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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Roberta Scatolini
Um estudo da corporeidade com educadores: uma experiência
com o Teatro do Oprimido.
SÃO PAULO
2012
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Roberta Scatolini
Um estudo da corporeidade com educadores: uma experiência
com o Teatro do Oprimido.
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Educação: Psicologia da Educação, sob orientação da Prof.ª. Doutora Heloisa Szymanski.
SÃO PAULO
2012
Folha Linha Onde se lê Leia-se
103 19-20 Freire, XX FREIRE, 1987
97 9 Construção
corporal
Construção
Cultural
19
Nota de rodapé Inédito-viável é uma coisa inédita, ainda não claramente conhecida e vivida, mas sonhada e quando se torna um “percebido destacado” pelos que pensam utopicamente, esses sabem,
Inédito-viável é uma coisa inédita, ainda não claramente conhecida e vivida, mas sonhada e quando se torna um “percebido destacado” pelos que pensam utopicamente, esses sabem, então, que o problema não é mais um sonho, que ele pode se tornar realidade (FREIRE, 1987)
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
Dedico este trabalho ao meu pai, que fez sua passagem no meio
desta caminhada, e a minha mãe.
Juntos, eles me ensinaram sobre o amor.
AGRADECIMENTOS
À Professora Heloisa, pela sensibilidade, respeito, flexibilidade e rigor
durante todo o processo desta pesquisa, demonstrando coerência entre a teoria e a prática.
À Professora Mimi, por todas as contribuições na qualificação, e pelo
entusiasmo e alegria em suas aulas. Ao Professor Sérgio de Carvalho, que aceitou prontamente o convite
para compor a banca de qualificação e foi muito delicado em suas ricas contribuições.
À Professora Ana Bock, pela sua militância vigorosa e suavidade como
educadora, que fez toda a diferença quando eu cheguei à pós-graduação. À amiga e parceira Mariam, um agradecimento muito especial, pelo
compartilhar contínuo das inquietações e luta, além da disponibilidade nas contribuições teóricas e consultas técnicas.
Aos companheiros de mestrado, pelas trocas e aprendizados. Em
especial à Sandra, Suzana, Fernanda e Malu, pela generosidade e prontidão. À Denise, que nos cafés semanais esteve sempre disposta a me lembrar
de que, embora não seja fácil, viver é fascinante. Ao Ricardo, grande parceiro da vida e da arte, por compartilhar desde o
primeiro tijolo desta construção, sempre cirandando a vida comigo. Aos participantes desta pesquisa, que compartilharam sua corporeidade
de coração aberto e com brilho nos olhos, muito brilho. À Cristiane Santos pela simpatia, delicadeza e revisão cuidadosa. Ao querido amigo Erick, por sua contribuição fundamental nos últimos
instantes do trabalho, e pelo compartilhar constante. À fiel amiga Fran, pela caminhada construída com ternura, em diferentes
espaços de resistência. Aos meus queridos amigos e familiares, que esperaram pacientemente a
conclusão deste trabalho. A meu pai, minha mãe e meu irmão, por nunca medirem esforços para
me ajudar, numa relação de amor incondicional. Ao Merije, meu companheiro da vida e da poesia, pela presença e
paciência diária neste percurso repleto de anseios, euforia, cansaço e ausências.
Ao Instituto Paulo Freire, pela flexibilidade com minhas horas de
trabalho, possibilitando esta realização. À Capes, pela concessão de Bolsa.
“O corpo não translada, mas muito sabe,
adivinha se não entende.”
Guimarães Rosa
RESUMO
O objetivo desta pesquisa foi compreender como se desenvolveu a percepção da corporeidade com quinze educadores de um Centro de Educação Infantil (CEI), um Centro da Criança e do Adolescente (CCA) e duas Escolas Municipais de Ensino Fundamental (EMEF). Realizou-se um estudo qualitativo, de cunho interventivo, inserido num projeto de pesquisa mais amplo – Projeto Articulação e Diálogo – que visa acompanhar o processo construtivo de propostas articuladas entre diferentes contextos educativos, em uma comunidade da periferia da cidade de São Paulo. A pesquisa constituiu-se na realização de uma Oficina de Teatro do Oprimido, desenvolvida em sete momentos, de três horas cada um, totalizando vinte e uma horas, além de dois Encontros Reflexivos coletivos, que foram gravados, transcritos, lidos e reescritos, dando origem a textos-síntese de cada um dos nove momentos. Em seguida, as unidades de significado encontradas foram agrupadas em “constelações” e analisadas à luz do referencial de Paulo Freire e Augusto Boal. A análise revelou que a Oficina de Teatro do Oprimido permitiu aos participantes perceberem a mecanização de seus corpos, decorrente de uma prática profissional burocratizada, que prioriza a racionalidade e limita a capacidade criativa e autêntica de se personificarem no mundo. E a partir disso, despertaram para o fato de que a mecanização de seus sentidos impede seus educandos de viverem suas corporeidades em plenitude. Também compreenderam a corporeidade enquanto construção cultural, que requer o exercício pedagógico da problematização, de maneira a contribuir para a ruptura de opressões imobilizadoras, que impedem os sujeitos de “serem mais” Desse modo, a experiência com a corporeidade ensejou novos olhares para as práticas pedagógicas dos educadores, que constataram a força expressiva e criativa do corpo, como agente da ação transformadora. PALAVRAS-CHAVE: Corporeidade. Educação Libertadora. Teatro do Oprimido. Paulo Freire.
ABSTRACT The objective of this research was to understand how the perception of corporeity developed with fifteen educators from a Child Education Center (CEC), a Children and Adolescents Center (CAC) and two municipal primary schools. We conducted a qualitative study of intervening nature, inserted in a broader research project - Project Articulation and Dialogue - which aimed to monitor the construction process of articulated proposals between different educational contexts, in a community in the outskirts of São Paulo. The research consisted in conducting a Workshop of Theatre of the Oppressed, developed in seven moments of three hours each, totaling twenty-one hours, and two collective and Reflective Meetings, which were recorded, transcribed, read and rewritten, giving origin to synthesis texts for each one of them. Then the units of meaning found, were grouped in "constellations" and analyzed in the light of Paulo Freire and Augusto Boal. The analysis revealed that the Theatre of the Oppressed workshop allowed participants to realize the mechanization of their bodies, due to a bureaucratic practice, which emphasizes rationality and limits the creativity and authentic to personify the world. And from there, awakened to the fact that the mechanization of their senses deprives their students to live their corporeality in its fullness. They also understood corporeality as cultural construction, which requires the exercise of problematization, in order to contribute to the rupture of paralyzing oppression, which prevent the subjects of "being more." Thus, the experience with the corporeality allowed educators new transformative and creative pedagogical approaches.
KEYWORDS: Corpo reality. Theatre of the Oppressed. Liberating Education. Paulo Freire.
LISTA DE TABELA
Tabela 1 – Perfil dos participantes da oficina de teatro.............................. 41
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO.................................................................................... 1.1 Apresentação..................................................................................... 1.2 Objetivos............................................................................................ 2. REFERENCIAL TEÓRICO.................................................................. 2.1 Pressupostos para uma educação libertadora.................................. 2.2 A busca pela desmecanização dos sentidos no Teatro do Oprimido 2.3 Corporeidade e Educação................................................................. 2.3.1Educador e corporeidade................................................................ 3. MÉTODO............................................................................................. 3.1 Pesquisa-Intervenção........................................................................ 3.1.1 Teatro do Oprimido......................................................................... 3.1.2 Entrevista Reflexiva........................................................................ 3.2 Contexto da Pesquisa....................................................................... 3.2.1 Participantes................................................................................... 3.3 Desenvolvimento da oficina.............................................................. 3.3.1 Descrições da Oficina..................................................................... 3.3.1.1 Descrição do primeiro encontro................................................... 3.3.1.2 Descrição do segundo encontro.................................................. 3.3.1.3 Descrição do terceiro encontro.................................................... 3.3.1.4 Descrição do quarto encontro..................................................... 3.3.1.5 Descrição do quinto encontro...................................................... 3.3.1.6 Descrição do sexto encontro....................................................... 3.3.1.7 Descrição do sétimo encontro..................................................... 3.4 Caminhos para a manifestação do fenômeno................................... 4. PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE...................................................... 4.1 Sínteses do desenvolvimento da oficina........................................... 4.1.1 Síntese do primeiro encontro......................................................... 4.1.2 Síntese do segundo encontro......................................................... 4.1.3 Síntese do terceiro encontro.......................................................... 4.1.4 Síntese do quarto encontro............................................................ 4.1.5 Síntese do quinto encontro............................................................. 4.1.6 Síntese do sexto encontro.............................................................. 4.1.7 Síntese do sétimo encontro............................................................ 4.2 Sínteses das Entrevistas Reflexivas................................................. 4.2.1 Síntese da primeira Entrevista Reflexiva coletiva.......................... 4.2.2 Síntese da segunda entrevista Reflexiva - Devolutiva................... 4.3 Constelações..................................................................................... 5. DISCUSSÃO....................................................................................... 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................
11 11 15 16 16 20 24 27 29 29 30 36 37 40 41 43 44 46 48 50 53 59 54 55 57 57 57 59 60 62 64 66 67 68 68 78 80 96 103
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................... 105 APÊNDICES............................................................................................ 109 A – Folder de apresentação da oficina.................................................... 109 B – Ficha do perfil do participante da oficina........................................... 110 C – Texto teatral da cena do Teatro-Fórum............................................. 111 ANEXOS................................................................................................. 117 A – Poema Ver Vendo............................................................................. 117 B – Textos utilizados no Aquecimento Ideológico.................................... 118
11
1. INTRODUÇÃO
1.1 Apresentação
A escolha pelo tema dessa dissertação não é algo que surgiu
inesperadamente, mas sim, construção de toda uma vida, experimentada por
meio de um corpo-sujeito.
A paixão pelo teatro é algo antigo, pois desde criança costumava brincar
com as amigas e primos, organizando esquetes, me vestindo de personagens
e adaptando historinhas infantis. Nas brincadeiras de rua também me envolvia
com esportes coletivos e demais brincadeiras com o corpo. Contudo, sempre
apreciei de longe os palcos, grupos e encenações, pois era muito tímida e não
tinha coragem de me expor, apenas desejo. E, na escola, nunca gostei de
participar das aulas de educação física e, sempre que possível, inventava
desculpas para não me envolver nos campeonatos ou quaisquer atividades que
expusessem minha corporeidade, apesar de não ter essa consciência naquele
momento da vida.
No início da década de 1990, com 16 anos e cursando o terceiro
colegial, hoje denominado de ensino médio, decidi participar, paralelamente, de
um curso livre no Teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, o
TUCA, que acontecia aos sábados, em período integral. Com um desejo
pulsante por essa linguagem artística, me fortaleci na companhia de uma
amiga e resolvi enfrentar a timidez. Tive assim, minha primeira experiência
técnica com o teatro: professores profissionais, aulas de voz, dramaturgia,
interpretação e expressão corporal. Experiências que me fascinavam por um
lado e por outro eram desafiadoras diante de minha vergonha e pouca
experiência com atividades corporais.
Permaneci no curso por apenas seis meses, pois a amiga, que convenci
a se matricular comigo, teve de parar e assim desisti de continuar sozinha.
Essa interrupção fez a minha relação com o teatro ficar acomodada durante
12
alguns anos futuros, voltando a reaparecer na época da escolha pela formação
universitária, especialmente diante de diversas opiniões que colocavam em
questão se a escolha teatral poderia significar também uma opção profissional.
Na dúvida, acabei optando pela faculdade de Psicologia.
Durante os anos de formação, as atividades que envolviam o corpo, tais
como dinâmicas de grupo, psicodrama, psicossomática, sociodrama sempre
me interessavam muito, além da minha experiência psicoterapêutica –
individual e grupal – na linha psicodramática. E, cada vez mais, a vontade de
me reaproximar do teatro e atuar tornava-se inquietante dentro de mim, de
maneira que, mesmo sabendo das condições financeiras desfavoráveis de
minha família, expus para minha mãe sobre esse desejo e obtive total apoio
para prestar exame numa escola técnica que julgávamos bem conceituada.
Inscrevi-me, fiz os exames e passei. Então minha mãe, professora de escola
pública, resolveu assumir o desafio comigo e, a partir daí, foram três anos de
formação muitíssimos prazerosos e importantíssimos na minha formação de
vida. Foi por meio dessa vivência com o teatro que, entre outras coisas,
conheci e tomei consciência da minha corporeidade, com seus limites, marcas
culturais, capacidade de expressão, criatividade, desejos e superações.
Em 1998, dois anos após finalizar minha formação em Psicologia e em
Teatro, eu fui trabalhar com projetos sociais voltados para a formação de
educadores, no Núcleo de Trabalhos Comunitários (NTC) da PUC/SP. O NTC é
um núcleo composto por diferentes profissionais, numa perspectiva
interdisciplinar de planejamento participativo e construção coletiva e, na
preparação de uma das formações de educadores, fui convidada para elaborar
e desenvolver uma oficina de teatro para professores.
Como a Escola de Teatro que cursei tinha uma preocupação exclusiva
com a formação de atores, o meu repertório pedagógico não dava conta da
demanda proposta e exigiu muito estudo e pesquisa. Foi nesse momento em
que comecei a procurar referências e iniciei minhas leituras no Teatro do
Oprimido, criado por Augusto Boal.
13
Para elaboração dessa primeira experiência eu estudei toda obra do
Teatro do Oprimido e realizei a formação oferecida pelo Centro do Teatro do
Oprimido do Rio de Janeiro (CTO-Rio). E, conforme fui me apropriando da
proposta do Teatro do Oprimido, o que mais me interessou foi a reflexão de
Augusto Boal (1998) acerca da relação entre a alienação política com a
alienação do corpo, no sentido de que, para que as pessoas interfiram no
mundo, é preciso que primeiramente percebam esse mundo. Pois, para o autor,
o cotidiano da sociedade capitalista torna o corpo alienado da visão do todo e
isso interfere na tomada de consciência.
Foi necessário também refletir sobre as diversas possibilidades de se
trabalhar com o teatro e, principalmente, a necessidade de buscar uma
proposta que fosse coerente com o trabalho oferecido no Núcleo e seu
referencial freireano. Pois, até então minha experiência com o teatro era
voltada para atuação e não para educação.
A partir disso elaborei, junto a um grande amigo parceiro da vida e da
arte, uma oficina de teatro para trabalhar com a corporeidade dos educadores,
privilegiando o autoconhecimento de seus corpos – que trazem marcas das
suas histórias e do meio social que pertencem –, com a pretensão de que essa
vivência lhes permitisse uma relação com seus corpos, enquanto corpos
conscientes e expressivos.
As oficinas foram realizadas nas formações de educadores sociais que
os profissionais do NTC desenvolviam por todo o Brasil, com professores da
rede pública de ensino, profissionais da saúde, profissionais da segurança
pública e também em cursos específicos de Teatro do Oprimido, oferecidos
pela PUC. Havia uma preocupação entre nós, eu e o meu parceiro, no sentido
de, além da vivência com os jogos e exercícios do Teatro do Oprimido, garantir
espaços para a problematização e a reflexão dessas vivências, prática
fundamental numa educação libertadora, e que havíamos sentido falta na
experiência com o CTO-Rio. Isso porque para nós esse trabalho tinha um
compromisso pedagógico.
14
Foi quase uma década desenvolvendo atividades com educadores de
todo o Brasil, quando em 2006, fui convidada para trabalhar no Instituto Paulo
Freire, em projetos ligados à arte/educação e cultura, onde dei continuidade às
experiências com o teatro e a educação.
Essa trajetória profissional me possibilitou perceber o quanto os
educadores não têm oportunidades, em suas formações, de vivenciar
atividades que incluem uma relação consciente com seus corpos e também as
suas dificuldades em trabalhar com a corporeidade de seus educandos. Os
próprios professores apontam ter dificuldades em desenvolver atividades com
seus alunos que incluem movimento, criatividade, diálogos corporais,
autoconhecimento, exercício dos sentidos. Ao mesmo tempo afirmam que
essas experiências – quando oferecidas – proporcionam prazer e aprendizado.
A partir dessas experiências percebi o quanto essa temática realmente
interessava aos educadores. A cada oficina desenvolvida era perceptível a
mecanização dos corpos deles, que não tinham uma consciência de sua
corporeidade e muito menos da corporeidade de seus educandos – fato que
dificulta a relação dialógica e emancipatória de ensino-aprendizagem, já que a
comunicação também se dá por meio do corpo. Segundo Paulo Freire (1989), o
processo pedagógico deve partir da cultura do educando, da leitura do mundo
dele, que não se restringe às palavras e às letras, mas a uma realidade mais
ampla de seu mundo. Nesse sentido, a corporeidade faz parte do mundo do
educando, contribui para revelar esse mundo, pois “cultura é também a
maneira que o Povo tem de andar, de sorrir, de falar, de cantar. [...] Cultura é a
ginga dos corpos do povo ao ritmo dos tambores” (FREIRE, 1989, p.42). E
também será, a partir de um corpo consciente, que se dará a presença
transformadora dos sujeitos no mundo.
Essa relação de negação da corporeidade dos educandos impede os
educadores de ter uma compreensão totalizadora sobre essas pessoas, pois,
ao negarem o corpo dos educandos, os veem de maneira fragmentada,
excluindo a dimensão sensível do humano. Dimensão que para o teatrólogo
Augusto Boal é “essencial para a libertação dos oprimidos”, pois “amplia e
15
aprofunda sua capacidade de conhecer” (BOAL, 2009, p.16) e, diria ainda, de
se expressar.
Posteriormente, ingressei no Programa de Educação: Psicologia da
Educação, com o desejo de aprofundar-me numa pesquisa de mestrado que
buscasse compreender a percepção dos educadores sobre sua corporeidade,
a partir da vivência do Teatro do Oprimido, que tem muita proximidade
conceitual com a Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire.
No mestrado fui convidada pela Professora Doutora Heloisa Szymanski,
para realizar a pesquisa-intervenção junto ao Grupo de Pesquisas em Práticas
e Atenção Psicoeducacional à Família, Escola e Comunidade (ECOFAM), do
Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Educação da PUCSP,
coordenado por ela desde 1993. Convite ao qual aceitei.
Esse grupo tem desenvolvido trabalhos de intervenção junto aos
professores, educadores sociais, gestores, familiares, estudantes, pertencentes
à determinada região periférica de São Paulo. Os Encontros Reflexivos têm
sido a metodologia predominante das ações, no intuito de promover o diálogo
entre os diferentes sujeitos do processo educativo. Eles acontecem com base
na troca de experiências entre os(as) participantes, com vistas à reflexão e
ação de todos pela superação dos desafios enfrentados na formação de
crianças, adolescentes e jovens.
1.2 Objetivos
O presente estudo tem como objetivo investigar como se desenvolveu a
compreensão da corporeidade, ao longo de uma experiência com o Teatro do
Oprimido com educadores pertencentes a duas escolas públicas de ensino
fundamental, um Centro da Criança e do Adolescente, e uma Creche,
pertencentes ao Grupo ECOFAM.
A questão que permeou a análise da pesquisa foi: “Como a corporeidade
foi compreendida pelos participantes a partir da Oficina de Teatro do
Oprimido”?
16
1. REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 Pressupostos para uma Educação Libertadora
“A conscientização é um compromisso histórico (...), implica que os homens assumam seu papel de sujeitos que fazem e refazem o mundo. Exige que os homens criem sua existência com um material que a vida lhes oferece (...), está baseada na relação consciência-mundo.” (FREIRE, 2006b)
Como todas as áreas de conhecimento existentes, a educação pode
transitar por diversas e divergentes concepções filosóficas e epistemológicas,
portanto, é fundamental explicitarmos o lugar em que nos situamos.
Partimos da Pedagogia do Oprimido, criada e sistematizada pelo
educador brasileiro Paulo Freire (1921-1997), que compreende a educação
como um ato político em busca da humanização. Nesta proposta educativa, os
homens e as mulheres são concebidos como sujeitos históricos e, por serem
inacabados, são capazes de criar e recriar a sua própria existência no e com o
mundo (FREIRE, 1987).
Essa compreensão de homem e mundo interrelacionados fundamenta-
se na fenomenologia e na dialética marxista, grandes influências do
pensamento freireano. Assim, optamos por trazer os princípios fundantes da
dialética, para contribuir com a compreensão da Pedagogia do Oprimido.
Conforme Gadotti, em seu livro Pedagogia da Práxis (2004), “o pressuposto
básico da dialética é que o sentido das coisas não está na consideração de sua
individualidade, mas na sua totalidade” (p.104). E, além da totalidade a
dialética compreende que todas as coisas estão em movimento e podem se
transformar alcançando sempre uma mudança qualitativa, que para acontecer
necessita daquilo que o autor chama de “lei fundamental da dialética” (p.105),
que é o princípio da contradição. Nesse sentido Freire compreende a história
como um processo de construção, que está sempre em movimento e pode ser
transformada pelos sujeitos, que ao transformar se transformam, num processo
17
interativo entre a objetividade e subjetividade, permeado pela contradição.
Ao justificar a Pedagogia do Oprimido (1987), Freire aponta a
desumanização como uma construção histórica que se estabelece a partir de
relações de dominação entre opressores e oprimidos. Relações que negam a
característica ontológica dos seres humanos em direção ao “ser mais”,
incutindo-lhes uma falsa ideia de que existem apenas dois tipos de seres,
desiguais e determinados, o “ser menos” que seria o oprimido em
contraposição ao opressor.
A violência dos opressores, que os faz também desumanizados, não instaura uma outra vocação – a do ser menos. Como distorção do ser mais, o ser menos leva os oprimidos, cedo ou tarde, a lutar contra quem os fez menos. E essa luta somente tem sentido quando os oprimidos, ao buscarem recuperar sua humanidade, que é uma forma de criá-la, não se sentem idealisticamente opressores, mas restauradores da humanidade de ambos. E aí está a grande tarefa humanista e histórica dos oprimidos – libertar-se a si e aos opressores. (FREIRE, 1987, p.30).
Desse modo, para Freire, o processo educativo só terá coerência se
promover nos sujeitos o reconhecimento de suas opressões e, principalmente,
as causas dela. Pois, assim, acredita-se que o oprimido se reconhecerá como
hospedeiro e potencial reprodutor do opressor, mas não incorrerá no risco de
aderir a essa postura, e sim de superá-la na construção de um ser libertado
(FREIRE, 1987).
Paulo Freire também utilizou a terminologia de “Educação Bancária” ao
se referir à concepção tradicional de Educação, por entender que essa forma
de educação parte de uma lógica prescritiva nas relações entre educador e
educando, segundo a qual o educador é o ser pensante, dotado de saber, que
deposita nos educandos conteúdos prontos e acabados, com o intuito de
mantê-los alienados à sua própria cultura e adaptá-los à sociedade,
reproduzindo a dicotomia entre opressor e oprimido (FREIRE, 1987). Dessa
maneira os oprimidos são educados para reproduzirem a ideologia e a cultura
dominante, buscando para si aquilo que pertence aos opressores e não o que
faz parte da sua vivência e cultura, que é tido como algo pormenorizado para
18
eles.
A Educação e a cultura são intrinsicamente relacionadas na obra de
Paulo Freire, que busca romper com o pensamento etnocêntrico ao afirmar que
“cultura, no seu sentido mais amplo, antropológico, é tudo o que o homem cria
e recria” (FREIRE, 2011, p.56), de maneira que “todos os povos têm cultura”,
pois “cultura é a forma como o povo entende e expressa o seu mundo e como
o povo se compreende nas suas relações com o seu mundo” (FREIRE, 1989,
p.42). Nesse sentido, Freire compreende que a cultura é um instrumento de
dominação dos opressores, ao mesmo tempo em que é a possibilidade de
libertação dos oprimidos.
Em contraposição à educação bancária, a Pedagogia do Oprimido
propõe uma prática educativa centrada no diálogo. Por compreender o diálogo
enquanto “exigência existencial” (FREIRE, 1987) – que permite à humanização
–, a palavra deve ser um direito assegurado ao educando, numa prática que
rompa com a hierarquização da relação professor e aluno e se comprometa
com a sua pronúncia no mundo. É por meio de uma linguagem dialógica que o
educador favorece que os educandos expressem seus saberes e, juntos,
mediatizados pelo conhecimento sistematizado, possam refletir e agir. “A
existência, porque humana, não pode ser muda, silenciosa, nem tampouco
pode nutrir-se de falsas palavras, mas de palavras verdadeiras, com que os
homens transformam o mundo” (p.78).
Apesar de o método Paulo Freire ter sido, inicialmente, construído para a
alfabetização de adultos – exatamente pela compreensão do educador de que
o analfabetismo é um produto social, que gera seres sem voz e sem direito à
participação, portanto seres desumanizados e sem dignidade –
gradativamente, ele passou a ser compreendido como uma teoria do
conhecimento e foi apropriado por outras áreas do conhecimento, dentro ou
fora da Educação. Um dos grandes diferenciais de sua proposta de
alfabetização de adultos é o fato de romper com a prática das cartilhas
infantilizadas descontextualizadas da vivência dos adultos e, por meio do
diálogo, construir pontes entre os saberes dos educandos e o conhecimento
19
sistematizado, objetivando, para além da leitura e escrita da palavra, a
interpretação da mesma pelos educandos, numa relação dialética com o
mundo deles pois, para Freire, “a leitura do mundo precede sempre a leitura da
palavra” (FREIRE, 1989, p.13) e é uma etapa central do seu processo de
ensino-aprendizagem.
É também por meio do diálogo que se dá a conscientização, conceito
central da educação libertadora. A conscientização seria o conhecimento crítico
das barreiras que precisam ser superadas para que os oprimidos alcancem sua
libertação. É o processo onde o educador e o educando tomam distância do
mundo e o questionam para melhor conhecê-lo. É um processo de transição
entre a consciência intransitiva ou ingênua, que seria o senso comum, para um
estágio de consciência crítica, etapa imprescindível à ação dos sujeitos em
busca do inédito-viável1.
O caminho a ser percorrido para o processo de conscientização exige do
sujeito educador uma postura e prática condizente com a proposta
metodológica freireana, pela qual a problematização é fundamental para a
construção do conhecimento. É por meio de perguntas que o educador viabiliza
o pensar reflexivo nos educandos, que provocados a buscar respostas se
implicam “num constante ato de desvelamento da realidade” (FREIRE, 1987, p.
70).
Segundo Freire não basta refletir e alcançar a consciência crítica, mas o
que realmente permite a efetivação da Pedagogia da Libertação é a ação
transformadora dos sujeitos, que se dá por meio da ação-reflexão-ação, a
práxis. E isso acontece no “momento onde a prática de desvelamento da
realidade constitui uma unidade dinâmica e dialética com a prática da
transformação” (1981, p.117). Dessa maneira, a Pedagogia do Oprimido
cumpre o seu objetivo de humanização.
1 Inédito-viável é uma coisa inédita, ainda não claramente conhecida e vivida, mas sonhada e
quando se torna um “percebido destacado” pelos que pensam utopicamente, esses sabem, então, que o problema não é mais um sonho, que ele pode se tornar realidade (FREIRE, 1987).
20
Nesta perspectiva, a Pedagogia do Oprimido é proposta educativa que
exige que o educador promova um processo pedagógico através do qual, junto
aos educandos, possam desvelar a realidade sócio-histórica que fazem parte,
compreendendo as forças conjunturais que os constituem enquanto sujeitos e,
a partir disso, exerçam suas possibilidades de escolhas, rupturas, decisões e
ação no mundo.
Mas onde se dá esse processo de Leitura do Mundo e a orquestração
dos níveis de consciência que devem resultar na transformação do mundo?
Onde se situam os sentidos humanos que percebem o mundo? Essas
problematizações, mediatizadas pelo conhecimento, por meio da curiosidade e
pesquisa, impulsionaram o diálogo da pesquisadora entre as propostas
freireanas e uma possível relação com o corpo. Assim, o próximo tema
discorrerá sobre as contribuições do Teatro do Oprimido para a prática da
Pedagogia Libertadora.
2.2 A busca pela desmecanização dos sentidos no Teatro do Oprimido
“Todo dia ela faz tudo sempre igual: me sacode às seis horas da manhã, me sorri um sorriso pontual e me beija com a boca de hortelã” (Chico Buarque de Holanda)2.
Paulo Freire e Augusto Boal (1931-2009) foram contemporâneos. Mais
do que isso, tiveram trajetórias parecidas na construção de suas concepções e
metodologias. Ambos realizaram trabalhos no Movimento de Cultura Popular
(MCP) do Nordeste, com as Ligas Camponesas e, enquanto Freire desenvolvia
atividades voltadas para alfabetização, Boal, com o Teatro de Arena (1953-
1970), utilizava técnicas teatrais para a conscientização das mesmas
populações. Após a interrupção de seus trabalhos pela ditadura, ambos foram
exilados do Brasil e continuaram seus projetos pela América Latina, Europa e
mundo afora. E foi neste período que Boal batizou sua proposta teatral de
Teatro do Oprimido em homenagem a Paulo Freire, conforme sugestão de seu
2 Trecho da música Cotidiano, 1971.
21
editor Daniel Diniz (BOAL, 2008).
É importante ressaltar que o nosso trabalho e o de Freire tem uma identidade grande. Um contribuiu para o outro, mas não que um tenha gerado o outro. Eu tenho uma admiração imensa pelo Paulo Freire, pelo método dele, pelas suas ideias, pela combatividade, lucidez, sensibilidade, humanismo. (BOAL, 2008, p.10).
Assim como Paulo Freire, Boal se interessou pela questão dos
oprimidos. Contudo, iremos nos deter aqui ao papel do corpo no Teatro do
Oprimido e, mais precisamente, em como ele pode colaborar com a educação
transformadora. E, mais adiante, no capítulo referente ao método,
discorreremos com mais detalhes sobre o Teatro do Oprimido.
Para Boal “o ser humano é antes de tudo um corpo” (1996, p.42), com
cinco propriedades principais: sensibilidade, emoção, racionalidade,
sexualidade e semovência. São elas que permitem que o corpo humano
registre sensações e, por meio da percepção, realize uma atividade sensorial
denominada atividade estética. Pela atividade estética o ser humano se
encontra em um espaço dotado de propriedades que “estimulam o saber e o
descobrir, o conhecimento e o reconhecimento – induzindo ao aprendizado” (p.
34).
É também no corpo humano que a arte do teatro encontra sua principal
fonte de expressão e, no caso específico da proposta do Teatro do Oprimido, a
intenção é oportunizar o fazer teatral para pessoas/corpos que na maioria das
vezes nunca tiveram essa experiência.
No contato com diferentes corpos, Boal se deparou com movimentos e
expressões mecânicas que limitavam o fazer teatral; pessoas sem consciência
de seus corpos e de suas “alienações musculares” (BOAL, 1975, p.132),
constituídas pelo tipo de trabalho que realizavam. Especializados sempre em
alguma coisa em detrimento de outra, de acordo com a profissão, tratava-se de
corpos alienados do todo e rígidos diante do ato da percepção e da criação,
constatação que impulsionou o dramaturgo a iniciar o processo do Teatro do
22
Oprimido com uma etapa de conhecimento do corpo dos atores.
(...) para que se possa dominar os meios de produção teatral, deve-se primeiramente conhecer o próprio corpo, para poder depois torná-lo mais expressivo. Só depois de conhecer o próprio corpo e ser capaz de torná-lo mais expressivo, o "espectador"
3 estará habilitado a praticar
formas teatrais que, por etapas, ajudem-no a liberar-se de sua condição de "espectador" e assumir a de "ator", deixando de ser objeto e passando a ser sujeito, convertendo-se de testemunha em protagonista. (BOAL, 1975, p. 131).
Ao mesmo tempo em que, no Teatro do Oprimido, o ator prepara o seu
corpo para tornar-se mais expressivo, para criar outros personagens, ele
também toma consciência do seu corpo, da sua identidade e de suas
limitações (BOAL, 1975), tendo a oportunidade de refletir sobre o quanto seu
trabalho determina seu corpo e aliena seus sentidos, adquirindo o que Freire
chama de consciência crítica.
Na batalha do corpo contra o mundo, os sentidos sofrem e começamos a sentir muito pouco daquilo que tocamos, a escutar muito pouco daquilo que ouvimos, a ver muito pouco daquilo que olhamos. Escutamos, sentimos e vemos segundo nossa especialidade. Os corpos se adaptam ao trabalho que devem realizar. Essa adaptação, por sua vez, leva à atrofia e à hipertrofia. (BOAL, 1998, p.89).
A esse estado de atrofia podemos compreender como uma alienação do
corpo, contudo, uma condição que pode ser superada, pois assim como uma
célula atrófica não pode ser considerada morta, apesar de sua funcionalidade
estar reduzida, os sentidos do corpo também podem ser exercitados e
estimulados para superar sua alienação.
A palavra alienação vem do latim – alienare, alienus –, e significa
pertencer ao outro, transferir ao outro o domínio de. Para Basbaum alienação é
quando:
3 Futuramente o autor passou a utilizar o termo espect.-ator, conforme explicitaremos no
capítulo referente ao método deste trabalho.
23
O homem perde sua consciência pessoal, sua identidade e personalidade, o que vale dizer, sua vontade é esmagada (...) o homem perde parcial ou totalmente sua capacidade de decisão. É ainda sua integração absoluta no grupo: ele se massifica, passa a pertencer à massa e não a si mesmo. Diz-se ainda que o homem está alienado quando deixa de ser seu próprio objeto para se tornar objeto de outro. (...) Ele é coisificado. (1981, p. 17-18).
Freire diz que “o homem alienado é um homem nostálgico, nunca
verdadeiramente comprometido com seu mundo” (1980, p.44), pois está
sempre em busca de se tornar aquilo que a cultura dominante o faz crer que é
o certo, aquilo que faz parte da realidade do opressor, constituindo-se num ser
que quer ser o outro. Dessa maneira a alienação impede que homens e
mulheres tenham uma percepção total do mundo, condição imprescindível para
o processo de conscientização e transformação do mesmo.
Nesse sentido, o Teatro do Oprimido propõe uma reflexão em que a
alienação dos corpos e dos sentidos está intrinsicamente relacionada com a
alienação política dos sujeitos. Pois, é com os sentidos que se faz a Leitura do
Mundo, que se percebe a si e aos outros, e é no corpo que reside a capacidade
de interação com o mundo e também da ação transformadora. Em seu livro
Educação e Mudança, Paulo Freire nos permite pensar que a desmecanização
do corpo é algo imprescindível no processo de uma educação libertadora
quando afirma que a pessoa alienada tem sua criatividade inibida e isso,
“geralmente, produz uma timidez, uma insegurança, um medo de correr o risco
da aventura de criar, sem o qual não há criação. (...) a alienação estimula o
formalismo, que funciona como uma espécie de cinto de segurança...”
(FREIRE, 2011, p.31).
Dessa maneira, pela própria exigência da linguagem teatral e pelo seu
compromisso político, o Teatro do Oprimido oferece uma práxis teatral que
pode contribuir com a Pedagogia do Oprimido, por meio da re-harmonização4
de um corpo “atuante, falante, leitor e „escritor‟” (FREIRE, 1993, p.25), capaz
de conhecer, analisar, interpretar, questionar e transformar o mundo.
4 Termo utilizado por Boal em seu livro Jogos Para Atores e Não-atores: “Para que o corpo seja
capaz de emitir e receber todas as mensagens possíveis, é preciso que seja re-harmonizado” (1998, p.89).
24
2.3 Corporeidade e Educação
“É preciso ousar para dizer, cientificamente e não bla-bla-blantemente, que estudamos, aprendemos, ensinamos, conhecemos com o nosso corpo inteiro.” (FREIRE, 1993, p. 08-09).
O termo corpo é polissêmico, podendo ser usado para definir diversas
coisas. Se consultarmos um dicionário veremos que, quando empregado, pode
se referir a um cadáver, um animal, um conjunto de órgãos humanos, entre
outros significados. No entanto, neste trabalho, nos referimos a um corpo vivo e
em ação no mundo e, para expressar isso, adotamos a terminologia
corporeidade.
Por corporeidade compreende-se um corpo que carrega vivências,
sentimentos, pensamentos e desejos. O ser humano nasce com um corpo
inacabado, que vai se constituindo de significados ao longo de sua experiência,
de acordo com as características socioculturais onde está inserido. Para Hugo
Assmann (1933-2008), ao utilizarmos o termo corporeidade buscamos ainda
“expressar um conceito pós-dualista do organismo vivo” e “superar as
polarizações semânticas contrapostas (corpo/alma; matéria/espírito;
cérebro/mente)” (ASSMANN, 1998, p. 150), comumente usadas ao longo da
história.
No decorrer da história, foram inúmeras as concepções de corpo
constituídas, entretanto não vamos nos deter em explicá-las minuciosamente
neste trabalho, mas sim em destacar alguns conceitos que contribuam mais
diretamente com a temática da pesquisa.
Ao revisitarmos a compreensão de corpo na história do pensamento
humano, notamos que desde a Antiguidade Grega a filosofia tratou a questão
da humanidade com uma notória separação entre corpo e alma, matéria e
espírito, conhecimento sensível e conhecimento inteligível (GONÇALVES,
1994). Todavia, foi com René Descartes (1596-1650), considerado o pai da
filosofia moderna, nos séculos XVI e XVII, que o pensamento ocidental se viu
25
diante de uma cisão radical entre corpo e alma. Com seu cogito: “Penso, logo
existo”, o filósofo ditou uma concepção de homem “fragmentado em si e
isolado do mundo” (GONÇALVES, 1994, p.51), ao afirmar ser a mente o centro
da realidade, de modo que o mundo sensível seria subjugado à razão, criando
uma relação hierarquizada da razão sobre o sentir. E, como afirma Berti: “ao
separar radicalmente as dimensões corpo e alma, a perspectiva cartesiana
reforçou a ideia de funcionamento corporal, de máquina, que atua com
princípios mecânicos próprios” (2009, p.20).
Passados quatro séculos do pensamento cartesiano, a concepção
dualista do ser humano segue com grande influência na sociedade ocidental. É
fato que a forte presença do culto ao corpo na sociedade atual tende a passar
uma ilusão de que a sobrevalorização do corpo pela razão seja algo superado.
No entanto, a busca incessante pela beleza física, seja por meio de
intervenções cirúrgicas, colocação de implantes ou pela prática excessiva de
atividades físicas combinadas com ingestão de suplementos alimentares, só
reforça a visão fragmentada do ser humano, como dono de um corpo que
parece ser exterior a si, numa relação de coisificação. E, nesse sentido, essa
adoração ao corpo torna-o “mercadoria para o consumo, para o prazer e para a
fantasia alienada” (GONÇALVES, 1994, p.32).
A escola, como instituição social, mantém uma relação dialética com a
sociedade a que pertence, de modo que a sua concepção de corpo reproduz a
fragmentação histórica entre o corpo e a mente, ao mesmo tempo em que é um
espaço em potencial para a superação desse dualismo. Essa fragmentação se
reflete na própria organização curricular dos espaços educativos, onde é
bastante comum que as atividades com o corpo fiquem restritas às aulas de
educação física e algumas vezes às de artes. Esse fato é demarcado na
própria revisão de literatura sobre a temática da corporeidade e da educação,
que é aprofundada prioritariamente nos estudos vinculados à área da
Educação Física.
Nesse sentido, as práticas educativas condizentes a essa concepção
dualista de corpo são coerentes à concepção tradicional de educação, segundo
26
a qual o conhecimento do mundo acontece de maneira fragmentada. A
concretização disso se dá pela distribuição dos corpos dos alunos e
professores nos espaços educativos, pela preponderância do uso da palavra
em detrimento de outras linguagens e pela organização do tempo escolar e
divisão das matérias. Como afirma Gonçalves (1994), “a aprendizagem de
conteúdos é uma aprendizagem sem corpo” (p.34), “desligada da experiência
dos sentidos” (p.35).
Ao negar a experiência sensitiva e priorizar as operações cognitivas o
processo educativo nega a totalidade humana, a corporeidade. E, como afirma
o filósofo Merleau-Ponty (1908-1961), a relação dos sujeitos com o mundo é
corporal, pois
A vida concreta é sempre encarnada, isto é, não há pensamento que não conte com a experiência sensível. (...) antes de pensar, preciso perceber, isto é, mergulhar através do meu corpo num mundo que me envolve, sem que eu possa verdadeiramente negá-lo. (RAMOS, 2010, p.35-36).
Nesse sentido o processo educativo deve compreender o ser humano
enquanto unidade e não fragmentos, de maneira que as relações educativas se
deem entre seres que sentem, pensam e agem, numa relação dialética com o
mundo. E entender que é no corpo que se dá esse entrelaçamento, essa
condição de unidade.
Ao reproduzir a prática da Educação Bancária, que nega o corpo dos
educandos, a educação ignora as dimensões individuais, expressivas, criativas
e históricas da corporeidade. Essa atitude provoca uma massificação de
corpos, que, ao se comportarem da mesma maneira – sentar igual, andar da
mesma forma, entre outros –, consequentemente são levados a pensar da
mesma forma. E assim cria-se uma relação mecânica com o próprio corpo e o
corpo do outro, em que permanecer rígido fisicamente implica uma rigidez
mental. Assim, essa prática cotidiana faz com que os alunos introjetem em
seus corpos a ideologia autoritária dominante e o medo à liberdade, suficientes
para manter o status quo e não avançar em direção ao “ser mais” (FREIRE,
1987).
27
2.3.1 O Educador e a Corporeidade
Não podemos desvincular a função central do educador no processo de
ensino-aprendizagem, com o seu papel diretivo para uma educação
transformadora.
Assim como a escola está integrada à sociedade, os educadores
também estão, numa relação dialética, aos valores e condicionamentos
produzidos pela cultura. Portanto, eles também trazem em seus corpos as
marcas da negação histórica da corporeidade.
Com uma formação profissional fragmentada, poucos educadores
tiveram a oportunidade de refletir sobre o papel da corporeidade. Desta
maneira, reproduzem uma prática pedagógica dualista, se relacionando com
seus alunos enquanto corpos manipuláveis, separados da mente. Assim, não
conseguem compreender o que cada gesto ou movimento de seus educandos
tem a revelar sobre eles ou como essa leitura possa vir a contribuir com um
processo educativo emancipatório. Pelo contrário, lidam com os corpos dos
alunos com a intenção te torná-los passivos e submissos, desencorajando-os
do ato criativo (GONÇALVES, 1994). E, quando esses corpos não são
obedientes, logo são considerados com alguma anormalidade. Como exemplo
disso, podemos citar o termo Transtorno de Déficit de Atenção com
Hiperatividade (TDAH), que, popularizado entre os educadores, costuma ser
usado para rotular os educandos que se recusam a se manterem quietos e
disciplinados. Além disso, busca-se na medicalização a solução para essa
questão.
Considerando a qualidade vital de inconclusão do ser humano, que é um
ser condicionado, mas não determinado (FREIRE, 1996), uma alternativa
possível à superação dessa prática reprodutivista dos educadores seria
oportunizar a reflexão crítica dos mesmos sobre suas práticas. Pois, como
afirma Freire, “A prática docente crítica, implicante do pensar certo5, envolve o
5 “Pensar certo significa procurar descobrir e entender o que se acha mais escondido nas
28
movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e pensar sobre o fazer” (p.38).
Dessa maneira, as chances de o processo educativo colaborar com a
superação da dualidade corpo/mente, que se propaga há tantos séculos nos
espaços educativos, e promover a presença de corpos conscientes, vivos,
criativos e expressivos na ação e transformação do mundo tornam-se mais
promissoras.
coisas e nos fatos que nós observamos e analisamos” (FREIRE, 1989, p. 77).
29
2. MÉTODO
“... – O senhor poderia me dizer, por favor, qual o caminho
que devo tomar para sair daqui? – perguntou Alice. – Isso depende muito de para onde você quer ir – respondeu o Gato”.
Lewis Carrol
Para o professor Joel Martins (1920-1993), pesquisar é como andar
inúmeras vezes em torno de uma indagação, por diferentes sentidos e
dimensões, de maneira que sua compreensão sobre o que se interroga nunca
seja totalmente respondida. A este processo que o pesquisador traça para
encontrar possíveis respostas às suas indagações chamamos de método, e
este estará sempre relacionado com determinadas visões de mundo e alguma
concepção de conhecimento (BICUDO, 2005).
Nessa dissertação optamos por uma pesquisa qualitativa, na qual a
preocupação com a análise da experiência ocupará um lugar central no seu
desenvolvimento (MOUSTAKAS apud SZYMANSKI e CURY, 2004). A pesquisa
qualitativa surgiu na segunda metade do século XX como uma necessidade de
as ciências humanas encontrarem metodologias condizentes com a sua
compreensão sobre a condição humana. Pois, até então, a única maneira de
se compreender o objeto de pesquisa, nas ciências naturais e exatas, era como
algo “objetivo e externo ao sujeito”, enquanto para as ciências humanas ele
seria “o próprio sujeito e as manifestações culturais de seu entendimento”
(BICUDO, 2005, p.20). Nesse sentido, nessa modalidade de pesquisa faz-se
necessário que o pesquisador supere os parâmetros de investigação
relacionados à neutralidade e à objetividade, característicos das pesquisas
positivistas, por uma ação crítica e implicativa, afirmadora do caráter político
que constitui qualquer pesquisa (RODRIGUES e SOUZA, 1987).
3.1 Pesquisa-intervenção
Para a investigação do tema central desta dissertação partimos dos
30
pressupostos da pesquisa-intervenção, segundo a qual o conjunto de
procedimentos utilizados é organizado em ações interventivas, que, além de
contribuir para a construção de conhecimentos científicos, pretendem colaborar
com as práticas educativas dos sujeitos participantes.
A pesquisa-intervenção considera que a construção do conhecimento se
consolida com a prática; portanto, será nas experiências subjetivas dos sujeitos
participantes que o pesquisador buscará sentido para sua indagação.
Para tanto, o processo investigativo-interativo foi realizado por meio de
uma oficina de introdução ao Teatro do Oprimido e duas Entrevistas Reflexivas
coletivas, nas quais a prática dialógica e participativa é constituinte das
relações estabelecidas entre o pesquisador e os sujeitos da pesquisa,
conforme a proposta político-pedagógica de Paulo Freire.
A questão indagadora que norteou o desenvolvimento da pesquisa e a
Entrevista Reflexiva Coletiva foi: “Como a corporeidade foi compreendida pelos
participantes, ao longo de uma experiência com a oficina de Teatro do
Oprimido?”.
Antes do início da intervenção foram apresentados os Termos de
Consentimento Livre e Esclarecido a todos os participantes e coordenadores
das instituições envolvidas nesta pesquisa, garantindo que não seriam
identificados e que todas as informações coletadas fossem utilizadas com
sigilo.
Após assinados tais termos, os encontros foram gravados, fotografados
e, posteriormente, transcritos para elaboração da análise, com base no
referencial teórico apresentado anteriormente.
A seguir discorreremos sobre a metodologia do Teatro do Oprimido e da
Entrevista Reflexiva.
3.1.1 Teatro do Oprimido
31
Augusto Boal iniciou sua trajetória de teatrólogo no Brasil no ano de
1953, em São Paulo, como diretor na Companhia de Teatro de Arena (1953-
1972). Foi na interação com diferentes públicos, de diversos lugares, que
concebeu gradativamente as ideias do Teatro do Oprimido (TO). Sendo assim,
consideramos relevante traçar um breve resumo sobre a Companhia de Teatro
de Arena.
O Teatro de Arena é uma das importantes companhias teatrais que, junto
ao Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) e ao Teatro Oficina, marcou a cena
teatral paulista e nacional a partir da década de 1950. Conhecido por seu
posicionamento político de esquerda, a favor das classes menos favorecidas,
durante os seus quase vinte anos de existência passou por diversas fases em
busca de uma estética própria.
Com a chegada de Boal à Cia, o grupo passou a experimentar técnicas
realistas de interpretação com base no método do diretor russo Konstantin
Stanislavski (1863-1938), ao qual Boal teve proximidade por meio do Actor´s
Studio, durante sua pós-graduação nos EUA; momento em que também
estudou dramaturgia com John Gassner, na Columbia University.
Entre 1958 e 1961, a companhia viveu sua “Fase Nacional”, que se
destaca pelos Seminários de Dramaturgia e montagem de textos nacionais
inéditos. Época em que foi criticada por ter uma preocupação maior com os
conteúdos do que com a forma que eles eram transmitidos (CAMPOS, 1988).
De 1961 a 1964, houve um racha entre os membros do Arena, que em parte se
instalaram no Rio de Janeiro, fundando o Centro Popular de Cultura (CPC),
ligado à União Nacional dos Estudantes (UNE). Entretanto, aqueles que
permaneceram no grupo, como Boal, deram andamento à fase conhecida
como “A Nacionalização dos Clássicos”. Neste estágio, influenciada pelas
ideias do Teatro Popular, a preocupação central da Companhia era a de
reinterpretar textos dramatúrgicos de diferentes países e épocas, aproximando-
os das questões políticas brasileiras emergentes naquele momento histórico.
Fase em que a Cia teatral se distanciou do realismo e passou a ter mais
influências do dramaturgo e encenador alemão Bertolt Brecht (1863-1956). Em
32
busca de um teatro engajado, e diante de um momento expressivo das Ligas
Camponesas, o grupo passou a excursionar pelo Nordeste com apresentações
populares. Posteriormente ao Golpe Militar de 1964, diante das dificuldades
com a censura, montam Arena Canta Zumbi, que junto com Arena conta
Tiradentes, inauguraram a fase do Sistema Coringa (CAMPOS, 1988).
Com o Sistema Coringa, Boal pretendia utilizar a proposta do
distanciamento brechtiano, fazendo com que todos os atores representassem o
mesmo personagem, por meio de um revezamento de papéis. “Cada
personagem é, em sua totalidade, uma construção que se faz coletivamente e
em cena” (CAMPOS, 1988, p.10), exceto o protagonista. Assim, com uma
estrutura fixa, os chamados musicais do Arena propuseram uma nova estética
para a companhia. Nessa perspectiva, seis meses antes do Ato Institucional
nº5, em 1968, apresentaram a I Feira Paulista de Opinião, com principal
objetivo de expressar-se sobre o momento político que o Brasil vivia e debater
saídas para um teatro de atuação política.
Nesta mesma época o Teatro de Arena iniciou as práticas com o Teatro
Jornal, num esforço de continuar a fazer teatro político. Mesmo diante da
censura acirrada, o grupo prosseguiu com seus sonhos, pois, segundo Campos
(1988), não queriam apenas falar ao povo, mas passar ao público seus meios
de fazer teatro. “Se não sabíamos o que dizer, sabíamos ensinar a dizer”,
afirma Boal (2000, p.271) – o que já anunciava a proposta do Teatro do
Oprimido.
Em 1971 Augusto Boal foi preso e banido do Brasil e, em 1972, o Teatro
de Arena encerrou sua trajetória. Foi durante o exílio de Boal que o Teatro do
Oprimido nasceu oficialmente.
O Teatro do Oprimido parte da premissa de que todos os seres humanos
são atores porque agem e espectadores porque observam (BOAL, 1996) e
propõe um conjunto de jogos, exercícios e técnicas que pretendem oferecer
elementos para que qualquer pessoa tenha condições de exercer sua
capacidade expressiva e, por meio da ação teatral, ensaie futuras ações para
transformação da vida real.
33
Para Boal “O teatro nasce quando o ser humano descobre que pode
observar-se a si mesmo: ver-se em ação. (...) Percebe onde está, descobre
onde não está e imagina onde pode ir”. (BOAL, 1996, p.27). Nesse sentido, o
TO é uma prática teatral que busca proporcionar aos sujeitos, atores e não
atores, um melhor conhecimento de si e do mundo, na perspectiva de
transformarem esse mundo num lugar mais justo e propulsor de felicidade.
Segundo seu criador, os dois princípios fundamentais do TO são a
“transformação do espectador em protagonista da ação teatral e a tentativa de,
através dessa transformação, modificar a sociedade e não apenas interpretá-
la” (BOAL, 1998, p.319), numa transição de objeto passivo para sujeito da ação
transformadora.
Dessa maneira, a técnica proposta pretende oferecer condições para
que os oprimidos se apropriem da prática teatral e, a partir disso, ampliem sua
capacidade de expressão. E, para isso, Boal criou um “Plano geral de
conversão do espectador em ator”, que se divide em quatro etapas:
PRIMEIRA ETAPA - Conhecimento do Corpo: sequência de exercícios em que se começa a conhecer o próprio corpo, suas limitações e suas possibilidades, suas deformações sociais e suas possibilidades de recuperação; SEGUNDA ETAPA - Tornar o Corpo Expressivo – sequência de jogos em que cada pessoa começa a se expressar unicamente através do corpo, abandonando outras formas de expressão mais usuais e cotidianas; TERCEIRA ETAPA - O Teatro como linguagem – aqui se começa praticar o teatro como linguagem viva e presente, e não como produto acabado que mostra imagens do passado; Primeiro Grau - Dramaturgia simultânea: os espectadores “escrevem”, simultaneamente com os atores que representam; Segundo Grau - Teatro-Imagem: os espectadores intervêm diretamente, “falando” através de imagens feitas com os corpos dos demais atores ou participantes; Terceiro Grau - Teatro-Debate: os espectadores intervêm diretamente na ação dramática, substituem os atores e representam, atuam! QUARTA ETAPA - Teatro como discurso – Formas simples em que o espectador-ator apresenta o espetáculo segundo suas necessidades de discutir certos temas ou de ensaiar certas ações. (BOAL, 1975, p.131-132)
34
Cada uma dessas etapas é formada por jogos e exercícios. Por
exercícios compreende-se “todo movimento físico, muscular, respiratório,
motor, vocal que ajude aquele que o faz a melhor conhecer e reconhecer seu
corpo”, sendo “uma reflexão física sobre si mesmo. Um monólogo.” Já os jogos
podem ser compreendidos por tratarem “da expressividade dos corpos como
emissores e receptores de mensagens. Os jogos são um diálogo, exigem um
interlocutor” (BOAL, 1998, p.87). Enquanto os exercícios têm um cunho de
introversão, os jogos são momentos de maior extroversão. Embora haja essa
divisão, na prática há jogos nos exercícios e vice-versa, de forma que o autor
adotou a expressão joguexercícios para melhor designá-los.
A partir da longa experiência do seu criador, os joguexercícios foram
estruturados para desenvolverem a capacidade de expressão e a
desmecanização do corpo do ator, que é resultado da repetição de gestos e
expressões cotidianas.
Boal agrupou seu conjunto de joguexercícios em cinco categorias.
Sendo elas: I. Sentir tudo que se toca; II. Escutar tudo que se ouve; III.
Ativando os vários sentidos; IV. Ver tudo que se olha; V. A memória dos
sentidos.
As categorias I, II e IV são compostas por joguexercícios que buscam
exercitar prioritariamente o tato, a audição e a visão, respectivamente; a
categoria III trabalha com atividades que privam a visão no intuito de estimular
o desenvolvimento dos demais sentidos e a capacidade dos espect-atores6
perceberem o mundo em sua volta; a categoria V propõe joguexercícios que
relacionem memória, emoção e imaginação com objetivo de preparar uma cena
e também uma ação futura real.
Cada categoria reúne diferentes jogos e exercícios:
6 Termo criado por Augusto Boal com objetivo de superar a dicotomia entre espectador (aquele
que observa) e ator (aquele que age), convergindo o ato de observar e de agir como capacidades de um mesmo sujeito.
35
Categoria I: Exercícios gerais, caminhadas, massagens, jogos de
integração, jogos com a gravidade.
Categoria II: Exercícios e jogos de ritmo, melodia, som, ritmo da
respiração e ritmos internos.
Categoria III: Série do cego e série do espaço.
Categoria IV: Sequência do espelho; sequência da modelagem;
sequência das marionetes, jogos de imagem, jogos de máscaras e
rituais; imagem do objeto polissêmico e jogos de integração de elenco.
Além dos joguexercícios, a QUARTA ETAPA reúne algumas técnicas
específicas do Teatro do Oprimido, que permitem tratar de temáticas de
interesse dos grupos que a praticam, e oferecem a possibilidade dos espect-
atores exercerem uma participação ativa, com direito à voz e opinião. Dentre
essas técnicas, explicitaremos brevemente as três que foram desenvolvidas na
oficina.
O Teatro-Jornal, conforme já mencionamos anteriormente, foi
desenvolvido durante o período pós-Golpe Militar no Brasil, quando a censura
era bastante acirrada e as temáticas políticas não tinham mais espaço na cena
teatral. No Teatro Arena, Boal e parceiros improvisavam cenas teatrais, a partir
de manchetes de jornais sobre a conjuntura política que viviam, com objetivo
de garantir o debate político por meio do teatro. As cenas eram realizadas em
espaços alternativos, tais como universidades, igrejas e escolas.
A técnica de Teatro-Imagem foi mais profundamente desenvolvida
quando o dramaturgo realizou atividades com indígenas do Peru, Colômbia,
Venezuela e México, durante seu exílio. Nessas experiências, a dificuldade na
compreensão de diversos dialetos fez com que a imagem corporal fosse
estimulada como recurso para facilitar a comunicação entre Boal e diferentes
povoados. A técnica consiste essencialmente em estimular o uso do corpo
como forma essencial de expressão, privando o uso de palavras. Dessa forma
os atores exercitam sua capacidade de expressão e evitam um teatro
excessivamente verbal, que Boal chama de rádio-fórum. Há diversas variantes
da técnica.
36
O Teatro-Fórum é a mais popular de todas as técnicas do TO, difundida
em mais de 80 países. Consiste num espetáculo teatral desenvolvido a partir
de uma situação de opressão real, em que a plateia é convidada a entrar no
lugar do personagem oprimido e experimentar novas possibilidades de
rompimento da opressão apresentada. Trata-se de uma transgressão
simbólica, pela qual o espectador invade o “lugar sagrado” do ator e ensaia
futuras transgressões que terá de fazer na vida. Para Boal a principal função do
Teatro-Fórum é proporcionar aos espect-atores “o aprendizado dos
mecanismos pelos quais uma opressão se produz, a descoberta de estratégias
para evitá-la e o ensaio dessa prática“ (BOAL, 1998, p.28)
3.1.2 A Entrevista Reflexiva
Por Entrevista Reflexiva compreende-se um conjunto de procedimentos
organizados por Szymanski ao longo de suas experiências no desenvolvimento
de projetos e orientações de pesquisas qualitativas. Este procedimento tem
sido adotado no caso de estudos “de significados subjetivos e de tópicos
complexos demais para serem investigados por instrumentos fechados num
formato padronizado” (BANISTER et al., 1994 apud SZYMANSKI, 2008, p.10).
Constitui-se numa forma de entrevista interativa, na qual os participantes
devem ser compreendidos como sujeitos e não como meros informantes. Nela
é importante que o entrevistador propicie um ambiente de confiança para que
os entrevistados sintam-se confortáveis para se expressarem e contribuírem
com dados importantes para a pesquisa. A dimensão da subjetividade expressa
na entrevista deve ser considerada na construção do conhecimento.
Pode-se dizer que se trata uma entrevista semidirigida, individual ou
coletiva, como é o caso desta pesquisa. O procedimento não requer um roteiro
fechado, porém, para um bom desempenho, o entrevistador deve ter clareza
dos objetivos da entrevista, assim como da questão desencadeadora, pois “ela
deve ser o ponto de partida para o início da fala dos participantes, focalizando o
37
ponto que se quer estudar e, ao mesmo tempo, ampla o suficiente para que ele
escolha por onde deseja começar” (SZYMANSKI, 2008, p. 27). Sempre que for
necessário o pesquisador deve propor a retomada do foco para o objetivo da
pesquisa.
Durante o desenvolvimento da entrevista o pesquisador deve ir
gradativamente apresentando sua compreensão aos entrevistados, colocando-
se numa situação de atenção e escuta deles. Essa prática também contribuirá
com o caráter reflexivo da entrevista, pois quando o entrevistado se depara
com sua fala na fala do outro, tem a oportunidade de elaborar novas narrativas.
E “o movimento reflexivo que a narração exige acaba por colocar o
entrevistado diante de um pensamento organizado de uma forma inédita até
para ele mesmo” (SZYMANSKI, 2008, p.14). Segunda a autora, é importante
que o pesquisador faça uma distinção entre a compreensão e a interpretação.
A compreensão caminha por uma direção de descrição e síntese daquilo que
acabou de ser dito e ocorre numa relação de “diálogo e empatia, capacidade
de se colocar no lugar” (DEMO, 1992 apud SZYMANSKI, 2008).
Como forma de assegurar a fidedignidade da entrevista, deve-se solicitar
autorização aos participantes para a gravação e futura transcrição dos
conteúdos da entrevista. E, ainda, como maneira de cumprir com os princípios
éticos da pesquisa, é imprescindível que haja um encontro para devolutiva aos
participantes.
3.2 Contexto da Pesquisa
Esta pesquisa foi desenvolvida no contexto mais amplo de um Grupo de
Pesquisa em Práticas Educativas e Atenção Psicoeducacional à Escola,
Família e Comunidade (ECOFAM), coordenado pela Professora. Dr.ª Heloísa
Szymanski, do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Educação da
PUC-SP. Esse grupo realiza pesquisas interventivas numa comunidade de
baixa renda, localizada na zona norte de São Paulo, desde 1993.
Inicialmente o ECOFAM tinha como objetivo principal desenvolver
38
trabalhos com as famílias, posteriormente a proposta se ampliou, agregando
outras parcerias, e o objetivo passou a ser a construção de subsídios para
práticas dialógicas e articuladas entre as instituições de ensino formais e
informais que fazem parte da comunidade.
A comunidade está localizada na região noroeste da capital paulista,
pertencente a um dos maiores distritos de São Paulo, com aproximadamente
21 km quadrados e uma população em torno de 254 mil habitantes. Em 28 de
fevereiro de 1964 foi elevada a 40º distrito da capital, sendo delimitada pela
Freguesia do Ó, Pirituba e Perus. É composta por famílias com altas taxas de
vulnerabilidade social, que sofrem dificuldades de ordem social, econômicas e
culturais (GASONATO, 2007).
O espaço físico da comunidade não foi uma experiência nova para mim,
que sempre realizei trabalhos comunitários em São Paulo e demais estados
brasileiros. No caso dessa região específica, desde criança acompanhava
minha mãe no seu trabalho em uma escola pública muito próxima de lá.
Contudo, a trajetória que realizei desta vez, durante o caminho de minha casa,
localizada na zona sul de São Paulo, até chegar à sede da Associação
Cardume, revelou que muitas coisas chegaram até a periferia nesses últimos
trinta anos.
Conforme saía da Marginal Tietê e ia adentrando nos bairros que
conduzem para a Comunidade, era notável a quantidade de comércio e
serviços encontrados no caminho. Numa das grandes avenidas que cortam
essa região é impressionante o número de lojas de grandes redes que marcam
presença na região: McDonald´s, Casas Bahia, Mercado Dia, Extra, Sonda,
Bancos, além de lojas de roupas, concessionárias de veículos, locadoras de
DVDs, pizzarias, inúmeras papelarias e serviços de impressão e internet.
Conforme a comunidade vai se aproximando, após uma sequência de
subidas e uma paisagem serrana que surge, o número de pessoas andando no
meio das ruas e de carros estacionados na via aumentam significativamente.
São corpos de homens e mulheres de diferentes idades, crianças, jovens e
39
muitos cachorros espalhados pelas ruas estreitas e asfaltadas. A falta de
sinalização e distração com que as pessoas circulam pelos espaços delas me
levava a reduzir a velocidade imediatamente, além de redobrar a minha
atenção na condução do veículo. Diferente do comércio das grandes vias de
acesso que relatei anteriormente, neste percurso os mercadinhos, quitandas,
vendas, casas do norte ocupavam os espaços de garagens das casas e
serviam à população local. Bem na frente da Associação Cardume, um ponto
final de ônibus revela que, embora distante do centro, os moradores de lá
tinham condução pública para se deslocarem para outros lugares – resultado
de organização e conquista da comunidade, de acordo com relatos dos
participantes da oficina.
A distância entre a Associação Cardume do Centro de Educação Infantil
e do Centro da Criança e do Adolescente é bastante curta, com cerca de
seiscentos metros entre si. Trata-se de prédios bem cuidados, limpos e
organizados. A sala onde as oficinas foram desenvolvidas pertencia ao espaço
da Associação. Ampla, com duas mesas grandes, algumas cadeiras e
prateleiras com inúmeros livros catalogados, sobre diversos assuntos e para
diferentes idades. Nas paredes sempre havia exposições de trabalhos
elaborados pelas crianças e/ou adolescentes participantes das atividades
desenvolvidas pela Associação. E, conforme solicitei, em todos os encontros
tínhamos um aparelho de som e colchonetes à nossa disposição. Além de um
delicioso lanche oferecido para o grupo.
A questão da comunicação parecia fluir muito bem entre a equipe de
mulheres ligada à Associação, pois a cada encontro se organizavam conforme
as demandas e as agendas semanais, sempre garantindo alguém para abrir os
portões, outra(s) para preparar(em) o lanche e assim por diante. Algo que me
chamava atenção era a quantidade de chaves e cadeados utilizados para
trancar os prédios, pois, segundo o grupo, já haviam sido roubados algumas
vezes.
O grupo de participantes que trabalhavam nas três instituições
mencionadas era exclusivamente de mulheres as quais vinham todas
40
caminhando a pé ou de ônibus, já que moravam bem próximas do trabalho,
algumas na esquina. Já os professores que vinham da EMEF Manoel de
Barros e da Frida Kahlo chegavam juntos de carro, diretamente após o término
de suas atividades.
A relação comunitária era tão explícita que, cada vez que estacionava
meu carro na rua, uma senhora sentada no banco e observando algumas
crianças brincarem, imediatamente me cumprimentava e se colocava à
disposição para chamar alguém, embora nunca houvéssemos sido
apresentadas formalmente.
O som da rua era de crianças brincando, grilos e às vezes rádio alto,
devido ao fato do ponto final de ônibus se localizar ao lado da Associação, com
um pequenino bar que era a parada de descanso dos motoristas e cobradores.
Por vezes esse barulho incomodou em alguns momentos das oficinas.
3.2.1 Participantes
Participaram desta pesquisa quinze trabalhadores da educação,
pertencentes ao Centro de Educação Infantil (CEI), Centro da Criança e do
Adolescente (CCA), ambos ligados à Associação Cardume e às Escolas
Municipais de Ensino Fundamental Manoel de Barros e Frida Kahlo, sendo que
a última estava participando pela primeira vez do projeto ECOFAM.
O critério de escolha dos participantes se deu por atuarem nos
equipamentos que compõem o Projeto ECOFAM e pelo interesse de
participarem da oficina, sendo livre adesão. Houve um diálogo entre
pesquisadores, direção da escola e liderança comunitária para apresentação
da proposta e decisão do dia da semana e horário mais adequados para todos.
Em seguida apresentamos uma tabela com o perfil do público
participante.
41
Tabela 1- PERFIL DOS PARTICIPANTES DA OFICINA DE TEATRO DO OPRIMIDO 1. SEXO
Feminino Masculino 13 02
2. ESTADO CIVIL Solteiro Casado União Estável Separado
03 07 03 02 3. TEM FILHOS
Sim Não 11 04
4. NÚMERO DE FILHOS 01 filho 02 filhos 03 filhos
04 05 02 5. AUTODENOMINAÇÃO ETNICORRACIAL
Branca Negra Mestiça Morena Clara
Parda
06 05 01 01 02 6. RELIGIÃO *
Católica Evangélica Protestante Ateu Agnóstico 09 04 02 01 01
Budista Candomblecista Umbandista Kardecista 01 01 01 01
7. ESCOLARIDADE Médio Completo Superior
Incompleto Superior Completo
Pós-graduação completa
03 02 09 01 8. TEMPO QUE TRABALHA COM EDUCAÇÃO
Até 1 ano De 02 a 10 anos
De 10 a 15
anos
De 16 a 25 anos
Mais de 25 anos
03 01 03 03 02 9. CARGO ATUAL
Professor de Desenvolvimento
Infantil
Professor de Fundamental I
e II
Gestor de
Escola
Auxiliar Administrativo
Educador socioeducativo
01 07 02 01 04 *Um dos participantes assinalou todas as religiões.
3.3 Desenvolvimento da Oficina de Teatro do Oprimido
A Oficina de Teatro do Oprimido elaborada para este estudo é uma
proposta de vivência e reflexão do teatro enquanto forma de expressão
humana, dotado de fundamentos próprios. Ela é fruto de oficinas elaboradas
para educadores, atores e interessados na linguagem teatral, constituídas e
ministradas pela pesquisadora anteriormente a este estudo.
A oficina teve como principais objetivos a compreensão do teatro como
42
um processo de descobertas e espaço de recriação de uma percepção de si e
do mundo; estimulação do uso da linguagem corporal como forma de
autoconhecimento e de comunicação; sensibilização dos participantes para as
mecanizações cotidianas, situando o teatro como forma de resistência a estas
mecanizações; estimulação da reflexão crítica sobre o processo de ensino-
aprendizagem, favorecendo as relações dialógicas presentes no cotidiano;
estimulação da leitura do mundo e criação do espaço estético; compreensão do
contexto que foram criadas as técnicas do Teatro do Oprimido e apreensão dos
elementos técnicos que compõem a linguagem teatral.
Considerando a identificação e a trajetória profissional da pesquisadora
com a proposta pedagógica freireana, a condução da oficina prezou pela
dialogicidade e problematização. Cada jogo ou exercício proposto buscou
trabalhar com os limites individuais de cada participante, ao mesmo tempo em
que os estimulassem a experimentar novas possibilidades, pois assim como a
Pedagogia do Oprimido propõe um processo de ensino-aprendizagem que
respeite o educando, Boal também afirma que, no Teatro do Oprimido, “nada
deve ser feito com violência ou dor em um exercício ou jogo; ao contrário,
devemos sempre sentir prazer e aumentar nossa capacidade de compreender”
(BOAL, 1998, p. X)7.
O critério de escolha dos jogos, exercícios e demais técnicas do arsenal
do Teatro do Oprimido priorizou a possibilidade da experiência dos
participantes com a corporeidade, além da coerência com os objetivos de cada
um dos encontros e da totalidade da oficina. Nem sempre os jogos foram
realizados como a bibliografia orientava, mas sim adequados aos propósitos da
pesquisa e alguns até mesmo criados pela pesquisadora.
Nos jogos “As duas Revelações de Santa Tereza”, “Hipnotismo
Colombiano”, “Carro Cego”, “Floresta de Sons” e na técnica do “Teatro-fórum”,
onde a separação entre opressor e oprimido é bem demarcada, houve um
cuidado especial por parte da pesquisadora no sentido de evitar que se
7 Neste livro Boal usa algarismos romanos na numeração das páginas iniciais.
43
constituísse uma lógica dualista na relação opressor/oprimido. Nos momentos
planejados para a reflexão coletiva sobre a vivência desses jogos, a educadora
problematizou a dimensão dialética da relação opressor/oprimido e, no caso
específico do Teatro-fórum, onde a técnica exige um recorte dicotômico entre a
personagem do opressor e a do oprimido, foi bastante explícito aos
participantes que essa divisão se tratava de um requisito didático para que o
objetivo da cena fosse bem sucedido. Para a pesquisadora essa reflexão é
imprescindível na condução do Teatro do Oprimido.
Cada encontro foi estruturado em três momentos. Inicialmente sempre
era proposto um aquecimento, com objetivo de preparar o corpo para às
atividades seguintes, evitando possíveis lesões físicas, e de facilitar a
disponibilidade dos participantes para se envolverem com os jogos e exercícios
propostos na sequência. Em seguida, eram desenvolvidos joguexercícios e
técnicas teatrais do arsenal do Teatro do Oprimido e de outros jogos
aprendidos ou criados em diferentes espaços de teatro. Finalmente, todos os
encontros eram concluídos com uma reflexão coletiva sobre a vivência.
Dentro do arsenal do Teatro do Oprimido foram apresentadas e
experimentadas as técnicas do Teatro-Imagem, Teatro-Jornal e Teatro-Fórum.
Sempre que trabalhamos com alguma temática, a escolha do assunto foi feita
pelos sujeitos participantes da oficina, pois “tratando-se de um teatro que se
quer libertador, é indispensável permitir que os próprios interessados
proponham seus temas” (BOAL, 1998, p.5).
O processo foi realizado em sete encontros, com três horas de duração
cada um, totalizando vinte e uma horas. A seguir cada um dos encontros terá
sua estrutura apresentada com detalhes.
3.3.1 Descrição da Oficina
Apresentaremos o plano de trabalho de cada um dos sete encontros que
compuseram a Oficina de Teatro do Oprimido, incluindo o detalhamento dos
44
jogos, exercícios e técnicas vivenciadas pelos participantes.
3.3.1.1 Plano de trabalho do 1º encontro (realizado em 30/03/11)
1. Contextualização da Oficina no Projeto ECOFAM;
2. Apresentação oral do grupo e das expectativas para oficina;
3. Tempestade de ideias sobre “O que é Teatro” para o grupo;
4. Joguexercício “O batizado mineiro”: Atores em círculo; cada um, em
sequência, dá dois passos à frente, diz seu nome, diz uma palavra que
comece com a primeira letra do seu nome e que corresponda a uma
característica que possui ou crê possuir, fazendo um movimento rítmico
que corresponda a essa palavra. Os demais atores repetem duas vezes:
nome, palavra e movimento. Quando já tiverem passado todos, o
primeiro volta, mas agora numa posição neutra, e são os demais que
devem se lembrar da palavra, nome e gesto (Jogo do arsenal do Teatro
do Oprimido (BOAL, 1998));
5. Joguexercício “Hipnotismo colombiano”: Um ator põe a mão a poucos
centímetros do rosto de outro; este, como hipnotizado, deve manter o
rosto sempre à mesma distância da mão do hipnotizador, os dedos e os
cabelos, o queixo e o pulso. O líder inicia uma série de movimentos com
as mãos, retos e circulares, para cima e para baixo, para os lados,
fazendo com que o companheiro execute com o corpo todas as
estruturas musculares possíveis, a fim de equilibrar e manter a mesma
distância entre o rosto e a mão. A mão hipnotizadora pode mudar, para
fazer, por exemplo, com que o ator hipnotizado seja forçado a passar por
entre as pernas do hipnotizador. As mãos do hipnotizador não devem
jamais fazer movimentos muito rápidos, que não possam ser seguidos.
O hipnotizador deve ajudar seu parceiro a assumir todas as posições
ridículas, grotescas, não usuais: são precisamente estas que ajudam o
ator a ativar estruturas musculares pouco usadas e a melhor sentir as
mais usuais. O ator vai utilizar certos músculos esquecidos do seu
corpo. Depois de uns minutos, trocam-se o hipnotizador e o hipnotizado.
Alguns minutos mais, os dois atores se hipnotizam um ao outro: ambos
45
estendem sua mão direita, e ambos obedecem à mão um do outro (Jogo
do arsenal do Teatro do Oprimido (BOAL, 1998));
6. Joguexercício “O carro cego”: Uma pessoa atrás de outra. Por trás, o
motorista guiará os movimentos do carro cego, precisando os dedos no
meio das costas (o carro segue sempre reto), no ombro esquerdo (vira à
esquerda – quanto mais perto do ombro, mais fechada será a curva), o
ombro direito (similar), ou uma mão no pescoço (marcha à ré). Como
muitos carros cegos circularão ao mesmo tempo, é preciso evitar
colisões. O carro deve parar quando o motorista para de tocá-lo. A
velocidade será controlada pela maior ou menor pressão dos dedos nas
costas (Jogo do arsenal do Teatro do Oprimido (BOAL, 1998));
7. Joguexercício “Floresta de sons”: O grupo se divide em duplas: um
parceiro será cego, e o outro o guia. Este emite sons de um animal –
gato, cachorro, passarinho ou qualquer outro –, enquanto seu parceiro
escuta com atenção. Então os cegos fecham os olhos, e os guias, ao
mesmo tempo, começam a fazer seus sons, que devem ser seguidos
pelos cegos. Quando o guia para de fazer sons, o cego também deve
parar. O guia é responsável pela segurança do parceiro (cego) e deve
parar de fazer sons se o seu cego estiver prestes a esbarrar em outro,
ou a bater em algum objeto. O guia deve mudar constantemente de
posição. Se o cego segue os sons com facilidade, o guia deve-se manter
o mais distante possível, com a voz quase inaudível. O cego deve se
concentrar somente no seu som, mesmo se ao seu lado houver vários
outros. O exercício tem como objetivo despertar e estimular a função
seletiva da audição (Jogo do arsenal do Teatro do Oprimido (BOAL,
1998));
8. Joguexercício “A máquina dos ritmos”: um espect-ator vai até o centro e
imagina que é uma peça de engrenagem de uma máquina complexa.
Faz um movimento rítmico com seu corpo e, ao mesmo tempo, o som
que essa peça da máquina deve produzir. Os outros atores prestam
atenção, em círculo, ao redor da máquina. Um segundo ator se levanta
e, com o seu próprio corpo, acrescenta uma segunda peça à
engrenagem dessa máquina, com outro som e outro movimento que
sejam complementares e não idênticos. Um terceiro ator faz o mesmo e
46
um quarto, até que todo o grupo esteja integrado em uma mesma
máquina, múltipla, complexa, harmônica (Jogo do arsenal do Teatro do
Oprimido (BOAL, 1998));
9. Breve apresentação das categorias dos joguexercícios e do conceito de
expect-ator, do Teatro do Oprimido;
10. Diálogo reflexivo do encontro (O que chamou atenção em si e no
outro?).
3.3.1.2 Plano de trabalho do 2º encontro (realizado em 06/04/11)
1. Joguexercício “Bons-Dias”: Cada pessoa deve dar a mão e dar boa-noite
a outra, dizendo o seu nome, um lugar e uma música que lhe é especial.
Não pode largar a mão dessa primeira pessoa antes de apertar a de
outra para dar boa-noite, e assim por diante, formando-se redes de
apertos de mão (Jogo do arsenal do Teatro do Oprimido (BOAL, 1998));
2. Joguexercício de aquecimento e alongamento: O grupo deve circular
pelo espaço, explorando-o sem deixar nenhum espaço vazio. Todos
deverão caminhar com rapidez (sem correr), de maneira que seus
corpos estejam sempre mais ou menos equidistantes de todos os outros
e espalhados pela sala. De tempos em tempos, o diretor dirá “Para!” e
todos deverão parar, procurando fazer com que não haja nenhum
espaço vazio. Em seguida o diretor intercala o comando para andarem
em câmara lenta, acelerado e normal (Jogo do arsenal do Teatro do
Oprimido (BOAL, 1998));
3. Joguexercício “Quantos “as” existem num “a”?”: Em círculo, um dos
espect-atores vai até o centro e exprime um sentimento, sensação,
emoção ou ideia, usando somente um dos muitos sons da letra “a”, com
todas as inflexões, movimentos ou gestos com que for capaz de se
expressar. Todos os demais, no círculo, repetirão o som e a ação duas
vezes, tentando sentir também aquela emoção, sensação, sentimento
ou ideia que originou o movimento e o som. Outro espect-ator vai para o
centro do círculo e expressa outros sentimentos, sensações, ideias ou
emoções, seguido novamente pelo grupo, duas vezes. Quando muitos já
tiverem criado os seus próprios “as”, o diretor passa às outras vogais (e,
47
i, o, u), depois passa a palavra “sim” querendo dizer “sim”, a “sim”
querendo dizer “não”, a “não” querendo dizer “não”, e a “não” querendo
dizer “sim” (Jogo do arsenal do Teatro do Oprimido (BOAL, 1998));
4. Joguexercício “Completar Imagens”: Dois espect-atores cumprimentam-
se, apertando-se as mãos. Congela-se a imagem. Pede-se ao grupo que
diga quais os possíveis significados que a imagem pode ter. Várias
possibilidades são exploradas. Imagens são polissêmicas, e os seus
significados dependem não só delas mesmas, mas dos observadores.
Um dos atores da dupla sai e o diretor pergunta à plateia sobre
significados possíveis da imagem que resta, agora solitária. O diretor
convida o ator que desejar a entrar na imagem em outra posição – o
primeiro continua imóvel –, dando-lhe outro significado. Depois, sai o
primeiro ator e um quarto entra na imagem, sempre saindo um, ficando o
outro, entrando o seguinte. Depois dessa demonstração, todos se
juntam em pares e começam com uma imagem de um aperto de mãos.
Um parceiro se retira da imagem, deixando o outro. Agora, em vez de
dizer o que pensa que esta nova imagem significa, o parceiro que saiu
retorna e completa a imagem, mostrando o que vê como um possível
significado seu; coloca-se numa posição diferente, com uma relação
diferente com o parceiro que está com a mão estendida, mudando o
significado da imagem. Então, o segundo parceiro sai dessa nova
imagem, observa e, depois, reentra na imagem e a completa, mudando
o significado outra vez. E assim por diante, um parceiro de cada vez,
estabelecendo um diálogo de imagens. Não importa que a maneira que
o ator escolheu para completar a imagem não tenha um significado
literal – o importante é deixar o jogo correr e as ideias fluírem (Jogo do
arsenal do Teatro do Oprimido (BOAL, 1998));
5. “Teatro-Imagem”: Dividimos os participantes em dois subgrupos,
sorteando dois temas: Sexualidade e Meio-ambiente. Em seguida os
grupos são orientados a debaterem sobre o tema e montar uma cena
congelada, como se fosse uma fotografia, sobre como percebem que tal
questão é tratada na sociedade, uma imagem real que envolva um
recorte do assunto. É reservado algum tempo para cada grupo concluir a
tarefa. Depois cada grupo, separadamente, monta a cena real e fica
48
congelado. Os demais participantes observam a cena e fazem a leitura
coletiva, em voz alta, do que a imagem revela para cada um. Num
segundo momento os grupos são convidados para pensarem e
elaborarem qual seria a cena ideal para a questão abordada. Depois de
prontos, ambos apresentam a cena congelada, da mesma maneira que
fizeram anteriormente. Enquanto um grupo monta e congela a cena, o
outro comenta o que percebe. Na terceira etapa, os grupos deverão
pensar sobre o que poderia gerar a mudança da cena real para a cena
ideal, e então criar uma transição entre as duas cenas. Finalmente cada
grupo apresentará a cena partindo da imagem real congelada, com uma
transição em câmera lenta para a imagem ideal também congelada
(Técnica do arsenal do Teatro do Oprimido (BOAL, 1998));
6. Leitura da poesia “Ver vendo”8, de Otto Lara de Rezende;
7. Diálogo reflexivo do encontro.
3.3.1.3 Plano de trabalho do 3º encontro (realizado em 13/04/11)
1. Joguexercício de aquecimento e alongamento: Deitados de costas,
completamente relaxados cada um põe as mãos sobre o abdômen,
expele todo o ar dos pulmões e lentamente inspira, enchendo o
abdômen até não poder mais; expira em seguida; repete lentamente
esses movimentos diversas vezes. Faz o mesmo com as mãos sobre as
costelas, enchendo o peito, especialmente a parte de baixo, diversas
vezes. Idem, com as mãos sobre os ombros ou para cima, tentando
encher a parte superior dos pulmões. Finalmente, faz as três respirações
em sequência, sempre pela ordem anterior (Jogo do arsenal do Teatro
do Oprimido (BOAL, 1998));
2. Joguexercício “Massagem em círculo”: Em círculo, um atrás do outro,
cada um põe a mão sobre o ombro daquele que esta à sua frente,
mantendo certa distância. Com os olhos fechados, tentam descobrir os
pontos endurecidos do corpo do colega da frente; no pescoço, ao redor
das orelhas, na cabeça, nos ombros, na coluna vertebral – e massageia-
8 Consta como ANEXO A.
49
o durante alguns minutos. O diretor determina que todos deem meia-
volta até que todo círculo tenha virado na direção contrária. Retoma-se a
massagem por mais alguns minutos (Jogo do arsenal do Teatro do
Oprimido (BOAL, 1998));
3. Joguexercício “Ímã afetivo”: O grupo caminha pela sala de olhos
fechados, por alguns minutos, procurando não esbarrar uns nos outros.
É bom que todos estejam de braços cruzados, com as mãos cobrindo os
cotovelos, para que as pessoas mais baixas não levem cotoveladas nos
olhos. Quanto mais as pessoas caminharem devagar, menos se
machucarão. Nessa primeira parte do jogo, quando duas pessoas se
esbarrem, deverão se separar imediatamente – o polo está negativo.
Elas devem se movimentar na sala sempre evitando tocar as outras; não
podendo ver, os espect-atores passam a perceber o mundo exterior
através dos outros sentidos. Após alguns minutos, o diretor anunciará
aos participantes que o ímã está positivo. A partir desse momento, as
pessoas que se tocarem deverão ficar coladas umas nas outras por
alguns momentos. Isso é difícil porque os participantes não podem parar
de se mover. É proibido tocar-se com as mãos, é melhor que usem
outras partes do corpo. Finalmente, o diretor dará o sinal para parar.
Todos param onde estão, e cada um tentará encontrar um rosto, só um,
com as mãos. Então começa a parte mais bonita do jogo – tocando o
rosto do outro, tentarão imaginar como é esse rosto, desde a sua forma
geral até os menores detalhes fisionômicos. As pessoas podem tocar o
rosto e a cabeça, mas não o corpo. Depois de alguns minutos, o diretor
mandará que abram os olhos e comparem a imagem que construíram
em suas mentes com a que está à sua frente (Jogo do arsenal do Teatro
do Oprimido (BOAL, 1998));
4. Apresentação de corpos que chamaram atenção durante a semana
anterior: O grupo é convidado, para demonstrar com o próprio corpo,
pessoas que chamaram sua atenção durante o intervalo das oficinas.
Apresenta quem quiser;
5. Retomada da discussão dos conteúdos apresentados pelo Teatro-
Imagem, na semana anterior;
6. Diálogo reflexivo do encontro.
50
3.3.1.4 Plano de trabalho do 4º encontro (realizado em 18/04/11)
1. Joguexercício de Relaxamento: Deitados no chão, com a música “Intro”
do grupo Funk como Le Gusta, o grupo deve seguir às orientações da
música, que os guia para um estado de relaxamento. Em determinado
momento o diretor aciona um alarme sonoro de despertador e incita o
grupo a levantar rapidamente, como se estivessem perdendo a hora.
2. Joguexercício da caminhada: Os participantes são orientados para andar
pelo espaço de diferentes formas: pontas dos pés, calcanhar, bordas
internas e bordas externas. Revezar entre o tipo de andar como passo
do camelo (pé direito e mão direita. Pé esquerdo e mão esquerda. O
camelo avança primeiro o lado esquerdo, depois o lado direito); passo
de elefante (como o exercício anterior, só que ao contrário: pé direito
com a mão esquerda, pé esquerdo com a mão direita. É assim que anda
o elefante.); passo do caranguejo (as duas mãos e os dois pés no chão.
Anda-se como os caranguejos, para a esquerda e para a direita. Nunca
para frente ou para trás); passo do macaco (caminhar para frente com
as mãos sempre tocando o chão, a cabeça traçando uma linha
horizontal em relação ao solo, como os macacos, que se deslocam
melodiosamente). Alterna-se conforme orientação (Jogo do arsenal do
Teatro do Oprimido (BOAL, 1998));
3. Joguexercício “Um, dois, três de Bradford”: Em duplas, face a face.
Primeiro os dois espect-atores de cada dupla contam até três, em voz
alta, alternadamente: O primeiro dirá “um”; o segundo, “dois”; o primeiro,
“três”; o segundo, “um”; o primeiro, “dois”; o segundo, “três”, e assim por
diante. Devem tentar contar o mais rápido possível. Em seguida, em vez
dizer “um”, o primeiro espect-ator passará a fazer um som e um gesto
rítmicos, e nenhum dos dois dirá mais a palavra “um”, que se
transformará em um movimento rítmico e um som inventado pelo
primeiro espect-ator. O som e ação criados pelo primeiro no início dessa
segunda sequência devem ser repetidos fielmente sempre no lugar do
“um”. Em seguida o segundo espect-ator inventará outro som e
movimento para serem feitos toda vez que deveria ser falado o “dois”. A
51
dupla jogará por alguns minutos tentando ser a mais dinâmica possível.
Um dos dois substituirá o “três” por outro som e outro gesto. Então
teremos um tipo de dança, somente com sons e movimentos rítmicos,
sem nenhuma palavra (Jogo do arsenal do Teatro do Oprimido (BOAL,
1998));
4. Joguexercício “As duas revelações de Santa Tereza”: O título não tem
nada de religioso, mas está relacionado com um bairro do Rio de
Janeiro, onde foi inventado. Formam-se duplas e, em cada uma, os
parceiros decidirão somente: a) quem interpreta o quê, quem é um e
quem é o outro – não podem os dois ser pais ou alunos etc.; cada um
deve ser um dos polos do binômio. A improvisação começa quando os
dois se encontram e conversam sobre assuntos que esses personagens
geralmente conversam e a fazer o que acreditam que esses
personagens habitualmente façam, incluindo todo tipo de lugar – comum
e clichê. Depois de alguns minutos o diretor dirá: “Um dos dois pode
fazer a primeira revelação”. Então, um dos parceiros deverá revelar ao
outro alguma coisa, de grande importância, que tenha o potencial de
mudar a relação. O outro parceiro deverá mostrar o que imagina ser a
reação mais provável, dentro da improvisação. Depois de alguns
minutos o diretor pedirá ao segundo parceiro que faça sua revelação,
que deve ser tão importante quanto a anterior, e a primeira pessoa
reagirá de acordo com o que imagina. Neste jogo foram propostos os
seguintes papéis para as duplas: patrão e empregado; polícia e ladrão;
religioso e fiel (Jogo do arsenal do Teatro do Oprimido (BOAL, 1998));
5. Joguexercício “Objetos do cotidiano”: Os participantes são convidados a
espalharem os objetos que fazem parte do cotidiano deles, trazidos para
a oficina, conforme solicitação na semana anterior. Após espalhados, os
espect-atores devem circular pelo espaço e escolher um dos objetos
expostos, pegá-lo e explorá-lo na sua finalidade comum, colocando seu
corpo em relação ao utilitário. Numa relação de movimentos repetidos
devem criar uma personagem a partir desse objeto, alguém que faria
uso do mesmo.
6. Joguexercício “O baile na Embaixada”: Este jogo se baseia num fato que
dizem ter realmente acontecido em uma recepção em uma embaixada
52
latino-americana durante o tempo da repressão fascista e das guerrilhas.
A relação é fácil de perceber. Cada espect-ator participará com a
personagem que criou no jogo anterior. Vão todos ao baile da
embaixada, onde são recebidos com todas as cerimônias – e se
esforçam para parecerem agradáveis, bem-educados, respeitando todos
os protocolos. São anunciados ao entrar, se encontram, se misturam,
conversam: tudo é diplomacia. O que os convidados não sabem é que o
garçom é um membro de um movimento revolucionário; ele serve as
bebidas, os salgadinhos e, na hora do bolo, que serve em pequenas
fatias, ninguém desconfia, mas sente os efeitos: no bolo foi colocada
uma droga alucinógena. A primeira rodada de bolo é servida, tirando a
inibição dos convidados, que começam a agir de forma um tanto
estranha, iniciando-se uma enérgica luta entre as vontades conscientes
dos personagens e os seus desejos inconscientes, que começam a se
manifestar com destemor. A segunda rodada de bolo contém mais um
pouco de droga, e os convidados revelam mais de si mesmos, agindo
como realmente gostariam de agir, sem nenhum protocolo inibidor; seus
desejos vêm à superfície e eles deixam cair suas máscaras e
respeitabilidade. A terceira rodada de bolo talvez nem faça falta...
Finalmente vem o café, que restaura a moralidade e os recoloca em
condições sociais aceitáveis. Cada rodada é iniciada pelo diretor em
intervalos apropriados. O importante nesse jogo não é descambar para a
irracionalidade, mas trabalhar no limite da luta razão versus desejos
(Jogo do arsenal do Teatro do Oprimido (BOAL, 1998));
7. Joguexercício “Homenagem a Magritte”: Na versão original que consta
no livro de Boal, esse jogo começa com uma garrafa de plástico vazia,
dizendo que “Esta garrafa não é uma garrafa, então o que será?”, e
cada participante terá o direito de usar a garrafa em relação ao seu
próprio corpo, fazendo a imagem que quiser – estática ou dinâmica,
dando ao objeto garrafa o sentido que quiser: um bebê ou uma bomba,
uma bola ou um violão, um telescópio ou um sabonete. Depois da
garrafa, podem-se usar outros objetos. Nesta adaptação, ao invés da
garrafa, o jogo é feito com os objetos que trouxeram de casa e utilizaram
53
nos exercícios anteriores (Jogo do arsenal do Teatro do Oprimido
(BOAL, 1998));
8. Diálogo reflexivo do encontro;
9. Teatro-Jornal: São espalhadas algumas notícias e fotografias retiradas
de jornais e da internet no centro da sala, trazidas pelos participantes,
de acordo com o interesse de cada um. Pede-se que todos circulem e
escolham aquelas cuja temática mais interessa discutir no grupo. De
maneira democrática são escolhidas as duas notícias de maior interesse
do grupo, que, divididos em dois subgrupos, terão que transformá-las
em duas cenas. Após um tempo destinado para preparação, cada grupo
apresentará a cena criada (Técnica do arsenal do Teatro do Oprimido
(BOAL, 1998));
3.3.1.5 Plano de trabalho do 5º encontro (realizado em 24/04/11)
1. Joguexercício de aquecimento e alongamento (idem ao alongamento
descrito nos encontros anteriores);
2. Ensaio e reapresentação das cenas do Teatro-jornal, criadas na semana
anterior, com acréscimo de figurinos, adereços, caracterização, cenário
e marcação.
3. Diálogo reflexivo do encontro.
3.3.1.6 Plano de trabalho do 6º encontro (realizado em 04/05/11)
1. Joguexercício de aquecimento e alongamento (idem ao descrito nos
encontros anteriores);
2. Joguexercício “O cacique”: Em círculo, uma pessoa sai da sala e o grupo
escolhe o cacique, que será a pessoa que iniciará todas as mudanças
gestuais e todos os movimentos rítmicos no círculo. A pessoa que saiu é
chamada de volta e observa para tentar descobrir quem é o cacique
(Jogo do arsenal do Teatro do Oprimido (BOAL, 1998));
3. Joguexercício “Orquestra de nomes”: Pede-se um voluntário para reger
o grupo como numa orquestra, onde a música será o nome dele. Sem
54
usar a palavra, apenas com gestos e o som cantado de seu nome, ele
deverá comandar a orquestra. Depois muda o maestro;
4. Técnica de ensaios “Teatro de Surdos”, “Para e Pensa” e “Interrogatório”:
Técnicas realizadas com as cenas improvisadas a partir das histórias de
opressão, compartilhadas na dinâmica de escolha de temas para o
Teatro-Fórum. No caso do “Teatro de Surdos” os atores deverão
desenvolver a cena sem o uso de palavras ou mímicas, num exercício
de valorização da imagem. Na técnica do “Para e Pensa”, o diretor
deverá solicitar que os atores congelem a cena em determinados
momentos que considerar “ricos em pensamentos escondidos do que
revelados pelo diálogo” (BOAL, 1998, p.207) e os atores deverão falar
tudo que vem à cabeça, enquanto personagens, revelando os
pensamentos ocultos, o que acarretará numa maior dinâmica para
atuação. Quando o diretor diz “continua”, todos devem voltar à ação da
cena de onde haviam parado. No “Interrogatório”, o ator será
interrogado, sem sair do personagem, pelo diretor e grupo, sobre o que
pensa dos outros personagens, sua vida, ideologia, acontecimentos da
cena, gostos e qualquer outra coisa. A intenção é contribuir com a
criação da personagem (Técnicas do arsenal do Teatro do Oprimido
(BOAL, 1998));
5. Diálogo reflexivo do encontro.
3.3.1.7 Plano de trabalho do 7º encontro (realizado em 11/05/11)
1. Joguexercício de aquecimento e alongamento;
2. Joguexercício “Zip, zap e boing”: Em círculo, os participantes devem
enviar “aplausos” entre eles, com foco, numa sequência contínua, onde
quem recebe manda para o outro. Sempre que for enviado o “aplauso”
para qualquer participante da roda que não seja àqueles imediatamente
posicionados ao lado esquerdo e direito do emissor, o movimento deverá
acompanhar a palavra “zip”. No caso de enviar o movimento para a
pessoa da esquerda ou da direita, é a palavra “zap” que deverá compor
o movimento e, por último, sempre que o movimento for retornado para a
mesma pessoa que mandou, deverá ser usada a palavra “boing”. Este
55
jogo colabora com o exercício da atenção, foco, ritmo e integração do
grupo;
3. Ensaio final da cena9 para o Teatro-Fórum: Marcação de espaço,
caracterização, sonoplastia, inclusão de signos, coro etc.;
4. Aquecimento ideológico10: Leitura da Lei Maria da Penha e de outros
textos e poesias referentes à violência doméstica contra a mulher.
Momento que tem como objetivo aquecer os espect-atores sobre a
questão ideológica da cena que será apresentada (Arsenal do Teatro do
Oprimido (BOAL, 1998));
5. Apresentação do Teatro-Fórum: Apresentação da cena ensaiada para o
fórum, que deve caracterizar a natureza de cada personagem e
identificá-lo com clareza, para que o espect-ator reconheça a ideologia
de cada um. A cena deverá apresentar uma falha política ou social, para
que os espect-atores sintam-se estimulados a encontrar soluções e criar
novas possibilidades de confrontar a opressão.
Após a apresentação convencional do espetáculo, o curinga (mestre de
cerimônias do espetáculo) perguntará aos espect-atores se estão de
acordo com as soluções propostas pelo protagonista e, no caso provável
de uma resposta negativa, deverá convidá-los a entrar em cena e tomar
o lugar do protagonista, oferecendo uma solução melhor do que a
apresentada. O objetivo do Fórum não é ganhar ou perder, mas
possibilitar o exercício e aprendizado de todos. Após cada intervenção o
curinga deverá fazer uma síntese da intervenção proposta em diálogo
com os espect-atores, numa postura muito parecida com a de um
educador. (Técnica do Arsenal do Teatro do Oprimido, BOAL, 1998);
6. Diálogo reflexivo do encontro.
3.4 Caminhos para a compreensão do fenômeno
O procedimento para análise dos dados qualitativos coletados nesta
pesquisa foi pautado na proposta de Szymanski, Almeida e Prandini, que
concebem a análise como “o processo que conduz à explicitação da
9 Consta como APÊNDICE C.
10 Consta como ANEXO B.
56
compreensão do fenômeno pelo pesquisador” (2008, p.71).
Para as autoras esse processo se constitui em um conjunto de ações
que, no caso deste estudo, teve início com o processo de transcrição das
impressões dos participantes, gravadas em cada um dos sete encontros que
compuseram a Oficina do Teatro do Oprimido, e das duas Entrevistas
Reflexivas coletivas, incluindo a devolutiva. Depois de feitas as transcrições,
elaboramos uma síntese de cada um dos nove momentos transcritos.
Considerando que a questão central desta pesquisa é a investigação da
experiência da corporeidade com os educadores participantes da Oficina de
Teatro do Oprimido, optamos por trabalhar com foco nos conteúdos das duas
Entrevistas Reflexivas. Entretanto, essa opção não exclui eventuais recortes
dos dados emergentes dos encontros da oficina de teatro, que possam
contribuir com a análise.
Depois de realizadas leituras e releituras no texto de referência das
Entrevistas Reflexivas, organizamos as falas, que convergiram num mesmo
tema, em constelações. O termo „constelação‟ substitui „categoria‟, pois,
segundo Szymanski (2004) as constelações possibilitam arranjos mais
variados, pois “à semelhança de um céu estrelado, várias constelações podem
ser delimitadas, dependendo de analista para analista” (p.3). Essa seria a fase
denominada de explicitação dos significados.
Concluída a organização das constelações, realizamos uma Entrevista
Reflexiva de devolutiva com a presença de oito participantes da Oficina de
Teatro do Oprimido, apresentando-lhes as constelações pré-analisadas, no
intuito de validar a interpretação resultante da compreensão da pesquisadora,
garantindo a fidedignidade da pesquisa.
A Entrevista de devolutiva também foi transcrita e transformada num
texto de referência que complementou e alterou as constelações anteriores.
Em seguida partimos para a fase de análise final ou discussão, elaborada a
partir dos referenciais metodológicos de Paulo Freire e Augusto Boal.
57
3. PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE
"Se puderes olhar, vê. Se podes ver, repara."
José Saramago
Neste capítulo apresentaremos as sínteses11 dos sete encontros que
constituíram a Oficina do Teatro do Oprimido (TO), as duas Entrevistas
Reflexivas sobre a compreensão dos educadores referente à experiência com
a corporeidade e, por último, as constelações que emergiram no processo de
análise. As constelações apresentadas serão desenvolvidas na discussão.
4.1 Sínteses da Oficina de Teatro do Oprimido
4.1.1 Síntese do primeiro encontro (realizado em 30/03/2011)
Os participantes da Associação Cardume foram muito receptivos com
todo o grupo, oferecendo um saboroso café. Por ser o primeiro dia, houve um
pequeno atraso por parte dos educadores da EMEF Frida Kahlo, que estavam
se localizando no bairro.
Iniciei a oficina com uma breve apresentação sobre minha trajetória
profissional, o Projeto ECOFAM e o tema da minha pesquisa de mestrado.
Expliquei sobre o termo de consentimento e solicitei a autorização de todos
para gravar e fotografar os encontros. Em seguida os participantes se
apresentaram, dizendo o nome, formação, profissão e expectativas com
relação à oficina. Sobre as expectativas foi recorrente o desejo em adquirir
aprendizados para a vida pessoal e profissional e superar a timidez. Na
sequência realizamos uma “tempestade de ideias” sobre o que os participantes
compreendiam por teatro e as respostas foram: encenação; comunicação;
expressão; representação; vivência; mensagem; movimento; público; memória;
emoção; curiosidade; reflexão; temos uma sociedade do corpo tão reprimido e
11
As transcrições originais serão entregues à Banca Examinadora e disponibilizadas aos
participantes da pesquisa.
58
maltratado do ponto de vista da moralidade cristã, que o teatro é o momento de
uma grandeza humana, de expressar emoções (...); vibração; liberdade;
expressar dimensões: riso; choro; imaginação; realização; improviso; tem uma
força, um poder, que às vezes permite discutir temas que não se conseguiria
numa reunião, quando vai pra ação acontece.
A partir disso apresentei a concepção do teatro do oprimido e a proposta
da oficina, de acordo com o folder12 que haviam recebido. Em seguida convidei
o grupo para experimentar alguns joguexercícios. Durante as atividades, o
grupo esteve bem envolvido e apenas a Carmem13 não pode participar por
estar com restrições médicas, porém ficou observando.
No diálogo reflexivo sobre a vivência pedi que relatassem sobre o que
havia chamado atenção em si e no outro. Célia iniciou falando que seria
interessante filmar a vivência para que todos pudessem observá-la depois.
Disse que, enquanto observava o grupo, sentiu vontade de participar. Élida
disse até esqueceu que estavam sendo gravados.
Bete falou sobre os diferentes parceiros que formou dupla nos jogos e
destacou que o fato de estar de vestido não impediu que se concentrasse e
nem limitou sua participação. Martha destacou ter achado legal o fato de ter
que confiar no outro, por estarem de olhos fechados. Elisa concordou sobre a
dificuldade de terem de fechar os olhos e confiar no outro em alguns jogos e
considerou que o grupo estava bem sintonizado e com vontade de participar.
Ernesto avaliou que houve confiança entre as pessoas, pois normalmente se
fecham os olhos em situações raras de confiança e conforto, como quando se
deita no colo da mãe ou quando beija o amado. Disse ainda ter gostado e
sentido prazer durante os jogos além de ter procurado se concentrar ao
máximo nas ações. Martha apontou que, durante o processo dos jogos, os
participantes começaram a se olhar de maneiras diferentes e então “parece
que quebra aquela barreira, você muda aquele olhar inicial, aquela tampa, uma
barreira, não sei a palavra, parece que tira...”. Para Ernesto ela estava se
referindo ao “pré-conceito” que se tem quando se vê uma pessoa pela primeira
vez. Malu destacou que, diferentemente dos outros, no caso dela a maior
12
Consta como APÊNDICE A. 13
Por questões éticas os nomes dos participantes da pesquisa e das instituições envolvidas
são fictícios.
59
dificuldade não foi com relação à confiança e à entrega, mas sim na
“composição da cena”, que acontecia no jogo “Máquina de Ritmos”,
considerando que o fato de usar mais o corpo do que a palavra dificultou.
Martha questionou se os joguexercícios haviam trabalhado o sentido e pontuou
que, quando se fecham os olhos, “a gente fica mais atenta por necessidade”.
Faltando pouco tempo para finalizar o encontro, introduzi o conceito de
Augusto Boal relacionado às Cinco Categorias: ver o que se olha; sentir o que
se toca; ouvir o que se escuta; ativando os vários sentidos e a memória dos
sentidos. Em seguida, enfatizei a importância do conceito de espect-ator para o
Teatro do Oprimido, afirmando que Célia não tinha sido uma mera espectadora
no encontro, pois “observar é um grande aprendizado” e todos iriam mudar de
papel e observar. Finalizei lendo um trecho do folder sobre o papel do teatro e
solicitando que todos trouxessem um objeto do cotidiano para o próximo
encontro, além de refletirem sobre as mecanizações durante a semana. Por
último cada um falou uma palavra para fechar o encontro e todos despediram-
se com beijos e abraços num clima muito harmonioso.
4.1.2 Síntese do segundo encontro (realizado em 07/04/2011)
Após a realização de alguns joguexercícios o grupo foi dividido em dois
subgrupos para desenvolverem uma das técnicas do Teatro-Imagem. Enquanto
um grupo trabalhou com o tema do meio-ambiente o outro tratou da
sexualidade.
No diálogo reflexivo discorreram sobre a experiência com o Teatro-
Imagem. Joaquim contou que, dentro do tema sexualidade, o grupo optou por
mostrar, inicialmente, uma cena de um baile funk, retratando a exploração do
corpo. Em seguida, na cena ideal, mostraram outro baile, “mais sutil, sem apelo
sexual”. Malu complementou dizendo que abordaram aquilo que julgam ser
vulgar no comportamento de seus alunos, já que, por terem outros valores,
acabam criticando e às vezes não dando abertura para eles se expressarem.
Com relação à cena ideal, contou que pensaram num baile romântico, com
cavalheiro dançando de rosto colado, música lenta, “um baile da saudade”.
Entretanto, ao refletir sobre isso percebeu que, para tornar a cena ideal,
60
tiveram que mudar a faixa etária das personagens.
Elisa, que participou do grupo com o tema sobre meio-ambiente, avaliou
que foi fácil por se tratar de um tema que já vem sendo trabalhado.
Com relação às atividades anteriores ao Teatro-Imagem, Ernesto
chamou atenção para a timidez do grupo, incluindo a dele, nos exercícios que
sugeriram expressar sons junto com a respiração. De modo geral apontaram
que houve uma ênfase maior no trabalho corporal e que olhar no olho do outro
é algo difícil. Para Ernesto o excesso de risos em alguns momentos dos
joguexercícios pode acontecer devido a um “pudor moral”, essa “coisa de uma
maldade sexual, dificuldade de lidar com o corpo... aí você sorri, disfarça”.
Martha considerou que, embora tenham ocorrido risos, achou que o grupo teve
mais concentração do que na semana anterior, pois foram sendo lembrados
por mim (Roberta), a toda hora, sobre a importância do foco. Elisa compartilhou
que se sentiu um pouco incomodada com sua própria falta de criatividade em
expressar sons no jogo “Sons da Floresta” – o que para Ernesto tinha mais a
ver com repressão do que falta de criatividade. Nesse sentido Simone
concordou com Ernesto, afirmando que sabe que pode se soltar mais, porém a
timidez a bloqueia. Questionados sobre a experiência da automassagem e
alongamento, Rosana disse que, apesar de detestar massagem e não gostar
que coloquem a mão em suas costas, e muito menos em seu pé, a experiência
de se tocar foi algo novo. Outros participantes falaram sobre a sensação de
relaxamento quando se tocaram. Célia contou que nos jogos em dupla ficou
preocupada em até onde poderia tocar sua parceira.
Solicitei que escolhessem uma notícia de jornal para o trabalho com o
Teatro-Jornal da semana seguinte e finalizei com a leitura do poema Ver vendo,
de Otto Lara Rezende14. Todos aplaudiram e Ernesto propôs um abraço
coletivo.
4.1.3 Síntese do terceiro encontro (realizado em 13/04/2011)
No diálogo reflexivo coletivo sobre os joguexercícios iniciais deste
encontro, Simone disse que havia achado as atividades tranquilas e relaxantes,
14
Consta como ANEXO A.
61
conseguindo ouvir até os grilos da rua. Outros participantes concordaram
dizendo que se tratava de um lugar privilegiado e ela complementou que,
embora morasse ali, nunca havia parado para pensar naquele som
anteriormente.
Elisa relatou que havia se sentido mais à vontade neste encontro e para
se guiar com os olhos fechados buscou o calor das pessoas, se esquecendo
até mesmo de que havia homens no grupo.
De modo geral destacaram a experiência de tocar o rosto de outra
pessoa, sentindo o cabelo, o tamanho do rosto, na tentativa de saber com
quem jogavam. A curiosidade esteve bem presente na relação em dupla, em
saber com quem jogavam, já que estavam de olhos fechados.
Para Rosana o seu companheiro “foi muito legal”, pois perguntou se
podia massageá-la e ela o autorizou. “Me superei”, afirmou. Ernesto disse que
procurou ser cuidadoso com ela, pois ela já havia alertado o grupo sobre sua
dificuldade com o toque. Para ele o fato de um de seus parceiros ser homem
não interferiu em nada no jogo, sendo tranquilo.
Alguns participantes afirmaram que tiveram mais dificuldades em ser
tocado, enquanto que, para outros, tocar foi mais difícil. No caso de Joaquim,
considera mais complicado tocar, principalmente quando é o homem que toca a
mulher. Pondera que deve-se ter cuidado.
Simone disse que tinha receio em revelar suas imperfeições, quando
tocada: “A hora que ela foi tocar no meu nariz (rindo) eu já fui pensando que ela
ia perceber que meu nariz era grandão” (risos).
Elisa compartilhou uma experiência com seus alunos, numa
apresentação de tango, durante a qual sentiu que eles não se entregaram,
fizeram “repeteco do movimento”, “tinham os passos como uma coisa
mecânica”. Concluiu dizendo que considera que eles, professores, não tinham
“quebrado” o suficiente neles mesmos para poder passar para os alunos.
Martha refletiu sobre sua experiência com crianças pequenas no CEI,
expondo que, enquanto educadores, podam as crianças de se tocar, de se
conhecer, até mesmo por falta de tempo. Cristina também dividiu uma
experiência com alunos de primeiro ano, numa escola muito violenta onde os
professores selecionaram jogos que trabalhassem essa questão do toque, da
calma, do saber ouvir e tal, durante um ano, e tiveram bons resultados.
62
Após refletirmos sobre as atividades, retomamos a discussão do Teatro-
Imagem, desenvolvido na semana anterior, com enfoque nos conteúdos
trabalhados e não na técnica, que já havia sido discutida.
No caso da temática da sexualidade, o grupo refletiu acerca da
intolerância do educador diante dos valores de seus alunos; apontou-se a falta
de preparo do profissional para lidar com a sexualidade bem como da família,
enquanto pais e mães, com seus filhos.
Referente ao tema do meio-ambiente conversamos sobre a cena
elaborada, que transforma um espaço desmatado num parque reciclado para
crianças brincarem. Problematizei que, durante a apresentação da cena, o
grupo que assistia havia dito que não tinha conseguido identificar o agente
transformador da cena real para a cena ideal. Dialogamos sobre as diferentes
concepções de meio-ambiente: a naturalista, que exclui o homem e suas
relações; a individualista, que restringe a responsabilidade para o indivíduo; e a
socioambiental segundo a qual o homem e suas relações fazem parte do meio-
ambiente.
Elisa pontuou que achava que as pessoas precisam primeiro passar por
uma mudança pessoal, para depois agir. Cristina complementou afirmando que
as pessoas estão condicionadas, e o fato de pensar sobre os hábitos pode
contribuir para que mudem seus comportamentos. Joaquim abordou a questão
da produção e do consumismo e o desafio de educar as crianças, pois,
segundo ele, “o homem vai ficando cada dia mais alienado e nem percebe mais
de onde vêm essas coisas [leite, alimentos, produtos], parece que tudo brota...
você vai ao mercado e acha de tudo!”. Elisa concluiu dizendo que “o papel de
educador é exatamente fazer com que essas informações se transformem em
conhecimento. Isso muda a postura”.
4.1.4 Síntese do quarto encontro (realizado em 18/04/11)
Durante o diálogo reflexivo coletivo o grupo revelou ter ficado bastante
incomodado com a interrupção brusca do relaxamento pelo som de
despertador. Comentaram que levaram um “susto”, “choque”, “desequilíbrio”.
Questionados sobre o sentimento que o exercício gerou, Márcia afirmou que
sentiu raiva; Bete disse que fez como em casa, optou por deixar tocar “mais
63
cinco minutinhos”. Joaquim sentiu-se estressado e Élida decepcionada. Elisa
disse que, apesar da frustração, ficou curiosa para saber o que se pretendia
com a proposta. A partir disso refletiu sobre os choques que sofrem no dia-a-
dia. Concluíram que, no caso da atividade, se tratou de um choque sonoro,
que, segundo Ernesto, interfere no corpo, “vai chegando, atropelando”, dizendo
também que achou legal ver como o corpo lida com os comandos que chegam
cotidianamente.
Ao lembrarmos que a escola tem um sinal sonoro, a equipe da EMEF
Manoel de Barros contou que lá não tem. Malu disse que na EMEF Frida Kahlo
tem um sinal manual e “dependendo do humor que a pessoa está, ele toca
meia hora”.
Em seguida partimos para a reflexão sobre os demais joguexercícios.
Com relação à sequência das diferentes caminhadas, a maioria se cansou
bastante e se percebeu mal preparada fisicamente, além de notar dificuldades
com a coordenação, motivo de muitos risos no grupo. Élida pontuou que “esse
negócio de experimentar o corpo é uma coisa que o adulto não tem costume de
fazer, e a criança, não... Você vê a criança andando assim, depois assim...
depois de costas, depois rodando, rodando...”
Sobre o jogo “1,2,3 de Bradford”, tiveram a impressão de que a
concentração da dupla é importante para que o jogo aconteça.
O jogo das “Duas Revelações de Santa Tereza” foi considerado muito
divertido e alguns foram identificando que, nos três papéis, atuaram como o
suposto opressor, enquanto outros foram sempre os supostos oprimidos.
Contudo, no desenvolvimento do jogo perceberam que nem sempre o
empregado acatava o patrão ou o fiel obedecia ao seu mentor. As revelações
contribuíam para essa mudança de relação.
Sobre o exercício com os objetos que trouxeram de casa, Ana percebeu
que a função do objeto [colher de pau] que usou era muito repetitiva, causando
dor no seu cotovelo e no ombro. Márcia disse, ao escolher os óculos, que logo
pensou em pegar um livro para ler. Para Bete, que pegou uma Bíblia, foi muito
difícil o jogo: “Queira ou não a gente tem aquele respeito por aquele livro, sabe
o conteúdo daquele livro. Eu confesso que eu senti dificuldade em como
interagir com ele sendo outra coisa, porque eu sabia o que significava aquele
objeto universal”. Dessa forma afirmou ter sentido medo, inicialmente, mas
64
depois conseguiu “entrar na brincadeira”.
Ernesto destacou que para fazer teatro bem feito é necessário romper
com algumas coisas: “Essas coisas que a sociedade monta em cima da gente
e se você não trabalhar legal isso dentro do teatro você não consegue fazer
cenas, às vezes, pra transmitir uma mensagem crítica”. Falou também sobre a
importância da dimensão da contradição humana para o movimento: “Se você
começa achar que não é permitida em momento nenhum essa contradição em
você, vai começar a trabalhar com valores absolutos, né? E aí não permite
você rever coisas que você tinha tão como verdade e, por causa de um
convívio com outra pessoa, aquela verdade deixou de ser tanta verdade”.
Em seguida o grupo foi direcionado para atividade com o Teatro-Jornal.
Diante das notícias que trouxeram, escolheram as que interessavam e,
divididos em dois subgrupos, criaram um esquete para apresentar ao grupo.
Após apresentarem as cenas, devido à proximidade do encerramento da
oficina, propus que déssemos continuidade ao trabalho na semana seguinte.
4.1.5 Síntese do quinto encontro (realizado em 24/04/11)
Após aquecimento, os dois subgrupos se reuniram para montar as cenas
criadas na semana anterior, desta vez com figurinos, adereços, revisão da
estrutura, ensaio e cenário.
Cena 1: Dois grupos de mulheres na praia conversam sobre corpo,
silicone, cirurgias estéticas, malhação e falam mal do corpo de outras
mulheres. Entra reportagem falando: “Boa tarde! A busca do ideal estético
atingiu tal exagero, que qualquer pneuzinho ou pé-de-galinha já é motivo para
a corrida, até mesmo irresponsável para a mesa de cirurgia. Existe marketing
violento. Os profissionais querem ganhar dinheiro rápido e fácil. O que a gente
vê hoje é um exagero muito grande, uma verdadeira loucura. São pessoas que
nem têm o que consertar, apelando para cirurgia, pois querem ficar com o
corpo maravilhoso, ou querem colocar peito, bunda, tudo bem mais fácil,
fazendo a cirurgia, do que malhar. Isso tem que ter um limite. Agora,
chamamos nossa repórter Camila que está no litoral paulista, para falar desse
assunto com os nossos telespectadores”.
65
Camila (repórter): “Temos mulheres que fazem o impossível para se
sentir a musa do verão. Vamos entrevistar pessoas que fazem loucura pra se
sentir poderosas”. Mulher 1: Expõe silicone na bunda, que provoca
comentários, inclusive nas mulheres; Mulher 2: recheou os seios; marido diz
que gosta das mulheres que enchem a cama; Mulher 3: Tem medo e não tem
dinheiro, então malha na academia; Mulher 4: Diz ser perfeita, então faz dieta,
da água, da alface; Mulher 5: Opta por fórmulas medicamentosas; A opinião
dos homens, representada pelo vendedor ambulante de biquinis e de
protetores solares diz: “Acho maravilhoso, esse visual mexe com a gente. Você
se acaba. Eu valorizo onde tem o negócio de pegar...” A reportagem termina
orientando uma dieta balanceada, consciente, com auxílio de médicos e
atividades físicas.
Cena 2: Numa barraca de uma feira livre vendedores anunciam frutas.
Fregueses são exigentes na escolha dos produtos e funcionário reclama que o
dono não separou as frutas ruins para jogar fora. São saqueados por pessoas
maltrapilhas. Muda de cena. O cenário é alterado para o espaço de uma sala
de aula. Um professor dialoga com seus alunos do ensino médio sobre o
desperdício. Questiona o padrão mercadológico que joga muitas frutas fora pra
agradar a clientela, enquanto muitas pessoas passam fome. Ele problematiza
com os alunos que sugerem alternativas.
Na reflexão coletiva sobre a experiência, o grupo apontou ter percebido
algumas mudanças positivas nas cenas da semana anterior. Acharam que
estavam mais organizadas cenicamente e que o figurino e a caracterização
contribuiu com o desempenho dos atores e a apresentação como um todo.
Além das cenas estarem “mais amarradas” e “claras”.
Os participantes destacaram o fato de a Malu ter vestido um maiô para a
cena em que participou, e expor seu corpo sem nenhuma vergonha.
Com relação à técnica do teatro-jornal, Elisa narrou ter gostado e
achado “desafiador” e “intrigante” o fato de pegar uma reportagem, ler, se
aprimorar do conteúdo, debater com o grupo, criar em cima. Simone comentou
sobre a frustração inicial pela maioria escolher uma notícia que não era a de
preferência dela, ponderando que depois aceitou, já que se trata de
“democracia”. Cristina pontuou que para dar conta de uma história com
começo, meio e fim, conforme a orientação do exercício, foi preciso priorizar
66
apenas uma notícia e focar nela.
Ernesto avaliou que esse tipo de trabalho é muito importante para a
escola, porque exercita a decisão e a construção coletiva. Para ele tratar
alguns temas por meio da “representação” pode ser “muito melhor do que você
ficar explicando o texto”, embora deva discuti-lo depois de apresentar.
Em seguida passamos para a etapa de escolha do tema para a cena do Teatro-
Fórum. Expliquei o conceito de opressão para Boal e como nasceu a técnica do
fórum, depois partimos para a atividade de escolha da cena.
Após apresentação das duas cenas escolhidas, Rosana compartilhou
que foi se “emocionando com a história de cada um” e Elisa destacou que
“observaram que muitas histórias de opressão começam dentro de casa, com a
própria família”. Pedi que trouxessem materiais para a montagem das duas
cenas que seriam desenvolvidas na semana seguinte e agradeci ao grupo por
compartilhar de sua intimidade. Retomei a importância do sigilo diante das
histórias de opressão compartilhada.
4.1.6 Síntese do sexto encontro (realizado em 04/05/11)
Após aquecimento os grupos se dividiram para elaboração das cenas
escolhidas na semana anterior. A primeira cena apresentou uma mulher de 30
anos, casada e mãe de duas filhas, de seis e doze anos. Ela é constantemente
maltratada por seu marido, que reclama de tudo, só se relaciona com as filhas
e se aproxima dela apenas para manter relações sexuais. A segunda cena
mostra uma família com mãe, pai, avó e filhos. O pai chega do trabalho e
desconsidera o cansaço da filha, que estuda e trabalha, obrigando-a a fazer
trabalhos noite adentro para ele, no computador, já que o mesmo não tem
conhecimento de tecnologia.
Durante a apresentação das cenas os expect-atores participaram das
técnicas de Ensaio, fazendo perguntas aos personagens e estimulando a
construção dos mesmos.
No diálogo reflexivo do encontro, Élida pontuou que conforme você vai
criando o personagem fica mais fácil interpretá-lo. Elisa comentou que, devido
à inexperiência deles no uso da corporeidade, acha que quando a fala é
67
introduzida fica mais seguro e fácil de interpretar. Ernesto avaliou que ao
recorrerem à fala deixam o corpo de lado. Ana ponderou que “alguns
elementos necessários para o entendimento da cena às vezes não tem como
você expressar corporalmente”.
Ernesto relatou que as técnicas de ensaio tornavam o exercício mais
difícil, pois tinham que representar e responder ao mesmo tempo. No geral,
todos expressaram gostar das técnicas de ensaio e das contribuições delas
para a encenação.
Pontuei sobre a importância do corpo do opressor e do oprimido de
expressar essa relação de poder no Teatro-Fórum, de maneira que o espect-
ator perceba isso e sinta-se provocado a entrar em cena para experimentar
formas de romper a opressão.
Em seguida fizemos uma votação para a escolha da cena que seria
apresentada no Fórum, aberta à intervenção dos participantes. Inicialmente
houve empate e, depois de as pessoas argumentarem sobre suas opções, a
cena número um foi a escolhida.
4.1.7 Síntese do sétimo encontro (realizado em 11/05/11)
O espaço do Centro Comunitário sofreu alguma reforma e tivemos que
realizar esse último encontro na CEI. Foi necessário um bom tempo no início
para adequar o espaço físico para as atividades e, principalmente, para a cena
do Teatro-Fórum. Coletivamente, o grupo foi organizando o espaço cênico que
representaria a casa, cenário da cena. Não foi possível usar a trilha sonora,
pois o DVD, que seria usado para isso, queimou.
Retomamos a questão da opressão para Augusto Boal e partimos para o
último ensaio da cena. Antes da apresentação final, da sessão do Teatro-
Fórum, fizemos o aquecimento ideológico, onde o grupo leu alguns textos e
poesias referentes à violência doméstica e à Lei Maria da Penha.
Após a apresentação da cena e dos aplausos, exercendo a função do
curinga, perguntei se haviam concordado com o desfecho da cena e, tendo em
vista a resposta negativa de todos, os convidei para entrarem na cena e
mudarem o desfecho.
68
Ao todo foram três intervenções, de Martha, Ana e Malu. Cada uma
tentou alternativas diferentes e trouxe questões para a reflexão do grupo.
Finalizadas as intervenções, com a proximidade do horário de
encerramento da oficina, alguns participantes fizeram uso da palavra. Ernesto
destacou que a postura menos submissa da Amélia interpretada por Ana
desequilibrou a postura do marido autoritário. “Acho legal até pra gente pensar
uma realidade. Quando a gente introduz um elemento novo dentro da situação,
né... Ele ficou desapontado quando ela sentou e não o chamou pra comer,
perdeu até o rebolado...”, afirmou. Joaquim, que fez o personagem do marido
opressor, respondeu “apesar de ser uma representação, quando ela foi pra
mesa eu fiquei assim: Pô, mas... Essa Amélia vai quebrar as minhas pernas
agora”.
Ernesto fez uma síntese de suas impressões referentes às intervenções
de Martha e de Malu. Para ele Martha trouxe alguns elementos novos para a
cena, que vinham desde demonstrar seus sonhos até ser mais atirada com o
corpo e de usar mais argumentos. A Malu teve o diálogo como foco principal e,
apesar disso não funcionar muito com aquele opressor, ele considera que se
trata de uma ferramenta importante para romper a opressão. Além disso,
ressaltou que as crianças da cena, quando sentiram a força da mãe na
intervenção de Ana, reagiram corporalmente diferentes.
Simone aproveitou para dizer que reparou que, durante a cena, a filha
mais nova começou a reproduzir a postura autoritária do pai com relação à
mãe. Por fim, concluímos o encontro falando sobre a funcionalidade do Teatro-
Fórum e a importância do curinga para o envolvimento dos espect-atores.
4.2 Sínteses das Entrevistas Reflexivas Coletivas
4.2.1 Síntese da primeira Entrevista Reflexiva Coletiva (realizada em
18/05/2011)
A Entrevista Reflexiva contou com a presença de catorze participantes
dos quinze que realizaram a Oficina de Teatro. Conforme planejado, iniciamos
a reflexão a partir da seguinte questão desencadeadora: “Como vocês
compreenderam a corporeidade ao longo dessa experiência de sete encontros,
69
durante a Oficina de Teatro?”.
De maneira espontânea cada participante foi relatando suas ideias
livremente. O grupo já estava bem aquecido, integrado e alegre. Além disso, os
participantes levaram comidas para se confraternizarem antes e após o
encontro.
Elisa iniciou falando que a oficina havia sido importante enquanto
ferramenta de comunicação: “(...) porque, apesar da gente sempre dizer que a
gente fala com o corpo, fala com os olhares, é diferente quando você observa a
importância que tem isso na hora que você quer transmitir uma mensagem. Na
hora que a gente fica ali representando ou tentando transmitir uma
mensagem...”. “O personagem que eu vou interpretar, a corporeidade é
fundamental: como eu coloco o corpo, a expressão, o olhar”. “(...) fui
construindo isso, passei a: dar uma importância muito maior à postura do
corpo, à maneira de se colocar. (...) eu nunca me imaginei tendo presença de
palco, e olha que eu era uma pessoa que fazia questão de ficar no cantinho,
não quero sempre aparecer; mas é importante sim a gente saber se colocar,
articular mais a voz, (...) olhar no olho de quem você está falando pra entender
o que as pessoas estão compreendendo o que você quer passar. Se você está
dialogando com o outro com o olhar, o corpo é fundamental”.
Bete discorreu sobre como transpôs a experiência para a sala de aula.
Para ela, embora trabalhe com educação infantil e a oficina tenha sido para
adultos, reconheceu atividades que já realizava com seus educandos e nem
sabia que trabalhavam determinadas questões. Disse que após a oficina
sentiu-se mais motivada em desenvolver as atividades com as crianças: “Tudo
o que a gente fazia aqui eu testava durante a semana com eles lá. Então eu vi
que dá pra fazer (...) basta a gente estar aberto pra aprender e depois também
pra tá ensinando.” Segundo ela, as atividades permitiram trabalhar melhor sua
voz e fazer caretas, recursos que percebeu chamarem a atenção de seus
alunos. “Até na minha maneira de contar história, eu estou procurando ler bem
a história antes pra dramatizar melhor. Não quero ficar mais presa no livro.
Mostro a figura sim, mas se eu puder fazer gesto com eles...”. “Tinha coisas
que eu não conseguia fazer porque eu tinha vergonha, independente se é com
criança ou com adulto, hoje em dia eu já consegui quebrar essa barreira”.
Ernesto falou sobre a timidez, para ele, bem presente nos encontros e
70
que foi um obstáculo para que as pessoas aproveitassem mais, embora avalie
que houve avanços. Considera que a timidez é consequência da repressão do
corpo e se dá pelo “acúmulo cultural” da família, comunidade e escola. Para ele
o corpo pode “falar num novo referencial”, mostrando um sujeito que pode agir
e ser transformador, sem esquecer que quando age está “levando valores
diversos (...), culturais.” Nesse sentido, Joaquim concordou que a repressão é
algo que as pessoas vão construindo durante anos e que cada um “carrega
isso que colocaram em você desde criança”, muitas vezes sem consciência e
que a oficina possibilitou entender sobre isso na interação com outras pessoas.
Refletiu que o curso é interessante para educadores como ele, pois estão muito
expostos na sala de aula, diante de quase quarenta alunos e, “por mais que
não pareça, eles (os alunos) estão te olhando, eles estão te percebendo”. No
entanto, com a oportunidade da reflexão, é possível buscar um contato mais
direto com o aluno, olhá-lo no olho, se colocar com “uma postura menos
autoritária e mais flexível”. Coisas que no cotidiano, sem tempo para refletir, por
estar “no automático”, fica mais difícil. Dessa maneira, avalia que muitas das
situações trabalhadas na oficina relacionadas aos “conflitos do dia-a-dia”, foram
fundamentais para o trabalho de professor.
O que mais chamou a atenção de Malu foi o quanto seu corpo estava
“travado”. Relacionou isso com a sua falta de prática com atividades físicas nos
últimos tempos e ficou incomodada ao sentir dores após “uma coisa até boba,
de alongar”. Isso a fez refletir sobre o quanto que a voz e a fala são usadas na
sala de aula “e o corpo tá lá né, totalmente congelado, duro”. Disse ainda que
costumava ir ao teatro, mas “não se preocupava tanto em perceber o corpo das
pessoas” e com o curso “entrou outro olhar”, “coisas que eu não observava eu
vou passar a observar”. Assim como Ernesto, exprimiu seu desejo pela
continuidade do trabalho, dizendo que, quando começaram experimentar,
“simplesmente acabou”.
Questionada por mim sobre o que seria esse experimentar ao qual se
referia, Malu disse que era inclusive “o tocar o outro”. Segundo ela as pessoas
tocam comumente “seu irmão, sua mãe, seu marido, sua filha, outra mulher” e,
mesmo durante as atividades propostas, a tendência era procurar pessoas
mais próximas para realizar os exercícios juntas. No entanto, durante o
desenvolvimento da oficina, em algum momento decidiu “procurar alguém
71
diferente”. Situação que acha difícil, por preconceitos e bloqueios de cada um.
Sendo assim, achou interessante “o experimentar tocar uma pessoa que você
teve um primeiro contato naquele dia”. Concluiu dizendo que para ela a
representação foi pouco experimentada.
Ernesto pediu a fala novamente e pontuou que para ele o fato do grupo
ter sido formado por “livre adesão”, sem ser “obrigado a fazer”, facilitou a
“dedicação dos participantes nos exercícios” e o toque entre estranhos, fluindo
com muita facilidade. Com referência a alguns autores, afirmou que “a
aprendizagem ocorre quando você quer aprender”. “Mais do que para
aprender, é querer aprender.”
Rosana compartilhou que, conforme já havia dito ao grupo, não gostava
de tocar. Contudo, na experiência com a massagem, seu parceiro foi muito
delicado ao perguntar para ela se estaria tudo bem tocá-la, e ela, ao permiti-lo,
“quebrou uma barreira”. Após essa atividade, ela conseguiu propor um
relaxamento para o grupo de adolescentes que trabalha no CCA, e fez em si
mesma “pra mostrar pra eles”. Além disso, também se viu numa situação, em
sua casa, pedindo para seu sobrinho massagear seu pé. Então quebrou suas
próprias barreiras e constatou que a dificuldade “não era nem tocar nas outras
pessoas”, mas em si mesma.
Elisa relatou que a vivência com a oficina a fez refletir sobre a sua
experiência na escola, quando propôs que seus alunos apresentassem um
tango. Percebeu que, diferentemente da oficina, onde o representar aconteceu
somente depois de praticarem alguns exercícios, “na escola não dá nem tempo
de desenvolver uma técnica”; pois estão sempre com pressa, distribuem o
roteiro, dão o texto, e já esperam que eles venham prontos. Para ela “você tem
que construir a personagem”, e no tango deveriam ter passado por essa etapa.
Diz: “Hoje, eu já faria isso de uma maneira completamente diferente. Antes de
distribuir roteiros, de distribuir os papéis, a gente ia vivenciar um pouco dessas
técnicas, experimentar o lidar com o corpo, soltar a voz e depois construir com
as crianças. Eu acho assim, a gente que pensa muito o teatro na escola, tem
que pensar nisso também.” Citou ainda uma experiência pessoal, enquanto
professora de história, com a temática da escravidão. Diante das dificuldades
dos alunos de refletirem sobre o mandingueiro, na capoeira, sugeriu que eles
arrastassem as cadeiras e jogassem capoeira. Então, percebeu que o grupo
72
que experimentou foi o que melhor explicou o que era a mandinga e a ginga na
avaliação. Concluiu então, que a experiência com a corporeidade era
fundamental para a educação.
Malu narrou que compartilhava as atividades da oficina com sua filha,
estudante do ensino médio, todas as semanas, e que a mesma chegou a pedir
para ela contribuir com o grupo de teatro do qual participa na escola.
Entretanto, ela diz que não gostaria de dirigi-los, mas sim “compartilhar” com o
grupo os exercícios que fizeram na oficina, “que é a questão do corpo! (...)
como lidar com isso (...) como se soltar. E assim, tirar essa questão do
bloqueio”, pois considera que, durante o desenvolvimento da oficina, superou
sua timidez. Provocada pelos participantes pelo fato de ter colocado maiô
durante uma cena, Malu disse que, embora não tenha um corpo “de modelo,
nem escultural”, já com quarenta e cinco anos, não tem vergonha de seu corpo,
e atribui isso a sua formação familiar. Entre os pais e irmãos nunca se
“esconderam uns dos outros” e por isso acredita que é “resolvida sexualmente”
num casamento de vinte anos (Nesse momento houve muitas manifestações
de risadas no grupo).
Célia pediu a fala, pois, ao contrário de Malu, afirmou ter um tabu com a
questão do toque. Expôs que, mesmo nas atividades de teatro que desenvolve
no CCA, percebe que tem um pouco de opressão. Que durante as dinâmicas
usava muito a fala, pela dificuldade de expor seu corpo e de tocar. Embora
ache natural, se pega com questões “da cultura, da família”. No entanto, depois
que passou a frequentar o grupo, avalia que atualmente se entrega mais
quando vai aplicar uma dinâmica. “Então essa aceitação de você mesma
aceitar o seu corpo, você falar, gesticular, colocar o grupo pra fazer uma
dinâmica aonde você tá presente com o corpo, com a fala, com o corpo, você
tem um resultado muito melhor.” Citou o exemplo de uma dinâmica que
realizou com os alunos, do rótulo e do patinho feio, que tinha que beijar e
abraçar. Para ela o fato de ter trabalhado isso em si mesma fez com que
alcançasse seu objetivo na atividade com os alunos. “A partir do momento que
eu comecei a só não falar, mas a participar junto com eles, o próprio grupo, „Ah,
olha a professora tá fazendo isso‟, então eles fazem também”.
Martha relatou que antigamente não tinha dificuldades, enquanto
educadora, “de rolar no chão, brincar, de ter esse contato com as crianças”.
73
Todavia, depois de passar por alguns problemas, se fechou e, com a oficina,
pode resgatar isso. Aponta que, quando se tornou coordenadora, pelo fato de
trabalhar muito com papel, falar muito e se expressar muito pouco com o corpo,
ficou bloqueada. Embora sempre valorizasse a questão do trabalho com o
corpo nas crianças, nunca pensou nisso com relação ao próprio corpo.
Portanto, foi importante participar da oficina e resgatar a questão do trabalho
com o corpo, não só da criança, do “olhar no olho”, “ficar na altura dela”, que é
algo que sempre fez, mas também do adulto. Considera que está no
“automático”, em consequência da correria, e muitas vezes nem escuta direito
o que as pessoas lhe dizem e depois pensa: “Nossa! Fulano falou alguma coisa
pra mim só que eu não...”. Então acha importante parar, ouvir, olhar no olho da
pessoa e às vezes até mesmo parar e observá-la, como a pessoa se mexe, se
locomove, enfim, se expressa. E que, apesar de ainda estar no “automático”, o
que lhe faz mal, a oficina tem contribuído bastante.
Martha enfatizou que, quando se trabalha com a criança, a questão da
corporeidade é diferente da de quando se trabalha com adulto. Principalmente
quando é homem e mulher. Assim como é diferente quando não se conhece
uma pessoa de quando se tem um laço a mais com ela.
Márcia discorreu sobre sua dificuldade em se soltar, o que atribui, em
parte, aos seus limites físicos, que geraram medo de se machucar em algumas
atividades. Embora quando questionada sobre sentir-se travada em todos os
momentos, respondeu que não, que em algumas situações se soltou mais,
como nas duas cenas que realizou, da praia e da Amélia, e no jogo das “Duas
Revelações de Santa Tereza”.
Questionando Marcia e o grupo sobre os possíveis motivos de ela ter se
sentido mais solta em determinados momentos, surgiram várias opiniões para
justificar a situação. Élida sugeriu que as situações que Márcia citou sentir-se
mais solta envolviam personagens, o que para ela facilitava a exposição.
Márcia disse que improvisar era bem mais fácil do que chegar lá na hora e
falar, que era melhor quando imaginava uma cena na sua cabeça, como se
fosse um filme. E que gostava mais de dirigir. Célia lembrou que, na cena da
praia, Márcia havia trazido a ideia e montado o esqueleto, e os demais
executado e feito alguns enxertos, contudo a ideia era dela – o que, segundo
ela, pode ter contribuído para sentir-se mais solta, por talvez estar mais
74
preparada. Elisa concordou com Célia.
Élida contou sobre a dificuldade em usar o corpo. Para ela foi muito
difícil o momento em que tinham de usar somente o corpo, sem a fala. Porém,
mesmo com muita dificuldade, afirma que conseguiram. Narrou também que
percebeu que, quando se faz uso da fala, se usa menos o corpo. Pois, no caso
da cena muda que fizeram da Amélia, “conseguiram demonstrara tudo com o
corpo”.
Ana compartilhou que fala muito com o corpo, “que na quadra fala com a
perna, com tudo”, pois se grita, às vezes o aluno está do outro lado e não lhe
escuta, e às vezes fazendo um gesto, o aluno entende. Para ela o processo
ajudou a ter um novo olhar para o seu corpo, que avalia ter deixado de lado no
cotidiano. Afirmou que, apesar de ser professora de educação física, desde que
entrou na prefeitura parou com todas as suas práticas corporais. E no curso
voltou a sentir vontade de retomar tais práticas. “Tanto que amanhã eu já tenho
agendado uma aula de pilates por conta do curso”, afirmou. Constatou que, ao
mesmo tempo em que estava lidando com o corpo, a todo o momento,
percebendo como os alunos se relacionam com o corpo, deixava a relação
como o próprio corpo de lado, por causa da profissão. Assim, o curso contribuiu
para que ela voltasse a perceber sua noção de corpo, que havia perdido por
causa das ações cotidianas. Outra questão referente à oficina, principalmente
com relação à última parte do Oprimido, foi de que parou para pensar nas
relações de opressão, como estar ou não sendo opressora com seus alunos.
Atitudes simples que, na correria da troca de sala, a cada 45 minutos, acabam
passando e poderiam ser de outro jeito. Isso também foi importante para refletir
sua relação em casa, com a mãe e com o namorado.
Quando questionada sobre por que achava importante realizar
atividades, Ana respondeu que sempre que praticava atividade física tinha uma
“sensação de bem-estar” muito melhor. Que às vezes você não sabe por que
está ansiosa, irritada, e é pela falta da atividade física, de colocar o corpo em
ação.
Ana afirmou que a corporeidade esteve presente em todo momento da
oficina, pois estavam sempre refletindo não só no movimento, mas na ação que
gerava o movimento. A corporeidade envolve não só o movimento em si, mas o
que leva a fazer esse movimento: a intenção, o gesto, tudo o que está
75
envolvido. Para ela em todos os exercícios tinha uma intencionalidade, “a gente
não estava fazendo um movimento ou um exercício pelo exercício, tinha um
objetivo final para aquilo”, assegurou. Isso fez com tivessem a noção do próprio
espaço. E, no caso dela, trouxe sensações e percepções de seu próprio corpo,
que estavam perdidas no caminho das escolas.
Simone disse que, embora tenha se identificado com um pouquinho da
fala de cada um, iria falar do final, da peça da Amélia. Revelou que foi ela quem
trouxe a história e que no princípio teve dúvidas em expor sua história, por se
tratar de algo muito pessoal, mas como era algo que vivia e a fazia sentir mal,
oprimida por seu marido, conseguiu contar, confiar. Para ela, quando parou
para pensar, foi um diferencial em sua vida, em seu relacionamento, quando a
coordenadora questionou assim: “Quem gostaria de ir lá? Quem quer ir lá
mudar a história? Quem quer fazer diferente?”. Neste momento “caiu sua ficha”
e ficou observando cada uma das “Amélias”. Para ela foi como levar um “tapão”
quando uma das “Amélias” “fez todo diferencial”, “como ela conseguiu conduzir
aquele relacionamento, aquele casamento de uma forma assim, como todos
nós, como cada um de nós temos esse poder de fazer isso e não sabemos. E
às vezes usar o corpo, a fala, a expressão, como fizemos desde o início, como
isso é importante, é fundamental pra você mudar sua própria história! Finalizou
dizendo que já havia mudado a sua história (risadas).
Neste momento algumas pessoas ficaram surpreendidas em saber que
a história da Amélia, encenada no Teatro-Fórum, havia sido compartilhada pela
Simone. Malu disse que, embora nunca imaginasse que a história encenada
era da Simone, só agora havia entendido o porquê a atuação tinha sido tão
boa. Para ela nenhuma outra participante faria tão bem o papel da Amélia, por
se tratar de uma história real. Outras pessoas concordaram e Célia disse ter
inclusive se incomodado com a atuação dela.
Simone disse que chegou a sentir a emoção de verdade e em certo
momento sentiu pena de si mesma, e foi ruim. “Eu senti, sabe, você viver
aquilo de novo, aquela emoção que alguém te magoa e você sentir aquilo de
outra forma. E aí você dá oportunidade do outro ir lá mudar a história e por que
não você?”, afirmou.
Para Bete a cena da Amélia foi um momento de reflexão para vida de
todos. Ela acredita que todo mundo teve seu momento ali, em alguma cena,
76
em algum ato, cada um se viu. Em todas as etapas do curso, todo dia do curso.
Houve momentos, tanto de fala, quanto de gesto, que ela passou por situações
em sua vida também. “Então, eu vi que eu venci aquele tabu, aquele jeito de
falar, de conversar. Por quê? Quando você reprime muito, lá na frente vai fazer
mal até pra sua saúde. E nós educadores, entre aspas, que trabalhamos na
área da educação, muitos nos veem como super-heróis, mas nós somos seres
humanos também”, falou. Continuou dizendo que era preciso aprender a tirar a
repressão de dentro de si para não sofrer futuramente. “A gente já sofre hoje e
muitas vezes não entende o porquê de muita coisa”. Para ela não basta querer
transformar só o próximo, mas é preciso transformar-se. Fez referência ao
primeiro dia do curso no qual, embora estivesse com uma roupa não adequada
e seu parceiro lhe dissesse que iria “acabar com ela”, conseguiu atingir o seu
objetivo. “Foram muitas barreiras vencidas logo no primeiro encontro. E eu
falei: Puxa, consegui. Teve aquele impacto, depois não.” Ernesto (seu parceiro
no jogo) disse que a intenção era provocá-la.
Joaquim relatou ter achado interessante a atuação da Simone, muito
passiva, diferente do que ele estava acostumado, pois sua mulher funcionava a
360 graus, e ele era o devagar da casa. Assim, afirmou que “fazer isso daqui é
completamente o avesso do que eu vivo, entendeu? Eu sou o oprimido,
digamos assim...”.
Neste momento ocorreram diversas piadas sobre Joaquim ser o
opressor ou o oprimido e ele se justificou dizendo que em sua casa era ele o
“Amélio”.
Rose disse ter se interessado pela oficina quando viu no folheto que se
baseava em Boal. Ela já havia lido muitas coisas sobre ele, mas achou difícil na
teoria, sentiu dificuldades de interpretar aquilo e levar para as crianças. E então
pensou em ver aquilo na prática. Nesse sentido, a oficina lhe trouxe outra visão
daquilo que tinha lido, sendo muito gratificante. “Pra mim foi uma oportunidade
de vivenciar na prática. De visualizar aquilo que dá certo, entendeu? Porque
você fica insegura com ele. Eu vou por isso em prática e se não dá certo?
Sabe, você fica, né! E você pondo na prática, igual aqui é, esclareceu um
monte de coisa. Umas dúvidas grandes que eu tinha. Então pra mim valeu a
pena e que pena que não pode mais continuar (risadas). Eu queria ver outras
coisas...”
77
Cristina disse que também era da área das artes e havia ficado muito
tempo sem a parte de teatro, trabalhando mais com artes plásticas. Para ela foi
importante conhecer os jogos e gostaria que a oficina continuasse.
Compartilhou que se expressa muito através do olhar, que percebeu que às
vezes é opressor, e avaliou ser importante poder parar e pensar sobre sua
expressão.
Após essa fala todos ficaram em silêncio e, percebendo que Ernesto
esteve escrevendo alguma coisa durante a fala de cada um, pediram que ele
lesse.
Ernesto leu o seguinte texto: “Corporeidade. Eu e o corpo. O corpo e o
tabu. O tabu e a rigidez. Corpo, tabu, rigidez. Corpo e cultura: corporeidade. A
sociedade dá o tom: tem família, instituições, movimentos, valores. Desejo vivo.
Desejo morte. Toca o corpo, descarta outros. Descarta vida, descarta viva.
Rigidez morre na luz. Luz apagada cultiva tabu. Tabu gera rigidez da alma.
Alma precisa conhecer, falar, valorar. Na rigidez limita, perde sonhos. Não
semeia cultura, o corpo fica cinza. A rua escura, o ato proibido. Amarga. Corpo
vazio, gente sem tinta. Sociedade opressão. Não para nós. Nós, corpos.
Corporeidade em relações. Tambores, desejos, outros quereres. Letras,
buscas, estarmos juntos. Sinais, labirintos, conhecimentos. Arte, descobertas,
equilíbrio. Línguas, partilhas, valores. Olhares, gentes, múltiplos. Espaços,
ritmos, percepções. Voz, representações, transformações. Identidades.
Diferentes „eus‟. Eu e o corpo. Corporeidade e o fazer libertário na certeza do
humanizar”.
Após as palmas, Ernesto disse que apenas resumiu o que todos falaram.
Encaminhando a discussão para o final da entrevista, perguntei ao grupo
se gostariam de comentar sobre o texto ou qualquer outra coisa referente à
experiência com a corporeidade.
Ernesto questionou o grupo sobre o que estavam produzindo juntos,
enquanto se relacionavam. Em resposta a ele os participantes disseram:
conhecimento; dinâmica; criando vínculo; cultura; identidade; história. Então,
Ernesto pontuou que para ele todos estavam fazendo “uma partezinha da
história” ali. E esse “momento de viver junto é produzir a corporeidade”,
afirmou. Prossegui dizendo que para ele o grupo mostrou que, ao mesmo
tempo em que tem uma história, abafada, oprimida, tem uma capacidade de
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“virar a mesa”. Continuou:
“E aí a corporeidade é esse movimento. De ir trazendo a sua cultura,
essa capacidade de expressar, seja corporal, seja na voz, sabe? Mas
expressar de uma maneira muito clara, muito alegre, muito grande para essa
produção humana assim. Então eu vejo esse movimento. Então assim, quando
eu falo, a gente fez cultura aqui, a gente fez história, nós trocamos
conhecimentos, a gente se espelha no outro, reflete no outro. Quem se permitiu
mais, levou mais, aproveitou mais conhecimento do grupo, acumulou mais.
Isso para mim é corporeidade. Quando ela fala isso: „Esse cuidado que eu
estou quando eu falo com o meu aluno‟, „O meu olhar‟. Eu acho que esse
exercício pra mim é a expressão mais forte desse fazer, assim, concreto do
conceito”.
Depois disso, finalizamos a Entrevista com abraços e demonstrações de
afeto.
4.2.2 Síntese da segunda Entrevista Reflexiva Coletiva Devolutiva
(realizada em 09/02/2012)
O Encontro foi realizado no mesmo espaço da Associação Cardume
onde foram desenvolvidas as Oficinas de Teatro, e contou com a presença de
oito dos catorze participantes da intervenção. Embora tentássemos adequar
uma data que contemplasse todos, isso não foi possível devido à diversidade
de compromissos e à agenda do grupo. Todas as ausências foram justificadas.
Os anfitriões prepararam um café para recepcionar o coletivo, e cada
participante levou um prato ou bebida para colaborar, conforme combinado via
e-mail.
Iniciei o diálogo expondo que o objetivo do encontro era revisar e
acrescentar ideias e conceitos à compreensão dos participantes reveladas na
primeira entrevista, buscando garantir a fidedignidade do que eles
verdadeiramente pensavam sobre o assunto.
Em seguida apresentei ao grupo as constelações que havia organizado,
a partir dos conteúdos coletados na primeira entrevista, com foco na questão
de como tinha sido a experiência da corporeidade para eles, na Oficina de
79
Teatro do Oprimido. Fomos lendo e dialogando sobre cada uma das seguintes
constelações pré-analisadas: 1) Corpo como meio de comunicação; 2)
Mecanização dos sentidos/Alienação; 3) contribuições das atividades
desenvolvidas na oficina para a prática profissional; 4) corpo como construção
cultural (tabus, gênero, sexualidade etc); 5) ação transformadora pelo corpo; 6)
o processo de ensino-aprendizado é diferente para cada um; 7) superação da
timidez; 8) percepção do próprio corpo; 9) relação com o corpo do outro; 10)
pouco tempo para a experiência; 11) autossuperação na oficina; 12) relação de
grupo;13) compreensão sobre opressor/oprimido; 14) intencionalidade da ação.
A partir da exposição dialogada, o grupo pontuou algumas questões que
geraram acréscimos e alterações ao conteúdo apresentado. Com relação à
constelação referente às “Contribuições das atividades desenvolvidas na
oficina para a prática profissional”, Ernesto relatou que percebia que, quando
os professores encaminham algum estudante para a sala da diretoria, os
mesmos já chegam nesse espaço com a expressão apavorada. Sendo assim,
passou por uma experiência recente onde, ao invés de receber o aluno na
cadeira localizada de frente para a mesa de gestor, optou por sentar-se lado a
lado com ele, e essa atitude desencadeou outro tipo de relação, menos
autoritária e mais dialógica.
Referente à constelação denominada de “Superação da Timidez”, o
grupo problematizou se a ruptura da timidez não seria uma etapa da “Ação
transformadora pelo corpo”. Concluímos que, embora essa superação não seja
um pré-requisito para a ação transformadora, ela realmente faz parte desse
processo de transformação.
Dialogando sobre a recorrente manifestação do grupo pelo “pouco
tempo para a experiência da oficina”, apontaram que isso exprimia o desejo
/deles em continuar a desenvolver o trabalho com a corporeidade, pois esse
conceito havia se tornado muito especial para eles, conforme afirmou Ernesto,
tendo a concordância dos demais participantes. Elisa compartilhou que havia
assistido recentemente a um filme onde a questão da corporeidade era um
aspecto muito especial a ser observado. Para ela o fato de realizar a oficina fez
toda a diferença em sua percepção sobre o filme. Disse ainda que o desejo de
continuidade da oficina também se relaciona com a intenção de experimentar
aspectos da oficina em seu trabalho pedagógico e poder contar com um
80
retorno no espaço de formação.
Quase na conclusão do encontro, Élida questionou que sentiu falta das
pessoas falarem sobre a dimensão do sentir. Para ela todos experimentaram
muito a questão do sentir durante as atividades das oficinas, mas não
verbalizaram sobre essa experiência. Todos concordaram que sentiram, mas
não souberam definir o porquê de não mencionarem isso, apesar de
considerarem uma questão importante.
Mais uma vez abordaram o desejo de dar prosseguimento à experiência
e combinaram de tentar se encontrar para viabilizar isso.
4.3 Constelações
Apresentaremos aqui o conjunto das constelações agrupadas pela
pesquisadora, a partir da sua compreensão de conteúdos explicitados nas
Entrevistas Reflexivas. Para cada uma das constelações, fizemos uma síntese
com unidades de significação desveladas nos depoimentos.
1) CORPO COMO MEIO DE COMUNICAÇÃO: Nesta constelação estão
reunidas falas que demonstram a compreensão do corpo como
possibilidade de expressão.
“Acho que como uma ferramenta essencial na comunicação.”
“Apesar da gente sempre dizer que a gente fala com o corpo, fala
com os olhares, é diferente quando você observa a importância que
tem isso na hora que você quer transmitir uma mensagem”.
“A corporeidade é fundamental: como eu coloco o corpo, a
expressão, o olhar.”
“Olhar no olho de quem você está falando pra entender o que as
pessoas estão compreendendo do que você quer passar. Se você
está dialogando com o outro com o olhar, o corpo é fundamental.”
“E uma coisa assim: eu era muito bloqueada, então o teatro, ia mais
pra olhar, de repente ouvir, e não me preocupava tanto em perceber
o corpo das pessoas. Eu acho que aí entrou outro olhar. Desde que
81
eu comecei o curso aqui eu ainda não fui ao teatro, mas, com
certeza, como espectadora, quando eu entrar de novo vai ser
diferente. Coisas que eu não observava eu vou passar a observar.”
“Quando a gente teve que usar só o corpo e não podia usar a fala,
senti muita dificuldade de, às vezes, ter de expressar alguma coisa e
não ter condições. “- Como que eu vou falar isso com o corpo? Com
o rosto?” E a gente conseguiu, né. A gente acabou conseguindo,
mas...”
“Eu na quadra falo com a perna, com tudo, porque se eu gritar, às
vezes, o aluno está do outro lado e não vai me ouvir e, às vezes, eu
de lá, fazendo um gesto o aluno entende. Ou eu olhando pra ele de
longe, ele já entende e sabe o que ele tem que fazer ou o que ele
não tem que fazer. Isso também ajuda.”
“Esse expressar-se. Expressar com o corpo.”
Síntese da constelação: Corpo que comunica; expressa; consciência dessa
capacidade expressiva do corpo; novos significados na percepção dos corpos;
capacidade de expressar-se com o corpo.
2) MECANIZAÇÃO DO CORPO NO COTIDIANO: Nesta categoria
reunimos falas que se referem a ações repetitivas e irrefletidas do
cotidiano do educador, que, inserido num mundo burocratizado, prioriza
o uso da linguagem verbal.
“Por exemplo, a forma como você se põe diante dos alunos. Ou você se
põe de uma forma autoritária ou de uma forma um pouco mais flexível,
né. Muitas vezes você tá no automático e você não percebe isso.”
“Porque a gente trabalha muito com papel, fala muito, se expressa muito
pouco com o corpo sabe. Não tem muito esse tempo pra fazer isso. E às
vezes também, ou quando faz, até mesmo quando eu trabalhava como
educadora mesmo fazia, mas não tinha muita noção, não valorizava
muito essa questão de trabalhar com o corpo, de se expressar com o
corpo. Valorizava às vezes na criança, mas não em mim mesma”.
82
“Até hoje mesmo, conversando hoje com a colega, a gente estava
falando que a gente tá numa correria tão grande aqui, que a gente tá no
automático. Muitas vezes, ela fala comigo ou qualquer pessoa fala
comigo: “- Olha, eu preciso disso” e eu “- Ah, tá bom, tá bom,”. Eu nem...
eu ouvi o que a pessoa falou, mas eu não gravei aquilo. Aí depois: “-
Nossa! Fulano falou alguma coisa pra mim só que eu não...”. Né, então
parar, ouvir, olhar no olho da pessoa. Às vezes até mesmo parar e
observar a pessoa, como a pessoa se mexe, se locomove, enfim, se
expressa, né, com o corpo, e eu acho muito importante isso. Pra mim foi
muito enriquecedor, me ajudou bastante nessa questão. Eu ainda estou
nesse automático né, que está me fazendo bastante mal, mas reduziu
bastante”.
“A fala é automática”.
“E percebe-se que, quando você usa a fala, você usa menos o corpo. A
gente se mexeu muito mais (risada) daquela vez que a gente fez o papel
lá do caso da Amélia. A gente usou só o corpo, sem a fala. Nossa, o
quanto a gente se mexeu! Tudo, demonstrar tudo. Queria jogar vídeo-
game, a gente queria jogar vídeo-game, a gente ia lá... E depois, quando
tinha a fala já não usava tanto né, já não gesticulava tanto, era muito
menos”.
“Mas como a gente já está habituado com a fala, quando a gente atribui
à fala, você tira o corpo de lado. “- Vou usar mais a fala, a voz.” Até na
sala de aula a gente faz isso né, usa bem mais a voz”.
“O que me ajudou, no meu caso, que trabalho o dia inteiro com o corpo,
é de ter um novo olhar pro meu corpo novamente. Porque eu tinha
parado de pensar nele. Eu, professora de educação física, desde
quando eu entrei na prefeitura eu parei com todas as minhas práticas
corporais, todas. E no curso voltou essa minha necessidade, essa minha
vontade de estar voltando pra essas práticas que eu tinha deixado. Tanto
que amanhã eu já tenho agendado uma aula de pilates por conta do
curso. Que eu sentia essa falta, como estão fazendo falta pra mim essas
práticas todas. Eu estou a todo o momento lidando com o corpo,
percebendo como os alunos se relacionam com o corpo, e eu mesma
83
estava deixando a minha relação como o meu corpo assim, de lado, por
causa da profissão mesmo”.
“Então, nesse curso pra mim, o que mais saiu foi essa questão de eu
voltar a perceber essa minha noção de corpo, que eu tinha perdido por
causa das minhas ações cotidianas, muito, perdi bastante, porque eu
não estava fazendo mais nada; e principalmente, na última parte do
Oprimido, o que eu parei pra pensar, por exemplo, nas relações.”
Acho que seria realmente muito legal pra gente que trabalha com
educação ver essas fotos com calma, por causa dessa coisa que você
falou da simbologia do corpo. Ninguém ficou debaixo e falou: „Eu sou o
patrão, viu, filho da puta‟... Ficou por cima, né? „Eu sou polícia‟... Porque
isso tem um debate grande das escolas, o jeito que a gente trata as
crianças. Se você trata com esse corpão enorme, e uns mais enorme
ainda, de cima pra baixo, não precisa nem falar muito, né?
Síntese da constelação: Consciência da postura corporal no trabalho;
autovalorização da sua expressão corporal; automatização da percepção;
automatização da comunicação; sobreposição da expressão verbal sobre a
corporal; contradição entre o que se propõe para os educandos e a
prática/ação pessoal; percepção da negação do corpo nas ações cotidianas.
3) CONTRIBUIÇÕES DA CORPOREIDADE PARA A PRÁTICA
PROFISSIONAL: Nesta constelação reunimos falas sobre a contribuição
das atividades que envolveram o corpo para a prática profissional.
“Pra mim foi uma coisa muito rica porque houve momento em que eu me
via dentro da sala de aula com as minhas crianças. Embora seja
educação infantil, tudo, mas teve atividades que eu dava e nem sabia
que faziam parte de tudo isso. Então eu vi, „-Nossa, eu já fiz isso‟... Hoje
eu sei o que é”.
“Era uma coisa que eu aprendi lá no passado, vi que pra eles servia,
fazia com eles e hoje eu trabalhei assim, de outra maneira”.
“Então o que ficou desse aprendizado pra gente? Hoje, eu já faria isso
de uma maneira completamente diferente. Antes de distribuir roteiros, de
84
distribuir os papéis, a gente ia vivenciar um pouco dessas técnicas,
experimentar o lidar com o corpo, soltar a voz e depois construir com as
crianças. Eu acho assim, a gente que pensa muito o teatro na escola,
tem que pensar nisso também. Não dá pra você chegar, querer aquela
coisa rapidinha, maluca que é a escola”.
“Pra nós, acho, como educadores, quando você entra na sala de aula;
esse curso eu acho interessante porque a gente entra na sala de aula e
toda hora a gente está na frente de trinta, trinta e cinco, dependendo do
lugar quarenta pessoas, né? São alunos aí. Por mais que não pareça
eles estão te olhando, eles estão te percebendo, né? Então eles estão
ali, vendo o que você faz, se você está com uma espinha na testa, eles
estão te observando e é bom pra você. Se você está com olho roxo
(risadas)... Então quando você entra na sala de aula, se você olhar
direto no olho do aluno, você ter esse contato com ele, então, se ele
está fazendo alguma coisa de errado e você vai e olha direto nele e fala:
„- Olha, não é assim‟, é outra história. Ele começa a te ver de outra
forma”.
“E depois que eu comecei a frequentar aqui, o grupo, eu vou aplicar uma
dinâmica hoje, eu me entrego mais. Então essa aceitação de você
mesma aceitar o seu corpo, você falar, gesticular, colocar o grupo pra
fazer uma dinâmica onde você tá presente com o corpo, com a fala, com
o corpo, você tem um resultado muito melhor”.
“Eu nunca tive dificuldade assim, anteriormente, em sala de aula
mesmo, como educadora, de rolar no chão, brincar, de ter assim esse
contato com a criança e tal. Mas aí, depois de certo tempo, eu acho que,
por alguns problemas pessoais também que eu vivenciei e tal, eu
também me fechei muito. E participar dessa oficina foi muito gostoso
porque também me trouxe de volta, eu resgatei essas coisas que, vamos
dizer, essas barreiras que eu não tinha anteriormente e que eu passei a
ter”.
“Por exemplo, essa semana eu fiz duas dinâmicas do rótulo e do patinho
feio. Então, estava o rótulo, estava „beije-me‟, „abrace-me‟. O que tinha
escrito você tinha que fazer com aquela pessoa. E, se eu não tivesse
trabalhado isso comigo, eu não teria conseguido o objetivo que eu
85
consegui ontem e hoje com eles. Porque o próprio grupo tem: „- ai, eu
não vou beijar ninguém, não!‟, „- não vou abraçar‟, „- ai não, sai fora!‟ E
eu falei: „- Mas por quê?‟ Por que não tocar o outro, por que não sentir?”.
“Todo dia você tá lá. Você já vem de casa muitas vezes e já pensa „-Pô‟,
você já vem com aquele preconceito, com aquela coisa formada „-Pô,
essa sala é terrível, eu vou ter que lidar com eles!‟ E aquilo vai criando
em você uma rejeição que você, quando chega, parece aquela piada do
macaco, né. Então você já vai chegando à sala e antes que alguém fale
alguma coisa você já tá armado, você já tá... O moleque fez alguma
coisa, você já quer jogar ele pela janela. Então, assim, você começa
refletir um pouco mais: „- Pera aí, por que que eles estão assim?...
vamos tentar enxergar de outra forma, tentar lidar com isso de uma
forma melhor‟. Tiveram várias situações, esses conflitos do dia-a-dia que
a gente trabalhou aqui, que pra nós foi muito importante.”
“Na última parte do Oprimido, o que eu parei pra pensar, por exemplo,
nas relações. Hoje mesmo com os alunos, eu parei: „- Tô oprimindo,
estou oprimindo, estou oprimindo‟. Que às vezes passa, às vezes, uma
coisa tão simples, uma atitude tão simples já pode estar rolando uma
atitude de opressão, que às vezes não é necessária estar fazendo, que
a gente pode lidar de outra maneira. Às vezes, na correria, a cada 45
minutos eu tenho que pegar outra sala pra trabalhar e, na correria,
acaba passando, e aí, com essas discussões que nós tivemos, eu
acabei parando mais pra pensar nessa questão que eu estava também
deixando um pouco de lado, né. Às vezes, pra querer organizar a sala,
pra querer que as coisas aconteçam, a gente acaba cometendo algumas
coisas e os alunos também.
Síntese da constelação: novos olhares para a prática profissional; constatação
da importância do processo quando se trabalha com a linguagem teatral;
percepção sobre a presença do corpo do educador e do educando no espaço
educativo; presença consciente do corpo na atividade educativa; trabalhar a
própria corporeidade para poder trabalhar com a do educando; ver o aluno
antes de pré-conceber; refletir sobre a própria prática promove mudança.
86
4) CORPO COMO CONSTRUÇÃO CULTURAL (TABUS, GÊNERO,
SEXUALIDADE, FAIXA ETÁRIA ETC.): Nesta constelação reunimos
falas referentes a um corpo que carrega marcas da cultura em que está
inserido, no que se refere a gênero, sexualidade, religião, faixa etária e
valores.
“... eu acho que acenderam várias luzinhas dessa junção dessa parte
materializada com valores, com referências culturais, com valores que
eu tenho da minha... Do meu acúmulo cultural da minha família, da
minha comunidade ou na escola que eu estou. (...) E aí eu reafirmo essa
coisa do corpo poder falar, falar assim, porque às vezes a gente observa
um corpo que fala oprimido.”
“Eu acho que essa questão da pessoa se reprimir é anos, né? Você vem
com isso dentro de você. Você carrega isso que colocaram em você
desde criança, né? Muitas coisas você nem percebe, eu acho que você
joga meio numa lixeira e vai ficando lá. Quando você tem um encontro
assim, que você começa a interagir com as pessoas, você começa a
entender algumas coisas”.
“Diferente dela, eu tinha um tabu, muito... A questão do corpo, de tocar.
Nas atividades que a gente faz aqui no CCA, assim, de teatro, até
mesmo com a faixa etária que eu estou trabalhando agora, eu faço,
numa boa, mas sempre com aquela opressão. Eu faço e eu sentia
dificuldade com a turma que eu trabalho hoje. As dinâmicas, a dinâmica
mexe muito com o corpo, no início eu só falava, pela minha própria
dificuldade de expor meu corpo e de tocar. Assim, porque até então, eu
acho natural, mas a cultura, a família, como a Tereza falou aqui, quer
queira, quer não, você é pega de surpresa. Você se vê lá atrás: „- Não,
eu jamais poderia ter feito isso, não tá certo‟”.
“Não esquecer que, quando eu estou agindo, eu estou levando valores
diversos, né, portanto, culturais, acumulados”.
“Eu acho que assim, essa questão do corpo, embora eu não tenha um
corpo de modelo, nem escultural, 45 anos; eu sei o peso dos 45 anos,
eu não tenho essa vergonha do corpo! Acho que isso é uma coisa que
87
vem desde a família: irmãos, pai, mãe, a gente nunca se escondeu um
do outro. Então eu falo assim, eu acho que eu sou resolvida
sexualmente porque, graças a minha família, a gente não tinha
bloqueio”.
“Quando a gente trabalha com a criança, você tá lidando com a criança,
a questão da corporeidade é diferente de quando você trabalha com
adulto. Principalmente quando é homem e mulher. Então tem aquela
coisa: „Hum é homem.‟ Ou até mesmo quando você não conhece a
pessoa. Se você tem um laço a mais, se você conhece mais a pessoa,
mas quando você não conhece a pessoa, você tem aquela barreira.
Quando você não conhece, independente se é homem ou mulher, você
fica sempre com o pé atrás”.
Síntese da constelação: Percepção de que o corpo revela a cultura; corpo
oprimido por valores e tabus familiares e sociais; reconhecimento dos
bloqueios e limites em tocar e ser tocado enquanto uma construção social;
reconhecimento do corpo como ele é.
5) AÇÃO TRANSFORMADORA PELO CORPO15: Nesta constelação
apresentamos falas que se referem a um corpo atuante e criativo na
transformação e superação pessoal.
“Então assim: nosso corpo ele é muito oprimido. Então acho que o
corpo poder falar num novo referencial. Quando ela fala: „- vou
levantar, vou erguer, vou falar pra fora‟, de mostrar esse sujeito
que pode agir, dar um retorno pro seu pedaço e fazer essa
mudança, assim, que é um agente transformador. Uma mudança
inicialmente que nasce daqui, que é nossa.”
“Uma vez que eu experimentei, mesmo que sem querer ali, jogar
com o corpo primeiro e depois fazer a reflexão. Mostrou que os
resultados finais foram bem melhores. É isso”.
“Olha a ficha da Amélia, da Amélia mesmo, caiu (risadas) quando
ela disse: „- Quem quer ir lá mudar a história? Quem quer fazer
15
Aqui agrupamos três constelações que, embora tenham alguma especificidade, revelam alguma dimensão da ação transformadora pelo corpo.
88
diferente?‟ Eu fiquei observando cada uma das „Amélias‟. De
repente eu levei um tapão quando aquela ali fez todo aquele
diferencial, como ela conseguiu conduzir aquele relacionamento,
aquele casamento de uma forma assim, como todos nós, como
cada um de nós temos esse poder de fazer isso e não sabemos.
E, às vezes, usar o corpo, a fala, a expressão, como fizemos
desde o início, como isso é importante, é fundamental pra você
mudar sua própria história! E vou falando hein, já mudei hein!”
“Quando ela fala isso: „- Esse cuidado que eu estou quando eu
falo com o meu aluno‟, „- O meu olhar‟. Eu acho que esse
exercício pra mim é a expressão mais forte desse fazer, assim,
concreto do conceito.”
“E aí a corporeidade é esse movimento. De ir trazendo a sua
cultura, essa capacidade de expressar, seja corporal, seja na voz,
sabe. Mas expressar de uma maneira muito clara, muito alegre,
muito grande para essa produção humana, assim. Então eu vejo
esse movimento. Então, assim, quando eu falo, a gente fez
cultura aqui, a gente fez história, nós trocamos conhecimentos, a
gente se espelha no outro, reflete no outro. Quem se permitiu
mais, levou mais, aproveitou mais conhecimento do grupo,
acumulou mais. Isso para mim é corporeidade”.
“E nós educadores, entre aspas, que trabalhamos na área da
educação, muitos nos veem como super-heróis, mas nós somos
seres humanos também. Então, tipo assim, quando você se
depara com essas situações, é totalmente diferente. Você tá aí na
frente de um grupo, é uma coisa, a hora que você vai atuar é
totalmente diferente. Se a gente não aprender a tirar essa
repressão de dentro de nós, lá na frente a gente vai sofrer sim. A
gente já sofre hoje e muitas vezes não entende o porquê de muita
coisa, mas o legal que ela falou é que a gente tá transformada.
Então, não querer transformar só o próximo, mas a nós mesmos,
né, transformar dentro de nós. O que eu achei superinteressante
no curso foi isso, que no decorrer de cada encontro nosso, deu
pra perceber isso.
89
“Fica mais claro pra mim, vivenciar, por a mão na massa e fazer,
do que só ler. Eu tenho essa dificuldade. Pra mim foi uma
oportunidade de vivenciar na prática”.
5.a SUPERAÇÃO DA TIMIDEZ: Nesta constelação reunimos falas
referentes a momentos em que os participantes consideram ter
superado a timidez.
“Até hoje mesmo, num momento em que eu estava trocando a
roupinha deles, eu fiz várias coisas com eles ao mesmo tempo,
então isso pra mim foi uma barreira que eu quebrei; no sentido
assim, devido à timidez, foi uma coisa que eu quebrei com eles,
assim no meu profissional. Tinha coisas que eu não conseguia
fazer porque eu tinha vergonha, independente se é com criança
ou com adulto, hoje em dia eu já consegui quebrar essa barreira.
Pra mim foi muito bom.”
“A gente, acho, que teve momento de muita timidez, inclusive no
aquecimento, quando você propõe que as pessoas pudessem
respirar com mais soltura, vamos dizer assim, era uma timidez. E
isso é um movimento que a gente foi, apesar do curtíssimo prazo,
a gente foi melhorando um pouco.”
“Eu achei muito interessante! E, assim, tirar essa questão do
bloqueio, que eu cheguei assim bloqueada, lá, timidazinha, no
meu canto, tipo „não me toque‟.”
5.b SUPERAÇÃO DE LIMITES/DESAFIOS: Nesta constelação
apresentamos falas que evidenciam situações onde os participantes
puderam superar alguns limites e desafios.
“E na hora de fazer uma atividade quem que você procura?
Alguém do seu grupo mais próximo. E eu acho que teve um
momento em que tivemos essa sacada: „- Opa, espera aí, não
90
vou procurar a ciclana e o beltrano, me deixa procurar alguém
diferente‟.
“Quebrei a barreira de mim mesma. Então, mais do que isso, não
era nem tocar nas outras pessoas, acho que era de tocar em mim
mesma.”
“Porque eu falei: „- Eu posso‟. Entendeu? Não é porque eu estou
com uma roupa não adequada, que eu não vou fazer. Eu vou
atingir o objetivo, sim. E eu gostei, não senti dor no corpo nem
nada”.
“Foram muitas barreiras vencidas logo no primeiro encontro. E eu
falei: „- Puxa consegui‟. Teve aquele impacto...”.
Síntese da constelação: Disponibilidade para interagir com a corporeidade de
pessoas desconhecidas ou pouco íntimas; superação dos limites com a própria
corporeidade; transição do corpo tímido e oprimido para um corpo destemido,
que se expressa com consciência e força; a força da fala e da expressão
corporal como transformadora; a contribuição das atividades com a
corporeidade para a superação da timidez; determinação para enfrentar
desafios e satisfação ao superá-los.
6) RELAÇÃO ENSINO-APRENDIZAGEM: Nesta constelação as falas se
referem às particularidades no processo de ensino-aprendizagem.
“Quer dizer, assim, a aprendizagem ocorre quando você quer aprender.
Não é o outro que vai dizer pra você: „- Agora você tem que aprender‟
(mulher: „- concordo plenamente!‟). E aí você tem que mobilizar a
pessoa pra querer. Mais do que para aprender, é querer aprender”.
“Acho que algumas pessoas, na minha avaliação, aproveitaram um
pouco mais. Conseguiram romper mais rápido essas coisas. Outros eu
acho que ainda seguraram a onda, ou tá tão impregnado, tão dentro,
que não é fácil o corpo falar assim, de forma, pra cima né”.
Síntese da constelação: O processo de transformação é diferente para cada
pessoa; o desejo de aprender é significativo no processo de ensino-
aprendizagem.
91
7) A PERCEPÇÃO DO PRÓPRIO CORPO: Nesta constelação
apresentamos falas que evidenciam a percepção que os participantes
tiveram a respeito do próprio corpo.
“Eu vi o quanto eu estou travada. E até um simples exercício dava medo
de fazer, aquela coisa né „- Meu Deus.‟. E eu confesso, eu não sei
exatamente, não lembro em que momento, mas teve um momento em
que eu fui pra casa e eu falei: „- ai eu estou com dor‟. Dor na perna, por
que?”.
“Então trabalhar essa ideia do corpo foi pra mim interessante, e perceber
o quanto eu estou engessada.”
“Houve uma barreira que eu não sei se é um pouco da minha falta de
mobilidade mesmo, porque tem algumas coisas que eu não posso fazer
por limites físicos”.
“O que mais saiu foi essa questão de eu voltar a perceber essa minha
noção de corpo, que eu tinha perdido por causa das minhas ações
cotidianas, muito, perdi bastante, porque eu não estava fazendo mais
nada”.
“Às vezes você não sabe por que você está ansiosa, por que você está
mais irritada, e às vezes vem pela falta da atividade física mesmo, de
colocar o corpo em ação”.
“Às vezes eu não tinha noção do meu tamanho, por exemplo, quando eu
cheguei à faculdade não via que eu podia abrir o braço e tacar a mão na
cabeça de alguém que estava do meu lado. Então essas percepções
também foram buscando alguns resgates das coisas que eu tinha na
faculdade. Foram importantes. Dessas sensações e percepções do
próprio corpo que eu tinha perdido um pouco assim, no caminho, assim,
das escolas”.
Síntese da constelação: A percepção e consciência dos limites e possibilidades
do corpo; percepção da integração entre corpo e emoção; reencontro com a
própria corporeidade.
92
8) RELAÇÕES COM A CORPOREIDADE DO OUTRO: Nesta constelação
destacamos falas sobre a importância da experiência de se relacionar
com outros corpos.
“E isso eu acho que foi interessante. O experimentar tocar uma pessoa
que você teve um primeiro contato naquele dia”.
“Eu acho que é um experimentar até mesmo tocar o outro. Por que você
toca quem? O seu irmão, sua mãe, seu marido, sua filha, outra mulher,
as técnicas nos levaram a experimentar...”
“E resgatar essa questão de trabalhar com o corpo, de expressar com o
corpo, usando menos a fala. A questão de troca de olhares, de você
olhar no olho da pessoa, que é uma coisa que a gente fala muito que a
gente tem que fazer muito com a criança, pra conversar, tem que ficar
na altura da criança e falar olhando nos olhos dela. Isso eu sempre tive.
Mas a questão da valorização, do quanto isso é importante, mesmo para
um adulto.
Síntese da constelação: A experiência de se relacionar com corpos
desconhecidos; importância de uma postura totalizadora nas relações, que
inclui o corpo todo, desde o olhar.
9) POUCO TEMPO PARA A EXPERIÊNCIA COM A CORPOREIDADE:
Nesta constelação apresentamos o desejo de continuidade da
experiência com a corporeidade.
“Eu acho que foi muito pouco! Eu não sei se vai ser o suficiente
para o seu trabalho, né, somente esses sete encontros”.
“Eu acho que falta muito. E a questão de experimentar, o que a
gente experimentou pouco foi o representar. Acho que isso a
gente experimentou16 pouquíssimo: o representar. Mas, como eu
disse, pra mim foi super válido”.
“Eu queria que continuasse também”.
Síntese da constelação: A experiência com a corporeidade despertou o desejo
de continuidade.
16
O grupo utilizou a expressão representar para se referir aos momentos da Oficina de Teatro onde foram realizadas cenas teatrais.
93
10) QUALIDADE DA RELAÇÃO ENTRE OS PARTICIPANTES: Nesta
constelação apresentamos falas que reconhecem a importância da
qualidade das relações no processo pedagógico.
“Quando você realiza um trabalho que o grupo se dispõe a fazer, ele
quer fazer, ele não está sendo obrigado a fazer. E aí eu acho que a
coisa flui com muita facilidade. Você mesmo, Roberta, citou várias
vezes: „- Esse grupo teve uma tranquilidade pra fazer isso‟.”
“E consegui contar, confiei, sabe aquela coisa de que, poxa, eu pensei
ainda, com uma amiga que estava no meu grupo, a gente trabalha aqui,
aí eu pensei: „- É uma coisa tão pessoal que, de repente, pode entrar
nos bastidores aí, falando uma coisinha ou outra...‟. Mas eu não tive
isso. Eu pensei, falei assim: „- Mas eu confio‟.”
“A gente cria vínculo”.
“Essa cena da Amélia me fez pensar, também, que foi um momento de
reflexão pras nossas vidas, por que? Eu creio que todo mundo teve seu
momento ali. Em alguma cena, em algum ato cada um se viu. Em todas
as etapas do curso, todo dia do curso, eu mesma fui uma delas. Teve
momentos, tanto de fala, quanto de gesto, que eu passei por situações
na minha vida também”.
“(...) só você compreendendo e dando conta que somos contraditórios
em algumas questões é que podemos nos mover, sair do lugar. Porque
se você começa achar que não é permitida em momento nenhum essa
contradição em você, vai começar a trabalhar com valores absolutos,
né? E aí não permite você rever coisas que você tinha tão como verdade
e, por causa de um convívio com outra pessoa, aquela verdade deixou
de ser tanta verdade”.
Síntese da constelação: Disponibilidade no trabalho coletivo; estabelecimento
de vínculo e confiança grupal; a relação grupal favorece o reconhecimento de
si mesmo; a relação com o outro permite a mudança.
94
11) SUPERAÇÃO DA DICOTOMIA OPRESSOR/OPRIMIDO: Nesta
constelação as falas indicam que houve uma compreensão da relação
dialética entre opressor/oprimido.
“Outra coisa que eu queria colocar: eu tenho facilidade, os alunos falam,
né, que eu me expresso muito através do olhar. Que, às vezes, eu olho
assim e eu não sei até que ponto está sendo... Que nem, hoje com os
pequenos eu já olhei... “- Tô oprimindo”. Deixa parar um pouco... É outra
coisa que ajuda... É a gente refletir um pouco mais em relação a isso.
Dar uma parada...”
“Então é muito bom você perceber „Opa, pera aí, deixa ver se eu estou
oprimindo, me deixa ver se eu sou opressor agora...‟ Você para e pensa
antes, né? Você não tinha esse olhar. Eu pelo menos não tinha esse
olhar”.
Síntese da constelação: Reconhecimento do opressor hospedado em si
mesmo; o corpo opressor na prática pedagógica.
12) INTENCIONALIDADE DA AÇÃO: Nesta constelação a fala se refere a
um corpo sujeito, que age com consciência.
Em todos os momentos a gente estava refletindo não só no movimento,
mas na ação que gerou o movimento. Porque a corporeidade envolve
todos esses, não só o movimento em si, mas o que leva a fazer esse
movimento: a intenção, o gesto, tudo o que está envolvido. Em todos os
exercícios a gente percebeu que tinha uma intencionalidade, a gente
não estava fazendo um movimento ou um exercício pelo exercício. Tinha
um objetivo final para aquilo e aí a gente foi percebendo, tendo a noção
do nosso próprio espaço, várias outras discussões estavam envolvidas
nos exercícios.
Síntese da constelação: Reflexão sobre a totalidade do corpo-sujeito.
13) DIMENSÃO DO SENSÍVEL: Nesta constelação apresentamos uma fala
que se refere à experiência do sensível na Oficina de Teatro.
95
“Élida questionou que sentiu falta das pessoas falarem sobre a
dimensão do sentir. Para ela todos experimentaram muito a questão do
sentir durante as atividades das oficinas, mas não verbalizaram sobre
essa experiência. O grupo concordou que sentiram, mas não soube
definir o porquê de não mencionarem isso, apesar de considerarem uma
questão importante”.
Síntese da constelação: Dificuldade de expressar a experiência de sentir.
96
4. DISCUSSÃO
“Às vezes usar o corpo, a fala, a expressão, como fizemos desde o início, como isso é importante, é fundamental para você mudar sua própria história!” 17Simone
“Corporeidade e o fazer libertário na certeza do humanizar”. Ernesto
Neste capítulo apresentaremos a discussão das constelações
encontradas nas Entrevistas Reflexivas, realizadas com os participantes desta
pesquisa, em diálogo com o referencial teórico explicitado no início desta
dissertação. A indagação sobre como a corporeidade foi compreendida pelos
participantes da Oficina de Teatro do Oprimido permeou as reflexões
desenvolvidas.
Os dados das entrevistas foram organizados em treze constelações,
conforme apresentamos no capítulo anterior, sendo elas: A percepção do
próprio corpo; Corpo como construção cultural; Corpo como meio de
comunicação; Qualidade da relação entre os participantes; Relações com a
corporeidade do outro; Mecanização do corpo no cotidiano; Contribuições da
corporeidade para a prática profissional; Intencionalidade da ação; Ação
transformadora pelo corpo, que inclui a Superação da timidez e de
limites/desafios; Relação ensino-aprendizagem; Pouco tempo para a
experiência com a corporeidade; Superação da dicotomia opressor/oprimido; e
Dimensão do Sensível. É importante pontuar que esses agrupamentos
exercem uma função preponderantemente didática para o desenvolvimento da
análise, já que as constelações se interrelacionam. E nesse sentido, nem todas
as constelações organizadas serão destacadas.
Para Paulo Freire o processo pedagógico comprometido com a
17
Fala dos participantes da oficina, que por questões éticas tiveram seus nomes verdadeiros
substituídos.
97
transformação dos homens e mulheres implica o conhecimento da realidade
dos educandos, de maneira que o educador, ao adentrar no mundo dos
educandos, poderá colaborar com o desvelamento das opressões que
permeiam suas relações, e juntos caminharem para o processo de libertação.
Nesse sentido a corporeidade é fundamental, pois é por meio do corpo que o
sujeito assimila a cultura, “se apropriando dos valores, normas, costumes
sociais, num processo de incorporação (a palavra é significativa) (DAOLIO,
1995, p.37), de maneira que, “atuar no corpo implica atuar sobre a sociedade
na qual esse corpo está inserido.” (p.39)
Na constelação denominada “Corpo como construção corporal” os
depoimentos dos participantes fazem inúmeras referências a essa percepção,
de que o corpo revela a cultura e pode ou não ser oprimido por valores e tabus
familiares e sociais. Isso se desvela quando afirmam:
“Eu acho que assim, essa questão do corpo, embora eu não tenha um corpo de modelo (...) eu não tenho essa vergonha do corpo! Acho que isso é uma coisa que vem desde a família: irmãos, pai, mãe, a gente nunca se escondeu um do outro. Então, eu falo assim, eu acho que eu sou resolvida sexualmente porque, graças a minha família, a gente não tinha bloqueio.”
“Quando você trabalha com a criança a questão da corporeidade é diferente de
quando você trabalha com o adulto. Principalmente, quando é homem e mulher. Então tem aquela coisa: „Hum é homem‟.”
Daí a necessidade que o educador tem de promover “a leitura do corpo
com os educandos, interdisciplinarmente, rompendo dicotomia, rupturas
inviáveis e deformantes” (FREIRE, 1993, p.49), fazendo uma “leitura” do corpo
como se fosse um texto, nas interrelações que compõem o seu todo (p.49),
promovendo, assim, o reconhecimento dos bloqueios e limites relacionados a
idade, sexo, gênero, faixa etária e outros tabus, enquanto uma construção
social.
Na constelação “Mecanização do corpo no cotidiano”, os educadores
revelam ter percebido que há uma sobreposição da expressão verbal sobre a
corporal em seus cotidianos, além de constatarem a negação do corpo nas
ações cotidianas. Eles relatam que estão habituados a usar a fala
98
prioritariamente, na vida e na sala de aula, deixando o corpo de lado. Prática
que atribuem ao fato de trabalharam muito com “o papel”, no dia-a-dia corrido
das escolas. De acordo com Boal, “ao desenvolver sempre os mesmos
movimentos, cada pessoa mecaniza o seu corpo para melhor executá-los,
privando-se então de possíveis alternativas para cada situação original” (1998,
p.61) – fato que se evidencia quando uma das participantes constata:
“Eu, professora de educação física, desde quando eu entrei na prefeitura, eu parei com todas as minhas práticas corporais, todas (...). Eu estou a todo o momento lidando com o corpo, percebendo como os alunos se relacionam com o corpo, e eu mesma estava deixando a minha relação como o meu corpo assim, de lado, por causa da profissão mesmo. Então, nesse curso pra mim, o que mais saiu foi essa questão de eu voltar a perceber essa minha noção de corpo, que eu tinha perdido por causa das minhas ações cotidianas”.
Isso nos permite pensar que a leitura sobre a própria corporeidade é
uma etapa fundamental para a superação da alienação do corpo, pois sem a
consciência desse agir autômato, e do que ele implica, é provável que não se
busque a mudança.
Nesse sentido a constelação denominada de “A percepção do próprio
corpo” revela que houve um movimento de percepção e consciência dos
educadores sobre os limites e possibilidades de seus corpos. Conforme
demonstra a fala de uma educadora:
“Eu vi o quanto eu estou travada; até um simples exercício dava medo de fazer. (...) não me lembro em que momento, mas teve um momento que eu fui pra casa e eu falei: „ai, eu estou com dor‟. Dor na perna, por que?”
Neste exemplo percebemos que, ao refletir sobre a experiência vivida na
Oficina de Teatro, surge um questionamento da participante sobre a sua
situação, de modo que “o autoconhecimento assim adquirido permite-lhe ser
sujeito... permite-lhe imaginar variantes ao seu agir, estudar alternativas”
(BOAL, 1996, p.27). E é a partir desse saber sobre si mesma, que se torna
possível pensar sobre o que se pretende ser futuramente, pois como nos diz
Freire, “temos de saber o que fomos e o que somos, para saber o que
seremos” (FREIRE, 2011, p. 42).
99
Do mesmo modo que a percepção sobre o próprio corpo demonstrou ser
significativa na experiência com a corporeidade, foi na “Relação com a
corporeidade do outro” que outros aspectos se desvelaram.
“E resgatar essa questão de trabalhar com o corpo, de expressar com o corpo, usando menos a fala. A questão da troca de olhares, de você olhar no olho da pessoa, que é uma coisa que a gente fala muito que a gente tem que fazer muito com a criança... Pra conversar, tem que ficar na altura da criança e falar olhando nos olhos dela. Isso eu sempre tive. Mas a questão da valorização, do quanto isso é importante, mesmo para um adulto”.
Essa fala reflete que a experiência com o outro, permitiu à educadora
perceber o quanto é significativa a relação que se estabelece entre os corpos,
desmistificando que a corporeidade é algo exclusivo das relações com
crianças, pois independe da faixa etária.
Na constelação “Qualidade da relação entre os participantes”,
percebemos que a disponibilidade para o trabalho coletivo e a confiança grupal
favorecem a experiência coletiva. Na fala que se segue isso é explicitado.
“consegui contar, confiei, sabe aquela coisa de que, poxa, eu pensei ainda, com uma amiga que estava no meu grupo, a gente trabalha aqui, aí eu pensei: „É uma coisa pessoal, que de repente, pode entrar nos bastidores aí, falando uma coisinha ou outra...‟ Mas eu não tive isso. Eu pensei, falei assim: „Mas eu confio‟.”
A questão da comunhão é algo precioso na proposta da
Educação Libertadora, pois para Freire o processo de libertação não se dá
isolado, já que “O homem não é uma ilha” (FREIRE, 2011, p.34), mas sim, na
dialogicidade entre educador-educando e educando-educandos, mediatizados
pelo conhecimento, numa relação de comunhão e de busca.
Na constelação “Relação ensino-aprendizagem”, notamos que a
experiência vivida pelos participantes revelou que o processo de transformação
é singular, e varia de pessoa para pessoa.
“Acho que algumas pessoas, na minha avaliação, aproveitaram um pouco
100
mais. Conseguiram romper mais rápido essas coisas [valores e cultura, acumulados ao longo]. Outros eu acho que ainda seguraram a onda, ou tá tão impregnado, tão dentro, que não é fácil o corpo falar assim, de forma pra cima, né?”.
Nesse sentido, como nos afirma Boal, “o corpo tem ritmos individuais,
personalizados” e cada um tem o seu “ritmo psíquico de receber e processar
informações (sensoriais e racionais), e o de atuar, agir, responder a essas
informações” (BOAL, 1998, p.153).
A constelação “Contribuições da corporeidade para a prática
profissional” reúne falas dos participantes que se referem à constituição de
novos significados para práticas profissionais já conhecidas e realizadas por
eles. Assim se expressaram:
“Era uma coisa que eu aprendi lá no passado, vi que para eles servia, fazia com eles e hoje eu trabalhei assim, de outra maneira”. “Hoje eu faria isso de uma maneira completamente diferente. Antes de
distribuir roteiros, de distribuir os papéis, a gente ia vivenciar um pouco dessas técnicas, experimentar o lidar com o corpo, soltar a voz e depois construir com as crianças. Eu acho assim, a gente que pensa muito o teatro na escola, tem que pensar nisso também. Não dá pra você chegar, querer aquela coisa rapidinha, maluca que é a escola.”
Neste relato podemos dizer que houve um processo de conscientização
sobre os significados da atividade proposta, superando o senso comum.
Numa outra fala que destacamos abaixo o participante demonstra que a
experiência lhe permitiu constatar a presença do corpo do educador e do
educando, no processo educativo, quando afirma que:
“Esse curso eu acho interessante porque a gente entra na sala de aula e toda hora a gente está na frente de trinta, trinta e cinco, dependendo do lugar quarenta pessoas, né? São alunos aí. Por mais que não pareça, eles estão te olhando, eles estão te percebendo, né? Então eles estão ali, vendo o que você faz, se você está com uma espinha na testa, eles estão te observando e é bom pra você. Se você está com olho roxo (risadas)... Então quando você entra na sala de aula, se você olhar direto no olho do aluno, você ter esse contato com ele (...) ele começa a te ver de outra forma”.
Estes exemplos nos remetem à importância que Paulo Freire dá para o
101
processo de formação contínua dos educadores, que deve acontecer por meio
da reflexão crítica sobre a prática.
Nesse sentido ainda, apresentamos a seguir, um relato que revela que a
oportunidade da educadora vivenciar sua corporeidade foi preponderante para
o seu desempenho educativo, no que se refere à afetividade trabalhada com os
educandos.
“Por exemplo, essa semana eu fiz duas dinâmicas do rótulo e do patinho feio. Então, estava o rótulo, estava „beije-me‟, „abrace-me‟. O que tinha escrito você tinha que fazer com aquela pessoa. E se eu não tivesse trabalhado isso comigo, eu não teria conseguido o objetivo que eu consegui ontem e hoje com eles. Porque o próprio grupo tem: „- ai, eu não vou beijar ninguém não!‟, „- não vou abraçar‟, „- ai não, sai fora!‟ E eu falei: „- Mas por quê? Porque não tocar o outro, porque não sentir?‟.”
Na constelação “Ação transformadora pelo corpo”, notamos que a
experiência da Oficina de Teatro permitiu aos participantes perceberam e
experimentarem a força do corpo enquanto presença expressiva e criativa no
mundo. Ao colocarem seus corpos no ato criativo, os relatos que se seguem
evidenciam isso:
“Então assim: nosso corpo é muito oprimido. Então, acho que o corpo pode falar num novo referencial. Quando se fala: „vou levantar, vou erguer, vou falar para fora‟, de mostrar esse sujeito que pode agir, dar um retorno pro seu pedaço e fazer essa mudança, assim, que é um agente transformador. Uma mudança inicialmente que nasce daqui, que é nossa.” “Eu fiquei observando cada uma das „Amélias‟. De repente eu levei um tapão quando aquela ali fez todo aquele diferencial, como ela conseguiu conduzir aquele relacionamento, aquele casamento de uma forma assim, como todos nós, como cada um de nós temos esse poder de fazer isso e não sabemos. E às vezes usar o corpo, a fala, a expressão, como fizemos desde o início, como isso é importante, é fundamental pra você mudar sua própria história! E vou falando, hein, já mudei, hein!”
Assim, percebemos que a efetivação da mudança se dá na ação
concreta do corpo, quando ele rompe com seu imobilismo e deixa de ser
apenas um objeto para se tornar sujeito da transformação. E, para isso,
segundo Freire, “a educação deve ser desinibidora e não restritiva. Sendo
necessário aos educadores, dar oportunidade para que os educandos sejam
eles mesmos”, de modo que não sejam impedidos de criar de “fazer história
102
pela sua própria atividade criadora” (FREIRE, 2011, p.41).
Na constelação “Superação da dicotomia opressor/oprimido”,
destacamos alguns depoimentos que demonstram que os participantes
compreenderam a existência de uma relação dialética entre opressor/oprimido.
Como a fala dessa educadora nos mostra: “Opa, pera aí, deixa ver se eu estou
oprimindo, me deixa ver se eu sou opressor agora...” Você para e pensa antes
né. Você não tinha esse olhar. Eu pelo menos não tinha esse olhar”.
Nesse sentido, ao superar a visão dicotômica entre opressores e
oprimidos, os participantes terão mais condições de perceberem seus corpos
como hospedeiros da ideologia autoritária dominante, conforme nos alerta
Freire (2009), e assim, evitarem uma prática pedagógica corporificada no
autoritarismo castrador e imobilizador.
103
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
“é preciso que a escola progressista, democrática, alegre, capaz, repense toda a questão das relações entre corpo consciente e mundo. Que reveja a questão da compreensão do mundo, enquanto produzindo-se historicamente no mundo mesmo e também sendo produzida pelos corpos conscientes em suas interações com ele”. (FREIRE, 1993, p.49)
Ao longo deste estudo podemos refletir a respeito dos significados que
esta experiência com a corporeidade desvelou para o conjunto de seus
participantes. Conforme pressuposições levantadas pela pesquisadora nas
páginas introdutórias do trabalho, viver e refletir coletivamente a corporeidade,
durante a oficina de Teatro do Oprimido, foi para muitos dos educadores a
primeira oportunidade de participarem de uma formação com esse enfoque, e
demonstrou favorecer o ensejo de novos olhares para suas práticas
pedagógicas.
A relação com a própria corporeidade permitiu que percebessem as
mecanizações de seus corpos, consequentes de uma prática profissional
burocratizada, que prioriza a racionalidade e limita a capacidade criativa e
autêntica de se personificarem no mundo. E a partir disso, despertaram para o
fato de que a mecanização de seus sentidos impede seus educandos de
viverem suas corporeidades em plenitude.
Na construção coletiva constituída durante a oficina, os participantes
compreenderam a corporeidade enquanto expoente da cultura, com seus
valores e tabus construídos socialmente, e que requer o exercício da
problematização no fazer educativo, de maneira a contribuir para a ruptura de
opressões imobilizadoras, que impedem os sujeitos de “serem mais” (Freire,
1987). E, nesse sentido, favorecidos pela experiência de um fazer teatral
libertador, experimentaram com o próprio corpo a força expressiva e criativa,
que permite a ação transformadora.
104
Assim, a experiência desenvolvida para esse estudo aponta
contribuições para que os educadores encontrem na corporeidade um caminho
de transição da consciência transitiva para a consciência crítica, e cheguem à
práxis.
105
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109
APÊNDICE A – Folder de apresentação da oficina de teatro e
corporeidade
110
APENDICE B – Ficha de Perfil do Participante da Oficina
PERFIL DO PARTICIPANTE OFICINA DE TEATRO – 1º sem/ 2011
1. Identificação
Nome completo:
Data de Nascimento:
RG:
Naturalidade (cidade onde nasceu):
2. Estado civil
( )Casada/o...( )Solteira/o .( )União estável ( )Viúva/o ( )Separada/o
3. Tem filhos?
( )Não
( )Sim. Quantos? Idade(s):
4. Qual a sua origem étnicorracial?
5. Qual seu credo/religião?
( )Católica ( )Evangélica ( )Umbandista ( )Candomblecista
( )Kardecista ( )Protestante...( )Budista ( )Nenhuma (agnóstico)
( )Ateu ( )Outra:
6. Escolaridade:
( )Fundamental Incompleto ( )Fundamental Completo ( )Médio Incompleto
( )Médio Completo . ( )Superior Incompleto ( )Superior Completo Curso:
( )Pós-graduação Incompleta ( )Pós-Graduação Completa Área:
Atualmente você está estudando? ( )Sim ( )Não
Qual o curso?
7. Trabalha na área da Educação há quanto tempo?
Instituição de trabalho:
Profissão:
Cargo atual:
Assinatura: Data:
111
APÊNDICE C – Texto teatral da cena do Teatro-Fórum
Texto teatral do espetáculo do Teatro-fórum (autoria coletiva do grupo) Criança 1: Você me ensina a jogar esse jogo?
Criança 2: (impossível entender a fala)
Criança 1: Por quê?
Criança 2 : Você não sabe... Ó, é muito difícil, é pra criança grande.
Criança 1: Ah, mas eu queria tanto aprender.
Criança 2: Depois eu ensino
(Batidas na porta)
Criança 1: O pai chegou!
Homem: Oi crianças, tudo bem com vocês? Oi filha, como que você tá, trouxe
seu presente.
Criança 2: Só pra Maria?
Homem: Só pra Maria, já dei o seu semana passada, você não lembra?
Criança 2: Ah, lembro...
Criança 1: Mas, de novo um carrinho?
Homem: É, um carrinho pra você. Você não gostou do carrinho?
Criança 1: Mais um?
Homem: Mais um pra sua coleção, qual é o problema? Você devia agradecer,
mais um carrinho!
Criança 1: Mas eu tinha pedido a Barbie!
Homem: Barbie? Que Barbie filha? O carrinho não tá bom? Olha que bonito
esse carrinho, você pode carregar tanta coisa nele. Por que você não gosta de
carrinho? Ãh? Vocês estão brincando de quê?
Criança 2: Tô jogando Resta Um.
Criança 1: Ela não quis me ensinar pai!
Homem: Por que você não quis ensinar pra sua irmã? Por quê? Tô falando
com você! Por que você não quis ensinar?
Criança 2: Porque ela não tem idade pai. Ela é pequena e não sabe jogar.
Homem: Ah, ela não tem idade!
Criança 1: Isso não é justo pai!
omem: Ensina pra sua irmã a jogar, faça favor! Faz o seguinte: vocês vão
112
brincando aí que eu vou mexer no computador, tá? Depois a gente janta, tá
bom?
Criança 2 : Pai, depois eu preciso falar uma coisa pra você...
Homem: Tá, depois, agora não. Amélia!
Mulher: Sim, amor!
Homem: Pega um copo de água pra mim.
Mulher: Amor, pode ser suco?
Homem: Por que suco, eu não pedi água?
Mulher: A água acabou e eu não tive tempo de encher as jarras.
Homem: O que você fez o dia inteiro, que você não encheu as jarras?
Mulher: Eu estive ocupada o dia todo, limpando essa casa!
Homem: Mas, se faltar água uma semana você vai deixar todo mundo com
sede uma semana?
Mulher: Mas só foi hoje amor, não é hábito faltar água!
Homem: Quer dizer então que hoje ninguém vai tomar água, vai tomar só
suco, então?
Mulher: Amor é só hoje, amor.
Homem: Tá bom vai, dá essa... Tira o meu sapato.
Mulher: Tá machucando o seu pé?
Homem: Ah, o dia inteiro andando, né? Enquanto você fica aí em casa, eu fico
o dia inteiro trabalhando. Como é que está esse jogo aí?
Criança 2: Tô ganhando!
Homem: Tá ganhando? Você ensinou pra sua irmã?
Criança 1: Não!
Homem: Não? Vamos fazer o seguinte, vamos parar com a brincadeira e
vamos jantar tá bom?
Crianças: Ah!
Homem: Guarda o presente. O quê é que foi? Tá reclamando do quê?
Criança 2: Nada!
Homem: Ah, bom! Deixa isso aí, depois sua mãe guarda vai! Vamos, vamos lá
pra mesa, vai! Amélia a janta, Amélia!
Mulher: Ai amor, já vou!
Homem: É, e vocês se comportem na mesa, tá? Faça favor!
Criança 2: Tô com fome!
113
Homem: Vocês estão com fome? Vocês não comeram durante o dia não?
Criança 2: Comi. Eu comi pai!
Homem: Sua mãe não deu comida pra vocês? Você não deu comida pra essas
meninas não? Elas estão morrendo de fome!
Criança 2: A gente almoçou.
Criança 1:É que ela falou que vai fazer uma comida especial!
Mulher: É a comida da vovó, gente!
Homem: Vovó? Mas que vovó? A minha mãe ou a sua? Hein, Amélia?
Criança 1: Tá com uma cara boa pai!
Homem: Cara boa? Precisa ver o gosto, né? Cara tudo bem...
Mulher: Eu liguei pra sua mãe e ela me deu a receita direitinho. Ai, aquela torta
deliciosa!
Homem: Você incomodou minha mãe pra pegar a receita de um bolo? Você
não sabe fazer um bolo, uma torta?
Mulher: Aquela torta deliciosa, que você adora!
Homem: E você acha que vai ficar igual?
Mulher: Amor tá igual! Tá uma delícia! Eu até levei um pedaço pra sua mãe e
ela provou.
Homem: Coitada, ela não quis fazer desfeita.
Mulher: Calma Maria! Olha a educação, Maria!
Criança 1: Mãe enxuga o prato, a senhora não enxugou direito!
Homem: Mas porque os pratos delas estão molhados?...Formiga...
Mulher: Amor, acabei de lavar a louça! Crianças, acabei de lavar a louça!
Criança 2: Tá bom mãe, eu enxugo.
Mulher: Ó, o primeiro pedaço pra você amor.
Homem: Obrigado!
Mulher: Maria!
Criança 2: Mãe, tá uma delícia!
Homem: Nossa, tá uma porcaria isso aí!
Mulher: Amor!
Homem: Não tá, não chega nem aos pés do da minha mãe.
Criança 1: Acabei mãe!
Homem: Acabou? Mas porque você não come direito? Tá morrendo de fome?
Ô, essa boca cheia! E você, não vai comer, não? Você falou que tinha uma
114
coisa pra me falar, que você quer falar?
Criança 2: Pai, deixa eu te falar...
Homem: Ãh?
Criança 2: É que na sexta-feira vai ter um baile lá na escola...
Criança 1:Eu quero ir!
Homem: Deixa sua irmã falar primeiro!
Criança 2: E é com todos os meus amigos...
Criança 1: Posso ir?
Homem: Deixa sua irmã terminar.
Criança 2: A Maria não vai porque é só pro pessoal da minha escola, da minha
idade, entendeu?
Homem: Só pra sua idade? E o que é que vocês vão fazer lá?
Criança 2: ...Música...
Homem: Música? O que mais? Que horas que é esse baile?
Criança 2: seis horas
Homem: E vai voltar pra casa que horas?
Criança 2: Volto cedo.
Homem: Cedo, que horas?
Mulher: Oito horas
Homem: Ah, esse negócio de voltar oito horas é conversa, sempre acaba
voltando mais tarde! Depois fica lá se engraçando com os meninos, você sabe
onde isso vai dar!
Criança 1:Eu posso ir, pai? Eu cuido dela!
Homem: Claro que não! Você é uma criança ainda. Fica quieta!
É o seguinte: Foi a sua mãe que deixou você ir nesse baile? Foi você Amélia,
que deixou essa menina ir nesse baile?
Criança 2: Ela falou pra eu pedir para o senhor!
Mulher: O que é que tem, amor?
Homem: Que é que tem? Que é que tem?
Criança 2:Pai, todas as minhas amigas vão!
Homem: E daí que suas amigas vão? Qual o problema delas irem? O
problema é que você não vai!
Criança 1: Ah pai, deixa ir, eu também vou!
Homem: Vocês não vão pra lugar nenhum! Vocês vão é dormir agora! Faça
115
favor, vão escovar os dentes pra dormir! E você Amélia, vê se cuida direito
dessas meninas aí. Vamos, vamos escovar os dentes, vamos! Vamos, vamos!
Para! Vai, escovem os dentes rapidinho! Sem brincadeira aí no banheiro.
Criança 1: Foi ela pai!
Homem: Joana...
Criança 1: Mas, você falou que ia me ensinar a jogar.
Homem: Amanhã.
Criança 1: Mas, só um pouco!
Homem: Amanhã!
Criança 1: Mas, você prometeu!
Homem: Deita!
Criança 1: Mas, nem um pouco?
Homem: Deita. Tchau, boa noite. Deixa de ser malcriada, hein! Tchau.
Criança 1: Amanhã você me ensina a jogar?
Homem: Amanhã? Vou ver. Não é assim também. Oh, Amélia, e esse... Aqui,
no meio da casa?
Mulher: Calma amor sou só uma! Calma!
Homem: Eu vou tomar banho, tá? Améliaaaaa!!
Mulher: Que amor?
Homem: A toalha.
Mulher: Ah, já... Aqui amor!
Voz 1 da consciência da mulher: Hoje acho que vai ser diferente
Voz 2 da consciência da mulher: Ele não reparou em você de novo!
Voz 1 da consciência da mulher: Hoje, pelo jeito que tá tomando banho, vai
ser diferente!
Voz 2 da consciência da mulher: Ele não tá nem aí pra você, nem te repara.
Voz 1 da consciência da mulher: Eu acho que ele vai me pegar hoje, de jeito,
estou sentindo, vai ter um carinho bom!
Voz 2 da consciência da mulher: Até parece, ele nem sabe que você existe!
Voz 1 da consciência da mulher: Estou inteirinha pra ele hoje. Sei que vai ser
bom, ficar toda hoje, molhadinha, é claro!
Homem: Oh, Amélia, tá louca?
Vai tomar banho, vai. Era só o que faltava. Amélia (cantando no banho):
Quando a gente ama é claro que a gente cuida...
116
Homem: Amélia! Tá com algum problema? Vai logo!
Mulher: Já vou!
Homem: Amélia!
Mulher: Oi amor!
Homem:Tá demorando...
Mulher: Ai, ele adora! Ai, amor, comprei um creme!
Homem: Creme?
Mulher: É, da natura, uma delícia!
Homem: Mas, pra que você comprou isso Amélia?
Mulher: Pra cuidar da pele.
Homem: Cuidar da pele, Amélia, pô?
Mulher: Cheirosa!
Homem: Você pensa que meu dinheiro é capim, Amélia, fica comprando
creme? Tá maluca, é?
Mulher: Não posso comprar nada pra mim!
Homem: Você pode comprar. Você já não tem bastante coisa aí? Não tem
comida, coisas pras crianças. Tá faltando alguma coisa aí?
Mulher: Você compra coisas pra você...
Homem: Amélia, eu trabalho, eu tenho salário, Amélia. Você não tem, então
para de gastar meu dinheiro. (Mulher fala junto, não dá pra entender o áudio)
Criança 1: Manhê, eu quero fazer xixi!
Criança 2: Cala boca Maria!
Homem: Ô, ô, dá pra vocês dormirem. Para de perturbar!
Mulher: Filha, vai ao banheiro. Acende a luz do corredor e vai sozinha, você já
tá ficando mocinha!
Homem: E se fizer barulho vai apanhar, hein!
Mulher: Não precisa gritar com ela!
Homem: Ah Amélia, tá louco, você não educa essas crianças! Deita vai.
Mulher: Nem vem achar que é assim...
Homem: Deita logo, vai!
Mulher: Ah não vem não, que não tem!
Homem: Como não vem que não têm, tá louca?
Mulher: Grosso!
Homem: Grosso? Amélia, vamos aproveitar que as crianças estão dormindo, a
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gente aproveita pra fazer um menino. O que você acha?
Mulher: Não!
Homem: Não, por quê?
Mulher: Pra vir outra menina e você...
Homem: Não interessa! A gente faz outro, e outro...
Mulher: E pra cuidar das crianças?
Homem: Você Amélia. Você fica em casa pra que? Pra cuidar das crianças!
Vamos!
Mulher: Eu fico aqui... E você não valoriza o meu trabalho...
Homem: Ah Amélia! Vamos, vamos!
Mulher: Eu não quero!
Homem: Você quer sim! Por que você não quer? Você é obrigada! Você é
casada Amélia!
Mulher: Eu não quero! Desse jeito eu não quero...
Homem: Não quer o quê? Tem que ser! Desse jeito? Que jeito? Porque você
não gosta? Ah...
Mulher: (chorando; gritando algumas palavras inaudíveis) Você é um grosso...
Coral canta: Amélia que era mulher de verdade, Amélia não tinha a menor
vaidade...
Fim!
ANEXO A – Poesia Ver Vendo, de Otto Lara de Rezende
De tanto ver, a gente banaliza o olhar - vê... Não vendo. Experimente ver, pela
primeira vez, o que você vê todo dia, sem ver. Parece fácil, mas não é: O que
nos cerca, o que nos é familiar, já não desperta curiosidade. O campo visual da
nossa retina é como um vazio. Você sai todo dia, por exemplo, pela mesma
porta. Se alguém lhe perguntar o que você vê no caminho, você não sabe. De
tanto ver, você banaliza o olhar. Sei de um profissional que passou 32 anos a
fio pelo mesmo hall do prédio do seu escritório. Lá estava sempre,
pontualíssimo, o porteiro. Dava-lhe bom-dia e, às vezes, lhe passava um
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recado ou uma correspondência. Um dia o porteiro faleceu. Como era ele? Seu
rosto? Sua voz? Como se vestia? Não fazia a mínima ideia. Em 32 anos nunca
conseguiu vê-lo. Para ser notado, o porteiro teve que morrer. Se um dia, em
algum lugar estivesse uma girafa cumprindo o rito, pode ser, também, que
ninguém desse por sua ausência. O hábito suja os olhos e baixa a voltagem.
Mas há sempre o que ver: gente, coisas, bichos. E vemos? Não, não vemos.
Uma criança vê que o adulto não vê. Tem olhos atentos e limpos para o
espetáculo do mundo. O poeta é capaz de ver pela primeira vez, o que de tão
visto, ninguém vê. Há pai que raramente vê o filho. Marido que nunca viu a
própria mulher. Nossos olhos se gastam no dia-a-dia, opacos... É por aí que se
instala no coração o monstro da indiferença. (Otto Lara Rezende)
ANEXO B – Textos utilizados para o Aquecimento Ideológico
1) Alguns Tipos de Violência Cometida Contra a Mulher
A violência contra a mulher pode de se manifestar de várias formas e com diferentes graus de severidade. Estas formas de violência não se produzem isoladamente, mas fazem parte de uma seqüência crescente de episódios, do qual o homicídio é a manifestação mais extrema.
Violência de gênero Violência de gênero consiste em qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher à, tanto no âmbito público como no privado. A violência de gênero é uma manifestação de relações de poder historicamente desiguais entre homens e mulheres, em que a subordinação não implica na ausência absoluta de poder.
Violência intrafamiliar A violência intrafamiliar é toda ação ou omissão que prejudique o bem-estar, a integridade física, psicológica ou a liberdade e o direito ao pleno desenvolvimento de outro membro da família. Pode ser cometida dentro ou fora de casa por algum membro da família, incluindo pessoas que passam a assumir função parental, ainda que sem laços de consangüinidade, e em relação de poder à outra. O conceito de violência intrafamiliar não se refere apenas ao espaço físico onde a violência ocorre, mas também às relações em que se constrói e efetua. Violência doméstica A violência doméstica distingue-se da violência intrafamiliar por incluir outros membros do grupo, sem função parental, que convivam no espaço doméstico. Incluem-se aí empregados(as), pessoas que convivem esporadicamente, agregados. Acontece dentro de casa ou unidade doméstica e geralmente é
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praticada por um membro da família que viva com a vítima. As agressões domésticas incluem: abuso físico, sexual e psicológico, a negligência e o abandono.
Violência física Ocorre quando uma pessoa, que está em relação de poder em relação a outra, causa ou tenta causar dano não acidental, por meio do uso da força física ou de algum tipo de arma que pode provocar ou não lesões externas, internas ou ambas. Segundo concepções mais recentes, o castigo repetido, não severo, também se considera violência física. Esta violência pode se manifestar de várias formas: • Tapas • Empurrões • Socos • Mordidas • Chutes • Queimaduras • Cortes • Estrangulamento • Lesões por armas ou objetos • Obrigar a tomar medicamentos desnecessários ou inadequados, álcool, drogas ou outras substâncias, inclusive alimentos. • Tirar de casa à força • Amarrar • Arrastar • Arrancar a roupa • Abandonar em lugares desconhecidos • Danos à integridade corporal decorrentes de negligência (omissão de cuidados e proteção contra agravos evitáveis como situações de perigo, doenças, gravidez, alimentação, higiene, entre outros).
Violência sexual A violência sexual compreende uma variedade de atos ou tentativas de relação sexual sob coação ou fisicamente forçada, no casamento ou em outros relacionamentos. A violência sexual é cometida na maioria das vezes por autores conhecidos das mulheres envolvendo o vínculo conjugal (esposo e companheiro) no espaço doméstico, o que contribui para sua invisibilidade. Esse tipo de violência acontece nas várias classes sociais e nas diferentes culturas. Diversos atos sexualmente violentos podem ocorrer em diferentes circunstâncias e cenários. Dentre eles podemos citar: • Estupro dentro do casamento ou namoro; • Estupro cometido por estranhos; • Investidas sexuais indesejadas ou assédio sexual, inclusive exigência de sexo como pagamento de favores; • Abuso sexual de pessoas mental ou fisicamente incapazes; • Abuso sexual de crianças; • Casamento ou coabitação forçados, inclusive casamento de crianças; • Negação do direito de usar anticoncepcionais ou de adotar outras medidas de
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proteção contra doenças sexualmente transmitidas; • Aborto forçado; • Atos violentos contra a integridade sexual das mulheres, inclusive mutilação genital feminina e exames obrigatórios de virgindade; • Prostituição forçada e tráfico de pessoas com fins de exploração sexual; • Estupro sistemático durante conflito armado.
Violência psicológica É toda ação ou omissão que causa ou visa causar dano á auto-estima, à identidade ou ao desenvolvimento da pessoa. Inclui: • Insultos constantes • Humilhação • Desvalorização • Chantagem • Isolamento de amigos e familiares • Ridicularização • Rechaço • Manipulação afetiva • Exploração • Negligência (atos de omissão a cuidados e proteção contra agravos evitáveis como situações de perigo, doenças, gravidez, alimentação, higiene, entre outros) • Ameaças • Privação arbitraria da liberdade (impedimento de trabalhar, estudar, cuidar da aparência pessoal, gerenciar o próprio dinheiro, brincar, etc.) • Confinamento doméstico • Criticas pelo desempenho sexual • Omissão de carinho • Negar atenção e supervisão
2) Texto extraído do Manual para Atendimento às Vítimas de Violência na Rede de Saúde Pública do DF/ Laurez Ferreira Vilela (coordenadora) – Brasília: Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, 2008.
O índice de violência contra a mulher chegou a tal ponto que a Organização Mundial de Saúde fez um estudo onde revela que a cada 15 segundos uma mulher é vítima de violência doméstica.
Em um país em que as estatísticas apontam que a cada 15 segundos uma mulher é agredida, figurando, em 70% dos casos, o marido ou atual companheiro como agressor, desenvolver mecanismos de combate e prevenção contra essa triste realidade, longe de ser uma opção, representa uma necessidade urgente?
A banalização desse tipo de violência, por conta de suas inexpressivas sanções, levou à invisibilidade o crime de maior incidência no país e o único que tem perverso efeito multiplicador. Suas sequelas, das mais variadas ordens, não se restringem à pessoa da ofendida, vão além, pois comprometem todos os membros da entidade familiar, principalmente as crianças, que terão a tendência de repetir o comportamento que vivenciaram dentro de casa?,
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explicou o desembargador Hollanda, um dos oradores da solenidade de inauguração do Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher.
Esse fenômeno da violência contra a mulher fez com que os países mais desenvolvidos do mundo se reunissem para discutir suas causas e apontar mecanismos para coibi-la, surgindo dessas discussões a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher.
3) Depoimento de Maria da Penha Maia Fernandes, que dá nome à Lei Federal 11.340/2006, na II Conferência de Políticas para as Mulheres do Tocantins.
"Senti muita emoção. Porque antes da lei me sentia órfã da justiça. A minha colaboração se deu pela persistência. A Violência está relacionada à força física e à cultura, que faz com o que homem sinta-se superior à mulher. Essa vitória é de todos os movimentos sociais. Iniciei uma luta solitária, em 1983, que fui vítima de agressão, nessa época não tinha delegacia especializada da mulher, que só foi ser criada em 1985. Hoje, me sinto vitoriosa por ser mulher e por ter colaborado com essas mudanças que estão acontecendo. Hoje o comportamento de homens e mulheres precisa de outros valores. Viver sem violência é mais do que viver sem nenhum tipo de agressão. É viver com respeito e consideração. É não acreditar na superioridade masculina."
4) Estigma (poema de autoria de Andréa Motta)
Por sendas oblíqüas, violência urbana violência doméstica. Delitos, impunidade e dor, na penumbra das cidades.
Pelas esquinas, rostos anônimos, corpos lanhados pelas marcas do desamor.
Não importa a idade, classe social. Mulheres, tomadas pelo medo, têm a alma amargurada, a carne rasgada.
Nos olhares castigados, não há lágrimas nem sorrisos. Só um silencioso pedido de socorro
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entre sonhos adormecidos.
O tempo, é como sopro, leva sem remorsos, o silêncio da noite, os hematomas, as escoriações, as mãos vazias...
(não importa a identidade, o coração partido, o medo a desventura) -
E, sem sofismas, na alvorada traz a denúncia, porta à liberdade!