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Departamento de Ciências Sociais
UM ESTUDO DAS ELITES POLÍTICAS BRASILEIRAS
Aluno: Daniel Henrique da Mota Ferreira
Orientador: Eduardo Raposo
Introdução
O presente trabalho busca elucidar a natureza política do Ministério da Justiça pela análise
dos ministros que ocuparam o seu cargo entre o governo Jango (1961-1964) e o governo Lula
(2003-2010), principalmente, mas já acrescentando informações sobre o governo Dilma (2011-
2016). A pesquisa se insere dentro de um projeto mais amplo que busca compreender os
processos de crises políticas e estabilizações que moldaram o Brasil contemporâneo a partir da
teoria das elites. A comparação dos diferentes ministérios e secretários com níveis ministeriais
fez perceber, como fato inusitado, que o Ministério da Justiça foi aquele com mais atores
políticos dentro da longa história analisada. A questão clamava por ser decifrada. Pedia e se
retorcia buscando maneiras de se fazer vista. Afinal de contas, por que haveria o Ministério da
Justiça de ser aquele com o maior contingente político? Desdobrando a própria pergunta, qual
poderia ter sido o papel desempenhado por esse ministério e por suas elites dentro dos contextos
macrossociais de nosso Estado-Nação?
Ao se estudar o Executivo Federal, a pesquisa como um todo havia focado sua análise
em um dos chamados “altos círculos do poder” que, nos termos do sociólogo americano C.
Wright Mills, são formados pelos atores centrais na tomada de decisões nacionalmente
importantes, devido ao local que ocupavam nas instituições de poder na sociedade. Como
escreve Mills: “As the circles of those who decided are narrowed, as the means of decision are
centralized and the consequences of decisions become enormous; then the course often rests
upon the decisions of determinable circles.”[1]. O mais alto dos círculos (the higher circle) era
representado na visão do autor pelos militares, as corporações e o Estado, os quais tinham em
comum a sua centralização cada vez maior nas mãos de poucos indivíduos que detinham o
poder destas instituições consideradas como o locus do poder. Estas estruturas de poder teriam,
na época e na sociedade estudada pelo autor, interesses convergentes capaz de moldar uma
ideologia comum entre essa elite detentora do poder . Por essas proximidades e relativa
homogeneidade de pensamento, estes indivíduos notáveis foram chamados de Elite do Poder,
posto que dela partiam as decisões que poderiam afetar toda a nação.
No âmbito do Estado, esta elite estava concentrada no Executivo inchado, que era o centro
organizador das decisões. No caso brasileiro, uma produção similar de homogeneidade entre as
elites dirigentes- bem apresentados nos trabalhos de José Murilo Carvalho- se deu em nosso
passado Imperial [2]. Os quadros administrativos do Império, homogêneos em sua formação,
influenciaram na construção de um projeto de poder dotado de certa unidade o que evitou a
fragmentação do território brasileiro.
Estes quadros administrativos dependiam também da força econômica dos grandes
proprietários de terra e precisavam, para manter o seu poder, sempre conciliar seus interesses
com os das elites econômicas. Como escreve Carvalho, "o Estado Imperial se tornava, através
de sua elite, um instrumento ao mesmo tempo de manutenção e de transformação das estruturas
sociais" (P. 181) [2] . A própria elite garantia os interesses da modernização capitalista pelas
vias de um Estado de poder discricionário, capaz de alavancar os interesses homogêneos da
elite imperial.
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Grande parte do projeto brasileiro foi construído a partir de um vértice político, a
considerar nossas origens ibéricas, imperando a coação do Estado ao consenso de uma
sociedade organizada por baixo [3]. Apesar do caso Norte americano se constituir em um
exemplo de país de “Estado Fraco”, resta uma semelhança no que diz respeito a unidade da
Elite do Poder, baseada na homogeneidade ideológica e proximidade de interesses entre as
estruturas de poder.
Mesmo com estas questões de base para serem investigadas, poucos são os estudos sobre
as elites políticas desenvolvidos em nosso país atualmente. Mais escassos ainda são quaisquer
estudos sobre ministério da Justiça ao longo de nossa história. E no entanto, no desenho
institucional brasileiro, sempre coube a esse ministério uma força considerável, principalmente
com a absorção das atribuições do ministério do interior, ampliando suas atribuições e
competências. Mais ainda, acrescento, dado que a modernização nossa é feita pelo poder quase
discricionário de nosso Executivo e sendo “o direito Administrativo claramente hegemônico
sobre os demais direitos” (P.229) [3], a pasta da Justiça, detém uma enorme importância sobre
os destinos políticos da sociedade brasileira. Não será por outro motivo que Visconde de
Uruguai, um dos patronos de nossa modernização conservadora, foi o titular da pasta da justiça
em sua época.
Alie-se a sua importância política o seu inusitado alto número de ministros (em
comparação aos outros quadros). No período estudado, houve 38 ministros1 nos 593 meses,
quase 50 anos, que separam o governo Jango do último Governo Lula. Por que teria havido
tantos ministros em tão pouco tempo? Seria questão de instabilidade política?
Tendo essa discussão como balizadora, proponho a tese de que o alto número de ministros
da justiça teve a ver com um misto das crises políticas com o duplo papel deste ministério. De
um lado, suas elites deveriam garantir a coordenação política no trato com demais ministérios
e Poder Legislativo. De outro, suas elites parecem ter um diálogo grande de troca e circulação
com as demais funções jurídicas do Estado e com o papel decisivo que toma a frente dos
aparelhos repressivos estatais.
Com estes questionamentos em mente, procurarei primeiramente delinear a base teórica,
que envolverá as discussões sobre as crises à luz do consenso e coesão entre as elites. Tendo
isto em vista, procuraremos avançar para as especificidades das elites no caso brasileiro e do
papel dos magistrados e juristas na consolidação de nosso Estado centralizador. Assentada esta
parte histórica, passaremos para a análise empírica, extraída a partir de nosso método de
pesquisa.
O contato com nosso banco de dados [4] tem nos ajudado o desenvolver “tipos Ideais” no
universo dos Ministros da Justiça aqui estudado.
Esses tipos - que estão sendo formulados - nos ajudarão a compreender como a mudança
de atores (por vezes mais técnicos, outras mais políticos, por vezes autoritários, outras
democráticos) estão associados aos padrões que marcaram o Brasil de ontem e de hoje. Afinal,
como dizia Drumond, “de tudo ficou um pouco”.
Objetivo
1 É preciso uma nota para explicar esse número. Foram inseridos em nosso banco de dados aqueles que
participaram de um mandato presidencial ocupando cargos ministeriais, e as secretariais com níveis de
ministério, além de pessoas jurídicas da administração indireta com nível equivalente também ao ministerial.
Desse modo, o que se privilegiou foram os nomes que apareceram em um mandato. Caso o mesmo nome
reaparecesse em um mandato diverso, ainda assim era considerado como um novo membro da elite. Mesmo
levando isso em consideração a proporção se mantém a mais alta do período e muito acima da média.
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O trabalho se propõe a desvendar a importância política do Ministério da Justiça, dentro
do período que engloba os governos de João Goulart (1961-64) a Dilma (2011-2016), bem
como o porquê de tamanha instabilidade naquele ministério.
Para tanto, busca estabelecer a correlação entre o perfil dos titulares do ministério com
os momentos políticos (democrático e autoritário) e com os econômicos (desenvolvimentistas
e estabilizadores). E, a partir deste ponto, compreender o papel desse órgão e de suas elites no
contexto macrossocial brasileiro.
Metodologia
Para a realização da pesquisa quantitativa, buscamos características pessoais de todos os
atores políticos do primeiro escalão dos períodos presidenciais em estudo. Construímos uma
lista com o nome de cada um deles, baseada na Biblioteca da Presidência da República, que
resultou em 822 atores de 134 instituições diferentes.
Para compreendermos como se fez o recrutamento de nossas elites políticas, foi elaborado
um questionário com 21 perguntas principais envolvendo: o grau de escolaridade do ator em
análise; Sua origem regional; Sua possível ligação familiar com a política; Sua possível relação
com a iniciativa privada; Sua possível ligação partidária, sua possível relação com algum dos
outros poderes da União; A profissão de seu pai e etc. Atualmente, este questionário está sendo
reatualizado com a entrada de novos dados, oriundos dos atores políticos partícipes dos dois
governos da Presidenta eleita Dilma Rousseff.
Esses dados foram coletados a partir dos Verbetes existentes no Dicionário Histórico-
Biográfico Brasileiro da FGV. O material obtido foi ainda colocado em um banco de dados do
SPSS, de forma a podermos fazer os cruzamentos necessários e obter tabelas, gráficos e etc.
Da parte qualitativa, foram reanalisadas as biografias apenas dos Ministros da Justiça para
preencher possíveis lacunas e também se estudou determinadas legislações das épocas em
especial os decretos que modificaram a estruturas e competência do Ministério da Justiça.
Da parte qualitativa, se estudou determinadas legislações das épocas em especial os
decretos que modificaram a estruturas e competência do Ministério da Justiça.
Estabilidade e crises do Estado brasileiro
Nos defrontamos, portanto, com a questão de como um governo procura garantir sua
estabilidade e legitimidade. Tal discussão tem seu primeiro grande expoente em Maquiavel, pai
do realismo político. Com suas reflexões apresentadas n'O Príncipe, o pensador florentino,
deslocou o pensamento de um moralismo político que até então existia para o realismo do poder,
isto é, focou nas estratégias e táticas que devem ser usadas por um indivíduo ou grupo para se
perpetuarem como governantes de modo a garantir o controle de seu reino [5].
Embebidos na mesma fonte maquiaveliana, os pais da teoria das elites contribuíram
grandemente para se compreender as relações entre governantes e governados, focando sempre
no polo dirigente [6]. As definições de elites variam, podendo aparecer como uma minoria
organizada que domina uma maioria desorganizada, nas palavras de Gaetano Mosca, e que
legitimará seu domínio por meio da força social que é dominante [7]. Ou ainda em Pareto, como
aqueles que se destacam em determinada área de expertise, sendo as elites governantes
consideradas entre aqueles que "direta ou indiretamente desempenham uma função notável no
governo" (p. 34) [8] e que irá garantir seu poder por meio da força ou da persuasão .
O que as definições têm em comum é o reconhecimento de que nunca houve nenhuma
forma de governo que não fosse aristocrática, ou seja, em que uma minoria política dominante
estivesse a frente de uma maioria relativamente passiva, a massa [9]. Suas principais indagações
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foram importantes para a produção de uma agenda de pesquisas voltada para pensar quem de
fato detém o poder, onde o poder se encontra e o que caracteriza as democracias [8].
Partindo-se dos clássicos elitistas, poderíamos pensar tal como o sociólogo italiano
Vilfredo Pareto, cuja ideia de circulação das elites apontava para a renovação e oxigenação do
corpo político. Por essa lupa, trocas constantes são benéficas e uma das principais diferenças
que este regime apresentaria em relação aos demais [10]. Todavia, no caso brasileiro, é visível
que a circulação das elites ampliou-se em momentos de crise, o que em si não é marca de
benesses, mas sim de instabilidade política. [4]
Uma nova perspectiva dentro das elites políticas que nos ajuda a entender a dita
estabilidade está presente em John Higley. Higley [11], cientista político da universidade do
Texas, usa dois conceitos para compreender a diferença entre uma democracia liberal e as
formas de autoritarismo. Para o autor, existem elites desunidas (disunited elites) e unidas
(united elites). As desunidas seriam caracterizadas por apresentarem um alto nível de
instabilidade, pois as elites políticas discordariam sobre as questões fundamentais que
envolveriam o próprio desenho institucional e as possibilidades de ação fora de uma esfera
pública do estado. Já as elites unidas, apesar de possuírem divergências em seus programas,
como democratas e republicanos nos EUA, concordam com os princípios balizadores
fundamentais que assegurariam a possibilidade de uma discussão dentro da esfera pública. Em
outras palavras, para usar os temos de Chantal Mouffe [12], em um caso haveria um
antagonismo entre as elites em que um pensamento é visto como inimigo e deve ser eliminado
e, no outro caso, há um agonismo, isto é, uma noção de que o outro é seu adversário dentro de
uma esfera pública, onde o direito do outro de expressar sua divergência não é questionado.
O Estado brasileira sob a perspectiva das elites
Para Higley, elites desunidas poderiam ser observadas nas ditaduras latino-americanas
[11]. No que concerne ao Brasil, esta é uma opinião dividida por Raposo [13]. Raposo analisa
a relação das sucessivas crises políticas no Brasil com a maneira pela qual as nossas elites
compreenderam o nosso Estado. Desta forma, em seu curto ensaio, ressalta que, para as elites,
o Estado pode ser visto como “regra” ou como “prêmio”. Na perspectiva do Estado-Regra, o
Estado é visto como um regulador do jogo político, pois existiria um consenso entre as elites
de que o desenho institucional do Estado, como aquele que é previsto na sua Constituição, deve
ser mantido. E, quando é necessário alterá-lo, as elites concordam novamente sobre as novas
regras materiais que vão balizar as discussões delas.
O Brasil, devido a suas crises políticas não teria um Estado-Regra, mas um Estado-
Prêmio. O Estado-Prêmio está vinculado à animosidade entre as elites políticas, as quais veriam
o Estado como o prêmio dos vencedores. Devemos lembrar que o Estado Moderno abrange
uma série de tecnologias políticas que visam afetar a população e conduzi-la para atingir aos
fins necessários [14]. Deste modo, a concentração de poder em torno do Estado é gigantesca: é
ele o chancelador das leis, monopolizador da violência, principal artífice da disciplina e
condutor da população por meio das políticas econômicas e da estatística.
A hipótese de conflito entre as elites, desunião entre elas originada por visões de mundo
conflitantes, denotaria um aspecto peculiar do Brasil contemporâneo em face do Brasil Império.
No período imperial, Carvalho [2] observa que a estabilidade necessária para a consolidação do
Estado brasileiro, se deveu à grande coesão de nossa elite imperial. Tal coesão, verdadeira união
ideológica destes membros, foi possível pela sua educação comum na faculdade de direito da
universidade de Coimbra, permitindo que a elite fosse uma ilha de letrados com ideais comuns,
hábitos e interações pessoais. Também terão uma carreira burocrática comum, a carreira dos
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magistrados, profissão esta que sempre ocupou um lugar de destaque nos Estados fortes tais
como o francês.
O Estado tem sempre que ser forte quando ele se faz à frente da nação, o que nos faz
compartilhar com os franceses outras características dada essa peculiaridade comum de nossos
casos. Também a união do povo é intermediada pelo direito antes que por uma cultura comum.
E nisso as análises de Carvalho são passíveis de serem complementadas com as de Bourdieu
[15], no que tange ao papel destacado que os juristas terão na construção do Estado Moderno,
e de seu ideal universal, como forma de garantir a sua própria ascensão. Sabem que o monopólio
que possuem sobre a palavra, o poder de legitimar a verdade pelos seus discursos, é a grande
maneira de obter capital simbólico. Todos os funcionários públicos de algum modo gozam dos
privilégios oriundos do universal. Tem, portanto, as elites burocráticas interesses particulares
no desenvolvimento do Estado.
É de ser dito, no entanto, que nenhum grupo profissional goza das atribuições que os
juristas e os magistrados possuem. Por meio de seu grande arcabouço intelectual poderiam
determinar por meio de recursos à história, aos costumes e à lei, o que é o verdadeiro, o certo e
o justo. Tinham, portanto, o poder de legitimar a ordem e garantir a dominação racional-legal
dentro de uma sociedade de valores modernos.
Com as décadas, novas formações profissionais mais modernas e mais técnicas em um
outro Brasil surgiram, como engenheiros e economistas e a educação foi difundida pelo Brasil.
Assim, novas visões de mundo emergiram nas várias regiões do país, refletindo também o
declínio da profissão do magistrado em lugar dos advogados nas elites dirigentes. Como notava
o autor, o advogado, “em contraste com o jurista, são típicos produtos da revolução burguesa e
da política liberal, pois são profissionais da representação de interesses” (P.27) [2].
Tamanho poder em face de elites que se tornam heterogêneas e dissidentes, isto é,
possuidoras de visões de mundo distintas entre si, já é uma característica que os leva a enxergar
o Estado como o local privilegiado para irradiar as suas ideologias e, sem possuírem um nível
de consenso mínimo, passam a mudar o desenho institucional do país com frequência para
garantirem os seus interesses e a prevalência de suas ideologias diante da visão inimiga.
Deste modo, as elites vinculadas ao Estado têm um papel preponderante para nos ajudar
a explicar as crises políticas e até econômicas. A questão política é evidente e a questão
econômica também.
Já sabemos onde está localizado o poder, resta agora saber quem são as pessoas que
detiveram esse poder. Com essas questões em mãos cremos ser capazes de entender a natureza
de nossas crises.
Ministério da Justiça e as elites políticas brasileiras
Ao analisarmos esse ministério um primeiro fato curioso se apresenta. O grande número
de atores políticos que desfilaram pelos diversos governos de Jango a Lula (2003-2010). Dentro
dos regimes democráticos ainda por cima, o número de atores políticos é maior nos governos
onde as crises econômicas e políticas não foram controladas.
Daí, nossa hipótese é de que, a circulação dos atores no poder, sinal positivo de
oxigenação do sistema para Pareto, também demonstra um aspecto paradoxal [16]. O problema
é que a grande circulação, tão exagerada quanto se apresenta, seria um claro sinal de crise. Isso
também já é possível de ver, em uma maneira diferenciada, no trabalho de Sérgio Abranches
[17], onde a fragmentação partidária que existe dentro do congresso, mas também dentro dos
ministérios no governo Jango, é visto como um claro sinal do quadro de ingovernabilidade.
Como lembra o autor, é impossível, dado a rigidez de nossa Constituição e rol de temas
constitucionalizados, governar sem amplas coalizões que permitissem ter as maiorias
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necessárias para fazer mudanças constitucionais, o que justificaria a tentativa de sempre
procurar novos ministros que possam auxiliar a compor a base.
Um segundo ponto a saltar aos olhos é o fato do Ministério da Justiça2 apresentar maior
instabilidade que os outros.. Isto nos choca a primeira vista dado que em contexto de crise
econômica foram os bancos e o ministério da fazenda aqueles que mais apareceram na mídia,
como forma de dar soluções aos problemas da nação. Como dito, porém, o ministério da Justiça
detém um grande poder e uma enorme importância para o Estado, de onde talvez as diferentes
elites procuraram disputar a hegemonia sobre este aparelho.
Por este motivo, esmiuçaremos a história, a legislação e as características dos dirigentes
deste Ministério para compreender.qual era a função deste na busca da estabilidade política
pelas diferentes visões que tomaram parte nas disputas pelo Estado-Prêmio.
Os diferentes governos e as suas visões.
Para compreender o caminho a ser seguido urge antes, compreendermos os governos que
serão analisados.
Estes governos foram separados em tipos dentro das categorais econômicas e políticas.
Os tipos econômicos serão os estabilizadores e os desenvolvimentistas, onde o período
estabilizador corresponde aqueles em que é necessário fazer ajustes fiscais para garantir a
estabilização da moeda, controle inflacionário e uma menor participação do Estado. Já os
períodos desenvolvimentistas serão marcados por uma forte ação do Estado para fomentar o
crescimento econômico, por uma via intervencionista e planificada. Serão os justos
representanstes da dialética entre Mercado e Estado de que nos fala Raposo [13], vital para a
construção do país. E, como vimos, a própria dialética pode ser representativa de dois diferentes
usos do direito: o do advogado e o do magistrado. Um ligado ao mundo liberal e do avanço dos
interesses particulares privados, e o outro ligado aos aspectos públicos e a ordem estatal.
Pelas categorias políticas classificamos os governos de autoritários e democráticos,
correspondendo o período autoritário como o da supressão dos direitos políticos que começa
com o AI-1 e que haverá de terminar com a eleição de Tancredo Neves e a posse de Sarney.
Dentro do governo autoritário será feito ainda uma clivagem, para dividirmos entre as diferentes
elites políticas que disputavam poder dentro dos militares. Assim teremos, sorbonista, linha-
dura e distensão democrática, para dar conta das diferentes maneiras como o Regime autoritário
conduziu o país. O tipo democrático será aquele que caracterizará os demais governos, onde
havia a garantia dos direitos políticos e presidentes civis.
A partir destas tipificações, procurou-se correlacionar por meio de nossa base de dados
do SPSS [4] os governos e as características dos ministros da Justiça dentro deles. Ainda com
o SPSS outros cruzamentos foram propostos dentro da base de dados da pesquisa sobre elites
brasileiras. sendo este vínculo a parte principal da pesquisa3. Paralelamente, com o intuito de
robustecer a análise sobre a natureza ministerial, foram lidas as biografias dos ex-ministros,
presentes no CPDOC para enriquecimento qualitativa da análise.
Resultados e discussões.
2 Em verdade, se retomarmos o período de 46/ 64, estudado por Abranches, veremos também a
preponderância do Ministério da Justiça o qual terá neste período 22 ministros. 3 Lembro que estes cruzamentos foram obtidos no SPSS a partir das respostas colhidas às 21 perguntas feitas em
nosso questionário. Os questionários foram aplicados entre aqueles que ocuparam o cargo de chefia a frente de
algum ministério, ou secretária com nível ministerial na administração direta. E ainda na indireta, com bancos e
empresas estatais que também gozam do status de ministro
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Ministros
por governo
Governos pelas tipologias MJ Total de
Ministros
João Goulart (1961-1964) 7 100
18,40% 12,20%
Castelo Branco (1964-1967) -
Estabilizador\Sorbonistas 4 48
10,50% 5,80%
Costa e Silva (1967-1969)/Garrastazu Médici
(1969-1974)\Linha-dura 2 63
5,30% 7,70%
Ernesto Geisel (1974-1979)\João Figueiredo (1979-
1985)\Dist. 3 96
7,90% 11,70%
José Sarney (1985-1990) ao Lula I (2003-2005)
\Estabilizador 19 414
50,00% 50,40%
Lula I (2005-2007) e a Lula II (2007-
2011)\Desenvolvimentista 3 100
7,90% 12,20%
Total 38 821
100% 100%
tabela 1- Ministros repartido pelas tipologias de governo
Na Tabela 1, verificamos que o número de ministros da justiça foi bem maior, dentro dos
períodos democráticos. Isso, todavia, acompanha a configuração geral que denota um número
mais reduzido de ministros nos períodos militares e um número maior de ministros dentro dos
períodos democráticos. Dentro destas características gerais o número mais alto de ministros em
um período mais curto de tempo fica a cargo de João Goulart. Castelo Branco também tem um
número que é incrivelmente alto para um governo Militar. Mais do que isso, Ao compararmos,
o total de ministros em cada governo e o número de atores políticos que passaram pelo MJ,
percebemos que os governos supracitados destoam da média dos demais, por uma quantidade
excessivamente alta de atores políticos (18, 4% e 10.5% contra 12,2% e 5,8%,
respectivamente). Houve ainda no período desenvolvimentista de Lula, um número de ministros
da justiça que era mais baixo que a média.
Duas hipótese são possíveis por esta análise. A primeira diz que períodos em que a
estabilização é uma necessidade, se faz necessário que aja uma troca maior neste ministério do
que em períodos desenvolvimentistas. A segunda hipótese, é que tal não tenha a ver diretamente
com os ciclos econômicos, mas com a melhor maneira de se lidar com as crises econômicas e
políticas. No último caso, não seria o problema da estabilização monetária que atravessou os
governos João Goulart4 e Castelo Branco, mas sim seria por questão da crise econômica e
principalmente, acredito, a crise política que ali existia.
4 Era um dos tripés do plano trienal elaborado por Celso Furtado, o controle inflacionário, apesar de que
o plano apontava aind apara a necessidade das reformas de base e para a presença forte do Estado para garantir o
crescimento econômico.
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Vejamos a primeira hipótese. A questão da estabilização, em si, não auxiliaria muito a
perceber as características particulares dos governos democráticos. Se houve ao todo 19
ministros no período estabilizador democrático, também é verdade que no governo FHC II
houve seis ministros e no primeiro governo Lula houve apenas 1 ministro apesar dele ter sido
parte estabilizador e parte desenvolvimentista5. Portanto, a característica da rotatividade tem a
ver com uma das estratégias possíveis para se lidar com as crises. Assim , o período
estabilizador não é em si o responsável pelo alto número de ministros, mas é o fato de que a
política econômica estabilizadora foi comumente utilizada durante os períodos críticos.
Se podemos tirar um padrão dos números apresentados na tabela acima, este é que a
maior rotatividade de ministros, em geral, ocorre durante os períodos democráticos. Todavia, a
rotatividade no governo Castelo Branco é altíssima, ainda mais se compararmos com os seus
demais ministérios. Essa questão será melhor enfrentada a frente, mas, adiantando, acredita-se
que isto tenha um vínculo com as atribuições do Ministério da Justiça e com a visão de mundo
das elites políticas que ocuparam aquela pasta e que só haverá de se solucionar este problema
com a ascensão da Linha-Dura e as novas atribuições que serão dadas a esse ministério, em
1969. Tais questões parecem ter como pano de fundo a melhor forma de garantir a estabilidade,
tendo como foco de ação prioritário a contenção de crises políticas.
Por este motivo, neste relatório focaremos na relação que o ministério tem com a crise
política tendo como prioridade a relação entre os ministérios e a melhor forma que as elites
foram empregadas para dirimir confrontos de caráter político.
Partidos, bacharéis e o MJ
Sabemos que uma das formas que a literatura aponta para se ter estabilidade é a união
entre as elites. Tal união, para Higley [11], pode ser feito de maneira consensual ou ideológica.
Como já vimos, o processo ideológico de coesão das elites oriundo de uma formação comum
no Brasil, declinava já no início da República [2]. Nossa heterogeneidade política é ela mesma
causa da necessidade de se construir grandes coalizões políticas no âmbito federal. Assim,
devemos focar não mais na ideologia mais no consenso mínimo necessário para que aja regras
de sucessão e disputa política . Dentro de tal perspectiva, é razoável considerar, se é comum ou
não haver filiação partidária na escolha deste ministério.
5 São membros do ministério da Justiça do segundo mandato FHC: Miguel Reale Júnior, Paulo de Tarso Ramos
Ribeiro, Aloysio Nunes Ferreira Filho, José Carlos Dias, José Gregori e José Renan Vasconcellos. Já do governo
Lula foi apenas Márcio Thomaz Bastos
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Gráfico 1- Filiação partidária do ministério da justiça em comparação com o total dos
ministérios.
Como se pode ver pelo gráfico, um ministério estratégico como este tem um percentual
de vinculação partidária acima da média. De fato 65,8% de seus ministros contra 46,50% da
média geral das instituições. Se seguirmos ainda Abranches, veremos que 46% dos ministros
da justiça no período de 46-64 eram do PSD, que não a toa, era o principal partido da situação
a época. Aqui se vê a necessidade de se recrutar dentro do próprio jogo das coalizões partidárias
os partidos mais fortes para que estes fizessem parte da base de sustentação do governo. No
caso de Jango, 5 dos seus 6 ministros tinham vinculação partidária. A mudança ministerial
somente demonstrava o quadro de instabilidade do governo João Goulart, o qual contou com
período de grande turbulência durante o parlamentarismo e que se veio a agravar no período
presidencial. Além disso, entre seus ministros mais notórios temos Abelardo Jurema, liderança
política do PSD e que será importante articulador para tentar compor a base do presidente nos
turbulentos períodos que antecederam ao golpe.
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Gráfico 2- número de atores políticos com políticos na família
O novo gráfico, ao ser combinado com o gráfico 1 tem capacidade de iluminar mais a
ligação do ministério da justiça com a ação de grupos políticos propriamente ditos. Como se
vê, enquanto que nos demais órgãos 21 % dos atores tinham políticos na família, esse número
quase duplica ao se tratar do MJ (39,5%). Os dois gráficos em conjunto reforçam a hipótese de
que a pertença a política era parte importante no próprio ethos da pasta. Também nos permitem
levantar a hipótese de que as relações pessoais familiares são uma alavanca importante para o
ingresso na política. Ingresso este que de algum modo é estritamente necessário para a escolha
dos ocupantes deste aparelho estatal.
Gráfico 3 – Graduação dos ministros da justiça em percentual
Completemos a tríade com uma informação diferenciada, a de que 89,9% dos ministros
tem formação em direito, quando este número é de 28% entre os demais. Como visto, os
advogados sempre estiveram ligados as revoluções liberais, posto que eles aprendiam em suas
faculdades a representar causas e grupos diversos. Mais ainda, vimos que o campo jurídico
detém o monopólio da palavra e o conhecimento das leis, o que os torna capacitados a
transformarem os seus interesses privados em universais. Em outras palavras, são uma classe
propensa a lidar com o político e com os meandros do Estado Moderno pautado na
racionalidade legal. Esta força política da formação é capaz de converter o capital jurídico em
político.
De fato, em todo o ensino universitário é a faculdade que mais bem prepara a vida pública.
Representando interesses diversos, aprendendo a negociar e a discursar de maneira a unir os
interesses com os seus, o habitus, este conjunto de práticas que molda a maneira de pensar e
agir dos indivíduos, desenvolvido no ensino jurídico tem grande afinidade eletiva com a
vocação política. E ainda, os próprios familiares parecem considerar esta uma formação
importante na medida em que reafirmam o ingresso na política dos bacharelados.
A coerção no vértice e os circuitos do consenso
Esta ligação com a política é muito alta nas democracias. É de ser percebido que este
ministério é importante para ser usado como forma de coordenar a política. O percentual
considerável de 36,8 % dos ministros estarem ocupando um lugar no Legislativo no momento
de sua convocação é sintomático da circulação profunda que há entre esses ministério e a casa
Legislativa. Talvez sendo importante considerar que as mudanças nas correlações de poder
dentro da casa invadam e pressionem de maneira premente os rumos do ministério.
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Entretanto, não se pode esquecer que este também é um cargo da mais alta confiança e
que demanda expertise. Os técnicos qualificados representam a maioria da elite recrutada. É
mesmo espantoso o recrutamento de elites, oriundo do Poder Judiciário. 21% das elites foram
recrutadas de lá. Há ainda casos de ministros da justiça que foram alçados para o poder
Judiciário em tempos de embates jurídicos acirrados. Caso emblemático foi a entrada do então
ministro de FHC, Nelson Jobim, no STF. Já como ministro teve que procurar demonstrar seu
valor na defesa das emendas constitucionais do governo FHC, as quais causaram uma grande
insatisfação de amplos setores da esquerda que as visam como inconstitucionais. A entrada de
Jobim na suprema corte apenas reafirmava as mesmas lutas políticas em uma nova arena
política, posto que: "Sua ida para o STF, além de significar o coroamento de uma carreira de
jurista, deu ao Executivo federal a garantia de apoio a suas demandas junto ao mais
alto tribunal do país. Um dia após sua posse, Jobim já estreava no Supremo
defendendo o governo das críticas do ministro Celso de Melo — que assumiria a
presidência da corte no mês seguinte — ao abuso de edições e reedições de medidas
provisórias por parte de Fernando Henrique" [18].
Se nos regimes democráticos a circulação dos ministros delineia um complexo circuito
de trocas entre os poderes da República, nos períodos mais autoritários, em especial os dois
governos linha-dura, ao invés de um círculo vemos uma vértice no Executivo que parece
subjugar os demais.
Não tiveram ligação com a política apenas Gama e Silva e Alfredo Buzaid, ministros de
Costa e Silva e Médici, respectivamente. Também esse foi o caso de Carlos Medeiros um dos
principais responsáveis pela faceta mais repressiva da Constituição de 676. Nenhum deles era
político, apenas técnicos, fato este importante para entendermos a alta circulação de ministros
durante o governo Castelo Branco, Medeiros não era apenas um técnico, mas havia se
aposentado do STF a pedido para assumir a pasta da Justiça e trabalhar no anteprojeto da nova
constituição. Deixa, portanto, sua função de guardião da constituição para assumir o papel
principal na reformulação dos direitos e da organização do Estado. Essa migração inversa a de
Nelson Jobin, reafirma o caminho da centralização política em um vértice único. A ditadura
Civil-Militar, devido a esta peculiaridade em todo o período estudado, merece uma atenção
mais detida, para podermos compreender como se articulou a força e o consenso ao longo deste
ministério.
6 Tão reacionário era o projeto inicial de Carlos Medeiros que nem ao menos tinha o capítulo de direitos
fundmentais, de acordo com depoimento de Carlos Chagas. Acresceu ainda que "Ele, o Medeiros, defendia que
aquilo era assunto de legislação ordinária, que não era matéria constitucional." []
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Gráfico 4- Proporção dos atores políticos que ocupavam cargos no legislativo, quando convocado
Gráfico 5- Proporção dos atores políticos que ocupavam cargono no judiciário, quando convocado.
A Ditadura entre a força e o consenso
Seguindo a deposição do presidente João Goulart, eis que as lideranças do golpe se veem
divididas em uma heterogeneidade de interesses. Pode ser destacado, no entanto a divisão
fundamental entre os moderados e a linha dura. A linha dura estava disposta a sacrificar
qualquer verniz de legalidade em nome da sua "revolução" e da caça aos seus inimigos
comunistas[19]. De outro lado, os moderados entendiam que deveria ser seguida a legalidade
estritamente, preservando as instituições.
O embate entre essas duas visões perpassava o próprio seio do MJ. Milton Campos, uma
das principais lideranças udenistas foi o primeiro ministro da pasta no governo de Castelo
Branco. No entanto, suas constantes desavenças com a linha-dura em especial com o então
ministro da Guerra Costa e Silva, fizeram com que ele procurasse se demitir. Em sua carta de
demissão teria dito, porém: “Não me considero o melhor intérprete da Revolução, mas entendo
que não é útil a ela muito do que recentemente se fez, sobretudo pela maneira como foi feito.”
Campos representava uma ala que acreditava que as coisas estavam saindo dos limites. É
notória a escolha de Campos, assim como foram as de de Men de Sá e Juracy Magalhães. Todos
eles tinham antes filiação partidária e denotam o compromisso do governo Castelo Branco em
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estabelecer um acordo entre as elites. No entanto, a pressão daqueles que advogavam a exceção
e o maior dirigismo estatal ganha cada vez maior terreno e termina por suplantar o coro dos que
se opunham.
A maior vitória dos partidários da dita revolução, foi o AI-5, golpe fatal nos direitos civis,
ao inverter a presunção de inocência. Este ato foi da autoria de Gama e Silva. É o ápice da
virada autoritária do ministério, o qual passou a contar também com novas atribuições e
competências a partir de 697. Centralizando em si diversos poderes de repressão e censura, a
persuasão deu lugar a força, abrindo espaço para mais uma vez o direito administrativo reinar
sobre as garantias constitucionais. O poder discricionário do Executivo nessa nova fase reafirma
a própria estabilidade do ministério. Uma vez que não há negociações não há a necessidade de
trocas constantes para obter a estabilidade entre os interesses da elite e nem ao menos há opinião
pública para se interpor.
Tanto Gama e Silva como Alfredo Buzaid seriam formados em São Paulo. Este fato
estava na contramão das formações da maioria dos militares, os quais eram provenientes do
Rio. E, no entanto, explicam uma aproximação pessoal que ambos tinham. Buzaid ainda era
próximo de Miguel Reale tendo participado com ele da formação da Ação Integralista. Uma
hipótese possível é que este movimento nascido em São Paulo, tenha exercido influência em
parte dos civis que viriam a apoiar e a legitimar juridicamente o próprio movimento.
Seja como for, o próprio Buzaid ainda se via como um técnico, cuja função era
modernizar o ordenamento jurídico, sendo dele quem conceberá o Código Processual Civil de
73. Duas ações também relevantes que ocorreram em seu governo foi a promulgação do
decreto-lei, 1970, responsável pela censura prévia a livros e periódicos de forma a garantir a
“moral e os bons costumes”. Ainda, defendeu a visão pragmática do governo, focando no
desenvolvimento, sem considerar relevante a normalização institucional. De fato, chegou
afirmar que as eleições indiretas eram tão democráticas quanto qualquer outra.
A censura procurou por fim a qualquer pensamento político e autônomo. Como já
observava Wright Mills a consequência de uma elite do poder, que se perpetua e centraliza em
si as decisões, é a consolidação de indivíduos sem acesso a senso crítico, formando uma massa.
Claro que ainda havia os públicos, espaços autônomos de discussões e produção de contestação
crítica, mas esses eram clandestinos e ilegais nestes tempos.
A censura no Brasil é ainda reafirmada com a Lei Falcão, de 79. Apesar de Armando
Falcão ser um político e ter contribuído a frente do ministério para a distensão política, ficou
notadamente conhecido por este decreto –lei que reduziu a propaganda na televisão e no rádio
para apenas a apresentação do currículo e, no caso da TV, para a imagem do candidato. O
objetivo aqui era o de diminuir o tempo da oposição na televisão e impedir que esta atingisse a
maioria [21].
De fato a grande virada democrática apenas ocorre com Petrônio portela a frente da pasta.
Político desde jovem, aprendeu ainda com o pai a importância de negociar e conciliar para
atingir seus interesses políticos. Esta sua atitude conciliadora será fundamental para substituir
o Estado de Exceção pelo de direito Quando era ainda presidente do Senado, já havia sido
elaborador da Lei de Segurança Nacional após conversas com empresários e dirigentes
sindicais, devolvendo a "normalidade política ao país" [21] .
De sua atitude a frente da justiça, Vera Calicchio [22] destaca:
7 xemplo dessas atribuições estão no decreto Nº64.416/69, o qual prevê nas suas atribuições : “c) apurar os ilícitos penais contra a segurança nacional, a ordem política, social e moral, ou que vulnerem bens, serviços e interêsses da União;
e) executar os serviços de censura de diversões públicas;” [20]
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"A escolha de Petrônio Portela significou uma reviravolta nas funções da pasta
da Justiça, que retomou seu caráter eminentemente político. Durante os anos que
sucederam ao movimento de 1964, o Ministério da Justiça passara a ser cada vez mais
identificado com atividades policiais, que incluíam prisões, apreensão de publicações,
censura a todos os órgãos de comunicação etc.".
Os leões e as raposas na construção na história do MJ
Focando em um período extenso, procurou-se obter a partir da análise do recrutamento
das elites e de sua identificação, a razão por trás do alto número de ministros da Justiça. Para
integrar a pasta foi importante a escolha de políticos que pudessem fazer a articulação com o
legislativo e com as bancadas partidárias, e também a relevância de ter trocas com o judiciário.
Apenas durante o período mais repressivo esta característica foi suspensa, posto que é menos
importante negociar quando a Exceção se torna a regra, de modo a que todos os conflitos passam
a ser dirimidos por atos discricionários do poder público. Por vezes adotou-se a força, outras
vezes o consenso
O princípio da nossa circulação das elites, segue em alguma medida a própria circulação
dos resíduos paretianos. Para Pareto, a elite deve sempre ser capaz de combinar força e
persuasão, vindo a ser deposta na medida de seu insucesso no controle desses dois resíduos.
Assim, retomando a metáfora de Maquiavel, Pareto define a família dos leões, entre aqueles
voltados a brutalidades e a da raposa, nos voltados para ações sutis [23]. Como diz Pareto:
"A renovação das elites representa, portanto, um justo equilíbrio entre o leão e a raposa
no seio da classe governante, isto é, da capacidade de equilibrar a força e a fraude: força para
manter o governo e a astúcia para fortalecer-se e ao mesmo tempo enfraquecer os movimentos
vindos de baixo pela assimilação de seus líderes à elite governante, de forma que a classe
governante que não se renova sofra um afrouxamento da sua capacidade de direção" [24]
A negociação e a persuasão, como se pode perceber, não ocorre apenas entre as elites,
mas também na sua relação com a massa, isto é, a não-elite. Usar meios que possam legitimar
a sua ação frente a população é a tática das raposas que se usa para dominar. Ao procurar, por
outro lado, reprimir politicamente a massa para se conservar no poder, age-se como um leão.
As elites que hoje reconheço como da família da raposa, chamei de negociadoras pelo
próprio caráter conciliador destas. Este tipo comum aos governos democráticos, pode ser
percebido tanto em Aberlardo Jurema no governo João Goulart, como em Petrônio Portella no
governo João Figueiredo. Tal característica une a necessidade do nosso presidencialismo de se
governar por coalizão à importância estratégica que este ministério tem para normalizar a crise
política pela via jurídica.
Deste modo, a profissão do bacharel ganha espaço pelo seu duplo envolvimento. De um
lado a consolidação de uma carreira de jurista capaz de conhecer os meandros da lei e de
legitimar suas vontades. De outro, o caráter representativo da profissão advocatícia, a qual
possui verdadeira afinidade eletiva com a vocação política, na medida que capacita o indivíduo
na representação de interesses plurais.
A afinidade eletiva entre ambas as vocações também possibilita compreendermos a forte
presença, entre os ministros, de políticos na família. Por certo, a ocupação familiar abria as
portas para a política e lançava um novo interesse na própria faculdade de direito para além do
interesse em se tornar um jurista. Mais ainda, reafirma a relevância que a família tem nas
estruturas políticas e que o diploma de bacharel em direito goza como forma de auferir
privilégios e status.
Ressalto também o caráter técnico dos ministros e a confiança em relação ao chefe do
Executivo. Uma vez que os decretos-lei, as medidas provisórias e as propostas de emendas
constitucionais feitas via Executivo contam com o auxílio do M.J. , é necessário que o ministro
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seja alguém de confiança e competência. Desse modo, recrutar elites que provenham do
Judiciário pode convenientemente servir ao político e ao técnico. O número alto de ministros
provenientes do judiciário, em relação à média dos demais ministérios, parece responder a este
anseio. Mas também parece se relacionar com a vantagem de se criar vínculos com o aparelho
judiciário, em um país em que a judicialização das relações sociais [25], em vista de uma
constituição extensa, ganha destaque.
Já as atitudes dos ocupantes da pasta da Justiça, durante o período militar, eram dignas
de ser alçadas à família dos leões. Enquanto o uso de estratégias mais políticas de coordenação
e negociação, parece ser característica que ocorria nas democracias e na nossa transição para a
democracia. Isso é razoável de se supor, uma vez que as próprias regras pré-estabelecidas do
jogo político foram radicalmente mudadas, as decisões centralizadas, e a oposição, na elite ou
na massa, reprimida. O próprio sistema de pesos e contrapesos fora danificado por meio de um
maior controle sobre o Judiciário e o Legislativo.
Pela razão do papel discricionário da administração do Estado de definir as regras, no que
é um claro regime de Exceção, havia eu tipificado idealmente esta elite como bonapartista no
trabalho anterior. Isso porque, como já nos mostrava Marx [26] em uma de suas magníficas
obras, o bonapartismo é um fenômeno que se constrói quando o Executivo emerge forte para
conter os impasses do parlamentarismo. É isto o que acontece no caso do “Pequeno Bonaparte”,
o qual chegou ao poder, devido ao esvaziamento das forças do Legislativo, em razão de um
equilíbrio de forças no conflito de classes, onde uma classe não conseguia se impor sobre a
outra. Desta maneira, os representantes de cada classe foram aos poucos cedendo o seu poder
ao Executivo, ao mesmo tempo em que procuravam neutralizar ou eliminar a ameaça que
representavam as outras classes dentro do parlamento. E assim como no caso de Marx, aqui
também a ameaça a ser eliminada é primeiramente a esquerda.
Esta característica dirigista e repressiva de nosso poder, deixará marcas indeléveis em
nossa modernização, na medida em que buscou-se no caminho dos leões a solução para as
crises. Funda-se em nossa terras, "um capitalismo que, ainda hoje, depende mais das formas
políticas repressivas de controle social do que econômicas, mais da coerção do que do
consenso" [27].
Esse dirigismo político, presente ainda hoje em matizes mais opacos, também reafirma
a predisposição a um Estado-prêmio, sobrepujando-se sobre o Estado enquanto regra, como
descrito por Raposo. A saída dirigista não precisa do consenso ou da negociação, uma vez que
passa por cima do Legislativo, Judiciário ou da Constituição.
Dentro dessa dialética entre a força e o consenso, o ministério da Justiça modificou-se em
suas atribuições acompanhando o próprio movimento de nossa história . Em tal movimento,
gravou em si as marcas de uma elite política que, na sua circulação, ora fortaleceu a conciliação
do Estado-Regra, ora a do Estado enquanto prêmio. Nessa troca, o ministério sempre teve um
papel destacado, mas do qual resultou conflitos constantes entre interesses dos que queriam
obter a pasta. Ora a serviço de um aparelho repressivo, ora em defesa de direitos e como
conciliador político, ora como leões e ora como raposas. Nesse jogo de interesses conflitantes
a troca de ministros foi feita de maneira a conciliar tantos interesses divergentes entre as elites
e na sua relação com a massa.
Disse no ano passado que havia sido descoberto um solo fértil. Hoje, creio que os
primeiros frutos já começam a nascer. Todavia, o rico solo que a base de dados das Elites
Políticas Brasileiras, ainda permite que muito mais possa vir a ser colhido. Por isso, seguirei
por outro ano nessa pesquisa.
Referências
Departamento de Ciências Sociais
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