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Um Amor, um Verão e o Milagre da Vida

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O livro Um Amor, Um Verão e o Milagre faz parte do projeto “Por Um Sonho de Verão” e conta a história de um adolescente que descobre ser portador de Câncer Gástrico, e portanto vê seus sonhos destruídos pela doença. Além do surf, “JC” está apaixonado por Maria Paula e quando recebe seu diagnóstico sente uma onda de desespero que muda todos os seus planos para o futuro. Autora - Isa Colli

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Isa Colli

1ª edição

Janeiro — 2011

Above PublicaçõesVila Velha - ES

Um Amor, Um Verão, e o Milagre da Vida... Baseado em fatos reais

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Um Amor, Um Verão, e o Milagre da Vida... Baseado em fatos reais

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Copyright © 2011 — Above Publicações

Primeira edição

ISBN — 978-85-63080-33-2

Editor ResponsávelUziel de Jesus

RevisãoArlete Ataide

CapaMelissa Roncete

Diagramação e CapaAbove Publicações

www.aboveonline.com.br

Todos os direitos reservados pela autora.É proibida a reprodução parcial ou total

sem a permissão escrita da autora.

Impresso na Gráfica Viena

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Dedico este trabalho primeiramente a Deus, pois sem Ele nada seria possível, e a todas as pessoas que colaboraram de forma direta e indiretamente para que esta obra fosse finalizada.

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AgradecimentosMeu primeiro agradecimento, faço em minhas ora-

ções todas as noites. Deus sabe e faz tudo ao tempo e hora certos. A Ele, o alicerce da minha força e fé, ofereço essas linhas escritas pela experiência e pela dor, mas motivadas para levar a todos esperança e a certeza de que nunca esta-mos sós. Ele, quando não está ao nosso lado, na verdade está nos carregando em Seu colo para que possamos descansar e tornar nossa jornada mais suave. Por tudo, obrigada, meu Deus...!

Aos meus pais, aos quais devo o milagre da vida e por serem meus grandes amigos e mestres, orientando-me na formação do meu caráter e ensinando a arte de viver com princípios, dignidade e respeito ao próximo, o meu mais doce obrigada.

Aos meus amados filhos Valdeir e Philip, por serem “instrumentos usados por Deus” para dar sentido à minha vida.

Ao meu amigo e companheiro Prêntice, que acredi-tou no meu talento, incentivando-me dia a dia a permanecer firme neste propósito, presenteando o projeto com um lindo

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material fotográfico, feito com muito carinho.

À minha querida amiga Cris Lima, que depositou em mim toda a sua confiança, pela dedicação, numa prova de fidelidade difícil de existir nos tempos atuais.

Ao ilustríssimo dr. Edward Gerson Granger Couti-nho, por ser tão iluminado e, com bondade infinita, ter sido colocado por Deus em meu caminho, emprestando ao livro sua experiência médica especializada, com todo carinho e dedicação.

Um obrigada muito especial ao grande médico dr. Murillo Côrtes Drummond, pela importante colaboração para o sucesso desta obra.

Obrigada a Odivan Pagnochelli, homem de Deus, que prestou todo apoio que precisei, incentivando minha fé dia a dia e me ajudando a vencer a batalha travada contra a doença. Não importa o quanto longe esteja neste momento; terá em meu coração, por toda a minha vida, um lugar mais que especial pelo que fez por mim e minha família.

Agradeço aos amigos Domingos e Hilton Kauff-mann, por acreditarem no projeto e depositarem suas con-fianças na equipe de trabalho.

À nossa competente assessora de imprensa, dra. Ivan-da Machado, pela colaboração preciosa ao longo de todo o processo.

Agradeço ainda ao amigo Isaías da Anaanatur. É um privilégio ter ao meu lado uma pessoa tão maravilhosa, que com atenção, carinho e amizade, ajudou tornar possível a realização desse grande sonho.

Obrigada a todos que, de forma direta e indireta, es-

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tão envolvidos neste sonho, sejam atores, governos, amigos, colaboradores, educadores, incentivadores, enfim... a todas as pessoas que me ajudaram a descobrir um mundo novo e encantador dentro dos livros.

Quero expressar o meu benquerer a Andréa Nara Drummond, que carinhosamente chamo de coautora, pe-las linhas e ideias que sugeriu ao texto, trazendo ao livro um colorido com outra “caligrafia”, ajudando a enriquecê-lo. Pela sua amizade sem limites, com medida transbordante de paciência, apoio, compreensão e companheirismo.

Hoje compreendo que um livro não é apenas um con-junto de páginas dentro de uma capa, nem se limita a pará-grafos, frases, palavras ou letras. Um livro tem som, cheiro, cor e magia. Um livro é um universo novo, onde posso en-trar quando quiser… E afirmo, cheia de paixão, que, quando entro, não tenho pressa de sair.

Amo todos vocês!

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SumárioPrefácio 15Prólogo 19Introdução 21Conhecendo Ilha Grande 23Na casa de Olímpio 31A família de Francisco 33A chegada 39Uma rotina feliz 43O início das férias 51O contador de histórias 55Relembrando o passado 59Os primeiros sintomas 63O primeiro encontro 67No mundo da lua 75Mudando os hábitos 79Virgem da Conceição 85O luau 93

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Festival do Surf 105O despertar para o amor 107Lopes Mendes 111A cabana secreta o desespero 115Os primeiros procedimentos médicos 121Confirmando o diagnóstico 125Histórico da doença 135Fim do romance 139A dor de Maria Paula 147Sherlock Homes 149O retorno a Angra 155A última aventura 159A cirurgia 167O coma 173O despertar 177A viagem 181Passeios ou transe 185De volta à vida 191Uma dor... Uma esperança... Uma campanha... 197A cumplicidade do amor 201A voluntária 205Um final feliz... 215Depoimento I 221Depoimento II 223Equipe Médica 229 à 231

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Prefácio

Que minhas primeiras palavras sejam para explicar por que este livro foi escrito e por que o escrevi da maneira como ele se apresenta.

Ele não surgiu, evidentemente, de nenhuma inspira-ção momentânea. Pelo contrário, é fruto de uma história de vida, de sofrimento, de amor ao próximo... e, a amparar-me, tenho a experiência de ter eu mesma sentido um pouco do que vou relatar.

Quando se ouve um médico falar a uma pessoa que-rida:

“— Sinto muito, mas seus exames acusaram se tratar de câncer e precisamos iniciar o tratamento imediatamente” — surge um sentimento que mescla impotência e uma von-tade imensa de superação.

São duas situações em posições opostas: uma nos leva à consciência das nossas limitações; a outra nos acorda para a nossa capacidade infinita de convocar nossas forças e direcioná-las para vencermos os obstáculos que se apresen-tam. Ambas são importantes para que tenhamos equilíbrio e consciência, mantendo-nos alertas e esperançosos ao mes-

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mo tempo.

A frase pronunciada pelo médico especialista ecoou na minha mente repetidamente por um longo tempo, lem-brando-me de como somos vulneráveis e de como é preciso estarmos atentos aos sinais que nos são oferecidos todos os dias. Oferecidos? Sim. Se estamos conscientes de nossa “fi-nitude” e da importância da nossa breve passagem por este mundo, tudo que se desnuda a nossa frente para nos tornar melhores e mais humanos, é especial; basta termos o olhar desprendido e límpido para poder entender e fazer de nossas experiências uma bela história de vida.

Nesses últimos anos convivi com muitas pessoas por-tadoras de câncer. Eram de todas as idades e com tipos e graus da doença bem diferentes entre si. Muitas sabiam que a vida delas seria abreviada, mas, mesmo assim, algumas possuíam um otimismo e uma esperança que poucos, mes-mo gozando de plena saúde, os têm. Aproximei-me dessas pessoas de maneira especial, porque precisava compreender o que as fazia ter um comportamento tão inexplicável, se-gundo o meu entender.

Um fator era comum em todos esses casos: a família e o amor estavam presentes. Todas essas pessoas eram cer-cadas de um carinho muito grande; voltei, então, meu olhar para aqueles que tinham chances de cura. Selecionei os que sorriam com mais facilidade e que transbordavam esperan-ça. Novamente ele, o amor, estava lá: dos amigos, da famí-lia, dos profissionais. Na minha busca por respostas, decidi achegar-me daqueles que, por várias razões, a desesperança consumia, tornando-os mais fragilizados a cada dia. Com eles, testemunhei o abandono — a solidão de trilhar essa estrada sem um braço amigo.

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Não vou alegar que é fácil passar por essa guerra sem se abater frequentemente, sem se sentir muitas vezes fraco para resistir à luta e querer desistir, para diminuir a aflição do desconhecido. Não, eu seria uma tola; mas posso afirmar, em primeira pessoa, que essa batalha é bem menos dolorosa quando estamos amparados pela solidariedade e o amor dos que nos cercam e, com certeza, compartilhar as pequenas conquistas de cada etapa desse penoso tratamento faz com que nossas lutas diárias sejam mais suaves.

O que vivi com meus companheiros de dor me faz afirmar que o amor é um elemento fundamental para se al-cançar a cura: é a base de todo tratamento e seu mais forte alicerce.

Se o amor é a premissa para se ter o melhor da vida, por que tantos o rejeitam e também o negam ao seu próxi-mo? Por que, muitas vezes, não conseguimos estender nos-sas mãos? O que houve com a Humanidade?

Essas perguntas me afligem e me impulsionam na busca de respostas. Enfim, me conforto em acreditar que não são atitudes de desamor que têm movido o ser huma-no, mas sim, atitudes de NEGAÇÃO. Negamos por medo, negamos por desconhecimento, negamos por ser mais fácil negar do que enfrentar a certeza da nossa transitoriedade, de quão finitos somos.

Decidi compartilhar meu aprendizado com as pes-soas e ajudá-las, assim como a mim mesma, a transpassar nossos “NÃOS”.

Este livro tem como propósito levar à reflexão a im-portância da nossa caligrafia na construção da nossa história e daqueles que nos cercam. Compartilhar o que aprendi, de

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modo a esclarecer e orientar as pessoas, levando esperança para que possam abrandar suas dores.

Nestas linhas, apresento-lhes uma linda história de amor, esperança e solidariedade. Um capítulo de superação na vida de dois jovens apaixonados, que se julgavam tão di-ferentes, mas que, na verdade, eram simplesmente iguais.

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Prólogo

Uma família tradicional, marcada por histórias de amor e dor.

William Soares de Mendonça, filho único do ban-queiro Olímpio de Mendonça, assume o legado das empre-sas logo após a morte de sua mãe, vitimada por um câncer de mama. O patriarca acompanhou os últimos dias de vida da sua amada esposa, Amália, na casa de veraneio da famí-lia, na praia de Provetá — Ilha Grande, região de Angra dos Reis, e não mais retornou a São Paulo e a seu posto na empresa.

Mas o destino lhe prepara uma peça: sua neta, Maria Paula, o fará relembrar parte do sofrimento vivenciado com Amália quando, de férias em sua casa, conhece e se apaixo-na por um nativo, que descobre ser portador de câncer no estômago.

O desenrolar desta história faz com que William per-maneça um longo período em Angra, tendo de enfrentar as lembranças do passado. Depois da difícil morte da mãe, passava pela cidade mais rápido que um foguete, apenas para dar um beijo no pai. No dia da partida de Amália, ele, com

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tristeza, observava a reclusão das abelhas em suas colmeias; apenas uma delas repousava nas flores do jardim.

Era como se essas abelhas compartilhassem do vazio que se instalara em sua alma. A cidade, de repente, tinha dei-xado de fazer barulho. O céu, normalmente pontilhado, pa-recia ter sofrido um apagão, como se num minuto todas as estrelas tivessem sido reduzidas a pó. Ele, assim como seus pais, amava aquele lugar, onde passara os melhores momen-tos da sua adolescência. Lá, descobrira o amor por Estela, mas foi ali também que viveu a grande perda de sua querida mãe que, cruelmente, a doença fez definhar até a morte.

Chega, porém, a hora de conviver com o passado e ajudar sua “criança”, nesse momento tão delicado da sua vida.

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IntroduçãoEstela vinha de uma família tradicional e sempre fora

muito protegida e mimada, vivendo em uma realidade à par-te do mundo real. Contudo, mesmo distante do cotidiano das pessoas comuns, era uma mulher generosa, sempre ape-gada aos valores morais nos quais fora educada, nunca se afastando da sua tradição religiosa. Os Mendonça sempre se davam as mãos e faziam uma prece silenciosa antes do jan-tar. Estela se realizava toda vez que se uniam em oração e, em vez de ficar de olhos fechados, olhava ao redor da mesa e estudava o rosto amado de sua querida família.

— William, lembra-se dos verões felizes que passa-mos na ilha, em Angra, antes da morte da sua mãe? Faz tanto tempo!

A pergunta de Maria Paula interrompeu o devaneio de William:

— Ué, mãe! Você não diz que odeia a ilha? Que lá só tem mosquitos e que não tem nada de bom para fazer?

— Quando eu ia com seu pai, eu gostava muito — Estela tenta mostrar-se indiferente, mas ela própria sente ar-repios de emoção ao pensar nas escaladas e trilhas que fazia

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com o marido, e suspira com pesar.

William olha com carinho para Estela e, sussurra, num gesto majestoso:

— Eu juro que desta vez, se vocês forem passar as férias com meu pai, eu ficarei pelo menos uma semana com vocês.

— Quinze dias — sugere Estela.

— Não está forçando a sorte, esposa?

Estela, sorridente, retruca:

— Não custa tentar.

— Uma semana e não se fala mais nisso — afirma em tom brincalhão.

— Pai, o senhor me leva para mergulhar?

— Claro! Está combinado: vamos fazer pesca subma-rina e também podemos colher flores silvestres. Gostaria de lhe mostrar umas trilhas.

— Flores? Não sei... acho que para chegar até elas devem ter muitos mosquitos. Não gosto de mosquitos, viu? — brinca Maria Paula, bebericando seu suco.

— Flores sim, mocinha! Você vai “levar alimentos para os bichinhos” e ainda ficar feliz — brinca o pai.

— Nossa...! Tenho até arrepios de pensar nesses vam-pirinhos — fala, fazendo caretas.

— Que drama! — responde o pai, rindo da esponta-neidade da filha.

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Conhecendo Ilha Grande

Angra dos Reis sempre despertou em Estela certa nostalgia. A lembrança dos verões felizes, as imagens das ondas do mar em movimento, a Reserva Biológica da praia do Sul, o vaivém dos barcos na tradicional praia do Aven-tureiro, com sua areia grossa, amarelada... Sentia saudades dos mergulhos que fizera com William na praia Vermelha e dos passeios agradáveis realizados com o marido. Os 193 km² de extensão da Ilha Grande, com oitenta e seis praias, inúmeras enseadas, rios, lagoas, cachoeiras, planícies, mon-tanhas e picos espalhados pareciam se render a William, que conhecia cada pedaço daquele chão. Provetá era o último vilarejo de pescadores da ilha e exercia um fascínio mágico sobre as pessoas.

Maria Paula, de repente, aparece correndo. Tira a mãe dos devaneios e fala, ofegante:

— Vamos ver o pôr do sol?

— Vamos!

As duas sobem rapidamente a encosta, escalam o pe-nhasco e contemplam a rajada colorida que a estrela deixa em mais uma despedida. Vendo Maria Paula toda animada,

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nem parecia que tirá-la da cama no primeiro dia de férias tinha sido tão sacrificante. Batera na porta do quarto da filha pelo menos umas cinco vezes, antes de a jovem decidir acor-dar, levantar e se preparar para a viagem. A mãe relembra a cena com um sorriso nos lábios.

— Maria Paula, você já se levantou? O despertador já tocou.

— Já tô indo, mãe — respondera e voltara a dormir.

Passaram-se alguns minutos e Estela retornou.

— Não acredito que voltou a dormir, garota.

— Ninguém merece! Estou vendo que estas férias serão inesquecíveis! — murmurara a filha, em tom irônico.

O despertador tocara às 7h15. Maria Paula acordara, apertara novamente o “botão soneca”, e continuara dormin-do, mas uma nova batida na porta a assustara e, dando um salto, avistara as malas prontas, lembrando-se de que havia marcado às 7h30 com Bárbara no aeroporto — afinal, não iria parar naquele fim de mundo sem alguém para ajudá-la a passar o tempo.

Levantara-se correndo, pegara as roupas que estavam sobre a mala, juntara os biquínis novos, que comprara espe-cialmente para a viagem, e jogara tudo para dentro, corren-do para o banheiro. Tomara banho às pressas. Atendera ao telefone se vestindo e escovando os dentes ao mesmo tem-po, desculpando-se com Bárbara, que já a estava esperando, e escutara Estela novamente a chamando.

Sua mãe, Estela de Oliveira Mendonça, era uma mu-lher linda, morena, magra, elegante, cabelos escuros e fartos; consumista compulsiva, mas de excelente humor e bom co-

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ração. Já estava com as malas arrumadas e resmungava em voz baixa na sala.

— Férias! Europa, Nova Iorque... nada disso! Nada de compras e shows! Vamos para Angra dos Reis! Calor, sol, maresia... e sem William. Espero que ele cumpra a promessa e vá depois. Ficar num paraíso como aquele e sozinha, é um pecado.

William estava à mesa, observando a empregada ter-minar de servir o café enquanto aguardava Estela e Maria Paula. A esposa aparecera toda afobada, abotoando o reló-gio:

— Bom dia, querido! Já tomou café?

Ele abrira um sorriso, respondendo à sua saudação:

— Fui caminhar um pouco. Levantei-me muito cedo e não quis acordá-la. Estava a aguardando. Maria Paula não vai descer?

— Ela já está descendo.

— Vocês estão atrasadas.

Maria Paula desceu as escadas correndo, enquanto Ju-dite, a empregada, terminava de servir a mesa, e pediu ajuda à moça para descer suas malas. Estela a apressara com do-çura, pois sabia que, de outra forma, não partiriam tão cedo. Maria Paula, em tom de lamentação, reclamara:

— Poxa mãe, que desespero! Estou aqui, mas ainda estou dormindo, viu? É muito cedo para este alvoroço todo. Até parece que vamos para o outro lado do mundo.

William olhara para as malas de Maria Paula e per-guntara, bem-humorado:

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— Está saindo de férias ou se mudando?

Maria Paula se sentara ao lado do pai rindo e respon-dendo:

— Férias, pai. Minha mudança demoraria umas duas semanas para transportar. E isso, se eu contar com ajuda reforçada de, pelo menos, uns três homens bem fortes — completara, rindo.

A família estava terminando o café quando tocara a campainha.

William comenta:

— Deve ser o Miguel.

A empregada abrira a porta e o assessor de William, Miguel, entrara na sala. De boa aparência, mais ou menos uns trinta anos, branco, cabelos negros e espessos, de pou-cas palavras, caminhara direto para a mesa onde estava o patrão. Cumprimentara a todos que estavam à mesa com um aceno e, agradecendo o convite de Estela, sentara-se para acompanhá-los no café da manhã.

Terminado o desjejum, William pegara sua maleta das mãos de Judite e seguira com Miguel em direção à porta de saída. Os empregados acomodavam as malas de Maria Paula e Estela no táxi, que já as aguardava para levá-las ao aeroporto. William e Miguel acompanharam as duas até o táxi. Maria Paula dera um forte abraço no pai:

— Tchau, paizinho.

Estela abraçara e beijara o marido e, com um olhar intenso, cobrara a promessa:

— Amor, estarei esperando por você. Não se esqueça do que prometeu.

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— Eu irei. Pode esperar.

Despedira-se das duas com carinho, desejando-lhes boa viagem e mandando beijos cheios de saudades para Ma-theus, o filho caçula, que já estava na casa do avô desde o início das férias. Bárbara ligara novamente para Maria Paula, que se apressara em dizer que estava chegando.

A viagem até o aeroporto de Congonhas fora tran-quila e rápida. Logo ao chegar, encontraram Bárbara, uma jovem de dezessete anos, alta, magra, cabelos escuros, olhos amendoados, amiga de Maria Paula desde a infância; toda nervosa, andando de um lado para o outro, a moça fora logo dizendo:

— Nosso voo sai em 50 minutos. Se não corrermos, vamos perdê-lo. O que houve? Por que se atrasaram tanto?

Estela prontamente respondera às indagações da moça, enquanto faziam o check-in:

— Você não imagina o motivo do atraso?

— Claro que sim, tia. Maria Paula, como sempre, com a cama agarrada nas costas.

Maria Paula retrucara, fingindo estar chateada:

— Não falem de mim como se eu não estivesse aqui. Eu não tenho culpa se sou uma garota normal que adora dormir.

Bárbara começara a rir, dizendo:

— Você é mesmo um monstrinho. Fez-me esperar mais de uma hora, mesmo sabendo que morro de medo de ficar sozinha; sem contar que odeio esperar.

— Pare de falar. Já estou aqui, não estou? Parece uma

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velha reclamando...

— É verdade. Pelo menos o corpo está. Talvez os miolos tenham ficado no travesseiro, mas isso a gente con-fere depois.

E as três partiram tagarelando em direção ao em-barque, com destino ao Santos Dumont, no Rio de Janeiro, onde Fernando, o motorista de Olímpio, iria esperá-las para conduzi-las até a casa de Angra.

Já passava das onze horas quando desembarcaram na “Cidade Maravilhosa” e partiram em direção a Angra do Reis. Fernando, motorista da família de longa data, já fora colocando as duas a par das novidades da ilha:

— Matheus está todo eufórico com a chegada das senhoras. Ele tem se divertido bastante na companhia do sr. Olímpio.

— Espero que não tenha aprontado muito.

— Que nada, dona Estela. Ele é um bom garoto.

Seguiram em silêncio o resto da viagem, já que Maria Paula e Bárbara resolveram dormir no banco de trás. Estela se perdera em seus pensamentos.

Já passava do meio-dia quando chegaram à ilha, após a travessia de barco que embalara as meninas, deixando-as ainda mais sonolentas. Estela, ao contrário, fez despertar to-das as lembranças.

Avistaram Provetá se aproximar. O sol forte reluzia na areia branca da praia. Pessoas caminhando, crianças brin-cando, e um grupo muito animado jogando futebol.

— Loucos. Estão cozinhando os miolos — comenta Maria Paula.

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Chegam ao cais ansiosas por descer. Fernando de-sembarca as bagagens com calma e atenção, para que tudo corra bem. Maria Paula e Bárbara finalmente despertam para o que está em volta, falando sem parar e fazendo pla-nos para os próximos dias. Observam o jogo na praia, sob aquele calor escaldante do meio-dia, e o colorido dos corpos bronzeados pelo sol. Estela respira fundo e lentamente. Pre-cisava se certificar de que estaria preparada para suas próxi-mas emoções.

João Carlos, olhos claros, cabelos louros e pele muito bronzeada, aparentando ter uns vinte anos, por um instante para o jogo e observa o cais. Sente, sem muita certeza, que o observam, mas não consegue definir os traços dos viajantes que acabam de chegar. Retorna ao jogo alegremente e faz um gol. O time de João Carlos celebra, e algumas pessoas que assistem aplaudem. Entre os torcedores, Ricardinho, irmão caçula de João Carlos, seu fã incondicional, está eufórico.

Termina o jogo e João Carlos, com as mãos nos om-bros do irmão, o conduz para a sombra aconchegante do quiosque da Jurema, que os cumprimenta alegremente.

— Olá, meninos. Água de coco?

Os garotos, sedentos, respondem ao mesmo tempo:

— Por favor, Jurema.

Ela os serve e continua atendendo aos seus fregueses.

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Na casa de OlímpioNa casa de Olímpio os ânimos estão exaltados. Ele,

um senhor de 65 anos, cabelos lisos e grisalhos e Lucrécia, a antiga governanta da casa, desde os tempos da sua querida Amália, estão ansiosos pela chegada das visitantes tão que-ridas. Olímpio não vê a hora de rever a neta e a nora, e não sabe onde pôr as mãos nervosas.

Não era para menos, afinal, desde a morte da mãe, William só passava por ali rapidamente, afastando toda a família do balneário. Olímpio, apesar de sentir a falta da fa-mília, podia entender o filho, que sofrera amargamente ven-do a mãe definhar naquele lugar tão querido que, até então, guardava doces lembranças da sua juventude.

O prazer de Amália era passear de barco pelo ar-quipélago e desfrutar as belezas das praias da Ilha Grande. Qualquer feriado era motivo para a família partir em dire-ção ao refúgio. Olímpio se lembrava muito bem do quanto esses passeios agradavam a William, seu único filho.

Lucrécia o tira do devaneio com um grito:

— Tá dormindo acordado?

— Pare de gritar feito uma louca e se concentre no

Capítulo II

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seu serviço. Como sempre, está com tudo atrasado. Já fez o bolo de banana-nanica?

Lucrécia faz um gesto exagerado e exclama:

— E o senhor dá sossego para esta pobre alma traba-lhar em paz?!

Olímpio corre para atender ao telefone, enquanto Lu-crécia continua resmungando. É William.

— Oi, pai! O senhor está bem?

— Sim. Se não fossem os aborrecimentos com a es-clerose da Lucrécia, eu estaria bem melhor.

— Não fale assim. Ela cuida bem do senhor, deveria ser grato.

— Tá! Mudando de assunto, como estão os negócios? Conseguiu concluir o contrato com a CMC?

— Claro. O contrato é nosso. A folha de pagamento da empresa será efetuada pelo nosso Banco.

— Ótimo. Parabéns!

— Pai, quando vai voltar a ocupar o seu lugar na em-presa?

— William, eu não vou voltar, e isso já está decidido. Você é o responsável pela empresa, agora.

Lucrécia aparece na porta para falar alguma coisa, mas muda de ideia ao ver Olímpio ainda ao telefone, e, com uma careta, caminha apressada em direção à cozinha, cor-rendo com os preparativos para a chegada de Estela e Maria Paula.

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A família de FranciscoMarisa é uma senhora alta, que aparenta ter cerca de

quarenta anos. Esguia, cabelos pretos e pele curtida pelo sol, costureira por profissão e autêntica esposa de pescador. Ca-sada há mais de vinte anos com Francisco, homem simples, humilde, bom caráter, que ainda traz, nas faces castigadas pelo sol e pelo mar, os traços da beleza marcante da sua juventude.

Um casal feliz, vivendo em função de dar uma vida melhor para os seus três filhos — João Carlos, Isabella e Ri-cardinho. Ao mesmo tempo em que prepara um típico arroz com bananas fritas, acompanhado por ervilhas frescas para o almoço, Marisa observa a máquina de costura no canto da sala e pensa:

“Tenho de entregar este vestido hoje e ainda falta muito para terminar.”

Depara com Isabella e pede à filha para ajudá-la com o almoço, o que a moça faz prontamente, enquanto conver-sa. Marisa contempla a filha de 22 anos: olhos castanhos, pele levemente bronzeada, e pergunta sobre o curso.

— Depois do almoço vou estudar aquela apostila —

Capítulo III

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diz Isabella, apontando para a mesa. — É um texto para hoje.

— Tenho muito orgulho de você. Queria que seu ir-mão seguisse o seu exemplo e se dedicasse mais aos estudos do que às aulas de surf, jogos de futebol na praia e a fazer essas trilhas perigosas por aí, acompanhando turistas.

— Mãe, o João Carlos está de férias; e depois, não tem nada de perigoso em ser guia turístico. Deixe-o. Quem melhor que um autêntico nativo para saber tudo da nossa terra?

— Mas ele nem se lembra que daqui a pouco tem vestibular.

— Pare de se preocupar, ele sabe o que quer. É um bom garoto. Mãezinha, mãezinha, quem disse que o fato de sua filha gostar de fazer curso de verão dita regras para os demais? Daqui a pouco voltam as aulas e acaba a moleza dos garotos; se é que guiar turistas, é moleza.

Marisa fica pensativa e comenta, olhando pela janela:

— Angra dos Reis e suas ilhas não são mais como antigamente. Eu sei que precisamos do turismo mas, às ve-zes, tenho saudades de quando as coisas eram mais calmas por aqui.

Marisa continua com os pensamentos livres enquanto termina seus afazeres, e só percebe a presença de Francisco quando ele abre a geladeira e pega uma vasilha com água, indo até a pia em busca de um copo.

Ele dá um beijo na testa da esposa e abraça carinho-samente a filha que, junto ao fogão, termina de preparar o almoço.

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Marisa interrompe o trabalho para receber o afeto, mas, em seguida, retorna a seus afazeres. Francisco se diver-te com o barulho da máquina e bisbilhota as panelas. Marisa olha pela janela, buscando os meninos com o olhar, mas não os vê. Pede a Francisco com doçura:

— Marido, pode chamar os garotos na praia para o almoço?

— Claro. Vou agora mesmo — Francisco sai canta-rolando.

Nem bem chega à rua, Francisco escuta o barulho dos filhos, afoitos pela corrida.

— Estava indo buscá-los para o almoço.

João Carlos responde sorridente:

— E precisa, pai? Estamos vidrados de fome!

— E têm de estar mesmo, vocês surfam e jogam o dia inteiro.

Ricardinho fala, todo orgulhoso:

— João Carlos fez um gol, pai.

— É mesmo? Por esse motivo se atrasaram?

Ricardinho aponta para Isabella arrumando a mesa e retruca:

— Não estamos atrasados não, Isabella ainda está ar-rumando a mesa.

Francisco ralha com o filho:

— Não seja malcriado! Você devia estar ajudando a sua irmã.

— Pai, estou de férias — responde Ricardinho, com

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uma careta, correndo para a mesa.

Isabella avisa que o almoço está servido e chama os avós, que estão sentados na varanda. Maria do Socorro e Salvador beijam os netos, sentando-se para comer. Por causa das longas pescarias de Francisco, os pais de Marisa passa-ram a viver com eles, para ajudá-la a cuidar da família. Mari-sa pergunta sobre a igreja, pois sabe que os pais saem todos os dias para o estudo bíblico na aldeia:

— Como foi hoje no estudo bíblico?

— Foi ótimo! Sempre é muito bom, minha filha. Ah! Quando estávamos voltando da igreja, vimos os garotos jo-gando futebol na praia.

Francisco, um pouco curioso com a tranquilidade da-quele momento, dirige-se a João Carlos:

— Está calado por quê?

— Estou bem cansado! Joguei três partidas hoje.

— Posso saber o motivo desse exagero? — pergunta Salvador.

— Ué, vô?! Tenho culpa de ser bom? — fala sorrindo.

— Acho que está é querendo impressionar alguém — ironiza o velho senhor, com uma sabedoria intuitiva.

Terminam o almoço. Francisco se levanta, pede licen-ça e se encaminha para a praia. Precisa trabalhar nas redes, aprontá-las para a próxima pescaria. Sabia que era um mo-mento de família, mas era temporada na ilha e não podia perder a chance de ganhar um dinheirinho extra. Dá um beijo na sogra, acena para o sogro, e parte. A conversa con-tinua na sala, depois da saída de Francisco. Marisa se dirige à Maria do Socorro:

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— Mãe, quando passou pela praia, Ricardinho não estava lá?

Quem respondeu prontamente foi João Carlos:

— Claro que estava, mãe. Onde eu estou, esse aí tá grudado. Portanto, se eu estava na praia, ele também estava.

Salvador não perde tempo:

— Ah, Ricardinho! Quero ver se você terá a mesma disposição para ouvir minhas histórias mais tarde.

Isabella, que se diverte com a conversa, ajuda a pilhar o irmão:

— Claro que ele vai, vô! Afinal, ele adora ouvir sobre sereias e tubarões — afirma ela, com uma cara engraçada.

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A chegadaTarde ensolarada, muito calor. Na casa de Olímpio

todos estão ansiosos pela chegada de Estela e Maria Paula; afinal, o velho tem esperança de que, com a vinda da nora e da neta, seu filho passe mais tempo na Ilha Grande.

Atropelando os pensamentos, Matheus reclama com certa ansiedade:

— Por que será que estão demorando tanto? Elas de-veriam ter vindo de helicóptero.

— Calma, garoto. Paciência!

— Vozinho, estou perdendo a pescaria.

— Só mais um pouco. Elas irão se chatear se você não esperar. Os peixes não irão fugir do mar.

Lucrécia também está aflita:

— Será que pararam no shopping? É bem a cara de-las.

— Deixa de ser maldosa — fala Olímpio.

— Não sabia que parar no shopping era maldade — retruca Lucrécia com cinismo, seguindo em direção à cozi-

Capítulo IV

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nha.

Ele faz um gesto com a mão e senta na cadeira de vime na varanda.

Matheus dá um salto e aponta com o dedo:

— Olha, vô! Elas estão chegando!

Olímpio chama pela governanta:

— Lucrécia, Lucrécia... Elas chegaram!

Matheus não faz por menos, gritando também:

— Lucrécia, Lucrécia... Rápido, elas chegaram!

Lucrécia corre para a porta, secando as mãos e tiran-do o avental. Olímpio, ansioso, pergunta:

— Está tudo arrumado?

Lucrécia responde entre dentes:

— Está me chamando de incompetente?

Ele finge que não ouve e sai para receber a família.

Matheus corre ao encontro da mãe e da irmã, per-guntando pelo pai. Em meio à confusão, Estela, Maria Paula e Bárbara procuram, com euforia, os presentes que trou-xeram, enquanto os empregados se encarregam das malas. Estela distribui presentes para o sogro, para o filho e, por último, para Lucrécia. Matheus abraça a irmã e Bárbara, ao mesmo tempo. Em seguida, gruda-se à mãe. Por alguns mi-nutos, o garoto até se esqueceu da pescaria.

Lucrécia abre o embrulho emocionada, e diz:

— Não precisava se incomodar, dona Estela.

Estela acena com a cabeça e entra na casa com a pas-

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sada cautelosa, esperando ser acometida por emoções que não poderia controlar. Vai direto em direção à varanda, para olhar aquela vista inesquecível; o filho a acompanha. Por um momento, fica imersa nas lembranças, mas logo é trazida de volta à realidade por Matheus que, entusiasmado, não para de falar.

Fernando, o motorista, ajuda Lucrécia com a baga-gem e sobem as escadas, em direção aos quartos.

O almoço é servido como nos outros tempos: a mesa bem-posta, o aroma da comida caseira e fresquinha, feita com amor pelas mãos de fada de Lucrécia. Todos dão as mãos para a prece e, diferentemente das outras vezes, Estela cerra os olhos com força, como se mergulhasse no passado, vivido àquela mesma mesa.

Logo depois do almoço, Estela convida as meninas para uma caminhada, liberando Matheus daquela jornada feminina. A tarde está linda. O mar, de um azul-esverdeado translúcido, muita gente bonita caminhando pela fina areia de Provetá. O entardecer da ilha sempre a deixou sem fôle-go, e ela estava como que em êxtase. Maria Paula fala eufó-rica e cheia de alegria:

— Arrependida de não ter ido para a Europa?

— Nunca, minha querida. Talvez você não entenda, pois conhece uma mãe que gosta do luxo e das compras, mas saiba que eu já fui jovem e que foi aqui, neste lugar má-gico, que comecei minha história. Sou muito grata a Deus por isso e não troco essa ilha por nenhum lugar do mundo.

Mãe e filha se entreolham, descobrindo em si mes-mas duas mulheres ávidas pela vida. Voltam para casa de mãos dadas e felizes.

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Uma rotina feliz

Após o jantar, todos se reuniram na varanda da casa rústica e acolhedora, enquanto Marisa terminava de prepa-rar a marmita do marido. Preocupada, sem saber bem com o que, distraía-se com a tarefa. Há anos, sempre que antecedia a partida de seu marido para o mar, ela lhe preparava cuida-dosamente a alimentação, para que Francisco tivesse forças para aquele trabalho, que exigia tanta resistência e atenção. Todas as vezes fazia uma oração, para que ele fosse protegi-do e seu coração se confortasse, mas, desta vez, alguma coisa estava errada e um mau pressentimento a incomodava.

— Você ficará fora por quanto tempo?

— Dez dias, meu amor. Passam rapidinho.

— Sei lá, estou com o coração apertado e não queria que você fosse.

— Você sabe que preciso ir, não posso ficar sem tra-balhar. Seus pais irão ajudá-la com as crianças.

— Você quer dizer que eles são mais duas crianças para eu tomar conta, né? — ela completa sorridente, olhando carinhosamente para os velhos pais, sentados no canto da

Capítulo V

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varanda, cochilando.

— Tudo vai ficar bem, você vai ver. Daqui a pouco estarei de volta; e os meninos prometeram se comportar na minha ausência e ajudar você com as tarefas.

— Eles são apenas crianças, e crianças são iguais a alguns políticos: em quinze minutos já esquecem o que pro-meteram. São casos típicos de amnésia — brinca ela.

Sorrindo, marido e mulher caminham para a varan-da, bem abraçados, contemplando o luar. Marisa comenta baixinho:

— Prometa que vai tomar cuidado. Você sabe que com o mar não se brinca. Tenho muito medo de perdê-lo.

— Isso não vai acontecer, eu garanto; agora, vamos descansar — e foram todos juntos para o interior da casa.

O dia está apenas amanhecendo e Francisco já está de partida. Marisa entrega uma sacola com a marmita e ou-tra com as roupas do marido. Ele vai ao quarto dos filhos e dá um beijo carinhoso em cada um; despede-se da esposa e segue em direção à praia, onde o barco está atracado. O dia transcorre tranquilo, enquanto o barulho da máquina de costura se mistura às gargalhadas das crianças, que brincam.

A noite chega rápido e Salvador se assusta ao encon-trar João Carlos (que eles chamam carinhosamente de “JC”), saindo do quarto.

— Vai sair? — pergunta Salvador.

— Não, vô. Vou buscar água para o Ricardinho.

— Tá estudando para o vestibular?

— Toda noite, depois que o mano dá sossego, tenho

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estudado um pouco. Não se preocupe, vou passar. Afinal, seu neto aqui é fera! — diz ele, apontando para si mesmo, rindo.

— Você deveria estar estudando durante o dia, igual gente normal. A noite foi feita para dormir. Não entendo esta juventude de hoje, faz tudo pelo avesso.

— Fica frio, vô. Tenho estudado durante a noite, por-que tenho estado sem sono.

— Tenho muito orgulho de você: puxou a beleza e inteligência do avô.

Maria do Socorro, que escuta a conversa no corredor, avança a cabeça pelo vão da porta entreaberta e comenta:

— Coitado do garoto. Imagina, se ele tem a cabeça oca como a sua! Vamos dormir, já passa das 23 horas e ama-nhã vamos cedo à igreja.

JC, com um leve sorriso nos lábios, distribui beijos com as mãos para os avós e retorna ao quarto com a água para o irmão. Fica parado perto da cama, contemplando Ri-cardinho, que dorme profundamente em sua cama, como faz todas as noites. Acomoda o copo sobre a cômoda, e, cuidadosamente, o transfere para a sua própria cama.

Nesta noite, João Carlos não consegue se concentrar nos livros. Fica olhando as luzes da cidade pela janela, à es-pera do sono, que demora a chegar.

Na casa de Olímpio, Maria Paula e Bárbara estão se preparando para dormir, enquanto planejam a agenda do dia seguinte.

— Shopping center aqui, só aquele na entrada da ci-dade — diz Maria Paula.

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— Peça ao seu avô para levar a gente lá.

— Até parece que ele vai querer sair da ilha.

— Então, peça para a sua mãe. Assim, passeamos de barco na travessia para o continente; vamos ao shopping e ainda podemos passear de carro pelos arredores.

— Minha mãe não gosta de dirigir.

— Ué. Contratamos alguém ou o motorista de seu avô pode nos levar.

— Tá bom. Amanhã falaremos com ela e o vovô.

Estela escuta barulho no quarto das meninas e bate na porta. As meninas abafam o riso e a mandam entrar.

— Isso são horas para fazer bagunça? — Pedindo silêncio com o dedo sobre a sobre a boca, diz: — boa noite, meninas. Vou apagar a luz.

— Boa noite, mamy.

— Boa noite, tia.

O céu amanheceu sem nuvens, prometendo ser um tradicional dia quente de verão, com muito calor e gente bo-nita curtindo a praia. JC sai do mar, flutuando suavemente na crista da onda, diminuindo a velocidade à medida que vai se aproximando da praia. Senta-se na areia, apoiando-se na prancha. Ele conversa sobre os estudos com Eduardo — 25 anos, olhos claros, bronzeado, magro, cabelos louros, pro-fessor de surf e apaixonado pela irmã de JC.

— Cara! Você faz muito bem em tirar um tempinho das férias para estudar. Queria ter esta mesma força de von-tade — diz Eduardo.

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— É que o vestibular será logo depois que termina-rem as férias... e preciso passar. Sabe como é, preciso me de-dicar aos estudos; afinal, meus pais trabalham bastante para que eu e meus irmãos tenhamos as oportunidades que a eles foram negadas. Não posso decepcioná-los.

— Você jamais decepcionaria seus pais, JC.

— Não estudo só por causa deles. Preciso me formar.

— Vai estudar o quê?

— Biologia. Não pretendo ir embora da ilha. Quero ficar por aqui e cuidar das nossas riquezas. Aqui tem muito o que fazer e, depois, não consigo me imaginar vivendo longe do fascínio deste lugar.

— Nem eu. Vim aqui passar umas férias e nunca mais voltei para a minha cidade.

— Você é de onde, mesmo?

— Sou de Patos de Minas — comentou Eduardo, cheio de lembranças.

— “Triângulo mineiro”?

— Isso mesmo.

— Cara, os moleques estão chegando. Vou nessa dar minha aula — diz JC.

— Deixe a aula de hoje comigo, vá terminar sua apos-tila. Quero ter meu mérito quando você for o biólogo mais famoso da Ilha Grande.

— Obrigado, mas não posso aceitar. Gosto de dar as minhas aulinhas. Não esqueça de que estou de férias, e surfar é meu lazer — brinca JC, rindo. — Depois termino de ler a apostila.

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— Não, hoje eu cubro sua aula e não se fala mais nisso. Como você é meu amigo, tenho um favor para lhe pedir — diz Eduardo.

— Mande. Desde quando se preocupa com a minha educação? — questiona JC rindo, meio curioso.

— Não seja mau, sabe que me preocupo com você, sim. Desta vez, quero apenas um empurrãozinho para co-nhecer melhor a sua irmã.

— Humm! Ajudar com meus estudos... Sei! Me li-guei...! Tem amor à vida, não, playboy? Meu pai o mata se vê-lo se engraçando com a Isabella. Sem contar que, se fizer minha irmã de boba, eu mesmo faço um estrago nas suas fuças.

— Pare de show, valentão... sabe que sou louco por ela. Quero apenas uma chance.

— Tá bom. Talvez você seja um bom cunhado. Mas fique esperto, hein?

JC se levanta, abraça Eduardo e cambaleia tonto. Eduardo o acomoda na areia e pergunta, com aparente pre-ocupação:

— O que houve? Você se alimentou bem hoje?

JC balança a cabeça, concordando, e diz não ser nada:

— É apenas um mal-estar.

Eduardo chama Ricardinho, que brinca próximo, com um grito. O garoto atende rapidamente e vem ver o que está acontecendo. Quando chega perto, depara com João Carlos sentado na prancha, completamente pálido. Pergun-ta:

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— O que aconteceu?

Eduardo responde à pergunta do garoto com uma in-formação:

— Seu irmão está novamente com tonturas.

— Quer que eu chame a mamãe? — pergunta Ricar-dinho, visivelmente preocupado.

— Não. Não tem necessidade de preocupar a mãe sem motivos — diz JC.

Eduardo não concorda e pede a Ricardinho para falar sobre o assunto com Marisa; afinal, não foi a primeira vez que isso ocorreu.

JC teima em dizer que está apenas estressado por cau-sa do vestibular. Eduardo insiste para que ele vá para casa e avisa que, se ele não contar à mãe, ele mesmo vai à casa do garoto avisá-la sobre as tonturas e desmaios que JC vinha sofrendo ultimamente. JC não se dá por vencido:

— Eduardo, não tem motivos para tanta aflição. Mi-nha mãe já tem problemas demais.

— Vá com calma, garoto. Quer dizer que a sua mãe tem problemas demais e não pode se ocupar de você? Que história é essa? Dormi com uma bobagem dessas. O aviso está dado. Ricardinho, leve seu irmão para casa e não o deixe sair até que o sol fique mais brando.

Ricardo obedece prontamente.

— Vamos, JC ? Vamos para casa.

— Tchau, Eduardo — despedem-se os dois —, até amanhã!

— Se cuida, biólogo. Nossas baleias e tubarões preci-

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sam de seus cuidados — responde rindo.

Eduardo se ocupa dos alunos de JC, enquanto os dois desaparecem na esquina da ruela, depois do quiosque.

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O início das férias

Na bela casa do avô de Maria Paula, Lucrécia está terminando de servir o desjejum. Os potes que adornavam o armário da cozinha continham toda a espécie de ervas, como se cada momento do dia correspondesse a um aroma.

Matheus, todo afobado, puxa Olímpio pela mão e senta-se à mesa. Lucrécia sorri e diz:

— A comida não vai fugir, mocinho. Por que essa pressa toda?

— Porque quero ir logo para a praia.

Olímpio diz alegremente:

— A praia também não sairá do lugar, sabia?

— É que as férias acabam rapidamente. Não posso perder tempo.

Lucrécia e Olímpio se divertem com a euforia de Ma-theus e acompanham, com os olhos, as meninas, que che-gam para o café.

— Vocês vão à praia com a gente? — quis saber Ma-theus.

Capítulo VI

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Bárbara ia aceitar, quando Maria Paula a desencoraja com um olhar.

— Vô, estou com preguiça de sair neste sol.

— Mocinha, se quiser ir à praia, a hora é esta. Sol da manhã faz muito bem para a saúde.

— Elas são viciadas no orkut. Tenho certeza de que vão direto namorar pela internet — implica Matheus, fazen-do careta para Maria Paula.

— O que você tem com isso, pirralho?

— Devia tomar um sol, sabia? Já se olhou no espelho? Parece leite. Que nojo! — continua Matheus discutindo.

— Vô, hoje eu quero ir ao shopping. A praia fica para amanhã. O senhor pede para levar a gente?

— O que não faço por você? Mas ainda acho que deveriam aproveitar o ar puro das manhãs. Enfim, vou falar com o barqueiro. Por que não convidam a sua mãe para ir junto?

Estela senta-se à mesa com óculos escuros, demons-trando que havia dormido mal. Cumprimenta a todos com um sonoro bom-dia. Pede uma xícara de chá para Lucrécia:

— Traz um daqueles seus chás milagrosos, por favor, Lucrécia — em seguida, dirige-se às meninas: — O que as mocinhas vão fazer hoje, além de ficar na internet?

— Queremos ir ao shopping. Já pedimos ao vovô para avisar o barqueiro. Ele concordou. Você quer ir com a gente?

— Quero, mas precisamos sair logo, para não perder tempo.

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— Maravilha! — exclamam em coro, as meninas.

Olímpio segue em direção ao ancoradouro e dá or-dens para que o marinheiro leve Maria Paula, Estela e Bár-bara até o shopping. Depois, caminha em direção à praia com Matheus e inicia-se uma competição para ver quem cata mais conchas. Assim, a manhã passa rapidamente e os dois fazem divertidos amontoados das mais diversas e colo-ridas conchas da ilha.

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O contador de históriasSalvador, avô de JC, está na praia contando histórias

da ilha para o neto Ricardinho e outras crianças que, senta-das na areia, o escutam atentamente.

— Hoje, vou contar um pouco sobre a Ilha Jorge Grego. Alguém sabe por que a ilha tem este nome?

— Não sabemos — gritaram em uníssono. — Conta, conta, conta!

— Jorge Grego é um refúgio de milhares de espécies de aves marinhas, que habitam seus enormes paredões de rocha.

Os pequenos ouvidos atentos escutam, em absoluta concentração, os relatos do velho pescador aposentado.

— Reza a lenda que, há muito tempo, um navio grego que navegava nas proximidades da ilha, perdeu toda a sua tripulação num naufrágio, restando apenas o capitão, sua fi-lha e um tripulante. Os sobreviventes viveram ali, até o dia em que Jorge Grego, o capitão, descobriu o envolvimento amoroso da filha com o marinheiro. Ele mata os dois e de-pois se suicida, pulando de um penhasco. Daí surgiu a lenda, e a ilha foi batizada com o nome de “Jorge Grego”. Por hoje

Capítulo VII

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é só, criançada.

Os pequenos fãs batem palmas felizes e se dispersam, depois que o velho promete contar nova história no dia se-guinte.

E os dias transcorrem sem nenhuma grande novida-de. Matheus e Olímpio aproveitam as manhãs frescas para andar de bicicleta, pescar na praia ou no lago particular da propriedade, enquanto Maria Paula, Bárbara e Estela pas-sam os dias revezando entre shopping, passeios de barcos pela costa e, às vezes, uma caminhada no fim do dia. Nada muito radical.

Na aldeia de Provetá, a rotina é sempre a mesma: os pescadores puxando suas redes; os turistas tomando sol; as crianças fazendo castelos, enchendo de água os profundos buracos cavados na areia e, alguns, aprendendo a surfar. JC e Eduardo se divertem, apreciando a movimentação, escora-dos em suas pranchas e conversando animadamente.

— O que você acha disso? — pergunta Eduardo, apontando para as pessoas.

— Para falar a verdade, não gosto muito. Que os agentes de turismo não me escutem, mas não me agrada muito ver nossa ilha tomada de gente todos os verões.

— Quando vai me levar para conhecer a sua cabana? — quer saber Eduardo.

— Em breve — JC dá de ombros.

— Quero ver qual será a desculpa desta vez. Faz tem-po que você promete me levar e, no último momento, inven-ta alguma coisa. Já percebi que não quer que ninguém descu-

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bra o seu refúgio, mas eu sou seu amigo e mereço conhecer esse lugar tão deslumbrante que descobriu na Ilha Grande.

— Você vai conhecer em breve, feito?

— “Breve”, quando?

— No próximo fim de semana, está bem?

— Ok! Você se lembra quando pintamos e colocamos uma placa na trilha da praia das Ágatas, proibindo a entrada de estranhos? Lembro a cara da sua mãe, quando viu você coberto por aquela mistura interessante de tinta e areia.

— Lembro também que tomamos a maior chamada do pessoal da prefeitura por isso — diverte-se JC.

— Ninguém pode nos culpar por querer proteger nossos santuários. A praia das Ágatas possui as mais lindas pedras brilhantes e corais da ilha.

— Bobagem a nossa! Os turistas acabam sempre che-gando — lamenta Eduardo.

— Mas a gente não precisa facilitar — responde JC, sorrindo.

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Relembrando o passadoMaria Paula está deitada na sua cama, enquanto Bár-

bara está diante da tela do computador. As duas conversam animadamente sobre a ida ao shopping daquela tarde e pla-nejam o dia seguinte.

— Gostou do meu novo short branco? — Maria Pau-la aponta para o pacote.

— Quem não vai gostar será o seu pai — responde Bárbara, com uma careta.

— Ah...! Ele nem vai ficar sabendo.

— Como assim? Por acaso não é ele quem paga o cartão de crédito? — pergunta, rindo.

— Sim, é ele... mas nem vou ficar pensando nisso agora — diz ela, jogando um travesseiro na amiga. Bárbara devolve o objeto e começa a guerra de travesseiros.

Entrando no quarto para chamar as garotas para jan-tar, Estela é acertada com um deles. Acaba com a farra das meninas e elas descem para a sala, onde todos as esperam ao redor da mesa. Depois do jantar, Estela pede licença e segue para a sala de estar. Com Matheus deitado ao seu lado,

Capítulo VIII

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envolve-se com a interessante leitura de um romance. Maria Paula e Bárbara convidam Olímpio para ver o luar no deck, deixando-o muito feliz com a sugestão; afinal, sentia que as meninas, lentamente, estavam percebendo o encanto daque-le lugar.

— Vovô, por que o senhor mora tão longe da gente?

— É uma longa história.

— Pode me contar um pouco? Não quero ser enxe-rida mas, às vezes, gostaria de saber por que você deixou a empresa tão cedo e veio morar aqui, de vez.

— Filha, eu sou um velho que teve tudo na vida. Tive o privilégio de ter conhecido o verdadeiro amor e o desfru-tar o convívio de uma família muito feliz. Lembro-me como se fosse hoje, do dia em que conheci a sua avó. Ninguém imaginava que aquela mulher pequena, de aparência frágil, era tão forte, decidida e guerreira. Ela era a minha força vi-tal. Amava a vida e a família com toda a dedicação, não des-perdiçando um único dia da sua existência. Quando morreu, perdi meu chão e meu coração ainda sangra de saudade. Na-quela ocasião, o seu pai já mostrava um grande talento para os negócios e o poder de liderança, inerente aos Mendonça. Resolvi deixá-lo, durante um tempo, no meu lugar, enquanto descansava aqui por alguns dias. Este lugar era o predileto da sua avó. Mergulhado em minha dor, não percebi que os dias viraram meses e os meses transformaram-se em anos, não conseguindo mais voltar. Seu pai se entregou ao tra-balho, certamente para esquecer a dor pela perda da mãe e acho que, com isso, afastou-se um pouco da família. Estou pensando em conversar com ele sobre isso. Uma perda não justifica a outra.

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— Meu pai é um homem maravilhoso, vô.

— Eu sei. Esqueceu que ele é meu filho e que eu o conheço muito bem?

— Não. Ele disse que vem ficar com a gente durante uma semana.

— Tomara que venha mesmo; assim, vamos ter um tempinho para conversar um pouco.

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Os primeiros sintomas — O que temos hoje para o jantar, Marisa? — per-

gunta Salvador, passando a mão na barriga.

— Peixe com bananas, pai; e para sobremesa, sorvete de leite.

Estão todos ao redor da mesa para o jantar e Maria do Socorro reclama a ausência do neto.

— JC ainda não chegou?

— Chegou sim, vó; só que está dando coice até no vento. O Ricardinho já comeu e está no quarto com ele — avisa Isabella.

— Será que é excesso de sol? Já apelei para todos os santos que conheço; pedi várias vezes para esse menino dei-xar o surf um pouco de lado, mas não tem jeito, fica o dia todo na praia. Sei que isso não faz bem — diz Marisa.

— Mãe, ele dá aulas do esporte. Tem de treinar para ficar em forma — defende Isabella.

— Eu sei, minha filha, mas tenho estado preocupada. Ricardinho me disse que ele passou mal na praia, outro dia, com tonturas; e o vestibular se aproxima.

Capítulo XI

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— Ele tem estudado à noite — afirma Isabella.

— Então é por essa razão que está agressivo. Se não dorme bem, fica indisposto — opina Salvador. — Já é a se-gunda vez que ele não chega bem.

— Enquanto ele descansa, vou colocar um prato pronto no forno, para quando ele acordar. Amanhã, se não melhorar, vou levá-lo ao médico.

— O médico dele é a prancha e a bola — brinca Isa-bella, fazendo careta.

— Deixa de ser implicante.

— Ih... mãe! Estou apenas brincando.

— Vamos jantar em paz, meninas — diz Salvador. — E passa a salada, por favor.

JC, deitado, está pensativo. Alguma coisa o está afli-gindo, mas não sabe bem ao certo o que é. Não tem nenhum motivo aparente para aquela aflição. Sente-se grato pela vida que tem — um verdadeiro privilegiado. Mora em um lugar onde muitos sonhariam em viver; tem uma família estável; faz aquilo que gosta... Então, por que aquele aperto no pei-to? Ele observa seu irmão com carinho. Ricardinho brinca no chão, próximo à sua cama, e conversa com a avó que, sentada numa cadeira, no canto do quarto, faz o seu crochê, tranquila.

— Vó, o que tem de errado com JC?

— Nada, meu filho. Ele apenas tem apanhado muito sol. Pela manhã já estará novinho em folha, você vai ver.

O visual do amanhecer na praia de Provetá é arre-batador. Seus lençóis de águas transparentes e as exóticas espécies marítimas desenham um cenário imponente: um

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verdadeiro cartão-postal da Ilha Grande.

Esse despertar do dia na ilha é um convite ao qual todos, turistas e nativos, não conseguem resistir. A garotada, já bem cedo, reúne-se na praia para jogar o futebol ou mer-gulhar nas águas cristalinas.

JC, como sempre, era um dos primeiros a chegar. Dava um mergulho para renovar suas energias; estirava seu corpo sob o sol e sentia o penetrar dos raios em todo o seu corpo. Como era gostosa aquela sensação de estar em comu-nhão com a natureza... de ser livre para viver tudo aquilo!

Logo chegam os amigos e o resgatam para a primei-ra partida de futebol do dia. Começam os dribles e os pas-ses. Ele joga muito bem e se orgulha de ter talento para os esportes, mas sente-se cansado, muito cansado. Perde um gol. Sente-se um pouco tonto e enjoado, precisa parar. Sai do jogo e vai se sentar próximo aos amigos, na margem do campo improvisado na areia.

— Você está bem? — pergunta Edmund, assim que JC se senta.

— Estou. É apenas uma indisposição.

— Você precisa ir ao médico, cara — tenta convencê--lo Dimas.

— Que nada! Tenho dormido pouco por causa do vestibular.

— JC, com saúde não se brinca. Conhece esse ditado popular? É um ditado muito certo. Você deve ir ao médico — insiste Edmund.

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O primeiro encontroOlímpio e Estela sentam-se à mesa para o café da ma-

nhã, enquanto Lucrécia os serve, entre outras guloseimas, um pão fresquinho, acabado de sair do forno.

— Bom dia, seu Olímpio. O senhor viu as meninas? Fui chamá-las para o café, mas não estavam no quarto — afirma Estela.

— Tomaram café mais cedo e foram para a praia — respondeu Olímpio, com um ar de satisfação.

— Será que aconteceu alguma coisa? Maria Paula não costuma acordar cedo.

— O ar fresco da ilha faz milagres nas pessoas, Es-tela. Ela deve ter sido finalmente seduzida pela beleza deste lugar.

— Pode ser. Também, quem será que visita este para-íso e não fica? O senhor mesmo conta sobre a lenda que diz que quem beber da água da Bica da Carioca, não consegue mais deixar a cidade.

— Você pode não acreditar, mas estas lendas trazem muitas verdades ocultas, minha filha. Eu mesmo, vim aqui

Capítulo X

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para passar inocentes férias e acabei comprando esta casa, que guarda grande parte da minha história e que hoje é meu lar.

— O senhor não tem saudades de São Paulo?

— Não. Tenho saudades apenas da minha família.

O dia amanhecera lindo demais. Céu azul, sol bri-lhante.

Assim que abrira as cortinas do quarto, Maria Paula pensara que algo de maravilhoso poderia acontecer num dia como aquele. Tinha o desejo de viver um momento único, daqueles para ser registrado em seu diário, e pressentia que aquele poderia ser um dia especial.

Ela e a amiga Bárbara caminham pela praia em busca de um bom lugar para tomar o sol da manhã. Ao longo da faixa de areia brilhante surge um grupo de amigos jogando futevôlei. Disputando lugar entre as tendas, os ambulantes e os banhistas. As meninas resolvem instalar a barraca num espaço próximo ao jogo e sentam-se em suas cadeiras recli-náveis. Por detrás dos óculos escuros, elas observam João Carlos e seus amigos, sentados na areia.

— Olha só, que gatinhos! — Bárbara aponta com o olhar, levantando as sobrancelhas num gesto de cumplici-dade.

— Aqui só tem pescador — Maria Paula olha desin-teressada e com certo desdém. Não era por mal, mas não fazia parte de sua realidade. Nunca pensara em se envolver com pessoas de um universo tão distinto do seu.

— Quem liga, se for com um pescador lindo, como

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aquele ali? — continua Bárbara.

— Meu pai liga — afirma Maria Paula, sem entusias-mo.

— Vamos tirar umas fotos para atualizar o orkut?

— Claro. Humm... nossas amigas morrerão de inveja. Aqui é muito lindo — suspira ela com prazer.

— É... e com esses deuses gregos no cenário, fica ainda melhor. Elas não precisam saber que são “da terra”; afinal, eles estão bem à altura dos garotos de Ipanema, não acha?

— Ai... como você é insistente! Já disse que meu olhar é mais seletivo.

— Tá. Não vou discutir. Já... já vou ver você escorre-gando esse “olhar seletivo” — desafia Bárbara. — Sabe uma coisa que não entendo? Por que sua família raramente vem para cá, com seu avô morando neste paraíso?

— É uma longa história... depois lhe conto — diz Maria Paula, seguindo em direção ao ambulante e pedindo dois cocos. De volta, oferece uma das frutas para a amiga e senta-se. A menina agradece e comenta que os garotos sen-tados na plateia do jogo não tiram os olhos da barraca onde elas estão. Maria Paula, disfarçadamente, desvia seu olhar e observa JC — fica deslumbrada com a sua beleza. Mesmo estando um pouco afastada, ela pode perceber os espessos cabelos louros, com as pontas desbotadas, e o corpo atlético do rapaz, com um bronzeado dourado e muito forte.

Bárbara segue o olhar da amiga e faz um comentário implicante:

— O que aconteceu com o seu orgulhoso olhar sele-

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tivo? Não devia olhar; afinal, aquele deve ser um nativo da ilha.

— Como sabe? Aqui está cheio de turistas.

— É só observar o queimado dos seus cabelos e a cor do bronzeado. Tá vendo muitos iguais a ele por aqui?

— É... você tem razão. Deve ser um filho de pesca-dor — fala em tom de lamento, mas sem esconder o brilho nos olhos.

JC e os amigos logo percebem que estão sendo ob-servados e resolvem ir falar com as garotas. Antes, dão um mergulho para tomar coragem; afinal, sabiam que elas não eram do local e, pela forma como agiam, deviam ser de fa-mília de posses. Precisavam chegar de forma segura, fazen-do bonito. Caminharam para a água conversando, como se não percebessem a presença das duas, mas aquela era apenas uma estratégia. Na verdade, estavam desfilando seus corpos atléticos e assim que chegaram ao mar, mergulharam, mos-trando que conheciam aquelas águas como ninguém.

De repente, JC retorna à praia. Rapidamente senta-se na areia, contraindo-se de dor no abdômen. Busca respirar com calma para controlar o desconforto.

— Droga... droga... droga!

Bárbara, que segue o grupo com o olhar, comenta com a amiga sobre o ocorrido.

— Acho que o garoto louro está passando mal.

— Deve ser truque para chamar a nossa atenção — diz Maria Paula.

— Acho que não — responde, indo falar com JC.

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Maria Paula a segue correndo, enquanto a amiga rin-do, diz, provocativa:

— Aproveite e exercite a sua vocação. Você não disse que vai ser médica? O paciente merece todo esforço e dedi-cação de sua parte.

— Você não perde uma oportunidade para fazer pia-da.

— A vida é curta, amiga. Só digo isso, viu?

Chegando mais perto de onde estava o garoto, elas se dirigem a JC, perguntando:

— O que aconteceu? Está precisando de ajuda?

— Nada de mais. Estávamos tentando impressionar as garotas mais lindas da praia e me dei mal. Acabei sentido dor no estômago — fala ele, olhando diretamente para Ma-ria Paula.

— Levante a cabeça e respire fundo para relaxar. Contraia o abdômen com força e respire — orienta Bárbara.

Os amigos de João Carlos continuam na água e, per-cebendo que ele está na areia conversando com as garotas, comentam cheios de malícia:

— Olha lá, o esperto do JC. Não perdeu tempo e tá passando a perna na gente — comenta Igor.

— Vamos lá. Ele não pode ficar com as duas — afir-ma Nike.

Os amigos se aproximam correndo. Logo tomam conhecimento do ocorrido. JC agradece às meninas. Maria Paula o observa em silêncio.

— Obrigado pela ajuda, meninas!

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— Pelo quê? Não fizemos nada, além de dar duas dicas — comenta Bárbara, com uma careta.

— O que houve, JC? — pergunta Igor.

— Tive o meu habitual mal-estar. Agora tá virando rotina — afirma, fazendo um gesto de brincadeira.

— Cara... desta vez você vai prometer que vai ver o que está acontecendo.

— Prometo. Até eu tô ficando preocupado — fala, pensativo. E, assim que melhora um pouco, despede-se das garotas e dos amigos e volta para casa.

— Valeu galera! Pode deixar que eu vou procurar um médico. Palavra de surfista!

— Vai embora sem dizer o seu nome? — pergunta Bárbara maliciosa.

— João Carlos, mas pode me chamar de JC. É como meus amigos me chamam.

— O meu é Barbara e o dela é Maria Paula.

— Valeu! A gente se vê por aí. Vocês vêm sempre à praia?

— Pode apostar que sim! — respondem as duas ao mesmo tempo, se entreolhando.

Depois que os meninos se foram, elas recolheram a barraca, as cadeiras, todos os demais apetrechos e voltaram para casa. O sol estava ficando quente e insuportável para suas peles sensíveis, pouco acostumadas ao calor. Para com-pletar, estavam varadas de fome e, certamente, Lucrécia só devia estar esperando por elas para servir o almoço.

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Entrando pela porta dos fundos, seguiram para os quartos e foram se refrescar, antes de comer. No corredor, Bárbara ainda faz uma piada:

— Você já tem seu primeiro paciente; não é, amiga?

Ruborizada, Maria Paula sorri sem graça. Bárbara não perde tempo e afirma em tom de brincadeira:

— Que lindo! Tá ficando vermelha. Será que teremos paixão no ar? E o pior, tenho certeza de que é por um filho de pescador.

— Tô nada! Você deve ser louca. Acabamos de co-nhecer os garotos e você só fala nisso. Você é que deve estar cheia de vontade de se apaixonar.

— Até que o Igor é bem bonitinho, mesmo. Quem sabe, vale investir? O JC ficou a fim de você. Percebeu como não parava de olhar para você?

— Nada a ver comigo!

— Sei... — Bárbara murmura, fechando a porta do banheiro atrás de si, dando o assunto por encerrado.

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No mundo da luaJC não retorna à praia e fica deitado no sofá da sala,

contemplando o entardecer. Aquela linda menina, com tra-ços de mulher, de fartos cabelos levemente encaracolados, não saía de sua cabeça. A garota tomou conta de seus pen-samentos. Ficou imaginando em como seria beijar aqueles pequenos lábios em formato de coração, rosados como mo-rangos maduros e frescos.

Maria do Socorro conversa com Isabella, enquanto Marisa, sentada na máquina de costura, dá os arremates fi-nais a um vestido de festa.

— Vamos ao convento São Bernardino de Sena ama-nhã? — pergunta Maria do Socorro à Isabella.

— Humm... vozinha! Amanhã não dá, preciso ir à ci-dade procurar por algumas apostilas.

— Por que não aproveita um pouco seu tempo livre? Quando estiver velha, assim como eu, vai sentir saudades das férias, viu?

Olhando para o sofá, Maria do Socorro percebe a dis-tração de JC e o traz de volta à realidade.

Capítulo XI

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— Meu filho, como foi o seu dia hoje?

O garoto, imerso nos pensamentos, não ouve a avó. Foi a vez de Isabella tentar trazê-lo de volta à Terra.

— Acorda, JC! Você está em Marte, na lua... onde? Vovó está falando com você.

— Que foi? — garota mais chata, diz ele, contrariado.

— Vovó quer saber como foi o seu dia.

— Você está bem, filho? — pergunta Maria do So-corro preocupada.

— Estou, vó. Apenas pensava...

— Pensando a essa hora, com o olhar perdido?! Humm... isso é coisa de mulher! — afirma Isabella.

— Tá falando de quê?

— Dessa sua cara, de quem acabou de ver passarinho verde — Isabella ri.

Maria do Socorro interrompe, apaziguando a situa-ção:

— Não precisam brigar sem motivos, meus queridos.

— Não estamos brigando, vovó. Só conversando — fala a sorridente Isabella.

Ricardinho entra correndo e se joga ao lado do ir-mão, curioso para saber por que ele está em casa tão cedo.

— O que houve com você? Tá com dor ainda? Por esse motivo não voltou para a praia?

— Caramba, Ricardinho... Dá para ficar com a boca fechada?

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— Desculpe, irmão, mas vou contar para a mãe que você está com dor de barriga.

Maria do Socorro se levanta com Isabella. Querem saber um pouco mais sobre a conversa dos garotos no sofá. Ricardinho se afasta e Maria do Socorro senta-se ao lado de JC.

— O que estão conversando tão baixinho, aí?

— Nada, vó.

— Nada? Eu ouvi muito bem seu irmão comentar so-bre alguma coisa que aconteceu hoje na praia; e você ralhou com ele. Está escondendo alguma coisa? Ricardinho, o que aconteceu hoje na praia com seu irmão?

— Os garotos do time disseram que João Carlos veio mais cedo para casa porque não estava se sentindo bem. Ele quase se afogou por causa de uma dor.

— Isso é verdade, meu filho? — pergunta a avó, cheia de preocupação.

— Bem, parte é verdade. Passei mal na praia, sim, mas sobre o afogamento, ele está exagerando.

Maria do Socorro se aproxima mais de JC e observa que o neto está com alguns pequenos hematomas. Passa as mãos sobre estes e sente quando o neto se encolhe, como se esquivasse da dor.

— Não aperta. Estas marcas estão todas doloridas, vozinha!

— Precisamos ver isso, meu filho.

— Tá bom... Mas agora vou me deitar — Ele dá um beijo na avó e se tranca no quarto. Maria do Socorro conti-

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nua sentada com o semblante angustiado.

— Vou falar com Marisa sobre isso e vamos procurar um médico para esse menino. Essas manchas doloridas são muito estranhas.

— Ainda bem que Ricardinho não tem trava na lín-gua e conta tudo. Se depender de João Carlos, a gente nunca fica sabendo das fofocas... nem das coisas importantes tam-bém — diz Isabella, segurando as mãos da avó.

— Ele não gosta de preocupar a sua mãe — afirma a avó pensativa.

— Eu também não, mas ela precisa saber das coisas que acontecem com a gente, a senhora não acha?

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Mudando os hábitosAcabara de tocar o pequeno despertador que Maria

Paula havia colocado sobre o criado-mudo de madeira clara, que combinava harmoniosamente com toda a decoração re-finada do quarto que ocupava. Eram sete e meia e uma luz dourada entrava pela fresta da cortina entreaberta, iluminan-do o ambiente. Todos ainda dormiam. Bárbara, a sua melhor amiga, na outra cama; Xirua, a cadelinha, sob o edredom ao seu lado, e os demais, nos outros aposentos, igualmente grandiosos e de bom gosto. Ainda sonolenta, procurou o botão para desligar o despertador. Esfregou os olhos com as mãos fechadas e dedicou o primeiro olhar a Xirua, que observava os seus movimentos, cheia de preguiça.

— Não me olhe assim! Acha que sou um E.T. por acordar tão cedo?

Ao ouvir sua voz, a cadelinha se apressou em acon-chegar a cabeça no ventre de sua dona.

— Vou deixar você quietinha aí, querida. Agora, afas-te-se um pouco, vou me levantar, comer alguma coisa e dar um passeio. Não me demoro, tá?

Esticou as pernas, deu um grande bocejo levantando

Capítulo XII

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os braços para o alto e saltou da cama na ponta dos pés. Arrumou-se e saiu sem fazer barulho. Pelo jeito, apenas Lu-crécia estava acordada, já que o cheiro de café se espalhava pela casa, num convite silencioso. Foi até a cozinha, tomou uma xícara daquele líquido fresquinho pingado com leite, e foi dar uma caminhada na praia.

JC acordou com o barulho do vento embalando as cortinas e os raios de sol entrando pela janela, saudando--o com alegria. Levantou-se rapidamente, trocou de roupa e saiu em direção à praia. Depois de mergulhar, sentou-se na areia e fixou o olhar no horizonte, admirando, no infinito, o encontro do céu com o mar.

Uma voz familiar interrompe seus devaneios. Surpre-so, ele cumprimenta Maria Paula alegremente, ficando de pé num salto.

— Bom dia, JC. Você está bem?

— Bom dia, Maria Paula! Estou bem, sim.

— Que bom que não esqueceu meu nome!

— Como eu poderia? Não deixei de ver seu rosto em meus pensamentos desde que nos despedimos ontem.

Maria Paula ficou um pouco desconcertada e, disfar-çando, perguntou:

— Não passou mal durante a noite?

— Não. Fiquei bem! Acho que só precisava relaxar um pouco e... ter bons pensamentos — afirma, maroto.

— Seus amigos disseram que não foi a primeira vez que aconteceu o fato de ontem.

— Acho que tenho andado estressado por causa do

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vestibular.

— Mas foi procurar orientação de um médico?

— Ainda não, mas vou.

— Promete?

— Prometo, claro. Com um pedido desse, não posso negar. Ainda nem nos conhecemos direito e você já faz pre-valecer a sua vontade. Tenho a sensação de que a senhorita é muito mandona.

— Nada disso, apenas me preocupo. Com a saúde não se brinca e isso vale para todas as pessoas — retruca fazendo beicinho.

JC fita Maria Paula por alguns instantes e se corrige:

— Desculpe-me! Não falei com a intenção de magoá--la; muito pelo contrário. Não magoaria a pequena sarden-ta que tirou o meu sono e permeou meus sonhos durante toda a noite de ontem — afirma, olhando-a diretamente nos olhos.

Maria Paula desvia o olhar, sem graça.

— Ok, está desculpado.

— Sem um sorriso?

Ela sorri e ele junta as mãos, num gesto de agradeci-mento, como se estivesse rezando, e descontrai o momento.

— Você mora aqui, JC?

— Moro. E você, é de onde?

— Moro em São Paulo. Estou passando as férias es-colares na casa de meu avô.

— Seu avô é nativo? Quem é ele?

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— Meu avô mora aqui há alguns anos, mas não é na-tivo. Seu nome é Olímpio Mendonça. Mora na casa no alto da colina, do outro lado da ilha.

— Por que nunca a vi por aqui antes? Não vem sem-pre ver o seu avô?

— É uma longa história e lhe conto os detalhes outro dia, tudo bem? — mudou de assunto, como sempre aconte-cia quando lhe faziam essa pergunta.

Ele acena com a cabeça, concordando, e fica em silên-cio enquanto Maria Paula, deslumbrada, aponta o horizonte.

— Como o dia está bonito! Vamos dar uma cami-nhada?

— Vamos! Você precisa ver uma coisa, fica no fim da praia e vale a pena. Sem contar que a vista é encantadora!

— Posso imaginar. Vamos!

— Por falar nisso, hoje à noite vai ter um luau na praia do Aventureiro. Você aceita ir como minha convidada?

— Gostaria muito. Posso trazer a minha amiga?

— Claro.

Conversando animadamente, caminharam até o fim da praia. Maria Paula ficou boquiaberta, tamanha a beleza do velho coqueiro envergado, bem rente às águas do mar. A majestosa planta parecia falar aos quatro ventos que, pela sua perseverança, era vencedora em sua luta, sobrevivendo a todas as armadilhas da natureza. Contemplaram a paisagem em silêncio; afinal, não encontravam palavras para descrever a beleza do lugar, nem a emoção que tomava conta dos dois. Ambos sentiam uma nova sensação, um bem-estar acolhe-dor e uma vontade inexplicável de congelar aquele momen-

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to.

— Meu Deus! Sabe que horas são? — pergunta Maria Paula, assustada, percebendo que, pelo barulho do seu estô-mago, já deveria ser bem tarde.

— Duas horas da tarde — responde JC, olhando para o relógio.

— Tenho de ir. A esta altura, minha mãe já deve ter colocado toda a guarda costeira à minha procura.

— Não seja exagerada.

— Fala isso porque não a conhece.

— Então vamos embora. Não quero que sua mãe morra de preocupação. Nem a sua, nem a minha. Vemo-nos mais tarde?

— Sim. Se minha mãe não me colocar de castigo, pode esperar por mim — afirma com um sorriso.

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Virgem da ConceiçãoEntre tantas e tão lindas praias da região, o balneário

de Provetá se distingue pela natureza exuberante, pelo ver-de intenso, pelas grutas e cavernas, pelas águas límpidas e transparentes, formando um lindo e exótico aquário natural, fazendo a festa da criançada... e crianças não faltam para ouvir mais uma das histórias de Salvador.

— Qual história vai nos contar hoje? — pergunta Eduarda, uma expectadora assídua das tardes de lazer pro-porcionadas pelo velho pescador.

— Humm... deixe ver..! Hoje vou contar a história da Padroeira de Angra dos Reis.

— É aquela dos peixes? — Fernanda retruca, curiosa.

Pacientemente, Salvador explica que na sua história tem peixes, mas o foco é outro. Todos ficam em silêncio, sentados ao redor da cadeira do contador de histórias.

— Diz uma velha lenda que o nosso povo sempre foi temente a Deus e que, há muito tempo, houve uma grande tempestade nesta região, trazendo para nossa praia um belo veleiro que estava a caminho de Itanhaém, litoral de São Paulo. O barco, que transportava uma carga preciosa, sofreu

Capítulo VIII

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muitas avarias, precisando ficar aportado aqui até que os re-paros fossem feitos e estivesse em condições de voltar ao mar, seguindo o seu destino. Nosso povo demonstrou sua solidariedade e soube, pelo comandante, que a embarcação transportava uma belíssima imagem da Virgem da Concei-ção.

Os olhos atentos das crianças nem piscavam, não queriam perder os detalhes do conto, assim eram transpor-tados para o passado. O velho continua:

— Nossos conterrâneos mostraram-se desejosos de ver tão bela obra, mas o capitão não permitiu, por estar la-crada a caixa em que vinha a imagem. Passaram-se alguns dias, até que os consertos ficassem prontos e o barco partisse da baía para cumprir seu destino. Novamente, outra tempes-tade se abateu sobre a embarcação, causando novos danos e trazendo-a de volta à nossa praia. Mais uma vez o nosso povo pede para ver a imagem, o que foi prontamente negado pelo comandante, em virtude de ser uma carga importante e precisar chegar lacrada ao seu destino. Os marujos conser-taram, novamente, as avarias do barco, que voltou a seguir seu caminho em direção à Vila de Itanhaém. Fora das águas da baía, novo temporal se forma. De límpido, o céu se tor-na um negrume; das águas mansas, vagalhões imensuráveis varrem o tombadilho, a ponto de assustar o mais calejado marinheiro: uma tormenta, em todo o seu furor. Com o bar-co à deriva, a ponto de afundar, sem a menor esperança de salvação, o comandante pede:

“— Salvai-nos, Nossa Senhora da Conceição! Vejo que é de vossa vontade dessa terra não sair. Salvai-nos, que aqui a deixaremos.”

— Assim foi feito. O mar se acalma, o barco volta

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para a nossa praia e o comandante entrega ao povo a ima-gem da Virgem Imaculada Nossa Senhora da Conceição, que hoje é a padroeira da nossa terra. Conta também a lenda que a embarcação, ao voltar ao nosso porto, foi seguida por um grande cardume de peixes, até então nunca visto nestas paragens. Entre eles, a cavala, o peixe mais saboroso e típico da região; e mais ainda: a espinha do centro da cabeça da cavala pescada em Angra dos Reis, tem a forma da imagem de Nossa Senhora — é só cozinhá-la inteira e comprovar.

— Vamos cozinhar a cavala para ver a Santa? — fa-lou animadamente Eduarda.

— ... E irão ver que é verdade! — afirma João Carlos, chegando devagar.

As crianças se despedem barulhentas, na certeza de que ouviriam mais história no dia seguinte.

— Deixa a vó ficar sabendo que anda contando histó-rias de santos.

— Ela não vai saber. Será nosso segredo, certo? — afirma com uma piscadela.

Enquanto isso, Olímpio, Estela, Bárbara e Matheus estão sentados no sofá, aflitos com o sumiço de Maria Paula. Estela se levanta e tenta ligar, mais uma vez, para o celular da garota.

— Que droga! Continua desligado.

— Calma, minha filha. Ela deve estar andando pela praia e se esqueceu da hora. Os jovens são assim. Não se preocupam com o tempo; afinal, tempo é o que eles têm de sobra, não é mesmo?

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— Isso mesmo, tia. Não fique tão aflita. Maria Paula deve estar andando na praia.

— Maria Paula não gosta de acordar cedo... Aconte-ceu alguma coisa.

— Dona Estela... dona Estela! — Lucrécia entra na sala, toda esbaforida.

— O que houve? Fale, Lucrécia! Não me deixe mais apreensiva.

— Não aconteceu nada: nossa menina acaba de che-gar.

Maria Paula imaginou que estariam todos preocupa-dos, mas se assusta quando entra na sala e encontra o maior alvoroço. A mãe a abraça, feliz, mas não deixa de reclamar pela falta de juízo da filha.

— Maria Paula, onde você se meteu? Estava morren-do de medo de que algo ruim tivesse ocorrido.

— Calma, mãezinha. Só fui caminhar na praia; nem vi o tempo passar.

— Mãezinha?

— Acordei com vontade de caminhar e de sentir a brisa fresca no rosto — Maria Paula dá uma piscadela para Bárbara.

— Mar, sol e brisa? Definitivamente você não deve estar passando bem — Estela quase engasga com a saliva.

— Por quê? Estou começando a gostar desta ilha — diz ela, dando uma piscadela sapeca.

— Deixe-a, a ilha é envolta por mistérios. Quem sabe ela já descobriu algum? — entremeia apaziguador o avô.

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— Está com fome? — sem esperar pela resposta, chama por Lucrécia e pede que a governanta prepare algu-ma coisa para Maria Paula.

— Humm... estou com fome mesmo, muita fome. Lucrécia do meu coração, pode me servir no quarto?

— Claro! — acena a governanta, enquanto as meni-nas sobem em direção ao quarto.

Olímpio espera Maria Paula e Bárbara saírem da sala para ralhar com Lucrécia.

— Quando será que você vai aprender a conter suas maluquices?

— Do que está falando agora, velho gagá?

— Do susto que a senhora acabou de nos pregar.

— Gente velha faz um drama... — debocha Lucrécia.

— Ah! Vá levar o lanche de Maria Paula e me deixe em paz, sua destrambelhada. Qualquer dia chamo o mani-cômio. Só uma camisa de força para dar jeito em você. Além do mais... eu não sou o único velho aqui.

— Olha só, quem me chama de maluca!

Estela e Matheus se divertem, olhando a cena.

— Até parece que um vive sem o outro — Estela palpita sobre os dois.

Os olhos de Maria Paula ganharam imediatamente um brilho travesso, enquanto convencia o avô que interce-desse junto à sua mãe para deixá-la ir ao luau, na praia do Aventureiro.

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— Por favor, vô... peça para a minha mãe deixar eu e Bárbara ir ao luau.

— Mas eu já falei, minha filha. Ela está irredutível.

— Sr. Olímpio, ela já deve estar mais calma... Tenta novamente, por favor — apela Bárbara, quase às lágrimas.

— Por favor, vozinho... só mais uma vez — Maria Pau-la fala baixinho, cheia de dengo.

— Posso saber o porquê da importância desse luau?

— Conheci um garoto, vô. Ele me convidou e eu que-ro muito ir. Por favor, ajude-me, vozinho.

— Tudo bem, vou tentar, mas não prometo nada, viu?

Enquanto Olímpio seguia em direção ao quarto de Estela, Maria Paula, aflita, torcia as mãos nervosas, comba-tendo a sensação de euforia e ansiedade diante da ideia de rever João Carlos. Assim que o avô retornou e afirmou que poderiam ir, a menina suspirou aliviada, cheia de expectati-vas. Sem saber se ria ou se chorava, num impulso, abraça e beija carinhosamente o velho patriarca.

— Mas ela impôs uma condição — diz o velho.

— Qual? — pergunta a garota, desesperançosa.

— Eu terei de ir junto.

— E o sr. vai, não vai?

— Já que insiste, eu vou — afirma, surpreso com a aceitação imediata da neta.

— O sr. é o meu anjo, sabia?

— Por um momento pensei que... Ah, deixa pra lá! —

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falou para si mesmo, o avô.

— Então, mãos à obra — fala Maria Paula à Bárbara, caminhando rapidamente em direção ao quarto. — Amiga, vamos caprichar no visual!

Já passava das vinte horas quando as meninas des-ceram, arrumadas e perfumadas. Maria Paula, usando uma saia semilonga de organza floral, forrada com tecido branco e uma linda camiseta branca bem justa, com a barriga de fora; estava deslumbrante. Completando o conjunto, a meni-na usava maquiagem bem leve, sandálias rasteiras trançadas na cor vermelha e um conjunto de bijuterias na mesma cor. Bárbara, vestida no mesmo estilo, também estava maravi-lhosa. Na sala, Olímpio já as esperava, acompanhado por Lucrécia e Matheus.

— Ué...! Pensei que só o meu avô iria.

— Eu também vou, não posso deixar o sr. Olímpio sair sozinho a esta hora — afirma Lucrécia.

— Meu Deus, dai-me paciência!

— Você só vai porque eu intercedi junto à sua mãe, sua resmungona. E não é para ficar reclamando a noite toda no meu ouvido, viu?

— E o pirralho? — aponta para Matheus. — Vai fa-zer o que lá?

— Vai fazer companhia para um velho — responde Olímpio com cara de inocente.

— Pare de discutir, Maria Paula, vamos logo. Esta-mos perdendo tempo — retruca Bárbara.

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O luauA galera da praia passou a tarde decorando o ambien-

te para a grande noite. Espalharam tendas e tochas feitas de bambu, arrumaram troncos de árvores para servir de ban-co ao redor da fogueira, montaram a mesa para os drinks tropicais e para os aperitivos, arrumados como em cena de filme. Cuidaram da decoração em estilo havaiano e não se esqueceram do cooler para as cervejas. Para aqueles que não apreciassem bebidas alcoólicas, havia sucos de frutas. Quan-do Maria Paula chegou à festa, o som do batuque e do vio-lão já ocupava o lugar. As pessoas se acomodaram ao redor da fogueira: algumas sentadas, aconchegadas no ombro de quem estava ao lado; outras, deitadas sobre cangas coloridas, à vontade, ouvindo uma melodia suave e rítmica. A mesa de frios dispensava comentários, pela beleza e bom gosto. No cardápio, sushi, ricos e saborosos patês com torradas colori-das, ciabata, sanduíches naturais e frutas várias, imprimindo um colorido único.

JC caminhou na direção de Maria Paula, assim que a avistou. Sem notar os que estavam ao seu redor, fez uma análise minuciosa, esboçando um sorriso de aprovação. Ma-ria Paula se sentiu um pouco desconfortável, mas ficou feliz

Capítulo XIV

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com a expressão satisfeita que viu no rosto do rapaz.

— Você está linda! — afirmou o jovem.

— Você também está muito bonito — diz a meni-na, observando os detalhes da camisa de malha amarela e a bermuda branca que ele usava, realçando seu bronzeado. No pescoço, o tradicional colar colorido completava o look bem despojado do jovem surfista.

— Este é meu avô, Olímpio. Esta é Lucrécia, nossa governanta. Este é meu irmão Matheus e esta é Barbara, mas ela você já conhece. Só faltou minha mãe e a cachorra — brinca um pouco constrangida.

— Que bom que vieram todos! Sejam bem-vindos e aproveitem nosso luau — diz JC, apertando as mãos que Olímpio e Matheus lhe estendiam, para, em seguida, cum-primentar Lucrécia, Bárbara e Maria Paula, com um beijo cordial na face de cada uma. Aproveita para falar baixinho, perto do ouvido da garota.

— Você está atrasada. Fiquei com medo que não vies-se.

— Quase não pude vir. Minha mãe queria deixar-me de castigo pelo resto da minha existência, pela façanha de hoje. Foi uma luta conseguir fazê-la mudar de ideia. Enten-deu o motivo da minha escolta?

— Se ficasse de castigo pelo resto da vida, eu seria obrigado a pular a sua janela também pelo resto da vida. Como eu iria deixar de ser observado novamente pelos olhos mais lindos que já vi nesta praia? — pergunta João Carlos.

— Vai brincando, vai! O assunto hoje foi sério. Tive de trazer o meu avô e quase toda a família para poder sair.

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Quase morri com isso, mas não deixei ninguém perceber, eu acho... E olha que minha mãe nem sabe sobre você — dei-xou escapar, ficando logo ruborizada.

— Ah! É bom saber que posso ser um motivo de preocupação da sua mãe. Isso quer dizer que...

— Não inventa, não quer dizer nada — diz ela, fican-do ainda mais vermelha.

— Vamos esquecer isso e curtir. O importante é que está aqui agora.

O grupo se aproxima da fogueira trepidante e se mis-tura às pessoas que já estão por toda a parte do espaço re-servado. Danilo e a sua banda são seguidos por um coro su-peranimado, enquanto dedilham uma linda canção no velho e desgastado violão. A banda, formada por nativos da ilha, toca em todas as rádios da região e faz o maior sucesso nas redondezas. O som dá uma parada e Danilo cumprimenta a todos.

— Boa noite, galera!

— Boa noite! — todos respondem ao mesmo tempo, como se tivessem ensaiado.

— Hoje é uma noite especial. É a inauguração do nosso Festival de Surf de Verão. É nesta noite que nós, sur-fistas da região, nos unimos para homenagear e fazer uma reverência às ondas desse nosso marzão. Também é a noite para despertar grandes paixões...

— Uh... Uh! — gritou a galera.

— Como eu ia dizendo, é a noite das paixões. Há anos, grandes amores começam no luau do Festival... e desta vez não será diferente. Por tudo isso, mando essa música

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para vocês.

O som recomeça, agora mais lento; vem um clima gostoso, de intimidade. Os olhares se buscam furtivamente. Alguns casais começam a dançar. As moças desacompanha-das iniciam uma dança solitária. Seus corpos dourados se movimentam suavemente, como o balançar das ondas do mar, desvendando, vez por outra, uma tatuagem em um om-bro seminu ou no tornozelo.

Um sentimento de liberdade paira no ar...

Eduardo aproveita a oportunidade e discretamente coloca o braço ao redor dos ombros de Isabella que, com um misto de espanto e prazer, acaba fingindo não perceber as intenções do professor de surf.

— Espero que estejam gostando do nosso som — diz Danilo, de volta ao violão, dedilhando mais uma canção e mantendo o clima.

— Adoro esta música — insinua Maria Paula.

— Então a dedico a você! — fala JC, com um olhar cheio de ternura. — Quer dançar comigo?

— Adoraria, mas estou me sentindo um peixe orna-mental no aquário. Percebeu como meu avô e a Lucrécia não tiram os olhos de mim? Bem que esse clima romântico podia contagiar os dois...

— Tudo bem, relaxa. Vamos apenas sentir a energia deste momento. Já fico feliz.

Lucrécia, que observa tudo a uma pequena distância, comenta com Olímpio:

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— Sinto clima de romance no ar. É tão bom ser jo-vem. Já vi esse brilho em muitos olhares nesta ilha, mas todo amor no começo é cheio de flores. Pena que, logo em segui-da, aparecem os espinhos.

— Nossa Virgem Mãe! Como você é amarga, Lucré-cia!

— Por acaso estou mentindo?

— Acho que você nunca viveu um amor. É isso que eu acho — comenta Olímpio, imerso em suas lembranças.

Lucrécia sabe que ele está pensando na sua falecida esposa e se cala, respeitando aquele momento de saudade. Realmente, ela nunca encontrara um grande amor, por essa razão dedicou sua vida a servir aos outros, com carinho. Não deixava de ser uma forma de amar.

Danilo novamente para o show e convida os casais para dançar.

— Esta é para dançar, galera. Vamos lá... escolham os seus pares e vamos nos divertir...

JC olha para Maria Paula, num convite silencioso. Decidem ignorar tudo e todos que estavam em volta, e viver aquele instante como se não houvesse mais ninguém. Se-guem para a pista de dança improvisada na areia. Matheus, sentindo-se um homem crescido, convida Bárbara para dan-çar que, com um leve sorriso, não o desaponta. Olímpio olha para Lucrécia, pega-a pelo braço e diz:

— Só sobrou você mesmo, para dançar com este ve-lho.

A lua, mais branca que nunca, parece conspirar a fa-vor dos apaixonados, iluminando toda a praia com um lân-

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guido e viçoso brilho prateado.

Maria Paula e João Carlos estão leves e entregues a si mesmos. Sentem-se longe dali. Não conseguem mais ouvir direito a música, que parece bem distante; apenas conseguem escutar o som suave da respiração um do outro, até entrarem no mesmo ritmo acelerado. De repente, João Carlos para. Olha profundamente nos olhos de Maria Paula e, quase sem conseguir falar, sussurra um convite em seu ouvido:

— Quer caminhar um pouco comigo?

— Quero. É o que mais quero agora.

Todos estavam embalados pela música, vivendo suas emoções particulares. Ninguém percebe o afastamento dos dois.

O casal se distancia, indo em direção à areia molhada, onde as ondas arrebentam suavemente. Maria Paula comen-ta com um suspiro:

— Eu pensei que estas seriam as piores férias da mi-nha vida, mas mudei de ideia assim que o conheci.

— E por que suas férias seriam ruins?

— Porque há muito tempo não vinha a Angra, mais precisamente ao balneário de Provetá. Primeiro, porque de-pois que a minha avó morreu, o meu pai não quis mais ficar por aqui e eu, de certa forma, absorvi esse sentimento e não me interessei mais em voltar; segundo, porque em minhas lembranças esse era um lugar muito sem recursos e cheio de mosquitos.

— Que maldade! Aqui não tem tantos mosquitos as-sim. Mas fico curioso: como pode pensar isso de um lugar tão lindo?

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— O lugar é mesmo lindo, e a minha avó era apaixo-nada por isso aqui. Depois de passar muitas férias nas pou-sadas da região, visitando toda a extensão da Ilha Grande, ela adoeceu. Mesmo doente, quis comprar uma casa aqui para passar o resto de seus dias. Meu avô a atendeu, com-prando o casarão onde mora, se afastou dos negócios para cuidar dela e não voltou mais para São Paulo, desde então. O meu pai assumiu as empresas, e acho que não suporta relem-brar a dor que sentiu em ver a mãe morrendo lentamente, aniquilada pela doença. Assim, ele vem aqui muito rara e rapidamente.

— Eu não consigo imaginar férias sem surf, sem fu-tevôlei e futebol... — afirma João Carlos, com sorriso maro-to nos lábios.

— Eu não imaginava minhas férias sem viagem ao exterior — brinca Maria Paula. — Sempre fui acostumada a viajar para fora do país. Ver os shows da temporada, com-prar os últimos lançamentos da moda, ir aos mais famosos restaurantes, esquiar... Tudo o que se espera de uma meni-na da sociedade paulistana. Agora, tudo me parece tão sem sentido...

— É interessante como as coisas acontecem na vida da gente. Acho que o destino planeja tudo.

— Você acredita em destino?

— Acredito mais ou menos. Mas não podemos negar que a vida nos prega algumas peças. Coisas que não conse-guimos explicar, mas que mudam para sempre nossa vida.

— É verdade! É como se alguém já tivesse escrito a história e se encantasse com a atuação de seus personagens. Sabe, quando a minha mãe comunicou que viríamos para

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a casa de meu avô, fiquei desesperada. Agora estou aqui e, quem diria, superfeliz!

João Carlos admira os traços delicados da face de Maria Paula. Passa a mão carinhosamente pelo seu rosto e pergunta:

— O que você faz, normalmente, para se distrair?

— Estou meio envergonhada em dizer. Nunca pensei que isso me traria constrangimento, mas acho importante ser eu mesma. Divirto-me gastando dinheiro no shopping. Isso, herdei da minha mãe. Meu pai fica louco comigo e com ela.

— Tudo bem. Acho isso até bem feminino — brinca. — Como é a sua mãe?

— Maravilhosa! Linda, generosa, doce e minha me-lhor amiga.

— Então você é uma consumista compulsiva? — ele pergunta sorrindo.

— Não. Só quando estou estressada — fala, ensaian-do uma careta. — Deve parecer superficial e fútil para você, mas... Sabe, a vida na cidade grande segue numa rotina mui-to diferente disso aqui — disse, apontando para a ilha.

— Eu sei. Se precisasse viver numa cidade grande, acho que morreria de saudades deste lugar. E está enganada sobre o que penso a seu respeito: não acho nada disso da senhorita, viu?

— Sabe... as coisas na ilha parecem acontecer em ou-tra dimensão, o agito daqui é diferente. Tem poesia no ar — suspira Maria Paula. — Aqui o tempo corre numa velo-cidade própria e é muito gostoso ficar assim.

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— Gostoso é ficar com você, isso sim.

JC encolhe os ombros e deixa escapar um sorriso, en-quanto contempla a beleza exuberante da jovem. Na verda-de, vestindo aquela saia de organza e camiseta justa, Maria Paula estava mais atraente do que pensava. Seu corpo era uma provocação aos olhos dos homens. Suas pernas longas, bem torneadas; as curvas traçando a silhueta de seu corpo; seus seios, que se pronunciavam discretamente no decote; a pele levemente bronzeada, os lábios rosados...

— Nem sei o que dizer diante tanta beleza! — reve-la, quando surpreendido pelo olhar envergonhado de Maria Paula. — Fico imaginando como seria beijá-la; como deve ser o gosto da sua boca!

Maria Paula perde o ar meio ingênuo que desenhava seu rosto e deixa despertar a mulher que estaria em breve por revelar. Com um olhar quase felino, ela se insinua:

— Por quê, imaginar? Beije-me, beije-me! — diz ela, quase que em ato de entrega.

Lentamente, muito lentamente, ele a beija. Toca sua boca levemente com doçura. Sente o sabor dos lábios sedo-sos. Logo, as carícias aumentam e o beijo cresce, se intensi-fica. Estavam sedentos um pelo outro. Não conseguiam re-sistir à força daquele beijo, que eclodia em paixão. Se tivesse se inclinado para trás e caído em um precipício, não ficaria mais indefesa do que estava naquele instante, colada a ele, amparada por ele, envolvida por ele e... totalmente entregue.

Ouviram a voz de Bárbara ao longe, chamando por seus nomes. Tinham se perdido nos sentimentos, não perce-bendo por quanto tempo estavam afastados do grupo. Acor-

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daram subitamente daquele beijo desejado e, sorridentes, voltaram à festa.

Ao avistá-los, Bárbara perguntou, esbaforida:

— Você é louca? Quer entrar em cana de verdade? Seu avô já me perguntou algumas vezes por você e eu estou contornando o tempo todo a situação. Além do mais, não é justo você sair para dar uma volta e deixar o pirralho na minha cola.

Maria Paula ri da aflição da amiga. Nada vai tirá-la daquele estado de graça. Promete, então, que vai ajudá-la a se aproximar do amigo de JC e se livrar do seu irmão caçula.

Juntaram-se aos outros convidados e saborearam uma truta fresca, elaborada com frutas da estação. Depois, “mergulharam” em um fondue de chocolate, delicioso. Bei-jando suavemente os dedos lambuzados de chocolate de Ma-ria Paula, João Carlos aponta para a pista de dança:

— Aquele não é o seu avô, dançando com Lucrécia?

— É sim — interrompe Bárbara. — E vocês não sa-bem o custo que foi fazê-los ficar dançando sem desistir, esse tempo todo. Você me deve essa, MP — diz Bárbara ironicamente, chamando Maria Paula pelas iniciais, como faziam com João Carlos, ou melhor, JC.

— Tá bom, amiga. Você é demais. A melhor!

— Vamos nos juntar a eles? — sugere JC.

— Vamos — aceita Maria Paula, cheia de malícia.

O casal dança no ritmo da música. Sentem-se leves e fazem o maior agito, animando a galera. Lucrécia olha para Olímpio e diz:

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— Agora chega. Ficamos nós dois aqui dançando essa música enlouquecida como se fôssemos adolescentes. É demais! Preciso respirar, senão vão ter de me carregar para casa, de tão cansada que estou.

João Carlos conseguia fazer o co ração de qualquer mulher bater mais depressa. As meninas de Provetá sempre se insinuavam para ele e a chegada de Maria Paula não foi exatamente bem aceita por elas. Afinal, estavam à espera do rapaz havia muito tempo. Quem aquela estranha pensava que era, para chegar ali e ir se apossando do rapaz mais con-corrido da ilha?

Maria Paula, totalmente alheia aos olhares furiosos da outras garotas, só conseguia pensar em como o achara deslumbrante logo que o vira. Nesse momento, descobriu que estava completamente envolvida por aquele homem de cabelos dourados e uma sensualidade natural. Ela sabia que muitas das convidadas gostariam de estar no seu lugar e es-banjava charme, mas não imaginava os sentimentos de inveja que estava despertando. Danilo interrompe seus pensamen-tos, oferecendo uma canção para o casal de apaixonados.

— E a próxima canção eu ofereço para o meu amigo JC e sua linda acompanhante, Maria Paula.

Os dois se entreolham e sorriem. Começam os acor-des do violão, indo num crescente. Na banda, estavam todos no mesmo clima; começaram a dedilhar românticas canções, levando a galera ao verdadeiro delírio e ao íntimo desejo de se entregar ao prazer.

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Festival do SurfAs primeiras ondas do Festival do Surf estavam per-

feitas. Surfistas de toda a região estavam lá para mostrar que eram os melhores. A praia estava cheia de gente curiosa para ver o talento daquela rapaziada. Meninas desfilavam em seus biquínis multicoloridos, num rebolado ousado e atra-ente. Namoradas ajudavam a carregar parafinas e mochilas, buscando um lugar ideal para a torcida. O clima era de des-contração e alegria. Todos aguardavam as performances e os resultados para, depois, comerem as frutas frescas arran-jadas sobre a mesa do quiosque de Seu Quinzinho. Troca de pequenas alfinetadas também acontecia entre as torcidas, mas o astral era bom. Afinal, eram todos amigos e aquilo era apenas um divertimento. Maria Paula e Bárbara chegam com o campeonato já começado. Não podia ser de outro modo, já que Maria Paula trocara de biquíni cinco vezes e não conseguia decidir com que óculos iria à praia. Um ver-dadeiro estresse!

João Carlos já se encontrava no mar e procurava sua musa com o olhar. Estava um pouco aflito, como se fosse um iniciante. Ao vê-la, porém, sentiu-se seguro. Pegou uma onda genial, fez um tubo e brilhou.

Capítulo XV

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Como de costume, JC foi o primeiro colocado. Já não havia nem graça em competir, quando ele participava. Or-gulhosa, Maria Paula se aproxima, mas uma verdadeira ava-lanche de fãs fazem-na se afastar. Maria Paula, furiosa, olha para Bárbara:

— Quem elas pensam que são? Eu não consigo me aproximar. Ai, que ódio! — fala como uma menina mimada.

JC pôde observar sua fisionomia e, achando graça, desenha um enorme coração no ar com as duas mãos, so-prando-o na direção da namorada. Desvencilhou-se rapida-mente da multidão e caminhou até ela, fazendo-a ter certeza de que era com ela que ele queria estar.

Maria Paula o abraça e o beija com carinho, feliz por vê-lo vitorioso, mas logo um ar de preocupação se apossa de seu rosto. JC esboçava um semblante de dor, que visivelmen-te tentava disfarçar.

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O despertar para o amorUma semana se passou depois do primeiro encontro

entre Maria Paula e JC. Ela estava cada dia mais fascinada por ele. João Carlos era diferente dos outros, quase sempre imaturos. Ficava o olhando com admiração e com um sen-timento que jamais experimentara. Nos últimos dias, vivera muitas aventuras, bem diferentes daquilo a que estava acos-tumada. Sentia-se feliz como nunca estivera em toda a sua vida. Aquele lugar era mágico. Suas fantasias fluíam...

Pedalar sem destino, visitar os monumentos que fala-vam da história local, desbravar a floresta por trilhas sinuo-sas, contar e colocar nomes nas estrelas, desenhar corações na areia com conchas... tudo era novo.

Bárbara conseguira se enturmar com a galera do surf e parecia que já os conhecia havia muito tempo. Com isso, Maria Paula ficava mais tranquila e não se sentia tão culpada em deixar a amiga um pouco de lado, mas estava sentindo algo que não podia deixar escapar. Precisava vivê-lo inten-samente até...

O fim do dia chega sem ser percebido. É hora de con-templar o pôr do sol, sentados lado a lado na areia morna da

Capítulo VII

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praia, e planejar o dia seguinte. O sol se esconde lentamente, sob um silêncio quase monástico. O casal se despede, com-binando assistir juntos à chegada do próximo amanhecer que, com certeza, prometia ser mais um dia inesquecível.

Maria Paula dá boa-noite para Bárbara, aconchega-se entre as cobertas macias e apaga a luz do abajur. Com os olhos fechados, escuta um barulho sob sua janela.

A princípio, pensa ser o canto de um pássaro, mas logo percebe o som agudo do assovio. Dá um salto da cama e, pela fresta da cortina, vê JC com um sorriso travesso e convidativo.

Ela se troca rapidamente e vai ao encontro do rapaz.

— O que está fazendo aqui? Esta visita clandestina podia ter acordado a minha mãe.

— Humm... é verdade. Nem me liguei nisso. Só pen-sava em convidar uma linda garota para passear à luz do luar. Será que ela aceitaria?

— Fala sério! Anda, vamos sair logo daqui. Mais rápi-do, antes que todos acordem; aí, sim, estaremos encrencados e o nosso passeio de amanhã vai pelo ralo, mocinho. Ah...! Adorei a “linda garota”.

Chegando à praia, JC pega seu iPod e, em um ritual quase ensaiado, coloca a música que tocava quando se bei-jaram pela primeira vez no Festival. Sob o olhar surpreso e encantado de Maria Paula, convida-a para dançar.

— Você é completamente doido e... maravilhoso.

— Você não imagina o que um homem apaixonado é capaz de fazer. — Sussurra em seu ouvido e, mansamente,

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continua: — Quero um beijo seu. Beije-me!

— Assim não vale. Você está em vantagem... Pensou em tudo, combinou com a lua só para me induzir a fazer o que você quer.

— Mentirosa. Não sou apenas eu que a desejo. Sinto, sei que você também me quer. Estou enganado?

Ela docemente afirma com a cabeça e sente seu corpo estremecer ao sentir a boca molhada e a maciez dos lábios do namorado. O seu coração apaixonado bate forte e ela teme que ele escute e perceba sua vontade quase incontrolá-vel de se entregar.

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Lopes Mendes O dia começou com um despertar às 4h30. Encontra-

ram-se na praia e partiram de barco imediatamente em dire-ção à enseada de Lopes Mendes. As ondas mansas embalam os navegantes quase noturnos. Maria Paula os admira. Para ela, acordar cedo era um grande ato de bravura. Logo, seus pensamentos se perdem quando, meio em transe, admira os cabelos loiros de JC, brilhando como ouro envelhecido sob os primeiros raios de sol. Debruçado na popa do barco, mais parecia um Deus mitológico que, de forma mágica, alimen-tava os golfinhos e peixes coloridos, como se havia muito se conhecessem. Naquele momento, Maria Paula teve a cer-teza de que ele fazia parte daquele cenário digno de contos de fadas. Desceram na areia fina e respiraram fundo, em-briagados pela beleza estonteante do lugar. Sobre uma mesa improvisada por uma canga, arrumaram o café da manhã. Aquela era a praia mais linda do planeta, pensava a jovem, e ela estava ali, livre, a sós com JC. Os dois se entreolham com cumplicidade. Ambos ansiavam pelo que estava por vir.

— Este lugar é muito mais do que eu poderia imagi-nar. Dispensa comentários — sussurra Maria Paula, inter-rompida pelos lábios dele que tocavam os seus, obrigando-a

Capítulo XVII

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a uma rendição cheia de desejo.

Ele a abraça. Ela se desprende de todos os seus medos e receios. Sente o pulsar das veias de seus braços e imagina... tudo lhe era permitido imaginar. Não poderia querer outro homem nem outro lugar. Iria se entregar pela primeira vez e seria àquele homem, que a fazia se sentir amada e desejada. Sua cabeça pendeu para ele, submissa. Suas mãos o segura-vam com força, desafiando-o a tomar tudo o que queria, a lhe dar tudo o que desejava. JC delicadamente acaricia seu rosto, sentindo a maciez da pele sedosa e o cheiro feminino daquela bela mulher. Seus lábios percorrem o desenho de cada curva daquele corpo de menina, quase mulher, que ja-mais vira igual. Beijou-a com desejo, beijou todo seu corpo... Lentamente, debruçou-se sobre ela. Parou e fitou-a por um momento, como se esperasse um sinal. Maria Paula fechou os olhos com delicadeza e esboçou um sorriso de entrega e, em meio ao soar dos ventos e o bater das ondas nas pedras, tornaram-se um só; sentiram-se um só.

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A cabana secretaNo dia seguinte, partiram em mais uma aventura. Já

não eram mais os mesmos. Experimentavam uma gostosa sensação de cumplicidade. Parecia que havia muito se co-nheciam e confidenciavam seus desejos por olhares furtivos e apaixonados. Desta vez, seguiram para a Vila do Abraão. Tomaram suas mochilas com alimentos, água e repelente, seguindo pela trilha que conduzia ao refúgio secreto do ra-paz. JC ia identificando as diversas espécies de pássaros e plantas que encontravam pelo caminho e ensinava a Maria Paula sobre os poderes medicinais de cada uma das plan-tas que conhecia. Ele a levou em direção a uma clareira no meio da mata, de onde se avistava uma cabana de madeira, simples e mágica, quase imponente como um templo. A luz do sol se infiltrava no caminho, iluminando as samambaias e folhagens da trilha. Seus passos, abafados pelos musgos e folhas que cobriam o solo, seguiam na busca de se perder em um mundo além daquela floresta. À direita, as árvores passa-vam brilhantes, repletas de novas folhagens. À esquerda, as montanhas e rochas ladeavam o mar imponente, nos quase três quilômetros de extensão daquele paraíso.

— E então? — pergunta JC, assim que chegam à ca-

Capítulo XVIII

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bana.

— Meu Deus... que lugar divino! — impressiona-se ela, levando as mãos à altura dos olhos para apreciar melhor a paisagem.

— Realmente, este lugar é demais — diz JC. Toman-do nas mãos uma flor silvestre, enfeita carinhosamente o cabelo de Maria Paula.

— Quem fez esta cabana? — aponta ela, cheia de curiosidade.

— Não sei, acho que antigos caçadores; mas foi es-quecida há muito tempo. Encontrei-a por acaso, quando liderava um grupo de turistas, numa excursão ao topo da montanha. Hoje, é o meu refúgio secreto. Bem, de hoje em diante, será nosso — afirma ele, com um leve sorriso nos lábios.

— Fique tranquilo, não vou espalhar o seu segredo — Maria Paula sussurra, espalhando uma manta no chão, num convite silencioso para se sentarem. JC a beija com suavidade e ela se rende ao prazer de suas carícias. Assim, amam-se ao ar livre, com o sol banhando o bosque com sua luz intensa e dourada. Ela se entrega mais uma vez, ofe-recendo-lhe seus próprios sonhos e seu desejo de mulher. Tudo era real; muito mais real do que qualquer coisa que ele jamais experimentara. Vagarosamente, despiu-a, enquanto a venerava e a satisfazia. Entrelaçados, ficaram horas deitados no chão ouvindo os pássaros e sentindo o frescor da brisa quase mágica da floresta.

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O desesperoO relógio marca 4h20 e JC desperta de um sono tur-

bulento, sentindo um forte mal-estar. Todo molhado de suor, geme baixinho. Levanta-se e caminha em direção ao banheiro, tomando cuidado para não acordar o irmão, que dorme na cama ao lado. Tropeça no tapete e quase vai ao chão, mas é amparado por Isabella, que acordara com os gemidos do rapaz.

— O que foi? — pergunta assustada.

— Estou com muita dor no estômago.

— O que comeu hoje? — diz ela, começando a inter-rogar o irmão enquanto corre para buscar a ajuda da mãe.

— Não comi nada de mais — afirma ele, e vomita logo em seguida.

Marisa entra aflita no banheiro para ajudar o filho e faz os mesmos questionamentos que antes fizera Isabella. JC dá a mesma explicação e se contorce com uma expressão de dor. Vomita novamente, assustando a mãe que, rapidamente, dá ordens à Isabella para acordar o avô, Salvador.

— Acorda rápido o seu avô. Rápido.

Capítulo XIX

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A menina obedece e volta acompanhada pelo velho e por Ricardinho, que acordou com a grande movimentação da casa.

— Isabella, o que aconteceu com JC? — balbucia o garoto.

— Ele vai ficar bem. Volte para o seu quarto e durma mais um pouco, meu amor. Ainda é noite — falou carinho-samente para o irmãozinho.

— Não quero dormir — afirma Ricardinho chora-mingando.

— Mãe, estou com fraqueza nas pernas — avisa JC. — Estou mal, mãe. Ajude-me.

Marisa fica assustada com o estado do filho e avisa o pai que vai levá-lo para o hospital.

— Pai, troque de roupa e vamos procurar ajuda. Cal-ma, meu filho — diz ela para JC. — Respire fundo... Tudo vai ficar bem.

Isabella não consegue segurar o choro ao ver a pali-dez do irmão, encolhido no chão. Marisa ajuda o filho a se levantar e acomoda-o no sofá da sala, enquanto o ajuda a se vestir. Partem rapidamente em direção ao hospital da cidade, acompanhados por Salvador. JC anda com dificuldade, am-parado pelo velho pescador e sua mãe. Antes de sair, ainda recebe um abraço carinhoso dos irmãos. Triste, Ricardinho faz uma pergunta cheia de dor para Isabella:

— Bella, meu irmão vai morrer?

— Claro que não, JC vai ficar bom. Fique calmo, que-rido. Nosso irmão é forte e vai ficar bem, você vai ver — Isabella esconde a própria preocupação para tranquilizar o

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irmão caçula. Ela também se assustou bastante com o esta-do de saúde de JC. Neste momento, o que eles podiam fazer para ajudá-lo era confiar em Deus e orar.

— Isabella, não acorde a sua avó. Ela tomou calman-te e precisa descansar. Não conte nada ainda sobre JC, viu? Mais tarde, falo com ela — recomendou o avô.

— Fique tranquilo, vô. Não vou dizer nada.

— Você também, Ricardinho — aponta para o garo-to triste, sentado na poltrona, no canto. — Não diga nada.

— Tá bom, vô, eu não digo nada.

— Mãe, ligue. Não me deixe aqui, aflita sem notícias, por favor — suplica Isabella, com um soluço.

— Isabella... Isabella — diz JC —, eu marquei en-contro na praia, no quiosque de sempre, com Maria Paula. Avise-a que aconteceu um imprevisto, por favor. Diga que tive novamente uma dor abdominal e fui ao médico.

— Não se preocupe. Eu a aviso.

Isabella segue para a igreja, que já começa a receber os fiéis para a oração da manhã, e Ricardinho volta para o quarto e faz sua prece silenciosa pelo irmão.

O ar parecia estar parado, pesado, sem brisa naquela manhã. Maria Paula foi em direção ao quiosque, que era o seu ponto de encontro com JC desde que se conheceram. Já passava das 10h30, nem sinal do garoto. Ela ligou para o celular dele e quem atendeu foi a secretária eletrônica da caixa postal. Ele não costumava se atrasar tanto. Os sons da praia, que antes pareciam um alarido, agora estavam calmos, congelados, tamanha era a aflição. Ela estava com um mau

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pressentimento. Passava as mãos pelos cabelos, num ges-to nervoso, quando avistou Isabella, a irmã do namorado. Quanto mais a moça se aproximava, mais descompassado ficava o seu coração. Alguma coisa havia mesmo acontecido.

— Olá, Maria Paula, tudo bem? Desculpe-me pelo atraso, mas vim trazer um recado do meu irmão.

— Aconteceu alguma coisa com ele?

— Vamos nos sentar ali — disse Isabella, apontando para um banco de madeira na calçada. — Não precisa ficar aflita. João Carlos passou mal durante a madrugada e foi levado para o hospital.

— O que ele tem?

— Ainda não sabemos, mas não há de ser nada sério. Às vezes, ele sente dores fortes no estômago.

— Quando nos conhecemos, ele teve uma dessas cri-ses de dor enquanto nadava. Foi por este motivo que me aproximei dele naquele dia. Lembro-me de que prometeu ir ao médico. Pelo visto, não foi.

— Foi agora. Ele é bem teimoso. Já deve saber.

— Estou começando a perceber.

— Bem, o recado está dado. Preciso ir. Qualquer no-vidade, aviso-a pelo celular, ok?

Isabella levantou-se com imponência, apesar de usar um vestido de algodão azul velho e surrado, e colocou as mãos nos ombros de Maria Paula de forma confortadora:

— Tudo vai ficar bem.

— Obrigada, por ter vindo. Obrigada, mesmo.

— Foi muito bom rever você.

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Ambas se despedem e seguem em direções opostas. Isabella vai encontrar Eduardo e Maria Paula volta para casa.

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Os primeiros procedimentos médicos

Cláudia Amorim, médica no Hospital Municipal da cidade, assegura nesta primeira consulta que o caso do ga-roto requer mais pesquisa antes de dar qualquer parecer. Aplica-lhe um analgésico para aliviar a dor, enquanto espera pelos resultados dos primeiros exames. Depois que recebe o resultado da endoscopia e da tomografia, avisa a mãe que o garoto precisa ser examinado por um especialista. No setor de emergência, JC está deitado numa maca, em observação, acompanhado pelo avô, enquanto a mãe conversa com a mé-dica.

— Mãe, por hoje João Carlos já está medicado — diz a médica —, mas seu filho precisa ser visto por um especia-lista imediatamente.

— Especialista, doutora? Mas o que o meu filho tem?A médica não quis comentar as suas suspeitas. O me-

lhor seria encaminhá-lo para o Hospital do Câncer no Rio e deixar para um médico especializado confirmar ou não o diagnóstico. Até por que, câncer no estômago naquela idade

Capítulo XX

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era muito raro e ela podia estar enganada. — Não posso afirmar com certeza. Ele precisa de

exames mais detalhados. A senhora vai levar este documen-to de encaminhamento ao Hospital do Câncer no Rio de Janeiro amanhã, logo cedo. Por hoje, está medicado. Não permita que ele faça grandes esforços até termos um diag-nóstico sobre o seu caso.

Marisa sente as pernas ficarem bambas. “Hospital do Câncer? Foi isso mesmo que ouvi?”,

fala consigo mesma, em seus pensamentos. Era uma mulher simples, mas sempre buscou ser bem informada e também oferecer aos filhos tudo o que podia dar em termos de boa formação. Com isso, acabou por aprender muitas coisas. Sua vivência permitia “ler” os sinais na fisionomia das pessoas e, o que viu no rosto da médica, deixou-a aflita. Sabia, com certeza, que algo de muito sério estava acontecendo com seu menino. Sim, seu menino, que, protetoramente, desejou naquele instante embalar nos braços, como fazia quando o amamentava, bem pequenino.

Pela janela, Isabella observa o movimento da cidade ao longe que, iluminada, está alheia à tristeza que se abatera sobre sua casa. João Carlos passou o dia no hospital e sua mãe havia ligado muito triste. Isabella estava preocupada com o irmão. Passara parte do tempo escondendo da avó o que acontecera com JC, mas, chegada a hora do almoço, teve de falar, levando em consideração a ausência de todos naquele momento, pois a família se reunia religiosamente àquela hora.

— Onde estão todos? — pergunta a velha senhora, curiosa.

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— Vozinha, preciso lhe contar uma coisa. Não precisa se preocupar, mas o vovô não está na praia. Ele foi com a mamãe levar o JC ao hospital.

De um salto, Maria do Socorro fica de pé e pergunta, assustada:

— O que aconteceu com meu neto?— As dores de sempre, vó, mas desta vez minha mãe

quis saber o motivo.— E fez muito bem. Com a saúde não se brinca. Por

que não me chamaram? Por que todo mundo pensa que não aguento a verdade?

— Só queríamos poupá-la, vozinha. — Até parece que sou uma velha caindo aos pedaços.

Saiba que tenho mais vigor que muitos jovens, viu?— Desculpe, vó. Não queríamos que a senhora so-

fresse por antecipação. Vamos almoçar?Em um silêncio angustiado, Isabella, Maria do So-

corro e Ricardinho sentam-se à mesa para comer, mesmo com pouco apetite.

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O livro “Um Amor, Um Verão e o Milagre da Vida” faz parte do projeto “Por Um Sonho de Verão” e conta a história de um adolescente que descobre ser portador de Câncer Gástrico, e portanto vê seus sonhos destruídos pela doença. Além do surf, João Carlos está apaixonado por Ma-ria Paula e quando recebe seu diagnóstico sente uma onda de desespero que muda todos os seus planos para o futuro.

O projeto busca ajudar financeiramente instituições de pesquisas e assistência a crianças portadoras de câncer. Baseado no livro, o filme “Por um Sonho de Verão” faz par-te do projeto, e foi desenvolvido para ajudar no combate ao câncer infantil no Brasil, abordando os sintomas, tratamen-tos e tipos de câncer, informando onde procurar tratamento, e a grande importância do diagnóstico precoce para a cura ou melhoria da qualidade de vida dos pacientes.

Como se sente a família de uma pessoa que recebe um diagnóstico desses? Eles também precisam de ajuda, não só psicológica mas em muitos casos,” financeira”. O livro “Um Amor, Um Verão e o Milagre da Vida” mostra os di-versos aspectos de uma doença difícil de combater e de acei-tação. Além disso, mostra como a família precisa de suporte para acompanhar o paciente e como esse suporte e amor são imperativos para a cura.

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“Eu faço parte da cura e Você?”

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