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OPERAÇÕES ESTABELECEDORAS: UM CONCEITO DE MOTIVAÇÃO RACHEL NUNES DA CUNHA GEISON ISIDRO-MARINHO apresentar ambigüidades pelas várias acepções do verbete na língua portuguesa. O dicionário eletrônico do Instituto Antônio Houaiss (2001) da língua portuguesa traz o verbete motivação como um substantivo feminino, e na acepção de “ato ou efeito de motivar”, o verbete é defi- nido em termos jurídico, lingüístico e semió- tico e psicológico. Na rubrica da psicologia, apresenta como significado um “conjunto de processos que dão ao comportamento uma in- tensidade, uma direção determinada e uma forma de desenvolvimento próprias da ativi- dade individual”. Tal definição é apresentada no referido dicionário como: 1. motivação altruísta, aquela “que considera ou favorece o bem-estar de outrem”; 2. motivação de eficácia, aquela rela- cionada à competência (capacida- de). O dicionário indica como sinô- nimo e variantes a consulta do ver- bete “causa”. Douglas Mook, em seu livro Motivation – The organization of action (edição de 1987), pre- ocupa-se com a forma como as diferentes abor- dagens do conceito de motivação têm sido apre- sentadas. Refere-se, por exemplo, às controvér- sias e às questões teóricas que, às vezes, são apre- sentadas uma em oposição à outra, a exemplo de impulsos versus instintos (padrões-fixos-de- ação), impulso animal versus teorias cognitivas, pesquisa com humanos versus com organismos não-humanos. Para Mook, esse modo de com- 2 O emprego do conceito de motivação como termo técnico da psicologia requer pre- cisão seja qual for o referencial teórico e meto- dológico utilizado, de modo a dirimir a ambi- güidade que o termo encerra na linguagem coloquial. Historicamente, as variáveis motivacio- nais têm sido consideradas como determinan- tes da ação humana, aspecto que manteve o conceito de motivação como um tópico vigen- te na psicologia. O que torna esse tema fasci- nante e desafiador para os psicólogos é com- preender a que esse conceito se refere no am- plo arcabouço teórico, conceitual e metodoló- gico da psicologia. A questão fundamental está no tratamento e na descrição das variáveis controladoras do comportamento. Análises so- bre o papel da motivação na explicação do com- portamento têm conduzido a várias concepções teóricas e metodológicas que refletem os es- forços da psicologia para elucidar uma pergun- ta básica: por que os homens comportam-se da maneira como o fazem? O estudo do tópico de motivação nos conduz à discussão sobre a natureza das variáveis motivacionais que têm sido caracterizadas tanto como processos in- ternos quanto como eventos do ambiente ex- terno. Essas diferenças ocorrem porque a psi- cologia apresenta diversidades na definição de seu objeto de estudo, de sua metodologia e de seus pressupostos epistemológicos. Para os ana- listas do comportamento, as variáveis motiva- cionais são variáveis ambientais. Um fator complicador é que “motivação”, como um termo da linguagem coloquial, pode

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ANÁLISE DO COMPORTAMENTO 27

OPERAÇÕES ESTABELECEDORAS:UM CONCEITO DE MOTIVAÇÃO

RACHEL NUNES DA CUNHAGEISON ISIDRO-MARINHO

apresentar ambigüidades pelas várias acepções

do verbete na língua portuguesa. O dicionário

eletrônico do Instituto Antônio Houaiss (2001)

da língua portuguesa traz o verbete motivação

como um substantivo feminino, e na acepção

de “ato ou efeito de motivar”, o verbete é defi-

nido em termos jurídico, lingüístico e semió-

tico e psicológico. Na rubrica da psicologia,

apresenta como significado um “conjunto de

processos que dão ao comportamento uma in-

tensidade, uma direção determinada e uma

forma de desenvolvimento próprias da ativi-

dade individual”. Tal definição é apresentada

no referido dicionário como:

1. motivação altruísta, aquela “que

considera ou favorece o bem-estar

de outrem”;

2. motivação de eficácia, aquela rela-

cionada à competência (capacida-

de). O dicionário indica como sinô-

nimo e variantes a consulta do ver-

bete “causa”.

Douglas Mook, em seu livro Motivation –

The organization of action (edição de 1987), pre-

ocupa-se com a forma como as diferentes abor-

dagens do conceito de motivação têm sido apre-

sentadas. Refere-se, por exemplo, às controvér-

sias e às questões teóricas que, às vezes, são apre-

sentadas uma em oposição à outra, a exemplo

de impulsos versus instintos (padrões-fixos-de-

ação), impulso animal versus teorias cognitivas,

pesquisa com humanos versus com organismos

não-humanos. Para Mook, esse modo de com-

2

O emprego do conceito de motivação

como termo técnico da psicologia requer pre-

cisão seja qual for o referencial teórico e meto-

dológico utilizado, de modo a dirimir a ambi-

güidade que o termo encerra na linguagem

coloquial.

Historicamente, as variáveis motivacio-

nais têm sido consideradas como determinan-

tes da ação humana, aspecto que manteve o

conceito de motivação como um tópico vigen-

te na psicologia. O que torna esse tema fasci-

nante e desafiador para os psicólogos é com-

preender a que esse conceito se refere no am-

plo arcabouço teórico, conceitual e metodoló-

gico da psicologia. A questão fundamental está

no tratamento e na descrição das variáveis

controladoras do comportamento. Análises so-

bre o papel da motivação na explicação do com-

portamento têm conduzido a várias concepções

teóricas e metodológicas que refletem os es-

forços da psicologia para elucidar uma pergun-

ta básica: por que os homens comportam-se

da maneira como o fazem? O estudo do tópico

de motivação nos conduz à discussão sobre a

natureza das variáveis motivacionais que têm

sido caracterizadas tanto como processos in-

ternos quanto como eventos do ambiente ex-

terno. Essas diferenças ocorrem porque a psi-

cologia apresenta diversidades na definição de

seu objeto de estudo, de sua metodologia e de

seus pressupostos epistemológicos. Para os ana-

listas do comportamento, as variáveis motiva-

cionais são variáveis ambientais.

Um fator complicador é que “motivação”,

como um termo da linguagem coloquial, pode

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28 ABREU-RODRIGUES, RIBEIRO & COLS.

paração pode levar-nos a negligenciar algumas

possibilidades de interface que, por exemplo, as

pesquisas com organismos não-humanos e hu-

manos têm, como nos tópicos sobre fome, sede,

afeiçoamento ou simpatia e desamparo. Não

podemos negar essas divergências e devemos

ter o cuidado para não pôr uma teoria contra

outra, porque poderemos cometer erros de na-

tureza lógica, epistemológica e conceitual. Tal-

vez o maior equívoco seja perder as possibilida-

des de interface entre diferentes concepções que

podem proporcionar uma visão nova ou um me-

lhoramento – ou maior esclarecimento – do con-

ceito de motivação com todo o rigor que a pes-

quisa exige para descaracterizar o uso coloqui-

al do termo motivação.

O conceito de motivação passou por vá-

rias acepções ao longo do tempo – tais como

instinto, impulso e a retomada do conceito de

instinto pelos etologistas –, mas, sem dúvida al-

guma o termo impulso foi o que teve maior im-

pacto. Esse impacto é refletido, por exemplo,

na postura dos analistas do comportamento ao

definir o conceito de motivação sem fazer refe-

rência ao termo impulso, de modo a dissipar a

base mentalista ou organísmica que o termo

recebeu dos behavioristas metodológicos, como,

por exemplo, Clark Hull (1884-1952).

Quando o conceito de impulso tinha um

status fortemente mentalista ou organísmico,

Skinner, em seu livro publicado em 1938, The

behavior of organisms – An experimental

analysis, dedicou dois capítulos a este concei-

to (Capítulo 9 – “Drive” e Capítulo 10 – “Drive

and conditioning: The interactions of two va-

riables”), nos quais fornece uma abordagem

essencialmente objetiva sobre o tópico. Segun-

do Skinner, o problema que temos com o con-

ceito de impulso é a natureza causal de proprie-

dades internas que foi atribuída a essa variá-

vel. Skinner (1938, 1953/2000) trata a moti-

vação em termos de operações de privação,

saciação e estimulação aversiva, enfatizando

essas operações como variáveis ambientais

controladoras do comportamento.

Skinner (1938, 1953/2000), posterior-

mente Keller e Schoenfeld (1950/1974),

Millenson (1967) e Millenson e Leslie (1979)

referem-se ao termo impulso como um evento

do meio ambiente, ou seja, como a descrição

de uma operação que pode ser executada so-

bre o organismo (p. ex.: privá-lo de alimento,

aumentar a temperatura do ambiente acima

das condições adequadas de adaptação e con-

forto). Verificamos, portanto, que a questão

crucial que gera as divergências na definição

do termo motivação está na concepção da cau-

salidade do comportamento dos organismos.

Skinner (1953/2000, p. 24) abordou os ter-

mos causa e efeito em ciência a partir de uma

relação funcional, uma causa foi definida como

“uma mudança em uma variável independen-

te” e um efeito foi definido como “uma mu-

dança em uma variável dependente”. Dessa

forma, para ele, a relação de “causa e efeito”

foi transformada em uma relação funcional.

Para descrever uma relação funcional entre o

organismo e o ambiente, Skinner desenvolveu

um instrumento conceitual que se tornou a fer-

ramenta básica do analista do comportamen-

to: as contingências de reforço.

Para garantir a especificidade de um ter-

mo, na acepção psicológica faz-se necessário

um conjunto de ferramentas intelectuais e ex-

perimentais, constituído de conceitos básicos

e de princípios que norteiem uma análise sis-

temática e funcional do comportamento. Essa

exigência está presente na abordagem analíti-

co-comportamental do conceito de motivação,

denominada de Operações Estabelecedoras.

OPERAÇÕES ESTABELECEDORAS

O termo operações estabelecedoras, como

um conceito de motivação, será abordado, con-

siderando os aspectos históricos, metodológicos

e teóricos das pesquisas básica e aplicada.

Considerações históricas

Keller e Schoenfeld (1950/1974) enfati-

zaram a necessidade de se conceituar a mo-

tivação como variáveis ambientais controla-

doras do comportamento de forma a evitar o

conceito de impulso como variável interna, con-

forme defendido pelos behavioristas metodo-

lógicos, e de acordo com o empreendimento

científico de Skinner denominado de Análise

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ANÁLISE DO COMPORTAMENTO 29

Experimental do Comportamento. Keller e

Schoenfeld chamavam a atenção dos analistas

do comportamento para outros eventos

ambientais, além dos eventos reforçadores, ao

se fazer uma análise de contingências. O as-

pecto ressaltado nessa advertência refere-se ao

fato de que para um objeto funcionar eficaz-

mente como reforçador, faz-se necessário que

um outro evento ambiental estabeleça sua efi-

cácia. Assim, Keller e Schoenfeld introduziram

o conceito de operação estabelecedora para

identificar esses eventos ambientais e demons-

trar sua função motivacional.

Ao empregarem o termo operação estabe-

lecedora (primeiro uso do termo) para definir

a motivação na abordagem analítico-compor-

tamental, Keller e Schoenfeld (1950/1974)

demonstraram que podemos tratar a variável

motivacional como uma variável independen-

te, que pode ser manipulada de maneira expe-

rimental. Definir motivação como operações

estabelecedoras implica poder executar certas

operações sobre o organismo (p. ex.: privá-lo

de alimento), as quais têm como efeitos uma

mudança momentânea da efetividade de um

evento como reforçador e uma mudança mo-

mentânea da freqüência de qualquer compor-

tamento que tenha sido seguido por esse evento

reforçador.

Keller e Schoenfeld (1950/1974) preocu-

param-se em definir o termo impulso não como

estímulo nem como resposta, usando-o como

um recurso de linguagem para descrever um

conjunto de relações. Por exemplo, impulso não

poderia ser confundido com estímulos inter-

nos (câimbras estomacais que acompanham a

privação de alimento). Esses estímulos são

discriminativos para a resposta verbal “tenho

fome” (operante verbal – tato). O impulso tam-

bém não poderia ser confundido com uma res-

posta produzida pela operação de privação, por

exemplo, o comportamento de comprar um

lanche. Para Keller e Schoenfeld, o impulso

seria mais adequadamente definido como um

conjunto de relações entre o organismo e o am-

biente – operações estabelecedoras.

Ao lidar com o conceito de motivação,

Millenson (1967) e Millenson e Leslie (1979)

também enfatizaram o papel das variáveis

ambientais. Para eles, a motivação correspon-

deria a operações de impulso, as quais teriam

a função de alterar o valor dos reforçadores.

Esses autores classificaram em dois tipos as

operações de impulso: “(1) uma [operação]

que tem a função de reduzir ou eliminar o va-

lor reforçador (saciação) e (2) outra que tra-

balha para aumentar o valor dos reforçadores

(privação)” (Millenson, 1967, p. 366).

Preocupado também com a precisão dos

conceitos e com a forma de enunciar relações

funcionais que abrangem interações do indiví-

duo com o ambiente, Michael (1982, 1993)

retomou o conceito de operação estabelece-

dora, proposto por Keller e Schoenfeld (1950/

1974), para definir motivação na análise do

comportamento. Em sua análise, Michael

incluiu as variáveis motivacionais aprendidas

que não foram explicitamente tratadas por

Skinner (1938, 1953/2000), Keller e Schoen-

feld (1950/1974), Millenson (1967) e Millenson

e Leslie (1979), os quais se limitaram a discutir

as variáveis motivacionais filogeneticamente

determinadas (da Cunha, 1993). Michael fez

uma importante contribuição para a análise do

comportamento, ao estabelecer um novo ins-

trumento conceitual e metodológico, caracte-

rizado como operações estabelecedoras apren-

didas, com implicações para as pesquisas bási-

ca e aplicada (da Cunha, 1993, 1995; Iwata,

Smith, e Michael, 2000; Sundberg, 1993).

Skinner não utilizou o termo operação

estabelecedora para tratar do conceito de mo-

tivação, tratando-o em termos de privação/

saciação e estimulação aversiva. Por outro lado,

pode-se dizer que Skinner (1938, 1953/2000),

Keller e Schoenfeld (1950/1974), Millenson

(1967) e Millenson e Leslie (1979) deram o

mesmo tratamento para as variáveis motivacio-

nais como controladoras do comportamento,

ou seja, as variáveis motivacionais foram tra-

tadas como variáveis ambientais (da Cunha,

1993, 1995, 2000).

Definição

Michael (1993) define uma operação

estabelecedora como uma variável ambiental

em função de seus dois principais efeitos, de-

nominados de efeito estabelecedor do reforço

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30 ABREU-RODRIGUES, RIBEIRO & COLS.

e efeito evocativo. O efeito estabelecedor do

reforço é caracterizado pela alteração momen-

tânea da efetividade reforçadora de algum

objeto, evento ou estímulo; o efeito evocativo,

por sua vez, é caracterizado pela alteração

momentânea da freqüência de um tipo de com-

portamento que tem sido reforçado por aquele

objeto, evento ou estímulo. É importante en-

fatizar que a definição do conceito é feita a

partir dos efeitos que a variável motivacional

exerce sobre o comportamento do organis-

mo (da Cunha, 1993, 1995, 2002; Keller e

Schoenfeld, 1950/1974; Michael, 1993, 2000).

Uma operação estabelecedora é um

evento ambiental que está correlacionado

filogenética e ontogeneticamente com a efi-

cácia do reforço ou da punição e que evoca

ou suprime um tipo de comportamento que

tenha sido reforçado ou punido por esse even-

to (privação ou saciação são exemplos de ope-

rações estabelecedoras). Skinner (1953/

2000) cita alguns exemplos de efeitos sobre o

comportamento exercidos por essas operações

estabelecedoras: (a) restringindo-se a ingestão

de água (privação), pode-se aumentar a pro-

babilidade de uma criança beber leite; (b) ser-

vindo-se grandes quantidades de pão de boa

qualidade antes do jantar (saciação), pode-se

diminuir a probabilidade de um cliente recla-

mar da pequena quantidade de comida servi-

da no jantar.

Refinamento do conceitode operações estabelecedoras

Michael (1982) tratou o conceito de mo-

tivação como estímulo estabelecedor (SE), o

qual teria a função de modificar a efetividade

de um outro estímulo como reforçador e de

evocar um tipo de comportamento que tenha

sido reforçado por aquele estímulo. Em 1993,

o termo estímulo estabelecedor foi substituído

pelo termo operação estabelecedora como uma

forma genérica de se referir à variável motiva-

cional. A partir da classificação de dois tipos

de operações estabelecedoras e da efetivação

de uma taxonomia comportamental, Michael

sistematizou o conceito de motivação.

As operações estabelecedoras de privação

e saciação trabalham em direções opostas. A

privação de algum objeto implica um período

de tempo de acesso restrito a esse objeto, seja

ele alimento, água ou qualquer outra condi-

ção de estímulo, como, por exemplo, interações

sociais. Entretanto as operações ambientais que

trabalham na direção oposta da privação po-

dem variar para um ou outro estímulo e, as-

sim, o termo saciação pode não ser útil. Por-

tanto, Michael (2000) propõe um refinamen-

to conceitual da terminologia motivação, intro-

duzindo o termo operações abolidoras para

fazer referência àquelas operações ambientais

que suprimem a efetividade de um evento

reforçador e a ocorrência de comportamentos

que tenham sido reforçados por esse evento

reforçador.

Classificação

Michael (1993) propôs a classificação

das operações estabelecedoras em duas cate-

gorias:

Operações estabelecedoras incondicionadas

São de origem filogenética e variam de

espécie para espécie. Os efeitos de alteração

da eficácia do reforço que esse tipo de opera-

ção estabelecedora produz abrangem eventos

ou estímulos reforçadores incondicionados, por

isso Michael denominou essas operações de

operações estabelecedoras incondicionadas.

Nascemos com a capacidade de termos nossos

comportamentos reforçáveis por alimentos ou

pela cessação ou redução de estímulos aver-

sivos, sendo que determinados aspectos do

ambiente podem aumentar ou reduzir a eficá-

cia desses reforços. Embora esses reforços se-

jam incondicionados, o comportamento evo-

cado por uma operação estabelecedora incon-

dicionada (verificado pelo efeito evocativo) é

sempre aprendido. Por exemplo, a privação de

água torna a água mais efetiva como forma de

reforçador para os mamíferos, como resultado

dessa operação, sem que haja história de apren-

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ANÁLISE DO COMPORTAMENTO 31

dizagem. Porém o repertório comportamental

para adquirir água é sempre aprendido por

esses organismos.

A seguir, apresentamos exemplos de ope-

rações estabelecedoras incondicionadas e seus

respectivos efeitos:

1. Saciação de alimento. Esta operação

tem como efeito estabelecedor do re-

forço a diminuição, momentânea, da

eficácia do alimento como reforça-

dor e, como efeito evocativo, a di-

minuição, momentânea, da freqüên-

cia de qualquer tipo de comporta-

mento que tenha sido reforçado por

algum alimento. Por exemplo, em

uma refeição, comer do prato prin-

cipal até a saciação pode diminuir a

eficácia reforçadora da sobremesa e

suprimir a freqüência do comporta-

mento de consumo desta.

2. Privação de alimento. Esta operação

tem como efeito estabelecedor do re-

forço, o aumento momentâneo da

eficácia do alimento como evento

reforçador, e seu efeito evocativo é

demonstrado pelo aumento, tam-

bém momentâneo, de qualquer tipo

de comportamento que tenha sido

reforçado por alimento. Privando

um indivíduo de alimento, por

exemplo, pode-se alterar a eficácia

reforçadora do alimento e aumen-

tar a freqüência do comportamento

de preparar um lanche.

3. Aumento da temperatura. Esta ope-

ração quando está acima do nível

normal das condições de adaptação

e de conforto tem como efeito esta-

belecedor do reforço a diminuição

do nível da temperatura como um

evento reforçador eficaz. O efeito

evocativo é verificado pelo aumen-

to momentâneo da freqüência de

qualquer comportamento que tenha

sido reforçado pela diminuição do

nível da temperatura. Um exemplo

seria ligar o ventilador em um dia

de calor insuportável.

4. Diminuição da temperatura. Esta

operação quando está abaixo do ní-

vel normal das condições de adap-

tação e de conforto tem como efeito

estabelecedor do reforço o aumen-

to do nível da temperatura como um

evento reforçador eficaz. O efeito

evocativo é verificado pelo aumen-

to momentâneo da freqüência de

qualquer comportamento que tenha

sido reforçado pelo aumento do ní-

vel da temperatura (p. ex.: ligar o

ar quente do carro na presença de

uma temperatura muito baixa).

5. Estimulação dolorosa. Esta operação

tem como efeito estabelecedor do re-

forço o aumento da eficácia momen-

tânea da cessação ou da remoção do

estímulo doloroso, e o efeito evoca-

tivo é demonstrado pelo aumento

momentâneo de qualquer tipo de

comportamento que tenha sido re-

forçado pela cessação ou pela remo-

ção da estimulação dolorosa (p. ex.:

tomar um analgésico em função de

uma forte dor de cabeça).

Michael (1993) identificou nove tipos

de operações estabelecedoras incondicio-

nadas, a saber: estimulação dolorosa; dimi-

nuição da temperatura abaixo das condições

de adaptação e de conforto, aumento da tem-

peratura acima das condições de adaptação

e de conforto; variáveis relacionadas ao

reforçamento do comportamento sexual. Os

outros cinco tipos de operações estão relaci-

onados às operações de privação e de

saciação de água, de alimento, de oxigênio,

de atividade e de sono.

Operações estabelecedoras condicionadas

São de origem ontogenética e, portanto,

relacionadas à história de reforçamento de cada

organismo. A distinção entre as operações

estabelecedoras incondicionadas e as condi-

cionadas é feita com base no efeito estabe-

lecedor do reforço, pois o evento reforçador

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32 ABREU-RODRIGUES, RIBEIRO & COLS.

pode ser inato ou aprendido. No que concerne

às operações estabelecedoras condicionadas,

elas têm recebido maior atenção dos pesquisa-

dores na tarefa de demonstração empírica e

foram classificadas por Michael (1993) em três

tipos:

1. Operação estabelecedora condiciona-

da substituta. Esta operação refere-

se a uma relação simples, envolven-

do uma correlação temporal de um

evento, previamente neutro, que sis-

tematicamente antecede uma ope-

ração estabelecedora incondiciona-

da ou condicionada e, como resul-

tado desse emparelhamento, aque-

le evento neutro adquire a caracte-

rística motivacional da operação

estabelecedora com a qual fora em-

parelhado (adquire suas funções

evocativas e funções de estabeleci-

mento do valor do reforço). Por

exemplo, ao emparelhar uma luz

(estímulo neutro para a função moti-

vacional) com a redução de tempe-

ratura (operação estabelecedora

incondicionada), seria esperado que

a luz adquirisse não só as funções

respondentes (eliciadoras) ou refor-

çadoras/punitivas, como também as

funções motivacionais da redução

da temperatura. A presença dessa

luz deveria estabelecer o aumento

da temperatura como uma forma efi-

caz de reforçamento e evocar qual-

quer tipo de comportamento que

tenha sido reforçado pelo aumento

da temperatura.

2. Operação estabelecedora condiciona-

da reflexiva. Esta envolve uma rela-

ção mais complexa em que um even-

to ou estímulo sistematicamente

precede alguma forma de estimu-

lação aversiva e, se esse estímulo é

removido antes da ocorrência da

estimulação aversiva, a estimulação

aversiva deixa de ocorrer. Os proce-

dimentos de esquiva sinalizada são

exemplos desse tipo de operação

estabelecedora. De acordo com

Michael (1993), o evento ou estímu-

lo sinalizador da esquiva funciona

como uma variável motivacional do

tipo condicionada reflexiva, e não

como um estímulo discriminativo,

como enfatiza a literatura sobre es-

quiva sinalizada (ver o Capítulo 7

para uma discussão detalhada do

papel do estímulo sinal na esquiva).

A denominação condicionada refle-

xiva para esse tipo de operação deve-

se ao fato de que o próprio estímulo

antecedente motivacional adquire a

capacidade de estabelecer sua pró-

pria remoção como uma forma efe-

tiva de reforçador condicionado e

evoca qualquer tipo de comporta-

mento que tenha produzido a su-

pressão desse estímulo reforçador

condicionado. Por exemplo, a luz do

painel de um automóvel que indica

a quantidade de combustível dispo-

nível no tanque possui as proprie-

dades motivacionais de uma opera-

ção estabelecedora condicionada re-

flexiva. Essa luz acesa, aviso de que

o combustível está na reserva, esta-

belece a sua remoção como uma for-

ma de reforço efetivo, pois sua pre-

sença esteve pareada com a aversivi-

dade de ter o automóvel sem gaso-

lina. Além disso, evoca o comporta-

mento de abastecer o carro, o qual

tem sido reforçado pela remoção da

luz acesa.

3. Operação estabelecedora condiciona-

da transitiva. Esta operação é a rela-

ção mais complexa e foi relacionada

por Michael (1993) com o conceito

de reforçador condicionado condi-

cional. A efetividade de muitas

formas de reforçadores positivos

condicionados podem depender de

uma condição de estímulo antece-

dente (operação estabelecedora con-

dicionada transitiva), na qual esses

reforçadores positivos condiciona-

dos tiveram sua eficácia estabele-

cida. O estabelecimento da eficácia

desses reforçadores depende de uma

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ANÁLISE DO COMPORTAMENTO 33

história individual do organismo.

Por exemplo, um aparelho de tele-

fone público é ocasião para o com-

portamento de fazer uma ligação te-

lefônica. Porém, em relação ao car-

tão telefônico, o aparelho funciona

como uma operação estabelecedora

condicionada transitiva porque es-

tabelece o cartão como uma forma

efetiva de reforço e evoca o compor-

tamento de procurá-lo na carteira.

A demonstração empírica desse tipo

de operação estabelecedora tem re-

cebido atenção de alguns pesqui-

sadores com trabalhos publicados

(McPherson e Osborne, 1968; 1988)

e de outros pesquisadores com tra-

balhos não-publicados (McPherson,

Trapp e Osborne, 1984; Osborne e

Mcpherson, 1986; Alling, 1990; da

Cunha, 1993 – estes dois últimos

citados em da Cunha, 1995). Essas

demonstrações empíricas têm uti-

lizado pombos como sujeitos expe-

rimentais e têm, de certa forma, de-

monstrado, com algum sucesso, o

desenvolvimento de procedimentos

experimentais para investigar ope-

rações estabelecedoras condiciona-

das transitivas como uma variável

ambiental e uma variável motiva-

cional controladora do comporta-

mento. Nesses procedimentos têm

sido difícil distinguir a função moti-

vacional de um evento ambiental (a

suposta operação estabelecedora

condicionada transitiva) de sua

função discriminativa, caracterizan-

do assim, como aspecto fundamen-

tal dessa linha de pesquisa, o de-

senvolvimento de procedimentos

que nos permitam demostrar empi-

ricamente essa distinção. Surge, as-

sim, uma nova área de investiga-

ção na análise experimental do

comportamento que possibilita aos

analistas do comportamento estu-

dar a motivação como uma variá-

vel independente e não apenas

contextual (da Cunha, 1993; 1995;

2000; Iwata, Smith e Michael,

2000; Sundberg, 1993).

Relação entre os conceitos de operaçãoestabelecedora (OE) e de estímulodiscriminativo (SD)

Os conceitos de operação estabelecedora

e de estímulo discriminativo estão relaciona-

dos, pois ambos são eventos antecedentes ao

comportamento e têm, de forma diferenciada,

implicações com a conseqüência. A análise fun-

cional do comportamento tem sido, geralmen-

te, realizada com ênfase no SD e, conseqüente-

mente, a unidade de análise utilizada tem sido

a contingência de três termos. Para se fazer

uma análise funcional mais adequada do com-

portamento, considerando as funções motiva-

cionais e discriminativas dos estímulos ante-

cedentes, faz-se necessário incluir a OE como

um quarto elemento da contingência. A inclu-

são de mais um termo na relação de contin-

gência implica a necessidade de distinção das

funções discriminativa e motivacional do estí-

mulo antecedente. Nesse sentido, o conceito

de SD é fundamental para a compreensão e para

a demonstração empírica do conceito de OE.

Os estímulos discriminativos são, em ge-

ral, denominados como sinais ou pistas para

uma determinada ação, à medida que sinali-

zam as ocasiões em que as respostas terão cer-

tas conseqüências e, portanto, ocasionam com-

portamento. O conceito de SD tem sido cor-

relacionado às condições antecedentes que são

ocasião para a resposta levando-se em consi-

deração apenas a condição em que uma dada

resposta será reforçada. Michael (1982), en-

tretanto, retoma o conceito de SD enfatizando

as suas duas condições de estímulo: uma con-

dição de estímulo SD, em que, dada a efetivi-

dade de um evento como reforçador, a ocor-

rência de um determinado comportamento será

seguida pelo reforço; e uma condição de estí-

mulo SΔ, em que, dada a efetividade daquele

evento reforçador, a ocorrência desse mesmo

comportamento não será reforçada. Isto é, o

conceito de SD envolve uma história específica

de treino discriminativo com duas condições

de estímulos antecedentes relacionadas à dis-

Analise_do_Comportamento.p65 17/7/2007, 15:4433

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34 ABREU-RODRIGUES, RIBEIRO & COLS.

ponibilidade diferencial de reforçamento

(Michael, 1993). Como resultado do treino

discriminativo, o SD evoca um dado comporta-

mento com uma história de reforçamento dian-

te desse estímulo, enquanto o SΔ não evoca o

mesmo comportamento. Em resumo, o SD apre-

senta uma função evocativa sobre o comporta-

mento devido a uma história de correlação tem-

poral com o reforço.

Em uma dada situação experimental, por

exemplo, a função evocativa do SD pode ser cla-

ramente observada. Em uma caixa operante,

equipada com uma barra, um bebedouro e uma

lâmpada localizada acima da barra, um rato

privado de água é submetido ao treino discri-

minativo. Quando a lâmpada acima da barra

está acesa (presença de luz), as respostas de

pressão à barra são seguidas por água como

reforço. Por outro lado, quando a lâmpada está

apagada (ausência de luz), nenhuma conse-

qüência é dada ao mesmo comportamento do

animal. Após algumas exposições a essas con-

dições, o rato exibe o comportamento de pres-

são à barra apenas na presença da luz. Diante

da luz como condição de estímulo SD, o com-

portamento de pressão à barra é reforçado e,

portanto, quando a luz está presente o com-

portamento é evocado. Diante da ausência de

luz (condição de estímulo SΔ), o comportamen-

to de pressão à barra não é exibido, pois não

há uma história de reforçamento por água nes-

sa condição.

O conceito de OE, no entanto, está rela-

cionado à efetividade do evento reforçador.

Para Michael (1993), a OE como condição de

estímulo antecedente altera momentaneamen-

te a efetividade de um reforço e evoca com-

portamentos relacionados historicamente com

esse reforço. A privação de água, por exemplo,

altera a efetividade reforçadora da água, e qual-

quer comportamento que a produza é fortale-

cido. Na situação experimental anteriormente

citada, a privação alterou o valor da água como

reforço, que ao seguir o comportamento de

pressão à barra passou a selecioná-lo. Por ou-

tro lado, além de estabelecer o valor do refor-

ço, a OE evoca o comportamento de pressão à

barra, pois há uma relação histórica entre aque-

le comportamento e o reforço, cuja efetividade

é estabelecida pela privação.

Semelhantemente ao SD, a OE possui a

função evocativa do comportamento, que, por

vezes, é confundida com a função evocativa

do SD. O que diferencia as referidas condições

de estímulo antecedente é a função estabele-

cedora do reforço, a qual é apresentada so-

mente pela OE. Essa função é imprescindível

para que, em um treino discriminativo, o SD

adquira a função evocativa. No exemplo an-

terior, o controle discriminativo só foi possí-

vel porque havia um reforço efetivo – água –

e assim o comportamento de discriminar en-

tre a ausência e a presença de luz foi observa-

do. Nesse sentido, pode-se verificar que a OE

aumentou a efetividade evocativa do SD, o

que, para Michael (1993), seria um terceiro

efeito da OE.

A privação como OE tem uma função

motivacional, e a presença da luz (SD) tem uma

função discriminativa. Em situações labora-

toriais, a clareza na distinção da OE e do SD

requer mais estudos empíricos. Em situações

aplicadas, essa distinção é obscurecida, algu-

mas vezes, por variáveis como, por exemplo, a

história de vida particular do organismo. Con-

siderar a história do organismo é considerar

as relações das quais resultam as operações

estabelecedoras condicionadas (OEC). Diante

dessas condições, a distinção de uma OEC e

um SD pode tornar-se difícil.

No seguinte contexto aplicado, por exem-

plo, qual seria a função antecedente de um

pneu furado de um automóvel para o compor-

tamento de trocá-lo ou de procurar por uma

borracharia? Em um primeiro momento, pode-

se considerar essa condição de estímulo como

sendo SD, pois é a ocasião para trocar o pneu

pelo estepe. Entretanto o pneu furado altera a

efetividade reforçadora do estepe e de todos

os objetos (ferramentas) relacionados com a

ação de trocar o pneu, bem como de qualquer

placa de sinalização que indique a presença de

borracharia – função motivacional. Nesse caso,

o pneu furado funciona como uma operação

estabelecedora condicionada transitiva que es-

tabelece o valor reforçador condicionado de

alguns estímulos. A consideração precipitada

apenas da função evocativa do pneu furado

implicaria o equívoco de deixar de lado a fun-

ção motivacional que essa condição de estímulo

Analise_do_Comportamento.p65 17/7/2007, 15:4434

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ANÁLISE DO COMPORTAMENTO 35

tem sobre a definição de certos objetos como

reforçadores.

Outro exemplo a ser considerado na dis-

tinção da OE e do SD consiste nos procedimen-

tos de esquiva sinalizada. Um rato na caixa

experimental recebe choques (Ss aversivos) em

um intervalo de tempo variável de um minuto

(VT 1 min). Antes da apresentação de cada cho-

que, um som é apresentado. Ao pressionar a

barra, o animal interrompe a apresentação do

som e do choque. No entanto, se a pressão à

barra ocorrer na presença do som apenas, essa

resposta pode prevenir a apresentação do estí-

mulo aversivo (choque). Nesse procedimento,

o som e o choque são considerados operações

estabelecedoras reflexivas condicionada e

incondicionada, respectivamente, e não estí-

mulos discriminativos (Michael, 1993).

O som, ao ser apresentado junto com o

choque, adquire as funções necessárias para

que sua presença evoque respostas de evi-

tação. Para ser considerado um SD, a situação

experimental deveria possuir uma condição

de estímulo análoga à condição SΔ. Na pre-

sença do som, a resposta de esquiva é evocada,

pois há uma conseqüência reforçadora ime-

diata – a eliminação do som. Supondo um

paralelo com a situação de SΔ, a ausência do

som impossibilita o reforçamento negativo por

sua própria remoção – “a efetividade do re-

forçador negativo depende diretamente da

presença do estímulo aversivo condicionado”

(Miguel, 2000, p. 262), ou seja, depende da

presença do som. O mesmo ocorre na situa-

ção de fuga do choque em que o reforçador

negativo só se torna efetivo quando o choque

está presente. Na ausência do estímulo aver-

sivo (suposto SΔ), não há reforço negativo,

portanto não há reforço efetivo. Nesse senti-

do, o choque não é um SD. Tanto o som quan-

to o choque estabelecem sua própria remo-

ção como formas de reforço efetivo e evocam

comportamentos que tenham uma relação

histórica com esses reforços e, assim sendo,

devem ser identificados como OEs.

Paralelamente à situação experimental,

no contexto aplicado, a distinção entre SD e

OE em situações de esquiva também é possí-

vel. Nos Transtornos de Ansiedade, como o

Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC), por

exemplo, observa-se uma pessoa emitir inúme-

ras vezes uma série de comportamentos com

função de esquiva, como lavar as mãos, o veri-

ficar o fechamento do registro do botijão de

gás e conferir o fechamento de portas e de ja-

nelas. As condições dos estímulos anteceden-

tes a esses comportamentos (p. ex.: mãos su-

jas ou algum tempo sem contato com água e

sabão, registro de gás aberto, portas e janelas

abertas ou destrancadas ou qualquer outra

condição relacionada ao comportamento ob-

sessivo) não são SD para as respostas ditas com-

pulsivas. Essas condições de estímulo são ope-

rações estabelecedoras condicionadas reflexi-

vas que estabelecem a efetividade reforçadora

das conseqüências do comportamento compul-

sivo, semelhantemente à presença do som ou

do choque, nas condições laboratoriais. Nesse

caso, supor uma situação análoga à condição

de SΔ é tão inviável quanto na situação experi-

mental anteriormente descrita.

Em resumo, o SD apresenta uma função,

a função evocativa do comportamento ou

discriminativa – na presença do estímulo

discriminativo há o aumento na probabilida-

de de ocorrência do comportamento por cau-

sa de uma história de correlação entre a con-

dição de SD e o reforçamento, e entre a con-

dição de SΔ e o não-reforçamento. Por outro

lado, conforme indicado por Michael (1993),

a OE apresenta quatro diferentes efeitos co-

muns relacionados à função motivacional.

São eles:

1. Efeito estabelecedor do reforço: uma

OE aumenta momentaneamente a

efetividade reforçadora/punidora

de um estímulo. A privação de água

torna a água um evento reforçador

eficaz.

2. Efeito evocativo/supressivo direto

da OE sobre o comportamento: evo-

cação/supressão imediata da OE

sobre os comportamentos que te-

nham uma relação histórica com o

reforçador/punidor cuja efetividade

fora alterada em (1). A privação de

água evoca o comportamento de

pressão à barra que tem sido histo-

ricamente reforçado por água.

Analise_do_Comportamento.p65 17/7/2007, 15:4435

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36 ABREU-RODRIGUES, RIBEIRO & COLS.

3. Efeito da OE sobre a efetividade

evocativa/supressiva do SD: aumen-

to na efetividade evocativa/supres-

siva dos estímulos discriminativos

correlacionados com o reforçador/

punidor em (1). No treino discri-

minativo, a privação de água au-

menta a efetividade evocativa da luz

como SD, pois a luz tem uma corre-

lação com a água.

4. Efeito da OE sobre o reforçamento/

punição condicionado: aumento da

efetividade reforçadora/punidora

de reforçadores/punidores condi-

cionados cuja efetividade depende

de (1). Na seguinte cadeia compor-

tamental – um som – puxar a cor-

rente → luz → pressionar a barra →

água–, o som aumenta a efetivida-

de da luz como reforço condicio-

nado, que tem uma relação históri-

ca com água (reforçador incondicio-

nado) e o som também evoca o com-

portamento de puxar a corrente, de-

vido a relação dessa resposta com

um reforço efetivo (luz).

Contribuições da pesquisa básica

Da Cunha (1993) identificou e classifi-

cou os primeiros procedimentos experimentais

para investigar os efeitos de operações estabe-

lecedoras, realizados no laboratório animal,

enfatizando as operações estabelecedoras con-

dicionadas transitivas. Entre eles temos os apre-

sentados a seguir.

Procedimento de três discos

McPherson e Osborne (1986, 1988) uti-

lizaram um procedimento de tentativa discre-

ta com três discos de respostas para pombos.

Ao início de cada tentativa, o disco da direita

era iluminado. A primeira resposta nesse dis-

co tinha como conseqüência a iluminação do

disco central. Uma vez iluminado o disco cen-

tral, bicadas no disco da direita não tinham

conseqüências. O disco da esquerda era ilumi-

nado em função de um esquema VT. Quando o

disco da esquerda estava iluminado, uma res-

posta no disco central era reforçada por ali-

mento. Respostas adicionais de bicar o disco

central não tinham conseqüências programa-

das. O término de cada tentativa ocorria com

o acesso ao alimento, que era seguido por um

intervalo entre tentativas (ITI). Durante o ITI,

todos os discos permaneciam escuros.

O reforço para a resposta de bicar o disco

da direita foi a iluminação do disco central (um

reforço condicionado, estabelecido por sua re-

lação com o alimento). O estímulo anteceden-

te à resposta de bicar o disco da direita foi a

iluminação do disco da esquerda (suposta OEC

transitiva). Quando o disco da esquerda não

estava iluminado, bicar o disco da direita não

estabelecia o valor da iluminação do disco cen-

tral como reforçador. De acordo com a con-

cepção teórica de Michael (1982, 1993), a ilu-

minação do disco da esquerda deveria funcio-

nar como uma OEC transitiva, por estabelecer

a iluminação do disco central com uma forma

efetiva de reforçador condicionado (efeito

estabelecedor do reforço) e evocar a resposta

de bicar o disco da direita (efeito evocativo).

A efetividade reforçadora do disco central es-

tava condicionada à iluminação do disco da

esquerda. Um efeito eficaz da operação estabe-

lecedora deveria produzir um desempenho que

consistia em esperar a iluminação do disco da

esquerda, então, bicar o disco da direita, cuja

conseqüência imediata era a iluminação do

disco central e, finalmente, bicar o disco cen-

tral, que resultava em alimento.

McPherson e Osborne (1986) verificaram

que o controle não foi evidente depois de 60

ou mais sessões. Apenas um entre quatro pom-

bos demonstrou o desempenho previsto. No se-

gundo estudo (McPherson e Osborne, 1988)

alterou-se o tempo de iluminação dos discos

do centro e da esquerda, visando a um maior

controle dos estímulos antecedentes. Quando

o disco da esquerda era iluminado, em média

12 s depois da iluminação do disco central, o

controle pela OEC (iluminação do disco da es-

querda) sobre a resposta no disco da direita

foi, em geral, muito fraco.

Os experimentos de McPherson e Osborne

(1986, 1988) trouxeram contribuições para o

início das pesquisas experimentais sobre o con-

Analise_do_Comportamento.p65 17/7/2007, 15:4436

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ANÁLISE DO COMPORTAMENTO 37

ceito de operações estabelecedoras, pois foram

analisadas as dificuldades que o procedimen-

to de três chaves apresentava. Entre essas difi-

culdades, há a possibilidade de que as contin-

gências nos três discos permitam uma inter-

pretação de automodelagem de alguns aspec-

tos do desempenho, porque as respostas de

bicar os discos da direita e do centro foram

automodeladas e, uma vez que esses discos fo-

ram iluminados, assim permaneciam até o tér-

mino da tentativa. Outro fator que talvez te-

nha dificultado a demonstração empírica dos

efeitos da OE foi o fato de a iluminação do dis-

co central (reforço condicionado para a res-

posta do disco da direita) permanecer até a

obtenção do alimento. Essa situação poderia

reduzir o contato com tentativas sem uso do

disco central quando o disco da esquerda esta-

va escuro. Se a iluminação do disco central fos-

se estabelecida em alguns segundos, seria pos-

sível um maior controle da função motivacional

do disco da esquerda. Essa característica do pro-

cedimento também fez com que a suposta OEC

funcionasse como um estímulo discriminativo

para bicar o disco central quando o mesmo es-

tava iluminado antes da condição de OEC.

Procedimento de pedal-e-disco

Alling (1990) utilizou um procedimento

com topografias de respostas diferentes. A res-

posta de pressionar um pedal produzia um re-

forço condicionado, e a resposta de bicar um

disco produzia um reforço incondicionado. Esse

procedimento consistia em uma cadeia de duas

respostas: a resposta de pressionar o pedal

produzia a mudança da cor da luz acima do

pedal – de branca para vermelha – (reforço

condicionado), e a resposta de bicar o disco

produzia 3 s de ração para pombos (reforço

incondicionado). Uma única resposta no pe-

dal tinha como conseqüência a apresentação

do reforço condicionado por 5 s (luz do pe-

dal). Uma única resposta no disco da esquer-

da, na presença da luz vermelha (luz do pe-

dal), produzia alimento por 5 s, dependendo

da condição da iluminação da câmara experi-

mental que deveria funcionar como a suposta

OEC transitiva para a resposta de pressionar o

pedal. A luz da câmara apagada foi definida

como ausência da OE. Quatro pombos foram

distribuídos em dois grupos a fim de balance-

ar as condições experimentais: para o Grupo

1, a presença de luz ambiente funcionava como

presença da OEC, e sua ausência funcionava

como ausência da OEC; para o Grupo 2, as

condições experimentais foram invertidas.

Cada tentativa experimental começava com a

condição de não-OEC, sendo a condição de

OEC gerada com base em um esquema de VT

60 s. Quando a condição de OEC começava,

ela permanecia em efeito até a obtenção de

alimento.

O desempenho esperado era não pressio-

nar o pedal até que a condição de OEC (luz

ambiente acesa ou apagada, dependendo do

grupo) estivesse presente, então, a resposta no

pedal produziria a mudança de cor da luz do

pedal de branca para vermelha e, se em 5 s o

pombo bicasse o disco da esquerda, essa res-

posta seria seguida por 3 s de acesso ao ali-

mento. Todos os quatro pombos desenvolve-

ram o desempenho previsto (em 90% ou mais

das tentativas verificou-se que a resposta no

pedal ocorria na presença da suposta condi-

ção de OEC). Na segunda fase – o teste – re-

moveu-se a conseqüência para a resposta no

pedal, de modo que a luz branca estava sem-

pre presente (luz do pedal). Como resultado

dessa mudança, esperava-se que ocorresse a

quebra na cadeia comportamental, o que não

foi observado. A luz da câmara experimental

pode ter funcionado como um estímulo

discriminativo e não como uma OEC para a

resposta no pedal. Supõe-se que a cadeia de

duas respostas tenha funcionado como um

único bloco de resposta, pois um esquema de

razão fixa (FR 1) controlava a resposta de pres-

sionar o pedal e, provavelmente, a resposta no

disco estivesse mais sob o controle da luz da

câmara experimental do que da luz produzida

pela resposta no pedal. Outro aspecto que pode

ter contribuído para esse resultado foi o uso

de dois estímulos visuais, pois a condição de

iluminação (luz/escuro) poderia criar condi-

ções de estímulos diferentes quando a luz do

pedal estivesse branca ou vermelha. Por exem-

plo, a luz vermelha acima do pedal poderia ser

caracterizada como uma condição de estímulo

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38 ABREU-RODRIGUES, RIBEIRO & COLS.

diferente se a câmara operante estivesse ilu-

minada ou escura. A terceira fase consistiu em

retomar as condições experimentais da primei-

ra fase para se verificar a recuperação da res-

posta sob as duas condições experimentais.

Como resultados dessa fase, os quatro pombos

retomaram a resposta no pedal na presença da

OEC em 90% ou mais das tentativas.

Para dar continuidade aos estudos expe-

rimentais de OECs transitivas, da Cunha (1993)

utilizou um esquema de razão variável (VR 6)

para controlar a resposta de pressionar o pe-

dal que produzia a mudança da luz do pedal

(de branca para vermelha) por 5 s. Um estí-

mulo auditivo funcionava como a suposta OEC

(um som tipo bip), cuja apresentação foi con-

trolada por um esquema de tempo randômico

(RT 1 min). Quatro pombos foram distribuí-

dos em dois grupos: para um grupo, a presen-

ça do som era a suposta OEC e, para o outro,

sua ausência era a suposta OEC; seus opostos

estabeleciam a condição de não-OEC.

A medida comportamental dos estudos

anteriores foi o percentual de tentativas sem

erro (McPherson e Osborne, 1986, 1988;

Alling, 1990). Da Cunha (1993) verificou que

a taxa de respostas era uma medida mais sen-

sível do que a percentagem de tentativas sem

erro ao introduzir um esquema de reforçamen-

to intermitente para a resposta de pressionar

o pedal. Para todos os sujeitos, verificou-se ni-

tidamente que a taxa de respostas de pressão

ao pedal na condição de OEC foi maior do que

na condição de não-OEC. A taxa de respostas

de pressão ao pedal na presença da suposta

OEC variou de 24 a 27 resp/min, enquanto a

taxa de respostas de pressão ao pedal na au-

sência da suposta OEC variou de 2 a 8 resp/

min, considerando os dados dos quatro sujei-

tos. A segunda fase teve como objetivo testar o

controle da suposta variável motivacional, re-

movendo o evento reforçador condicionado da

resposta de pressão ao pedal (luz vermelha do

pedal). Esperava-se uma deterioração da ca-

deia comportamental durante a fase de teste,

sendo esse resultado observado apenas para

dois dos quatro pombos. Os demais sujeitos

desenvolveram um padrão de pressionar o pe-

dal várias vezes e, então, bicar o disco. A ter-

ceira fase do procedimento consistia na reto-

mada da Fase 1. Algumas falhas nesse proce-

dimento também foram observadas; por exem-

plo, não havia uma contingência punitiva para

as respostas de mudança do pedal para o dis-

co. Verificou-se que os dois sujeitos que manti-

veram a resposta no pedal depois da remoção

do reforçador condicionado tiveram, aciden-

talmente, as respostas de mudança reforçadas.

Observou-se, também, que o decréscimo da

taxa de respostas na condição de não-OEC po-

deria ter sido mascarado pelo efeito da extinção

presente nessa mesma condição.

Esses estudos contribuíram com sugestões

para refinamentos de delineamentos experi-

mentais e têm reafirmado a importância da dis-

tinção dos controles discriminativo e motiva-

cional dos estímulos antecedentes para se de-

monstrar com clareza os efeitos de uma ope-

ração estabelecedora.

Contribuições da pesquisa aplicada

Segundo Sundberg (1993), o conceito de

OE é útil e relevante para a análise funcional

do comportamento, permitindo que a interven-

ção dos analistas do comportamento seja mais

efetiva. A OE exerce um importante papel na

relação de contingência, uma vez que estabe-

lece a efetividade da conseqüência. É sabido

dos analistas do comportamento que a relação

de contingência (antecedente – comportamen-

to – conseqüência) é fortalecida quando uma

conseqüência reforçadora efetiva é apresenta-

da ao comportamento. A efetividade dessa con-

seqüência é alterada pela OE que estabelece o

valor do reforço e evoca comportamentos re-

lacionados historicamente com esse reforço. As

conseqüências terão efeitos sobre o comporta-

mento somente se forem efetivas como reforça-

dores ou punidores, cabendo à OE estabelecer

essa efetividade; portanto, é de fundamental

importância considerar a inclusão da OE como

mais um elemento da relação de contingência.

Como veremos, a pesquisa aplicada tem muito

a dizer sobre a relevância do conceito.

Na tentativa de explicar tanto a ocorrên-

cia de comportamentos quanto a efetividade

das conseqüências que os mantém, analistas

do comportamento vêm, cada vez mais, incluin-

Analise_do_Comportamento.p65 17/7/2007, 15:4438

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ANÁLISE DO COMPORTAMENTO 39

do o conceito de OE na unidade de análise fun-

cional. Um exemplo disso é a publicação de

um volume do Journal of Applied Behavior

Analysis (JABA) inteiramente dedicado a dis-

cussões sobre operações estabelecedoras na

análise aplicada do comportamento (JABA,

2000, 33 [4]).

Para estimular pesquisas sobre o tema,

Iwata e colaboradores (2000) sugerem três

grandes temas de pesquisa para a avaliação das

influências da OE sobre o comportamento em

contextos aplicados:

a) demonstrações gerais das influências

da OE sobre o comportamento;

b) uso da manipulação da OE para clari-

ficar os resultados de avaliações

comportamentais;

c) tentativa de melhorar o repertório

comportamental do sujeito pela incor-

poração de manipulações da OE como

componente do tratamento.

Friman (2000) apresenta uma demons-

tração de que objetos chamados de transacio-

nais – objetos que facilitam a transição de crian-

ças jovens de uma fase de dependência para

autonomia – podem ocasionar comportamen-

tos que sugerem a participação de uma OE. O

autor observou uma criança com o comporta-

mento de chupar o dedo, sob duas condições:

em uma condição, a criança estava no berço

sozinha (ausência de estimulação social) e, na

outra, ela estava no colo de um adulto (pre-

sença de estimulação social). Nessas condições,

o comportamento de chupar o dedo foi obser-

vado em sessões de linha de base (ausência de

um pedaço de pano) e sessões de teste (pre-

sença de um pedaço de pano). Os resultados

mostraram que o comportamento de chupar o

dedo na presença do pedaço de pano ocorria

mais freqüentemente quando a criança estava

no berço do que quando estava no colo. Du-

rante a linha de base, nas duas condições de

estimulação a percentagem de intervalos de

chupar o dedo foi zero. A presença do pedaço

de pano pode ter funcionado como uma OE

para o comportamento de chupar o dedo, uma

vez que esse objeto poderia ter alterado a

efetividade reforçadora da conseqüência des-

se comportamento. Friman discute que a efeti-

vidade reforçadora dessa conseqüência possa

ter ocorrido em função de uma OEC (pedaço

pano), pois o processo pelo qual o objeto al-

tera a efetividade reforçadora de chupar o

dedo, mesmo sendo desconhecido, parece ser

aprendido.

McCommas, Hoch, Paone e El-Roy (2000)

indicaram que exigências ambientais poderi-

am funcionar como operações estabelecedoras

que evocavam comportamentos agressivos,

autolesivos e perturbadores, reforçados nega-

tivamente, em crianças com diagnóstico de

deficiências intelectuais. Essas exigências

envolviam a realização de tarefas acadêmicas

difíceis, repetitivas ou em uma seqüência de-

terminada por um adulto. A manipulação expe-

rimental consistiu na presença e na ausência

da suposta OE com três crianças. A primeira

criança, que apresentava dificuldade em ope-

rações matemáticas, foi exposta às seguintes

condições:

a) disponibilidade de uma folha de pa-

pel com as contas a serem realizadas;

b) disponibilidade de uma folha de pa-

pel com as contas, incluindo um ábaco

e uma calculadora.

A segunda criança foi exposta a estas con-

dições:

a) realização de tarefas repetitivas;

b) realização de tarefas não-repetitivas.

A terceira criança foi exposta às seguin-

tes condições:

a) escolha por um adulto da seqüência

de tarefas acadêmicas;

b) escolha pela criança da seqüência de

tarefas.

Os resultados mostraram que a maneira

como as tarefas acadêmicas foram exigidas fun-

cionou como operação estabelecedora. Diante

da segunda condição, os comportamentos-pro-

blema não foram observados, sendo essa con-

dição favorável à emissão de comportamentos

acadêmicos mais adequados.

Analise_do_Comportamento.p65 17/7/2007, 15:4439

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40 ABREU-RODRIGUES, RIBEIRO & COLS.

A intervenção do analista do comporta-

mento com o objetivo de reduzir a ocorrência

de comportamentos inadequados mantidos

por reforçamento negativo torna-se efetiva

quando o conceito de operação estabelecedora

é utilizado. Smith e Iwata (1997) discutiriam

que comportamentos estereotipados e auto-

lesivos são padrões comportamentais que po-

dem ser controlados pela remoção de exigên-

cias sociais. A exigência social funciona como

uma operação estabelecedora que determina

sua própria remoção como uma forma efetiva

de reforço (OEC reflexiva). A dificuldade de

uma tarefa, a complexidade do comportamen-

to exigido para essa tarefa e a imprevi-

sibilidade de eventos ambientais são exem-

plos de exigências sociais. Uma primeira es-

tratégia para a redução de comportamentos

estereotipados e autolesivos evocados nessas

situações seria a mudança das exigências

ambientais para condições de menor aversi-

vidade (apresentação de tarefas mais simples,

por exemplo). Uma segunda estratégia seria

o uso do esquema de reforço diferencial de

outros comportamentos (DRO). O terapeuta

pode reforçar os comportamentos mais ade-

quados e submeter os comportamentos este-

reotipados e autolesivos à extinção. Por exem-

plo, permitir a fuga de uma exigência social

diante de uma solicitação verbal e não diante

de um comportamento autolesivo. Uma ter-

ceira estratégia seria utilizar esquemas de

reforçamento independente da resposta (p.

ex.: os estudos de Durand e Crimmins, 1988;

McGill, 1999).

Durand e Crimmins (1988) e McGill

(1999) sugerem que comportamentos-proble-

ma mantidos por atenção, em geral são apre-

sentados em ambientes caracterizados pela

escassez de contato social. A carência produzi-

da por um ambiente com essa natureza pode

ser considerada uma operação estabelecedora

que torna a atenção um reforço efetivo. Se, no

passado, a autolesão e a agressão foram refor-

çadas pela atenção social, obviamente a priva-

ção de atenção evocará o comportamento tido

como problema. Entretanto, se a carência de

contato social (operação estabelecedora) for

substituída por uma condição de maior acesso

ao reforçamento social, pela liberação de aten-

ção em esquemas de tempo fixo (FT), os com-

portamentos autolesivos e agressivos podem

diminuir de freqüência. Essa diminuição na fre-

qüência comportamental ocorre devido à di-

minuição da efetividade da atenção como re-

forço, o que corresponde a uma operação

abolidora.

Em um estudo envolvendo a manipula-

ção da operação estabelecedora como estraté-

gia de tratamento de comportamentos-pro-

blema, Kahng, Iwata, Thompson e Hanley

(2000) forneceram evidências de que a apre-

sentação de reforçamento social em esquema

de reforçamento de tempo fixo (FT) promove

a redução desses comportamentos. Duas con-

dições experimentais foram apresentadas a três

indivíduos com diagnóstico de Retardo Men-

tal. Na condição FT-EXT houve a liberação de

reforços sociais de acordo com um esquema

FT e extinção para a ocorrência de comporta-

mentos-problema, durante 10 min. Na condi-

ção EXT subseqüente não houve liberação de

reforços sociais durante 20 min. As condições

experimentais foram manipuladas dentro de

uma mesma sessão. Os resultados da condição

FT-EXT revelaram que a apresentação do re-

forço sob o esquema FT contribuiu para a re-

dução dos comportamentos-problema, em fun-

ção de dois possíveis efeitos: primeiro, o

reforçamento sob esquema FT pode ter gera-

do um efeito semelhante à saciação, devido ao

acesso freqüente ao reforço; segundo, a

extinção que ocorria simultaneamente pode ter

sido a responsável pela diminuição na freqüên-

cia do comportamento. A condição EXT visou

a testar se esses resultados ocorreram em fun-

ção da saciação ou da extinção. Se ocorresse

um aumento inicial na freqüência dos compor-

tamentos-problema, poderia ser dito que a

saciação foi a responsável pela redução desses

comportamentos durante o reforçamento sob

o esquema FT. Caso contrário, os resultados

obtidos pela extinção poderiam ser explicados.

Os resultados indicaram que diante da condi-

ção EXT, o comportamento-problema perma-

neceu com baixa freqüência. Esse dado sugere

que os efeitos da extinção durante a apresen-

tação do esquema FT podem ter permanecido

durante a condição EXT. Assim, a transição

entre as condições FT-EXT (reforço presente)

Analise_do_Comportamento.p65 17/7/2007, 15:4440

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ANÁLISE DO COMPORTAMENTO 41

e EXT (reforço ausente) pode não ter sido re-

levante para evocar o comportamento-proble-

ma. Os autores discutem ainda que a dificul-

dade de utilização de esquemas FT deve-se ao

fato de que nesses esquemas há um compo-

nente de extinção presente, o qual obscurece

os efeitos diferenciados da saciação e da

extinção, embora ambos os efeitos possam ser

responsáveis pela redução da freqüência do

comportamento (ver também Hagopian,

Crockett, van Stone, DeLeon e Bowman, 2000).

Implicações do conceito de operaçõesestabelecedoras para a clínica

A clínica analítico-comportamental é ca-

racterizada por uma proposta de intervenção

que visa não só à mudança de comportamen-

tos, mas à identificação das variáveis que os

mantém. Skinner (1953/2000) afirmou que

não se pode esperar uma explicação adequada

do comportamento sem que suas relações com

essas variáveis sejam analisadas. O clínico ana-

lítico-comportamental que está interessado em

fazer uma intervenção adequada no contexto

terapêutico deve ter clareza dos diferentes pa-

péis das variáveis das quais o comportamento

é função. Os problemas comportamentais têm

sido explicados com base na contingência

tríplice (antecedente – comportamento – con-

seqüência), em que os eventos antecedentes

históricos e atuais são identificados sem, às

vezes, serem distinguidos como eventos com

funções comportamentais particulares.

Skinner (1953/2000, p. 34) chamou a

atenção para certos eventos ambientais que

têm funções específicas sobre o comportamen-

to. Esses eventos podem atuar no sentido de,

certamente, produzir comportamento:

É decididamente falsa a afirmação de que sepode levar um cavalo até a água, mas que nãose pode fazê-lo beber. Privando-o de água poralgum tempo, poderemos estar “absolutamen-te certos” de que o cavalo irá bebê-la assimque chegar até ela.

Essa afirmação revela a presença da pri-

vação (OE) como variável determinante do

comportamento. É claro que outras variáveis

(história de condicionamento, potencial bio-

lógico) também participam do processo de pro-

dução de comportamento, mas é notório o pa-

pel da OE. Desse modo, a clareza do papel dessa

variável permitirá uma intervenção mais efeti-

va do terapeuta analítico-comportamental.

Sundberg (1993) sugere que o analista do com-

portamento, ao incluir a análise da OE no con-

texto clínico, como um termo a mais na rela-

ção de contingência, poderá:

a) tatear as operações estabelecedoras no

ambiente natural de vida do cliente;

b) manipular as operações estabelecedo-

ras no momento em que podem estar

atuando com maior força;

c) distinguir seus efeitos motivacionais

dos efeitos discriminativos sobre o

comportamento.

No contexto de vida humana, são obser-

vadas algumas operações estabelecedoras co-

muns. Carências afetivas (atenção, sexo, reco-

nhecimento social, prestígio, popularidade, en-

tre outras), carência de bens de consumo (rou-

pas, automóveis, imóveis entre outras), carên-

cia de lazer e diversão são situações que exer-

cem papel de operações estabelecedoras, as

quais estabelecem a efetividade reforçadora de

certos estímulos, objetos ou eventos. Ao reali-

zar a coleta de dados, o terapeuta deve identi-

ficar e tatear as possíveis operações estabelece-

doras em atuação, bem como verificar seus efei-

tos sobre os padrões de comportamento apre-

sentados por seu cliente.

Em alguns casos de escassez de contatos

sociais (carência de atenção e de reconheci-

mento), por exemplo, o indivíduo pode apre-

sentar padrões de comportamento de insistên-

cia e cobrança queixosa em relação ao outro.

Esses comportamentos podem, inclusive, ocor-

rer na relação terapêutica (p. ex.: um cliente

que descreve que ninguém se interessa ou se

preocupa com ele e, fitando os olhos do

terapeuta, diz enfaticamente: “Ninguém me

ama!”). Esse comportamento pode consistir em

um mando disfarçado de tato. O terapeuta pode

apresentar estímulos discriminativos, na pre-

sença dos quais a disponibilidade diferencial

de reforço social é maior do que na sua ausên-

Analise_do_Comportamento.p65 17/7/2007, 15:4441

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42 ABREU-RODRIGUES, RIBEIRO & COLS.

cia e, portanto, o comportamento verbal é evo-

cado. No entanto a privação de afeto (OE) pa-

rece ser a variável controladora da queixa em

relação aos outros, que, na verdade, está sen-

do dirigida ao terapeuta. Uma estratégia a ser

utilizada pelo clínico analítico-comportamen-

tal, em casos desse tipo, poderá ser o reforço

diferencial de outras iniciativas comporta-

mentais do cliente (DRO) e a liberação de re-

forço social em esquemas de tempo fixo (FT),

o que pode minimizar os efeitos da carência

afetiva por meio de um efeito contrário à ope-

ração de privação (saciação). Minimizados os

efeitos da carência afetiva, o terapeuta poderá

modelar comportamentos mais adequados no

repertório comportamental do cliente, come-

çando, por exemplo, pela clareza na comuni-

cação do que se quer: “Valorize-me! Dê-me

amor!”.

Michael (1993) define uma OE com base

em seus efeitos momentâneos (efeito evocativo

e efeito estabelecedor do reforço), consideran-

do apenas eventos temporalmente próximos.

Daugher e Hackbert (2000), entretanto, dis-

cutem a possibilidade de que eventos tempo-

ralmente distantes funcionam como operações

estabelecedoras, as quais apresentam um efei-

to mais duradouro. Esse efeito poderia ser con-

siderado em termos de cognição e de emoção.

Eventos como a perda de um grande amor, abu-

so sexual, trauma, seqüestro, entre outros, são

eventos que geram fortes emoções e que alte-

ram a efetividade reforçadora/punidora de ou-

tros eventos ambientais, inclusive a longo pra-

zo. Instruções verbais como “mantenha-se lon-

ge do casamento, você pode sofrer” ou “você

tem de ser o melhor” estabelecem o valor de

certos objetos, eventos ou condições de estí-

mulo como reforçadores, valor esse que tam-

bém pode perpetuar-se na vida de uma pes-

soa. Essas condições, em geral, quando obser-

vadas no contexto clínico, caracterizam os efei-

tos de uma OE a longo prazo. Skinner (1953/

2000) afirma que as relações entre as variá-

veis ambientais e o comportamento, que delas

é função, são quase sempre complexas e sutis,

adquiridas a partir de uma história de interação

do organismo com o ambiente. Diante dessa

ótica, Daugher e Hackbert sugerem uma aná-

lise de relações possivelmente sutis que preci-

sam de esclarecimentos resultantes de muita

reflexão.

As relações entre operações estabelece-

doras e estados emocionais podem ser com-

plexas e intrincadas. Contextos históricos de

grave privação de alimento podem manter

comportamentos de estocagem de alimento,

sem que haja necessidade. O mesmo pode acon-

tecer com indivíduos submetidos a privações

de afeto por períodos prolongados. Esses indi-

víduos podem apresentar alta freqüência de

comportamentos reforçados por afeto, mesmo

em situações em que não haja carência, e sen-

timentos de menos valia e rejeição, os quais se

perpetuam por longos períodos na vida. Clien-

tes que apresentam histórias prolongadas de

carência afetiva, rejeições, ridicularizações e

críticas têm, em certos eventos ambientais,

reforçadores/punidores efetivos. A história de

interação prolongada efetivamente determina

as funções comportamentais de relações sociais

e interpessoais afetivas como reforçadores e do

isolamento ou solidão como punidores.

Por exemplo, um dos autores atendeu um

cliente que apresentava um quadro de pânico

e observou a presença de respostas emocionais

típicas e de padrões de esquiva das situações

que provocam essas respostas emocionais. O

cliente queixava-se de medo de morte iminen-

te quando se deparava com situações de via-

gens de avião do casal ou do cônjuge, de ne-

cessidade de andar de elevador ou de ter de

sair da sua cidade por mais de dois dias. Os

dados a respeito de sua história de vida in-

dicaram a presença prolongada de críticas e

de ridicularizações dos familiares, desqualifi-

cação de qualquer iniciativa comportamental

do cliente e carência afetiva em relação aos

pais e irmãos. Esse contexto de desproteção

afetiva (operação estabelecedora) alterou tan-

to a efetividade reforçadora de qualquer

interação social e interpessoal afetiva de cui-

dado e proteção quanto a efetividade punidora

de situações de isolamento, de avaliação, de

críticas e de rejeições. Essas situações, no con-

texto do referido cliente, provocavam respos-

tas emocionais de pânico e evocavam compor-

tamentos de esquiva.

Em casos de depressão, a persistência de

níveis insuficientes de reforçamento, a perda

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ANÁLISE DO COMPORTAMENTO 43

de grandes fontes de reforço e o excesso de

punições e de estimulações aversivas produ-

zem efeitos comportamentais, como, por exem-

plo, diminuir a freqüência de comportamen-

tos adequados, eliciar reações emocionais ne-

gativas e alterar a efetividade de conseqüên-

cias de certos comportamentos. Essas condi-

ções de estímulos, como operações estabele-

cedoras, podem estabelecer a efetividade re-

forçadora da atenção, da valorização, da assis-

tência e de cuidados especiais, além de po-

tencializar o valor reforçador do alimento, do

isolamento, do sono, de drogas ou álcool. E,

ainda, as contingências geradoras da depres-

são podem abolir a efetividade reforçadora da

interação social, do trabalho e de atividades

de lazer (Daugher e Hackbert, 2000). Em ge-

ral, os comportamentos depressivos são refor-

çados negativamente. Por exemplo, a esquiva

pode ser reforçada pela prevenção de inte-

rações sociais, uma vez que esses tipos de

interações, no passado, estiveram relacionadas

a algum tipo de crítica negativa. Por outro lado,

os comportamentos depressivos podem ser re-

forçados positivamente pela atenção, pelos cui-

dados e pela assistência de parentes mais pró-

ximos. Uma estratégia de atuação terapêutica,

em casos de depressão, seria apresentar o re-

forço social contingente aos comportamentos

mais adequados e não aos comportamentos

depressivos. Dessa forma, o aumento na den-

sidade de reforçamento de outros comporta-

mentos pode produzir o aumento na freqüên-

cia de comportamentos mais funcionais e a di-

minuição na freqüência dos comportamentos

depressivos. A partir dessa intervenção, pode-

se modelar comportamentos mais funcionais

no repertório comportamental do cliente, de

modo que as contingências de reforço natu-

rais mantenham esses comportamentos em alta

freqüência.

Na terapia, os comportamentos verbais do

cliente e do terapeuta são de fundamental im-

portância. A audiência não-punitiva estabe-

lecida no contexto terapêutico permite ao clien-

te falar a respeito de sua vida e de suas ex-

periências sem o risco do julgamento. A ver-

balização de certos eventos traumáticos per-

mite a diminuição de seu impacto negativo

sobre a vida do cliente, por um processo de

dessensibilização, no qual os estímulos elicia-

dores relacionados à situação traumática per-

dem gradualmente o poder eliciador de res-

postas emocionais negativas. Esse processo de

dessensibilização e de extinção respondente

altera as funções reforçadoras positivas e ne-

gativas de certas contingências relevantes na

vida do cliente, permitindo o aumento na fre-

qüência de alguns comportamentos adequados

e a diminuição na freqüência de comportamen-

tos inadequados. Esses comportamentos estão

relacionados às contingências de reforço cuja

efetividade é alterada pela verbalização.

Portanto, a alteração da OE funciona

como um ponto-chave para uma intervenção

efetiva por parte do analista do comportamen-

to junto aos casos clínicos apresentados no

consultório de psicologia, na tentativa de me-

lhorar o repertório comportamental do cliente

e, conseqüentemente, sua qualidade de vida.

CONCLUSÃO

Um dos aspectos fundamentais da pro-

posta de Michael é a possibilidade de a análise

do comportamento investigar o controle de va-

riáveis motivacionais, como variáveis indepen-

dentes, proporcionando, de certa forma, o res-

gate do tópico de motivação nesta abordagem.

As operações estabelecedoras designam um ins-

trumento conceitual e metodológico para o

estudo experimental do tópico de motivação.

O maior impacto do conceito de opera-

ção estabelecedora tem sido sobre a análise

aplicada do comportamento, considerando os

vários contextos de aplicação. Segundo Iwata

e colaboradores (2000), vários temas de pes-

quisa estão envolvidos na aplicação da opera-

ção estabelecedora. Para esses autores, as pes-

quisas de manipulação da variável motiva-

cional, como componente relevante para a aná-

lise funcional do comportamento, são as mais

importantes porque podem potencializar as

intervenções. Inúmeras são as possibilidades

de aplicação do conceito de operação estabe-

lecedora na análise do comportamento, como,

por exemplo, nos contextos de medicina

comportamental, de clínica, de educação, de

organizações, de esportes, entre outros. Inde-

Analise_do_Comportamento.p65 17/7/2007, 15:4443

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44 ABREU-RODRIGUES, RIBEIRO & COLS.

pendentemente do contexto em que ocorra, o

comportamento sempre será o mesmo – um

fenômeno natural determinado por variáveis

ambientais. A tarefa do analista do comporta-

mento é identificar e analisar as relações entre

o comportamento e os eventos ambientais para,

assim, programar contingências de reforça-

mento efetivas em sua prática em quaisquer

um desses contextos.

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