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Departamento de Ciências Sociais UM ESTUDO DAS ELITES POLÍTICAS BRASILEIRAS Aluno: Daniel Henrique da Mota Ferreira Orientador: Eduardo Raposo Introdução O presente trabalho busca elucidar a natureza política do Ministério da Justiça pela análise dos ministros que ocuparam o seu cargo entre o governo Jango (1961-1964) e o governo Lula (2003-2010), principalmente, mas já acrescentando informações sobre o governo Dilma (2011- 2016). A pesquisa se insere dentro de um projeto mais amplo que busca compreender os processos de crises políticas e estabilizações que moldaram o Brasil contemporâneo a partir da teoria das elites. A comparação dos diferentes ministérios e secretários com níveis ministeriais fez perceber, como fato inusitado, que o Ministério da Justiça foi aquele com mais atores políticos dentro da longa história analisada. A questão clamava por ser decifrada. Pedia e se retorcia buscando maneiras de se fazer vista. Afinal de contas, por que haveria o Ministério da Justiça de ser aquele com o maior contingente político? Desdobrando a própria pergunta, qual poderia ter sido o papel desempenhado por esse ministério e por suas elites dentro dos contextos macrossociais de nosso Estado-Nação? Ao se estudar o Executivo Federal, a pesquisa como um todo havia focado sua análise em um dos chamados “altos círculos do poder” que, nos termos do sociólogo americano C. Wright Mills, são formados pelos atores centrais na tomada de decisões nacionalmente importantes, devido ao local que ocupavam nas instituições de poder na sociedade. Como escreve Mills: “As the circles of those who decided are narrowed, as the means of decision are centralized and the consequences of decisions become enormous; then the course often rests upon the decisions of determinable circles.”[1]. O mais alto dos círculos (the higher circle) era representado na visão do autor pelos militares, as corporações e o Estado, os quais tinham em comum a sua centralização cada vez maior nas mãos de poucos indivíduos que detinham o poder destas instituições consideradas como o locus do poder. Estas estruturas de poder teriam, na época e na sociedade estudada pelo autor, interesses convergentes capaz de moldar uma ideologia comum entre essa elite detentora do poder . Por essas proximidades e relativa homogeneidade de pensamento, estes indivíduos notáveis foram chamados de Elite do Poder, posto que dela partiam as decisões que poderiam afetar toda a nação. No âmbito do Estado, esta elite estava concentrada no Executivo inchado, que era o centro organizador das decisões. No caso brasileiro, uma produção similar de homogeneidade entre as elites dirigentes- bem apresentados nos trabalhos de José Murilo Carvalho- se deu em nosso passado Imperial [2]. Os quadros administrativos do Império, homogêneos em sua formação, influenciaram na construção de um projeto de poder dotado de certa unidade o que evitou a fragmentação do território brasileiro. Estes quadros administrativos dependiam também da força econômica dos grandes proprietários de terra e precisavam, para manter o seu poder, sempre conciliar seus interesses com os das elites econômicas. Como escreve Carvalho, "o Estado Imperial se tornava, através de sua elite, um instrumento ao mesmo tempo de manutenção e de transformação das estruturas sociais" (P. 181) [2] . A própria elite garantia os interesses da modernização capitalista pelas vias de um Estado de poder discricionário, capaz de alavancar os interesses homogêneos da elite imperial.

UM ESTUDO DAS ELITES POLÍTICAS BRASILEIRAS · Elite do Poder, baseada na ... O que as definições têm em comum é o reconhecimento de que nunca houve nenhuma forma de governo que

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Departamento de Ciências Sociais

UM ESTUDO DAS ELITES POLÍTICAS BRASILEIRAS

Aluno: Daniel Henrique da Mota Ferreira

Orientador: Eduardo Raposo

Introdução

O presente trabalho busca elucidar a natureza política do Ministério da Justiça pela análise

dos ministros que ocuparam o seu cargo entre o governo Jango (1961-1964) e o governo Lula

(2003-2010), principalmente, mas já acrescentando informações sobre o governo Dilma (2011-

2016). A pesquisa se insere dentro de um projeto mais amplo que busca compreender os

processos de crises políticas e estabilizações que moldaram o Brasil contemporâneo a partir da

teoria das elites. A comparação dos diferentes ministérios e secretários com níveis ministeriais

fez perceber, como fato inusitado, que o Ministério da Justiça foi aquele com mais atores

políticos dentro da longa história analisada. A questão clamava por ser decifrada. Pedia e se

retorcia buscando maneiras de se fazer vista. Afinal de contas, por que haveria o Ministério da

Justiça de ser aquele com o maior contingente político? Desdobrando a própria pergunta, qual

poderia ter sido o papel desempenhado por esse ministério e por suas elites dentro dos contextos

macrossociais de nosso Estado-Nação?

Ao se estudar o Executivo Federal, a pesquisa como um todo havia focado sua análise

em um dos chamados “altos círculos do poder” que, nos termos do sociólogo americano C.

Wright Mills, são formados pelos atores centrais na tomada de decisões nacionalmente

importantes, devido ao local que ocupavam nas instituições de poder na sociedade. Como

escreve Mills: “As the circles of those who decided are narrowed, as the means of decision are

centralized and the consequences of decisions become enormous; then the course often rests

upon the decisions of determinable circles.”[1]. O mais alto dos círculos (the higher circle) era

representado na visão do autor pelos militares, as corporações e o Estado, os quais tinham em

comum a sua centralização cada vez maior nas mãos de poucos indivíduos que detinham o

poder destas instituições consideradas como o locus do poder. Estas estruturas de poder teriam,

na época e na sociedade estudada pelo autor, interesses convergentes capaz de moldar uma

ideologia comum entre essa elite detentora do poder . Por essas proximidades e relativa

homogeneidade de pensamento, estes indivíduos notáveis foram chamados de Elite do Poder,

posto que dela partiam as decisões que poderiam afetar toda a nação.

No âmbito do Estado, esta elite estava concentrada no Executivo inchado, que era o centro

organizador das decisões. No caso brasileiro, uma produção similar de homogeneidade entre as

elites dirigentes- bem apresentados nos trabalhos de José Murilo Carvalho- se deu em nosso

passado Imperial [2]. Os quadros administrativos do Império, homogêneos em sua formação,

influenciaram na construção de um projeto de poder dotado de certa unidade o que evitou a

fragmentação do território brasileiro.

Estes quadros administrativos dependiam também da força econômica dos grandes

proprietários de terra e precisavam, para manter o seu poder, sempre conciliar seus interesses

com os das elites econômicas. Como escreve Carvalho, "o Estado Imperial se tornava, através

de sua elite, um instrumento ao mesmo tempo de manutenção e de transformação das estruturas

sociais" (P. 181) [2] . A própria elite garantia os interesses da modernização capitalista pelas

vias de um Estado de poder discricionário, capaz de alavancar os interesses homogêneos da

elite imperial.

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Grande parte do projeto brasileiro foi construído a partir de um vértice político, a

considerar nossas origens ibéricas, imperando a coação do Estado ao consenso de uma

sociedade organizada por baixo [3]. Apesar do caso Norte americano se constituir em um

exemplo de país de “Estado Fraco”, resta uma semelhança no que diz respeito a unidade da

Elite do Poder, baseada na homogeneidade ideológica e proximidade de interesses entre as

estruturas de poder.

Mesmo com estas questões de base para serem investigadas, poucos são os estudos sobre

as elites políticas desenvolvidos em nosso país atualmente. Mais escassos ainda são quaisquer

estudos sobre ministério da Justiça ao longo de nossa história. E no entanto, no desenho

institucional brasileiro, sempre coube a esse ministério uma força considerável, principalmente

com a absorção das atribuições do ministério do interior, ampliando suas atribuições e

competências. Mais ainda, acrescento, dado que a modernização nossa é feita pelo poder quase

discricionário de nosso Executivo e sendo “o direito Administrativo claramente hegemônico

sobre os demais direitos” (P.229) [3], a pasta da Justiça, detém uma enorme importância sobre

os destinos políticos da sociedade brasileira. Não será por outro motivo que Visconde de

Uruguai, um dos patronos de nossa modernização conservadora, foi o titular da pasta da justiça

em sua época.

Alie-se a sua importância política o seu inusitado alto número de ministros (em

comparação aos outros quadros). No período estudado, houve 38 ministros1 nos 593 meses,

quase 50 anos, que separam o governo Jango do último Governo Lula. Por que teria havido

tantos ministros em tão pouco tempo? Seria questão de instabilidade política?

Tendo essa discussão como balizadora, proponho a tese de que o alto número de ministros

da justiça teve a ver com um misto das crises políticas com o duplo papel deste ministério. De

um lado, suas elites deveriam garantir a coordenação política no trato com demais ministérios

e Poder Legislativo. De outro, suas elites parecem ter um diálogo grande de troca e circulação

com as demais funções jurídicas do Estado e com o papel decisivo que toma a frente dos

aparelhos repressivos estatais.

Com estes questionamentos em mente, procurarei primeiramente delinear a base teórica,

que envolverá as discussões sobre as crises à luz do consenso e coesão entre as elites. Tendo

isto em vista, procuraremos avançar para as especificidades das elites no caso brasileiro e do

papel dos magistrados e juristas na consolidação de nosso Estado centralizador. Assentada esta

parte histórica, passaremos para a análise empírica, extraída a partir de nosso método de

pesquisa.

O contato com nosso banco de dados [4] tem nos ajudado o desenvolver “tipos Ideais” no

universo dos Ministros da Justiça aqui estudado.

Esses tipos - que estão sendo formulados - nos ajudarão a compreender como a mudança

de atores (por vezes mais técnicos, outras mais políticos, por vezes autoritários, outras

democráticos) estão associados aos padrões que marcaram o Brasil de ontem e de hoje. Afinal,

como dizia Drumond, “de tudo ficou um pouco”.

Objetivo

1 É preciso uma nota para explicar esse número. Foram inseridos em nosso banco de dados aqueles que

participaram de um mandato presidencial ocupando cargos ministeriais, e as secretariais com níveis de

ministério, além de pessoas jurídicas da administração indireta com nível equivalente também ao ministerial.

Desse modo, o que se privilegiou foram os nomes que apareceram em um mandato. Caso o mesmo nome

reaparecesse em um mandato diverso, ainda assim era considerado como um novo membro da elite. Mesmo

levando isso em consideração a proporção se mantém a mais alta do período e muito acima da média.

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O trabalho se propõe a desvendar a importância política do Ministério da Justiça, dentro

do período que engloba os governos de João Goulart (1961-64) a Dilma (2011-2016), bem

como o porquê de tamanha instabilidade naquele ministério.

Para tanto, busca estabelecer a correlação entre o perfil dos titulares do ministério com

os momentos políticos (democrático e autoritário) e com os econômicos (desenvolvimentistas

e estabilizadores). E, a partir deste ponto, compreender o papel desse órgão e de suas elites no

contexto macrossocial brasileiro.

Metodologia

Para a realização da pesquisa quantitativa, buscamos características pessoais de todos os

atores políticos do primeiro escalão dos períodos presidenciais em estudo. Construímos uma

lista com o nome de cada um deles, baseada na Biblioteca da Presidência da República, que

resultou em 822 atores de 134 instituições diferentes.

Para compreendermos como se fez o recrutamento de nossas elites políticas, foi elaborado

um questionário com 21 perguntas principais envolvendo: o grau de escolaridade do ator em

análise; Sua origem regional; Sua possível ligação familiar com a política; Sua possível relação

com a iniciativa privada; Sua possível ligação partidária, sua possível relação com algum dos

outros poderes da União; A profissão de seu pai e etc. Atualmente, este questionário está sendo

reatualizado com a entrada de novos dados, oriundos dos atores políticos partícipes dos dois

governos da Presidenta eleita Dilma Rousseff.

Esses dados foram coletados a partir dos Verbetes existentes no Dicionário Histórico-

Biográfico Brasileiro da FGV. O material obtido foi ainda colocado em um banco de dados do

SPSS, de forma a podermos fazer os cruzamentos necessários e obter tabelas, gráficos e etc.

Da parte qualitativa, foram reanalisadas as biografias apenas dos Ministros da Justiça para

preencher possíveis lacunas e também se estudou determinadas legislações das épocas em

especial os decretos que modificaram a estruturas e competência do Ministério da Justiça.

Da parte qualitativa, se estudou determinadas legislações das épocas em especial os

decretos que modificaram a estruturas e competência do Ministério da Justiça.

Estabilidade e crises do Estado brasileiro

Nos defrontamos, portanto, com a questão de como um governo procura garantir sua

estabilidade e legitimidade. Tal discussão tem seu primeiro grande expoente em Maquiavel, pai

do realismo político. Com suas reflexões apresentadas n'O Príncipe, o pensador florentino,

deslocou o pensamento de um moralismo político que até então existia para o realismo do poder,

isto é, focou nas estratégias e táticas que devem ser usadas por um indivíduo ou grupo para se

perpetuarem como governantes de modo a garantir o controle de seu reino [5].

Embebidos na mesma fonte maquiaveliana, os pais da teoria das elites contribuíram

grandemente para se compreender as relações entre governantes e governados, focando sempre

no polo dirigente [6]. As definições de elites variam, podendo aparecer como uma minoria

organizada que domina uma maioria desorganizada, nas palavras de Gaetano Mosca, e que

legitimará seu domínio por meio da força social que é dominante [7]. Ou ainda em Pareto, como

aqueles que se destacam em determinada área de expertise, sendo as elites governantes

consideradas entre aqueles que "direta ou indiretamente desempenham uma função notável no

governo" (p. 34) [8] e que irá garantir seu poder por meio da força ou da persuasão .

O que as definições têm em comum é o reconhecimento de que nunca houve nenhuma

forma de governo que não fosse aristocrática, ou seja, em que uma minoria política dominante

estivesse a frente de uma maioria relativamente passiva, a massa [9]. Suas principais indagações

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foram importantes para a produção de uma agenda de pesquisas voltada para pensar quem de

fato detém o poder, onde o poder se encontra e o que caracteriza as democracias [8].

Partindo-se dos clássicos elitistas, poderíamos pensar tal como o sociólogo italiano

Vilfredo Pareto, cuja ideia de circulação das elites apontava para a renovação e oxigenação do

corpo político. Por essa lupa, trocas constantes são benéficas e uma das principais diferenças

que este regime apresentaria em relação aos demais [10]. Todavia, no caso brasileiro, é visível

que a circulação das elites ampliou-se em momentos de crise, o que em si não é marca de

benesses, mas sim de instabilidade política. [4]

Uma nova perspectiva dentro das elites políticas que nos ajuda a entender a dita

estabilidade está presente em John Higley. Higley [11], cientista político da universidade do

Texas, usa dois conceitos para compreender a diferença entre uma democracia liberal e as

formas de autoritarismo. Para o autor, existem elites desunidas (disunited elites) e unidas

(united elites). As desunidas seriam caracterizadas por apresentarem um alto nível de

instabilidade, pois as elites políticas discordariam sobre as questões fundamentais que

envolveriam o próprio desenho institucional e as possibilidades de ação fora de uma esfera

pública do estado. Já as elites unidas, apesar de possuírem divergências em seus programas,

como democratas e republicanos nos EUA, concordam com os princípios balizadores

fundamentais que assegurariam a possibilidade de uma discussão dentro da esfera pública. Em

outras palavras, para usar os temos de Chantal Mouffe [12], em um caso haveria um

antagonismo entre as elites em que um pensamento é visto como inimigo e deve ser eliminado

e, no outro caso, há um agonismo, isto é, uma noção de que o outro é seu adversário dentro de

uma esfera pública, onde o direito do outro de expressar sua divergência não é questionado.

O Estado brasileira sob a perspectiva das elites

Para Higley, elites desunidas poderiam ser observadas nas ditaduras latino-americanas

[11]. No que concerne ao Brasil, esta é uma opinião dividida por Raposo [13]. Raposo analisa

a relação das sucessivas crises políticas no Brasil com a maneira pela qual as nossas elites

compreenderam o nosso Estado. Desta forma, em seu curto ensaio, ressalta que, para as elites,

o Estado pode ser visto como “regra” ou como “prêmio”. Na perspectiva do Estado-Regra, o

Estado é visto como um regulador do jogo político, pois existiria um consenso entre as elites

de que o desenho institucional do Estado, como aquele que é previsto na sua Constituição, deve

ser mantido. E, quando é necessário alterá-lo, as elites concordam novamente sobre as novas

regras materiais que vão balizar as discussões delas.

O Brasil, devido a suas crises políticas não teria um Estado-Regra, mas um Estado-

Prêmio. O Estado-Prêmio está vinculado à animosidade entre as elites políticas, as quais veriam

o Estado como o prêmio dos vencedores. Devemos lembrar que o Estado Moderno abrange

uma série de tecnologias políticas que visam afetar a população e conduzi-la para atingir aos

fins necessários [14]. Deste modo, a concentração de poder em torno do Estado é gigantesca: é

ele o chancelador das leis, monopolizador da violência, principal artífice da disciplina e

condutor da população por meio das políticas econômicas e da estatística.

A hipótese de conflito entre as elites, desunião entre elas originada por visões de mundo

conflitantes, denotaria um aspecto peculiar do Brasil contemporâneo em face do Brasil Império.

No período imperial, Carvalho [2] observa que a estabilidade necessária para a consolidação do

Estado brasileiro, se deveu à grande coesão de nossa elite imperial. Tal coesão, verdadeira união

ideológica destes membros, foi possível pela sua educação comum na faculdade de direito da

universidade de Coimbra, permitindo que a elite fosse uma ilha de letrados com ideais comuns,

hábitos e interações pessoais. Também terão uma carreira burocrática comum, a carreira dos

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magistrados, profissão esta que sempre ocupou um lugar de destaque nos Estados fortes tais

como o francês.

O Estado tem sempre que ser forte quando ele se faz à frente da nação, o que nos faz

compartilhar com os franceses outras características dada essa peculiaridade comum de nossos

casos. Também a união do povo é intermediada pelo direito antes que por uma cultura comum.

E nisso as análises de Carvalho são passíveis de serem complementadas com as de Bourdieu

[15], no que tange ao papel destacado que os juristas terão na construção do Estado Moderno,

e de seu ideal universal, como forma de garantir a sua própria ascensão. Sabem que o monopólio

que possuem sobre a palavra, o poder de legitimar a verdade pelos seus discursos, é a grande

maneira de obter capital simbólico. Todos os funcionários públicos de algum modo gozam dos

privilégios oriundos do universal. Tem, portanto, as elites burocráticas interesses particulares

no desenvolvimento do Estado.

É de ser dito, no entanto, que nenhum grupo profissional goza das atribuições que os

juristas e os magistrados possuem. Por meio de seu grande arcabouço intelectual poderiam

determinar por meio de recursos à história, aos costumes e à lei, o que é o verdadeiro, o certo e

o justo. Tinham, portanto, o poder de legitimar a ordem e garantir a dominação racional-legal

dentro de uma sociedade de valores modernos.

Com as décadas, novas formações profissionais mais modernas e mais técnicas em um

outro Brasil surgiram, como engenheiros e economistas e a educação foi difundida pelo Brasil.

Assim, novas visões de mundo emergiram nas várias regiões do país, refletindo também o

declínio da profissão do magistrado em lugar dos advogados nas elites dirigentes. Como notava

o autor, o advogado, “em contraste com o jurista, são típicos produtos da revolução burguesa e

da política liberal, pois são profissionais da representação de interesses” (P.27) [2].

Tamanho poder em face de elites que se tornam heterogêneas e dissidentes, isto é,

possuidoras de visões de mundo distintas entre si, já é uma característica que os leva a enxergar

o Estado como o local privilegiado para irradiar as suas ideologias e, sem possuírem um nível

de consenso mínimo, passam a mudar o desenho institucional do país com frequência para

garantirem os seus interesses e a prevalência de suas ideologias diante da visão inimiga.

Deste modo, as elites vinculadas ao Estado têm um papel preponderante para nos ajudar

a explicar as crises políticas e até econômicas. A questão política é evidente e a questão

econômica também.

Já sabemos onde está localizado o poder, resta agora saber quem são as pessoas que

detiveram esse poder. Com essas questões em mãos cremos ser capazes de entender a natureza

de nossas crises.

Ministério da Justiça e as elites políticas brasileiras

Ao analisarmos esse ministério um primeiro fato curioso se apresenta. O grande número

de atores políticos que desfilaram pelos diversos governos de Jango a Lula (2003-2010). Dentro

dos regimes democráticos ainda por cima, o número de atores políticos é maior nos governos

onde as crises econômicas e políticas não foram controladas.

Daí, nossa hipótese é de que, a circulação dos atores no poder, sinal positivo de

oxigenação do sistema para Pareto, também demonstra um aspecto paradoxal [16]. O problema

é que a grande circulação, tão exagerada quanto se apresenta, seria um claro sinal de crise. Isso

também já é possível de ver, em uma maneira diferenciada, no trabalho de Sérgio Abranches

[17], onde a fragmentação partidária que existe dentro do congresso, mas também dentro dos

ministérios no governo Jango, é visto como um claro sinal do quadro de ingovernabilidade.

Como lembra o autor, é impossível, dado a rigidez de nossa Constituição e rol de temas

constitucionalizados, governar sem amplas coalizões que permitissem ter as maiorias

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necessárias para fazer mudanças constitucionais, o que justificaria a tentativa de sempre

procurar novos ministros que possam auxiliar a compor a base.

Um segundo ponto a saltar aos olhos é o fato do Ministério da Justiça2 apresentar maior

instabilidade que os outros.. Isto nos choca a primeira vista dado que em contexto de crise

econômica foram os bancos e o ministério da fazenda aqueles que mais apareceram na mídia,

como forma de dar soluções aos problemas da nação. Como dito, porém, o ministério da Justiça

detém um grande poder e uma enorme importância para o Estado, de onde talvez as diferentes

elites procuraram disputar a hegemonia sobre este aparelho.

Por este motivo, esmiuçaremos a história, a legislação e as características dos dirigentes

deste Ministério para compreender.qual era a função deste na busca da estabilidade política

pelas diferentes visões que tomaram parte nas disputas pelo Estado-Prêmio.

Os diferentes governos e as suas visões.

Para compreender o caminho a ser seguido urge antes, compreendermos os governos que

serão analisados.

Estes governos foram separados em tipos dentro das categorais econômicas e políticas.

Os tipos econômicos serão os estabilizadores e os desenvolvimentistas, onde o período

estabilizador corresponde aqueles em que é necessário fazer ajustes fiscais para garantir a

estabilização da moeda, controle inflacionário e uma menor participação do Estado. Já os

períodos desenvolvimentistas serão marcados por uma forte ação do Estado para fomentar o

crescimento econômico, por uma via intervencionista e planificada. Serão os justos

representanstes da dialética entre Mercado e Estado de que nos fala Raposo [13], vital para a

construção do país. E, como vimos, a própria dialética pode ser representativa de dois diferentes

usos do direito: o do advogado e o do magistrado. Um ligado ao mundo liberal e do avanço dos

interesses particulares privados, e o outro ligado aos aspectos públicos e a ordem estatal.

Pelas categorias políticas classificamos os governos de autoritários e democráticos,

correspondendo o período autoritário como o da supressão dos direitos políticos que começa

com o AI-1 e que haverá de terminar com a eleição de Tancredo Neves e a posse de Sarney.

Dentro do governo autoritário será feito ainda uma clivagem, para dividirmos entre as diferentes

elites políticas que disputavam poder dentro dos militares. Assim teremos, sorbonista, linha-

dura e distensão democrática, para dar conta das diferentes maneiras como o Regime autoritário

conduziu o país. O tipo democrático será aquele que caracterizará os demais governos, onde

havia a garantia dos direitos políticos e presidentes civis.

A partir destas tipificações, procurou-se correlacionar por meio de nossa base de dados

do SPSS [4] os governos e as características dos ministros da Justiça dentro deles. Ainda com

o SPSS outros cruzamentos foram propostos dentro da base de dados da pesquisa sobre elites

brasileiras. sendo este vínculo a parte principal da pesquisa3. Paralelamente, com o intuito de

robustecer a análise sobre a natureza ministerial, foram lidas as biografias dos ex-ministros,

presentes no CPDOC para enriquecimento qualitativa da análise.

Resultados e discussões.

2 Em verdade, se retomarmos o período de 46/ 64, estudado por Abranches, veremos também a

preponderância do Ministério da Justiça o qual terá neste período 22 ministros. 3 Lembro que estes cruzamentos foram obtidos no SPSS a partir das respostas colhidas às 21 perguntas feitas em

nosso questionário. Os questionários foram aplicados entre aqueles que ocuparam o cargo de chefia a frente de

algum ministério, ou secretária com nível ministerial na administração direta. E ainda na indireta, com bancos e

empresas estatais que também gozam do status de ministro

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Ministros

por governo

Governos pelas tipologias MJ Total de

Ministros

João Goulart (1961-1964) 7 100

18,40% 12,20%

Castelo Branco (1964-1967) -

Estabilizador\Sorbonistas 4 48

10,50% 5,80%

Costa e Silva (1967-1969)/Garrastazu Médici

(1969-1974)\Linha-dura 2 63

5,30% 7,70%

Ernesto Geisel (1974-1979)\João Figueiredo (1979-

1985)\Dist. 3 96

7,90% 11,70%

José Sarney (1985-1990) ao Lula I (2003-2005)

\Estabilizador 19 414

50,00% 50,40%

Lula I (2005-2007) e a Lula II (2007-

2011)\Desenvolvimentista 3 100

7,90% 12,20%

Total 38 821

100% 100%

tabela 1- Ministros repartido pelas tipologias de governo

Na Tabela 1, verificamos que o número de ministros da justiça foi bem maior, dentro dos

períodos democráticos. Isso, todavia, acompanha a configuração geral que denota um número

mais reduzido de ministros nos períodos militares e um número maior de ministros dentro dos

períodos democráticos. Dentro destas características gerais o número mais alto de ministros em

um período mais curto de tempo fica a cargo de João Goulart. Castelo Branco também tem um

número que é incrivelmente alto para um governo Militar. Mais do que isso, Ao compararmos,

o total de ministros em cada governo e o número de atores políticos que passaram pelo MJ,

percebemos que os governos supracitados destoam da média dos demais, por uma quantidade

excessivamente alta de atores políticos (18, 4% e 10.5% contra 12,2% e 5,8%,

respectivamente). Houve ainda no período desenvolvimentista de Lula, um número de ministros

da justiça que era mais baixo que a média.

Duas hipótese são possíveis por esta análise. A primeira diz que períodos em que a

estabilização é uma necessidade, se faz necessário que aja uma troca maior neste ministério do

que em períodos desenvolvimentistas. A segunda hipótese, é que tal não tenha a ver diretamente

com os ciclos econômicos, mas com a melhor maneira de se lidar com as crises econômicas e

políticas. No último caso, não seria o problema da estabilização monetária que atravessou os

governos João Goulart4 e Castelo Branco, mas sim seria por questão da crise econômica e

principalmente, acredito, a crise política que ali existia.

4 Era um dos tripés do plano trienal elaborado por Celso Furtado, o controle inflacionário, apesar de que

o plano apontava aind apara a necessidade das reformas de base e para a presença forte do Estado para garantir o

crescimento econômico.

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Vejamos a primeira hipótese. A questão da estabilização, em si, não auxiliaria muito a

perceber as características particulares dos governos democráticos. Se houve ao todo 19

ministros no período estabilizador democrático, também é verdade que no governo FHC II

houve seis ministros e no primeiro governo Lula houve apenas 1 ministro apesar dele ter sido

parte estabilizador e parte desenvolvimentista5. Portanto, a característica da rotatividade tem a

ver com uma das estratégias possíveis para se lidar com as crises. Assim , o período

estabilizador não é em si o responsável pelo alto número de ministros, mas é o fato de que a

política econômica estabilizadora foi comumente utilizada durante os períodos críticos.

Se podemos tirar um padrão dos números apresentados na tabela acima, este é que a

maior rotatividade de ministros, em geral, ocorre durante os períodos democráticos. Todavia, a

rotatividade no governo Castelo Branco é altíssima, ainda mais se compararmos com os seus

demais ministérios. Essa questão será melhor enfrentada a frente, mas, adiantando, acredita-se

que isto tenha um vínculo com as atribuições do Ministério da Justiça e com a visão de mundo

das elites políticas que ocuparam aquela pasta e que só haverá de se solucionar este problema

com a ascensão da Linha-Dura e as novas atribuições que serão dadas a esse ministério, em

1969. Tais questões parecem ter como pano de fundo a melhor forma de garantir a estabilidade,

tendo como foco de ação prioritário a contenção de crises políticas.

Por este motivo, neste relatório focaremos na relação que o ministério tem com a crise

política tendo como prioridade a relação entre os ministérios e a melhor forma que as elites

foram empregadas para dirimir confrontos de caráter político.

Partidos, bacharéis e o MJ

Sabemos que uma das formas que a literatura aponta para se ter estabilidade é a união

entre as elites. Tal união, para Higley [11], pode ser feito de maneira consensual ou ideológica.

Como já vimos, o processo ideológico de coesão das elites oriundo de uma formação comum

no Brasil, declinava já no início da República [2]. Nossa heterogeneidade política é ela mesma

causa da necessidade de se construir grandes coalizões políticas no âmbito federal. Assim,

devemos focar não mais na ideologia mais no consenso mínimo necessário para que aja regras

de sucessão e disputa política . Dentro de tal perspectiva, é razoável considerar, se é comum ou

não haver filiação partidária na escolha deste ministério.

5 São membros do ministério da Justiça do segundo mandato FHC: Miguel Reale Júnior, Paulo de Tarso Ramos

Ribeiro, Aloysio Nunes Ferreira Filho, José Carlos Dias, José Gregori e José Renan Vasconcellos. Já do governo

Lula foi apenas Márcio Thomaz Bastos

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Gráfico 1- Filiação partidária do ministério da justiça em comparação com o total dos

ministérios.

Como se pode ver pelo gráfico, um ministério estratégico como este tem um percentual

de vinculação partidária acima da média. De fato 65,8% de seus ministros contra 46,50% da

média geral das instituições. Se seguirmos ainda Abranches, veremos que 46% dos ministros

da justiça no período de 46-64 eram do PSD, que não a toa, era o principal partido da situação

a época. Aqui se vê a necessidade de se recrutar dentro do próprio jogo das coalizões partidárias

os partidos mais fortes para que estes fizessem parte da base de sustentação do governo. No

caso de Jango, 5 dos seus 6 ministros tinham vinculação partidária. A mudança ministerial

somente demonstrava o quadro de instabilidade do governo João Goulart, o qual contou com

período de grande turbulência durante o parlamentarismo e que se veio a agravar no período

presidencial. Além disso, entre seus ministros mais notórios temos Abelardo Jurema, liderança

política do PSD e que será importante articulador para tentar compor a base do presidente nos

turbulentos períodos que antecederam ao golpe.

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Gráfico 2- número de atores políticos com políticos na família

O novo gráfico, ao ser combinado com o gráfico 1 tem capacidade de iluminar mais a

ligação do ministério da justiça com a ação de grupos políticos propriamente ditos. Como se

vê, enquanto que nos demais órgãos 21 % dos atores tinham políticos na família, esse número

quase duplica ao se tratar do MJ (39,5%). Os dois gráficos em conjunto reforçam a hipótese de

que a pertença a política era parte importante no próprio ethos da pasta. Também nos permitem

levantar a hipótese de que as relações pessoais familiares são uma alavanca importante para o

ingresso na política. Ingresso este que de algum modo é estritamente necessário para a escolha

dos ocupantes deste aparelho estatal.

Gráfico 3 – Graduação dos ministros da justiça em percentual

Completemos a tríade com uma informação diferenciada, a de que 89,9% dos ministros

tem formação em direito, quando este número é de 28% entre os demais. Como visto, os

advogados sempre estiveram ligados as revoluções liberais, posto que eles aprendiam em suas

faculdades a representar causas e grupos diversos. Mais ainda, vimos que o campo jurídico

detém o monopólio da palavra e o conhecimento das leis, o que os torna capacitados a

transformarem os seus interesses privados em universais. Em outras palavras, são uma classe

propensa a lidar com o político e com os meandros do Estado Moderno pautado na

racionalidade legal. Esta força política da formação é capaz de converter o capital jurídico em

político.

De fato, em todo o ensino universitário é a faculdade que mais bem prepara a vida pública.

Representando interesses diversos, aprendendo a negociar e a discursar de maneira a unir os

interesses com os seus, o habitus, este conjunto de práticas que molda a maneira de pensar e

agir dos indivíduos, desenvolvido no ensino jurídico tem grande afinidade eletiva com a

vocação política. E ainda, os próprios familiares parecem considerar esta uma formação

importante na medida em que reafirmam o ingresso na política dos bacharelados.

A coerção no vértice e os circuitos do consenso

Esta ligação com a política é muito alta nas democracias. É de ser percebido que este

ministério é importante para ser usado como forma de coordenar a política. O percentual

considerável de 36,8 % dos ministros estarem ocupando um lugar no Legislativo no momento

de sua convocação é sintomático da circulação profunda que há entre esses ministério e a casa

Legislativa. Talvez sendo importante considerar que as mudanças nas correlações de poder

dentro da casa invadam e pressionem de maneira premente os rumos do ministério.

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Entretanto, não se pode esquecer que este também é um cargo da mais alta confiança e

que demanda expertise. Os técnicos qualificados representam a maioria da elite recrutada. É

mesmo espantoso o recrutamento de elites, oriundo do Poder Judiciário. 21% das elites foram

recrutadas de lá. Há ainda casos de ministros da justiça que foram alçados para o poder

Judiciário em tempos de embates jurídicos acirrados. Caso emblemático foi a entrada do então

ministro de FHC, Nelson Jobim, no STF. Já como ministro teve que procurar demonstrar seu

valor na defesa das emendas constitucionais do governo FHC, as quais causaram uma grande

insatisfação de amplos setores da esquerda que as visam como inconstitucionais. A entrada de

Jobim na suprema corte apenas reafirmava as mesmas lutas políticas em uma nova arena

política, posto que: "Sua ida para o STF, além de significar o coroamento de uma carreira de

jurista, deu ao Executivo federal a garantia de apoio a suas demandas junto ao mais

alto tribunal do país. Um dia após sua posse, Jobim já estreava no Supremo

defendendo o governo das críticas do ministro Celso de Melo — que assumiria a

presidência da corte no mês seguinte — ao abuso de edições e reedições de medidas

provisórias por parte de Fernando Henrique" [18].

Se nos regimes democráticos a circulação dos ministros delineia um complexo circuito

de trocas entre os poderes da República, nos períodos mais autoritários, em especial os dois

governos linha-dura, ao invés de um círculo vemos uma vértice no Executivo que parece

subjugar os demais.

Não tiveram ligação com a política apenas Gama e Silva e Alfredo Buzaid, ministros de

Costa e Silva e Médici, respectivamente. Também esse foi o caso de Carlos Medeiros um dos

principais responsáveis pela faceta mais repressiva da Constituição de 676. Nenhum deles era

político, apenas técnicos, fato este importante para entendermos a alta circulação de ministros

durante o governo Castelo Branco, Medeiros não era apenas um técnico, mas havia se

aposentado do STF a pedido para assumir a pasta da Justiça e trabalhar no anteprojeto da nova

constituição. Deixa, portanto, sua função de guardião da constituição para assumir o papel

principal na reformulação dos direitos e da organização do Estado. Essa migração inversa a de

Nelson Jobin, reafirma o caminho da centralização política em um vértice único. A ditadura

Civil-Militar, devido a esta peculiaridade em todo o período estudado, merece uma atenção

mais detida, para podermos compreender como se articulou a força e o consenso ao longo deste

ministério.

6 Tão reacionário era o projeto inicial de Carlos Medeiros que nem ao menos tinha o capítulo de direitos

fundmentais, de acordo com depoimento de Carlos Chagas. Acresceu ainda que "Ele, o Medeiros, defendia que

aquilo era assunto de legislação ordinária, que não era matéria constitucional." []

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Gráfico 4- Proporção dos atores políticos que ocupavam cargos no legislativo, quando convocado

Gráfico 5- Proporção dos atores políticos que ocupavam cargono no judiciário, quando convocado.

A Ditadura entre a força e o consenso

Seguindo a deposição do presidente João Goulart, eis que as lideranças do golpe se veem

divididas em uma heterogeneidade de interesses. Pode ser destacado, no entanto a divisão

fundamental entre os moderados e a linha dura. A linha dura estava disposta a sacrificar

qualquer verniz de legalidade em nome da sua "revolução" e da caça aos seus inimigos

comunistas[19]. De outro lado, os moderados entendiam que deveria ser seguida a legalidade

estritamente, preservando as instituições.

O embate entre essas duas visões perpassava o próprio seio do MJ. Milton Campos, uma

das principais lideranças udenistas foi o primeiro ministro da pasta no governo de Castelo

Branco. No entanto, suas constantes desavenças com a linha-dura em especial com o então

ministro da Guerra Costa e Silva, fizeram com que ele procurasse se demitir. Em sua carta de

demissão teria dito, porém: “Não me considero o melhor intérprete da Revolução, mas entendo

que não é útil a ela muito do que recentemente se fez, sobretudo pela maneira como foi feito.”

Campos representava uma ala que acreditava que as coisas estavam saindo dos limites. É

notória a escolha de Campos, assim como foram as de de Men de Sá e Juracy Magalhães. Todos

eles tinham antes filiação partidária e denotam o compromisso do governo Castelo Branco em

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estabelecer um acordo entre as elites. No entanto, a pressão daqueles que advogavam a exceção

e o maior dirigismo estatal ganha cada vez maior terreno e termina por suplantar o coro dos que

se opunham.

A maior vitória dos partidários da dita revolução, foi o AI-5, golpe fatal nos direitos civis,

ao inverter a presunção de inocência. Este ato foi da autoria de Gama e Silva. É o ápice da

virada autoritária do ministério, o qual passou a contar também com novas atribuições e

competências a partir de 697. Centralizando em si diversos poderes de repressão e censura, a

persuasão deu lugar a força, abrindo espaço para mais uma vez o direito administrativo reinar

sobre as garantias constitucionais. O poder discricionário do Executivo nessa nova fase reafirma

a própria estabilidade do ministério. Uma vez que não há negociações não há a necessidade de

trocas constantes para obter a estabilidade entre os interesses da elite e nem ao menos há opinião

pública para se interpor.

Tanto Gama e Silva como Alfredo Buzaid seriam formados em São Paulo. Este fato

estava na contramão das formações da maioria dos militares, os quais eram provenientes do

Rio. E, no entanto, explicam uma aproximação pessoal que ambos tinham. Buzaid ainda era

próximo de Miguel Reale tendo participado com ele da formação da Ação Integralista. Uma

hipótese possível é que este movimento nascido em São Paulo, tenha exercido influência em

parte dos civis que viriam a apoiar e a legitimar juridicamente o próprio movimento.

Seja como for, o próprio Buzaid ainda se via como um técnico, cuja função era

modernizar o ordenamento jurídico, sendo dele quem conceberá o Código Processual Civil de

73. Duas ações também relevantes que ocorreram em seu governo foi a promulgação do

decreto-lei, 1970, responsável pela censura prévia a livros e periódicos de forma a garantir a

“moral e os bons costumes”. Ainda, defendeu a visão pragmática do governo, focando no

desenvolvimento, sem considerar relevante a normalização institucional. De fato, chegou

afirmar que as eleições indiretas eram tão democráticas quanto qualquer outra.

A censura procurou por fim a qualquer pensamento político e autônomo. Como já

observava Wright Mills a consequência de uma elite do poder, que se perpetua e centraliza em

si as decisões, é a consolidação de indivíduos sem acesso a senso crítico, formando uma massa.

Claro que ainda havia os públicos, espaços autônomos de discussões e produção de contestação

crítica, mas esses eram clandestinos e ilegais nestes tempos.

A censura no Brasil é ainda reafirmada com a Lei Falcão, de 79. Apesar de Armando

Falcão ser um político e ter contribuído a frente do ministério para a distensão política, ficou

notadamente conhecido por este decreto –lei que reduziu a propaganda na televisão e no rádio

para apenas a apresentação do currículo e, no caso da TV, para a imagem do candidato. O

objetivo aqui era o de diminuir o tempo da oposição na televisão e impedir que esta atingisse a

maioria [21].

De fato a grande virada democrática apenas ocorre com Petrônio portela a frente da pasta.

Político desde jovem, aprendeu ainda com o pai a importância de negociar e conciliar para

atingir seus interesses políticos. Esta sua atitude conciliadora será fundamental para substituir

o Estado de Exceção pelo de direito Quando era ainda presidente do Senado, já havia sido

elaborador da Lei de Segurança Nacional após conversas com empresários e dirigentes

sindicais, devolvendo a "normalidade política ao país" [21] .

De sua atitude a frente da justiça, Vera Calicchio [22] destaca:

7 xemplo dessas atribuições estão no decreto Nº64.416/69, o qual prevê nas suas atribuições : “c) apurar os ilícitos penais contra a segurança nacional, a ordem política, social e moral, ou que vulnerem bens, serviços e interêsses da União;

e) executar os serviços de censura de diversões públicas;” [20]

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"A escolha de Petrônio Portela significou uma reviravolta nas funções da pasta

da Justiça, que retomou seu caráter eminentemente político. Durante os anos que

sucederam ao movimento de 1964, o Ministério da Justiça passara a ser cada vez mais

identificado com atividades policiais, que incluíam prisões, apreensão de publicações,

censura a todos os órgãos de comunicação etc.".

Os leões e as raposas na construção na história do MJ

Focando em um período extenso, procurou-se obter a partir da análise do recrutamento

das elites e de sua identificação, a razão por trás do alto número de ministros da Justiça. Para

integrar a pasta foi importante a escolha de políticos que pudessem fazer a articulação com o

legislativo e com as bancadas partidárias, e também a relevância de ter trocas com o judiciário.

Apenas durante o período mais repressivo esta característica foi suspensa, posto que é menos

importante negociar quando a Exceção se torna a regra, de modo a que todos os conflitos passam

a ser dirimidos por atos discricionários do poder público. Por vezes adotou-se a força, outras

vezes o consenso

O princípio da nossa circulação das elites, segue em alguma medida a própria circulação

dos resíduos paretianos. Para Pareto, a elite deve sempre ser capaz de combinar força e

persuasão, vindo a ser deposta na medida de seu insucesso no controle desses dois resíduos.

Assim, retomando a metáfora de Maquiavel, Pareto define a família dos leões, entre aqueles

voltados a brutalidades e a da raposa, nos voltados para ações sutis [23]. Como diz Pareto:

"A renovação das elites representa, portanto, um justo equilíbrio entre o leão e a raposa

no seio da classe governante, isto é, da capacidade de equilibrar a força e a fraude: força para

manter o governo e a astúcia para fortalecer-se e ao mesmo tempo enfraquecer os movimentos

vindos de baixo pela assimilação de seus líderes à elite governante, de forma que a classe

governante que não se renova sofra um afrouxamento da sua capacidade de direção" [24]

A negociação e a persuasão, como se pode perceber, não ocorre apenas entre as elites,

mas também na sua relação com a massa, isto é, a não-elite. Usar meios que possam legitimar

a sua ação frente a população é a tática das raposas que se usa para dominar. Ao procurar, por

outro lado, reprimir politicamente a massa para se conservar no poder, age-se como um leão.

As elites que hoje reconheço como da família da raposa, chamei de negociadoras pelo

próprio caráter conciliador destas. Este tipo comum aos governos democráticos, pode ser

percebido tanto em Aberlardo Jurema no governo João Goulart, como em Petrônio Portella no

governo João Figueiredo. Tal característica une a necessidade do nosso presidencialismo de se

governar por coalizão à importância estratégica que este ministério tem para normalizar a crise

política pela via jurídica.

Deste modo, a profissão do bacharel ganha espaço pelo seu duplo envolvimento. De um

lado a consolidação de uma carreira de jurista capaz de conhecer os meandros da lei e de

legitimar suas vontades. De outro, o caráter representativo da profissão advocatícia, a qual

possui verdadeira afinidade eletiva com a vocação política, na medida que capacita o indivíduo

na representação de interesses plurais.

A afinidade eletiva entre ambas as vocações também possibilita compreendermos a forte

presença, entre os ministros, de políticos na família. Por certo, a ocupação familiar abria as

portas para a política e lançava um novo interesse na própria faculdade de direito para além do

interesse em se tornar um jurista. Mais ainda, reafirma a relevância que a família tem nas

estruturas políticas e que o diploma de bacharel em direito goza como forma de auferir

privilégios e status.

Ressalto também o caráter técnico dos ministros e a confiança em relação ao chefe do

Executivo. Uma vez que os decretos-lei, as medidas provisórias e as propostas de emendas

constitucionais feitas via Executivo contam com o auxílio do M.J. , é necessário que o ministro

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seja alguém de confiança e competência. Desse modo, recrutar elites que provenham do

Judiciário pode convenientemente servir ao político e ao técnico. O número alto de ministros

provenientes do judiciário, em relação à média dos demais ministérios, parece responder a este

anseio. Mas também parece se relacionar com a vantagem de se criar vínculos com o aparelho

judiciário, em um país em que a judicialização das relações sociais [25], em vista de uma

constituição extensa, ganha destaque.

Já as atitudes dos ocupantes da pasta da Justiça, durante o período militar, eram dignas

de ser alçadas à família dos leões. Enquanto o uso de estratégias mais políticas de coordenação

e negociação, parece ser característica que ocorria nas democracias e na nossa transição para a

democracia. Isso é razoável de se supor, uma vez que as próprias regras pré-estabelecidas do

jogo político foram radicalmente mudadas, as decisões centralizadas, e a oposição, na elite ou

na massa, reprimida. O próprio sistema de pesos e contrapesos fora danificado por meio de um

maior controle sobre o Judiciário e o Legislativo.

Pela razão do papel discricionário da administração do Estado de definir as regras, no que

é um claro regime de Exceção, havia eu tipificado idealmente esta elite como bonapartista no

trabalho anterior. Isso porque, como já nos mostrava Marx [26] em uma de suas magníficas

obras, o bonapartismo é um fenômeno que se constrói quando o Executivo emerge forte para

conter os impasses do parlamentarismo. É isto o que acontece no caso do “Pequeno Bonaparte”,

o qual chegou ao poder, devido ao esvaziamento das forças do Legislativo, em razão de um

equilíbrio de forças no conflito de classes, onde uma classe não conseguia se impor sobre a

outra. Desta maneira, os representantes de cada classe foram aos poucos cedendo o seu poder

ao Executivo, ao mesmo tempo em que procuravam neutralizar ou eliminar a ameaça que

representavam as outras classes dentro do parlamento. E assim como no caso de Marx, aqui

também a ameaça a ser eliminada é primeiramente a esquerda.

Esta característica dirigista e repressiva de nosso poder, deixará marcas indeléveis em

nossa modernização, na medida em que buscou-se no caminho dos leões a solução para as

crises. Funda-se em nossa terras, "um capitalismo que, ainda hoje, depende mais das formas

políticas repressivas de controle social do que econômicas, mais da coerção do que do

consenso" [27].

Esse dirigismo político, presente ainda hoje em matizes mais opacos, também reafirma

a predisposição a um Estado-prêmio, sobrepujando-se sobre o Estado enquanto regra, como

descrito por Raposo. A saída dirigista não precisa do consenso ou da negociação, uma vez que

passa por cima do Legislativo, Judiciário ou da Constituição.

Dentro dessa dialética entre a força e o consenso, o ministério da Justiça modificou-se em

suas atribuições acompanhando o próprio movimento de nossa história . Em tal movimento,

gravou em si as marcas de uma elite política que, na sua circulação, ora fortaleceu a conciliação

do Estado-Regra, ora a do Estado enquanto prêmio. Nessa troca, o ministério sempre teve um

papel destacado, mas do qual resultou conflitos constantes entre interesses dos que queriam

obter a pasta. Ora a serviço de um aparelho repressivo, ora em defesa de direitos e como

conciliador político, ora como leões e ora como raposas. Nesse jogo de interesses conflitantes

a troca de ministros foi feita de maneira a conciliar tantos interesses divergentes entre as elites

e na sua relação com a massa.

Disse no ano passado que havia sido descoberto um solo fértil. Hoje, creio que os

primeiros frutos já começam a nascer. Todavia, o rico solo que a base de dados das Elites

Políticas Brasileiras, ainda permite que muito mais possa vir a ser colhido. Por isso, seguirei

por outro ano nessa pesquisa.

Referências

Departamento de Ciências Sociais

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