88
Reformas Urbanas Contemporâneas: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA APLICABILIDADE NAS CIDADES BRASILEIRAS Kissyla de Oliveira Portes Março | 2013

UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

  • Upload
    others

  • View
    2

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

9

Reformas Urbanas Contemporâneas:

UM ESTUDO DA TEORIA URBANA

SUSTENTÁVEL E SUA APLICABILIDADE NAS

CIDADES BRASILEIRAS

Kissyla de Oliveira Portes

Março | 2013

Page 2: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

10

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO ESCOLA POLITÉCNICA

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM ENGENHARIA URBANA - LATO SENSU

MONOGRAFIA FINAL

Reformas Urbanas Contemporâneas:

UM ESTUDO DA TEORIA URBANA

SUSTENTÁVEL E SUA APLICABILIDADE NAS

CIDADES BRASILEIRAS

Aluna: Kissyla de Oliveira Portes Orientador: Rosane Martins Alves, D.Sc.

Page 3: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

11

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

ESCOLA POLITÉCNICA CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM ENGENHARIA URBANA - LATO SENSU

MONOGRAFIA FINAL

Reformas Urbanas Contemporâneas:

UM ESTUDO DA TEORIA URBANA

SUSTENTÁVEL E SUA APLICABILIDADE NAS

CIDADES BRASILEIRAS

Monografia apresentada ao Curso de Especialização em Engenharia Urbana , para cumprir as exigências da disciplina monografia final.

Aluna: Kissyla de Oliveira Portes Orientador: Rosane Martins Alves, D.Sc. Coordenadora: Rosane Martins Alves, D.Sc.

Page 4: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

12

Page 5: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

13

Aos profissionais que buscam por cidades mais equilibradas e

sustentáveis.

Page 6: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

14

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente à Deus, que ilumina meus dias na busca de

conhecimento e superação.

Aos profissionais que deram base às minhas pesquisas.

Aos colegas de turma, que muito me incentivaram ao longo da pós.

À minha amiga Mariana, pela hospitalidade carioca. Camilla, pela

confiança e incentivo.

Agradeço à minha família, e ao meu namorado, Gustavo, pela força, por

acreditarem em mim e pelo entendimento nos momentos ausentes.

Aos exímios professores, discursando conhecimento para minha

formação profissional, sem os quais eu não teria a felicidade e a certeza de

estudar o planejamento urbano.

Meu muito obrigado à todos vocês.

Page 7: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

15

“Olhar para a cidade pode dar um prazer especial, por mais

comum que possa ser o panorama. Como obra arquitetônica, a

cidade é uma construção no espaço, mas uma construção em

grande escala; uma coisa só percebida no decorrer de longos

períodos de tempo. O design de uma cidade é, portanto, uma

arte temporal, mas raramente pode usar as sequências

controladas e limitadas das outras artes temporais... Em

ocasiões diferentes e para pessoas diferentes, as

consequências são invertidas, interrompidas, abandonadas e

atravessadas. A cidade é vista sob todas as luzes e condições

atmosféricas possíveis.”

Kevin Lynch. A Imagem da cidade

Page 8: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

16

ÍNDICE

AGRADECIMENTOS .................................................................... 14

ÍNDICE ................................................................................... 16

LISTA DE FIGURAS ..................................................................... 17

LISTA DE TABELAS .................................................................... 17

1 INTRODUÇÃO ..................................................................... 18

2 URBANISMO SUSTENTÁVEL ..................................................... 20

2.1 CONCEITO E DEFINIÇÕES ................................................ 20

2.2 O MODELO DE SUSTENTABILIDADE : CIDADE DISPERSA VERSUS CIDADE COMPACTA (SILVA E ROMERO, 2010) .................................... 23

2.3 URBANISMO SUSTENTÁVEL NO BRASIL ................................ 31

3 ESTUDOS DA MORFOLOGIA URBANA .......................................... 36

3.1 ORIGEM E CONCEITOS ................................................... 36

3.1.1 Temas e Elementos Morfológicos do Espaço Urbano ............... 36

3.1.2 Traçado e Parcelamento ............................................... 37

3.2 PRINCÍPIOS SUSTENTÁVEIS ASSOCIADOS À MORFOLOGIA URBANA 38

3.3 A IMAGEM DA CIDADE E SEUS ELEMENTOS ............................ 41

3.4 AS ESCALAS URBANAS ................................................... 45

4 PROBLEMÁTICAS URBANAS - CIDADES BRASILEIRAS ....................... 50

4.1 CRESCIMENTO E CONFLITOS NO MEIO URBANO ...................... 50

4.2 ANALISES DA DESCENTRALIZAÇÃO POLÍTICO ADMINISTRATIVA .... 51

5 REFORMAS URBANAS ............................................................ 56

5.1 POR UM URBANISMO SUSTENTÁVEL ................................... 56

5.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE A MOBILIDADE ............................... 61

6 INDICADORES DE SUSTENTABILIDADE ........................................ 63

6.1 MONITORAMENTO DAS CIDADES SUSTENTÁVEIS ..................... 63

6.2 ASPECTOS GERAIS........................................................ 64

6.3 INDICADORES PARA O MONITORAMENTO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ........................................................................ 67

6.4 IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DE CASOS DE INDICADORES DE DESENVOLVIMENTO URBANO SUSTENTÁVEL ..................................... 69

6.4.1 Indicadores Comuns Europeus ( Europeans Commons Indicators) 70

6.4.2 Indicadores de Sustentabilidade Urbana da Cidade de Santa Mônica, Califórnia ................................................................ 74

6.4.3 Índice de Sustentabilidade Urbana da Bacia do Piracicaba, Minas Gerais 78

6.4.4 Indicadores de Desenvolvimento Sustentável de Curitiba ........ 81

6.5 ANÁLISE CRÍTICA DOS CONJUNTOS DE INDICADORES ESTUDADOS 84

7 A CONSTRUÇÃO DE CIDADES SUSTENTÁVEIS ................................ 85

8 CONCLUSÃO ....................................................................... 90

9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................ 93

Page 9: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

17

LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 - DIAGRAMAS REPRESENTATIVOS DE UM URBANISMO DISPERSO......24

FIGURA 2 – MODELO DE CIDADE DISPERSA (DIFUSA).. ............................ 27

FIGURA 3 - MODELO DE CIDADE COMPACTA. ...................................... 27

FIGURA 4 - PORTADORES DE INFORMAÇÃO NA URBANIZAÇÃO....................29

FIGURA 5 - ESQUEMA GRÁFICO DA UNIDADE SISTEMA-RETORNO.................30

FIGURA 6 - MAPA FIGURA-FUNDO.....................................................38

FIGURA 7 - ORGANOGRAMA REPRESENTATIVO DOS SISTEMAS URBANO.........86

FIGURA 8 - AVALIAÇÃO DAS CARACTERÍSTICAS DOS SISTEMAS URBANOS

SUSTENTÁVEIS. ......................................................................... 87

LISTA DE TABELAS

TABELA 1 - COMPARAÇÃO DOS MODELOS DE CIDADE DIFUSA E COMPACTA

PRESSÃO SOBRE OS SISTEMAS DE SUPORTE POR EXPLORAÇÃO. ................. 25

TABELA 2 - COMPARAÇÃO DOS MODELOS DE CIDADE DIFUSA E COMPACTA:

PRESSÃO SOBRE OS SISTEMAS DE SUPORTE POR IMPACTO. ...................... 25

TABELA 3 - COMPARAÇÃO DOS MODELOS DE CIDADE DIFUSA E COMPACTA:

MANUTENÇÃO E AUMENTO DA ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA URBANO ............ 26

TABELA 4 - PROJEÇÃO DEMOGRÁFICA DO BRASIL. ................................ 32

TABELA 5 - DADOS DEMOGRÁFICOS REFERENTES À POPULAÇÃO URBANA

NACIONAL.. ............................................................................. 33

TABELA 6- INDICADORES COMUNS EUROPEUS .................................... 72

TABELA 7-INDICADORES POR GRUPO - PLANO DE SUSTENTABILIDADE DE SANTA

MÔNICA .................................................................................. 76

TABELA 8 - ÍNDICE DE SUSTENTABILIDADE URBANA .............................. 79

TABELA 9 - OBJETIVOS DO MILÊNIO, REGIÃO METROPOLIT. CURITIBA–ORBIS. 82

Page 10: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

18

1 INTRODUÇÃO

O ambiente natural tem sido modelado ao longo da evolução do homem

e sua consequente antropização do espaço. A harmonia do homem com a

natureza foi rompida devido ao crescimento desordenado e sem

planejamento, posteriormente agravada do mercado imobiliário e as

consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a

desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

do meio natural. O modelo social capitalista é um dos fatores que tem

perpetuado esta situação, pois este passou a usar a natureza de maneira

predatória, comprometendo os recursos naturais e gerando estruturas e

resíduos que podem vir a colocar em risco à sobrevivência equilibrada do ser

humano, e sua existência.

Quando se pensa em alteração da matéria natural em espaço edificado

e, consequentemente, constituindo-se cidades, há uma dissociação

espontânea entre o natural e o artificial face às necessidades humanas de

habitat e abrigo para os eventos de sua vida e sociedade.

Considera-se que o espaço construído compreende os planos e políticas

propostas para a melhoria da vida humana. Vincular o planejamento urbano e

regional ao projeto de arquitetura e urbanismo não só como elemento

regulador, mas também como elemento produtivo da morfologia das cidades,

é fundamental na constituição de espaços coerentes às necessidades

humanas e ambientais da atualidade e do futuro.

A nova visão consiste que os avanços tecnológicos, a difusão do

conhecimento e da conscientização ambiental, bem como as recentes

projeções demográficas, caminhando para a estabilidade apontam para uma

perspectiva mais positiva e coerente no sentido de sustentabilidade da

espécie humana para o futuro, fazendo coexistir o conceito de progresso

humano sustentável.

Assim sendo, este trabalho versa sobre algumas questões atinentes à

arquitetura e ao urbanismo dentro da ótica da sustentabilidade

contemporânea, buscando interpretar as diversas escalas urbanas e seus

Page 11: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

19

sistemas, as teorias dessas novas práticas de planejamento e o entendimento

aplicado nos conceitos de morfologia existentes.

Nesse sentido ainda, a presente pesquisa tem por base a

sustentabilidade urbana e suas ferramentas potenciais aplicadas para a

cidade, como alternativa e nova condição para a urbanidade.

Page 12: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

20

2 URBANISMO SUSTENTÁVEL

2.1 CONCEITO E DEFINIÇÕES

O conceito de sustentabilidade foi criado por Lester Brown no início da

década de 80 no Worldwach Institute1. Foi definido que “uma sociedade

sustentável é aquela capaz de satisfazer suas necessidades sem

comprometer as chances de sobrevivência das gerações futuras”. Alguns

anos depois foi utilizado pela Comissão Mundial do Meio Ambiente e

Desenvolvimento, através do Relatório Brundtland de 1986, a mesma

definição para apresentar a noção de desenvolvimento sustentável.

Em 1996, foi criada a Carta do Novo Urbanismo, documento de

referencia do Congresso do Novo Urbanismo, formado por profissionais cujo

objetivo foi o de formalizar um enfoque para o urbanismo explorando as

possibilidades reais do desenvolvimento das cidades norte-americanas

(MACEDO, 2007).

O movimento surge basicamente como resposta ao incontido

crescimento dos subúrbios nos Estados Unidos, espécie de grandes

urbanizações que, sem ser cidade ou campo, tampouco conseguem definir

um caráter próprio entre esses extremos que lhes dê um sentido de lugar. Os

subúrbios norte-americanos, fato que ocorre também nas cidades satélites

que crescem nas imediações das grandes cidades venezuelanas, carecem de

uma adequada mescla de funções que permita a um grupo significativo de

seus habitantes trabalhar e desenvolver outras atividades sociais em sua

própria vizinhança. As pessoas dependem excessivamente de seus

automóveis privados, porque o transporte público, quando existe, é

insuficiente ou não está adequadamente ligado à rede urbana para acessar

facilmente.

1 O WWI-Worldwatch Institute, sediado em Washington, destaca-se na promoção de uma

sociedade ambientalmente sustentável, onde as necessidades humanas sejam atendidas sem ameaças à

saúde da natureza. Busca atingir seus objetivos através de pesquisas interdisciplinares e apolíticas,

montando cenários sobre as emergentes questões globais, e difundindo os resultados através de

publicações, editadas em vários idiomas.

Page 13: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

21

Os projetistas do Novo Urbanismo, cujo estilo lhes conferiu também o

título de Neotradicionalismo, ou Urbanismo Sustentável, estão a favor de

comunidades menores e densas que os subúrbios tradicionais, com limites

definidos e onde exista uma adequada mescla de funções que incorporem

espaços de recreação, comerciais, institucionais e de serviço, em estreita

vinculação com residências de vários tipos. Estas habitações seriam

acessíveis a diversos grupos socioeconômicos, e seriam apropriadas de

maneira em que propiciem a diversidade também em termos de idade, sexo,

raça, etc. As viagens para fora da vizinhança são minimizadas, reduzindo a

dependência do carro e a contaminação e o consumo de energia que esta

gera. As distâncias de um lugar a outro poderiam ser percorridas a pé, e se

podia chegar caminhando até às estações de transporte público (ônibus,

trens, metrôs e outros, segundo o caso), que conectem com outras

comunidades similares. Todas estas características propiciariam o caráter

único do lugar e a sensação de pertencimento à comunidade do grupo de

habitantes que ali convivem. (IRAZÁBAL, 2001).

Em definição, a Carta estabeleceu princípios associados à formação do

espaço regional, da cidade, e do bairro, com a intenção de: organizar

sistemas regionais articulando áreas urbanizadas centrais com as cidades

menores em setores bem delimitados do território, evitando a ocupação

dispersa; valorizar a acessibilidade por transporte coletivo; favorecer a

superposição de uso do solo como forma de reduzir percursos e criar

comunidades compactas; estimular o processo de participação comunitária, e

retomar os tipos do urbanismo tradicional relativos ao arranjo das quadras e

da arquitetura. Com atenção para a articulação do sistema de transportes e

para conceitos de compacidade do espaço urbano e do projeto de paisagem

como um todo, o Novo Urbanismo, depende de um planejamento urbano e

regional, da qualidade dos projetos locais e do desenvolvimento das

comunidades. O Novo Urbanismo ou Urbanismo Sustentável, como também é

chamado, passou a ser compreendido como algo que expressa à vontade das

pessoas por um ambiente melhor.

Segundo Ruano (2000), o Urbanismo Sustentável é uma nova disciplina

que articulam múltiplas e complexas variáveis e incorpora uma aproximação

Page 14: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

22

sistêmica ao desenho urbano com uma visão integrada e unificada, trazendo

como consequência, a superação da divisão clássica do urbanismo tradicional

e seus critérios formais e estilísticos. A partir desse novo paradigma deve-se

estabelecer uma relação dialética entre o planejamento urbano e o desenho

urbano.

Para Sachs (1993), as estratégias de “ecodesenvolvimeto” para os

países em vias de desenvolvimento podem ser triplamente vencedoras, pois,

além de promover o progresso social por meio de geração de empregos e

contribuir para melhorar o meio ambiente, são economicamente justificáveis

na medida em que as atividades que geram uma economia de recursos se

autofinanciam.

Na sua visão, as cidades poupadoras de recursos ou assentamentos

urbanos sustentáveis devem ser vistos como ecossistemas, pois existem

recursos que são subutilizados ou mal-utilizados, tais como: terras

agriculturáveis, lixo reciclável, potencial para conservação de energia e água,

potencial para poupança de recursos de capital, mediante a melhor

manutenção de equipamentos, infra-estruturas e imóveis.

“... O aproveitamento desses recursos pode

representar não só importante fonte de empregos,

financiada pela poupança de recursos, mas ainda, um

meio para melhorar as condições ambientais” (SACHS,

1993).

Defendendo um outro conceito dessa linha, Girardet (2003) afirma que

cidades ecológicas são aquelas que apresentam um metabolismo circular,

onde tudo é planejado e reaproveitado como um ciclo, onde existe a

consciência ambiental dos gestores e dos cidadãos.

De acordo com Capra (2002), a chave para se implantar comunidades

humanas sustentáveis é observar os ecossistemas naturais, ou melhor,

compreender como eles se organizam a fim de maximizar sua duração e

empregar este conhecimento na construção de assentamentos humanos

duradouros. O diagnóstico para intervenções futuras deve-se basear em

princípios ecológicos de organização, comum a todos ecossistemas os quais

Page 15: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

23

desenvolveram para sustentar a teia da vida -a compreensão sistêmica da

vida.

Uma vez estabelecidos certos princípios, eles não se modificam em

função de culturas, hábitos, estilos ou modismos. No entanto, a forma na qual

devemos aplicá-los, depende de cada bio-região com seus aspectos físicos

(geologia real, topografia e ecologia), culturais e socioeconômicos. E, assim

como o estabelecimento de padrões de qualidade ambiental, tradicionalmente

é traduzido em normas, neste tema específico podem ser traduzidos em

princípios de sustentabilidade aplicados ao desenho urbano.

2.2 O MODELO DE SUSTENTABILIDADE : CIDADE DISPERSA VERSUS

CIDADE COMPACTA (SILVA E ROMERO, 2010)

A sustentabilidade urbana possui sua ênfase nas esferas social e de

comunidade, já que os principais problemas urbanos têm sua origem nas

relações humanas. Por outro lado, a expansão urbana nega os limites

naturais impostos aos recursos finitos do planeta, colocando em conflito o

sistema econômico vigente que promulga o desenvolvimento ilimitado do

capital.

O urbanismo atual das cidades é considerado disperso e gera problemas

ambientais, face ao espalhamento da malha urbana sobre a paisagem

natural, eliminado florestas, se apropriando dos recursos naturais,

aumentando a demanda por consumo e energia, produzindo resíduos em

excesso como resultados do modelo de consumo. A dispersão urbana exige

intenso uso de veículos para transporte de mercadorias e pessoas (em âmbito

local, urbano, regional, nacional e internacional) que acarretam a poluição do

ar através da emissão de gases provenientes de combustíveis fósseis nos

diversos meios e redes de transporte, bem como da impermeabilização do

solo decorrentes da pavimentação excessiva, que além de exercer sérios

danos ao ciclo hidrológico, proporciona enchentes face à deficitária

infraestrutura urbana, bem como impacta o clima urbano de forma

considerável.

Page 16: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

24

Como movimento urbano alternativo a esse panorama, discussões são

postas sobre a realidade vigente das cidades, questionando e propondo

modelos urbanos que correspondam às novas necessidades ambientais e de

qualidade sustentável. Sobre essa lógica de compacidade, ROGERS (2001)

propõe a redução das distâncias urbanas como incentivo ao caminhar do

pedestre ou ao uso de bicicletas. ACSELRAD (2004) por sua vez, propõe,

além da compactação urbana, a descentralização dos serviços, partindo das

áreas centrais para as periferias, o que promoveria um espaço urbano menos

segregado e mais igualitário. Para o autor, é vital a inclusão das áreas

periféricas na cidade formal, estabelecendo a distribuição dos serviços e

equipamentos urbanos, integrando centro e periferia, bem como o público e o

privado. Porém, o autor toca na questão da necessidade de controle

demográfico paralela às mudanças no processo de gestão urbana.

Para Rueda , a análise entre os dois modelos opostos de ocupação urbana –

a cidade compacta e a difusa – permite estabelecer critérios de análise que

comparam a eficácia dos sistemas. A minimização do consumo de materiais,

energia, e água, bem como a otimização de infraestrutura, o aumento da

Figura 1 - Diagramas representativos de um urbanismo disperso, focado no zoneamento rígido das funções

urbana e promoção de monofuncionalismo para uso do automóvel em grandes distâncias, e a alternativa

sustentável de urbanização compacta que encurta as distâncias para o pedestre e bicicleta, sobrepõe

funções e induz à diversidade. Fonte: ROGERS, 2001 por SILVA e ROMERO, 2010

.

Page 17: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

25

complexidade dos sistemas e coesão social destacam a supremacia do

modelo compacto sobre o difuso na promoção da sustentabilidade urbana.

Comparação dos modelos de cidade difusa e compacta: manutenção e

aumento da organização do sistema urbano [RUEDA, 1999: 17/ Adaptação e

tradução do autor (2010)]

Tabela 1 - Comparação dos modelos de cidade difusa e compacta desde o marco da unidade sistema-

entorno: pressão sobre os sistemas de suporte por exploração. Fonte: RUEDA, 1991 por SILVA e

ROMERO, 2010.

Tabela 2 - Comparação dos modelos de cidade difusa e compacta: pressão sobre os sistemas de suporte

por impacto. Fonte: RUEDA, 1999 por SILVA e ROMERO, 2010.

Page 18: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

26

No campo do embate entre os arquétipos urbanos de ocupação

territorial, as pesquisas de Rueda destacam dois modelos de cidades

representados pela cidade compacta e complexa, e pela cidade difusa e

dispersa no território. O autor afirma que estes modelos não se encontram em

estado puro, podendo-se identificar cada modelo respectivamente por meio

das suas características mais próximas. Atualmente, segundo Rueda, a

tendência urbana é a implantação de usos e funções de modo mais disperso,

baseado na localização das atividades econômicas nas redes que o

urbanismo vai desenhando, chamado de planejamento funcionalista.

Tabela 3 - Comparação dos modelos de cidade difusa e compacta: manutenção e aumento da organização

do sistema urbano. Fonte: RUEDA, 1999 por SILVA E ROMERO, 2010.

Page 19: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

27

Figura 2 – Modelo de cidade dispersa (difusa). Fonte: RUEDA, 1999.

Figura 3 - Modelo de cidade compacta. Fonte: RUEDA,1999.

Page 20: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

28

As conexões no sistema urbano das cidades difusas se realizam através

das redes viárias, as quais promovem a dispersão urbana, pois se

transformam em um verdadeiro estruturador do território. O produto desse

formato urbano é um espaço segregado que separa socialmente a população

no território disperso. Esta imposição de transporte e locomoção em grandes

distâncias implica em inúmeros transtornos: congestionamentos, emissão de

gases, ruídos, acidentes e aumento do tempo no transporte de pessoas,

serviços, materiais e mercadorias. As soluções para a crescente demanda

urbana consistem no aumento do sistema viário, agravando com isto a

dispersão territorial e o consumo de energia.

O modelo de cidade compacta oferece uma forma estrutural de

utilização do subsolo urbano, facilita a ordenação pela proximidade e pela sua

maior regularidade formal. O transporte público pode ser mais racional e

eficiente, reduz o número de carros e libera o tráfego das ruas. Este modelo

melhora a paisagem urbana e o espaço público e, ao mesmo tempo, não

causa tantos impactos como os observados nas cidades difusas. (SILVA e

ROMERO, 2010.)

Ainda segundo Rueda, a análise da diversidade que permite a ideia do

mix e das densidades de usos e funções nas trocas de informação em um

espaço concreto verifica que os portadores de informação nas cidades difusas

são homogêneos, limitadas e lineares, enquanto que nas compactas o

número de portadores de informação é elevado e diversificado. Assim, “(...)

aumentar a diversidade é impregnar à cidade de oportunidades, trocas de

informação, a diversidade gera estabilidade oferecendo condições de fluxo”.

Page 21: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

29

Quanto à construção de indicadores para a cidade e seu metabolismo,

Rueda afirma que um indicador urbano “(...) é uma variável dotada de

significado agregado com relação a um fenômeno, além da sua própria

representatividade” (RUEDA, 2002). Assim, conforme o autor, a diferença

entre os sistemas de indicadores e de um índice urbano fica explicita nos

seguintes termos:

“Un indicador urbano es pues una variable que ha sido socialmente

dotada de un significado añadido al derivado de su propia

configuración científica, con el fin de reflejar de forma sintética a

una preocupación social con respecto al medio ambiente e

insertarla coherentemente em el proceso de toma de decisiones.

(...) Un índice urbano posee las mismas características que el

indicador pero su carácter social es aún más acentuado, dada la

aleatoriedad que rodea todo proceso de ponderación. El beneficio

obtenido se traduce en una mayor síntesis de la información

relevante y una mayor eficácia como input en la toma de

decisiones.

El sistema de indicadores urbanos es un conjunto ordenado de

variables sintéticas cuyo objetivo es proveer de una visión

totalizadora respecto a los intereses predominantes relativos a la

realidad urbana de que se trate”. RUEDA, 1999.

Figura 4 - Portadores de informação na urbanização, comparando-se a cidade difusa e monótona à

esquerda, e a cidade compacta e diversa à direita. Fonte: Rueda, 2002.

Page 22: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

30

Por esta abordagem, Salvador Rueda trabalha os indicadores no marco

de análise em que se realiza, ou seja: Pressão-Estado-Resposta, conforme

proposta dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e

Desenvolvimento Econômico), baseado no conceito de causalidade. A

pressão fica gerada como conseqüência das políticas ambientais, setoriais e

econômicas perante a alteração dos recursos naturais pelo impacto das

atividades humanas. Os sistemas urbanos exploram os sistemas de suporte

extraindo deles a matéria prima e, por sua vez, os materiais e energia

extraídas do entorno chegam às cidades transformadas em bens de

consumo. O modelo de gestão é que organiza os fluxos e o consumo,

aumentando ou diminuindo os impactos por antecipação.

Rueda, detalha o modelo de gestão na unidade sistema-entorno como

uma relação entre o metabolismo urbano, a ordenação do território e o seu

funcionamento. Assim, tal sistema realiza-se por meio de fluxos:

A) a pressão na exploração das matérias primas sobre o suporte do entorno;

B) a transformação dos materiais e energias desse entorno de modo a manter

ou aumentar a complexidade do sistema e; por último,

C) os modelos de gestão que organizam estes fluxos e determinam o grau de

exploração do entorno como os impactos antrópicos deste e do sistema

urbano, sendo este vital à permanência e sustentabilidade do sistema urbano.

Esquema: (1) Os sistemas urbanos exploram os sistemas de suporte

extraindo matérias primas e exercendo uma primeira pressão sobre eles. Esta

Figura 5 - Esquema gráfico da unidade sistema-retorno. Fonte: Adaptado de RUEDA (1999) por SILVA E

ROMERO, 2010.

Page 23: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

31

exploração exercerá maior ou menor impacto na organização dos sistemas de

suporte (complexidade do entorno), em função de sua intensidade e da

fragilidade do próprio entorno (sensibilidade); (2) Os materiais e a energia

extraídos do entorno chegam à cidade mais ou menos transformados e

elaborados (matérias primas e bens de consumo) de modo que permita a esta

manter e aumentar, caso necessário, sua organização (complexidade do

sistema); e (3) Os modelos de gestão (são os que podem aumentar ou

diminuir nossa capacidade de antecipação), organizam os fluxos e o consumo

de recursos. Os modelos determinam o grau de exploração do entorno e o

impacto antrópico que provocam sobre o próprio sistema urbano.

2.3 URBANISMO SUSTENTÁVEL NO BRASIL

Entre as décadas de 1940 a 1950, ocorre no Brasil uma alteração do

cenário territorial decorrente, nesse período, da industrialização. Contudo, de

acordo com Romero e Silva, o sentido da industrialização não pode ser

remetido de forma estrita como significado de criação de atividades industriais

nos lugares, mas sim como um processo social mais amplo e complexo, de

alteração da conjuntura nacional e formação de mercado interno. Surge,

assim, um intrincado sistema produtivo subdividido entre primário, secundário

e terciário, impulsionado pelo consumo e pela vinda de imigrantes (iniciadas

um século antes, em substituição da mão-de-obra escrava), com mão-de-obra

atuante, inclusive, na indústria européia, e decorrente do período entre

guerras mundiais e, principalmente, do pós-Segunda Guerra Mundial. Período

este que ocorre a integração territorial nacional segundo Santos, almejada

desde a fase colonial brasileira.

Há assim um processo de urbanização iniciado, integrado à escala

nacional – não mais regional – e apoiado por um crescimento contínuo e

sustentável das cidades médias e grandes, juntamente a um aumento

demográfico considerável. No campo, o declínio das atividades agrícolas do

café, capitalizam investimentos na indústria, assim como os investimentos

getulistas entre as décadas de 1930 e 1950, em infraestrutura (energia,

comunicação, transporte, escoamento e logística produtiva), implementação

de leis trabalhistas e fortalecimento das forças armadas (ideário de integração

Page 24: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

32

e defesa nacional), potencializam e possibilitam a industrialização e

urbanização das décadas seguintes.

Entre as décadas de 1940 e 1980, o Brasil assiste a um processo de

inversão quanto ao habitat da população. Se em 1940 a taxa de urbanização

era de 26,35%, em 1980 chega a 68,86%. Nesse período a população total do

país triplica, ao passo que a população urbana multiplica-se por sete vezes e

meia (36). Se em 1991 a população total urbana era de 77%, entre os

146.825.475 habitantes, em 2000, esse percentual já ultrapassa a casa dos

80% dos 169.799.170 habitantes (37). As projeções demográficas apontam

para 263,7 milhões de habitantes em 2062 – ponto máximo da curva

demográfica –, e 245,6 milhões em 2100 (38).

*Projeção demográfica do Brasil entre a década de 1970 e 2010

* Estimativas populacionais do IBGE, com base em 2000 - Revisão 2008

** Censo IBGE 2010 – Dados Parciais.

Tabela 4 - Projeção demográfica do Brasil. Fonte: IBGE (2000, 2004, 2008, 2010); CNM (2010).

Page 25: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

33

Conforme a análise, os resultados da projeção populacional brasileira

apresentados pelo IBGE (2004: 47; 2008: 74-77), em 2000 o país possuía

171,3 milhões de habitantes o que significa, em âmbito mundial, a 5ª

colocação no ranking dos 192 países investigados pela ONU, atrás da China

(1.275,2 mi), Índia (1.016,9 mi), EUA (285,0 mi) e Indonésia (211,6 mi). Por

volta de 2050, a população brasileira poderá atingir os 215,3 milhões de

habitantes, situando o país na 8ª posição mundial, precedido pela Índia

(1.658,3 mi), China (1.408,8 mi), EUA (402,4 mi), Indonésia (296,8 mi),

Paquistão (292,2 mi), Nigéria (288,7) e Bangladesh (254,1 mi). Partindo-se

desses dados, nota-se que a população do Brasil atingiu 181 milhões de

habitantes em 2004, ou seja, quase o dobro dos 93 milhões de habitantes em

1970. Em 34 anos, a população nacional praticamente duplicou, o que refletiu

na atual configuração urbana das cidades brasileiras. ( ROMERO e SILVA,

2010)

No período de 2002 a 2007, a população cidades médias cresceu à taxa

de 2% ao ano, mais que as taxas das cidades grandes (1,66%) e das cidades

pequenas (0,61%). Do ponto de vista populacional, as cidades grandes e

pequenas encolheram entre 2000 e 2007, enquanto as médias cresceram. As

médias concentravam 23,8% da população em 2000 e passaram a 25,05%

em 2007. As grandes caíram de 29,81% para 29,71%, e as pequenas, de

46,39% para 45,24%, no mesmo período.

Tabela 5 - Dados demográficos referentes à população urbana nacional. Fonte: CNM, 2010.

Page 26: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

34

Houve, essencialmente após a década de 1970, uma interiorização do

crescimento demográfico e desenvolvimento socioeconômico, o que Milton

Santos (2009) denominaria de fenômeno da desmetropolização brasileira (ou

a “dissolução da metrópole”). Dentre os diversos fatores que imperam nesse

processo, está a especulação do capital transnacional e o avanço da fronteira

capitalista sobre o interior do país – especialmente sobre as regiões Centro-

Oeste e Norte. A busca por regiões inexploradas, de recursos abundantes,

mão de obra e terra barata, conectadas cada vez mais por uma logística de

infraestrutura e configurada por redes, são as condicionantes decisivas para a

dinamização das economias do interior do Brasil, levando junto ao avanço da

agricultura, investimentos e capitais de toda a cadeia agroindustrial.

A terceirização da economia das metrópoles aliada à atração que

exercem as cidades médias na oferta de espaços, negócios, serviços e,

sobretudo, de mais qualidade do que as condições encontradas nas

pequenas cidades (com escassez de serviços, oportunidades e de dinâmica

limitada) e com menos conflitos, custos e congestionamentos do que as

grandes metrópoles. Por outro lado, a globalização cria novas necessidades e

particularidades de organização, pois os grandes centros urbanos não

necessariamente serão os lugares de atividades financeiras, mas

polarizadores de negócios ou mesmo sedes das grandes corporações. Estes

últimos são decorrentes certamente do avanço tecnológico dos meios de

comunicação e informatização, possibilitando uma logística muito mais

complexa e em tempo real, encurtando as distâncias entre o setor produtivo e

o mercado consumidor. Um exemplo desse fenômeno no Brasil é a

transformação de cidades interioranas de porte médio em pólos de logística e

distribuição de mercadorias.

Essa intrincada relação de planejamento urbano e regional entre o

Estado e municípios pode determinar uma lógica urbana decisiva para a

projeção futura de uma cidade, garantindo sucessos sustentáveis ou, do

contrário, sedimentando cenários de degradação e decrescimento.

A percepção desses fenômenos de conjuntura global frente aos

desmembramentos nacionais, regionais e locais, é vital na compreensão em

escalas do urbano. Assim, percebem-se as macroestruturas para que,

Page 27: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

35

posteriormente, compreendam-se as meso e microestruturas urbanas e

regionais. A noção de escala do urbano se faz essencial na análise e

entendimento da qualidade das cidades contemporâneas, pois assim se

entende o enlace entre o global, o nacional, o regional e o local, bem como se

aceita a configuração das cidades a partir de um intrincado sistema de redes

ou nós.

Neste caso, as cidades brasileiras sofrem pela falta de abordagem

técnica e metodológica do urbano, o que resulta em uma visão fragmentada e

cartesiana, do conjunto pela gestão urbana e atores econômicos

especulativos. Entretanto, a abordagem em escalas pode traduzir e interpretar

a cidade a partir de análises macro, meso e micro, e seus atributos e

indicadores podem variar de acordo com as especificidades urbanas e

regionais que exercem maior ou menor impacto na urbanização.

No Brasil, então, é após a criação do Ministério das Cidades, em 2003,

as políticas urbanas e habitacionais passam a ser planejadas de uma forma

descentralizada, como já estava premeditado na Constituição, contudo,

ordenada e integrada através das esferas Federal, Estaduais e Municipais.

Vislumbrando o combate às desigualdades sociais e sob o objetivo de

transformar um Brasil em crescente urbanização e metropolização com

espaços urbanos de melhor qualidade de vida, Romero e Silva, definem que o

Ministério das Cidades foca suas ações também no acesso à moradia para a

grande parcela da população excluída da “cidade formal”.

Questões referentes à “(...) política de desenvolvimento urbano e das

políticas setoriais de habitação, saneamento ambiental, transporte urbano e

trânsito”, passam a ser da visão do ministério, que busca promover projetos

de infraestrutura urbana (saneamento ambiental, acessibilidade,

pavimentação, energia elétrica), equipamentos urbanos e áreas verdes e,

paralelamente, objetivando implementar planos e projetos habitacionais.

(ROMERO e SILVA, 2010).

.

Page 28: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

36

3 ESTUDOS DA MORFOLOGIA URBANA

3.1 ORIGEM E CONCEITOS

A Morfologia Urbana surgiu a partir de um questionamento das atitudes

modernistas em relação às cidades históricas e as relações sociais que as

regem. Aldo ROSSI (1966), famoso arquiteto neo-racionalista italiano, discute

a arquitetura da cidade e sua reconhecida importância reside em seu apelo à

comunidade histórica e à importância formal da cidade. Estuda-se Aldo

ROSSI pois ele é tido como o especialista mais reconhecido entre os que

estudam a Morfologia Urbana. Para ele, a recuperação da dimensão

arquitetônica das cidades deve passar pela valorização dos monumentos,

entendidos como elementos urbanos mais visíveis e constantes no tempo.

Esta valorização se expressa na estruturação da organização física do tecido

e na combinação dos elementos urbanos. (DEL RIO, 1990)

A Morfologia Urbana é entendida como o estudo analítico da produção e

modificação da forma urbana no tempo. DEL RIO ainda cita que ela estuda,

portanto, o tecido urbano e seus elementos construídos formadores através

de sua evolução, transformações, inter-relações e dos processos sociais que

os geraram. Assim é possível identificar formas mais apropriadas cultural e

socialmente para as futuras intervenções no espaço urbano.

É através da Morfologia Urbana que buscamos compreender as lógicas

físico-territoriais e as lógicas sociais, elementos que definem as

permanências, continuidades e características formais dos elementos

urbanísticos, sejam eles: eixos, articulações, bloqueios, alterações de nível,

acessos, escalas, ritmos, etc. (WERNECK, 2006)

3.1.1 Temas e Elementos Morfológicos do Espaço Urbano

De acordo com REL RIO, ao se analisar uma cidade, esta pode ser

compreendida com três níveis de organização: o coletivo, o comunitário e o

individual, em torno aos quais se estruturam todos os significados e onde

acontecem as apropriações sociais. O nível ou dimensão coletiva é o que

possui uma lógica estruturadora percebida inconsciente e coletivamente;

Page 29: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

37

envolve portanto o conjunto de elementos primários do tecido e se verifica

uma maior permanência no tempo. A dimensão comunitária traz aqueles

elementos e uma lógica com significados especiais apenas para uma parte da

população, é o caso dos bairros. Em terceiro, a dimensão individual, onde são

expressos os significados individuais, se resumem a residência e seu espaço

imediato.

Com essas categorias são sugeridos alguns temas e elementos para a

pesquisa morfológica, expondo as lógicas evolutivas e estruturadoras da

cidade. (DEL RIO, 1996)

3.1.2 Traçado e Parcelamento

Dentre as múltiplas definições de tecido urbano, PANERAI descreve que

este é constituído pela superposição ou imbricação de três conjuntos: a rede

de vias, os parcelamentos fundiários e as edificações. A análise do tecido

urbano é feita pela identificação de cada um desses componentes e suas

relações com o espaço. Desse modo, estabelecer as relações entre os

traçados e o sistema viário com os edifícios públicos revela a estrutura que

compõem a formação da cidade no sítio. Para esta análise segundo DEL RIO,

se faz uso de um mapa figura-fundo2, ferramenta que defina a relação entre

os domínios público e privado, assim como outras relações morfológicas

importantes como distância e acessibilidade e a relação entre cheio e vazios.

Figura 6.

2 Técnica desenvolvida pelo famoso topógrafo Giovan Battista NOLLI, em 1748, ao desenhar

um mapa preciso e completo de Roma.

Page 30: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

38

Para PANERAI, o parcelamento das quadras está intrinsecamente ligado

à questão fundiária e formação dos lotes. A parcela não é um terreno a ser

ocupado de quaisquer maneiras, mas uma unidade de solo urbano

organizado a partir da rua, elemento básico deste estudo. A observação dos

grafos nos possibilita identificar os limites das propriedades e a implantação

dos edifícios. A análise parcelar e suas características de formação podem

proceder utilizando diversas ferramentas, ou, diversos pontos de vista, uns

ressaltando as regularidades e agrupamentos, outros as fragmentações e as

singularidades.

3.2 PRINCÍPIOS SUSTENTÁVEIS ASSOCIADOS À MORFOLOGIA

URBANA

O planejamento e desenho urbano baseado na ótica do urbanismo

sustentável têm três eixos fundamentais à habitação, a infraestrutura e a

Figura 6 - Mapa figura-fundo, ferramenta de identificação das relações entre domínios

público e privado. Fonte: Arquivo pessoal, 2007.

Page 31: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

39

paisagem e, assim como nos ecossistemas, fazem parte de um sistema

integrado onde tudo é interligado e reaproveitado - como um ciclo. Tudo que

sai do sistema de produção deve ser reaproveitado, através de sistemas

circulares de água, esgoto, energia e alimentos, reduzindo o impacto sobre o

meio ambiente e aumentando o rendimento geral da comunidade.

Os sistemas de infraestrutura interrompem o ciclo natural da água, ou

melhor, o ciclo hidrológico, com a crescente impermeabilização dos solos e

rede de drenagens artificiais que carregam águas pluviais e detritos lançados

nas ruas para rios e lagos, contribuindo para o seu assoreamento. Além

disso, em alguns casos, as redes de águas pluviais recebem redes de

esgotos clandestinos que deságuam em locais com águas limpas sem

nenhum tratamento prévio.

Explorando a cidade como um organismo vivo, REGISTER (2002) faz

uma analogia da anatomia da cidade com a anatomia humana. As ruas, redes

de água, esgoto, drenagem e gás funcionam como o Sistema Circulatório, a

arquitetura com seus elementos verticais funciona como apoio, similar ao

Sistema Esquelético, os alimentos e os combustíveis funcionam como o

Sistema Digestivo, que transformam a energia armazenada. Os sistemas de

tratamento de água ou compostagem funcionam com um Sistema de

Filtragem e Reciclagem e, os lixos incineradores e saídas de esgotos atuam

como o Sistema de Excreção. Este tratamento pode ser interessante para

efeitos de educação ambiental da população, mas para o urbanismo o

desempenho das atividades tem que estar associado à morfologia, no lugar

ou sítio em que cada cidade está implantada.

A anatomia do habitat construído é essencial para suavizar ou conectar

cada uma dos condicionantes do desenvolvimento de uma cidade. Funciona

como um organismo que move a maior parte da riqueza e consumo e

organiza as tecnologias para maximizar trocas e minimizar deslocamentos. A

qualidade e o conteúdo das trocas no meio ambiente são determinados pelo

espaço urbano por meio da forma física e arranjo de suas partes num

entendimento sistêmico.

Page 32: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

40

O desenho das ruas, ou mais precisamente, a morfologia urbana é o

elemento estruturador dessa anatomia. Entretanto, se as ruas forem

projetadas visando o máximo de aproveitamento da mobilidade humana, a

morfologia torna-se menos importante, pois pedestres exigem menos

infraestrutura. Torna-se inevitável, porém, associar o layout às estratégias de

redução de impacto dos sistemas de infraestrutura, uma vez que esses

sistemas constituem um meio de ligação significativa (subterrânea) entre a

cidade e o meio natural. Cabe ao projetista então uma série de estratégias ou

princípios associados à morfologia para assegurar a sustentabilidade

ambiental.

No entanto, até chegar a forma ideal para essas “Eco cidades”, que

dependem essencialmente do local em que estão inseridas, é imprescindível

estabelecer alguns princípios norteadores para a sua construção.

Existem autores que já estabeleceram alguns princípios tais como: Paolo

Soleri na década de 60 para a construção de Arcosanti, Bill Mollisson com os

princípios da Permacultura nos anos 70, Paul Downton para Ecopolis em

1998, Willian Mc Donough Associates para a Feira Mundial de Hanover em

2000, etc.

Os princípios para Ecópolis do australiano Paul Downton de 1997 são

uma evolução dos princípios da Permacultura para o desenho de cidades.

Tais princípios são apontados por REGISTER (2002): restaurar terras

degradadas, adequar-se a bio-região, desenvolvimento equilibrado, conter a

expansão urbana (criar cidades compactas), otimizar o desempenho

energético, contribuir para a economia, proporcionar saúde e segurança,

instaurar um sentido de comunidade, promover a equidade social, respeitar a

história, enriquecer a paisagem cultural e curar a Biosfera.

DAUNCEY (2001) coloca que existem alguns princípios que podem

orientar a implantação e recuperação de comunidades com impactos

significantes e de longo alcance no seu desenvolvimento econômico e na

saúde social e ambiental. Tais princípios são: proteção ecológica

(biodiversidade), adensamento urbano, revitalização urbana, implantação de

centros de bairro e desenvolvimento da economia local, implementação de

Page 33: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

41

transporte sustentável e moradias economicamente viáveis, comunidades

com sentido de vizinhança, tratamento de esgoto alternativo, drenagem

natural, gestão integrada da água, energias alternativas e finalmente as

políticas baseadas nos 3R’s (reduzir, reusar e reciclar).

Na verdade esses princípios não podem ser relevantes para todo

empreendimento local, mas eles formam uma estrutura sistêmica e integrada

que nos ajudam a entender o potencial para implantar assentamentos

urbanos sustentáveis, que precisam ser considerados.

Segundo ROMERO (2002), cada escala é capaz de identificar diferentes

tipos de estrutura ambiental, por meio de sua vulnerabilidade e alternativas de

uso, assim como, os níveis de degradação ambiental, os aspectos de

diversidade ambiental, de socioeconomia, de estética e de cultura. Para a

autora, são quatro as escalas de análise: a grande dimensão das estruturas

urbanas, a escala intermediária da área, as dimensões específicas do lugar e

do edifício.

3.3 A IMAGEM DA CIDADE E SEUS ELEMENTOS

Segundo Lynch cada indivíduo constrói a sua imagem particular das

partes da cidade, estas que se complementam entre si, constituindo assim um

quadro mental coletivo da realidade física da urbe. Por outro lado, cada

indivíduo produz um juízo de valor sobre as condições de qualidade ambiental

da cidade, conforme seus interesses, necessidades, objetivos e expectativas

de vida, relativizando a noção de “qualidade” para cada pessoa. Assim, a

qualidade urbana não pode ser percebida e avaliada apenas sob aspectos

morfológicos, ou seja, ela não pode ser pensada e planejada sob apenas o

visível, o sensível (paisagem, estrutura e forma), mas também a partir das

questões fisiológicas que se referem às atividades humanas, sua interação

coletiva, sua diversidade. (SILVA e ROMERO, 2010). Dessa maneira,

percebe-se que muitos dos elementos visíveis são constituídos de elementos

invisíveis em termos formais e estéticos, pois são expressos através da

comunicação, das mensagens (muitas vezes subjetivas), da riqueza de

estímulos, informações e significado.

Page 34: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

42

Silva e Romero, definem a cidade como um sistema espacial complexo,

composto de ruas, praças, bairros, redes, limites, multiplicidades de lugares,

todos perceptíveis enquanto sistema isolado e enquanto elementos em

sequencia e conectados, mas que contém uma essência de uso, função,

vivência ou sentimentos, lugar onde o físico se conecta ao abstrato e

subjetivo. Esses fragmentos do urbano são carregados de mensagens,

símbolos e signos que podem trazer impressões e informações sobre a

sociedade que a criou, sobre sua história, sua cultura, suas relações

socioeconômicas, sua origem, seu desenvolvimento.

Com o objetivo de interpretar a cidade de uma forma total enquanto um

conjunto de diversos elementos e a partir do olhar dos indivíduos, na década

de 1960, Kevin Lynch, definiu cinco elementos básicos para interpretação do

urbano, que constituiriam a “imagem da cidade”, são eles:

Vias – são os canais de circulação ao longo dos quais o observador se

locomove de modo habitual, ocasional ou potencial, podendo ser

ruas, alamedas, linha de trânsito, canais, ferrovias. Para muitos

esses elementos são predominantes, pois são percebidos a partir do

deslocamento dos indivíduos, se relacionando com outros elementos

ambientais ao longo do trajeto.

Limites – São elementos lineares não usados ou entendidos como

vias pelo observador, constituindo-se me fronteiras entre duas

fases, quebras de continuidade lineares: praias, margens de rio,

lagos, muros, vazios urbanos, morros, vias, linhas de infraestrutura,

etc;

Bairros – São regiões médias ou grandes da cidade, dotados de

extensão bidimensional. O observador penetra “mentalmente”

nesses lugares e os reconhece devido suas características

específicas que os dão identidade, podendo ser percebido a partir

do interior ou do exterior, dependendo do indivíduo, e seu modo de

observação, ou ainda da cidade.

Pontos Nodais (ou núcleos) – São os pontos, os focos de atividades,

os lugares estratégicos de uma cidade e que através dos quais o

observador pode entrar, são focos de locomoção e deslocamento.

Page 35: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

43

Podem ser junções no tecido urbano, locais de interrupções do

transporte, um cruzamento ou uma convergência de vias,

momentos de passagem de uma estrutura para outra. Ainda podem

ser o adensamento de construções com características e usos

específicos (como um centro antigo ou comercial), ou mesmo uma

esquina ou praça fechada. Dependendo da escala de percepção, um

ponto nodal pode ser mais amplo ou mais restrito.

Marcos – É um tipo de referência, porém, o observador não o

adentra, ou seja, são externos. Em geral é um objeto físico: um

edifício, um sinal, uma montanha, uma torre, um totem, um

obelisco, o sol ou a lua. Podem estar dentro da cidade ou fora dela,

porém, deve constituir uma direção constante, uma orientação. Os

marcos podem se constituir em pequenos elementos, como uma

árvore, um orelhão, uma placa ou uma maçaneta.

As imagens da cidade são ambientais e resultam de um processo

bilateral entre o observador e seu ambiente. Assim, de acordo com as

especificidades entre ambos, de acordo com as informações perceptivas

filtradas, podendo variar significantemente entre distintos observadores.

A imagem ambiental pode ser composta por três componentes:

identidade (diferenças, personalidade e individualidade), estrutura (todas as

imagens compostas devem ter relações internas definidas, para a coerência

do todo), e significado (o observador deve ser capaz de captar significado,

seja prático ou emocional) (5), em seu processo de percepção.

“Parece haver uma imagem pública de qualquer cidade que é

a sobreposição de muitas imagens individuais. Ou talvez exista uma

série de imagens públicas, cada qual criada por um número

significativo de cidadãos. Essas imagens de grupo são necessárias

sempre que se espera que um indivíduo atue com sucesso em seu

ambiente e coopere com seus cidadãos. Cada imagem individual é

única e possui algum conteúdo que nunca ou raramente é

comunicado, mas ainda assim ela se aproxima da imagem pública

que, em ambientes diferentes, é mais ou menos impositiva, mais ou

menos abrangente” (LYNCH, 2006).

Page 36: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

44

No entanto, é importante salientar que a interpretação de Lynch está

focada na interpretação de objetos físicos perceptíveis (assim, morfológicos),

porém, que contém uma carga imaginária subjetiva. (SILVA e ROMERO,

2010). Existem outras influências atuantes sobre a “imaginabilidade”, como o

significado social de uma área, sua função, sua história, ou mesmo seu nome,

estes que não são elementos formais. Entretanto, a análise está focada na

premissa de que a forma deve ser usada para reforçar o significado, e não

para negá-lo, assim, o design urbano não deve ser vazio enquanto sentido

humano do lugar ao qual atende ou é aplicado. Decerto, o autor busca uma

nova escala de interpretação do urbano, pois atesta que o grande ambiente

urbano pode ter uma forma sensível, única, abrangente e mutante, e ainda

afirma que “(...) Hoje em dia, o desenho de tal forma é raramente tentado: o

problema inteiro é negligenciado ou relegado à aplicação esporádica de

princípios arquitetônicos ou de planejamento de espaços urbanos”.

Segundo PANERAI (2006), o trabalho desenvolvido por Lynch (1960)

em The image of the city, foi quem recuperou a legitimidade da análise na

identidade das cidades norte-americanas e com as ferramentas mais

eficazes.

Assim, baseado nas teorias de Lynch, o autor caracteriza os elementos

marcantes da paisagem urbana entre dois aspectos:

Análise Visual – A percepção de elementos sensíveis (os percursos, os

pontos nodais, o setor, os limites, os marcos); e

Análise Sequencial – Modificações do campo visual-quadros

(parâmetros gerais de percepção do urbano, parâmetros laterais,

parâmetros do ponto de fuga, fechamento frontal do campo visual /

diafragma e enquadramentos dos planos).

Posteriormente, em 1984, o próprio Lynch reconsidera suas teorias

através do artigo publicado sob o título “Reconsidering the image of the city”

(8), após 20 anos da data da primeira publicação, na qual o autor faz uma

crítica à falta de adoção de critérios por parte da política urbana que permitam

uma visão do todo urbano – Managing the Sense of a Region. Lynch reforça

que ainda é negligenciada a compreensão da imagem da cidade pelo gestor

Page 37: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

45

urbano, salvo raros exemplos nos EUA (São Francisco, Dallas, Minneapolis),

Japão, Israel e Escandinávia.

3.4 AS ESCALAS URBANAS

“A análise por meio das escalas visa atingir uma

caracterização sensorial e ambiental que ofereça

possibilidade de ações concretas no espaço, que apóie

decididamente as ações dos projetistas e que conduza

à recuperação das agressões antrópicas. Essas escalas

podem ser utilizadas na geração de recomendações

específicas para a sustentabilidade da cidade, assim

contribuindo para incrementar o rendimento

funcional, a eficiência energética e a qualidade

estética do projeto urbano, o que, contribuirá para a

qualidade e sustentabilidade da vida urbana”.

(ROMERO, 2009).

A escala, enquanto elemento de representação gráfica, é uma unidade

mensurável que estabelece proporção de medida entre os elementos de

desenho. Nos mapas, planos e plantas ela constitui-se de uma linha graduada

que relaciona as distâncias ou dimensões reais com as figuradas ou

representadas, a escala numérica ou gráfica indica as proporções de um

desenho relativo às dimensões reais do objeto desenhado (PRIBERAM,

2009).

No âmbito do urbano, a escala traduz-se numa interpretação muito mais

complexa, pois ela relaciona parâmetros de análise do espaço edificado e do

ambiente e sua relação com o homem (suas necessidades antropométricas,

climáticas, sensoriais, subjetivas, perceptivas, analíticas, funcionais).

O desenho urbano carece de representação do espaço e do meio

ambiente, e esta deve expressar suas características intrínsecas quanto à

apropriação do território, do ambiente e da edificação. A expressão do lugar

nasce desse confronto de forças espaciais (naturais e artificiais) associadas à

apropriação e uso pelo homem em âmbito social. Por outro lado, a expressão

qualitativa do lugar se dá através da equidade socioambiental, no qual a

cultura ambiental está inserida no processo de produção da paisagem urbana,

Page 38: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

46

dos espaços públicos, dos equipamentos urbanos, da diversidade morfológica

edificada, mobiliário qualitativo, etc. A apropriação desses critérios pelo

urbano produzem uma identidade locacional específica capaz de traduzir as

especificidades e adequações necessárias a cada parcela urbana, produzindo

lugares que correspondem à imensa diversidade sociocultural da população

urbana. O resultado desse entendimento conceitual está no reconhecimento

do cidadão ao seu lócus (habitação, lote, quadra, bairro, região, cidade,

estado, nação) e, consequentemente, o domínio da qualidade ambiental

sustentável para toda a cidade.

Em outra análise, Romero define como essencial compreender a relação

entre quatro elementos principais para a proposição de indicadores que

determinem projetos de cidades sustentáveis, sendo eles:

Enlace – integração das esferas do econômico, social e cultural –

relativo ao desenvolvimento econômico, a habitação acessível, a

segurança, a proteção do meio ambiente e a mobilidade, no qual

todos se inter-relacionam, devendo ser abordados de maneira

integrada;

Inclusão – dos segmentos e interesses coletivos – através deste

deve-se considerar uma variedade de interessados para identificar e

alcançar valores e objetivos comuns;

Previsão – otimização de investimentos – como fundamento para a

elaboração de objetivos em longo prazo;

Qualidade – promoção da diversidade urbana - devem ser buscados

e privilegiados elementos que contribuam para manter

a diversidade e, através desta, é assegurada a qualidade e não

apenas a quantidade dos espaços, proporcionando

a qualidade global da vida urbana.

Associado a esses critérios, deve-se instrumentalizar a análise do

espaço urbano através de escalas que objetivem a percepção do todo, como

também das particularidades. Assim, segundo Romero (2009), torna-se

possível parametrizar o espaço da urbe através do entendimento das escalas

do urbano, da área, do sítio e do lugar. A autora estabelece ainda o

Page 39: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

47

entendimento de espaço a partir de três grandes frentes do urbano:

aedificação (superfície de fronteira – planos verticais); as redes (elementos de

base, os fluxos – planos horizontais); e a massa (entorno, conjunto urbano –

vegetação, água, construção, solo).

Para tanto, Romero (2003) de acordo com SILVA e ROMERO (2010), se

apoia em autores distintos e de diversos campos do saber acadêmico, a

exemplo da classificação dimensional de Morais (1995), a de domínio

territorial de Gregotti (1972), a classificação organizacional de Abrami (1990),

e da classificação geográfico-climática de Monteiro (1976). A partir dessa

abordagem conceitual, Romero (2002) estabeleceu um entendimento das

escalas do urbano, de forma completa, subdivididas em macro, meso e micro

escalas. São elas:

Escala das grandes estruturas ou da cidade – que permite analisar as

grandes estruturas urbanas, entendidas como o espaço da organização, dos

recursos e da produção, bem como sistema de informação e de comunicação,

ex.: a natureza da trama urbana, seus cheios e vazios, a massa edificada, os

espaços que permeiam, a diversidade de alturas, o grau de fragmentação,

qualidade perceptiva da grande forma física e organizacional, a variedade

ambiental, o macro sistema de transporte e a permanência e a continuidade

do construído;

Escala intermediária do setor – esta corresponde à escala do

bairro/área/setor, determinada com base nos critérios de organização

produtiva do espaço em análise, ex.: relações morfológicas e sua respectiva

resposta ambiental, acessibilidade ambiental/funcional (orientação que

apresenta a estrutura urbana às energias naturais), homogeneidade

(similaridade de atributos espaciais que apresenta), centralidade, marcos

urbanos, conhecimento pessoal e funcionalidade;

Escala específica do lugar – corresponde ao espaço coletivo e de valor das

ações cotidianas, que não deve ser confundido com o espaço físico de

implementação das construções, ex.: identidade, otimização das relações

pessoais, especificidade das funções, caracterização estética, apelo às

emoções, segurança; e

Page 40: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

48

Escala específica do edifício – corresponde à dimensão específica da unidade

do abrigo e do espaço social e individual: o edifício; ex.: proteção, otimização

microclimática, controle (grau de privacidade), afeto (sentido de abrigo ao

grupo social familiar).

O estudo urbano a partir das suas diversas escalas de abordagem dá

uma visão ampla das condicionantes e determinantes que agem sobre a

cidade e, ao mesmo tempo, permite ao urbanista uma percepção local mais

coerente com as dinâmicas regionais que atuam na produção e reprodução

do urbano. Neste caso, as cidades brasileiras sofrem pela falta de abordagem

técnica e metodológica do urbano, o que resulta em uma visão fragmentada e

cartesiana3 do conjunto pela gestão urbana e atores econômicos

especulativos. (SILVA E ROMERO, 2012). Entretanto, a abordagem em

escalas pode traduzir e interpretar a cidade a partir de análises macro, meso

e micro, e seus atributos e indicadores podem variar de acordo com as

especificidades urbanas e regionais que exercem maior ou menor impacto na

urbanização.

Nesse aspecto, as escalas podem apresentar, segundo Romero (2004),

diferentes graus de degradação: ecológica (físico, químico, biológico),

funcional (econômico, produtivo), ambiental (conforto e perceptivo), estéticas

(quanto há características que empobrecem o urbano ou diminuem a

qualidade arquitetônica), e dos aspectos culturais e de qualidade de vida

(quando se perde o valor ou o legado do habitat de vida). Deste modo, a

percepção das escalas pode se associar aos estudos de indicadores

3 O método cartesiano origina nas teorias de René Descartes (1596 – 1650), filósofo e

matemático francês, que fundamenta o Ceticismo Metodológico (do latim “cogito ergo sum”, “penso logo

existo”), cuja a pretenção foi a de fundamentar o conhecimento humano sobre bases metodológicas e

sólidas (contrariando as posições medievais apoiadas em crenças e mitologias). Assim, Descartes

questiona todo o conhecimento aceito como correto e verdadeiro através do ceticismo. Seu método se

constitui a partir de quatro tarefas básicas: verificar se existem evidências reais e indubitáveis acerca do

fenômeno ou coisa estudada; analisar, dividir ao máximo os objetos ou as coisas, em suas unidades de

composição, fundamentais, e estudar os elementos mais simples que aparecem; sintetizar, agrupar

novamente as unidades estudadas em um todo verdadeiro; e enumerar todas as conclusões e princípios

utilizados, a fim de manter a ordem do pensamento. Ou seja, seu médodo consiste na separação das

partes através da verificação, de forma que estas sejam analisadas separadamente, sintetizadas e

enumeradas, o que dissocia, de certa forma, a visão do todo a partir das especificidades.

Page 41: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

49

urbanísticos que apontem a espacialização urbana de forma eficaz (com seus

gargalos, segregações, impactos e contradições), vislumbrando o

planejamento urbano e regional integrado e sustentável que, por sua vez,

aperfeiçoaria a aplicação de recursos em médio e longo prazo, possibilitando

políticas urbanas mais sustentáveis e qualitativas para o cidadão.

Page 42: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

50

4 PROBLEMÁTICAS URBANAS - CIDADES BRASILEIRAS

Uma significativa parte dos desequilíbrios e desajustes ambientais mais

graves, que ocorrem no mundo contemporâneo, têm origem urbana. Assim

como concentrou espacialmente a força de trabalho, os meios de produção,

distribuição e de consumo, os sistemas de prestação de serviços, os meios de

cultura e de informação, o meio urbano também concentrou os impactos ao

ambiente e à vida humana (SILVA, 2007). Alguns dos principais problemas

que podem ser detectados na maioria das cidades do mundo referem-se aos

efeitos danosos desta excessiva aglomeração. Esses fatores, quando

conjugados à concentração da renda e às desigualdades sociais, geram uma

potencializarão das consequências que podem resultar em degradação

ambiental, distúrbios e inseguranças sociais, precárias condições de

habitação, insuficiência na oferta de infraestrutura e de serviços e

comprometimento da saúde humana.

Para o encaminhamento das considerações a respeito das relações

entre o meio urbano e a perspectiva da sustentabilidade, Silva (2007) tece

uma discussão de alguns aspectos que fazem parte de um campo de

implicações no qual as cidades estão inseridas. Nesse espectro de

abrangência colocam-se, como já demonstrado anteriormente, as questões

relativas ao crescimento demográfico dos territórios urbanos, as perspectivas

da descentralização político administrativa, os conflitos urbanos, as

segregações espaciais e os diferentes olhares com que se possa enfocar a

sustentabilidade urbana.

4.1 CRESCIMENTO E CONFLITOS NO MEIO URBANO

Considerando a situação no Brasil desde a metade do século XX,

quando o país inicia, de fato, o processo de industrialização e urbanização

intensiva e, ao mesmo tempo, negligencia a exclusão social, o crescimento

demográfico e o processo de periurbanização, a questão habitacional sempre

se situou num plano secundário dos governos autoritários e antidemocráticos

Page 43: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

51

que prevaleceram até a primeira metade da década de 1980. (SILVA e

ROMERO, 2010)

Em comparação, a suburbanização desempenha no país um fenômeno

distinto ao processo de periferização na Europa e EUA, nos quais o

espalhamento urbano é resultado de um planejamento burguês das periferias

e conseqüente abandono dos centros urbanos antigos à procura de melhor

qualidade de vida. Portanto, no Brasil, considera-se que a periferização ocorre

de forma desordenada e não planejada pela gestão pública, resultando em

cortiços, favelas, palafitas, mocambos, entre outras designações para a

improvisação de abrigos à população mais pobre.

Somente nas últimas décadas que se proliferam nas periferias das

cidades brasileiras os condomínios fechados , que nas décadas de 1990 e

2000 atuaram nas principais cidades brasileiras, à procura de terra barata,

isolamento social e qualidade ambiental que majoram os ganhos

especulativos do empreendedor. Surpreendentemente, os conjuntos

habitacionais regulares de baixa renda também disputam o território da

periferia no Brasil desde a década de 1960.

Contudo, mais recentemente, os governos passam a implementar

condomínios-fechados de baixa renda, estabelecendo um diálogo

fragmentado de espalhamento urbano, segregando por castas

socioeconômicas e transformando as cidades em aglomerados habitacionais

murados. Deste modo, segue-se à lógica de espalhamento urbano de forma

não planejada (ou planejada de forma incorreta) e incoerente com as novas

discussões urbanas de sustentabilidade, densidade e diversidade.

4.2 ANALISES DA DESCENTRALIZAÇÃO POLÍTICO ADMINISTRATIVA

Por além das decorrências dos fatores demográficos, observa-se a

especificidade de um período histórico que tem uma característica de

dualidade, (SILVA, 2007). Por um lado, tem-se a condicionalidade dos

aspectos mais amplos, ditados pela globalização dos mercados e pelas

inovações tecnológicas que subvertem a soberania dos estados nacionais em

sua concepção tradicional e as noções de distância de apenas uma década

Page 44: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

52

atrás. Por outro lado, percebe-se que, embora ainda exista uma subordinação

da cidade ao estado central, existe também uma certa tendência à sua

valorização e ao seu fortalecimento como a célula principal na definição de

estratégias de gestão local, com um incremento nas atribuições e na

autonomia para lidar com a sua realidade.

Nas análises de Sandra (SILVA, 2007), no Brasil, particularmente, essa

condição foi acentuada após a Constituição de 1988, embora a contrapartida

dos recursos destinados não venha sendo suficientemente compatível com as

responsabilidades acrescidas.

Enquanto o Ministério do Meio Ambiente promove a elaboração de um

documento com a importância da Agenda 21 para as políticas públicas locais,

simultaneamente, o governo brasileiro assume um Plano Plurianual de

Investimentos – PPA que prevê ações que pouco incorporam as questões

básicas como a ambiental e a exclusão social. Assim,

“Ao mesmo tempo em que são cada vez mais

retoricamente, explicitadas as responsabilidades e

prerrogativas do poder local na gestão ambiental

urbana, menores são os recursos e as condições para a

implementação de uma política de desenvolvimento

urbano que garanta, ao menos, instrumental jurídico

adequado e capacitação para essa gestão, pelos atores

locais.” (ZVEIBEL, 1999).

A compreensão da adoção dessas políticas aparentemente

contraditórias, bem como a do duplo movimento existente entre a

globalização econômica e o fortalecimento do poder local, exige que se

aprofunde o debate sobre o desempenho dos vários níveis de escala de

atuação. Essas tendências levantam questões essenciais relacionadas ao

papel dos estados nacionais em relação ao incremento do protagonismo

econômico, social e político de duas instâncias distintas. A primeira delas,

representada pelas grandes corporações econômicas internacionais com

seus interesses implantados em territórios espalhados em escala mundial. A

segunda instância consiste nas unidades locais consubstanciadas pelas

cidades, principalmente aquelas de grande porte, de posições

geograficamente estratégicas ou sedes de regiões metropolitanas. Esse

Page 45: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

53

quadro pode ser analisado sob duas óticas de considerações. Por um lado,

esta nova condição das cidades pode apontar para um fortalecimento

crescente das democracias participativas cuja concretização pode-se dar por

uma evolução do exercício da cidadania em torno de questões e problemas

da sua especificidade local ou mesmo regional. Mas por outro lado, um

período com tendências marcantes de globalização econômica e cultural pode

significar também um fortalecimento de uma perspectiva “neoliberal”, hoje

majoritária, que advoga um Estado mínimo submetido às leis máximas de

uma economia de mercado sem fronteiras. (SILVA, 2007.).

Essa condição reforça a possibilidade de ocorrência de situações que

justifiquem a substituição de políticas de ação nacionais mediante a

argumentação da ineficácia e da inoperância de estados enfraquecidos. Esse

cenário seria aquele em que as cidades se pautassem por projetos próprios

circunscritos em sua realidade mais próxima, eventualmente estabelecendo

relações globais, mas certamente omitindo e prescindindo da sua relação com

um ausente estado nacional. Dessa forma, coloca-se em risco a sua

integridade, comprometendo-se sua condição de agente regulador e

coordenador das políticas e estratégias nacionais, capaz de articular

integradamente os vários níveis de gestão.

A discussão que envolve o papel dos estados nacionais, mediante um

processo acelerado de globalização das relações, é extremamente complexa

e é diagnosticada por Sandra (SILVA, 2007) com o objetivo de se explicitar

algumas relações que permeiam a temática urbana e a perspectiva da

sustentabilidade. Por se tratar de questões relativamente recentes que ainda

não permitiram uma análise mais completa dos seus efeitos a médio e longo

prazos nos nossos sistemas políticos, econômicos, sociais e ambientais,

quaisquer lançamentos de perspectivas futuras se condicionam às categorias

de conjecturas de possibilidades e incertezas.

Não obstante, julga-se relevante abordar algumas ponderações que têm

sido formuladas a esse respeito. Existem inúmeras análises críticas relativas

aos possíveis efeitos danosos dos processos de globalização, das quais se

destacam duas vertentes de considerações. A primeira delas sublinha a

vulnerabilidade de regiões inteiras que se tornam sujeitas a uma lógica

Page 46: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

54

pautada prioritariamente nos objetivos econômicos e financeiros de grandes

grupos internacionais. E a segunda diz respeito àquelas considerações que

discutem as novas formas de poder que estão sendo gestadas. O cientista

político Marco

Aurélio Nogueira traça um panorama da primeira condição:

“Como se não bastasse, a globalização ainda

desorganiza os espaços territoriais, excluindo países e

regiões do concerto econômico, promovendo

polarizações entre regiões de um mesmo país ...a

distribuição espacial da prosperidade é

eminentemente instável...” . (NOGUEIRA, 1997, p.

14).

No segundo cenário crítico, o sociólogo Octavio Ianni coloca em pauta

as formas como se estabelecerão as hierarquias decisórias que definirão

questões fundamentais como a soberania nacional e a democracia. Para ele,

as organizações multilaterais e as corporações transnacionais têm tido o controle

de diferentes modalidades de expressão e realização de uma nova

hegemonia:

“Essas instituições habitualmente detêm poderes

econômicos e políticos decisivos, capazes de se

sobrepor e impor aos mais diferentes estados-

nacionais. Por meio de sua influência sobre governos

ou por dentro dos aparelhos estatais, burocracias e

tecnocracias, estabelecem objetivos e diretrizes que

se sobrepõem e impõem às sociedades civis, no que se

refere a políticas econômico-financeiras, de

transporte, habitação, saúde, educação, meio

ambiente e outros setores da vida nacional.” (IANNI,

1997).

As cidades vistas sob essa ótica de um cenário limite, representadas por

sociedades civis e seus governantes, poderão se tornar reféns de decisões

realizadas em âmbitos globais, sem espaço para a conquista de uma efetiva

autonomia para o encaminhamento de seus problemas. Alguns autores

acreditam que a evolução desse processo político resultará da construção de

novas conjunções de poder que se refletirão nas instâncias decisórias dos

Page 47: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

55

países. Ao discutir a dimensão política da descentralização administrativa no

Brasil, Marco Aurélio Nogueira, segundo SILVA (2007) aponta alguns desafios

para que tal descentralização conquiste viabilidade e coerência, mencionando

quatro requisitos fundamentais para sua consecução:

1. Buscar o equilíbrio entre a participação e a representação. No primeiro

caso, tem-se a manifestação de direitos e interesses particulares e no

segundo, dos interesses coletivos ou gerais. Segundo o autor, não existem

regras definidas e nem modelos para esse equilíbrio, exigindo, portanto, que

sejam criados;

2. Buscar outro tipo de equilíbrio, só que desta vez no nível federativo. Seria

necessário um amplo entendimento político nacional que levasse à depuração

e à remodelação das instituições que embasam a federação. Esse processo

implicaria em mudança de valores capaz de eliminar os traços de clientelismo

e fisiologismo impregnados no setor público e na sociedade civil;

3. Aponta para a necessidade de que a descentralização não perca a sua

capacidade de articulação e coordenação. Ela deveria ser participativa e

cooperativa para se efetivar como tal, de forma a resgatar o papel de um

planejamento mais centralizado que não se perca na omissão e na

descoordenação;

4. Redefinir o papel da cultura técnica e gerencial, o que inclui os atores da

“política-execução”. Essa reciclagem de técnicos e gestores da política

pública implica na superação do “patrimonialismo” que privatiza a esfera

pública, estabelecendo-se. Novas modalidades de hierarquia.

Complementarmente, seria necessário se pensar menos nos controles dos

processos e mais nos resultados. “A nova cultura gerencial deve estar

capacitada a desenvolver a gestão cooperativa, a promover a cooperação e a

colaboração institucional.” (NOGUEIRA, 1997, p. 16-17).

Pelos requisitos apontados, Sandra Silva define a percepção que, além

dos aspectos locais, destaca-se a importância de uma coordenação das

ações também em níveis de representação nacional, de tal modo que se

possa articular essa descentralização em diferentes patamares de hierarquias

administrativas e política. Cabe ressaltar também a importância das conexões

entre as nações que objetivem a elaboração de metas e diretrizes conjuntas

consolidando parcerias e compromissos supranacionais. Considerando-se

que as relações internacionalizadas fazem parte de um processo irreversível,

o desafio reside nas formas de entronização dessas relações. Se não houver

Page 48: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

56

políticas claras de ação local e de preferência coordenadas a uma política

nacional, o risco de se permanecer à mercê dos interesses globais pode gerar

distorções nas implementações de políticas urbanas sustentáveis que

atendam às especificidades dos diferentes contextos locais. Desse modo, o

embate nutrido pelos aspectos decorrentes de interações nos diversos níveis

pode apontar para novos arranjos possíveis na conjunção de diferentes

instâncias, de onde se permite extrair os elementos que delinearão novas

modalidades de implementação de políticas urbanas.

5 REFORMAS URBANAS

5.1 POR UM URBANISMO SUSTENTÁVEL

“(...) cidade sustentável é o assentamento humano constituído

por uma sociedade com consciência de seu papel de agente

transformador dos espaços e cuja relação não se dá pela razão

natureza-objeto e sim por uma ação sinérgica entre prudência

ecológica, eficiência energética e equidade socioespacial.”

(ROMERO, 2007)

Sob a compreensão necessária de se pensar e se propor cidades mais

sustentáveis (ou menos insustentáveis) para o futuro, uma infinidade de

pesquisadores em todo o mundo têm debruçado sobre a criação ou

formulação de teorias que proporcionem modos de vida e de ocupação

territorial menos impactantes ao meio ambiente.

Contudo, o objeto urbano contemporâneo é protagonista de um

processo de espacialização antrópica que vivencia nas últimas décadas

grandes rupturas conceituais, nas quais a sociedade deixa de ser elemento

passivo na definição de espaços e lugares. Na cidade pós-industrial

modernista, caracterizado como urbanismo monofuncional, prevalece a

ausência do conteúdo simbólico, a perda do sentido socioespacial e de

identidade entre o habitante e a cidade. A Carta de Atenas promete solucionar

os problemas da funcionalidade, sociedade industrial do século XX por meio

de uma nova organização espacial, focado no zoneamento rígido das funções

específicas do território urbano, esta que resulta da ênfase à funcionalidade e

Page 49: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

57

que determinaria, assim, uma nova cultura urbana encenada pelo ser humano

moderno.

Assim, a partir da classificação de Le Corbusier em formular as quatro

funções da cidade moderna: habitar, trabalhar, cultivar o corpo e o espírito

(recrear), e circular; tais projetos de cidade propõem a desagregação de

áreas residenciais, de lazer, serviços, comércio, indústrias, etc., nas quais

estas seriam conectadas por um sistema viário que elege o automóvel como

principal meio de locomoção no tecido urbano. Certa vez Le Corbusier

afirmou que "A cidade que dispõe da velocidade dispõe do sucesso",

ressaltando sua ênfase à mobilidade automotiva e à circulação. Daí surge a

necessidade de se projetar um complexo sistema de vias largas e retilíneas

fundamentado na hierarquia, conforme a velocidade, a classificação e o

volume de deslocamento. Desse modo, as pessoas são desestimuladas a

caminharem ou a utilizarem meios alternativos de deslocamento, de exercício

físico e de lazer esportivo (como a bicicleta ou a corrida), face à dispersão

urbana e à necessidade de perfazerem longas viagens diárias entre o

trabalho e o domicílio.

O planejamento do solo urbano em setores, disperso e monofuncional,

não estabelece neste “modelo progressista” sob zoning um diálogo com a

dinâmica natural da cidade e seus respectivos lugares, pois impõe seu

traçado rígido de quadrícula, desconsiderando as condicionantes específicas

da natureza local (ROMERO, 2009). Altera-se assim a topografia, impõe-se a

ocupação de áreas sensíveis às alterações antrópicas, destrói-se a mata

nativa em detrimento de um paisagismo cênico e formal, definido pelo

desenho artificial da paisagem. Para Romero (2009) esse modelo de cidade

“(...) leva os espaços urbanos a uma impessoalidade, um total esvaziamento

do espaço público, ou melhor, uma neutralização desses espaços”. A autora

reforça que a consequência desses espaços é a eliminação de um valor

simbólico como referência para as edificações, o que neutraliza o entorno,

diminuindo o sentido de vizinhança. Portanto, as pessoas não se reconhecem

e passam a negar os espaços que ocupam face à ausência da noção de

pertencimento, resultando no abandono do espaço público e na rápida

obsolescência urbana. (SILVA, 2011)

Page 50: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

58

O traçado urbano medieval é, sob a ótica do urbanismo modernista,

considerado ultrapassado, com suas vias sinuosas e irregulares denominadas

outrora de “traçados das mulas” por Le Corbusier (2000). De acordo com

Geovany Jessé (2011), tal modelo já nasce sob o estereótipo de “moderno”,

industrial, pertencente aos dias atuais. Sob a égide desse repertório urbano,

assistiu-se ao espetáculo da expansão urbana, seja de novas cidades (ou

mesmo estados e países auto-intitulados como modernos e progressistas), ou

bairros, loteamentos ou intervenções urbanas (em áreas não ocupadas ou já

consolidadas).

Na análise de Geovany, essa negação do conteúdo histórico e cultural

pregresso compactua imediatamente com a ideologia de imposição cultural-

industrial sobre o regional, eliminando as diferenças locais e,

consequentemente, as barreiras do mercado global, o que potencializou a

atuação dos agentes econômicos internacionais de forma irrestrita,

consolidando o poder de influência das grandes potências mundiais e

contribuindo para os modelos futuros de consumismo material. Na contramão

desse processo, o urbanismo sustentável busca o resgate do regionalismo

cultural e histórico, reconhecendo as particularidades e valorizando as

relações interpessoais e humanas do cidadão com seu lugar, história e

cultura. Tal contraposição conceitual frente aos processos capitalistas de

produção e reprodução urbana, busca minimizar os impactos na estrutura

social, econômica e ambiental das cidades, reforçando a necessidade de

coexistência do local sobre o global, ou seja, um contrassenso à cidade

globalizada e internacionalizada enquanto cultura de massa e consumo.

A expansão urbana contemporânea, por sua vez, ainda focada nas

teorias urbanas modernistas, se dá sob um modelo de ocupação dispersa,

pois as estruturas baseada em zonas impõe a baixa densidade urbana e,

consequentemente, a maior ocupação e espalhamento do tecido. O recorte

deste pela grande estrutura viária define maior distanciamento entre as vias

principais (de alto fluxo e velocidade) e os edifícios (habitacionais,

institucionais, comerciais, serviços, industriais). Assim, o pedestre se vê

forçado a caminhar grandes distâncias e, caso opte pelo transporte público,

terá que caminhar por centenas de metros ou mesmo quilômetros até um

Page 51: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

59

ponto de ônibus, ou deste até um edifício ou local desejado. Além disso, o

tráfego intenso influencia drasticamente as atividades dos pedestres, pois

impõe desconforto e insegurança em seu trajeto. Romero (2009) define e

exemplifica com exatidão o que seria a “tirania da geometria regular”:

A convicção de que a população pode expandir

infinitamente os espaços do assentamento humano é a

primeira forma, falando em termos geográficos, de

neutralizar o valor de qualquer espaço determinado.

Perde-se o domínio visual da paisagem,

estabelecendo-se, então, as negações visuais, que

aceitam que a negação sensorial seja normal na vida

cotidiana. A negação sensorial implica em não se

importar, em não destacar as qualidades do lugar. Na

Atenas de hoje, contrariamente a da antiguidade, a

expansão sucessiva fez com que se perdessem os

arcos visuais (montes) que desde sempre informaram

ao homem sua dimensão e situação. Esse não

compromisso permite que nossos espaços (cidades,

bairros, praças) sejam projetados de qualquer jeito

(quando projetados!) ou vandalizados. O que, ao igual

que a quadrícula imposta arbitrariamente sobre a

terra, raras vezes estabelece uma relação interativa e

substantiva com ela. Da mesma forma, todas as

características naturais que, em princípio, poderiam

ser niveladas, o são, de fato, estabelecendo com isso,

em determinadas circunstâncias, uma tirania da

geometria regular (...)

Esse cenário resulta em espaços públicos desérticos e destituídos de

vida social, já que a rua não é mais um espaço de convivência e circulação de

pessoas na cidade, mas apenas espaço de circulação de veículos. A rua

perde seu sentido social e passa a exercer unilateralmente seu aspecto

funcional, a lógica de uso e ocupação do solo fica setorizada e agrupada, não

mais misturadas como na cidade tradicional. As atividades comerciais se

voltam para o interior dos edifícios e a rua perde seu sentido de sociabilidade

urbana. O efeito do automóvel nas cidades, o movimento modernista, em

conjunção às políticas urbanas e à transposição de atividades são as piores

causas para que se definam os chamados “espaços perdidos” (lost space)

Page 52: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

60

considerados hoje, o pior dos problemas urbanos (CARMONA & TIESDELL,

2003 por SILVA, 2011).

Nas cidades atuais projetadas dentro dos parâmetros modernos,

Geovany explicita que, de acordo com TRANCIK (1986), os planejadores

(designers) tentam reparar com pequenas intervenções o espaço urbano

fragmentado já constituído, cujo espaço público não fora adotado como

partido de projeto e planejamento. O autor critica o processo de

desenvolvimento urbano que trata os edifícios como objetos isolados na

paisagem, e não como elemento vital na composição da malha urbana, das

praças e espaços abertos. Outro ponto essencial em sua análise é a errônea

adoção de planos bidimensionais para planejamento do uso do solo urbano

(Figura 03), desconsiderando a relação tridimensional entre as construções e

os espaços, contrariando o espaço urbano como um volume externo com

propriedades formais e de escala. Como causa do processo de formação de

“espaço perdido” (lost space) nas cidades norte-americanas, TRANCIK (2003)

descreve cinco fatores mais importantes nesse fenômeno urbano, sendo eles:

1 - O aumento da dependência do automóvel;

2 - A atitude dos arquitetos do Movimento Moderno perante

os espaços abertos;

3 - Zoneamento e políticas de uso do solo do período de

renovação urbana que dividiu a cidade;

4 - Relutância por parte das instituições, públicas e privadas,

contemporâneas em assumir a responsabilidade pelo

ambiente público urbano;

5 - Um abandono das zonas militares, industriais ou de

transporte no núcleo urbano.

Assim, segundo TRANCIK (2003), como resposta ao problema, o

desenho urbano deve ser implementado a partir de três pontos de

desenvolvimento projetual:

1 - A partir do estudo dos precedentes históricos e da maneira

em que o espaço urbano evoluiu;

Page 53: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

61

2 - Da elaboração de uma compreensão das teorias

subjacentes à concepção do espaço urbano; e,

3 - Do desenvolvimento de competências na síntese e

aplicação destes no processo de desenho. (SILVA, 2011)

5.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE A MOBILIDADE

Qualquer proposta que seja feita para melhorar a

qualidade de vida em uma grande cidade tem

necessariamente que passar pela questão da

mobilidade – manifestadamente, um dos temas

cruciais para a cidade do século XXI. (JAIME LERNER,

sobre a cidade de São Paulo. 2010)

Os desdobramentos de mau equacionamento das cidades são

vivenciados no dia-a-dia dos assentamentos humanos mundo afora,

expressos em congestionamentos e lentidão do tráfego, na poluição

atmosférica e sonora, nas dificuldades de financiamento para investimentos

em transporte público e obras viárias, nas desigualdades sociais no acesso

aos serviços e oportunidades, no comprometimento do direito fundamental de

ir e vir.

São variáveis dessa equação, portanto, grandes desafios no âmbito do

meio ambiente e do clima; da organização espacial e do planejamento

territorial; da vitalidade urbana, posto que o desenvolvimento tanto econômico

quanto social de uma metrópole depende da acessibilidade ao território em

todas as escalas.

Todavia, equiparar a questão da mobilidade com sistemas de transporte

é arranhar apenas a superfície. A mobilidade varia de acordo com a oferta e

as condições do transporte, a acessibilidade à rede (custo de utilização,

acessibilidade física) e a forma urbana dentro da qual se repartem os

geradores e atratores de tráfego.

Segundo LERNER (2010), há que se somar soluções de transporte a um

desenho de cidade, a uma estrutura de crescimento que as articule em um

todo coerente, formando uma trama de inclusão – territorial, econômica, social

Page 54: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

62

- na qual, de uma forma sustentável, diferentes modos de deslocamento,

diferentes intensidades de uso e ocupação do solo, diferentes atividades – a

multiplicidade da vida citadina - se ancoram e prosperam.

A mancha urbana de uma metrópole sem desenho se espalha pelo

território de forma predatória, autofágica, consumindo e comprometendo as

bases ambientais, os recursos naturais, as relações de vizinhança e

solidariedade urbana, as forças vitais de seu patrimônio humano - os mesmos

recursos que são a base de seu desenvolvimento durável.

Em contraponto, a provisão de um bom desenho direciona o

adensamento às áreas mais propícias à ocupação, organizando as

prioridades de ação do poder público e os investimentos da iniciativa privada.

A densidade é um importante princípio da sustentabilidade; a criação de

tecidos urbanos mais compactos, a exemplo das cidades européias em geral

ou Nova Iorque em particular, aproxima as pessoas e as atividades em uma

estrutura integrada de vida e trabalho, diminuindo o consumo de energia em

deslocamentos, otimizando infraestruturas e o solo urbanizado, diminuindo a

pegada ecológica desses assentamentos e favorecendo a existência de mais

áreas verdes/livres imbricadas na malha urbana. (LERNER, 2010)

Outro alicerce essencial, defendido por Jaime Lerner para se bem

trabalhar a mobilidade é desenvolver uma verdadeira acessibilidade

multimodal que rompa com a hegemonia do veículo individual.

“Não há saída para uma metrópole que não passe pelo

transporte de massa. A consolidação de uma rede

integrada de transportes, sua vigorosa expansão em

termos de cobertura e ganhos em qualidade é

premissa basilar para a qualidade de vida de seus

cidadãos.” ( LERNER, 2010)

Page 55: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

63

6 INDICADORES DE SUSTENTABILIDADE

6.1 MONITORAMENTO DAS CIDADES SUSTENTÁVEIS

Segundo Roseland (1998), a sustentabilidade somente é alcançada

através de um planejamento. Esse planejamento necessita ser monitorado

através de diagnósticos periódicos, que informem a situação atual e o

percurso que está sendo seguido, nos quais monitoramento é compreendido

como ―uma observação mais descritiva do processo de implementação da

ação ou, em outras palavras, a verificação e o relato do que está ocorrendo‖

(FURTADO, 2002). Tal planejamento poder ser percebido através de

procedimentos necessários para uma operacionalização da sustentabilidade

urbana. De acordo com Acselrad (2001)

“...a análise do discurso das cidades que se

apresentam como candidatas a protagonizar a

sustentabilidade urbana sugerem que as mesmas

pretendem inserir-se em uma continuidade temporal e

espacial através dos procedimentos de

descentralização (pela legitimação do não-humano,

das gerações futuras, dos parceiros inertes ou

virtuais), de restauração (pela reciclagem de recursos

naturais, bairros, rios, ofícios, saberes, imagens e

instituições) e de interação dos fenômenos urbanos (o

ar da cidade com o ar do planeta, a ocupação do solo

com o abastecimento d‘água, atividades presentes e

valores herdados, agências de urbanismo com

instâncias de concentração)”

Os procedimentos podem ser compreendidos como possíveis grupos de

políticas e ações necessárias para a busca da sustentabilidade. Assim,

procedimentos de manutenção e preservação dos recursos naturais,

ambientais e culturais; de restauração e interação dos fenômenos urbanos

com os ambientais e sociais bem como procedimentos de reestruturação

social e institucional podem ser compreendidos como caminhos rumo à

sustentabilidade urbana. Sistemas de indicadores possibilitam o diagnóstico

ou monitoramento das ações, subsidiando decisões e servindo de

Page 56: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

64

instrumentos de controle do planejamento urbano. Através das suas

informações se prevê o direcionamento e a eficácia das ações em direção à

meta pré-estabelecida. Indicadores são muito úteis em duas formas na busca

da sustentabilidade: identificando áreas onde ações são necessárias, quando

sistematicamente alimentados, e monitorando o caminho no qual o sistema se

comporta, provendo importantes informações para inovações e estratégias

(HALLSMITH, 2003). Entretanto, indicadores são apenas informações, um

instrumento de controle, eles não nos dizem qual a melhor ação ou estratégia

a ser tomada. Para tanto, é necessário ter uma compreensão dos sistemas e

suas relações no planejamento de qualquer política ou ação de intervenção

urbana, tirando vantagens do momento presente e evitando consequências

futuras indesejadas. É através dessa compreensão que os indicadores devem

ser buscados e lidos, dando uma visão clara de aproximação ou não de um

padrão de sustentabilidade de acordo com o que é entendido por

sustentabilidade urbana (FLORISSI, 2009).

Cada um dos subsistemas envolvidos na busca da sustentabilidade

urbana deve ser monitorado. Por subsistemas compreendem-se as

dimensões inseridas no conceito de desenvolvimento sustentável, sendo elas

a ambiental, a cultural, a social, a econômica e a institucional. O

monitoramento de cada um desses sistemas deve estar coerente com os

propósitos inseridos no conceito de sustentabilidade urbana, sendo estes:

recuperação e preservação da qualidade do seu ambiente construído e do

seu ambiente natural; modificação do padrão de desgaste dos recursos

naturais e do seu patrimônio cultural; reestruturação social e institucional; e

fortalecimento da sua capacidade de governança e gestão. Tais propósitos

são percebidos através da capacidade dos sistemas de suprirem as

necessidades a eles vinculadas, identificadas basicamente por bem-estar

físico e social; acesso à cultura; segurança econômica e governança.

6.2 ASPECTOS GERAIS

Apesar de serem diversas as definições de indicadores, pode-se assumir

que os indicadores estabelecem um padrão, seja para a avaliação do estado

da realidade, através de um diagnóstico ou monitoramento que subsidie

Page 57: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

65

estratégias e prioridades, seja para a avaliação do desempenho de políticas e

programas, medindo o alcance dos objetivos (eficácia), o uso dos recursos

(eficiência) e as mudanças operadas (impacto), FLORISSI (2009). A

construção dos indicadores dependerá, assim, do uso específico a que devam

servir, ou seja, devem se adequar àquilo que pretendem medir‖. Essa

definição do padrão dos indicadores é um primeiro momento para sua

construção.

Na avaliação de Florrissi (2009), é limitado o uso de indicadores como

diagnóstico, servindo como uma visão panorâmica da realidade e ao

monitoramento da mesma, sem entrar no âmbito da avaliação de eficiência ou

eficácia de políticas ou programas. Monitoramento é aqui compreendido como

sendo ―uma observação mais descritiva do processo de implementação da

ação ou, em outras palavras, a verificação e o relato do que está ocorrendo‖

(FURTADO, 2002). Esses indicadores permitem a construção de um quadro

básico de prioridades, tendo seu caráter descritivo reforçado, o que permite

tanto hierarquizar áreas de atuação como a identificação dos problemas a

serem enfrentados em cada lugar (CARDOSO, 1998).

Concordando com Meadows (1998 apud BELLEN, 2005), a utilização de

indicadores é uma maneira de monitorar sistemas complexos socialmente

considerados importantes de ser ter controle. Quando se trata de sistemas ou

conjuntos de indicadores, além da possível utilização de diferentes tipos,

comumente utiliza-se diferentes dimensões, existindo sistemas para áreas

específicas como saúde, educação, economia, etc. Como exemplificado em

Jannuzzi (2001), num recorte internacional, pode-se citar o Sistema Mínimo

de Indicadores Urbanos, proposto pelo Centro das Nações Unidas para os

Assentamentos Humanos, na orientação das diretrizes propostas nas

Conferências Habitat, no qual são listados indicadores para Uso do Solo

Urbano, Habitação, Meio Ambiente, Desenvolvimento Socioeconômico e

Transporte Urbano (FLORISSI, 2009).

No Brasil, são vários os sistemas de indicadores sociais utilizados, tais

como o Sistema de Indicadores para Políticas Urbanas, o Sistema de

Indicadores de Saúde, o Sistema de Indicadores para o Mercado de Trabalho,

entre outros. No caso dos sistemas de indicadores ambientais, verificam-se

Page 58: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

66

três vertentes principais na definição das dimensões utilizadas, como exposto

por Braga et al (2004), sendo estas: a ―biocêntrica, na qual se busca

principalmente indicadores biológicos, físico-químicos ou energéticos de

equilíbrio ecológico de ecossistemas; a ―econômica, no qual se busca

avaliações monetárias do capital natural e do uso dos recursos naturais; e

uma terceira vertente que busca indicadores que combinem aspectos do

sistema econômico e da qualidade de vida humana, bem como aspectos dos

sistemas político, cultural e institucional.

A proposta da pesquisa de Florrissi enquadra-se nessa última vertente

de indicadores ambientais, uma vez que é percebido como essencial ao

debate da sustentabilidade a utilização de informações que mesclem

questões relacionadas às suas diversas dimensões, e por isso essa visão foi

enquadrada nesse estudo. Como explicitado anteriormente, desenvolvimento

sustentável não é percebido apenas através das preocupações relativas ao

meio ambiente natural, mas sim no conjunto de sistemas que dão suporte a

uma continuidade tanto dos recursos naturais quanto da identidade e do

sentido de pertencimento supridos através do sistema cultural.

Quanto ao número de indicadores ideal, não existe um padrão, variando

segundo a proposta. O que se observa nas experiências é que em se tratando

de sistemas de indicadores para o desenvolvimento sustentável em uma

escala nacional, os conjuntos propostos possuem, em geral, um número alto

de indicadores. Esse é o caso do Brasil, no conjunto proposto pelo IBGE

(2000) composto por 60 diferentes indicadores divididos em quatro

dimensões; ou o conjunto de indicadores do Reino Unido (2005), formado por

68 indicadores. Já quando a proposta é para um âmbito local, têm-se

verificado conjuntos menores, como no caso do conjunto de Indicadores

Comuns Europeus (2003), composto por 10 indicadores principais; ou o

trabalho “Índice de Sustentabilidade Municipal “(2004), que propõe um

sistema de quatro 57 índices temáticos compostos de 14 indicadores.

Todavia, o que é proposto na pesquisa de Florissi (2009) segue a tendência

em se utilizar um menor número de indicadores na expectativa de se trabalhar

com um sistema mais enxuto e permitindo uma leitura mais rápida.

Page 59: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

67

6.3 INDICADORES PARA O MONITORAMENTO DO DESENVOLVIMENTO

SUSTENTÁVEL

Na década de 1990, percebeu-se uma forte retomada na discussão da

construção de indicadores em resposta à exigência de instrumentos de

avaliação de políticas públicas por parte dos organismos internacionais de

financiamento (CARDOSO, 1998) bem como pela necessidade de identificar

variações, comportamentos, processos e tendências e de estabelecer

comparações entre países e regiões distintas (IBGE, 2004). Com o

surgimento das preocupações referentes à sustentabilidade, surgiram

estudos, discussões e elaborações de diversas propostas de sistemas de

indicadores de desenvolvimento sustentável. Esses sistemas, ora são

compostos de indicadores novos e específicos ao tema, ora são uma junção

de indicadores já existentes, agrupados em algumas dimensões de análise,

tais como econômica, social, ambiental e institucional, como é o caso do

conjunto de indicadores de desenvolvimento sustentável para o Brasil

proposto pelo IBGE (2008). Esse agrupamento é explicado, por um lado, por

ser mais prático e imediato utilizar indicadores já existentes, uma vez que sua

formulação é uma tarefa trabalhosa que demanda tempo e recursos; e, por

outro lado, pela essência sistêmica do discurso da sustentabilidade, sendo

aceita a necessidade de ver a realidade como um sistema complexo em que

vários subsistemas interagem influenciando uns aos outros (FLORISSI, 2009).

Contudo, a análise paralela de diferentes aspectos de uma realidade não

necessariamente significa que esta realidade esteja sendo percebida de

forma sistêmica. Indicadores de sustentabilidade não podem ser pensados e

formulados dentro do paradigma mecanicista em que a realidade é analisada

em blocos independentes por, pelo menos, dois motivos: primeiro, tratar de

estruturas ambientais é entrar em contato com uma série de elementos que

estão interagindo e trocando informações entre si e entre sistemas diferentes,

em um processo dinâmico; e, segundo, o próprio conceito de

desenvolvimento sustentável encerra em si a preocupação, ao mesmo tempo,

de diferentes dimensões em interação, caracterizando uma abordagem

sistêmica (FLORISSI, 2009).

Page 60: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

68

Para saber se uma sociedade está rumando para o seu desenvolvimento

sustentável, apropriados sistemas de indicadores de desenvolvimento tornam-

se fundamentais ferramentas no suporte e/ou avaliação de programas e

políticas, dando evidências empíricas de um determinado recorte da

realidade. Esses recortes, quando analisados em conjunto e dentro do

contexto em que se encontram, são como fotografias que mostram uma

imagem congelada de um momento no tempo. Ao olhar para essa imagem se

tem uma determinada situação e, ao compará-la com uma imagem de um

momento distinto, podemos acompanhar, medir e monitorar qual o caminho

seguido. Contribuem, assim, para municiar os gestores de políticas de

desenvolvimento, permitindo avaliar os avanços ou entraves encontrados na

asseguração do desenvolvimento de uma relação urbano-ambiental mais

sustentável. Os indicadores devem formar uma imagem condizente com a

imagem idealizada no discurso-base, e o desafio encontra-se nessa ponte

entre a fundamentação teórico-conceitual e quais os atributos que melhor

caracterizam a realidade analisada.

As discussões sobre a necessidade de utilizar métodos de mensurações

do desenvolvimento sustentável vêm ocorrendo desde a década passada. A

Agenda 21, resultado da Rio 92, expressou a necessidade de se formular

conjuntos de indicadores de forma a monitorar o alcance da sustentabilidade.

Posteriormente, em 1996, a publicação “Indicadores de desarollo sostenible:

marco y metodologia”, também conhecido como Livro Azul, tornou-se um

marco no início da consolidação de informações que permitam o

monitoramento e controle do desenvolvimento em busca da sustentabilidade.

Desde então, são inúmeros os trabalhos e as proposições de sistemas

ou índices que meçam a sustentabilidade. Várias nações passaram a

construir seu próprio conjunto de indicadores de desenvolvimento sustentável

e o mesmo passou a ocorrer em escala local, tendo diversas cidades

buscando consolidar seus próprios sistemas de informação. Contudo, apesar

do progresso na construção de sistemas de indicadores de sustentabilidade,

ainda é grande o desafio de fornecer um retrato da situação de maneira

simples, uma vez que envolve um grande número de informações de

sistemas diferentes, tornando complexa a análise.

Page 61: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

69

Alguns autores consideram necessária a construção de indicadores que

inter-relacionem informações de sistemas diferentes, ao invés de analisá-los

isoladamente, dando uma fotografia do todo e não somente das partes.

Segundo Dahl (1997 apud BELLEN, 2005), o indicador deve medir a função

dentro do sistema que melhor represente sua capacidade de continuar no

futuro. No momento presente, a consolidação de conjuntos de indicadores

cada vez mais compreensíveis, cobrindo o estado e as tendências dos fatores

econômicos, sociais e ambientais relevantes à sustentabilidade, provém uma

primeira aproximação de onde estamos e para onde estamos indo (idem).

No próximo capítulo, são avaliados comparativamente trabalhos

contemporâneos que tratam especificamente de indicadores de

sustentabilidade urbana. Esta avaliação, feita por FLORISSI (2009), é uma

comparativa que envolverá a discussão sobre quais indicadores foram

utilizados e qual a base conceitual que dá sustentação aos mesmos.

6.4 IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DE CASOS DE INDICADORES DE

DESENVOLVIMENTO URBANO SUSTENTÁVEL

Neste capítulo, são demonstradas quatros análises propostas por

FLORISSI (2009) de conjuntos de indicadores de sustentabilidade, sendo

duas experiências nacionais e duas internacionais. A primeira é uma proposta

de um sistema de indicadores comuns europeus. Projeto de parceria entre

governos e o terceiro setor, objetiva a consolidação de uma metodologia de

concepção e construção de indicadores que possibilitem analisar um padrão

de desenvolvimento entre distintas localidades européias. A segunda

proposta é um programa iniciado em 1994, na cidade de Santa Mônica,

Califórnia, em que vêm sendo monitoradas estratégias de atuação em direção

a uma relação mais sustentável entre os sistemas ambiental, econômico e

social.

Das nacionais, a quarta proposta tem como objetivo a construção de um

índice de sustentabilidade local que permita a avaliação e comparação do

grau e do padrão de desenvolvimento local, tendo como recorte empírico a

Bacia do Piracicaba, em Minas Gerais. O quinto conjunto de indicadores é a

proposta do Observatório Regional Base de Indicadores de Sustentabilidade

Page 62: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

70

(Orbis), no Paraná. É integrado à Rede Mundial de Observatórios do Habitat,

Programa das Nações Unidas, e representa a primeira experiência mundial de

observatório urbano com apoio de entidades empresariais a buscar condições

dignas de vida para todos.

6.4.1 Indicadores Comuns Europeus ( Europeans Commons Indicators)

O trabalho “Indicadores Comuns Europeus” é uma iniciativa focada no

monitoramento da sustentabilidade ambiental para o nível local. Projeto

financiado pela Comissão Européia, pelo Ministério do Meio Ambiente e

Território da Itália e pela Agência Nacional de Proteção Ambiental da Itália e

coordenado e gerenciado pelo Instituto de Pesquisas Ambiente Itália, com

parceria da Eurocities4 e Legambiente5, entre os anos de 2000 e 2003.

Um conjunto de dez indicadores de sustentabilidade ambiental foi

desenvolvido em parceria com stakeholders, tendo sido desenvolvidas

metodologias para coleta de dados para cada um dos indicadores. As cidades

participantes podem publicar e comparar seus dados com os de outras

cidades através do website da Agência Ambiental Europeia, o

EnviroWindows. Através do uso do site eles automaticamente informam à

Agência a utilização dessa ferramenta e dos serviços relacionados, ambos

gratuitos. Até a data do estudo, 148 municipalidades já tinham aderido ao

programa. O objetivo é desenvolver e testar indicadores que reflitam as ações

locais em direção ao desenvolvimento sustentável de forma integrada aos

princípios de desenvolvimento sustentável assumidos, sendo estes

(AMBIENTE ITALIA, 2003):

4 Fundada em 1986, é uma rede formada por mais de 120 cidades europeias, agrupando mais de

30 países. Provê uma plataforma em que são compartilhados conhecimentos e idéias, experiências,

análise de problemas comuns e o desenvolvimento de soluções inovadoras através de Fórum, Grupos de

Trabalho, Projetos, atividades e eventos (EUROCITIES, 2006. Website).

5 É uma das associações ambientalistas mais difundidas na Itália, sendo reconhecida pelo

Ministério do Meio Ambiente como uma associação de interesse ambiental, fazendo parte do Bureau

Européen de l'Environnement e da International Union for Conservation of Nature.

Page 63: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

71

i. Igualdade e inclusão social (acesso a serviços de qualidade e

disponíveis a todos como, por exemplo, educação, emprego, energia,

saúde, habitação, treinamento, transporte);

ii. Governança/empoderamento/democracia local (participação de todos os

setores da comunidade local no processo de planejamento e tomada

de decisão local);

iii. Relação local/global (garantindo necessidades locais, da produção ao

consumo e distribuição, e das necessidades que não possam ser

resolvidas localmente de forma mais sustentável);

iv. Economia local (igualar aptidões e necessidades locais com

disponibilidade de empregos e outras facilidades, de uma maneira que

imponha a mínima ameaça aos recursos naturais e ao meio ambiente);

v. Proteção ambiental (adotar uma abordagem ecossistêmica, minimizando

o uso de recursos naturais e terra, geração de lixo e emissão de

poluentes, aumento da biodiversidade);

vi. Herança cultural/qualidade do ambiente construído (proteção,

preservação e reabilitação de valores históricos, culturais e

arquitetônicos, incluindo prédios, monumentos, eventos, aumentando e

salvaguardando a atratividade e a funcionalidade de espaços e

prédios).

vii. Com o requisito de integrar no mínimo três dos princípios acima

descritos e através de uma lista de critérios previamente estabelecidos,

mais de mil indicadores foram analisados.

Após a triagem, os indicadores foram submetidos a diversas rodadas

junto a algumas cidades de maneira que, por fim, estabeleceram-se dez

indicadores principais comuns descritos na Tabela 6.

Page 64: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

72

O Projeto de Indicadores Comuns Europeus estabeleceu um sistema

compartilhado de indicadores que permite a comparação entre os municípios

europeus na finalidade de estabelecer práticas para a sustentabilidade

(AMBIENTE ITALIA, 2003).

Dessa maneira, promove o uso de indicadores para medir o progresso

em direção à sustentabilidade, enfatizando a necessidade de focar não

somente em indicadores de sustentabilidade ambiental, mas também no

desenvolvimento de indicadores de escolha de estilos de vida sustentáveis e

qualidade de vida urbana, de forma a conciliar a sustentabilidade ambiental

Tabela 6- INDICADORES COMUNS EUROPEUS – TEMAS E INDICADORES. Fonte: European Common Indicator

Project Report (AMBIENTE ITALIA, 2003, tradução FLORISSI,2009.)

Page 65: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

73

com o bem-estar social. Através de um recorte local de análise e posterior

comparação entre diferentes cidades européias, os indicadores são

assumidos como instrumentos e ferramentas para o gerenciamento urbano

direcionado à sustentabilidade.

Além de já ter sido incorporado em diversas políticas locais de

sustentabilidade, o Projeto tem servido de base metodológica na criação de

outros indicadores comuns para grupos específicos de cidades — como

exemplo, o grupo das sete maiores cidades dos países nórdicos. Um dos

objetivos da montagem desse sistema de indicadores é servir de suporte à

definição das Estratégias Temáticas sobre o Ambiente Urbano da Comissão

Européia (Thematic Strategy on Urban Environment — TS-EU).

No Projeto, são dez as dimensões sugeridas, sendo cada uma o próprio

indicador, dando uma visão da direção à sustentabilidade através de uma

leitura conjunta dos dez indicadores e suas tendências. As preocupações

relativas à qualidade do meio ambiente (qualidade do ar, poluição sonora, uso

sustentável da terra, mudanças climáticas); qualidade de vida (satisfação com

a comunidade local, mobilidade local e transporte de passageiros,

disponibilidade de locais públicos abertos e de serviços); e aspectos como

gestão ambiental e consumo são mesclados, não sendo feita uma divisão por

áreas ou grupos temáticos específicos.

As informações monitoradas pelos indicadores cobrem os sistemas

considerados na definição que embasa o projeto, embora, aspectos como

igualdade e inclusão social, segurança e saúde, herança cultural e qualidade

do ambiente construído sejam considerados apenas na composição dos

indicadores, não sendo explicitados de forma direta no conjunto dos

indicadores.

Page 66: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

74

6.4.2 Indicadores de Sustentabilidade Urbana da Cidade de Santa

Mônica, Califórnia

A cidade de Santa Mônica pertence à área metropolitana de Los Angeles,

estando a 16 milhas do seu centro e tendo aproximadamente 87 mil habitantes.

Possui, desde 1994, um plano de estratégias e ações voltado ao alcance de um

desenvolvimento urbano sustentável (Sustainable City Plan — City of Santa

Mônica, 2003). No seu início, o Plano era um programa para Cidade Sustentável

adotado pelo seu Conselho Municipal de forma a dar início às questões voltadas

à sustentabilidade da comunidade. O Programa foi revisto e ampliado em 2003,

incorporando novas metas relacionadas à conservação e potencialização dos

recursos naturais locais, salvaguarda da saúde humana e ambiental, manutenção

de uma economia saudável e diversificada e aumento da habitabilidade e

qualidade de vida de todos os seus membros.

O Plano de Sustentabilidade da Cidade de Santa

Mônica é estruturado para nos ajudar, enquanto

comunidade, a pensar, planejar e agir de forma mais

sustentável — nos ajudar a resolver as raízes dos

problemas, em vez dos seus sintomas, e prover

critérios de análise de longo-prazo, ao invés dos

impactos de curto-prazo das nossas decisões — em

resumo, nos ajudar a pensar sobre o futuro quando

estivermos tomando decisões sobre o presente

(Sustainable City Plan – City of Santa Mônica, 2003,

website, tradução FLORISSI, 2009).

No Plano de Sustentabilidade são explicitados nove princípios que

fornecem a base nas quais todas as decisões são tomadas, sendo estes:

i. O conceito de sustentabilidade guia as políticas municipais;

ii. Proteção, preservação e restauração do ambiente natural são de alta

prioridade à cidade;

iii. Qualidade ambiental, saúde econômica e equidade social são

mutuamente dependentes;

iv. Todas as decisões têm implicações para a sustentabilidade de longo-

prazo da Cidade de Santa Mônica;

Page 67: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

75

v. Consciência comunitária, responsabilidade, participação e educação são

elementos-chave de uma comunidade sustentável;

vi. Santa Mônica reconhece sua ligação com as comunidades regionais,

nacionais e globais;

vii. As questões de sustentabilidade mais importantes para a comunidade

serão primeiramente agendadas, e os programas e políticas mais

custo-efetivo serão selecionados;

viii. A Cidade se compromete a obter decisões as quais minimizem impactos

ambientais e sociais negativos;

ix. Parcerias entre setores transversais são necessárias ao alcance de

objetivos sustentáveis.

Com base nesses princípios, o Plano possui oito áreas temáticas de

atuação, as quais, vistas em conjunto, representam o que é assumido por

sustentabilidade, sendo: (i) conservação dos recursos, (ii) saúde pública e

ambiental, (iii) transporte, (iv) desenvolvimento econômico, (v) espaços

abertos e uso da terra, (vi) habitação, (vii) educação comunitária e

participação civil; e (viii) dignidade humana.

Para cada uma das áreas foram estipulados dois ou mais objetivos,

metas a serem alcançadas e formulados indicadores de monitoramento. As

metas são representadas como alvos numéricos a serem atingidos no ano de

2010, tendo como base o ano de 2000 ou, em casos de dificuldade de acesso

ou limitação das informações, as metas numéricas foram substituídas por

tendências na direção do indicador. Utilizam dois tipos de indicadores assim

por eles classificados: os de Sistema, no qual são medidos o estado, a

condição e a pressão da comunidade para cada objetivo; e os indicadores de

Programa, que medem a performance ou efetividade de ações, políticas e

programas específicos adotados pela Prefeitura, ou algum outro stakeholder

(City of Santa Monica, 2003, website). Possui uma matriz que relaciona os

objetivos com os indicadores, demonstrando o uso de um mesmo indicador

para diferentes metas, sendo ao todo, 18 objetivos e 66 indicadores.

De maneira a listar os indicadores utilizados no Plano de

Sustentabilidade de Santa Mônica, cada grupo de meta com seus respectivos

Page 68: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

76

indicadores encontram-se listados no Quadro 03 que segue. Através dessa

estrutura de indicadores e metas, as oito áreas temáticas são monitoradas e

acompanhadas as tomadas de decisão em direção à sustentabilidade.

Informações completas e detalhadas de cada área, objetivo, meta e indicador,

bem como tendências e estados da sustentabilidade, podem ser acessados

no site da Prefeitura de Santa Mônica6.

6 Disponível em http://santa-monica.org/epd/scp/index.htm

Tabela 7-INDICADORES POR GRUPO - PLANO DE SUSTENTABILIDADE DE SANTA MÔNICA

Page 69: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

77

A iniciativa da gestão da sustentabilidade da cidade de Santa Mônica

tem um forte componente ambiental em que a cidade é vista como um

sistema composto de subsistemas em interação, possuindo informações que

permitem o controle dos mesmos e suas conexões. Suas oito áreas de

análise cobrem os sistemas e aspectos por eles considerados como alicerces

à sustentabilidade, sendo estes o ambiental, o econômico e o social (aqui

englobando aspectos relacionados à educação, saúde, habitação e

participação comunitária).

Esta abordagem traz um importante diferencial, significando clareza e

objetividade no que é entendido por cidade sustentável e quais os atributos

Tabela 7-INDICADORES POR GRUPO - PLANO DE SUSTENTABILIDADE DE SANTA MÔNICA (Continuação)

Page 70: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

78

que esta deve possuir e que precisam ser alcançados. Essa objetividade

permite um monitoramento direcionado a um fim previamente estipulado,

garantindo o conhecimento de quais aspectos estão melhorando ou não, se

estão estáveis ou com informações insuficientes, possibilitando estratégias de

longo prazo. A gestão é compartilhada e o acesso às informações é de

domínio público.

6.4.3 Índice de Sustentabilidade Urbana da Bacia do Piracicaba, Minas

Gerais

Este estudo de caso é o índice de sustentabilidade urbana proposto pelo

grupo de pesquisas do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional

da Universidade Federal de Minas Gerais (Cedeplar/UFMG). O estudo propõe

a construção de índices de sustentabilidade local possíveis de serem

aplicados em diferentes localidades. A região empírica de análise é a Bacia

do Piracicaba, em Minas Gerais. Assume como conceito de 77

desenvolvimento sustentável uma combinação entre as definições adotadas

pelo Fórum Urbano Mundial — Urban World Forum, 2002 e pela terceira das

matrizes discursivas proposta por Acselrad (2001) de forma que um município

“é considerado mais ou menos sustentável à medida que é

capaz de manter ou melhorar a saúde do seu sistema

ambiental, minorar a degradação e o impacto antrópico,

reduzir a desigualdade social e prover os habitantes de

condições básicas de vida, bem como um ambiente saudável e

seguro, e ainda de construir pactos políticos que permitam

enfrentar desafios presentes e futuros. Ademais, para ser

considerada sustentável, não é suficiente que confira a seus

habitantes condições ambientais equilibradas, mas que o faça

mantendo baixos níveis de externalidades negativas sobre

outras regiões (próximas ou distantes) e sobre o futuro”

(BRAGA, 2004).

Dada a definição, é proposto, então, um índice de sustentabilidade urbana

composto de quatro índices temáticos divididos entre indicadores de estado-

pressão-resposta, sendo estes: (i) qualidade do sistema ambiental local; (ii)

qualidade de vida; (iii) redução do impacto, ou pressão antrópica; e (iv)

capacidade política e institucional. Por qualidade do sistema ambiental,

Page 71: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

79

compreende a saúde do sistema ambiental local medida através da qualidade da

água e biota do rio, uma vez que serve de registro das alterações e agressões

ocorridas em sua bacia de drenagem – indicador de estado. Por qualidade de

vida compreende a qualidade da vida humana, medida através de indicadores de

nutrição, abrigo e saúde; e a qualidade do ambiente construído no momento

atual, medida através de indicadores de conforto ambiental urbano e qualidade

da habitação – indicador de estado.

O terceiro índice temático, redução do impacto antrópico, é compreendido

como a medida do estresse interno às cidades e no seu entorno decorrente das

intervenções antrópicas sobre o sistema ambiental local – indicador de pressão.

Por fim, o último índice temático, capacidade política e institucional, é

compreendido como a capacidade dos sistemas político, institucional e cultural

locais de enfrentar os desafios e as barreiras em direção à sustentabilidade –

indicador de resposta. Na Tabela 8 abaixo se encontram listados os indicadores

que compõe cada índice temático.

Os dados que compõem as variáveis utilizadas no cálculo de cada

indicador foram selecionados a partir de uma revisão bibliográfica e no projeto

Biodiversidade, População e Economia (PAULA apud BRAGA, 2004). Para a

Tabela 8-ÍNDICE DE SUSTENTABILIDADE URBANA: ÍNDICES TEMÁTICOS E INDICADORES. Fonte:

Índices de Sustentabilidade Municipal (BRAGA, 2004).

Page 72: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

80

seleção, foram assumidos como critérios de escolha a relevância das

variáveis em traduzir os fenômenos; a aderência local, isto é, a capacidade do

dado em captar o fenômeno produzido ou passível de transformação no plano

local; a disponibilidade (cobertura e atualidade dos dados); a capacidade de

permitir comparações temporais; e a possibilidade de cálculo em outras

localidades (BRAGA, 2004). Na medida do possível, utilizaram informações já

consolidadas ou existentes (por exemplo, o uso do IDH) ou, então, proxies (o

índice de qualidade das águas é tomado como proxy para a qualidade do

sistema ambiental local).

A não utilização de pesos diferentes nos cálculos dos indicadores e dos

índices temáticos se deve ao fato ―da ausência de consenso científico sobre

o peso específico das contribuições relativas de cada variável para o

fenômeno sustentabilidade‖ (BRAGA, 2004), critério assumido no trabalho

Environmental Sustainability Index (ESI) (2002)7 o qual o estudo toma como base.

O estudo concluiu através da aplicação dos índices em municípios da Bacia

do Piracicaba que nenhum deles apresenta padrão de desenvolvimento

sustentável, tendo em todos eles alguns indicadores com desempenho inferior à

média e evidenciando-se um trade-off entre desenvolvimento e qualidade

ambiental. No entanto, o estudo sugere ser possível enfrentar e superar esse

trade-off e construir um padrão de desenvolvimento mais sustentável (BRAGA,

2004). Dessa forma, mesmo através da utilização de informações já existentes

em diferentes escalas, períodos e cobertura, o estudo demonstrou a possibilidade

de construção de um sistema coeso e coerente de indicadores para a avaliação

do padrão de desenvolvimento sustentável local e para a comparação entre

localidades distintas(FLORISSI, 2009).

Ao agrupar os indicadores em quatro dimensões de análise, transformando

cada uma em um índice temático específico de estado, pressão e resposta, é

possibilitada uma análise do grau de sustentabilidade, como também uma leitura

específica de qual dimensão contribui mais, ou menos, na trajetória do sistema

rumo à sua sustentabilidade, deixando clara a importância das relações entre os

sistemas envolvidos.

7 Trabalho desenvolvido pelas Universidades de Yale e Columbia. Propõe um ranking de países

através de um conjunto de indicadores relativos a desenvolvimento e meio ambiente.

Page 73: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

81

A iniciativa traz uma válida experiência metodológica na triagem de

estatísticas e no uso das mesmas na produção de indicadores que, em conjunto,

fornecerão uma leitura do grau de sustentabilidade urbana, podendo ser aplicado

em distintas localidades. Contudo, apesar do trabalho não ter apenas um

enfoque ambiental, dando destaque às questões sociais e institucionais como

importantes no processo do desenvolvimento sustentável, nenhuma menção é

feita sobre a sustentabilidade do patrimônio cultural, ou da importância da cultura.

As questões relativas ao legado histórico e cultural das cidades e, nesse

caso, da região, não são consideradas na definição e no monitoramento da

sustentabilidade urbana.

6.4.4 Indicadores de Desenvolvimento Sustentável de Curitiba

O Orbis constitui o esforço de instituições do Paraná no avanço de

questões referentes ao desenvolvimento sustentável. Desde 2004, tem a

missão de contribuir com a promoção do desenvolvimento sustentável, em

parceria com atores sociais, públicos e privados, organizando e monitorando

sistemas de indicadores de sustentabilidade; produzindo estudos, análises e

conhecimento; apoiando processos de reflexão e a tomada de decisão sobre

os rumos do desenvolvimento regional (OBSERVATÓRIO REGIONAL BASE

DE INDICADORES DE SUSTENTABILIDADE - ORBIS, 2008).

O Orbis é integrado à Rede Mundial de Observatórios do Habitat, do

Programa das Nações Unidas sendo um programa do Instituto de Promoção

do Desenvolvimento (IPD)8 apoiado pelo Sistema Federação das Indústrias do

Estado do Paraná (Fiep) e certificado pelo Observatório Global Urbano da

Organização das Nações Unidas. Os indicadores agrupados pelo Orbis são

norteados pela Agenda Habitat e pelos oito Objetivos do Milênio presentes na

Declaração do Milênio das Nações Unidas. Estes objetivos foram definidos na

Assembléia Geral do Milênio, promovida pela ONU em setembro de 2000, em

Nova York, reunindo 147 Chefes de Estado e de Governo de 191 países.

Para monitorar os oito Objetivos do Milênio, o Observatório selecionou

parte dos 48 indicadores estabelecidos pela ONU, seguindo o critério de

8 Disponível em http://www.ipd.org.br/.

Page 74: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

82

adequá-los à realidade da Região Metropolitana de Curitiba, para serem

aplicados na formulação de políticas e planejamento estratégico dos

municípios. Em 2005, o mapeamento se estendeu para o restante do Estado

e teve como objetivo apontar as áreas mais carentes ou críticas que

mereciam receber a intervenção imediata de organismos públicos. Neste

sentido, a equipe do Orbis realizou o levantamento do perfil das localidades

de sua área de abrangência, utilizando dados disponibilizados por institutos

de pesquisa que sinalizam as condições dos municípios e de vida da

população, utilizando indicadores (FLORISSI, 2009).

Tabela 9-OBJETIVOS DO MILÊNIO, REGIÃO METROPOLITANA CURITIBA – ORBIS. Fonte: Objetivos do

Milênio, Região Metropolitana de Curitiba, ORBIS, 2007.

Page 75: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

83

O desenvolvimento sustentável é assumido pelo programa como sendo

o desenvolvimento social, ambiental e econômico, dentro de uma relação

sistêmica. Utiliza 34 indicadores, apresentados no Quadro 06 abaixo, que têm

como fonte o IBGE, a PNAD, Datasus, Secretaria do Meio Ambiente do

Estado, o Ministério da Educação, a Pesquisa de Orçamento Familiar.

Tabela 9-OBJETIVOS DO MILÊNIO, REGIÃO METROPOLITANA CURITIBA – ORBIS. (Continuação). Fonte:

Objetivos do Milênio, Região Metropolitana de Curitiba, ORBIS, 2007.

Page 76: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

84

6.5 ANÁLISE CRÍTICA DOS CONJUNTOS DE INDICADORES

ESTUDADOS

Conforme discorrido na pesquisa de FLORISSI (2009), a cultura é vista

aqui como essencial no processo de sustentabilidade urbana assim como o

meio ambiente natural, caracterizando os dois eixos principais do

desenvolvimento urbano sustentável. A importância da sustentabilidade

ambiental reside na continuidade biológica da vida sobre o planeta enquanto

a sustentabilidade cultural, na importância da continuidade simbólica da vida,

uma preocupação essencialmente humana de sentido de pertencimento, de

identidade, que se manifesta principalmente no nível local. É dada uma

especial atenção aos patrimônios culturais considerados como um ―testemunho

da criatividade humana e o substrato da identidade dos povos‖, conforme

explicitado na Agenda 21 da Cultura (CIDADES E GOVERNOS LOCAIS UNIDOS –

CGLU, 2007), e, por isso mesmo, sendo imprescindível sua sustentabilidade.

Nessa perspectiva, um conjunto de indicadores de sustentabilidade urbana

deve conter informações que representem significativamente ambos os

aspectos, possuindo indicadores específicos às duas dimensões.

As experiências analisadas reafirmam a preocupação que, apesar da

crescente percepção da importância da sustentabilidade cultural local, esta ainda

não está sendo incorporada de forma isolada na avaliação do desenvolvimento

sustentável local, correndo-se o risco de deixar de fora questões cruciais acerca

da identidade local. Políticas de desenvolvimento urbano sustentável devem, ao

lado das questões essencialmente urbanísticas, considerar as dimensões

ambiental, social, econômica e institucional, incorporando as preocupações

crescentes da continuidade dos valores culturais e patrimoniais para as futuras

gerações, bem como da produção de novos ativos culturais, especialmente em

um contexto que se - apresenta evidências suficientes de que a diversidade

cultural no mundo se encontra em perigo devido a uma globalização

padronizadora e excludente, conforme posto na Agenda 21 (Cidades e

Governos Locais Unidos – CGLU, 2007), dessa maneira, um sistema de

indicadores de sustentabilidade urbana deve refletir tais preocupações

(FLORISSI, 2009).

Page 77: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

85

7 A CONSTRUÇÃO DE CIDADES SUSTENTÁVEIS

"Cidade é um lugar onde as pessoas ficam sozinhas juntas."

Herbert Prochnow

Conforme diversos estudiosos, exemplificados por SILVA (2011), tais

como Salvador Rueda, Richard Rogers, Herbert Girardet, entre outros, e suas

respectivas teorias, acredita-se que a solução, ou minimização, ao problema

dos impactos ambientais das cidades contemporâneas esteja na busca por

um “metabolismo” circular para o urbano, propondo assim uma redução

considerável do consumo por meio de aplicações tecnológicas ambientais,

mudança de hábitos e promoção de um programa de educação ambiental

efetivo, redução de resíduos e poluentes, estabilização demográfica,

promoção eficaz de um sistema de reutilização de recursos e energia.

(...) Devemos reciclar materiais, reduzir o lixo, conservar os

recursos não-renováveis e insistir no consumo dos renováveis.

Uma vez que grande parte da produção e do consumo ocorre

nas cidades, os atuais processos lineares de produção,

causadores de poluição, devem ser substituídos por aqueles

que objetivem um sistema circular de uso e reutilização.

Estes processos aumentam a eficiência global do núcleo

urbano e reduzem seu impacto no meio ambiente. Para

atingir este ponto, devemos planejar cada cidade para

administrar o uso dos recursos e para isso precisamos

desenvolver uma nova forma de planejamento urbano

holístico e abrangente. (ROGERS, 2005: 30)

Devem-se pensar as cidades sobre uma abordagem ampla e complexa,

fundamentado por sistemas cíclicos – já que o modelo linear não corresponde

mais às exigências finitas dos recursos – e em cadeia, visando a qualidade e

permanência da vida. É muito restrita e incoerente a ideia de se propor novos

padrões ou modelos de cidade dentro da lógica da diversidade do urbanismo

contemporâneo. Contudo, para melhor compreensão do urbano e suas

escalas de análise, podem-se apresentar metodologias para a acepção da

qualidade morfológica da cidade, vislumbrando melhorias urbanas e por meio

Page 78: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

86

de projetos de equidade social, econômica e ambiental. A percepção de

índices e indicadores deve ponderar os diversos atores sobre o urbano e suas

escalas de atuação na sustentabilidade local, regional e nacional. SILVA,

(2011). Assim, exemplificam-se a Figura 7 e Figura 8.

* Os “Nós”, aqui, substituem a ideia de Redes, já que o primeiro induz à coesão e união dos segmentos, enquanto

que o segundo subentende à lógica de comércio e circulação acelerada de sistemas e mercadorias.

Na Figura 8 apresentam-se quatro temas principais recorrentes em

teorias que se aplicam no processo de percepção dos sistemas urbanos

sustentáveis, a partir dos diversos autores pesquisados, dentre os quais se

elegeu: A) As Conexões Urbanas: Mobilidade, Acessibilidade, Sistema

Viário, Segregação Espacial; B) Identidade e Percepção Ambiental: Social,

Econômico e Cultural, Perceptiva e Visual; C) Morfologia: Aspectos

Morfológicos, Ambiente Edificado; D) Meio Ambiente: Vegetação e

Microclima, Recursos Hídricos, Poluição e Energia. Assim, a partir desses

elementos devidamente parametrizados, quantificados e qualificados

conforme as respectivas unidades de medida e leitura das características, é

possível aplicar uma leitura de indicadores urbanísticos que traduzam a

qualidade espacial de uma cidade (bairros e conjuntos urbanos), podendo-se

ainda estabelecer critérios de ordenação e planejamento urbano.

Figura 7 - Organograma representativo dos Sistemas Urbanos a partir das escalas de análise, os contextos e subcontextos

interligados na promoção da sustentabilidade urbana. Fonte: SILVA, (2011).

Page 79: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

87

Um urbanismo sustentável prima pela diversidade de usos e funções

sobrepostos em um tecido denso e compacto, porém, que respeite as

condicionantes geográficas e ambientais locais e regionais, bem como as

escalas de apropriação do espaço. O lugar, o particular, a identidade cultural,

as especificidades, são estes os atributos que devem estar presentes na urbe

do futuro, esta que reconhece o sentido de comunidade, o ambiente e a

otimização energética.

A cidade sustentável é democrática e participativa, volta-se ao regional,

compreende a morfologia a partir da lógica evolutiva e estruturada para o

crescimento orgânico e em conformidade com o sistema-entorno equilibrado.

Os projetos urbanos sustentáveis obedecem à percepção das escalas,

sustentando as funções vitais, restabelecendo o sentido e orientação no

tempo-espaço, face à necessária adequação aos habitantes, seus usos e

equipamentos. Entende-se que a compacidade urbana deve ser adotada

como configuração espacial e legal, eliminando-se os vazios urbanos (e

aplicando de fato as ferramentas legais existentes nos respectivos Planos

Diretores), encurtando distâncias para o pedestre, aumentando a coesão

social, minimizando a dependência de automóveis individuais (com ênfase ao

Figura 8 - Avaliação das características dos Sistemas Urbanos Sustentáveis, suas conexões urbanas regionais e nós de

sistemas integrados conforme os temas, subtemas e principais parâmetros elencados.Fonte: SILVA, 2009.

Page 80: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

88

transporte coletivo); porém, o nível de compacidade deve respeitar as

condicionantes locais (clima, topografia, patrimônio cultural e ambiental, etc.),

e assim, determinado por meio de pesquisas urbanísticas específicas, e não

padronizadas como são as ferramentas legais aplicadas nas cidades e sob a

conivência do Ministério das Cidades.

Contudo, SILVA transcorre que, antes de se pensar na manutenção da

lógica automotiva individual, as políticas de incentivo ao transporte público de

qualidade, a oferta de acessibilidade e infraestrutura adequada ao pedestre e

ciclistas, a densificação urbana acompanhada da reocupação residencial de

áreas urbanas centrais – dotadas de serviços, equipamentos, infraestrutura,

emprego, cultura – ou mesmo o estabelecimento de um zoneamento urbano

flexível, com uso e ocupação do solo diversificado, são ações que tendem a

mudar a mobilidade urbana atual e minimizar a dependência do veículo

automotivo.

De fato, a produção e reprodução do espaço urbano brasileiro não deve

se dissociar das políticas públicas de inclusão social – com especial atenção

à periferização e ao acesso à moradia de qualidade para a vida humana e

social –, participação popular e de educação qualitativa, para que se

ofereçam ferramentas ao cidadão que possibilitem o reconhecimento da

cidade, sua identidade, suas leis, e que, por sua vez, este possa cobrar

mudanças e melhorias às instituições públicas e privadas, governos e

governantes, ou mesmo ao seu bairro ou rua. A melhora da qualidade de vida

urbana engloba a melhoria humana em diversos aspectos, inclusive, na sua

civilidade. Isso certamente mudará o modelo político de representatividade

vigente no Brasil, já que as instituições, as leis, os governos e a lógica

socioeconômica são o reflexo desta sociedade, com suas limitações e

entraves históricos.

A acessibilidade, o controle (grau de acesso às atividades dos

habitantes), a eficácia (otimização do custo-benefício e manutenção do

projeto pela sociedade), e a justiça socioespacial (distribuição de custos e

benefícios), são elementos de equidade e integração social nesse novo

modelo de cidade. Enfim, a cidade sustentável propõe uma nova forma de

coesão social, na qual é privilegiado o acesso irrestrito do cidadão ao seu

Page 81: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

89

lugar, de forma igualitária e imparcial, reforçando e potencializando seus

aspectos históricos, culturais e ambientais, minimizando os entraves

socioeconômicos e tecnológicos e potencializando a qualidade de vida.

Page 82: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

90

8 CONCLUSÃO

A presente pesquisa buscou compreender os cenários e as respectivas

condicionantes e configurações urbanas, a partir de então, demosntrar

caminhos alternativos para um urbanismo sustentável factível em âmbito

nacional. A partir de um repertório teórico e de análises correlatas de cidades,

teorias, conceitos e formas de planejamento e gestão urbana, compreendeu-

se que alguns preceitos urbanísticos recorrentes podem ser aplicados às

cidades brasileiras, com o intuito de torná-las menos impactantes ao meio e

ao sistema-entorno, promovendo-se ainda a qualidade de vida, melhor

ambiência e a coesão social, entre outros benefícios urbanísticos possíveis.

As frentes de análise urbana, sempre buscaram interpretar os aspectos

sociais, econômicos, ambientais e de gestão/política, porém sem negligenciar

os aspectos socioculturais e históricos. O reconhecimento da cultura, da

memória e da história urbana são elementos enriquecedores à cidade

contemporânea, pois a sustentabilidade da cidade deve priorizar as

manifestações culturais regionalistas, já que estas personificam o lugar e

transmitem a noção de pertencimento das pessoas ao seu lócus. A identidade

urbana e a cidadania coletiva estabelecem níveis de participação e civilidade

imprescindíveis à qualidade da cidade para o futuro. “Sustentar” as relações

culturais e a história urbana é permitir a continuidade do respeito coletivo e do

sentido de comunidade às gerações futuras.

Nesse intuito, os aspectos de densidade e dispersão urbana não só

influenciam o grau de proximidade das construções e custos de acesso à

infraestrutura e serviços, como também impactam na coesão social, no senso

de comunidade e na intensidade das manifestações culturais numa cidade.

Em cidades mais densas, como apontam alguns estudos (principalmente

europeus), o convívio coletivo é intensificado, a participação da coletividade

por sua vez é valorizada e, consequentemente, não só a cultura ganha valor e

personalidade, como o envolvimento da comunidade sobre o domínio público

é potencializado. A diversidade dos portadores de informação é maior na

cidade compacta, ao passo que o convívio das diferenças (sociais, étnicas,

religiosas, culturais) e comportamentos se acentua, há também uma maior

Page 83: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

91

aceitação dos diferentes, segundo alguns estudos. Pesquisas sobre a

psicologia urbana e a relação da morfologia das cidades sobre os indivíduos e

a psique, individual ou coletiva, são temáticas importantes para serem

estudadas no Brasil.

Talvez, numa cidade mais compacta e coesa, é possível estabelecer

maiores graus participação e cidadania, por análise de SILVA (2011), mas os

efeitos culturais específicos dessa afirmação, no caso brasileiro, ainda não

foram comprovados. Mas certamente o apoio social e da governança é o

início do caminho para a difusão da sustentabilidade urbana, especialmente,

nos países classificados como em desenvolvimento.

Por fim, os aspectos socioeconômicos e ambientais são também

afetados na discussão sobre a sustentabilidade urbana. A proposição de uma

maior compactação das partes, intensificação de subcentros, aproximando-se

distâncias e deslocamentos diários entre a casa, o trabalho e o lazer,

transforma a dinâmica urbana e a qualidade de vida para todos. Além de

baratear o acesso à infraestrutura, habitação e transporte, a compactação

urbana associada a uma morfologia “policêntrica” permite que mais pessoas

tenham acesso a cidade à um custo per capita mais baixo para a gestão,

além de otimizar o consumo de recursos naturais, energia e território verde no

sistema-entorno.

Porém, é necessário estabelecer parâmetros de análise da compactação

urbana e sua eficácia, controlando impactos climáticos, otimizando o acesso a

infraestrutura, serviços e equipamentos e, mantendo-se assim, a

sustentabilidade urbana ao longo do tempo. Mais uma vez, é reforçado o

acompanhamento técnico dos processos urbanos pelo planejamento

integrado.

A cidade sustentável também coexiste à economia urbana, pois numa

cidade em que se adotem tais critérios de ocupação, controle e gestão,

certamente a economia urbana é intensificada, a exemplo do que se verificou

em outras cidades no Brasil e no mundo. A geração de “empregos verdes”,

derivados de novas tecnologias ambientais e da gestão ecológica da cidade

tende a atuar num ciclo virtuoso para a sustentabilidade urbana.

Page 84: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

92

Para tanto, é necessário investir em pólos de ciência, tecnologia e

inovação nessa área, o que pode reverberar em maiores oportunidades de

negócios, empregos e marketing urbano para as cidades. O futuro urbano das

cidades no mundo está condicionado às adequações e aplicações

tecnológicas que surgirão, otimizando recursos, minimizando desperdícios,

reciclando matéria e energias (renováveis), reduzindo consumo e resíduos.

Entretanto, essas mudanças não são simples, pois requerem alterações

profundas no sistema produtivo atual, bem como nos hábitos já impregnados

nesta sociedade desde os primórdios da era industrial.

Deve-se pensar a cidade contemporânea sob formas compactas de

ocupação, aumentando-se a sua complexidade e eficiência, promovendo-se

assim a estabilidade social, econômica e ambiental. Para tanto, é necessária

a aplicação e mensuração de indicadores urbanos adaptados para as

análises complexas do urbano em sua região específica, conforme suas

condicionantes regionais, para que a gestão da cidade tenha em mãos

ferramentas eficazes no acompanhamento das mutações urbanas ao longo

do tempo.

Page 85: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

93

9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. ABRAMI, Giovanni. Progetazzione ambientale. Milão, CLUP Editora, 1990.

2. ACSELRAD, Henri. “Discurso da sustentabilidade urbana”, Revista

Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, ano 1, n. 1, 1999;

3. ACSELRAD, Henri (org). A duração das cidades: sustentabilidade e risco

nas políticas urbanas. 2ª edição. Rio de Janeiro, Ed. Lamparina, 2009.

4. ACSELRAD, Henri. Sentidos da sustentabilidade urbana. In: ACSELRAD,

Henri (org.). A duração das cidades: sustentabilidade e risco nas políticas

urbanas. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

5. AMBIENTE ITALIA. European common indicators – towards a local

sustainability profile. AmbienteItalia Instituto di Ricerche, Milão, 2003.

Disponível em: <http://europa.eu.int/comm/environment/

urban/pdf/eci_final_report.pdf > Acessado em: 03 de março de 2005.

6. BELLEN, Hans Michel Van. ―Desenvolvimento sustentável: descrição e

análise das principais ferramentas de avaliação‖. II Encontro da ANPPAS,

26-29 de maio, São Paulo: Indaiatuba, 2004.

7. BRAGA, Tânia Moreira; FREITAS, Ana Paula Gonçalves de; DUARTE,

Gabriela de Souza; CAREPA-SOUZA, Julio. ―Índices de sustentabilidade

municipal: o desafio de mensurar‖. Revista Nova Economia. Belo

Horizonte, 14 (3), 11-33, set.-dez. 2004.

8. CARDOSO, Adauto L. ―Indicadores sociais e políticas públicas: algumas

notas críticas‖. Revista Proposta. Rio de Janeiro, n. 77, jun./ago. 1998.

9. CARMONA, Matthew; TIESDELL, Steve. Urban Design Reader. EUA:

Publish by Elsevier Ltda., 2003.

10. CARVALHO, Aline Werneck Barbosa de. Notas de Aula. Viçosa

DAU/UFV. 2006.

11. CITY OF SANTA MONICA. Santa Monica Sustainable Plan. 2003.

Disponível em <http://santa-monica.org/epd/scp/index.htm>. Acessado

em: janeiro de 2013.

Page 86: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

94

12. FLORISSI, Elena.Desenvolvimento Urbano Sustentável: um estudo sobre

sistemas de indicadores de sustentabilidade urbana / Elena Florissi.

Recife: O Autor, 2009.

13. FURTADO, Fátima. O processo de Monitoramento, Avaliação e Controle

de Projetos. In ZANCHETI, Silvio Mendes (Org) Gestão do Patrimônio

Cultural Integrado. Centro de Estudos Avançados da Conservação

Integrada, Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Urbano,

Recife: Editora Universitária da UFPE, 2002.

14. GIRARDET, Herbert. (1997) Sustainable Cities. In Revista Architectural

Design Profile nº 25, London: Academy Group Ltda.

15. GREGOTTI, Vittorio. El territorio de la arquitectura. Barcelona, Editora

Gustavo Gili, 1972.

16. HALLSMITH, Gwendolyn. The key to sustainable cities. Canada: New

Society Publishers, 2003.

17. LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. São Paulo, Martins Fontes, 2006,

18. LYNCH, Kevin. “Reconsidering the image of the city”, In: CARMONA,

Matthew; TIESDELL, Steve. Urban design reader. UK, Publish by Elsevier

Ltda., 2003, p. 108-113;

19. LYNCH, Kevin. City sense and city design: writings and projects of Kevin

Lynch. Edited by Tridib Banerjee and Michael Southworth. 3ª

Edição. Cambridge, The MIT Press, 1996, p. 247-255.

20. PRIBERAM, 2009.

21. MASCARÓ, Juan (1994). Manual de loteamentos e urbanizações. Porto

Alegre: Sagra – DC Luzzato. 113

22. MORAIS, Souza J. Metodologia de projeto em arquitectura. Lisboa,

Editorial Estampa, 1995.

23. MONTEIRO, C. A. de F. Teoria e clima urbano. Série Teses e Monografias

n. 25. São Paulo, IGEOP-USP, 1976.

24. OBSERVATÓRIO REGIONAL BASE DE INDICADORES DE

SUSTENTABILIDADE (ORBIS). Objetivos do Milênio: Região

Metropolitana de Curitiba, 2007. Disponível em <http://www.orbis.org.br>.

Page 87: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

95

25. PANERAI, Philippe. Análise urbana. Brasília, Editora Universidade de

Brasília, 2006

26. ROGERS, Richard; GUMUCHDJIAN, Philip. Cidades para um pequeno

planeta. Barcelona, Editorial Gustavo Gili, 2001.

27. ROMERO, Marta A. B.. Estratégias Bioclimáticas de Reabilitação

Ambiental Adaptadas ao Projeto. In Reabilitação Ambiental Sustentável

Arquitetônica e Urbanística / Marta Adriana Bustos Romero, org. Brasília:

FAU/UnB, 2009. ROMERO, Marta A. B.. Frentes do Urbano para a

Construção de Indicadores de Sustentabilidade Intra Urbana. In Paranoá:

cadernos de arquitetura e urbanismo da FAU-UnB. Ano 6, n. 4

(novembro/2007). – Brasília: FAU UnB, 2007.

28. ROMERO, Marta A. B.. O Desafio da Construção de Cidades. Revista

Arquitetura e Urbanismo. Ano 21, nº. 142, janeiro de 2006. São Paulo:

Pini, 2006.

29. ROMERO, Marta A. B.. Princípios Bioclimáticos para o Desenho Urbano.

São Paulo: Pró-Editores, 2000. ROMERO, Marta Adriana B.. O Perfil

Urbano e o Comportamento Socioeconômico no DF in PARANOÁ, 2007.

30. ROMERO, Marta Adriana Bustos. A Sustentabilidade do Ambiente Urbano

da Capital. In: Brasília; Controvérsias Ambientais. Aldo Paviani e Luiz

Alberto Campos Gouvêa (org). Coleção Brasília. Editora UnB, Brasília,

2003.

31. ROMERO, Marta Adriana Bustos. Arquitetura do Lugar: uma visão

bioclimática da sustentabilidade em Brasília. São Paulo: Nova Técnica

Editorial, 2011.

32. ROMERO, Marta Adriana Bustos. Urbanismo Sustentável Para a

Reabilitação de Áreas Degradadas: Construindo um Sistema de

Indicadores de Sustentabilidade Urbana. (Relatório de Pesquisa). Brasília:

FAU-UnB, Dezembro, 2008. Disponível em:

<http://vsites.unb.br/fau/pesquisa/sustentabilidade/linhas_de_pesquisa/Pe

squisa/Pesquisa/universal2006REL%20parte%20I.pdf>. Acesso em: 31-

10-2012.

33. RUEDA, Salvador Palenzuela. Modelos e Indicadores para Ciudades más

Sostenibles: Taller sobre Indicadores de Huella e Calidad Ambiental.

Page 88: UM ESTUDO DA TEORIA URBANA SUSTENTÁVEL E SUA … · consequências da densificação e expansão urbana, e isto gerou a desqualificação de certos espaços urbanos, bem como o comprometimento

96

Barcelona: Fundación Forum Ambiental / Departament de Medi Ambient

de la Generalitat de Catalunya, 1999.

34. RUEDA, Salvador Palenzuela. Modelos de Ordenación del Territorio más

Sostenibles – Congreso nacional de medio ambiente. Barcelona,

noviembre, 2002

35. RUANO, M. Eco Urbanismo Entornos Humanos Sostenibles: 60

PROYECTOS. Barcelona: Editora Gustavo Gili S.A., 1999.

36. SANTOS, Milton. (2009) A Urbanização Brasileira. – 5ª Ed., 2. Reimpr. –

São Paulo: EdUSP.

37. SACHS, I. (1993). Estratégias de transição para o século XXI. Para pensar

o desenvolvimento sustentável. São Paulo, Studio Nobel.

38. SILVA, G. J. A., ROMERO, M. A. B.. O urbanismo sustentável no Brasil: a

revisão de conceitos urbanos para o século XXI (parte 01). Arquitextos,

São Paulo, 128.03, Vitruvius, fev 2011. Disponível em:

<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/11.128/3724>.

Acesso em: 04/2012.

39. SILVA, G. J. A., ROMERO, M. A. B.. O urbanismo sustentável no Brasil: a

revisão de conceitos urbanos para o século XXI (parte 02). Arquitextos,

São Paulo, 129.08, Vitruvius, mar 2011. Disponível em:

<http://vitruvius.es/revistas/read/arquitextos/11.129/3499>. Acesso em:

04/2021.

40. SILVA, Geovany Jessé A. da.; NETTO, Luiz da Rosa G. Urbanismo e

Sustentabilidade. Revista Os Urbanitas – Revista de Antropologia Urbana

da Universidade de São Paulo, USP-SP. Ano 4, Vol. 4, Nº5, fevereiro de

2007 – ISSN: 1806-0528. Disponível em: <www.osurbanitas.org>, Acesso

em: 30 de outubro de 2007.

41. Silva, Geovany Jessé Alexandre da. Cidades sustentáveis : uma nova

condição urbana : estudo de caso : Cuiabá-MT / Geovany Jessé

Alexandre da Silva. -- 2011.