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Resquícios Filosóficos Felipe Fernandes 1 Resquícios Filosóficos Um esboço simplista da alma do homem Felipe Fernandes

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Resquícios Filosóficos Felipe Fernandes

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Resquícios Filosóficos Um esboço simplista da alma do homem

Felipe Fernandes

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Resquícios Filosóficos

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Dedico este esboço – que ainda será

concluído – principalmente à minha

esposa e filósofa Juliana Weber, aos

meus assíduos pensadores Alexandre

Caetano, Eduardo Barbosa, Everaldo

Rodrigues, Jeferson Silva, Gustavo

Carvalho, Lucas Maceno, Lucas Carvalho,

Danilo Falcão, Elvis Pereira, Bruno

Giovanelli.

Aos que não recordo, agradeço-lhes da

mesma maneira, pois sem estas

conversas ricas em conhecimento eu não

poderia conceber meus pensamentos.

- Felipe Fernandes

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“Em algum remoto recanto do

universo, que se deságua

fulgurantemente em inumeráveis

sistemas solares, havia uma vez

um astro, no qual animais

astuciosos inventaram o

conhecimento. Foi o minuto mais

audacioso e hipócrita da “História

Universal”: mas, no fim das

contas, foi apenas um minuto.

Após alguns respiros da natureza,

o astro congelou-se, e os

astuciosos animais tiveram de

morrer.”

- Friedrich Nietzsche

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Sumário

Conteúdo Prefácio - Arte, Demasiada Arte .................................................................................................... 6

O Veleiro da Aurora ....................................................................................................................... 9

A Aurora Iluminada ..................................................................................................................... 16

Resquícios do Amor Quimérico ................................................................................................... 22

O Espelho Platônico .................................................................................................................... 31

Pilares Divinos ............................................................................................................................. 35

Insurreição da Moral ................................................................................................................... 40

A Alma Enjaulada. ....................................................................................................................... 44

O Embrião da Angústia ................................................................................................................ 46

Doce Leveza da Dor ..................................................................................................................... 55

Senhores da Existência ................................................................................................................ 63

Senhores da Existência - Poema .............................................................................................. 69

Sacrifício da Inspiração ................................................................................................................ 74

Contos Gerais – A Consciência .............................................................................................. 77

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Prefácio

Arte, Demasiada Arte

Não há razão pura sem arte, porque a arte é o principal alimento

que mantém o homem em equilíbrio entre a razão e o equívoco. Se

o homem buscar somente a razão, ele não terá o contentamento

que a arte – a arte como um sentimento diferente do amor, mas tão

forte quanto ele – proporciona, sem uma motivação que responda

as questões do porque temos que ter razão. A vida é repleta de

atributos e interpretações, a razão pura seria enxergar o mundo

como pura matemática, a partir do momento que sucumbimos às

nossas interpretações acerca do mundo, nos tornamos artistas. Mas

artistas como são vistos atualmente – ou deveriam ser vistos – vão

para além das interpretações básicas a que todos usufruem, eles

aprofundam essa mesma interpretação dando beleza a realidade. A

ciência, por outro lado, busca a razão desvendando a natureza

numa perspectiva exata e matemática. Curiosamente, ao desvendar

os seus mistérios, os artistas novamente atribuem beleza aos novos

elementos que foram desvendados.

Entre as duas é pura questão de gradatividade, e se há alguém que

pode compactar a arte com a razão desvendando o mundo, em sua

aparência, através da arte sem negar o uso da razão, essa pessoa

consegue o maior impulso que a humanidade pode ter para

desvendar a natureza; o mesmo acontece quando estamos

fissurados num determinado livro e queremos a todo custo saber a

continuação da história. O livro é uma arte, da mesma natureza

sobre a qual a todo custo ansiaríamos saber os seus segredos

atraídos pela sua mais vasta beleza.

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“Conheces, em verdade, uma das maiores vantagens dos filósofos no

quesito de suas descobertas? A observação com caráter intuitivo nos

guia como um homem misterioso - Meu bom homem, siga para o norte

neste árido local, e água acharás! -, que não teme seus

desenganos e rege diligentemente - Sequer umidade sinto sob meus

pés! - as suas visões, até que os seus discípulos - De certo teremos a

sede saciada, ande alguns passos na direção que o sol se encontra! -

aperfeiçoam aquilo que eles apenas deslumbravam, já não podendo

usufruir - Peguem as vasilhas e enchamos, há água em abundânci... -

deixando o legado dos teus pensamentos - Desidratou-se em toda essa

espera, e vida em seu corpo não mais há. Porém alegra-te com

tamanha morte milagrosa, deixou-nos os teus singulares amores e os

princípios dos teus saberes! -, para nunca mais serem esquecidos.”

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“A livre interpretação mesclada com os princípios que vos

guia pelo labirinto da existência, cujas paredes sólidas e

foscas proíbem a todos observar o que há para adiante do

nosso trajeto, como seres irracionais perante o futuro. O

futuro consiste em cada vez mais enlameados percursos

que destes muros se escondem, porém seu elo com outros

lugares que já conheceste por estares lá, consiste numa

óbvia semelhança para aqueles que se recordam

nitidamente como chegaram até onde estão, baseando-se

nisso para diligentemente enveredar-se pelas malhas do

improvável, que para este espírito já não parece mais tão

duvidoso.”

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O Veleiro da Aurora

Imagine-se como sendo o único tripulante de um imenso barco

veleiro, sem razão alguma parado em alto mar em função da

ausência dos inaudíveis sussurros das nuvens. Percebe que acaba

de acordar e não retém lembrança alguma dos dias passados;

possui apenas gravado em seu espírito todo o conhecimento

adquirido particulares de grandes navegações, simultaneamente

com o único recordar que remanesceu dos dias transcorridos.

Partira de seu porto com a finalidade estritamente egoísta de

encontrar um tesouro perdido há muito nas profundezas das

infernais águas localizadas no recanto mais distante do mar,

levando consigo um magnífico desafio; decifrar o mapa perdido que

carregara consigo quando partiu a noite, sem que nenhum

marinheiro dos arredores o avistasse durante sua tramoia.

Agora que se recordou das causas que o induziram a estar

boiando acima dos abismos, cintila em sua mente

concomitantemente que o mapa se encontra no bolso do seu

casaco. Você o retira, o observa e insurge à mente também todas

as reflexões acerca da simbologia descrita no caquético mapa.

Seu desenho comporta ilustrações que representam rotas

perfeitas por barcos veleiros que navegaram durante a antiguidade,

e o que denota a história das navegações é a categórica assinatura

da data de cada rota, ao lado do nome de cada barco e de cada

tripulante. Em razão da sua perspicácia inata, torna-se óbvio a

história específica de cada embarcação de maneira geral e mais

detalhada, resultante dos constantes estudos feitos na juventude na

finalidade de tornar-se enfim um capitão, sonhando um dia

enveredar por detrás de onde os olhos podem alcançar diante da

encosta da sua província natal.

Você agora dobra o mapa cuidadosamente, num repentino acesso

de intensa confiança, o guarda no bolso do seu velho casaco e

ruma em direção ao leme do barco veleiro, e toma por princípio vital

o fato de que segundo todas as escrituras “as constelações

mostrariam o caminho para os céus.”, e que isso significava que

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acima de todos os conhecimentos sobre a aventura pelos mares

adquiridos por capitães no decorrer de séculos, situava-se a crença

que foi passada de gerações por gerações, até chegar nos tempos

atuais; a crença imutável e aceita sem qualquer acesso de

contrariedade por parte de todos aqueles que desejavam encontrar

o “paraíso”.

Antes que pudesse regular as direções de acordo com as

coordenadas descritas no mapa, já decoradas após o primeiro

vislumbre, você retira o mapa novamente na procura de algo

concernente ao que sempre foi creditado pelos capitães; as

estrelas. Perscruta o mapa em todos os seus mínimos detalhes sem

sucesso algum em desvendar qualquer informação correlacionada

ao seu crucial aprendizado. Espera enfim encontrar algo no verso

do mapa, que se encontra apenas manchado pelos maus tratos da

natureza.

Nesse momento, sem expectativa alguma, conclui que deve

retomar o rumo ao porto de sua província já que o fator crítico que

iria definir sua jornada se encontra dissidente das circunstâncias

atuais. Põe a mão suscetível a mordida dos tubarões de que não há

informação nenhuma aprendida na juventude que o poderá auxiliar

nessa situação, mesmo sabendo que leu todos os livros, textos,

arquivos e qualquer escrito existente acerca das antigas aventuras.

Tem total noção sob sua magnífica memória que consegue, dentro

de sua imaginação, viver cada momento no lugar dos antigos

capitães utilizando-se somente de sua memória! Eu sou realmente

incrível e como sei de todas as coisas, também sei que não há

associações que me conduzam a meu destino.

Numa última olhada para as características constituintes do

mapa, notou que seu símbolo principal era caracterizado pela

estrela que representa os pontos cardeais Norte, Sul, Leste e

Oeste, isto é, a nomenclatura do antigo papel poderia ser além de

“mapa”, bem como “estrela”. Com isto, esquece-se de analisar o

mapa como um mapa, analisando cada ponto seu em cima de um

barril qualquer, portanto é resoluto; uma estrela deve ser

contemplada como uma estrela, presa ao céu! “as constelações

mostrariam o caminho para os céus.” A resposta foi encontrada! O

mapa é apontado para o céu, cuja luz do sol ofusca todos os

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desenhos redigidos nesse instante, resumindo-se apenas num

negro papel que agora bloqueia a vista dos céus; durante três

segundos, assim permanece, logo em seguida a magia acontece e

específicos pontos no mapa começam a reverberar luz!

Imediatamente você encosta a “estrela” no barril mais próximo e

demarca cada um dos pontos que dantes acendiam-se. Você

encontrará o tesouro seguindo o conselho dos antigos sábios!

Deita-se enfim para cochilar até que a face terrestre se esconda

dos raios solares, e o céu brilhe enfim com as distantes e

ornamentares estrelas que recobrem o negrume esplendor noturno,

dessa maneira será possível observar cada ponto agora circunscrito

e rumar em mira às riquezas perdidas.

A noite chega. Mediante diversas anotações e raciocínios lógicos

correlacionando a disposição dos símbolos correspondentes a cada

constelação agora exposta no alto oceano negro, é traçada a

primeira rota que o leva em algumas horas para o primeiro ponto

referencial encontrado no meio da madrugada, em função da

enorme força impulsionadora que os ventos tempestuosos causam

ao barco veleiro, e o que se encontra, enfim, a deriva e ao mesmo

tempo sem sair do lugar, é um dos primeiros barcos descritos no

mapa como o primeiro capitão a aventurar-se em busca da caça as

relíquias.

Por que ele se encontra abandonado envelhecendo

solitariamente onde ninguém jamais o verá? O que houve para que

ele estagnasse, enfim, não alcançando seu destino? Logo, através

da sua perspicácia, observou que a rústica arquitetura somada ao

pouco conhecimento da época descrita do mapa poderiam ter

resultado numa vaga aventura; isto é, o baú se encontra mais

distante ainda!

Em meio a segunda viagem que findaria, segundo suas

estimativas, na descoberta das moedas perdidas, você deita-se

próximo ao leme ruminando sobre a possibilidade de acontecer

consigo o fim que levara o barco que vira, conquanto a arquitetura

da modernidade apesar de possuir opulência e resistência, não é

imortal. Após uma renovada observação pelo mapa, você vê aquilo

que já era para ser óbvio a primeira vista; talvez a própria obsessão

e orgulho que permeavam as antigas almas o inibissem de

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desconsiderar suas próprias intuições, creditando a um imponente

pedestal as instruções estelares baseadas numa ciência

desconhecida. Seu espírito entra em completa confusão quando

questiona-se do porque homens que significaram e ainda

significam, são ídolos dos filósofos e ícones de possibilidades que

jamais poderiam ser sonhadas pela sua insignificante mente em

meio a bilhões de pessoas que vivem no mundo! Como poderiam

estas mentes que são tão imponentes como o paradoxal e utópico

deus se equivocarem, frente a provável maior descoberta que

poderia ter ocorrido em toda sua carreira de desvendamentos, tu,

ser que tem como envoltório de seu espírito a plena sabedoria?

Novamente a confusão enveredasse mais ainda pela sua mente,

em virtude da inaceitação de que aqueles homens cujo busto

esculpido em bronze enfeita os centros mais frequentados da

cidade, e você se pergunta; como poderiam eles não terem

apercebido-se das falhas num processo lógico baseando-se numa

pseudociência cujo fundador sequer deixou o sua assinatura;

escondeu-se o criador para que não fosse injuriado e ultrajado

posteriormente por aqueles que descobrissem sua tolice?

Em uma elevação de fúria súbita, você amassa vigorosamente o

mapa e joga num canto recôndito e sem luz da embarcação, toma o

leme firmemente em suas mãos e proclama para quem quer que o

esteja escutando; para os deuses talvez que com sua inonipotência

provavelmente divertem-se com a situação: “Chegaste, por fim, a

cálida noite em que algum homem tomaria a audácia de livrar-se de

ínfima e suja estrela guia. Homens a quem admiro pelos teus

nomes e sobrenomes findaram-se num redemoinho regido pelas

forças malignas do engano; cujo centro regado pela abundância de

credibilidade em relação a nomes, VINCULADOS A

INOPERANTES NOMES! Chegaste o crepúsculo que presenciará

as sombras do homem veleiro, sombras estas compostas pela

potência que há naquilo que é único, no que a alma tem de mais

singular; a grosso modo, sua mais pura essência; a sua intrínseca

filosofia!”

Tendo percebido que o único equívoco, aquele que fora

negligenciado durante séculos e séculos, aventuraste-se na busca

por aquilo que ninguém jamais havia encontrado. Seguiste os teus

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próprios instintos; suas próprias convicções; suas certezas

sustentadas pela sua firmeza, uma coragem de tamanha

autenticidade que jamais poderia ser repetida como sempre

acontecera com os barcos decrépitos que boiavam, solitários, sem

terem conseguido chegar próximo daquilo que logo seria achado

pela escolha de ser “UM”.

Os primeiros vislumbres do sol alaranjavam as águas matinais,

enquanto emocionadamente você se sustenta na encosta de seu

barco observando através das cristalinas ondas que se moviam,

calmamente. Numa profundidade de menos de dois metros,

encontrava-se o tesouro perdido.

Após o regresso rumo a província e as refeições que seu ego

banqueteou, decidiu visitar a biblioteca para dialogar num monólogo

com os homens de bronze, desejando no fundo querer apontar para

cada um seus próprios erros, deixando por último o único barco que

vira.

Próximo a hora de regressar para seu descanso e deleitar-se dessa

esplendorosa aventura, desvenda capítulos até então não

articulados pelos teus olhos, cujas sucintas e curtas linhas relatam;

“Usarei de minha irrisória sabedoria neste instante crucial, antes

que minhas carnes sirvam de banquete para a natureza; observei

durante meses a disposição simbólica em correlação com as

coordenadas marítimas, para redigir um mapa cujo objetivo é

encontrar as relíquias perdidas; aquele cujo intelecto decifrar cada

ponto referencial da estrela, seguirá adiante para as proximidades

de sua localização; o mistério encontrasse no véu negro; o mistério

encontrasse nas estrelas que brilham de dia; o mistério encontrasse

na esfera que dará sua guia; o mistério encontrasse nos sussurros

do vento, a medida que se dissipam; o mistério encontrasse, em

suma, no etéreo, no exepcional, no autêntico. A estrela guia

mostrará e induzirá para longe da deriva, onde taciturno e resignado

aguardo meu silêncio.”

Perturbado pelo que acabara de ler, reiteradamente as palavras

ressoaram em seus ouvidos como que ouvindo a voz vinda do

além; “etéreo”, “exepcional”, “autêntico”.

Fechou o livro que terminara de ler neste instante, cruzando as

mãos numa posição reflexiva e seus pensamentos lhe diziam:

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“Dentro de um puro egoísmo e frágil intelecto, aventurei-me por

lugares onde grandes filósofos jamais deduziriam. Seria eu mais

filósofo que estes homens? Não, somente entendo perfeitamente as

palavras enigmáticas daquele que continuei sua busca de onde ele

estagnou e morreu; podem terem sido estes homens turbilhões de

imensuráveis reflexões a respeito do universo, mas o homem não-

eterno em momento algum será capaz de emparelhar com a mente

confinada de um camponês, pois a despeito de sua eficiência como

filósofo, nunca irá suplantar o valor da autenticidade.”

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“Quando escrevo, registro no tempo as impressões de um eu tão distinto, separado por ideias, convicções, medos e paixões que, postas as cartas na mesa, representa uma outra pessoa. Como se eu, tão diferente, estivesse a conversar com um outro ente que não eu! Mas este homem, ah esta outra alma... Apesar de ser tão distinta a ponto de ser uma outra pessoa, é aquela a quem mais se assemelha comigo; o meu eu passado.”

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A Aurora Iluminada

Quando se chega o ensejo que lhe permite abrir mais um dos

antigos livros, após uma profunda leitura e absorção dos raciocínios

lá escritos por um filósofo - De grande admiração vinda de suas

atribuições -, seus olhos são direcionados para o alto numa espécie

de digestão do que foi ruminado; ora tal ato é o ápice de uma

inspiração; ora a separação daquilo que está em harmonia com

suas ideias e daquilo que diverge dos seus pensamentos; ora é a

ocasião mais que perfeita, e assim a julga pelas ideias serem

harmoniosas de tal maneira que lhe é de grande admiração

narcisista, e seu ego se jubila pelo banquete de filosofias oferecidos

afirmando para si que havia chegado no mesmo ponto sem

necessitar da ajuda de um intelectual influente. O ego se jubila por

se julgar, em primeira instância dentro de uma mente sensata, um

ser ínfimo e de pensamento frágil e inútil. Tal é o deslumbre que

essa mente tem pelas gigantes imagens gravadas na capa de

grandes livros empoeirados, que pelo fato de ter essa consideração

de digna sabedoria de si mesmo, em tais instantes, se alegra

incessantemente por ter conseguido por parte alcançar sozinho um

patamar de reflexões que apenas um “filósofo de grande porte”

poderia chegar.

Este ser em parte tem a sabedoria de admirar filosofias, em

parte, notáveis; entretanto, em contrapartida, este ser se perde

tendo todo o seu pensamento inautêntico por viver a mercê das

“grandes mentes”. Digo eu que ele não sabe que não há grandes

mentes, e sim grandes filosofias, pois a ideia é o elemento

primordial mais relativo que existe no mundo, tendo sua incipiência

dependente de tantos fatores que lhe é impossível a classificar

categoricamente em sua totalidade, os acontecimentos reais que

lhe dão início.

Tal ato inapropriado a uma mente num grau mais avançado de

reflexão, sendo a filosofia também parte da “gradatividade”, em

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determinadas circunstâncias pode ser notável de tal modo que

subconscientemente, ou até mesmo conscientemente há um

aforismático pedido de “permissão para filosofar”. Percebem o quão

ridículo se torna quando postas as cartas na mesa? Notam que em

vezes tais situações de fato acontecem, porém o sujeito não tem

pleno saber do que efetivamente está cometendo, mantendo-se

assim isento de não transgredir-se neste erro por achar que não é

um erro como filósofo?

Usarei de um exemplo tradutório mediante uma comparação

cujo raciocínio aparenta livrar-se de um “dispêndio de sabedoria”, e

tratarei a respeito deste dispêndio ainda de modo categórico:

Tal sujeito se encontra a meditar sobre uma série de questões

que envolvem nossa psique; empirismo; a ideia da consciência do

hilozoísmo. Através dos seus pensamentos há uma fusão peculiar

que o leva a estabelecer uma teoria original e atrativa.

Posteriormente, utilizando-se de suas habilidades para perscrutar

imperfeições na ideia tida até então, o idealizador questiona enfim a

“originalidade” dos elementos idealizados, e por intermédio de uma

segunda correlação íntima de pensamentos de grandes homens

que já redigiram sobre o tema, o transportam ainda mais afundo

mediante um “salto indutivo” guiado por ninguém mais que a

superestimação que o mesmo tem não por homens específicos, e

sim por toda a filosofia em si sem se ter ideia de sua totalidade!

Percebem o absurdo? Agora percebam sob quais mantos tal

disparate é disfarçado; o sujeito diz a si mesmo: “Não há motivos

óbvios que me tornem determinado a elaborar algo tão ridículo

como a extrema individualidade das consciências (solipsismo), visto

que grandes pensadores da antiguidade ou do período

renascentista o originaram com extrema destreza.”

E isso nada difere daquele que se submete e adere a esta

“corrente invisível” subconscientemente, sem afirmar utilizando-se

de suas convicções para afixar-se neste ato errôneo.

A intensidade do meu silogismo se desperta quando admito que

abrir mão do desenvolvimento de uma ideia, mesmo dentro de

situações onde o “salto indutivo” não se encontre presente

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desvendado por aqueles que também tenham a minha perspectiva,

juntamente se agrupa na classificação de atos injustificáveis, pois

apesar de ser um ato cuja aparência demonstra uma justificativa,

mediante uma investigação é decretado de certo como também

sendo algo que nos distancia mais que aproxima do amor pelo

saber; ou seja, a ausência do “salto indutivo” não torna lícito

renegar um pensamento próprio, utilizando-se da justificativa de que

se tem de fato conhecimento da totalidade da ideia para tornar-se

alheio a culpa de não ter dado progresso ao pensamento: “Tal

reflexão acerca da identidade do homem elaborada por Heiddegger

atingiu seu ponto culminante. Quem sou eu, ser de ínfimo intelecto,

para ir além de tamanha ideia?”. E ouso eu mesmo responder tua

pergunta; tu és aquilo que ninguém foi, é e jamais será.

Minha justificativa para tal afirmação antes que digam que isso é

uma ofensa, para aqueles que se privaram de alimentar com

estimas positivas aquilo que lhes surgiu na cabeça pelo fato de

terem vistos frases – e até mesmo palavras – em velhas capas

empoeiradas com bustos de bronze escancarados dando mais

destaque que o próprio título do livro, por ponderarem

demasiadamente sério a atribuição de uma ridicularidade sobre sua

conclusão, somente por conta do “divino pensador” ter elaborado

séculos antes uma frase que assemelhasse com sua tese. Minha

justificativa se baseia numa singularidade tão cintilante e magnífica

da qual também são compostas todas as poesias intrínsecas a

corrente artística do modernismo; e o que isso significa? Isentada a

arte duma rigorosidade aristocrática, ela da o poder para que cada

indivíduo possua um reservatório de almas infinitas para compor a

essência de cada simples e singela poesia; desde o autor

rebuscado e reflexivo até o que se restringe a sua realidade, pois

ambas poesias cumprem a missão de tocar a alma com sua própria

alma. Num resumo, a filosofia acaba por funcionar da mesma

maneira, pois é portadora de tamanha peculiaridade não sendo ela

o mesmo ensaio já descrito anteriormente; é uma nova alma em

ascensão no mar infinito da sabedoria que irá navegar segundo

suas próprias rotas, não ter por guia uma estrela que a levará para

onde velhos barcos decrépitos boiam perdidos e sem saber mais

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para onde remar; sem mais suas estrelas; estagnados na cegueira

das neblinas marítimas que nada mais são que a superestimação

perante homens e submissão perante si mesmo.

Não me é permitido negar que exista uma separação de

patamares que classifiquem as poesias; as músicas; as peças de

teatro; e por fim as próprias ruminações acerca da existência,

diferindo-as entre umas e outras não como superiores e inferiores -

seria demasiado ousado e desrespeitoso dissertar de maneira

absoluta e reacionária, visto que antes da corrente modernista a

rigorosidade artística gozava de pleno poder - , mas como

exercendo em função de específicos grupos de gostos diversos

maior e menor relevância, o que para mim é se não a principal

coluna que sustenta minha teoria sobre a arte da composição, que

interdepende de tantos fatores que me é nesse momento

impossível imaginar num raciocínio curto e breve quais de fato são

os fatores que determinam o grau de relevância de cada

composição, embora tenha em mente um certo fundamento para

desenrolar este pensamento. Não posso deixar de constatar

também a estreita ligação que existe dentre cada um dos exemplos

que eu citei, pois mesmo sendo o foco do nosso assunto a Filosofia,

cada elemento artístico criado quase que instintivamente pelo

curioso comportamento humano não difere sua natureza nativa da

natureza nativa da filosofia, e isso é facilmente explicado mediante

a avaliação de elementos óbvios entre as duas; ambos são

idealizadas com a finalidade de transformar o pensamento alheio

por meio de uma ou mais mensagens ocultas ou não; ambos se

representam como duas serpentes procurando devorar a cauda

uma da outra, pois enquanto a filosofia aproveita-se da arte para se

encontrar em plena realização, usufruindo de seus poderes

cativantes e atrativos, a arte aproveita-se da filosofia para entrar em

sua plena realização, interligando cada um de seus versos líricos;

louváveis; aquarelas que se movem entrando numa sinestesia para

por fim traduzir-se numa perspectiva existencial modificadora;

ambos tem suas raízes numa constante busca de perspectivas

excetuando-se apenas por uma crucial diferença: a arte representa

o ficcional, o quimérico, o inalcançável que visa transportar o

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espírito para um universo onde cada pensamento se torna real, e

pode-se deliberadamente decidir acerca de sua realidade, enquanto

a filosofia representa aquilo que nos atormenta, o que se encontra

diante dos nossos olhos e dança simbolicamente enquanto

espreitamos tal simbologia mediante deduções, dando combustão

para cada passo dado em direção a concepção daquilo que a cada

século se mostrou ser a cruel natureza; a arte, em absoluto,

encarna a “comédia”; a filosofia, diametralmente oposta, encarna a

“tragédia.”

Tendo estado de acordo com o fato de que apesar de existirem

patamares que classificam nossas concretizações, umas degraus

acima numa escada opositora de extremos caracterizados com

maior e menor relevância, já citado anteriormente, é necessário

utilizar de toda sua criatividade neste momento para idealizar a

metáfora já descrita por mim, da qual irei perscrutar humildemente

de sua fantasia alegórica para a compreensão integral do seu

enigmático significado.

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“Alguns aprendem a observar a "utopia" como sendo os mantimentos vitais dos quais Tântalo busca incessantemente em seu castigo. Seria a "utopia" a mulher desejada que dá dois passos a frente a cada passo nosso em sua direção? E o nome dessa mulher é Eros.”

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Resquícios do Amor Quimérico

Não existe amor quintessencial, isto é, em sua mais absoluta

forma que paira sob a existência. O amor como utopia – como já

explicita seu adjetivo – está para além da capacidade humana de

projetar ou até mesmo absorver, visto que usufruir duma utopia é

unanimemente improvável; somente uma ilusão inerente criada pela

sutil natureza de todas as coisas, onde têm em seu ponto crucial o

objetivo de propiciar aquilo que alimenta nosso esfomeado desejo

egoísta por meio da mais sincera compaixão; aquela que – fica

claro agora o porque de “egoísta” – nos proporciona o deleite

espiritual mediante aquilo que julgamos satisfatório para aquele a

quem amamos.

A mais pura representação do amor está longe de qualquer ideia

que possamos imaginar a esta altura de conhecimento. Ela está

para nosso mundo assim como a consciência cartesiana de

Descartes está para o corpo; alheia ao nosso passado e ao nosso

destino, mas que deixa seus breves vestígios em cada passagem

sua, para que assim possamos agarrar até os confins da nossa

capacidade para verdadeiramente amar. É desta maneira que nos é

possibilitado a vaga aproximação perante o que cria o amor desde

as forças que unem os núcleos, prótons e nêutrons de um átomo,

até que por mais distante que fiquem as galáxias, ele as mantém

unidas em sua vitalidade.

Sua magnitude chega ao patamar de que nos é improvável também

ter conhecimento da própria representação real do amor no mundo

efêmero, mas que para além do bem e do mal está aquele que

mediante sua sabedoria – o único bem que nos pode guiar pelos

segredos do mundo! – reconhece que próximo aos meros

resquícios da magna ternura se tem alcançado! Para este homem,

junto a ele estará aquele que em retribuição deste mesmo amor

será retornado, sendo esta pessoa merecedora de algo além

daquelas coisas que podemos oferecer uns aos outros presos nesta

existência.

A honra de se amar se apresenta quando se é jurada a eterna

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busca pela totalidade da utopia que é o amor, sendo ele tão

imponente que consegue sobrepor-se à própria vida, não será a

morte que virá a destruir tal excelência, grandiosa e bela que é o

amor. Ora, se nem a própria morte será capaz, quem dirá a vida?

Em que se define os aspectos que caracterizam o amor de fato?

Seria a paixão – se me permitem desta vez usá-la como um

sinônimo – uma força sobrenatural que impulsiona somente os

infindáveis anseios humanos? Seria ela aquela a que também como

excêntrico instinto em sua mais genuína forma; a união inerente dos

seres viventes que os levam, como função vital – literalmente vital –

a proliferação de sua raça? Ou, culminando para além das

observações simplificadas e de fácil entendimento, abrangeria o

amor não somente aquilo que pulsa nos corações rubro vermelhos,

não somente aquilo que se traduz em versos poéticos como o sopro

vital em que flui toda vida mundana, não somente aquilo que une

carnes e almas num fenômeno que sempre fora intraduzível para a

assimilação humana, isto é, uma ontologia secular! Seria então, não

obstante, toda sua protestação aquilo que insurge em cada ponto

unificado do universo – sendo esta a concepção do universo vivente

-; aquilo que não se manifesta tão somente no que podemos

conceber como seres amantes, seria sua emanação inerente

também daquilo que nos constitui como matéria; a emanação

individual em seu ponto mais crítico, isto é, seu ponto mais

individual, A MATÉRIA INDIVISÍVEL! O AMOR INDIVISÍVEL!

Deixando os vestígios dos seus meros resquícios para aquilo que

realmente podemos contemplar como sendo o fogo que não se

apaga nem no mais rigoroso inverno.

Para este sentido vos levo a conceptividade da plena

afabilidade, justamente onde estritamente em seus aspectos, este,

a qual denominamos sendo um sentimento, concomitantemente

abrange aquilo que não tem capacidade alguma para sentir, – ao

menos dentro do empirismo filosófico, apenas os que pensam logo

existem; apenas os que existem logo sentem. – é para este sentido

que a mente abrange as raízes mais profundas do mais poderoso

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sentimento de união! – posteriormente será tratada a tênue linha

que o torna o mais poderoso sentimento de destruição. -

Irei rebatizar o seu conceito como sendo de fato um sentimento.

Mas agora eis a questão acerca do que acabo de afirmar, como

poderei eu rebatizá-lo tratando-se ele unanimemente concebido

como um sentimento? Esmagarei a ideia original adiante do que o

senso comum nos tem transpassado pela oralidade. Mediante o

ritual filosófico concedido não pelos pensadores que viveram antes

de mim, e sim por aqueles que ao subjetivar as minhas ideias me

permitirão, com recata honra, que minhas autenticidades

harmonizem-se com a suas na inerente dialética dos filósofos do

futuro, irei explanar os motivos da reconceituação e a mesma

adiante:

(a) A despeito do empirismo nos é ditado que a existência precede

a essência, é algo simples de compreender.

(b) A despeito dos nossos sentimentos, são as construções acerca

da existência que objetivamos a partir daquilo que experienciamos

como o medo criado perante a ideia de sofrimento eterno; este é o

sentimento existente a partir da moral imposta – a errônea moral.-

(c) A síntese se embasa naquilo que em verdade experienciamos; é

por este motivo que denomina-se como “sentimento”, isto é, “aquilo

que sentimos.”

Admito que tenho o desprazer de considerar a concepção

epistemológica do empirismo de maneira restrita, pois minhas ideias

não simpatizam em nenhum aspecto com reais atitudes empiristas,

porém me foi útil desta vez para quebrar os paradigmas que

ridicularizam quaisquer pensamentos embasados numa filosofia

deísta do hilozoísmo.

O sentimento, se não se julga um insulto pelo seu mais vasto

significado como palavra, quando se restringe em sua manifestação

amorosa se torna diametralmente oposto ao seu conceito que

acaba por se restringir ao significado comum de sentimento!

Proponho que não deveria ser contemplado à aquilo que se

representa no prazer que julgamos ter mediante uma específica

felicidade, a júbilo apaixonado, o brilhar dos nossos olhos quando

nos deparamos com a beleza do universo. Não brilhariam também

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os olhos do universo perante a nossa beleza? Longe de elucidar um

antropocentrismo, porque novamente minha filosofia se distancia

disso da maneira mais intensa, tratando-se o significado do que

acabei de dizer a reciprocidade com a qual a existência tem pela

inexistência; o longíquo e adverso tem pelo convergente e coerente.

Afeição esta teria a causa e efeito daquilo que une corações

humanos e corações transcedentais; os longos beijos apaixonados

dos astros que romantizam os céus; o eterno romance astral que

blasfema o sopro divino do gênesis, pois para a união que se

denomina vida perene não necessita dos sagrados vendavais, e sim

das causas etéreas responsáveis pela excêntrica união que faz o

sangue quente correr e aquecer as cósmicas paixões.

A este eu rebatizo o sentimento mais ingênuo, cruel e inexorável

que é o amor, que propositalmente nos deixa os seus vestígios para

que deles nos embebamos afim de nos iludirmos com os

semelhantes que também dele se alimentam. É como uma nuvem

que nunca se dissipa, nunca perde sua verdadeira essência e que

passa pelo mundo de hora em hora, condensando-se numa perene

garoa cujas gotículas adentram cada poro dos nossos corpos

mortais, viajando pelo sangue já em brasa para enfim derreter os

nossos corações com o seu calor imensurável, o calor da nossa

franca paixão. A este fenômeno sobrepomos até mesmo acima dos

deuses, mesmo banhados sutilmente pelos quase inexistentes

resquícios quiméricos do verdadeiro amor. Sim, os chamo quase

inexistentes! O amor é muito mais que tudo isto.

A nossa capacidade de compreensão em torno do amor, como

conceito rebatizado, perde-se e entrelaça-se por demasiado com os

pobres ensamentos humanos, e é por isso que apesar de ser

desvendado o epicentro desta chama perene, ainda sim tudo o que

teremos dela é o mero relento que acoberta os nossos corpos.

Pode o homem de punhos vorazes retalhar tudo aquilo que se

opõe a consumação dos teus beijos inglórios, supor que tal impulso

estrondoroso seja fruto do ardor que se aloja em seu peito de forma

absoluta, pois a sensação, daquele que é tão sensível ao ponto de

ver a nuvem cintilar de volta a terra, é tão cambaleante que torna-se

ofensivo supor que seja uma mínima fração dos efeitos de Eros. E

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que momento oportuno para lembrar-me de Eros e dos teus

inseparáveis irmãos: Philos e Ágape.

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Philos, Ágape, Eros I Toda nossa sede Precisa ser saciada E fugiremos enfim Das areias da aspereza E das dunas das incertezas... Philos, Ágape, Eros Venha, mas venha depressa E me chame ao que lhe agradar Chame pois o seu mundo Precisa de alguém para amar... Philos, lembra dos lúcidos anos? Enlameandos pela expectativa Trepados ao pomar Devorando a maçã do apreço... Faça de ti a doçura Que tira da mais pura dor Aquele que em seu regaço Acolherá os seus passos infalsos... A chuva que molha a areia E plana as dunas mortais A amizade agora transborda O simpático amor da igualdade... II Ágape, povo da terra Pelas marés dos milênios Às carícias de quem contempla O pão e a migalha partida... Reparta de ti a fartura Que passa a mão pelos ombros

E ergue a quem te recebe Com o abraço de um desconhecido... A montanha agora que jorra E sacia à quem não te vê Ama nações em convívio Consolidadas pela confiança... III Eros, para quê te quero? Cativado pelos teus versos A distância agora espero! De sempre viver à teu lado... Cala agora toda brandura Que fere com sua cura E sara com a navalha Sangrando a ardente paixão... O sol arde e desnutre E mata a qualquer um Encanta em desilusão O pranto de todos os montes... A luz forte que queima E exalta toda umidade Se envolve em cores e brumas Regando a sincera amizade... IV Eros, Ágape, Philos As três facetas do amor Que sacia com sua sede E resseca com seus rios O areias e ventos incertos De um confuso deserto...

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Vê aquele homem ajoelhado sobre o cimo do seu próprio

holocausto, com as mãos ensanguentadas jurando ser este o copo

derramado do sangue de seu coração, desiludido e de espírito

desenfreado, dispendiando suas próprias preces à Eros como se

este tivesse a onipotência de atendê-lo sem interferir nos propósitos

santificados do amor como um todo?

Antes que pudesse o homem ter suas faculdades deturpadas a

altura de ridiculamente amar, houveram povos honestos que

conversaram pessoalmente com as divindades do amor. Estes

povos tiveram o privilégio de ouvir da boca dos próprios signos

sagrados os seus respectivos nomes e, ainda, a quem eles serviam,

tendo em seguida a reflexão acerca de cada um deles,

compreendendo de vez a ideia do amor como totalidade,

fraccionado e suas oposições.

Repleto de negridão estarão os olhos dos espíritos pretensos de

suposição, pois o manifesto do magnânimo sentimento não se

encerra nas diretrizes de Eros, de Ágape e muito menos de Philos.

Tiveram seus escritos obscurecidos pelo romantismo demasiado

que concedeu o cetro da paixão e a coroa da criação a Eros,

culminando com o desregramento dos rumos a que todo amor se

dirige! Foi feito escárnio de Philos quando este lançou se pó sobre a

família dos homens; onde findariam suas consequências no amor

que se tem pelo próprio sangue, não mais visando a criação; mas

isto, é claro, em estúpidas suposições.

Ainda além, Ágape foi apedrejada quando se tinha a falha

humana para justificar o desperdício de sentimento; seria apostar

demais no acaso permitir que abraço etéreo acalentasse toda a

humanidade; ainda sem denominação, o abarcar de toda vida

terrestre, toda vida mundana, toda vida universal e até ele mesmo

se se pode conceber como ser.

A tênue linha aparta a união de todos os montes em um único,

da decomposição das rochas em terra; aparta o morno sonho

aconchegante do pesadelo que abomina a imaginação; aparta a

nítida frequência com a qual as almas vivas e não vivas se

preenchem, do aterrador grito de silêncio que torna imóvel toda

matéria; aparta aquilo que dirige sua propensão ao caminhar

inigualável, que trespassa e perfura as ondas do mar ideário,

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guardassalvando cada fragmento que encontra pela viagem adiante

a fronteira final, cortejando cada energia para que estas casem-se

entre si ocasionando o matrimônio da união universal. Sim, aparta,

do ventre que degolam os homens se estes ousam nascer, do ácido

ávido por tomar posse do amor quimérico, para gotejar seu veneno

corrosivo adentro do frágil sangue humano, e este, embebido pelo

veneno que agora assola seu âmago, torna vigente o ódio

eloquente que desengana todo e qualquer fôlego humanitário,

penetra as carótidas e as jugulares com suas facas afiadas de ira,

seus fuzis carregados de furor e movidos pela energia do amor em

seu sentido completamente contrário; o amor pela destruição.

Agora, acreço a figura que explicita o motivo de coexistirem

tamanhas contradições; a bela ternura que manifesta-se na criança

que sorri ao alimentar um casal de insetos que, agora, até nome

possuem; com fatídico e frequente ato genocida, infanticida, sádico

e, sobretudo, egoísta.

Se és par a par com o amor, reconheça como para além do

sentimento do homem ele está, e torna-te responsável pela fração

em potencial que carrega dentro de si.

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“O paradisíaco universo platônico”

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O Espelho Platônico

Como minha ilustre esposa reinterpretou os princípios vitais que

mantém os pilares do niilismo passivo platônico, haveria muito mais

semelhança entre sua nova concepção que aquela a que Paulo

proliferou afim de nutrir o Cristianismo:

Certa vez, tive o privilégio de encontrar uma readaptação do mito

da caverna nos confins da internet. Com o intuito de trazer para si,

ou melhor, para os tempos atuais toda aquela metáfora, o autor

redigiu-a num estilo a que se assemelhasse como alegoria os

prisioneiros sendo a sociedade confinada em seu dia-a-dia e no

senso comum, com sua observação acerca da realidade embasada

nas sombras, neste caso, a vida considerada normal; e em

contrapartida o mundo platônico intangível, seria o que está fora do

alcance das limitadas ovelhas do mundo. Quando aquele que fugiu

da caverna observou a luz do mundo afora, transformou-se naquele

a quem de agora em diante os prisioneiros repugnariam; o que

admira os homens que emanam a luz, os mestres do Rock N’ Roll,

pois o mito fora readaptado para compreensão da atual tribo

adoradora do Rock.

A mesma linha primordial foi mantida no raciocínio de J. Weber,

cuja representação filosofal do mito, desta vez, entrelaçou-se com o

inverso da afirmação original do mito, tendo grande relação a

tempos em que os homens voltam seus olhares para os céus –

Ahh, não fosse Platão -, isto é, um mito que elucida

metaforicamente clarezas e trevas; olhos abertos perante a

selvagem intolerância; o olhar que está para além de tudo o que

absorvemos encaixa-se perfeitamente numa vida de espera pela do

messias; a Parusiocracia!

Tomarei a ousadia de emergir o seu aspecto modificável pela

disposição dos seus temas diretos - A verdade, o medo, a vingança,

as ilusões, etc. -, o que permite uma adaptação do mesmo para

situações onde julgam-se os oprimidos e os opressores, é claro,

será em todo caso alterada para insurgir a sabedoria ora dos raros

oprimidos, ora da massa dos oprimidos, sendo pois a sua

readaptação para os aristocratas – os mais fortes simbolicamente –

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fora de cogitação, e ensino-lhes o motivo:

Platão teve a habilidade excêntrica de atribuir os valores

metafóricos da seguinte forma; As ilusões tornaram-se nossa

realidade enquanto a verdade carecia de percepções acima das

que até mesmo os filósofos podem obter, direcionou alegorias que

mais tarde findariam num mundo onde os prisioneiros, tendo

conhecimento do significado das sombras nas paredes da caverna,

permanecessem presos ainda ansiando pelo dia em que

milacurosamente fossem soltos para usufruírem do matizado

mundo afora. Não saberia ele a fissuração que os homens têm

verdadeiramente pelo além? Não o culparei por completo, sendo

pois nossa realidade atual o quadro que nos torna óbvio que os

verdadeiros prisioneiros são os que supõe a realidade, não aqueles

que se desprendem das correntes e tentam avisar os outros; e os

outros lhe dizem “Não vos concedo minha compreensão, pois é

certeza que a grama afora é azul”, mesmo dizendo que tem visto

com os próprios olhos que na verdade ela é verde. Para ele então,

não havia obviedades sobre a má adaptação do seu mito, embora

seja quase certo para mim que o homem é um ser transcendental e

que ele já deveria estar ciente disto antes de direcionar o homem

para aquilo que ele está naturalmente, ou diria ainda inatamente,

predestinado a direcionar-se. Naturalmente agora apercebe-se que

essa predestinação o acompanha até mesmo na própria filosofia.

Em suma, apesar da conotação romântica que detém o universo

transcendental a que eu mesmo atribuí quando dissertei sobre o

amor, existem duas atribuições que devem ser compreendidas

antes de tudo; sua plausível veracidade cujos aspectos denotam

sua possível influência real, e sua inutilidade que se firma num

niilismo ativo, aquele que nega a possibilidade de tais influências

firmando qualquer tipo de filosofia no mundo que enxergamos com

nossos olhos mortais. É neste caso que a ideia original perde seu

valor, quando atinge o mundo das ideias! O anseio de ultrapassar o

conhecimento limitado dos seres humanos deveria topar com os

limiares da nossa realidade, não havia responsabilidade filosófica

para ir além em função da naturalidade humana da qual já

expliquei. Em outro caso, se houvesse de fato, poderíamos discutir

acerca da primeira característica da qual falei; a veracidade e suas

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influências no mundo sensível.

Ao recordar-se que o prisioneiro retorna e é rechaçado pelos

outros que lá estavam, torna-se óbvio o porque digo que nunca

deve servir esta metáfora em favor dos opressores, veja bem. Todo

o princípio sofreu suas alterações sem perder sua essência,

servindo de base para o que é hoje o Cristianismo. Mas sendo os

cristãos os verdadeiros prisioneiros opressores, como poderia ainda

isso servir de base para suas ideias? A verdade é que não serve, e

é neste ponto que a metáfora teve seu valor significativo mitigado

pela ascensão “daqueles que nele creem”. Perante isso houve de

fato uma inversão de valores partindo do raciocínio tanto da

readaptação que vi quanto dos pensamentos de J. Weber, pois

aquele que antes se desprendia das correntes para enxergar o

mundo das ideias, não percebe que tudo passou de um sonho dos

gramados azuis, e aquele que verdadeiramente se desprendeu das

correntes e retornou para a caverna sendo julgado pelos outros é o

mesmo que não aceita os olhos dos homens tornados para o

sobrenatural, o sonho dos homens com os gramados azuis pois

sabe ele que os gramados na verdade são verdes.

Para misteriosamente findar, questiono; não estaria este último

também sonhando que os gramados são verdes quando na verdade

observa as sombras que se projetam na parede da caverna? Tudo

torna-se relativo neste ponto, e o que define aquele que está preso

e aquele que de fato saiu - sendo esta uma alegoria metafórica

sujeita a diferentes leis, não as físicas, as filosóficas -, é o tempo

em que se vive. O homem que visse as verdadeiras cores do

gramado mundo afora em hipótese alguma reprimiria os que

sonham com outras cores que o gramado pode ter de fato, ele os

libertaria das verdadeiras algemas que impedem os homens de

liberta-se das sombras ilusórias; as algemas da opressão; da

verdade absoluta; constituintes da ignorância filosófica que acaba

por ser pior que a ignorância como a conhecemos. A ignorância é

ingênua, dentro da filosofia ela se torna uma arma de destruição em

massa daquilo que valorizamos como conhecimento honroso; o

conhecimento da nossa própria incerteza.

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“A raça humana deve ser extinta não pela guerra, pelas bombas, pelas mãos dos homens, e sim pela consciência. Seja para que não existamos, seja para dar vida a um outro tipo de homem. Nos dois casos, alcançaremos nosso objetivo.”

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Pilares Divinos

Senti o despertar dos meus sentidos de forma vagarosa enquanto

tateava o piso amadeirado.

Ao me levantar, percebi que aquilo era na verdade um imenso altar

de madeira que encimava ume elevação rochosa completamente

misteriosa. Mas o que tinha realmente de misterioso naquilo eu

descobriria ao observar a minha volta e perceber que não havia um

horizonte, o que havia na verdade era o véu da escuridão, que

limitava o meu conhecimento acerca do que estava havendo.

Levantei-me do piso frio e caminhei para a beirada do altar para ver

se havia alguma resposta que eu pudesse encontrar. Nada, apenas

a plena e profunda escuridão. Um abismo, o desconhecido...

Abaixo do altar no qual eu me encontrava, haviam na verdade vãos

entre os caibros que sustentavam o altar em cima da misteriosa

montanha, os quais formavam estruturas feitas exepcionalmente

para se encaixar em estranhos pilares que de fato sustentavam o

altar. E eles reluziam, como se fossem feitos para que fossem

percebidos... Ou decifrados.

Enquanto observava os estranhos pilares que erguiam o altar,

percebi de soslaio um brilho intenso surgindo acima do altar. Aquilo

estava ali, comigo, porém ainda não havia visto; era um grande

martelo que reluzia uma mensagem, ou melhor, uma palavra na

lateral da pedra fincada no toco que juntos formavam o martelo. A

palavra oscilava em um manuscrito belo e artístico.

“Filosofia”

O amor pelo saber, não fazia muito sentido para mim o que isso

tinha a ver com toda a situação, até compreender tudo, parte por

parte.

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Um único homem, em um vasto, pairando ao infinito, um martelo

que em seu “verso” continha a palavra “Filosofia, um altar que me

sustentava e me mantive a salvo de uma possível queda, e pilares

que sustentavam fortemente a possibilidade desta queda. Qual a

lógica de tudo isso? A lógica... A compreensão foi fácil, a dificuldade

foi um outro fator.

Considera-se loucura saltar de cima do altar em direção ao abismo

sem ao menos saber o que há lá? De primeiro pensamento, eu diria

que sim. Pois a visão limitada me impede de saber o que ocorrerá

se para lá mergulhar!

Por outro lado, eu, a humanidade! Me manterei inerte encimado

num espaço confinado e erguido, cercado pela limitação que o

horizonte cego e o chão dos quais meus pés nem ao menos

conseguem ansiar, apenas com o fundamento de que aquilo me

mantém vivo? Manter-me vivo seria manter-me bem? O que seria

manter-se bem enfim? Para mim, encontrei a resposta desta ultima

pergunta ao observar os meus próprios olhos, que refletiam aquela

luz que oscilava na pedra lustrosa daquele martelo.

“Filosofia”

Seria de fato um erro ser tomado por pura coragem e arriscar sem

pensar, o martelo me repreenderia bravamente se eu assim

procedesse caso ele tivesse vida própria! Mas se é de lá que anseio

ter conhecimento do que há naquele chão, naquele horizonte, não

mergulhar também seria um erro! Controvérsia? Por enquanto.

Um martelo representa a destruição de pedras. Um artefato usado

em guerras, usado na corte e também dentro de um consultório,

sim, de fato representa tudo isso e muito mais! Mas a lógica me

levava direto para uma coisa em específico; Caso fosse um serrote,

a madeira seria uma opção. Como é um martelo, a revelação do

mistério está naqueles pilares!

E cair no abismo para morrer? Isso seria um suicídio! Sim, afirmei

que poderia conter outra coisa após seu manto de trevas, mas a

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lógica me diz; Quem se joga de um abismo, morre! Parece óbvio?

Sim, mas isso para quem enxerga o mundo com certezas sem

fundamentos; as deduções da fé! Pois par qualquer um que

perguntasse, são poucos os que ponderariam possibilidades. “Os

pilares nos sustentam acima da escuridão, vamos nos manter

parados, inúteis, porém vivos e conformados com nossa eterna

moradia.”

A lógica é simples, a atitude, essa é a parte difícil.

A humanidade foi confinada em um altar de madeira pura, acima de

uma imensa montanha cercada por uma densa escuridão, o qual só

mantinha em brilho o altar em que estava.

A humanidade percebeu que se mantinha confinada neste lugar por

apenas um motivo; a criação de pilares e ideias estabelecidas de

forma tão intensa que brilhavam e se fortaleciam cada vez mais e

mais!

Nunca foi possível ver com exatidão tudo o que havia no horizonte,

tudo o que havia no abismo! Mas sabia-se que foi para lá que a

filosofia encarnada decidiu mergulhar em busca da descoberta!

Cada vez que os pilares eram trabalhados, emitiam um brilho forte

que chegou a ofuscar por completo o que pode haver “praeter!”

(para além!). E o efeito causado por tal ousadia foi nada mais que a

visão tenebrosa do que significavam as palavras TREVAS,

ESCURIDÃO, SOMBRAS E NOITES!

O maior medo da humanidade é constatar a veracidade dos seus

pilares. Se realmente estes pilares o mantém seguro, se servem

como seus fundamentos, porque haveria o medo de bater em suas

estruturas com o martelo da filosofia? Todos os pilares devem ser

atacados infinitamente enquanto houver VIDA!

Pois se eles cederem, você irá despencar em direção ao abismo

negro. Mas irá cair com o sorriso de uma das mais belas virtudes

que existem e que é o alimento essencial do que conhecemos por

filosofia; O questionamento acerca de tudo, até mesmo da verdade,

até mesmo de si mesmo...

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Se eles cederem e mostrarem que não foram feitos para

sustentarem de fato, o que imagino que aconteceria em todos os

casos se todos o fizessem, você irá cair e finalmente irá para a

busca do desconhecido.

Sem medo algum...

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“Quando escrevo, registro no tempo as impressões de um eu tão distinto, separado por ideias, convicções, medos e paixões que, postas as cartas na mesa, representa uma outra pessoa. Como se eu, tão diferente, estivesse a conversar com um outro ente que não eu! Mas este homem, ah esta outra alma... Apesar de ser tão distinta a ponto de ser uma outra pessoa, é aquela a quem mais se assemelha comigo; o meu eu passado.”

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Insurreição da Moral

Um dos outros grandes equívocos da religião é que, deduzindo uma

possível natureza humana pervertida e com um potencial

direcionado a atos que levariam uma sociedade ao caos,

constituíram com o tempo uma espécie de princípio do castigo e da

recompensa no pretexto de que dessa maneira é possível governar

o homem animal, o homem naturalmente cruel de egoísmo nato, o

pecador de sangue, retendo o pecador em potencial dentro de

padrões de leis dogmáticas.

Imagine uma criança (E não é difícil imaginar que são feitas

analogias do tipo, tanto dentre os instruídos quanto na boca

popular.) em que há dentro de si o desejo profundo e cínico, uma

avidez que impulsiona a transgressão de paradigmas a fim de se

conseguir enfim convencer seus pais de lhe darem algo. Agora

imaginem que tal desejo não pode ser consumado pelo fato de que

os seus pais não têm as condições favoráveis para a demanda da

criança, e conhecendo estes a capacidade de transgressão contida

na índole da criança até então, e também conhecendo os medos

contidos nos receios mais profundos da criança, usam destes como

uma ameaça caso o garoto em questão decida utilizar de suas

habilidades transgressoras para atingir seus objetivos, que em

função dos seus medos, desiste dos seus atos. Este é o castigo

eterno.

Imaginem agora uma criança em que dentro de si há, semelhante a

outra criança citada acima, dentro de si a mesma avidez que devido

as circunstâncias ou simplesmente a sua índole, conduz os seus

atos de maneira transgressora impulsionando-a convencer os seus

pais a lhe darem determinado objeto. Agora imaginem que sabendo

seus pais que não o podem fazer, por circunstâncias semelhantes

as da outra criança, e também tendo uma ideia geral sobre a índole

do próprio filho, consequentemente conhecem além dos seus mais

profundos receios, uma outra característica que pode manipular o

indivíduo a seguir as regras dos seus impositores.

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Visto que os pais tem o conhecimento dos medos, também é de se

esperar que eles tenham o conhecimento dos desejos, e através da

excitação da vontade do indivíduo lhe é posto que, no caso da

criança, se ela decidir obedecer, ao final de tudo, ela simplesmente

vai receber a satisfação que tanto almeja. Este é o paraíso eterno.

Irei dissertar isso mais detalhadamente e com mais exemplos em

um outro texto, mas o foco consiste no fato de que o princípio tanto

das religiões como das leis consistem numa moral ao invés de uma

ética.

Eu concordo de fato que não poderíamos organizar uma sociedade,

sem ter por etapa um processo de constituição complexo, que

começa nas suposições mitológicas das religiões, se transmuta

paulatinamente para a constituição de leis de estado e, após tudo

isso existe a consumação da vivência, a consumação do

aprendizado das virtudes, e essa etapa consiste na constituição de

leis éticas e individuais.

O seu erro se localiza no fato de que há a estimulação de condutas

julgadas apropriadas externamente, o que não fará com que o

indivíduo se importe em transgredi-las quando se encontrar isento

da moral que o acoberta, liberto das suas punições, liberto das

críticas que tem por cerne atingir diretamente o seu psicológico.

Existem apenas duas situações em que num sistema político, tanto

macro quanto micro, revelariam pelo menos uma grande parte da

verdadeira índole de cada indivíduo: 1) A isolação, 2) E o poder.

Por exemplo, na dinâmica da vivência da cultura do nosso país, a

traição é considerada em sua esmagadora maioria com um ato

transgressor, e eu me refiro a traição que um marido pratica em

detrimento de sua esposa. Ouso afirmar que em muitos casos não

há uma verdadeira traição, o que não isenta o indivíduo de ser um

traidor, e eu explico o porque. Em todos estes casos que acabei de

citar com certeza há o peso dos fatores externos de que venho

falando, o peso que se chama Obrigação, mantendo os indivíduos

fiéis não por sua índole, mas pela ameaça que os fatores externos

representam pra ele. Se caso houvesse uma situação em que um

destes estivesse em uma sala trancada, e colocassem junto dele o

seu maior objeto de consumação, uma moçoila considerada por ele

da mais bela perfeição, e tal moça o seduzisse provando ao

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indivíduo que daquela sala tudo o que lá acontecer não sairá, não

duvido que, tendo ele constatado que ninguém irá ficar sabendo, irá

de fato objetivar a sua traição contra a sua mulher! Podemos

chamar isso de traição idealizada já que o indivíduo não objetivou a

mesma contra a sua esposa, o que não exima o indivíduo de ter

idealizado a traição,o que também deveria ser considerada uma

traição.

Quanto ao fator que possibilita a transgressão humana através do

poder, creio que não preciso dissertar muito para por em prova a

veracidade da minha afirmação. É preciso apenas analisar desde o

poder de imposição de um marido sobre sua esposa até sistemas

político dentro de estados onde há corrupção.

Após o homem constatar a fragilidade e submissão de sua esposa,

ele está pondo a prova o seu caráter, a sua ética, as suas

verdadeiras vontades, pois sabe que fator externo algum terá de

pesar sobre ele visto que domina a situação, domina as questões

morais e despóticas sobre a sua esposa.

E isso também ocorre em domínios em massa, como nesses

regimes. Por mais honesto que seja um homem ou uma mulher

vivendo em sociedade, dentro de sua família ou entre os seus

amigos, quando este alcança o poder cria-se um potencial de

corrupção não porque o poder em si carrega esse potencial, mas o

poder libera a vontade idealizada do indivíduo antes contida quando

se via em meio ao medo, em meio a insegurança, em meio ao seu

universo hermético que rondava como um espírito em torno de sua

cabeça, não saindo de lá. Quando se ganha o poder, os espíritos

deixam de rondar a cabeça e se mostram para as pessoas,

mostrando o que ali estava contido de fato.

Às vezes esse fantasma tem por nome a virtude, já consumada,

pois se ela confirma o matrimônio com a índole de alguém, nasce

da união um homem que tem domínio de si mesmo.

Porém, infelizmente há vezes em que ele tem por nome a

indignidade, já consumada por meio do seu matrimônio com a

índole do homem, nasce da sua união um homem de fraquezas e

escravo dos seus desejos alheios. Alheios estes pois foram

modulados por outros homens sem qualquer honra, manipulados

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pelo egoísmo que os fazem caminhar em fila ao abismo da

inexistência, da extinção.

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A Alma Enjaulada.

Se uma alma passasse seus dias dentro de uma jaula

intransponível, alma esta que agora clama por água pela sede que

a consome desde que lá foi trancafiada. Em determinado momento,

uma vasilha d’água surge cintilando num dos cantos da jaula, e sem

mesmo considerar a possibilidade daquilo ser uma miragem,

irrompe, séquita e instintivamente com seus lábios em direção a

vasilha; a valoração que representa a luz a que o desejo segue

neste momento, se transforma na mais intensa luz que um espírito

pode enxergar. Logo após alguns dias tomando da água que jamais

se acaba, a alma não senta mais tanta sede assim. Indo mais além,

a jaula torna-se transparente, onde é possível observar outras

almas usufruindo da água de tamanha abundância, que há fontes

para todos os lados, sendo útil para além dos saciares; as almas

mergulham e refrescam seus corpos enquanto aquela alma,

enjaulada desde a nascença, tem apenas sua pequena vasilha para

satisfazer sua sede. Dentro desta situação, para onde foi a

valoração que antes era atribuída a sua vasilha? Será mesmo que

perpetuou-se?

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“A natureza é cruel e não permite

que desejos, que se resumem em

sua própria intensidade dentro do

nosso pequeno universo, incitem

sua magna piedade; ela vive, e

vive impulsionada por uma

extrema rigorosidade.”

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O Embrião da Angústia

Aos devaneios mútuos que obtenho sempre que possível junto à

aqueles cujas extremidades do seu conhecimento abarca o

horizonte, tive o privilégio de apreciar atribuições categóricas e

diretas; uma generalização que me pareceu irrefutável em primeira

instância. Foi me dito que assim como tudo ao nosso redor, os

seres humanos também fluem, isto é, eles também são movidos e

motivados, entretanto apenas por dois elementos cujo um deles

estala um chicote por detrás do espírito, e o outro se mostra

distante, porém fulgurante; o primeiro faz com que o espírito

pretenda fugir de suas lágrimas, ao passo que o segundo lhe

parece como o remédio destas lágrimas, e que para ele nada se

assemelha com a luz no fim do túnel, para ele está é a consumada

luz que o aguarda – ao menos naquele momento. -. O primeiro

destes é o medo implacável, e o segundo, o ofuscante anseio. Ora,

não se lançaria seu espírito para o abismo se estivesse ele numa

estreita estrada, enquanto as dores incessantes o obrigam a

descobrir o que há no profundo onde não pode ser visto? Ora, não

sucumbiria seu espírito outrora também perante a luminescência

ofuscante, esta que se alastra e intensifica-se a medida que o

rebentar do chicote fenda as tuas costas, ainda sim ao passo que a

razão humana conhece que o que ofusca também resguarda um

segredo tanto quanto a notável negridão?

A abundância na nascente dos espíritos deste mundo é

extremamente inacreditável, pois a todo instante estas almas recém

nascidas estão sujeitas; e esta é a palavra, sujeitas, nada além

disto; sequer um adjetivo, sequer um ambiente para onde sujeitar

estes recém chegados no nosso plano. Estão sumamente sujeitos.

Ao adentrar este universo de sujeição que é o sucumbir dos

homens perante as forças que estes não podem controlar, e

sabendo neste instante sobre as propensões vitais que mantém o

espírito em constante movimento, são adversos os fatores que ora

inibem a chegada para aonde paira a luminescência, ora percutem

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o efeito alucinógeno de enxergar o carrasco com um enorme

assombro. São estes os sintomas iniciais daquilo que concebemos

dores e sofrimentos, obviamente dentro dum espectro onde

compreendemos como forças vitais da nossa psique sendo os

medos e os desejos. Isto se resumiria numa concepção claramente

superficial destes impulsos, sendo pois humildemente dito por mim

que há muito mais por detrás dos afastamentos e proximidades;

haveria más intenções por detrás daquele sol? Haveria mais que

compaixão por detrás daquele tirano? Tais revelações se

emancipam da voluntariedade aquisitiva humana, isto é, a primeira

impressão é claramente tida com os símbolos que constituem as

forças das quais eu falo, uma luz atrativa e um tirano medonho,

uma mente insensata não se questionará enquanto sua criatividade

conceituar o cintilar como bom e as agressões como más. Quantas

são as vezes em que berros arrogantes do sofrimento nos levam

para lugares onde há menos sofrimento? Quantas são as vezes em

que a carícia do mimo carinhoso acabam por fazer-nos tropeçar no

fim de um precipício cujo ofuscar nos impediu de enxergar a

primeira vista? Nesta perspectiva, tornam-se relativos a um ponto

quase que incompreensível mediante a observação humana. Nossa

vida, com efeito, deveria ser contemplada na sua mais vasta forma

atemporal.

Como uma das consequências do nosso entendimento incipiente

do que são de fato estes elementos que nos movem, é neste

momento que a conceituação de sofrimento começa a tomar formar

perante os nossos olhos, e concomitante a isto a concepção da sua

ausência. Seriam as dores que nos formariam a ilusão do conforto,

ou a ausência do conforto elucidariam sensivelmente a existência

da desgraça? Desta vez eu respondo, essas duas manifestações

hierofânicas coexistem.

Se o ser humano for observado dentro dum perspectivismo que

possibilite uma atribuição infantil a sua índole, e esta atribuição

abarcar desde a origem do homem até como o vemos hoje,

perceberemos que ele muito se assemelha a uma criança em

diversos aspectos, mas atendo-me apenas aos que dizem respeito

as concepções humanas acerca daquilo que o machuca, lhe é

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completamente natural valorar quando sua mãe retira seu objeto de

prazer ocasionando um dramático e copioso choro como sendo a

causa da sua dor; para o espírito infantil está seria, simbolicamente,

a morte do seu contentamento em seu sentido mais lúgubre, assim

como lhe é natural, da mesma maneira, valorar o auxílio de quem

recolhe seu sonho de onde antes permanecia num local

inalcançável até então; e novamente, para o espírito infantil este

seria o avivamento em seu sentido mais anímico. É desta maneira

que todos os espectros que acercam a alma o rodeiam durante todo

o devaneio que é a vida.

O questionamento se restringe a causa e efeito com a qual se

relacionam; a dor precede o contentamento? Ou seria o felicitar-se

que precederia, com efeito, o sofrimento? Se tal resposta se

resumisse ao primeiro cintilar que a dor ou o contentamento é

desperto nos nossos primeiros momentos de alento, isto é, o nosso

primeiro pranto que ocorre ao momento que a luz penetra nossos

olhos pela primeira vez, ou noutro caso quando nascemos calados

e curiosos naturalmente pelo mundo novo que nos acerca. Se tal

resposta se resumisse a isso facilmente seria compreendido se nos

é tirado ou nos é dado a energia vital que corre o riacho da vida.

Entretanto, o relativismo que é diluído nesse rio nos obriga a afirmar

que mesmo aquilo que temos durante um bom tempo, ainda há

chances de atribuirmos a ele uma ausência; mesmo que tenhamos

sob nossa posse o mundo inteiro, ainda podemos futuramente

julgar que o todo é pouco somente, e que há algo mais que não nos

deveria ser arrancado, mesmo nunca tendo nem um ser neste

mundo nos tirado de fato. E este é o relativismo que permeia a alma

humana, sendo a dor e o contentamento não meras energias

definidas após o nascimento, mas um redemoinho de uma matiz um

tanto quanto sugestiva que interdepende com o nosso próprio livre

arbítrio, do contrário seríamos apenas fantoches da dialética

marxista tendo a existência baseada estritamente naquilo que o

mundo nos determina. Neste caso, como poderíamos nós abarcar

todo o mundo? Seria o ser humano capaz de abarcá-lo? Seria mais

que um humano alguém que pudesse abarcá-lo? E creiam no que

irei falar, aquele a quem este abarcar não será o dono da

sabedoria, mas aquele quem mais alto chegou tratando-se de

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virtudes.

Apesar de haver de fato uma grande influência externa para

aquilo que, com efeito, desejamos concretizar, a interdependência

das nossas vontades é que decidem estando ao lado oposto do

espectro que compreende o mundo empírico e o mundo inato, a

esta denomino a dialética das emoções.

E talvez seja esta instabilidade espiritual que torna indefinido o

destino mediante o que o mundo empírico nos guia, pois como

afirmei anteriormente, o sofrimento coexiste com o contentamento

de tal maneira que os valores são constantemente alterados numa

gradatividade mínima, que só pode ser percebida após um grande

período. A tudo o ser humano valora acerca de si. Seria pois o

sofrimento e o contentamento valorações as quais afastam e

aproximam o espírito desta realidade? Levando em consideração as

aproximações que tais valores acarretam nos vastos corações, e

também os afastamentos me é difícil definir se isto seria o

relativismo do qual elucidei, ou se entro em equívoco ao afirmar que

há alguma relação entre dor, alegria e vontade de viver. Responda

para si mesmo, estes três valores tem alguma relação? Responda

sabiamente.

Se não for de fato esta nossa resposta, a hipótese mais próxima

é de que não importa qual dama conheçamos primeiro – a que nos

beija ou a que nos rejeita -, e sim o tormento que estas duas

causam em nossas vidas até o momento que não poderemos mais

senti-las. Elas se estapeiam na nossa frente, ora nos deixando ao

bel prazer da luxúria, ora fazendo-nos questionar o porquê de

tamanha rejeição se homem nenhum há mais no mundo que fará

consumado o seu magnânimo amor. No final das contas, seriam

elas apenas uma única dama que sofre de bipolaridade? Percebam,

a coexistência é tamanha que não há dúvidas de que a luz é o

carrasco, e o carrasco a luz.

A dama da luz não precede a dama do medo, tampouco a dama

das trevas precede a dama da luminescência.

Aquele que obtiver o controle do seu próprio espírito a ponto de

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manipular suas valorações, atribuindo contentamento para com a

abundância e sofrimento para com a escassez, concretizará a

consumada satisfação, porque satisfação como conceito e

manifestação hierofânica, representa não a ausência de sofrimentos

e a presença constante de contentamentos, mas o equilíbrio entre

estas duas energias que permanentemente estarão presentes na

nossa existência. A interdependência entre o livre arbítrio, a

sabedoria individual e a valoração e desvaloração do que deve ou

não ser valorado ou desvalorizado, é que determinará para qual

sentido irá partir a alma, tendo como alvo principal a plena

satisfação.

Não confundam meu dizer com o conformismo que torna-se

justificativa para desigualdades, a única desigualdade que existe é

aquela que o próprio indivíduo afixa dentro de si, do seu livre

arbítrio psíquico, não as desigualdades ocasionadas pela decisão

daqueles que podem retirar o prato da refeição da maioria dos

homens ao seu bel prazer. A esta primeira desigualdade eu chamo

autenticidade de espírito, a esta segunda, a fraqueza de espírito.

Todo elemento que está presente na vida pode ser alterado – não

evoluído, dizer isso seria me apegar-me demais a este mundo. -, e

o que as criações humanas nos mostram é que nesta alteração

existe uma gradatividade chula e desrespeitosa, que mede

ridiculamente as valorações de sofrimento e contentamento como

se o ser humano precisasse de fato mostrar para seus semelhantes

que possui a capacidade de matar com seu próprio punho, para

mim estes são os anencéfalos que para meu desprazer ainda

controlam o mundo muito bem. Alguns espíritos que sofrem de

anemia, ainda são subjugados pela supraestrutura ideológica

subjugando assim também sua própria capacidade de valorar! Isso

é inconcebível agora que percebo a intensidade da situação, pois

nenhuma alma deve deixar que sua habilidade de valoração alheie-

se à algo tão externo como é a apodrecida ideologia da minoria!

Superadas estas fraquezas, a alma baseia-se em si mesma e

em sua própria filosofia as alterações que irá realizar para sua

própria satisfação. Como afirmei anteriormente, não se resume

simplesmente em valorar o que já se tem, sendo direito exigir aquilo

que ainda não se tem e expurgar aquilo que se tem demais. A isto

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tem direito o espírito, sendo pois a interelação entre o livre arbítrio,

a sabedoria e as valorações; dentro disto é que cada indivíduo terá

consciência da sua própria satisfação, que será constantemente

alterada pelo panta rei que rege a realidade.

A satisfação, assim como a alma sequiosa por água num dado

momento satisfez-se por um instante, logo após exigir muito mais

que uma vasilha d’água, altera-se sendo impossível valorar o

presente momento de tal maneira que seu estado emocional seria

congelado eternamente. Entretanto, a lição se comprime no olhar

que cada um tem de ter para dentro de si mesmo ao invés de ser

subjugado pela realidade externa; dentro de si há uma constante

revolução que deverá ser projetada em valorações em busca da

magna satisfação; seria ela também o sábio equilíbrio. Mas a

dúvida percute se seria esta o congelamento do qual falei; se a

satisfação altera-se, como valorar reflexivamente os elementos que

o acercam? – gostaria que soubessem que no momento que redigi

esta questão, também não sabia a resposta. Esta é a filosofia. -

Dentre todos os trajetos que apresentam-se para os nossos

anseios, em busca de conceder a eles a gentileza de confiar os

nossos passos as surpresas que nos aguardam em seu destino – é

desta maneira que o labirinto da vida representa-se, tornando cada

uma das suas emboscadas a improbabilidade da vida. –, há sempre

um que mais se aproxima daquilo que realmente precisamos.

Entenda o “eu” como sendo as vontades quase que absolutas da

nossa identidade interna; faço questão de deixar isto claro.

Dentre todas as opções que nos são apresentadas há variações

que exprimem-se desde o que nos levará uma lasciva e prazerosa

satisfação, que após o gozo e o amor que expressaremos em

gratidão, se mostrará efêmera e se dissipará no ar, até a estrada

que será a opção daqueles que forem maiores vítimas do seu

próprio eu, isto é, a íntima relação com as energias que permeiam o

seu sangue que o levará a convergência da satisfação. Explico:

Dentre todas as satisfações que nos estão disponíveis em todo o

curso existencial, há sim dessemelhança e desigualdade sendo

estas que definem as satisfações mais das menos efêmeras, e o

espírito que se embasa no conhecimento das convicções que a

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sabedoria lhe tornou quase que absolutas – Quase tudo neste plano

é quase que absoluto, para aqueles que há o absoluto estão

apenas desenganados mediante a convicção que projetam em

relação a qualquer coisa que assistem; há muitos destes. -, enxerga

também como que o olhar de um falcão as satisfações que

simetricamente serão quase que absolutas, assim como antes de

alcançá-la o espírito suporia; obviamente, aquele que está distante

das ilusões o bastante para conhecer suas próprias convicções.

A alma cuja essência é permeada grandemente por um

altruísmo honroso, saberá consequentemente que uma de suas

satisfações é obter o efeito de contentamento em outros espíritos

que não seja o dela; é vítima duma filosofia intensa que a fez

entender profundamente cada detalhe de toda esta situação, os

significados dos princípios e efeitos que compõe o seu altruísmo,

como os significados do contentamento, os significados do

altruísmo em si, os significados do contentamento consequente

que, ao meu ver, é uma das mais belas e intensas maneiras de

contentamento. Tentem contestar e afirmar que esta é uma

satisfação efêmera que eu lhes direi que sua intensidade abarca

quase que absolutamente toda a existência humana! Como pode

algo deste nível ser efêmero? Através do autoconhecimento é que

esse espírito chegou a esta conclusão, estando para além desta

variadas outras que se compõem numa quase eterna virtuosidade.

É esta a convicção de que estou falando, são para estas

satisfações que, diferentemente das efêmeras, as alterações terão

pouco ou quase nenhum efeito; Ter a glória de sobrepor os seus

semelhantes tendo a posse daquilo que por um instante era grande,

sem imaginar que a todo instante a grandeza muda de objeto; qual

será o desfecho desta história? Por outro lado, ter a glória de

contentar-se com a existência da água ou do ar, sabendo que estes

perpetuaram por eras, até mesmo se o espírito for imortal ainda

viverá satisfeito por eras! Sendo assim, existe sim variadas

satisfações e umas são permeadas pela virtude, enquanto outras

são permeadas pela estupidez! Me respondam, em qual sociedade

houve ao menos um publicitário que tornou o “American Way”

embasado na abundância, naquilo que pouco mudará?

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Me parece cada vez mais evidente que a ausência da estupidez

eleva o homem; o eleva para um patamar onde, neste caso, ele irá

mirar aquilo que, com efeito, o satisfaz. E reitero com muita

satisfação minha convicta afirmação: O homem deve sobressair-se

para longe, num âmbito extremamente distante da estupidez que

reina numa gama avassaladora pela mente dos homens dos dias de

hoje. E este âmbito se compreende quando este homem alcançar o

cume da filosofia que o conduzirá junto ao grandioso sentimento,

quase tão intenso quanto o próprio amor, que é a satisfação pela

existência.

É desta maneira que a utopia irá salvar as almas que ardem no

fogo ardente da estupidez, porque esta é que em muitos casos,

com efeito, não só prejudicam como causam sofrimento. Quanto

mais o homem se deixa dominar pela existência, se compreende

nele o ato de estupidez que impedirá ele de compreender aquilo

que o abafa. Sumamente, é disso que nós precisamos, domar a

nossa própria existência como alguém doma um cavalo selvagem.

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“E derramaria, em todos os seus

livros, lágrimas arrependidas de

sua pretensa complexidade.”

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Doce Leveza da Dor

Não sofreria mais intensamente o homem cujas expectativas o

seu destino não acarretasse, ocasionando assim tamanha

frustração ao perder determinada porcentagem de sua fortuna? Ou

sofreria mais, de certo, o homem cujos braços estendidos às

divindades clamassem por uma única migalha de pão? Se este

primeiro se mostrasse num estágio de depressão beirando ao

suicídio, enquanto o segundo demonstra gratidão eterna à aquele

que garantir-lhe um pedaço de pão, num único dia, mesmo que os

dias vindouros não estejam tão certos quanto este; não sofreria

mais exepcionalmente o homem cuja vida permanece no auge da

regalia, enquanto o homem de rosto sujo, de pele rija e desidratada,

tem a vida estagnada no apogeu da miséria? Não teriam seus

corações realmente dilacerados pela vida cruel, aqueles que

durante a crise de 1929 na América do Norte ocasionaram um

episódio de suicídio em massa, enquanto uma singela moça de

classe baixa, que lutou para continuar a criar seus filhos, foi a musa

de uma das mais famosas figuras dessa época?

Há algo de muito estranho quando aqueles que tudo possuem,

nada ao seus bens atribuem, e aqueles que nada possuem, assim

como Diógenes, fazem da pobreza extrema sua maior virtude.

Ao ter um objeto retirado a força de suas mãos, ele negou e

relutou com imprecações para que ela não insistisse em divertir-se

com aquele banal objeto. Lançou-se ao chão em desespero; o

drama era equiparável as perdas mortais que os seres humanos

defrontam durante suas vidas. Recusou-se a interromper os prantos

até que lhe devolvem-se sua banalidade, rolando seu corpo como

num flagelo e o baqueando contra o chão, as paredes; uma greve

até que lhe proporcionassem o prazer que lhe foi roubado

brutalmente para que cessasse de uma vez por todas a tortura que

dilacerava sua alma. E lá ela permaneceria, esperneando e

agonizando porque era este todo o sofrimento que este

acontecimento lhe ocasionara; somente por terem tirado dos teus

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braços aquilo que antes lhe causava conforto, um conforto maior do

que qualquer pessoa que observar possa imaginar. Esta garotinha,

de dois anos apenas, descobrira finalmente a existência da

angústia, da amargura e da ominosa vida, e é de semelhante

maneira que toda a humanidade se comporta em relação as suas

próprias banalidades; comportam-se deste mesmo modo infantil,

egoísta, ignóbil, sem pudor algum sobre suas vergonhas que

exibem, encenando a real continência do seu próprio universo,

delimitado apenas aos seus próprios interesses, afinal, são apenas

crianças cujas regalias lhes foram arrancadas. É nessa perspectiva

que observo, com efeito, para o horizonte ao qual se delimita os

sofrimentos mais indignos; se é que podemos chamar horizonte, já

que estes deságuam na distância de um braço a partir do epicentro;

não são capazes de enxergar para além onde, verdadeiramente,

espíritos ardem nas chamas da existência, semelhantemente a

inabilidade que um ser de singela beleza tem de não transcender o

seu próprio corpo. Mas este, agora diferentemente, está a crescer

prestes a aprender a como tornar-se transcendental. Seriam então

estes homens aqueles que não cresceram espiritualmente? Não

fomentaram suas virtudes ao ponto de não tornarem-se

transcendentais em seu compadecer? São agora crianças adultas

que sabem muito bem o que há para além dos seus corpos, mas se

fecham pois sabem que desta maneira há menos chances de serem

dilacerados. A vida é repleta de pêndulos e lanças prontos para

acertarem os primeiros a que por ela forem se aventurar, tendo a

opção de manter-se trancado dentro de sua própria jaula, e é isso

que são estes seres de espírito fraco, fracos o bastante para

resguardarem seus deleites sem o compadecimento alheio,

sabendo que este compadecer torna vulnerável a retirada de suas

energias sem propósito algum. É assim que eles enxergam, perdem

suas energias e sofrem com o espicaçar das pernas que se

exaustam ao caminhar o dia inteiro, seus braços que adormecem

por não cessarem o sustentar do céus para que este não caia sobre

os homens; ressalvam seus corpos para que estes estejam intactos

quando ignorando que ao final os vermes comerão seus espíritos

pelo lado de dentro. Mitigariam, com efeito, suas próprias energias?

É assim que optam por imaginar. Sofreriam vazão as energias

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daqueles que são esfolados pelos seus destinos, e ainda assim

mantêm o seu alento enquanto são perfurados por agulhas que

seriam, para os espíritos confinados, enormes e amedrontadoras

lanças em chamas? Compreenda esta vazão como a causa de toda

anemia espiritual, esta que torna a realidade cada vez mais

tenebrosa ao homem, e me responda seriamente. Qual destes

espíritos lhe parece, literalmente, aquele que mais força tem?

Sob as toneladas que encurralam e esmagam o homem durante

todo o seu percurso da vida é que há de se indagar; correrias tu

para o mais distante e aparentemente protegido recanto, por detrás

de uma enorme coluna cujas expectativas fossem projetar todo o

peso para esta coluna, e seus braços amoleceriam e apodreceriam

em desuso. É deste jeito que comportam-se os estúpidos espíritos,

sem ponderarem que esta mesma coluna não é inexorável e pode

romper-se; ao passo que ridicularizam num destilado escárnio

aqueles que mantém-se frente a frente com o descontentamento

implacável, firmando seus punhos e corpos inteiramente contra a

enorme rocha que desliza afim de esmagá-lo; edifica adentro de

cada poro e de cada célula que o constitui a rija potência que vai de

encontro com os revezes da existência. Aquele que mantém-se

ilusoriamente protegido por detrás da tênue coluna, direciona aquilo

que o segura em pé para que esta mesma absorva os seus

impulsos; uma lisa pedra imóvel erigida pelos sonhos e desejos de

uma segurança milagrosa, isenta de enervamentos que abarcam

anestesiadas o impacto das ondas petrificadas do sofrimento; e eles

não o sentem, permanecem alheios a última parcela da realidade,

optando por obter em suas percepções somente o que seus frágeis

desejos anseiam, ao passo que seus conterrâneos podem ser

vistos ao longe, ora revestidos por frágeis armaduras que racham a

cada centímetro percorrido pela pedra que lhes vem de encontro,

ora auxiliados por paus e lanças pretendendo estagnar ou atrasar o

seu pálido fim, ora completamente nus, cujos relatos dos mais

protegidos o descrevem como o mais próximo do iminente desastre,

com seus dedos esfolados, sua pele em carne viva, seus músculos

exaustos e seus ossos fraturados, pois se estando resguardado por

aquilo que se julga a fortaleza mais resistente, ao tocar na

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estrondorosa rocha sua carne evaporiza como se ela fosse feita de

ácido sólido, que haveria de restar para o espírito que nela encosta

com seu corpo nu mais que a luxúria de amores sexuais extasiados

e livres de qualquer obstáculo? E neste sentido, os espíritos

caminham lentamente para suas próprias fortalezas efêmeras,

aguardando diligentemente até que se rompam as paredes e o

soterrem cruelmente por debaixo dos seus sonhos.

É claro, culmina dentro de si a inveja e o sentimento de injustiça

quando compara-se sua nudeza à regalia que têm outros espíritos

que observa, mas desta vez a estupidez se manifesta de maneira

contrária; é comum ter a observação de que se vive no mais baixo

nível, sendo concomitante a atribuição de fraqueza de espírito,

enquanto a observação dos resguardados se posicionam em que

permanecem no mais alto nível, tendo juntamente a atribuição de

grandeza de espírito, ou seja, a estupidez resume-se na opinião

infundada que ambos detêm sobre si mesmos.

O espírito esteriotipado infunde a ideia de injustiça baseando-se

nos utensílios que não possui e outros sim, na armadura que não

reveste seu corpo nu e outros têm seus corpos revestidos, e até

mesmo na enorme coluna, tendo apenas o seu próprio corpo como

objeto de proteção contra si mesmo; mas o “si mesmo” não seria o

seu próprio corpo? E este não seria a fortaleza final, isto é, a que

protege a sua alma? A sua própria vida? Estando ele protegendo

sua vida com sua própria vida? Seria tão arriscado quanto a

estupidez burguesa que permitem que seja absorvida sua energia

vital por um objeto inanimado como a coluna protetora? Respondo

que não, pois o gerador desta energia é sua própria casa carnal, e a

medida que dele você faz seu forte, expõe para tudo o que possa

lhe vir de encontro: “Para deteriorar meu espírito, tens primeiro que

romper com o último e único muro intransponível, sendo seus tijolos

feitos pela minha carne, a minha mente, a minha moral, os ideais e

a minha filosofia! Só assim permitirei que ao fim, sendo eu também

imortal, pereça a cruel natureza ao final do perene combate que

compreendeu a minha existência.”

Em suma, quanto mais direto um homem se encontra em

relação aos descontentamentos, mais ciente seu corpo e sua mente

tornam-se para o que devem se preparar, não estagnando perante

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o pequeno universo que compreende a existência egoísta. É desta

forma que descerão novamente os espíritos para o inferno, afim de

resgatar as almas do sofrimento não proposital, sem sucumbir ao

abranger seu universo para além daqueles que são torturados até a

morte.

Dantes vistos como os mais próximos ao desastre, são na

realidade os que mais força tem para ele destruir, com seus dedos,

sua carne e seus ossos contendo tamanho poder capaz de

transcender e abarcar todo o ardor na palma das suas mãos! Estes

sim são os espíritos grandiosos!

Alguns olhos ainda tem a infelicidade, se me é permitido assim

dizer, de presenciar de tal maneira as situações que ocorrem com

as pessoas ao seu redor, tanto também com aquelas que estão

extremamente distantes, mas próximas por também serem seres

humanos, que o altruísmo se manifesta e cintila dentro do seu ser a

conexão que permite sentir aquilo que os outros homens de fato

experienciam; o condoer-se que consequentemente atinge o âmago

do ser ao ponto de lhe fazer recuar ou avançar. Ora é posto em

prática os dizeres ousados e convictos de uma luta coletiva contra

tão temidas situações, ora as mentes psicologicamente

despreparadas caem numa reiterada negação que comprime suas

pálpebras, retrai suas mãos, seus braços e seu corpo todo na inútil

tentativa de manipular a realidade; a incapacidade de suportar que

alguém tenha que arcar com as imposições para qual o destino

sempre nos revela. Esta última, em alguns casos, não torna-se

responsável o suficiente para sobressair-se ao encarar a agonia

infernal que atormenta; em suma, é isso apenas que ela enxerga,

uma tormenta que não pode ser mitigada, apagada, extinta, visto

que “os seres humanos, a partir do momento que tornam-se

existentes no mundo material, nascem subjugados ao bel prazer

dos caminhos incertos seguidos diariamente; nunca conseguem

enxergar por detrás das neblinas, das curvas, das densas florestas

que tem de atravessar diariamente”. As ilustrações simbólicas são

tão criativamente erigidas em alguns pensamentos, que são estas

estratégias usadas para imaginar a missão de cada dia daqueles

que necessitam cumprir tais missões. Será divertido mesmo ter que

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vender, sem excessão, todas as gotas do seu suor afim de

amamentar todos aqueles que de você dependem? Sem o

discernimento prévio que antes o preveniria dos caminhos

“supostamente escolhidos”, tendo agora que aguentar estas

chibatadas todos os dias?

Estas mentes preferem assim imaginar e romantizar os crimes

inevitáveis da natureza contra o homem, ao menos agradecendo ao

seu Deus por não ter de passar pelo mesmo, enquanto noutros

casos a negação reiterada insurge de maneira que cada sílaba dita

contra estes maus pensamentos, matam dia a dia a compaixão dos

seres viventes; muros são erguidos pela sensação de que não

sentir é o mesmo que não existir, afinal, os sons emitidos em um

lugar onde se tem apenas surdos não é que não pode ser escutado,

ele não existe! Se perguntares para um destes qual sua

perspectiva em relação às dores do mundo, ele defenderá sem

hesitar os perjúrios que os pobres homens são obrigados a se

submeterem, lamentando com sinceridade de classe o mal que

pessimamente compreende. Porém, este é o lado sombrio daquilo

que se entende como o egoísmo que aparta o ser humano dos seus

semelhantes, preste atenção nas minhas seguintes palavras: o

egoísmo que assola o desenvolvimento humano existe desde

sempre e para sempre, isto é, eterno e inerente, sem o qual cada

sujeito não poderia, desta vez, suportar as toneladas e toneladas

que nos atingem de diversas maneiras.

Por um lado, a negação convicta e absoluta desvira o homem do

ponto que o mantém humanitário, sendo este um dos extremos. Por

outro, a asserção orgulhosa se representa em quase que um mártir

filosófico dos princípios! Enxergando desta maneira, nos parece

algo de beleza magnânima e que deveria ser acatado por todos os

indivíduos, mas a fraqueza, ou ainda, a limitação humana sempre o

tornará em todos os sentidos podado pelas delimitações das suas

capacidades de modo geral. Poderia o homem ser fraternal e

filantropo o bastante, ao nível de que, este sentimento projetado em

toda situação degradante pudesse insurgir a eloquência insana,

uma atitude desmedida capaz de tomar eu seus braços tantas

pessoas? É neste extremo que estamos mirando o nosso potencial

agir!

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Mas não se enganem, a subjetividade é tão traiçoeira que um

mesmo acontecimento que para um, o tornaria o mártir e o ícone da

remissão dos pecados de incríveis multidões, para outro seria o

motivo final para que desse cabo de tamanha responsabilidade, e é

nesta perspectiva que a coexistência das divindades

representativas da desgraça vigente, o reino do ego que habita o

interior de cada indivíduo, ora paradisíaco, ora infernal, e a euforia

que reflete-se por entre os homens como os raios de luzes que

rebatem-se em todas as partes, faz parte de uma dialética cujo

produto é sempre o dissipar das neblinas que pairam sobre as

estradas invisíveis, estradas estas que todos seguem o tempo

inteiro mesmo estando parados. A bruma se esvanece, e vê-se

meio que indistinto ainda um pouco daquilo que será o que cada um

passará a fazer, pois as diferenças abismais que coexistem neste

mundo demonstram que o entusiasmo, sendo neste caso produto

do equilíbrio entre os desprazeres e os egocentrismos, só pode ser

alcançado se for entendido mediante o autoconhecimento do seu

próprio egoísmo e sofrimento. São estes elementos que sempre

irão estar presentes em suas mais diversas formas.

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“A existência precede a essência,

e a essência pulsa em sobrepor a

existência.”

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Senhores da Existência

O ponteiro do relógio que se encontrava acima das brisas que

irrompiam pela janela, marcava agora a hora exata em que os

estalos das teclas da sua velha máquina de escrever ressoavam

abafadamente em seu isolado subterfúgio, em consonância com o

sibilar que movia as cortinas peculiarmente, como se os ventos

vivessem e quisessem dizer alguma coisa naquela noite.

Era de sumo costume que, após algumas horas insuportáveis de

insônia ofuscada pela escuridão que jazia no teto no momento em

que o observava, - o coração atingia tamanha arritmia em função de

uma ansiedade sem precedentes – a característica sensação

causada pela dominância da escuridão, dando a impressão de estar

de olhos fechados quando na realidade os mantinha abertos,

captando a escassa luz assim; assim como seus ouvidos captavam

os escassos sibilares da brisa; assim como seu corpo reconhecia as

escassas sensações de se estar completamente parado como se o

mundo a sua volta se desprendesse dos céus, e seu espírito agora

vagava pelo cosmos, pois eram todos os seus receptores sensoriais

que estavam suspensos agarrados pelo pêndulo da indecisão; o

pêndulo que ora oscilava entre o imaginar fixo de um total

desapegar deste universo, que abrangia toda sua existência, ora

oscilava numa eterna e auto-sustentável paciência que era o que,

com efeito, o mantinha recostado e esperançoso de que tudo o que

um dia existiu, não viesse mais a existir. Um leve toque de altruísmo

no desejo de mitigar não só sua alma, como também minguar –

assim como a terra fértil que absorve a água em dias chuvosos –

todas as confinadas fontes de desejos, contidas dentro dum corpo

mortal, jovem, ínfimo e que de uma maneira ou de outra acabará

apodrecendo.

Era como se não sentisse aquilo que irrompia do mundo afora

para dentro de sua prisão, e sim como se os sopros fossem

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causados de certo pelo pêndulo que oscilava diante dos teus olhos,

cujas lâminas fatiavam o ar em variados tamanhos, ora o fazendo

sentir com seu toque um fervoroso frio na barriga intensificando sua

ansiedade, ora acalentado pela leve sensação que uma reduzida

onda de ar em direção aos teus lábios molhados, o fazia imaginar a

mulher que domina os ares abandonar o mundo inteiro só para

acolhe-lo em teus braços: “Digo-lhe que não reconheço o que há,

nem os meus motivos para abrandar, ó espírito que a tanto viveu.

Entretanto, concedo-lhe meu gélido beijo para saciar o desejo que

nunca houve, ora a senhora das ventanias somente conduz teus

ventos, pois não deseja. Concedo-lhe para que, mesmo

inconsciente de minha presença, aceite meu carinho sem calor pelo

teu anseio de abraçar quando um corpo vivo e ardente de uma

moça apaixonada e indecente, ausenta-se pelos teus últimos dias.

Concedo-lhe este único, porquanto não mais me sentirás.

Sucumbirá tua solidão sob a consciência de que o pêndulo

permanece parado. Não mais ressoa. Nem as cortinas que dantes

valsavam sob minha presença. A música não irá mais tocar exceto

pelo percutir dos estalos desordenados de sua última poesia.”

Foi-lhe percebido que teus olhos, segundos antes, jaziam

fechados. Tudo o que lhe passara neste momento fora um vago

sonho reflexivo acerca do turbilhão dos teus pensamentos.

Entretanto, a compreensão embasada em sua plena consciência do

que havia sonhado o conduzia para o seu destino inesperado.

Ergueu seus braços para o alto na esperança da dama dos ares

o puxar para o alto, mas nada aconteceu exceto pelo paralelo

universo de suas fantasias. Dissipou-se no ar esmagado pela razão,

a dona de sua solidão.

Num ímpeto de seu objetivo mesclada a intensa fragilidade

daquele momento, rolou seu corpo para o lado despencando em

direção ao chão de velhas madeiras, cujos estrondo era resultado

de algumas peças quebradas após a queda. – Foram fabricadas há

décadas quando seu avô construíra a velha cabana, uma casa de

dois andares assim denominada pela sua localização misantropa e

o tempo que havia sido construída, arrematada pelo seu próprio pai.

– Parcialmente, o que combaliu de encontro ao chão fora sua

cabeça, resultando numa peculiar dor, aquela que insurge um ódio

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capaz de induzir alguém atingir reiteradamente a mesma área

ferida, sem motivo algum. – Talvez um irracional querer de

autodestruição em função da consciência da fragilidade e

imperfeição humana, como quando é assumido que a dor existe e

sempre existirá, a não ser que alguém tenha a ousadia de

assassiná-la. – No entanto, o final do trajeto todos de fato

conhecem, pois tal ousadia não irrompe tão facilmente em qualquer

um, e você se mantém resignado perante a dor agora,

interrompendo as constantes cabeçadas, conformadamente

aguardando o efeito anestésico que o tempo consegue provocar em

quase todas as coisas. – Até mesmo as que não vivem?. -

Não há motivação alguma para levantar-se, ora simbolicamente

a depreciação chega num patamar onde o chão torna-se o nosso

verdadeiro lar. Suas mãos alcançaram a escrivaninha que ficava

não tão próxima de sua cama, porém não tão distante do telão que

antes proporcionava a valsa das cortinas, a puxando com um certo

esforço – Além de sua antiga máquina de escrever que ganhara

num concurso de poesia quando possuía os seus quinze anos,

havia quadros empoeirados de seres humanos que há tempos não

via, havia também uma agenda semiaberta com datas

demasiadamente antigas em relação ao dia presente, haviam

alguns materiais como livros ordenados na horizontal no

compartimento inferior, acima deles num espaço que ainda sobrara

do mesmo compartimento, algumas folhas soltas jogadas

aleatoriamente da qual uma delas transbordava para fora,

possibilitando a vista de um título seguido de alguns versos

rabiscados. Sobretudo, havia um fichário que não estava em cima

de sua escrivaninha, e sim reclinado na sua lateral com apoio do

piso amadeirado desgastado. Este fichário era o seu diário, utilizado

desta maneira porque era constituído pelas folhas de sulfite

utilizadas em sua máquina. Visto que havia conseguido um pacote

de folhas há algum tempo e que não escrevia com tanta frequência,

apenas em momentos julgados propícios, elas comportavam um

aspecto gasto, amarelado e amarrotado, o que não era problema já

que seriam tais textos contemplados por dois únicos par de olhos,

julgando que dentro de seu corpo seu espírito possuísse também o

par de olhos de sua alma, a contemplação terrena e quimérica

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concomitante; os anseios do corpo de conceder tuas obras ao seu

espírito, para que este os perpetuasse nos céus, simultaneamente

com os anseios partidos do pálido coração de sua alma, afim de

preservar seus escritos neste mundo para que nunca sejam vistos

ou lidos. Serão cobertos pela constante erosão do mundo e

apagados da memória do universo. -

A escrivaninha foi arrastada diligentemente, ressoando em

função do atrito entre seus pés e o chão um som agudo

perturbador, mas que não o incomodava sendo toda sua residência

formada por uma orquestra de músicos mal formados. - A enorme

porta do seu quarto rangia a ponto de até mesmo o manejar de sua

maçaneta emitir ranger, o chão envergava sempre com o mínimo de

peso sobre ele, as janelas quase sempre não se contentavam

fechadas pela inconsistência de suas fechaduras, e em instantes de

enfurecimento dos ventos não faziam questão alguma de

debaterem-se para o lado de dentro do quarto. Mas estes ruídos já

lhe eram tão frequentes que, como a denominação de orquestra de

músicos mal formados diz, era música para seus ouvidos embora

admitisse que de fato possuía um forte mau gosto. – Puxou sua

ferramenta poética pelas bordas quando o gabinete havia sido

puxado o bastante, neste momento estando sentado apoiando suas

costas na parede próximo aos pés da cama, a fazendo cair no seu

colo e imaginando que a dor ocasionada pelo baque da pesada

máquina em suas pernas fosse um ato de carinho, e que a própria

máquina possuía vida. – Será que ela realmente possuía? – Esta

seria somente a maneira da qual ela se utilizava para transmitir

aquilo que os dois mais tinham em comum; era magoada

constantemente quando suas teclas eram propulsionadas pelo

penoso pesar que o induzia aos seus temas; era ferida cada vez

que pulava-se a linha da folha, espancando-a constantemente com

letras que representam o alfabeto humano, mas que para ela são

somente desenhos carimbados com o ímpeto daquilo que

angustiava sua própria alma, pois as palavras não possuíam vida

para ela, estavam mortas, borrões de tinta cadavéricos sepultados

num espaço branco que com certeza não representava o paraíso!

Era um cemitério de palavras que jamais seriam visitadas, seladas

cada qual em seu próprio túmulo, e ordenadas para que cada

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sepultura representasse aquilo que ele sentia e transpassava para

sua máquina. No fundo ele sentia-se culpado por ter de usar de

tamanha violência para com sua única companhia, mas sabia que

era necessário que certas coisas que guardava dentro de si

morressem e jamais fossem visitadas, até que alcançasse o dia da

sabedoria que consentiria seus passeios por seu próprio cemitério;

a sabedoria de olhar para cada nome e sobrenome, para cada data

que representava o nascimento e a morte das fases da sua vida e,

enfim, admitir para si mesmo que tudo não transpassava o passado,

não transpassava sua própria memória, permanecendo intangível,

conservando-se em momentos que se foram com as enchurradas

dos teus olhos para serem perpetuados no cemitério paradisíaco

das alvas folhas sem que isso o fizesse ajoelhar-se perante um

túmulo peculiar, fazendo com que as mesmas enchurradas

trouxessem de volta o pior dos cadáveres para os seus braços –

Choraria com este corpo morto sustentado pelos teus braços?

Ergueria-o sem se importar com o fétido odor da podridão? Ou seria

inexorável o bastante para esquecer do belo nascimento e da

consternada morte daquele, seu ente-sentimento mais amado?

Haverá neste momento em si tamanha devoção a deusa da razão,

ou irá se prostrar perante os resquícios de algo tão insignificante

que atinge diretamente sua alma, e a mais de ninguém? Que o

sábio egoísmo o guie por estes tenebrosos caminho.

Despertou-se do seu transe e notou que sua máquina

preservava-se inclinada, apoiada pelo chão e por suas pernas. A

folha que antes nela não havia nada escrito, agora rendia versos e

estrofes ordenados tão diligentemente que lhe era inacreditável que

acabara de escrever algo que não se lembrava mais, e ele a

segurava em suas mãos como se estivesse prestes a ler o que

acabara de escrever. – Ele passaria pelos caminhos do cemitério! –

Recolheu a máquina do chão ao tempo que levantara-se junto com

ela como se tivesse recuperado as forças que os seus próprios

pensamentos haviam minguado, a colocou cuidadosamente em

cima da escrivaninha antes de cogitar sobre onde ficar enquanto

relia seu escrito; deitado em sua cama enquanto imaginava que o

negro do alto o levasse de volta para seus primeiros pensamentos –

Já não havia receio, visto por onde iria enrevedar-se -, ou ansiando

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através da janela, com seus braços recostados no parapeito, os

gélidos beijos da senhora dos ventos para amainar sua angustiante

solidão.

Decidiu enfim que ficaria a espera do inexistente, recebendo em

seu rosto o frio que jamais o incomodara, com a fragmentada luz

vinda do horizonte e que se perdia quando penetrava pela densa

floresta frente sua velha cabana. O dia amanhecia e a noite não

dormida, fora constituída de sonhos que transformaram-se na sua

realidade – Talvez aqueles que vivem sozinhos excessivamente

acabem por sonharem demasiadamente, a ponto de serem os

sonhos sua realidade, e sua realidade os seus sonhos. -, e

diferentemente do que lhe inibia literalmente sua vontade por vida, o

manipulava para que ao menos seus enigmáticos sentimentos

fossem traduzidos em poéticas palavras.

A folha contrastava com a luz mitigada, e comportava seu real

aspecto amarelo – De onde surgira a concepção paradisíaca da

folha? A imaginação... -, destacando em letras maiores seu título,

seguido de finas e separadas letras – O caminho era longo e cada

túmulo, bem distante do outro. Dentre um verso e outro és instigada

sua magna reflexão. -

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Senhores da Existência - Poema

Prostro-me diante de vós

Senhores da existência

Rogo-vos a vinda da dama

A dama da inexistência

Alço a que lhes ofereço

Retribui-me os teus apreços

Minh’alma, minh’arte e minh’essência

E em troca torna-te o mundo

Meu próprio cemitério!

Louvo-te em primazia

Oh dama da ventania

Pelo acalentar de seus lábios intangíveis

Pelo gélido sibilar que regia a valsa dos fantasmas

Dou-lhe em troca o sopro vital

Para que dê-me o cessar desta brisa

Lance-me para o mais distante

Onde dissipa-se tudo o que existe

E o nada é tudo o que há

Louvo-te a venerar-te

Oh senhor de tudo o que é

Pelo aconchego das luzes que aquecerão

Pelos resquícios daquilo que um dia se foi

Dou-lhe em troca aquilo que sou

Para que dê-me o findar do que será

Lance-me para o mais longíquo futuro

Onde dissipa-se tudo o que um dia

Não foi, não é e jamais será

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Louvo-te a sustentar-me

Oh dama da beleza

Pelo ofício artístico que me consola

Pelo findar dos versos no meu silêncio

Dou-lhe em troca o meu consternar

Para que dê-me o último verso

Lance-me para o mundo do silêncio;

Das folhas brancas; dos quadros borrados;

Das pedras quebradas; das paredes manchadas;

Do nojo pelo amor!

Onde dissipa-se toda beldade

Onda nada mais há para admirar.

Louvo-te por fim

Oh rainha da morte

Pelo pesar que induz a destruição

Pelo controverso viver com o espírito doente.

Dou-lhe em troca a alma doente;

A vida doente; a poesia escarnecedora;

O encanto disforme; a expectativa deprimente;

O passado adverso; o sibilar lúgubre;

E a orquestra fúnebre da valsa mortal

Que já não incomoda

Onde dissipa-se todo espírito;

Toda escrito sincero; toda digna esperança;

Toda jovialidade das lembranças;

Todo nostálgico sibilar maternal;

Toda música inspiradora.

Nada mais há para admirar

Nada mais será

Nada existirá

Nada

...

...

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“E derramaria em todos seus

livros, lágrimas arrependidas de

sua pretensa complexidade.”

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“O um é tudo, o tudo é um. Compreendemos bem o significado do

tudo, mas nunca o abarcamos. Simbolizamos sublimemente o que

“um” representa, mas nunca dizemos o que ele é. “Tudo é um, um é

tudo”, e para que ele o seja, não é o verbo ser que o tornará;

ninguém compreende seu significado.

Torna-se unânime que “tudo é um, e um é tudo”, mas se fossem a

mesma coisa, não haveria necessidade de separá-los em seus

conceitos. Entretanto, a informação ainda é certa, só tornasse

irresistivelmente intrigante quando se muda a indicação do verbo:

como poderíamos interpretar que o tudo foi um, e um foi tudo? A

não existência?

Compliquemos mais: tudo será um, um será tudo. Tudo se torna

um, e um torna-se tudo. Isso demonstra belamente que o verbo

significa o que há de mais importante na frase; como tudo acontece,

como o tudo pode vir a ser um, e um vir a ser tudo. É o caminho da

transição que é ignorado pela magnitude da frase como máxima

incompreensível.

O vir-a-ser se mostra como incógnita, que é respondida de maneira

simplista. Como numa comparação estética daquilo que há de

maior com aquilo que há de menor. Existe uma relação? Talvez.

Entretanto, essa problemática, em momento algum vai considerar

as minúcias que constituem tal grandiosidade, pois ela é

considerada por si só, não carregando junto o que ela comporta.

“É”, em suma, representa o elo irredutível – veja bem – entre tudo e

um.

De certo, os três são irredutíveis. Mas, entre o começo e o fim, o

meio é o que há de mais complexo e longo. Se não pudéssemos

sequer experimentar o todo, a mente ousada irá supor ínfimos dos

mais diversos caminhos que levam o um à plenitude. Desconstruir o

tudo ou elevar o um, entender a história dessa unicidade, é o que

há de mais desafiador e aterrador para os que pensam que o “ser”

é um e é tudo, pois não o é, do contrário, nos restaria aceitar o tudo

como é, e nós, constituintes, prisioneiros dessa sina, passivos

perante o que para alguns é, mas que na verdade parece ser. -.

Tudo é um, um é tudo, mas não apenas é, nem tampouco foi, nem

somente será; tornou-se, transforma-se e confronta-se com os

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dizeres que explanam o seu ser, no aguardo de que o amanhã trará

as palavras que percorrerão os caminhos que o tudo e o um, até

então, percorreram nesse complexo nuance astral.”

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Sacrifício da Inspiração

Se eu pudesse pedir uma coisa sequer, pediria que tudo fosse mais

do que parece ser. Seria muita exigência que minhas visões fossem

transmutadas de tal modo, que essa perspectiva pálida, tímida,

isenta de anima, tomasse a forma daquilo que meus anseios

abstratos mal conseguem constituir em minhas ideias? Ou, como

diriam os que sequer reduzem a realidade, tampouco ampliam-na -

céticos desta existência -, nada poderia haver por detrás de tão

simples e facilmente explicáveis elementos, incapazes de nos

prover influência visto que nosso cotidiano, nossa passagem no

mundo de um modo geral, depende estritamente da luz que aquece

nossos corpos e ilumina a retina dos nossos olhos, ou dos sons que

nos guiam mediante as melodias, as vozes carentes, vozes doces e

indecentes. Nada de luzes coloridas que pairam ao redor dos

nossos corpos ou matizes melódicas que ao passo que se alteram,

mudam consequentemente nosso estado psíquico, ou melhor,

nossa aura indomável, nosso mantra irrevogável.

Parece mera prece de minhas percepções, mas creio que é algo

mais profundo e indescritível que somente aquilo que nossos

sentido nos orgenam a acreditar. Pediria em reinvindicação ao ser,

tudo o que me foi negado quando foi me foi selado esta infinitude,

que se difere da suma infinitude por condenar o homem ao tempo

cronometrado. Se é que ele pode me ouvir, me sentir, me amar? Eis

a questão, não se manifestando de maneira alguma, o mais forte

sentimento é que será a evidência de ecos não coexistem com

quem o professa, mesmo com quem os vocifera!

Pergunto-me se poderia ser representado como um ser, ou se não

o é o bastante. Neste caso, o máximo que eu poderia fazer é referir-

me, sumamente referir-me, como quando pensamos o nada sem

nos darmos conta disso. Afinal, quando o conceito de inexistente

invade nossa mente, o nada toma uma forma específica e deixa de

ser nada. Se para além daquilo que podemos sentir há algo

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intangível, poderia ser isto o nada, nossa percepção do tudo, e

novamente, a existência do nada, apenas o nada. Mas estes, nessa

altura, tornam-se meros devaneios que se perdem nas

conceitualizações daquilo que só pode ser pensado, se não for

pensado; só pode atuar ativamente se mantiver-se inteiramente

inerte; só é capaz se poder algum possuir; só existe de fato se não

existir, não for pensado, debatido ou meramente elogiado pelos

cânticos dos que o apreciam, suscetíveis ao seu efeito devorador

que corrói tão enrugados corações, ensurdecendo a si mesmo com

a voracidade que age no seu desprezo pelos cânticos que não

sejam os teus, nutrindo-se sem aperceber-se que seu jejum o

tornaria menos magro que o é quando corteja com a fome, negocia

solenemente como se os pratos que os homens comem devessem

ser ruminados antes de serem engolidos, isto é, os homens

possuem mau gosto, enquanto você degusta os amargos frutos que

a terra vos concede, e quando não são amargos, são azedos e

estragados. Os homens gostam de triturar seus próprios intestinos,

ao passo que quanto menos comida mal lavada e cuspida você

ingere, menos se mistura com aqueles que agarram suas preciosas

vidas, como se estas fossem preciosas. E até podem ser, sendo

esta também uma palavra de podre definição.

Por um lado, há a angústia que admira alguns de que possam

existir homens que prezem o nada, por outro, seus adoradores o

fazem, e são os que mais próximo chegam de um extremo que,

ousando eu, nem por extremo pode ser descrito. Os extremos se

constituem e delimitam-se, para o destruidor de sonhos só resta

uma associação com o buraco negro que tudo absorve, não vos

prometendo retorno.

Ouçam bem os meus conselhos, pois o desprezo é a causa de toda

incompreensão inconsequente; os conhecedores do nosso universo

não são abstracionistas, são experenciadores. E são estes seres

que, posso dizer eu sem temor algum, que vivem com os espíritos a

eles dados, confluindo com o fluir do um que é o todo, que estão a

beira de um colapso ou até mesmo de uma transfusão;

assemelhasse a um homem intensamente apaixonado por uma

imensa esfera de energia, que ao se aproximar dela, vislumbra

nitidamente a bifurcação dos seus destinos, onde por um dos

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caminhos finda na insineração pela esfera imponente, ainda

gemendo seu último menosprezo por ela que o iludiu, e por outro ao

tocá-la, percebe que a completa matéria do seu corpo e da esfera,

unem-se em um único ser que vagueia pela existência em busca de

uma nova união.

São estes seres que vivem na corda bamba, e é a corda bamba que

oferece as intensidades dos prazeres e dos perigos; dos

acontecimentos indescritíveis; seja pelo explendor; seja pelo

acidente fatal.

Ouçam bem os meus conselhos, vós que vivem sob a

inconsequência dos plenos prazeres, do culto sem temor ao senhor

impotente do nada. Como disse anteriormente, o retorno não é

prometido àqueles que se envolvem amorosamente com a sedução

das trevas, para nenhum de vós! Nenhum destes retornou até os

dias de hoje, somente afundam-se e desaparecem, ou gritam

enquanto são puxados, para que o mundo inteiro ouça os ecos de

suas inspirações.

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Contos Gerais – A Consciência

I

Era um dia de sábado assim como qualquer outro, uma tarde sem

muito sol, mas ainda recoberta de um mormaço um tanto quanto

prazeroso.

Estava vestindo minhas roupas habituais de fins de semana; meu

chapéu com uma listra prateada no meio, uma camisa incolor,

calça social escura, desbotada, e um sapato de cor marrom velho

e desgastado. O sol começou a se mostrar, e o prazer do

mormaço aumentava enquanto eu apreciava seu calor. Vendo

algumas poucas pessoas me ultrapassarem depressa, atrasadas,

enquanto eu simplesmente caminhava com as mãos vazias nos

meus bolsos e olhava para o céu azul, sentindo meus olhos

lacrimejarem diante de sua beleza.

Minha respiração, eu nunca havia reparado que conseguia saber a

hora em que estava respirando ou aspirando, e pensando bem,

creio que ninguém saiba. Um ato ensurdecido pelo bombardeio

sensorial que nosso consciente sofre durante o dia. Se alguém

afirmar que reparou em sua própria respiração, tenho quase

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certeza de que o ocorrido se deu na hora em que a pessoa se

deitou pra dormir, onde em todos os sentidos o silêncio os domina

como monstros adestrados. Notei também um detalhe

interessante, eu demorava mais a aspirar do que para respirar.

Quando se presta atenção em si mesmo, se é um homem

observador, é comum se notar mínimos detalhes. No entanto,

além desse detalhe que segundos depois passou a ser

considerado insignificante, notei uma coisa estranha em meu

modo de andar enquanto passeava pela calçada. Minhas mãos

estavam agora formigando dentro de meus bolsos. Percebi

também que ao olhar de volta para o céu em busca de seu alívio,

eu sentia-me aéreo, quase como se estivesse flutuando em meio

às partículas do vento, sendo levado ao sua boa vontade.

Como um rapaz consciente de que poderia me acontecer algo, por

exemplo, pensei que pudesse ser algum problema de pressão! Mas

que eu sentia apenas por aquele momento, visto que nunca tive

problemas relacionado à isso.

Snickers Hot, um nome um tanto excêntrico pra uma lanchonete

barata. Entretanto, era o bastante para que eu me acomodasse e

tomasse algo para ver se melhorava meu estado atônito.

Sentei-me na primeira das mesas que vi, queria poupar o fardo de

ter que andar até a ultima mesa do corredor como costumo

fazer. Pedi apenas um copo de café com leite, pequenas doses as

vezes costumam funcionar em caso de tonturas.

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Não sei qual era o nome dela, mas tinha uma voz muito agradável

quando me disse "Seu café com leite, moço.". Agradeci a

garçonete, e me aconteceu um lapso onde eu já não lembrava de

ter dito que a agradeci, mas eu sabia que tinha agradecido. Agora

eu me via olhando para minha xícara enquanto soprava afim de

esfriar a bebida. Enquanto esfriava, nada me tirava da questão

da qual se tratava de que se eu havia realmente agradecido a

moça ou não.

Havia um bilhete em minha mesa, um bilhete que fora anotado a

conta por uma caneta azul, aparentemente quase falha. Eu olhava

para o bilhete branco, me fazendo a seguinte questão - Quando e

como este bilhete veio parar aqui? - Não me lembrava! Logo eu,

um homem de habilidades observadoras tão perspicazes! Sabia

que a moça iria trazer uma conta para que eu pudesse pagar, e

via, naquela hora, na minha frente, o bilhete estava ali! Mas,

quando e como ele havia ido parar ali?

Pestanejei, respirei fundo enquanto meditava igual ao Mr.

Metáforas, personagem de um seriado que estava acompanhando

na época. E disse a mim mesmo - Tudo bem, é apenas um lapso,

não há preocupações relevantes... -.

Segurei a xícara para tomar o meu primeiro gole. Sentia um gosto

amargo, seco e defumado em minha boca, que talvez fosse por

andar tanto tempo sem dizer nada. Sempre fui um homem que

sempre gostou mais de pensar e refletir do que dizer e replicar.

Ao tomar meu primeiro gole, meu café estava completamente

sem doce, o que era muito estranho pois me lembro de ver com

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meus próprios olhos a mesma garçonete colocar as doses de

açúcar antes mesmo de misturar o café ao leite!

II

- Pode me trazer este pote de açúcar, por favor? - Ela trouxe, e

eu pestanejei novamente, mas agora chacoalhei a cabeça na

expectativa de que nada mais estranho aconteceria. Abri o pote

pela colher que adentrava por um espaço feito na borda do pote,

segurei a tampa e contei; Uma, duas, três colheres

completamente cheias de açúcar. Senti-me como se estivesse

desafiando a lógica alquímica e pensei - Pago para ver que agora

meu café com leite não fique tão doce a ponto de ficar melado! -

Misturei a bebida utilizando a colher menor que veio junto com a

xícara, coloquei-a de volta no pratinho e segurei novamente a

xícara, levei até minha boca e tomei outro gole... Nenhum gosto.

Não podia acreditar! Como após tanto açúcar colocado dentro da

bebida ela pôde continuar amarga?

Continuei tomando o café até o último gole, sabendo o tempo

todo que em momento algum eu conseguia sentir o gosto doce da

cafeína misturada ao leite.

Bati com a xícara na mesa. Eu estava assustado, agora estava

assustado. Os funcionários me olharam desconfiados, e quando

percebi seus olhares, me levantei ignorando completamente se

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conseguiria andar ou se continuaria tonto. Fui diretamente para o

banheiro e lá me tranquei.

Minha bexiga estava cheia, e de forma sôfrega eu me dirigi ao

mictório me apoiando na parede enquanto minha respiração

estava mais rápida. Respirei fundo novamente, fechei meus olhos,

voltei meu zíper após ter urinado e me dirigi para a pia onde

estava séquito por um banho em meus olhos, para ver se

conseguia despertar o que adormecera.

Abri a torneira e aquele jato de água me molhou abaixo da

cintura. Regulei a pressão enquanto tirava o papel para enxugar a

minha calça. Joguei fora o papel, e percebi que a pia estava

tampada. Aproveitei a ocasião para mergulhar meu rosto e sentir

o suave cheiro insípido da água que acabara de sair das

canalizações da lanchonete. Mergulhei meu rosto enquanto

fechava a torneira com uma de minhas mãos, depois o trouxe de

volta pretendendo sentir o cheiro, e ele não estava lá.

De súbito, meus olhos ignoravam a água que descia pelo meu

rosto, e se arregalaram novamente. Tentei me controlar, afinal, o

cheiro da água às vezes é quase imperceptível devido a sua falta

de intensidade.

Além de observador, me recordei que também sou um homem

preparado para qualquer tipo de ocasião, e que havia um perfume

que eu havia comprado há muito tempo na esquina da rua Lorense,

em frente a Mini Matriz, numa perfumaria que um amigo havia me

indicado. Tirei o perfume to bolso rapidamente, e mesmo

parecendo ser sem sentido o fato de eu averiguar se conseguia

cheirar, eu sabia que tinha acabado de tomar um copo de café

com leite completamente cheio de açúcar sem sentir o gosto!

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Borrifei um pouco em meu pulso esquerdo, como sempre costumo

fazer, e levei meu pulso até meu nariz. Mantive ele próximo de

minhas narinas mas segurei a respiração, procurando acumular a

expectativa de que nada estranho tinha acontecido, e que dali

pra frente eu esqueceria tais fatos estranhos. Aspirei o aroma

de meu pulso, que não mais existia.

Peguei o vidro do perfume, borrifei novamente, cheirei meu

pulso, mas não conseguia sentir cheiro algum! Peguei o vidro e

bati a parte de sua tampa com força na beirada da pia do

banheiro, estourando assim a saída do perfume, onde agora eu

podia derramar o líquido aromático. Molhei minhas mãos com

tanto perfume que eu parecia querer lavá-las. Coloquei o vidro de

perfume ao lado, mas devido ao meu desespero ele caiu e rolou

para o chão, estourando de vez. Eu não me importava, agora com

minhas mãos completamente molhadas eu cobria meu nariz

usando as duas em forma de concha, aspirando, aspirando cada

vez mais rápido e mais forte, e sem conseguir sentir cheiro

algum!

Tentava me acalmar, esperar alguns segundos, e tentar sentir

novamente o cheiro, mas eu nada sentia! O que estava

acontecendo comigo?

III

Me dirigi para a saída do banheiro com um caminhar um tanto

quanto descontrolado e com meu rosto ainda molhado. Meu

desespero sequer me concedia a preocupação com a água

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espalhada pelo meu rosto, a mesma água que não possuía mais

cheiro algum! Tropecei em meus próprios pés, de forma

atrapalhada me apoiando com um dos braços na pia, mas tive o

corpo sustentado pela parede próximo a porta da saída, e foi

quando a luz se apagou. Eu provavelmente, após o tropeço, devia

ter esbarrado no interruptor e por esse motivo a luz teria se

apagado. Procurei como um cego fora de suas estadias habituais

o interruptor da lâmpada do banheiro, passando minha mão por

toda a região próximo a lateral da porta, que é o local onde

interruptores de banheiros costumam ficar, não encontrei.

Tentei procurá-lo do outro lado da porta, me apoiando na

maçaneta e na parede que ficava próxima do lado das dobradiças

da porta, e novamente, nada encontrei.

Fechei meus olhos, apesar do fato de que eu já não estava

enxergando mais nada. Respirei fundo e me dirigi até a chave da

porta. Já que não encontrava mais o interruptor que eu logo

saísse daquele banheiro, mesmo ainda um pouco molhado e

desajeitado.

Pus a mão na chave e destranquei a porta. Fechei meus olhos e

respirei fundo novamente naquela mesma expectativa de que

tudo voltasse ao normal, embora sentisse como se meu cérebro

estivesse latejando. Rodei a maçaneta, abri a porta e abri meus

olhos.

Eu estava imóvel, parado no mesmo lugar onde estivera a porta

fechada há alguns segundos, ouvindo as pessoas conversarem

pelos cantos, rindo, ouvindo também o tilintar dos copos das

garçonetes que os recolhiam da mesa dos clientes, o grito da

moça carrancuda (serão todos os líderes tão carrancudos como

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ela?) que requisitava as garçonetes para se apressarem na

entrega dos pratos, sucos, porções. A concentração era tanta,

que eu escutava até mesmo o som da carne assando em cima da

chapa, me fazendo imaginar o gosto suculento que eu poderia não

mais sentir, o cheiro sedutor que agora me remetia ao fato de

que eu sentia fome, mesmo sem senti-lo de fato. Mas o fato de

eu conseguir ouvir tão atentamente o que estava ao meu redor,

era de que... - O senhor, de chapéu! Apague a luz do banheiro por

favor. - ...eu já não mais via.

Estava imóvel, pasmo, tentando entender o motivo de tudo o que

estava acontecendo. Senti o empurrão de alguém que passava por

mim e me apoiei na lateral de madeira do vão da porta. Ouvi o

barulho do interruptor desligando a luz e isso só aumentou minha

certeza. Eu estava cego! Não havia mais luz, a mesma luz que eu

tanto gostava de apreciar aos sábados quando o céu estava limpo,

havia se ausentado como se deixasse de existir, mas apenas para

mim.

Tentei caminhar me apoiando na mesa que as pessoas ocupavam,

as que estavam próximas ao banheiro, esbarrando vez ou outra na

perna de alguém, ou derrubando o recipiente de lenços, ou o

cesto de molhos e palitos de dente que os Snickers costumavam

deixar espalhados, um para cada mesa.

Uma das garçonetes percebeu o estado debilitado em qual eu me

encontrava e correu para me acudir antes que eu derrubasse ou

até mesmo tropeçasse em alguém que não deveria. Senti seus

braços envolverem meu corpo e reconheci que eu realmente não

poderia fazer muita coisa a não ser conversar, deixando ela

decidir para onde me levaria.

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Depois de andar um certo tanto apoiado aos ombros dela e

responder a algumas perguntas triviais em relação à preocupação

da qual as pessoas sentem ao ver um desconhecido passando mal,

percebi que havia caminhado bastante para ainda permanecer

dentro do local onde as pessoas se sentam para comer. Eu havia

sido levado para dentro da copa dos funcionários.

Durante todo o caminho, me senti seguro ao ser ajudado por

outra pessoa, o que fez com que eu observasse de forma mais

atenta o meu estado, e que me fez perceber que o mesmo

formigamento que envolvia minha mão, agora, envolvia meu corpo

inteiro.

Disse para a garçonete que eu sentia meu corpo inteiro formigar,

ainda não havia reunido raciocínio e coragem o suficiente para

contar a ela que havia perdido 3 dos meus sentidos, sem motivo

algum. Ela compreendeu e disse que poderia ser o mesmo

problema de pressão ao qual eu mesmo inferi alguns minutos

atrás, e logo depois, me disse para ajudar um pouco, pois estava

se tornando pesado me carregar. Estranhei ela ter me pedido já

que eu estava andando da mesma forma de quando ela me

acolheu, e logo após, estranhei muito mais o fato de já não sentir

mais que estava sendo carregado - Me ajudem! -. E um homem

apareceu - O que houve? -. A garçonete lhe contou que havia me

visto perante as mesas, sem nem conseguir andar normalmente.

Explicou que iria me sentar na copa e conversar sobre o que havia

acontecido comigo para ver o que poderia fazer para ajudar. Ele

consentiu com o que ela lhe contou, e após isso a disse - Me ajude

a levanta-lo! -. Levantar? Eu caí? Meu Deus...

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IV - Final

Havia um rádio dentro da cozinha dos Snickers. Por mera

coincidência, a música que estava tocando era uma que eu havia

escutado no mesmo dia, no período da manhã antes de sair de

casa. While Your Lips Are Still Red da banda finlandesa

Nigthwish. Naquela hora eu queria muito elogiar o bom gosto da

pessoa que estava escutando a canção, mas já não conseguia

pronunciar sequer uma palavra. Além do efeito anestésico que eu

havia sofrido nas papilas gustativas, agora já não conseguia

sentir nem se minha língua ainda permanecia dentro da minha

boca. Eu apenas escutava a sinfonia da música soar enquanto a

garçonete e o homem, que pela forma como ela se referia à ele,

parecia ser o homem que cuidava da chapa da lanchonete,

conversavam sobre o que decidiriam fazer com um "corpo imóvel

estendido no chão".

- Ele estava estranho desde que chegou. Exigiu excesso de

açúcar em seu café, caminhou se apoiando nas mesas em direção

banheiro e lá ficou por muito tempo. Depois, ele saiu do banheiro

e permaneceu imóvel, parecia estar refletindo sobre algo.

Começou a caminhar se apoiando mais ainda nas mesas e

atrapalhando os clientes. Fui ajuda-lo, ele parecia não conseguir

enxergar... Mas quando chegou, apesar de estranho, estava vendo

muito bem e eu garanto isso! Decidi que seria melhor deixa-lo na

copa até que ele melhorasse, creio que sua visão devesse estar

excessivamente turva nesse momento. Realmente era como se

estivesse cego, o que me fazia entrar em uma grande confusão

quando me lembrava dele me mandando um olhar de

agradecimento quando eu havia deixado seu café com leite. Após

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tudo isso, que pelo menos eu o deixasse sentado numa cadeira

para se recuperar, mas de repente ele soltou todo o seu peso

sobre mim, como se... como se perdesse os movimentos do corpo!

Não sou uma pessoa completamente ingênua, saberia muito bem

se ele estivesse fingindo. E mesmo que estivesse, qual propósito

o levaria à se fingir de morto dentro da copa de uma lanchonete

barata como a nossa? Não pude sustenta-lo, ele caiu ao chão e se

manteve imóvel como permanece agora... - Ouvi uma voz rouca em

tom interrogativo - Ele lhe disse o nome? - E a moça respondeu -

Não, não sei qual seu nome, e nem que fim levará. Achei tudo

muito estranho. -.

A conversa sobre o que iriam fazer comigo persistiu, até que

saíram, que pelo que pude entender, iriam buscar ajuda as

autoridades.

A música continuava a tocar.

Em um momento em que você perde 4 dos seus sentidos, creio

que seja normal imaginar que não voltará ao normal e que há

grandes chances de morrer, mesmo sem saber ao certo o motivo

de tudo aquilo.

Apreciei minuciosamente a canção, tornando a audição meu último

e mais forte objeto de prazer. Não havia como lutar contra, era

algo que eu desconhecia, mas que por pura sorte aconteceu

comigo, e a única coisa que eu desejava naquele momento era que

aquela canção não parasse de tocar, era meu único objeto de

consolo.

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O vocalista havia acabado de cantar o seu ultimo verso, e os

instrumentistas iniciaram a parte acelerada de término da

canção. Escutei aquelas ondas sonoras como a o último gole

d'água de um fugitivo que passou dias no deserto sem nem sequer

respirar a umidade do ar.

Antes que a música terminasse de vez, escutei de volta a

conversa da garçonete e do homem. Escutei ele dizendo que iria

ele mesmo de automóvel resolver as coisas e que ela ficasse para

cuidar de tudo.

Ele se foi. Houve silêncio, exceto pela parte final da música, que

em questão de segundos tocou o seu último acorde. Nada mais foi

ouvido, desejei escutar nem que fosse a respiração da garçonete,

mas nada era escutado, eu havia ensurdecido, não apenas o

sentido da audição, eu perdi todos os meus sentidos, até que em

poucos minutos já não podia •também mais pensar. Eu fui fisgado

pelo anjo da inexistência.

Uma praia deserta, não havia sequer uma pessoa em uma

imensidão infindável de uma areia branca como a neve. Para trás,

havia mais e mais areia. Em minha frente, era o belo mar com seu

brilho refletido por uma luz vinda do céu, mas que não era a do

sol. Como se tudo já estivesse resoluto em minha vontade,

caminhei em direção ao mar azul claro, era uma água que eu

jamais havia visto em minha vida, mas que cativava, me

ludibriava...

Meus pés eram encobertos por um frescor, quase morno, até que

ia subindo, subindo, cobrindo as minhas pernas, as minhas coxas,

a minha cintura, até me ver com essa água na altura da barriga,

onde as águas oscilavam entre os meus ombros e a minha cintura.

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Eu vestia uma roupa branca, onde um lapso me remetia à minha

veste, o cenário branco, límpido, as águas, esse lapso me remetia

à ideia de que eu estava no céu.

A água parou de oscilar, o cenário continuou branco, porém,

perdeu toda a sua beleza. Minhas vestes agora sumiram de meu

corpo e eu me encontrava nu. Olhei para trás, depois para o mar,

senti uma liberdade que jamais sentira na vida inteira. Queria

correr pela areia, nadar através do mar inteiro! Mas algo me

mantia imóvel. Porém, o que me mantia imóvel? Meu corpo parecia

inerte em meio à toda liberdade que aquela água me fazia sentir.

Tentando me libertar, comecei também a ter uma reflexão de o

que poderia haver além das areias e de todo aquele mar.

Poderiam existir coisas que eu não tinha conhecimento algum,

coisas incríveis, inacreditáveis, conseguia ter a percepção de que

era algo grandioso e queria saber o que havia além do horizonte.

Meus pés se soltaram de correntes invisíveis e intangíveis as

quais me prendiam debaixo da maré. Olhei para frente e deixei

meu corpo cair lentamente para o fundo das águas rasas. Quando

emergi, um vento extremamente forte começou a soprar toda a

areia da praia fora, e eu afundei até o pescoço em procura de me

refugiar. De onde será que vinha aquele vento? Olhei para

frente, e percebi que uma enorme onda começava a se formar,

uma imensa onda do tamanho de um prédio, com cores diferentes

até mesmo daquela água que eu jamais tinha visto, e ela crescia

sem parar.

Me foi possível, ver o alto daquela onda, de onde saiam estranhas

ramificações iniciadas em seu pico e percorrendo todo o seu

corpo. Mas, ao olhar atentamente para o enorme espelho que as

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águas correntes formaram, eu consegui ver finalmente, ah eu

consegui antes de me fascinar pela última vez.

Vi a minha vida inteira passar nos cristais das águas daquela onda

enquanto o soprar do vento jorrava a areia contra meu corpo e

me causava todas as sensações que eu senti. E eu me fascinei.

Toquei a onda a cobiçando enquanto a mesma se quebrava sob a

luz misteriosa. Seu alto brilhava, em seu interior formaram-se

trevas. - Tudo... Tudo o que presenciei, tudo o que eu vivi... - Foi a

única coisa que consegui dizer naquele momento. Entretanto,

olhei de volta para o seu corpo que formava aquele enorme

espelho, e fiquei horrorizado - ESSAS COISAS, SOU EU MAS...

EU NUNCA AS VI! - Percebi que tudo não se passava de um

sonho, um sonho real que me levava para dentro de meu próprio

consciente, mas que agora seria esmagado pelo meu próprio saber

em punição do meu pecado de querer saber tudo o que realmente

sei. Não respirava, não mais sentia, não mais refletia, não havia

mais um consciente que foi brutalmente assassinado pelo seu

próprio inconsciente.

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“Alguns nascem póstumos.”

- Friedrich Nietzsche