoga também afirmam que a

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melhora na qualidade de vida leva a maior adesão ao tratamento e, logo, ao melhor

controle da diabetes.

Tunis et al, (2009) e Grima et al, (2007) constataram em suas pesquisas que

existem menos casos de necessidade de tratamento de complicações decorrentes da

diabetes entre pacientes usuários de insulinas análogas. Lasserson et al. (2010), Maia

et al. (2007), Hartman (2008) e Maia & Araújo (2002) identificaram menos episódios

de hipoglicemia entre os usuários de insulinas análogas, quando comparados com

usuários de insulinas humanas.

Os autores citados também apontam que o melhor resultado no uso das

insulinas análogas está muito ligado à sua comodidade. Para uma doença crônica e

assintomática como a diabetes, que requer atenção permanente e cuidados

desconfortáveis durante longo período de tempo, a adesão ao tratamento é uma

variável essencial que determinará os resultados do tratamento. E um dos fatores de

adesão ao tratamento é a sua conveniência.

Por outro lado, há pesquisas que afirmam que, em geral, o uso de insulinas

análogas, em substituição às humanas, não trouxe melhora significativa na condição

de saúde dos pacientes em relação ao controle glicêmico e à redução de risco de

hipoglicemia, embora os pacientes estivessem mais satisfeitos com o tratamento

(Siebenhofer et al., 2009 A; Siebenhofer et al., 2009 B; Singh et al, 2009; CITEC,

2009).

Sugere-se, nesse sentido, que a maior satisfação com o tratamento não

decorre da melhora no quadro de saúde, mas da maior conveniência do tratamento

feito com insulinas análogas (Siebenhofer et al., 2009 B). A partir de um amplo

levantamento, Siebenhofer et al., (2009 A) e BRATS (2010) indicam que a maior parte

da literatura científica internacional aponta na direção de que não há evidências fortes

de que as insulinas análogas trazem melhoras significativas nas condições de saúde

dos pacientes.

Portanto, existe forte divergência na literatura medico científica quanto à maior

efetividade (resultados de melhora nas condições de saúde) do tratamento com

insulinas análogas. Contudo, uma coisa é certa: as insulinas análogas são muito mais

custosas que as humanas.

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De acordo com a Secretaria de Saúde do Município de São Paulo2, dentre as

insulinas análogas compradas pelo sistema municipal de saúde, em grande parte para

o cumprimento de sentenças judiciais, a Insulina Análoga Glargina (R$ 179,59 o frasco

com 10 ml), a mais judicializada como será observado a seguir, pode chegar a ser 13

vezes mais cara que a Insulina Humana NPH (fornecida a R$13,00 o frasco com 10

ml). Confira a planilha abaixo3:

INSULINA APIDRA SOLOSTAR SOL. INJ. - CANETA DESC. 3ML R$ 14,33/CANETA

INSULINA APIDRA SOLOSTAR SOL. INJ. - FRASCO AMPOLA C/ 10ML R$ 47,78/FAM

INSULINA ASPART 100 UI/ML(NOVORAPID) FR C/10ML R$ 53,18/FR

INSULINA GLARGINA 100UI/ML(LANTUS CARPULE) FR. C/ 3ML R$ 57,88/CARPULE

INSULINA GLARGINA 100UI/ML(LANTUS) FR. C/ 10ML R$ 179,59/FAM

INSULINA HUMANA NPH 100 UI/ML R$ 10,40/REFIL

INSULINA HUMANA NPH EM SOL. INJ. C/100UI/ML-CX. 1 FAM 10ML R$ 13,00/FAM

INSULINA HUMANA REGULAR EM SOL. INJ. COM 100 UI/ML R$ 9,86/FAM

INSULINA LANTUS SOLOSTAR SOL. INJ., CANETA DESC. 3 ML R$ 63,91/CANETA

INSULINA LISPRO 100 UI/ML EM FAM C/ 10 ML R$ 48,99/FAM

INSULINA LISPRO 100 UI/ML EM REFIL C/ 3 ML R$ 19,56/REFIL

INSULINA LISPRO MIX 25 - 100 UI/ML R$ 22,97/REFIL

Acompanhamento e Registro de Preços Insulinas

Secretaria de Saúde de Municipio de São Paulo (Março-Abril 2011)

De acordo com os dados expostos acima, resta claro que a Insulina Humana é

de fato mais barata que quaisquer das Insulinas Análogas, como as Insulinas Lispro

(R$ 48,99 o frasco com 10 ml) e Aspart (R$ 53,18 o frasco com 10 ml), também

frequentes alvos da judicialização.

Além da discussão quanto à maior efetividade do tratamento com insulinas

análogas, a literatura científica que estuda tais medicamentos também diverge quanto

ao seu custo-efetividade.

Os estudos que indicam não haver evidências fortes de benefícios – melhor

controle da glicemia, menos casos de hipoglicemia ou menor ocorrência de problemas

decorrentes da diabetes – avaliam que não há justificativas em assumir o custo muito

mais elevado das insulinas análogas (Siebenhofer et al., 2009 B; Singh et al, 2009;

BRATS, 2010).

2 De acordo com os últimos acompanhamentos de preços de medicamentos e insumos fornecidos ao Município de São Paulo por meio do Registro de Preços nos termos do artigo 23 da Lei 8666/93. Publicados no Diário Oficial da Cidade de São Paulo em 03 de março e 13 de abril de 2011, páginas 101 e 62, respectivamente. 3 Planilha elaborada com o cruzamento de dados das informações publicadas pela Secretaria de Saúde do Município de São Paulo junto ao Diário Oficial da Cidade de São Paulo, nos dias 03 de março e 13 de abril de 2011, páginas 101 e 62, respectivamente.

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Mesmo quando se reconhecem vantagens das insulinas análogas sobre as

humanas, isto não necessariamente significa que sua incorporação valha a pena.

Em sentido oposto, outros estudos afirmam que as insulinas análogas possuem

melhor relação custo-efetividade em relação às humanas, uma vez que a maior

conveniência das primeiras, além de trazer maior comodidade ao paciente, levaria a

uma maior adesão ao tratamento, diminuindo a incidência de hipoglicemia e reduzindo

gastos por parte do sistema de saúde para tratamento de problemas relacionados à

diabetes (McAdam-Marx, 2008; Leichter, 2008; Brunton, 2008).

Em síntese, a discussão na comunidade científica continua aberta. Existe

divergência quanto aos benefícios advindos com o uso das insulinas análogas e

quanto ao seu custo-efetividade.

IV. A POLÍTICA PARA DIABETES DO SUS4

A assistência para os portadores de diabetes no Sistema Único de Saúde é

feita mediante a distribuição de medicamentos e insumos para o controle da doença,

cuja responsabilidade é solidária entre as três esferas de governo: federal, estadual e

municipal.

A Lei Federal nº 11.347 de 2006 definiu critérios para a distribuição gratuita

de medicamentos e materiais necessários para o controle e monitorização da doença

aos pacientes inscritos em programas de educação para diabéticos em todo o país.

Em outubro de 2007, essa lei federal foi regulamentada pela Portaria do Ministério da

Saúde nº 2.583, que definiu o elenco de medicamentos e insumos necessários

disponibilizados pelo SUS aos usuários portadores de diabetes mellitus. As

responsabilidades dos entes federados no financiamento e fornecimento desses

produtos encontram-se normatizadas pela Portaria nº 4.217 do Ministério da Saúde,

de 29 de dezembro de 2010.

A Relação Nacional de Medicamentos (RENAME) de 2010, a lista mais

recente que define os medicamentos essenciais para fornecimento gratuito e

universal, também elenca as insulinas para controle da diabetes mellitus como parte

da política farmacêutica federal.

4 Sobre a política farmacêutica no Sistema Único de Saúde como um todo ver Anexo I

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A legislação federal define que a política de assistência farmacêutica do

Sistema Único de Saúde para os portadores de diabetes mellitus compreende apenas

o fornecimento das insulinas humanas: NPH e Regular. Desse modo, as insulinas

análogas não foram padronizadas pelo governo federal para fornecimento pelo

sistema público de saúde.

Na RENAME de 2008 existe uma justificativa bastante clara para a não

inclusão das insulinas análogas: não há evidências de que o tratamento com insulinas

análogas traga melhores resultados terapêuticos quando comparadas com insulinas

humanas. O documento cita diversos trabalhos mostrando a ausência de benefícios

adicionais com o uso de análogas e considerou que as pesquisas que identificaram

benefícios estão enviesadas por problemas metodológicos (RENAME, 2008).

No entanto, como os estados e os municípios podem, por iniciativa própria,

complementar os programas de assistência farmacêutica definidos pelo governo

federal por meio da elaboração de protocolos estaduais que incorporem as insulinas

análogas, cinco estados da federação decidiram por fornecer algumas das insulinas

análogas, que não estão previstas na política de assistência farmacêutica do Sistema

Único de Saúde para o controle do diabetes mellitus. São eles: do Distrito Federal5,

Espírito Santo6, Minas Gerais7, Paraná8 e Rio Grande do Sul9.

As justificativas para inclusão são aquelas usadas pelos defensores do uso

de insulinas análogas. A título de exemplo, o governo do Paraná entende que o

tratamento apenas com insulinas humanas é “incapaz[es] de promover o adequado

controle da glicemia sem um aumento inaceitável no risco de hipoglicemia”,

fundamentando tal afirmação por meio de citação de artigos científicos que embasam

esta posição. Afirma, também, que a avaliação da relação custo-benefício com o uso

de insulinas análogas é “bastante favorável” (SESA Paraná, 2006)10.

Em conclusão, apenas em alguns poucos estados existe uma política de

acesso universal às insulinas análogas11. As incertezas quanto às vantagens do uso

5 O Distrito Federal possui protocolo complementar para fornecimento de insulina Glargina. 6 O Estado do Espírito Santo possui protocolo complementar para fornecimento da insulina Glargina. 7 O Estado de Minas Gerais possui protocolo complementar para fornecimento da insulina Glargina, mas apenas para diabetes de tipo 1. 8 O Estado do Paraná possui protocolo complementar para fornecimento das insulinas Glargina, Lispro, Aspart e Detemir. 9 O Estado do Rio Grande do Sul possui protocolo complementar para fornecimento das insulinas Lispro e Aspart. 10 Sobre o posicionamento de representantes dos gestores do SUS ver Anexo VII 11 Para maiores informações sobre a metodologia empregada na pesquisa de protocolos estaduais, ver Anexo II

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de insulinas análogas e o seu maior custo geram uma situação em que a resposta do

Ministério da Saúde e da maioria dos Estados é pela sua não incorporação, embora

alguns Estados tenham entendido que as evidências existentes são suficientes para

justificar o seu fornecimento, atendendo às demandas dos pacientes.

IV. JUDICIALIZAÇÃO DAS INSULINAS ANÁLOGAS

Conforme visto, a incorporação das insulinas análogas encontra resistência

por parte do sistema público de saúde. Os pacientes – individualmente ou

representados por ONGs e o Ministério Público – encontraram no Poder Judiciário

uma via para enfrentar essa resistência e conseguir, por via de ações contra o Poder

Público, o acesso gratuito às insulinas análogas com base no direito constitucional à

saúde.

Os medicamentos para diabetes, especialmente as insulinas análogas,

representam o principal objeto da judicialização da saúde no estado de São Paulo.

Afonso da Silva & Terrazas (2010), por meio de entrevistas com beneficiários de

ações judiciais com pedido de medicamentos no município de São Paulo, descobriram

que aproximadamente 24% deles são pacientes de diabetes e que as insulinas

análogas são o medicamento mais pedido.

Em outra pesquisa, que analisa os medicamentos fornecidos pela Prefeitura

do Município de São Paulo, aqueles para diabetes representam 46% do total (Vieira &

Zucchi, 2007). Entre as pessoas assistidas pela Defensoria Pública do Estado de São

Paulo que pleiteiam o direito à saúde, 25% buscam medicamentos para diabetes, em

especial insulinas (Wang, 2009). Cabe destacar que tais ações possuem um alto

índice de sucesso nos Judiciário (Vieira & Zucchi, 2007; Chieff & Barata, 2009; Afonso

da Silva &Terrazas, 2010 e Wang, 2009).

No município do Rio de Janeiro também são os medicamentos para diabetes

o principal objeto da judicialização da saúde, embora em proporções menores.

Figueiredo (2010) levantou que dentre os pedidos contra o Poder Público, 13,2% era

para o tratamento de diabetes, seguido pelos oftalmológicos (5,2%). A autora dividiu

os medicamentos demandados entre aqueles que são fornecidos pelo SUS e aqueles

que estão fora das listas. No primeiro grupo a insulina NPH encontra-se em primeiro e

a humana regular em terceiro em termos de frequência. Já dentre os medicamentos

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não regularmente inclusos na política pública de saúde, as insulinas análogas,

somadas, são as mais frequentemente demandadas (Figueiredo, 2010).

V. Perfil da judicialização das insulinas no Brasil

Por ainda não haver pesquisas que tratem especificamente sobre as ações

judiciais demandando insulinas, percebemos que seria necessária uma pesquisa mais

específica e ampla sobre o caso das insulinas análogas. Além de identificar quais as

insulinas análogas mais pedidas, importa-nos, também, saber como os juízes

analisam, se é que o fazem, as informações científicas divergentes sobre a eficácia

das insulinas análogas, bem como se eles aceitam a idéia de que considerações de

custo e custo-benefício podem ser alegadas pelos gestores para não fornecer a

análoga no lugar da regular ou da NPH.

Foi feita uma pesquisa sobre casos envolvendo pedido de insulinas nos

Tribunais de Justiça de São Paulo (TJ-SP), Minas Gerais (TJ-MG), Rio Grande do Sul

(TJ-RS), Espírito Santo (TJ-ES) e Rio de Janeiro (TJ-RJ); todos os Tribunais

Regionais Federais (TRF 1, TRF 2, TRF, 3, TRF 4, TRF 5); o Supremo Tribunal

Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ). No total, 501 decisões foram

analisadas12.

As insulinas mais pedidas são as análogas de insulina: em primeiro a

Glargina (Lantus), seguida de Lispro (Humalog) e Aspart (Novorapid). Essas são as

insulinas que não são fornecidas pelo SUS e são objeto de reivindicação pelos

pacientes.

Tipo de insulina

Insulina Total

Glargina (Lantus) 319

Lispro (Humalog) 148

Aspart (Novorapid) 117

NPH 63

Regular Humana 40

Detemir (Levemir) 30

12 Para mais detalhes sobre a pesquisa de jurisprudência, ver Anexo III

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Ultra rápida (n.i.) 12

n.i. 10

Novomix 9

NPH ou Regular Humana (n.i.) 9

Apidra (Glusilina) 7

Inalável Exubera 1

Total geral 765

Em um grande número de casos o paciente pediu, no mesmo processo, mais

de uma insulina. No cálculo da frequência de insulinas demandadas somamos todas

aquelas que foram pedidas, por isso há muito mais insulinas do que decisões.

Uma forma interessante de olhar esse dado é agrupar as insulinas análogas

em um grupo e as insulinas humanas (NPH e regular) em outro. Tem-se que 84% das

insulinas pedidas judicialmente são análogas.

Proporção de tipos de insulina solicitas por medida judicial

CASOTECA DIREITO GV – PRODUÇÃO DE CASOS 2011

A chance de um paciente conseguir uma decisão obrigando o poder público a

fornecer a insulina demandada é muito grande. Em 88% (440) dos casos o tribunal

decidiu a favor do paciente. Apenas em 11% (53 casos) o pedido foi negado pelo

tribunal.

Em 1% dos casos o paciente pedia tanto insulinas regularmente fornecidas

quanto análogas e os tribunais decidiram fornecer aquelas, mas não estas. Por isso,

os classificamos como casos em que a decisão concede parcialmente o pedido.

Tribunal concede insulina?

Se separarmos o resultado dos julgamentos por tipo de ação, liminar ou final,

encontramos o interessante dado de que entre as decisões finais mais de 92%

fornecia a insulina, enquanto que entre as decisões liminares este número diminui

para um pouco mais de 78% dos casos.

Conforme mostraremos adiante, o menor sucesso das liminares reside no fato

de que alguns magistrados entendem que as evidências médicas são controversas e

que se faz necessária a produção de perícia para averiguar a real necessidade do

medicamento pleiteado.

Concessão: liminar vs. final

CASOTECA DIREITO GV – PRODUÇÃO DE CASOS 2011

VI. A argumentação dos tribunais

Neste item procederemos à análise dos argumentos usados pelos tribunais

para fundamentar suas decisões. Conforme visto, o Judiciário precisa enfrentar

diversas questões: controvérsia científica; deferência ou ativismo frente a decisões

administrativas; impacto econômico; e sopesamento entre direito à saúde do individuo

e necessidades da coletividade. Neste item, portanto, analisaremos as diferentes

respostas – quando presentes – a estas questões nos julgamentos.

As decisões foram divididas de acordo com o resultado do recurso – se

concedida ou não a insulina demandada.

Agrupamos os argumentos em três conjuntos: (1) argumentos relativos à

condição sócio-econômica do paciente; (2) argumentos que fazem referência à

necessidade ou eficácia do tratamento pedido e (3) argumentos que entram no debate

sobre os custos do tratamento demandado e as conseqüências de sua concessão no

orçamento público.

Por fim, nos pouquíssimos casos em que houve voto divergente, optamos por

analisar apenas os votos vencedores para entender o argumento que de fato embasa

a decisão tomada pelos tribunais.

Decisões que concedem a(s) insulina(s)

CASOTECA DIREITO GV – PRODUÇÃO DE CASOS 2011

Conforme visto, em 440 dos casos (88%) a insulina pedida é concedida pelos

tribunais.

Destes 440, 215 fazem referência à condição sócio-econômica do paciente.

Dentre estes 215 casos, na quase totalidade - 208 decisões (97%) - os tribunais

afirmaram que se tratava de um paciente hipossuficiente e que nem ele, e nem sua

família, teriam condições de arcar com os custos do tratamento. Em 5 casos, o tribunal

entendeu que a condição sócio-econômica do paciente é irrelevante na análise de

pedido de fornecimento da insulina porque o Sistema Único de Saúde é universal e

igualitário, não comportando discriminação de renda. Em 1 caso, por ser tratar de

decisão em sede liminar, o tribunal entendeu que não caberia discussão sobre a

hipossuficiência do paciente. Por fim, também em 1 caso o tribunal afirmou que o

Sistema Único de Saúde “deve tratar cidadãos de forma indistinta (...) mas

preferencialmente aos hipossuficientes”. Neste caso, não ficou claro se o cidadão

recebeu o tratamento por ser hipossuficiente ou apenas por ser cidadão.

Análise da condição sócio-econômica do paciente

Do total que concede a insulina, em 293 decisões houve alguma análise

sobre a necessidade e a eficácia do tratamento pedido. Uma alegação recorrente por

parte do Poder Público para pedir o indeferimento da ação era quanto a real

CASOTECA DIREITO GV – PRODUÇÃO DE CASOS 2011

necessidade do paciente de receber a insulina pedida e à eficácia do tratamento

quando comparado com aqueles regularmente oferecidos pelo sistema público de

saúde. Na grande maioria das vezes em que esse tema apareceu na decisão do

tribunal - 246 casos - os tribunais basearam-se no laudo do médico do paciente para

provar que o paciente necessitava do tratamento, a despeito das alegações e

evidências em contrário trazidas pelo Poder Público. Em 6 casos o tribunal foi

convencido da necessidade e eficácia do tratamento por meio de perícia técnica

judiciária, e em outros 5 a decisão foi tomada com base em pesquisa de literatura

médica ou estudos técnicos sobre a eficácia das insulinas análogas. Houve 1 caso em

que o tribunal baseou-se tanto na literatura médica quanto no laudo assinado pelo

médico do paciente. Em 2 casos o tribunal reconheceu a necessidade do tratamento,

mas abriu a possibilidade de substituição do medicamento pedido por um genérico.

Por fim, em 33 casos o tribunal simplesmente afirmou que o tratamento pedido era

necessário, sem citar a fonte desta afirmação.

Análise da eficácia e necessidade da insulina pedida

Com relação ao debate sobre os custos do tratamento e as consequências

econômicas e orçamentárias da sua concessão, esse assunto foi analisado e usado

na fundamentação da decisão em 182 casos. Em 130 deles o tribunal entendeu que,

quando está em jogo o direito à vida e à saúde dos pacientes, a questão dos custos é

irrelevante e não pode ser alegada pelo Poder Público para justificar o não

CASOTECA DIREITO GV – PRODUÇÃO DE CASOS 2011

fornecimento de um medicamento. Em 34 casos os magistrados entenderam que a

alegação de que não havia recursos ou que a concessão de medicamentos traria

danos ao sistema de saúde ou ao atendimento de outros pacientes não foi

comprovada pelo Poder Público. Em 18 decisões entendeu-se que a ausência de

recursos é culpa da própria administração pública, de sua má gestão ou falha na

escolha de prioridades, não podendo ser alegada em favor do Estado para se eximir

de fornecer o medicamento pedido.

Análise das conseqüências da decisão no orçamento público

Decisões que não concedem a(s) insulina(s)

Conforme visto, em apenas 53 casos o pedido de fornecimento de

medicamento foi negado pelo tribunal. Em apenas 5 casos o pedido foi negado tendo

como fundamento (ou um dos fundamentos) o fato de o paciente ter condições

financeiras para comprar o medicamento, ou de não conseguir provar sua

hipossuficiência. O seguinte trecho é representativo: “O impetrante não é assistido por

médico do SUS, tem plano de saúde (fls 12) e não demonstrou, inequivocamente, não

ter condições de arcar com os custos de seu tratamento" (Tribunal de Justiça de São

Paulo - AC 812.909-5/2-00).

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Houve 44 casos em que a não concessão da insulina teve como fundamento

(ou um dos fundamentos) a não comprovação da necessidade ou indispensabilidade

do paciente de receber o tratamento pedido, inclusive pela não comprovação da

eficácia das insulinas análogas sobre as humanas, regularmente oferecidas pelo

poder público.

Destes 44 casos, em 25, principalmente liminares, o tribunal entendeu que

não poderia conceder o medicamento porque o conjunto probatório não foi suficiente

para comprovar a necessidade, especialmente pela falta de realização de perícia

médica judicial. Em 2 casos, o tribunal concluiu, a partir do laudo produzido pelo

próprio médico do paciente, que a insulina análoga não seria indispensável para o

paciente. Já em 6 decisões, o tribunal baseou-se na perícia médica judicial para

afirmar que o tratamento pedido não era indispensável ao paciente e que o tratamento

poderia ser feito com as insulinas regularmente oferecidas pelo sistema público. Em 4

julgados a afirmação de que não havia necessidade do fornecimento da insulina foi

baseada na literatura médica que afirma não haver vantagens na substituição das

insulinas análogas pelas regulares ou NPH. Por fim, em 7 casos os tribunais não

informaram a fonte da informação de que o tratamento não seria necessário ou

indispensável.

Análise da eficácia e necessidade da insulina pedida (total de 44 casos)

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Os custos da concessão judicial e/ou seu impacto econômico foram usados

como argumento para negar a concessão em 19 dos 53 casos de não concessão. Em

7 deles, o tribunal afirmou de forma mais genérica que custos impõem restrições a

direitos, portanto não haveria como o Estado fornecer todos os medicamentos

demandados pelos pacientes. Já em 12 casos, os tribunais foram mais específicos e

afirmaram que é preciso respeitar as escolhas do sistema de saúde e, portanto,

caberia à Administração decidir o rol de medicamentos aos quais os cidadãos podem

ter acesso.

Decisões com pedido de mudança estrutural

Neste item analisaremos as decisões que pedem mais do que o simples

fornecimento de insulina a um paciente ou um grupo determinado de pacientes. Elas

pedem o fornecimento regular de insulinas pelo Poder Público a uma coletividade. São

pedidos de mudança estrutural porque demandam uma efetiva mudança na política e

não só uma atuação pontual.

As decisões com pedido de mudança estrutural merecem ser analisadas

separadamente porque elas têm potencialmente maior impacto econômico para o

sistema de saúde, atingem um número muito maior de pessoas.

Na pesquisa feita por meio do banco de dados eletrônico dos tribunais foram

encontrados 7 casos com pedido de mudança estrutural. A estes adicionamos para a

análise uma decisão que encontramos por outra via - Apelação 803.640-5/3-00

(TJSP), mas cuja análise entendemos válida pelo fato de serem poucas as ações com

pedidos de mudança estrutural que conseguimos coletar por meio da pesquisa pelo

site.

Tribunal Ação Pedido Resultado

TRF 4 Apelação 2004.72.09.001393-1

Fornecimento dos medicamentos constantes no Programa Nacional de Assistência Farmacêutica para

Hipertensão Arterial e Diabetes

Concede pedido

TRF 4 Ag. Instrumento 5005575-03.2010.404.0000

Implantação de Protocolo Clínico aos análogos de insulina de longa

(glargina e levemir) e curta duração (aspart e lispro), com o

objetivo de viabilizar o acesso dos portadores de Diabetes Mellitus

Tipo 1 ao tratamento.

Nega pedido

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TRF 4 Ag. Instrumento 2007.04.00.040761-1

Fornecimento de todo e qualquer medicamento e exame

necessários ao tratamento da Diabetes Mellitus Tipo II, para residentes nos Municípios que

integram a Subseção Judiciária da Justiça Federal de Jaraguá do

Sul/SC.

Nega pedido

TRF 5 Apelação 478990

Fornecimento de Glargina a todos os usuários do sistema de saúde

de Sergipe portadores de Diabetes Mellitus Tipo 1

Concede pedido

TJ-ES Ag. Instrumento 24099159964

Fornecimento aos pacientes portadores de diabetes de insulina

análoga de longa duração (Glargina) e de curta duração pelo

Estado do Espírito Santo.

Concede pedido

TJRS Ag. Instrumento 70021180922

Fornecimento de Glargina e Detemir a todas as crianças e adolescentes portadoras de

diabetes.

Nega pedido

TJSP Apelação 697.081-5/6-00 Fornecimento de Glargina aos munícipes de Jacareí Nega pedido

TJSP* Apelação 803.640-5/3-00

Fornecimento de todos os medicamentos e insumos

necessários, inclusive insulinas, aos residentes no Município de

São Paulo portadores de Diabetes

Nega pedido

Denegação do pedido de mudança estrutural

Em 4 casos houve denegação do pedido de fornecimento de insulinas

análogas para uma coletividade. Todos eles eram pedidos alternativos, ou seja,

pediam-se insulinas para um indivíduo ou grupo determinado de pessoas e, ao mesmo

tempo, para toda uma coletividade. Embora nos 4 casos o pedido de mudança

estrutural (para a coletividade) tenha sido negado, em 3 deles o pedido individual foi

concedido.

No Ag. Instrumento 2007.04.00.040761-1 (TRF 4) o tribunal negou o pedido

considerando as conseqüências que a decisão teria para o sistema público de saúde.

Ressaltou, ainda, que os recursos do SUS são escassos e que “[D]deferir-se, sem

qualquer planejamento, benefícios para alguns, ainda que necessários, pode causar

danos para muitos, consagrando-se, sem dúvida, injustiça”. A decisão também

entendeu que a introdução de medicamentos deve obedecer a formalidades e a um

processo administrativo e que se o tribunal concedesse o pedido, estaria atuando em

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matéria típica da Administração. Por fim, reforça o entendimento de que o direito à

saúde é um direito social coletivo e não um direito individual.

No Ag. Instrumento 70021180922, o TJRS entendeu que não tinha

conhecimento médico-científico suficiente para avaliar os benefícios das medicações

pedidas e determinar a obrigação do Estado de cumprir a obrigação demandada. Além

do mais, fala-se nos custos que tal decisão implicaria “seguramente sacrificando

carências básicas e bem conhecidas na área da saúde, bastando confrontar os

preços”.

A Apelação 697.081-5/6-00 (TJSP) é um dos casos com pedido alternativo.

Embora tenha havido um pedido de mudança estrutural, este não foi discutido ao

longo do acórdão, que simplesmente analisou o pedido individual e julgou

parcialmente procedente a ação civil pública, obrigando a Administração a fornecer a

insulina apenas aos beneficiários nomeados na inicial. Não se sabe os fundamentos

de tal decisão.

Na Apelação 803.640-5/3-00, o TJSP entendeu que o pedido é

demasiadamente genérico e que “a tutela do interesse difuso à saúde, no caso dos

autos, deve passar obrigatoriamente pela tutela de direitos individuais, sob pena de

tornar o autor carecedor da ação por falta de interesse”.

Por fim, no Ag. Instrumento 5005575-03.2010.404.0000 entendeu-se que as

evidências científicas disponíveis “não permitem identificar vantagens significativas em

relação à utilização dos diferentes tipos de insulinas, considerando eficácia, segurança

e comodidade” e que as insulinas NPH e regular, fornecidas pelo Ministério da Saúde,

suprem as necessidades dos pacientes. Além do mais, afirmou que a lei que trata

sobre diabetes dá aos pacientes o direito de acesso aos medicamentos escolhidos

pelo SUS e que não há inconstitucionalidade ou ilegalidade nos critérios adotados pelo

sistema: “[T]trata-se de política pública elaborada de acordo com as diretrizes do

Governo Federal, amparadas, por sua vez, pelos dados disponibilizados por equipe

técnica”. Por fim, ressaltou-se ainda que questões orçamentárias e de custos devem

ser consideradas para não comprometer a fruição de direitos “a parcela mais ampla da

sociedade”.

Concessão do pedido de mudança estrutural

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Em um dos casos - Apelação 2004.72.09.001393-1 (TRF 4) - houve pedido

de fornecimento de insulinas já constantes no Programa Nacional de Assistência

Farmacêutica para Hipertensão Arterial e Diabetes. Neste caso, o pedido é estrutural,

mas diferencia-se dos outros porque se pede a efetivação de uma política já existente,

enquanto que nos outros se pede uma mudança na política por meio da introdução de

insulinas análogas, não constantes na lista oficial.

Dentre os pedidos de fornecimento de insulinas análogas concedidos, em um

caso, a Apelação 478990 (TRF 5), havia um pedido alternativo (tanto para um

indivíduo quanto para uma coletividade). Neste caso, ambos haviam sido concedidos

em primeira instância e o Poder Público apelou. Contudo, o tribunal analisou apenas o

pedido individual e toda a argumentação foi construída em torno da necessidade do

indivíduo. Decidiu-se por negar provimento à apelação, o que dá a entender que

ambos os pedidos foram concedidos, embora não tenha havido qualquer

argumentação sobre o pedido de mudança estrutural.

Por fim, em apenas um caso - Ag. Instrumento 24099159964 (TJES) -

decidiu-se pela concessão do pedido de mudança estrutural de forma fundamentada.

O julgado baseou-se na apresentação de estudos científicos e em receitas médicas

afirmando que as insulinas solicitadas são superiores à NPH, regularmente fornecida

pelo sistema de saúde no referido Estado. O tribunal considerou também que os

estudos apresentados pela Administração Pública defendendo que as análogas não

são indispensáveis, pois podem ser substituídas pela NPH, são inconclusivos. Sobre o

impacto financeiro, a decisão afirmou que “dificuldades financeiras do Poder Público

não podem servir de obstáculo ao fornecimento de medicamentos e de garantia da

vida dos jurisdicionados”.

VII. Os tipos ideais de decisões

A partir da análise de conteúdo do fundamento dos julgados, procederemos à

construção de tipos-ideais de decisão judicial sobre pedidos de fornecimento de

insulinas análogas.

Importa ressaltar que “ideal”, neste contexto, não tem uma carga

valorativa/normativa e não significa “o melhor” ou “o mais desejável”. Tipo-ideal é um

conceito específico da sociologia weberiana que procura entender a realidade por

meio da construção de um tipo “puro” e com características propositalmente

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acentuadas. É uma forma de reduzir o mundo real - com toda sua complexidade,

ambiguidade e nuances - a uma construção analítica mais simples e homogênea – e

comumente fictícia – em que apenas alguns aspectos são propositalmente escolhidos

para ajudar a entender a realidade e, especialmente, para fazer classificações e

estudos comparativos13.

Tipo ideal das decisões em geral

É uma decisão que fornece a insulina análoga.

A decisão típica aceita a receita do médico do paciente como necessária e

suficiente para demonstrar a necessidade e a adequação do medicamento. Além do

mais, julga que a receita deve prevalecer frente ao entendimento da administração

pública de que as insulinas pretendidas não são indispensáveis. O médico é quem

está mais capacitado para escolher o tratamento para seu paciente, e sua receita

fornece toda a informação médica-científica necessária para o julgamento. O laudo é

um trunfo contra evidências científicas em contrário apresentadas pela Administração

e faz com que a perícia médica-judicial seja dispensável. O tribunal afirma não ter

condições de questionar a decisão de tratamento escolhida por um médico, mas

desconsidera as opções de tratamento escolhidas pelo sistema de saúde. Ou seja, o

juiz típico nesses casos de concessão não quer se substituir ao médico, mas se

substitui à Administração Pública a cada decisão.

Isso faz com que a alegação de que um medicamento não pertence à lista

oficial seja de pouca relevância. Ademais, frente a direitos individuais tão

fundamentais, como vida e saúde, a questão dos custos de se fornecer a insulina é

secundária, ou mesmo irrelevante, e não pode ser usada pela Administração Pública

para negar um tratamento a um paciente que dele necessite. Além do mais, a

Administração é incapaz de mostrar que não possui recursos para fornecer a insulina

pedida e tampouco consegue provar que o seu fornecimento traz riscos para o

sistema público de saúde e sua capacidade de atender outros pacientes.

Considera, por fim, que a condição sócio-econômica do paciente é um

aspecto importante a ser considerado no julgamento, de forma que a sua

hipossuficiência é uma razão a mais para que o Judiciário intervenha em sua

proteção.

13 A definição de tipo ideal pode ser encontrada em Weber (1986).

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Tipo ideal das decisões com pedido de mudança estrutural

É uma decisão que nega o pedido de concessão de insulinas análogas a uma

coletividade, ou seja, a introdução destes medicamentos nas políticas do sistema

público de saúde.

Fundamenta-se no fato de que a escassez de recursos impede o sistema de

saúde de fornecer todos os medicamentos que os médicos indicam aos seus

pacientes, uma vez que o gasto feito sem critérios pode impedir esse mesmo sistema

de oferecer bens e serviços que protejam a saúde de outros pacientes.

Há receio de que obrigar o fornecimento das insulinas mais caras pode deixar

desamparada outra parcela da população, especialmente os menos favorecidos e que

dependem do sistema público.

O fato de que os recursos são escassos gera a necessidade de se

estabelecer critérios de como usá-los. E esses critérios devem ser estabelecidos pela

Administração Pública, desde que escolhidos por meio de um processo correto e com

fundamentação científica. Cabe, portanto, ao Judiciário, respeitar tais critérios, sob

pena de intervir em matéria reservada a outro Poder.

Em um quadro de incerteza científica sobre a real imprescindibilidade das

insulinas análogas e de suas vantagens em relação às regulares humanas e NPH

(humanas), não há como o tribunal colocar-se no lugar do administrador público para

avaliar qual o melhor tratamento e decidir que ele deve ser fornecido pelo sistema

público de saúde.

Ao contrário das decisões individuais, no caso de pedido de mudança

estrutural, o tribunal nega-se a se colocar no lugar do Administrador Público e confia a

este o poder de avaliar, a partir do conhecimento existente, qual o tratamento mais

adequado a ser fornecido para a população.

Contudo, está aberta a possibilidade para que os pacientes, individualmente,

e com grande chance de sucesso, venham a pleitear aquilo que o tribunal denega

para uma coletividade.

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