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«Organizações Estruturais»
Um estudo sobre a sua importância
na Dinâmica das Equipas
Milton Manuel Madureira Cerqueira
Porto, 2009
«Organizações Estruturais»
Um estudo sobre a sua importância
na Dinâmica das Equipas
Monografia realizada no âmbito da disciplina
de Seminário do 5º ano da Licenciatura em
Desporto e Educação Física, em Desporto
de Rendimento – Futebol, da Faculdade de
Desporto da Universidade do Porto
Orientador: Mestre José Guilherme Granja de Oliveira
Milton Manuel Madureira Cerqueira
Porto, 2009
Ficha de Catalogação
Cerqueira, M. (2009). «Organizações Estruturais». Um estudo sobre a sua
importância na Dinâmica das Equipas. Porto: M. Cerqueira. Dissertação de
Licenciatura apresentada à Faculdade de Desporto da Universidade do Porto.
PALAVRAS-CHAVE: FUTEBOL; TÁCTICA; SISTEMA DE JOGO;
ORGANIZAÇÃO ESTRUTURAL.
Dedicatória
Aos que entendem que os problemas têm solução,
porque caso não tivessem solução não poderiam ser problemas.
Podem é ter mais que uma solução…e ainda por se encontrar.
A todos aqueles que adoram ver
um jogar (in)certo por «linhas tortas»…
Uma investigação é, por definição, algo que se procura. É um caminhar para um
melhor conhecimento e deve ser aceite como tal, com todas as hesitações, desvios e
incertezas que isso implica. Muitos vivem esta realidade como uma angústia
paralisante; outros, pelo contrário, reconhecem-na como um fenómeno normal e,
numa palavra, estimulante.
Quivy & Campenhoudt (2003: 31)
Agradecimentos
III
Agradecimentos
A todos os que me ajudaram e apoiaram…apesar das minhas
dificuldades, das minhas dúvidas, das minhas incompletudes…durante este
longo, longo percurso.
Ao professor José Guilherme Oliveira , pela forma disponível, solidária e
aconselhada que sempre teve para comigo durante o estudo. Pela forma
mestra e apaixonante como transmite o seu conhecimento sobre Futebol aos
seus alunos.
Ao professor Vítor Frade , por me fazer ter vontade de calar e ouvir os seus
ensinamentos, por me fazer ter saudade das suas aulas, por me ter feito
constatar que um «sei que nada sei» sobre Futebol é um princípio para quem
pretende mudar e saber mais, mas sobretudo saber melhor.
Ao professor Agostinho Oliveira , ao André Vilas Boas e ao Luís Freitas
Lobo por terem tornado realidade o meu desejo e a minha vontade com este
estudo, por terem partilhado comigo um pouco dos vossos muitos
conhecimentos tão profundamente ligados à construção do fenómeno Futebol.
Ao Rui Machado , por me ter facultado um documento precioso para a
consecução da minha monografia e à Marisa pelo interesse e opinião crítica
que tanto me ajudaram na realização melhorada deste trabalho. O meu
sincero, muito obrigado.
Ao Hélder Fonseca e ao Hélder Soares por me terem facultado material de
pesquisa literária que se tornaram mais-valias na elaboração do estudo.
À FADEUP, pelos ensinamentos e pela oportunidade que me proporcionou em
orgulhosamente dizer: «Não vim da faculdade do pincho. Sou um profissional
de desporto!».
Agradecimentos
IV
Aos colegas e amigos de faculdade, em especial ao Tiago, Nuno, Sérgio e
Sousa, por partilharem comigo tantas reflexões, opiniões, discussões…
Obrigado por me fazerem sentir presente aquilo que pode estar ausente.
À Dona Virgínia e Sr. Marinho , por não os considerar elementos de
«bastidor» mas sim protagonistas durante este meu percurso académico.
A todos os colegas que comigo já trabalharam, por conseguirem, naquilo que
lhes foi possível, ajudar-me a alcançar este objectivo pessoal e a desenvolver
competências na observação e reflexão sobre Futebol.
Àquele que passou de colega de faculdade a amigo, Martinho , por me permitir
viver intensamente com ele o Futebol que tanto adoramos…não tenho palavras
para descrever o quão «tacticamente irrepreensível» foste em todo este
trajecto.
A todos os Meus amigos e familiares próximos , pela compreensão das
minhas opções, por me congratularem pelos meus feitos e por não me julgarem
pelas metas ainda não alcançadas. Todos, uns mais directamente do que
outros mas sem excepção, desempenharam um importante papel, mais do que
neste estudo, na pessoa e profissional que sou hoje.
À minha especial família, pela perseverança incalculável nesta minha
caminhada, por se orgulharem incondicionalmente de mim. Mãe, Pai, Ricardo,
Tânia , esta «vitória» é dedicada a vocês.
Índice
V
Índice Geral
Agradecimentos III
Índice geral V
Índice de figuras VII
Resumo IX
Abstract XI
Résumé XIII
1. Introdução 1
2. Revisão da Literatura 5
2.1. Com a «Evolução» do Jogo…a «Evolução» dos «sistemas de jogo» 5
2.1.1. O início…o Futebol nas suas «formas» embrionárias 6
2.1.2. As primeiras grandes (r)evoluções operadas pelos «Grandes
Napoleões»
11
2.1.3. Do «sistema estático» (estrutura de jogo) ao «sistema táctico»
(dinâmica de jogo)
14
2.1.4. Um Acentuar de diferenças… 19
2.1.5. …«novas» (re)organizações (estruturais) no espaço e no tempo
rumo ao presente!
26
2.1.6. «Multiplicar» e «Subtrair» «linhas»…resultado da plasticidade
(estrutural) dos jogares das equipas
32
2.1.7. Estratégia e Estrutura(s) de jogo…variar sem deturpar! 37
2.2. «Viver o Presente, estudando o Passado, preparando o Futuro»: 43
2.2.1. …modelo de jogo e estrutura de jogo, não sendo sinónimos,
(ainda) se (com)fundem?!
43
2.2.1.1. Porque para que um jogar («ser») se manifeste, um
modelo («espírito») tem que «animar» uma estrutura («corpo»)!
45
2.2.2. … princípio(s) de jogo e estrutura(s) de jogo, que relação?! 49
Índice
VI
3. Metodologia 57
3.1. Objectivos do estudo 57
3.2. Material e Métodos 58
3.2.1. Caracterização da Amostra 58
3.2.2. Recolha de Informação 59
3.2.2.1. Construção e realização das entrevistas 59
3.2.2.2. Análise e interpretação das entrevistas 60
3.2.2.3. Limitações encontradas 65
4. Análise e Discussão das Entrevistas 67
4.1. (C1) Organização de Jogo 67
4.1.1. (SC1.1) Modelo de jogo 73
4.1.2. (SC1.2) Organizações estruturais de jogo 77
4.2. (C2) Organização estrutural (posicional) do jogar 83
4.2.1. (SC2.1) Organização ofensiva 96
4.2.2. (SC2.2) Transição defensiva 99
4.2.3. (SC2.3) Organização defensiva 102
4.2.4. (SC2.4) Transição ofensiva 105
5. Considerações Finais 109
6. Referências Bibliográficas 115
Anexos XV
Anexo I – Guião da Entrevista XVII
Anexo II – Entrevista a Agostinho Oliveira XXI
Anexo III – Entrevista a Luís Freitas Lobo XLIX
Anexo IV – Entrevista a André Vilas Boas LXXIX
Índice
VII
Índice de Figuras
Figura 1 Representação da Estrutura 1-1-0-9.
7
Figura 2 Representação da Estrutura 1-1-1-8.
8
Figura 3 Representação da Estrutura 1-1-2-7.
8
Figura 4 Representação da Estrutura 1-2-2-6. 9
Figura 5 Representação da Estrutura 1-2-3-5 (Sistema Clássico ou em Pirâmide).
10
Figura 6 Representação da Estrutura 1-3-2-2-3 (WM) de Chapman. 12
Figura 7 Representação da Estrutura da Wunderteam de Meisl. 13
Figura 8 Representação das Estruturas MM e UM da Hungria de Gustav Sebes. 15
Figura 9 Representação das Estruturas 1-4-2-4 (Brasil de 1958) e 1-4-3-3 (Brasil de 1962).
16
Figura 10 Representação das Estruturas 1-5-3-2 (1-1-4-3-2) e 1-5-4-1 (1-1-4-4-1) (Catenaccio) de Helenio Herrera.
18
Figura 11 Representação da Estrutura 1-4-4-2 (respectivas variantes). 25
Figura 12 Representação da Estrutura 1-3-5-2. 27
Figura 13 Representação da Estrutura 1-3-4-3 (1-3-1-2-1-3) (Dream Team) de Cruyff.
28
Figura 14 Representação da Estrutura 1-2-2-1-2-1-2 do FC Porto (Mourinho) e da Estrutura 1-4-4-2 do AC Milão (Ancelotti).
29
Figura 15 Representação/Exemplo em estrutura em que o entrevistado apresenta a posição e movimentação do ponta-de-lança permitindo que o defesa/lateral esquerdo possa circular a bola pelo guarda-redes fazendo-a chegar ao corredor central pelo defesa central direito ou ao corredor lateral contrário através do defesa/lateral direito.
XXVIII
Figura 16 Representação/Exemplo em estrutura em que o entrevistado apresenta a posição e movimentação do ponta-de-lança, «deslocado» da sua posição mais propensa – posição central no campo – impede que o defesa/lateral esquerdo possa circular a bola pelo guarda-redes ou pelo defesa central esquerdo, ou seja, dificulta a circulação de bola à largura e potencia a construção do adversário em profundidade.
XXVIII
Índice
VIII
Resumo
IX
Resumo
É sabido que a disposição dos jogadores no terreno de jogo,
comummente denominada de «sistema de jogo», é parte abundante no debate
(in)formal em Futebol, mas também tema presente em muito daquilo produzido
na investigação sobre o fenómeno.
Todavia, face a enquadramentos existentes no estudo das organizações
estruturais de jogo que, não raras vezes, tende a vulgarizar e simplificar tal
conceito, invade-nos a vontade em distingui-lo e enquadrá-lo em articulação
com uma lógica complexa e sistémica caracterizadora dos jogares das equipas.
Neste sentido, perseguimos os seguintes objectivos: (i) explorar os
entendimentos de estrutura, sistema e modelo de jogo; (ii) indagar sobre a
importância da organização estrutural no jogar de uma equipa; (iii) perspectivar
a organização estrutural com a articulação dinâmica dos momentos de jogo;
(iv) inferir acerca das implicações de um exacerbar ou descurar organizacional
estrutural/posicional no jogar das equipas; (v) identificar organizações
estruturais de jogo futuras face às tendências evolutivas do Futebol a nível
mundial.
Desde a observação e análise de jogo até à concepção e
operacionalização de jogo abrangidas pelos entrevistados no estudo,
procurámos construir um quadro de conhecimento a partir das entrevistas que,
juntamente com a nossa revisão da literatura, conduzisse a um reequacionar
da abordagem a tal temática e/ou a um acrescentar ao até então fundamentado
sobre a mesma.
Das considerações finais do estudo parece-nos de relevar a
necessidade de perspectivar a organização estrutural naquilo que é a
organização do jogo de uma equipa. Daqui se induz o jogar de uma equipa
compreender uma unicidade «inquebrantável» dos momentos constituintes, o
que contribui sobremaneira para o conjecturar da estrutura de jogo como um
«padrão organizativo» colectivo cuja plasticidade espácio-temporal a inter-
relacionam intimamente com as características dos jogadores, a funcionalidade
e os princípios de jogo na expressão da sua dinâmica singular e específica.
Resumo
X
PALAVRAS-CHAVE: FUTEBOL; TÁCTICA; SISTEMA DE JOGO;
ORGANIZAÇÃO ESTRUTURAL.
Abstract
XI
Abstract
It is known that the disposal of the players on the field, commonly called
«playing system», is abundant part in the (in)formal Soccer debate, but also
present subject in a significant part of what the investigation produces about this
phenomenon.
However, in the presence of the existing framings on the study of the
playing structural organizations that, not rare times, tends to vulgarize and to
simplify such concept, invades our will in distinguish it and to fit it in articulation
with a complex and systemic logic that characterizes the specific way of playing
of the teams.
Therefore, we pursue the following objectives: (i) to explore the
understandings of playing structure, system and model; (ii) to inquire on the
importance of the structural organization in a team way of playing; (iii) to put in
perspective the structural organization with the dynamic articulation of the
playing moments; (iv) to infer concerning the implications of a
structural/positional organization being exacerbated or neglected in the teams
ways of playing; (v) to identify future playing structural organizations facing the
evolutive tendencies of the world-wide level Soccer.
From the observation and analysis of the game to the conception and
operative construction process of the game enclosed by the interviewed ones in
the study, we looked to construct a knowledge board using the interviews that,
together with our literature revision, could lead us to a re-equating approach to
such thematic and/or to a increasing of what has been well-founded about it.
Of the study final considerations it seems relevant the need to put in
perspective the structural organization in what it is the team playing
organization. Hence it induces the team way of playing to contain an
uniqueness «unbreakable» of the constituent moments, what greatly contributes
to the conjecture of the playing structure as one collective «organizational
pattern» whose space-time plasticity closely interrelates it with the players
characteristics, the functionality and the playing principles to express its singular
and specific dynamic.
Abstract
XII
KEY-WORDS: SOCCER; TACTIC; PLAYING SYSTEM; STRUCTURAL
ORGANIZATION.
Résumé
XIII
Résumé
On sait que la disposition des joueurs dans les terrains de jeu,
communément appelé de « système de jeu », est cause de débat (in)formel
dans le monde du Football, mais est aussi un thème très présent dans tous ce
qui touche l’investigation de ce phénomène.
Cependant, vu que toutes les études existant sur le thème des
organisations structurelles de jeu finissent par vulgariser et simplifier ce
concept, nous avons la nécessité de le distingué et de l’encadrer dans une
logique complexe et systémique qui caractérise le jouer de les équipes.
Dans ce sens nous allons poursuivre les suivant objectifs : (i) explorer les
divers compréhensions des structures, systèmes et modèles de jeu ; (ii)
renseignez-vous l’importance de l’organisation structurelle dans la façon de
jouer d’une équipe ; (iii) perspective l’organisation structurelle avec la harmonie
dynamique des moments de jeu ; (iv) inférer à propos de les implications de la
négligence ou exacerber d’organisation structurelle/positionnelle dans la façon
de jouer des équipes; (v) identifier des futures organisations structurelles de jeu
face aux tendances évolutives du Football mondial.
De l’observation et l’analyse de jeu jusqu’à sa conception et
opérationnalisation couverts par les répondants de l’étude, nous avons cherché
à construire un cadre de connaissances à partir d’entrevues que, en
complément de la révisons de littérature, nous permettrais de faire un nouveau
abordage sur ce thème et/ou un ajouter à une jusqu’à présent basés sur le
même.
Comme remarques de clôture de cette étude nous avons retenu
l’importance de perspective l’organisation structurelle dans l’organisation d’un
jeu d’équipe. Ici, le jouer d’une équipe comprendre l’unicité «incassable» des
moments constituants, ce qui contribue grandement à conjecture la structure du
jeu comme un «pattern d’organisation» collectif dons la plasticité spatio-
temporelle se conjugue intimement avec les caractéristiques des joueurs, la
fonctionnalité et les principes de jeux dans ses dynamique singulière et
spécifique.
Résumé
XIV
MOTS-CLEF: FOOTBALL; TACTIQUE; SYSTÈME DE JEU; ORGANISATION
STRUCTURALLE.
Introdução
1
1. Introdução
“Muitas vezes, quando estamos tentando perceber algo à nossa frente, o processo é
interrompido por um «enquadramento» daquilo em relação a alguma coisa que já está
armazenada em nosso actual arcabouço mental. Nesse momento, nosso processo
«neutro» de percepção é interrompido e «rotulamos» a coisa como algo já conhecido,
poupando-nos o trabalho de desvendar o inédito…” (Motomura, 2000: 14).
Se algo nos invadiu o «espírito» nas aulas de Metodologia de Futebol
foram os momentos em que o professor Vítor Frade (des)concertantemente
afirmava que «antes de mais, antes de tudo, quem quiser falar sobre o Treino1
ou sobre o Jogo2 (Futebol), tem de saber o que é o Jogo (Futebol)».
Quase em simultâneo e pela desperta curiosidade em sabermos mais
sobre Futebol, aquando da leitura atenta de entrevistas e/ou artigos
jornalísticos, ou mesmo de estudos e dissertações académico-científicas, cedo
nos deparámos com um conjunto de afirmações (para muitos, convicções) que
envolviam uma contradição conceptual envolta ao fenómeno Futebol que,
maioria das vezes, parece hipotecar o melhor entendimento que dele se
deveria ter.
Concretamente, ao nos confrontarmos com contradições e associações
envolvendo conceitos como modelo de jogo3, sistema de jogo4, estrutura
táctica5, etc., decidimos objectivar a nossa problemática correlacionada com
esta realidade tão intrínseca ao fenómeno Futebol.
Não se tornava difícil depararmo-nos, do ponto de vista conceptual e
terminológico, com expressões do tipo: «o meu modelo de jogo baseia-se num
ponta-de-lança, dois alas, três médios, quatro defesas e o guarda-redes»; ou
«o sistema de jogo da equipa é o 4-3-3, com quatro defesas, dois centrais e 1 Embora esta temática não seja directamente abordada nesta obra, importa focar o inquebrantável vínculo entre o treino e o jogo. Segundo Frade (2004b), o treino cria a competição (jogo) que por sua vez (re)cria o treino. 2 A palavra Jogo aparece com “J” maiúsculo para diferenciar o Jogo enquanto modalidade desportiva de características universalizantes (situado num plano abstracto, macro-escala) e o jogo enquanto jogo – específico e singular – de uma equipa (situado no plano concreto, micro-escala pertencente ao universo compreendido pelo Jogo). Segundo Frade (2004a), o Jogo é uma coisa que já existe, independentemente da ideia que dele se tem e como se reconhece que o mesmo é algo que se altera, que se modifica, então deixa de ser Jogo para ser jogo, porque é algo construído. 3 Este conceito será retratado posteriormente na revisão da literatura. 4 Este conceito será retratado posteriormente na revisão da literatura. 5 Entendido aqui como a organização estrutural da equipa; como dispositivo ou esquema táctico da equipa; forma como os jogadores se dispõem em campo (p.e., 1-4-3-3).
Introdução
2
dois laterais, um médio de contenção e dois médios mais adiantados um de
cada lado e três avançados»; «a minha equipa tem um esquema em 1-4-4-2,
ou seja, o guarda-redes, mais uma linha de 4 defesas, 4 médios e 2 avançados
bem lá na frente»; etc., ou seja, encontrar «dissolvidos» uns nos outros tais
conceitos, dando a parecer não necessitarem de destrinça.
Todavia, não se «fechando» no teor terminológico, igualmente
encontrávamos quem nos permitisse uma construção mais rica e diversa sobre
o corpo conceptual descrito comparativamente ao primeiro grupo. Obviamente
que nos reportávamos a reputadas figuras que se moviam não em torno mas
dentro do Futebol de «rendimento superior»6.
Num efeito «avalanche», mais (des)concertados ficámos com a segunda
parte da afirmação do professor Vítor Frade, em que «…, e o Jogo é algo muito
complexo que carece ser entendido como tal».
Fomos então à procura de conhecer melhor o Jogo (Futebol) e face ao
que nos vínhamos a deparar no que respeita à organização estrutural no jogar
das equipas, decidimos partir para um estudo em que o «esqueleto» dos
jogares das equipas fosse abordado e aprofundado.
Assim sendo, especificamente decidimos compreender os seguintes
objectivos: (1) explorar os entendimentos de estrutura de jogo (organização
estrutural), sistema de jogo e modelo de jogo; (2) indagar sobre a importância
da organização estrutural no jogar representativo de uma equipa; (3)
perspectivar a organização estrutural de acordo com a dinâmica de articulação
dos momentos de jogo; (4) inferir acerca das implicações resultantes de um
exacerbar ou descurar organizacional estrutural/posicional no jogar das
equipas; (5) identificar eventuais organizações estruturais de jogo a serem
utilizadas no futuro face às tendências evolutivas do Futebol a nível mundial.
Já quanto à organização estrutural referente ao estudo adiantamos a
sua constituição em seis pontos.
O primeiro ponto, representado pela “Introdução”, permite apresentar a
temática e contextualizar a pertinência da problemática visada, permite
6 “Uma equipa de rendimento superior é uma equipa que joga para vencer em todas as competições em que se insere, com presença nacional e internacional (liga dos Campeões), com regularidade, ou seja, anos e anos consecutivos neste patamar de rendibilidade” (Frade, 1998: 4).
Introdução
3
delimitar os objectivos, dar a conhecer a metodologia adoptada e descrever a
estrutura constituinte do trabalho.
No segundo ponto, pela “Revisão da Literatura”, verifica-se uma
sustentação da temática pelo presente na literatura primeiramente
contemplando a «filogénese»7 (histórica) do próprio Futebol em sintonia com a
«evolução» dos «sistemas de jogo»8. Depois, procura-se também indagar mais
e melhor sobre um fenómeno que em norma (ainda) vai vivendo à margem de
um conhecimento complexo, vai (ainda) sobrevivendo de um entendimento
parcelar, esmiuçado, simplificado. Não obstante as «transformações»
verificadas ao longo dos tempos «catalogadas» pelos jogares de equipas
emblemáticas, pretende-se também perspectivar o jogar de uma equipa como
um jogar único e singular fruto da especificidade do contexto que o origina, mas
também perspectivar esse jogar como um fenómeno «fractal» dinâmico,
complexo e sistémico.
No terceiro ponto, respeitante à “Metodologia”, destacam-se os
procedimentos de objectivação das intenções pretendidas com este estudo e
os procedimentos de recolha de registos informativos obtida através de
entrevistas semi-estruturadas sujeitas posteriormente à análise de conteúdo.
No quarto ponto, intitulado “Análise e Discussão das Entrevistas”,
procura-se estabelecer relação entre aquilo que se desenvolveu na revisão da
literatura e o conjunto de ideias e concepções apresentadas pelos
entrevistados.
No quinto ponto, surgem as “Considerações Finais”.
E, no sexto e último ponto, encontram-se indexadas as “Referências
Bibliográficas” incorporadas na obra.
7 Derivado do termo Filogenia que é comummente utilizado para hipóteses de relações evolutivas (relações filogenéticas) de um grupo de organismos, isto é, determinar as relações ancestrais entre espécies conhecidas. Neste caso, pretende-se entoar uma interpretação análoga para as organizações estruturais de jogo («sistemas de jogo»). 8 Entendido como estrutura táctica ou organização estrutural da equipa. A noção de sistema (de jogo), sendo outra, será abordada posteriormente na revisão da literatura e daí a utilização das aspas na expressão.
Introdução
4
Revisão da Literatura
5
2. Revisão da Literatura
2.1. Com a «Evolução» do Jogo…a «Evolução» dos «sis temas de jogo»
“O jogo de futebol evoluiu ao longo dos anos, desde a sua institucionalização até à actualidade. Quer queiramos quer não, quer gostemos quer não, o facto é que os acontecimentos que o
consubstanciam tornaram-se mais intensos, competitivos, complexos, ritmados, pressionantes, transitórios, instáveis…” (Castelo, 2004: 9).
O Futebol, compreendido como um Jogo desportivo colectivo
devidamente institucionalizado e formalizado segundo uma base regulamentar,
originou uma era com uma história de vida jovem quando comparada àquela
que remonta as suas ancestrais origens. Todavia, é sobre o trespassar dessa
era que ainda hoje perdura, que nos pretendemos debruçar.
Edificado nessa era está o reconhecimento de padrões estruturais que
ainda hoje se mantém e traduzem o Jogo de Futebol como um fenómeno rico e
diversificado e que, a nível de organização, sempre esteve profundamente
ligado ao(s) vulgo denominado(s), «sistema(s) de jogo».
Os «sistemas de jogo» foram então sendo alvo de naturais (r)evoluções
e inovações, mais ou menos significativas, até aos dias de hoje. Aqui ficam
alguns depoimentos que apontam nesse sentido:
- Agora fala-se em números. A viagem desde a ousadia até ao medo,
história do futebol no século vinte, é um transitar desde o 2-3-5 até ao 5-4-1,
passando pelo 4-3-3 e o 4-4-2 (Galeano, 2003);
- “Numa carreira ainda curta, tive a oportunidade de treinar três sistemas: o
4-3-3, o 4-4-2 em losango, e o 3-4-1-2” (Bento, 2007a: 28);
- Com o caminho que o futebol está a seguir, brevemente chegaremos à
formação 4-6-0 e para ser bem sucedido vamos precisar de todos os jogadores
em volta que possam defender e atacar quando aconselhado (Parreira, 2002,
citando seu compatriota Mário Zagallo).
Como se depreende destas opiniões, o passado, o presente e o futuro
do Futebol parecem assim ligados, entre outras problemáticas intrínsecas ao
fenómeno em si, ao enquadramento diferencial do ponto de vista estrutural
proporcionado pelos mais diversificados jogares das equipas. Relembrar a
Revisão da Literatura
6
história do Jogo a par e passo com os «sistemas de jogo» é o primeiro passo, o
ponto de partida, para compreendermos o sentido atribuído às estruturas e
subestruturas organizacionais de Jogo incorporadas no jogo específico das
equipas.
2.1.1. O início…o Futebol nas suas «formas» embrion árias
Ao ser um Jogo, um Jogo que hoje mobiliza multidões, os primeiros
passos profetizados por aquele que se denominaria por Futebol antecedem,
sem surpresa, a data da sua institucionalização (1863) fixando-se nos inícios
do século XIX.
Por esta altura ainda se estavam a formar as primeiras regras do Jogo,
que mantinha muitas semelhanças àquelas existentes no Rugby, com o Jogo a
ver-se envolto em vários incidentes de violência e brutalidade.
Só mais tarde, em 1846, na Universidade de Cambridge, pela autoria de
H. De Wilton e J.C. Thiring, nasceu o «primeiro código do futebol». De destacar
que, nestas regras, entre outras, a bola não podia ser chutada no ar e um
jogador estaria imediatamente fora-de-jogo se estivesse à frente da bola não a
podendo tocar ou chutar, ou avançar, até que um elemento da equipa opositora
a tocasse primeiro (Enciclopédia Mundial de Futebol, s.d.; Castro et al., 2006).
Ficou então a conhecer-se a época dos dribladores por se fazer um Jogo
predominantemente de condução de bola e de fintas, onde a perícia dos
jogadores era o que mais contava. Cada atacante com a posse da bola
procurava empurrá-la para a frente em investidas solitárias até a perder em
favor de um adversário. Os seus colegas de equipa acompanhavam-no pelo
terreno até ele ser privado do esférico e tentavam, então, recuperá-lo e iniciar
uma nova penetração (Morris, 1981; O’Brian, 2003; Castelo, 2004).
Esta forma de jogar e encarar a prática do Jogo pelos seus executantes
encontrava-se, desta feita, ainda muito condicionada pela realidade
regulamentar vigente. Não sendo possível executar passes para a frente,
dificilmente os jogadores se poderiam distribuir em campo segundo outras
disposições que não aquela que é considerada como uma das suas mais
Revisão da Literatura
7
primitivas, o 1-1-9 (conforme Figura 1). Por outras palavras, alinhavam-se em
campo: um guarda-redes, um defesa e nove avançados. Era um jogo
claramente propenso à intervenção individual dos jogadores, praticamente
desprovido de sentido colectivo.
Figura 1. Representação da Estrutura 1-1-0-9.
Em 1863, a separação definitiva entre o Futebol e o Rugby haveria de
surgir através da formação da Football Association – que futuramente iria dar
lugar à Federação Inglesa de Futebol – impondo-se como finalidade a criação
de um conjunto de regras que uniformizassem o Futebol e também
eliminassem a violência deliberada nele existente (Castro et al., 2006; Jónatas
et al., 2006).
Logo em 1866, ao permitir-se a realização de passes para a frente, a lei
do fora-de-jogo viu-se modificada de forma a que um jogador passava a ser
considerado em fora-de-jogo se recebesse a bola sem ter pelo menos três
adversários entre si e a linha de baliza adversária (Guilherme Oliveira, 2004;
Jónatas et al., 2006). Esta alteração regulamentar produziu um impacto
profundo na manifestação colectiva do jogar das equipas, contribuindo,
sobremaneira, para o aparecimento e desenvolvimento das organizações
estruturais.
Através de Charles Allcock criou-se a Football Association Cup, o torneio
de Futebol mais antigo de todos (Elleray, 2003). E, a partir daí, tornou-se então
mais facilitada a identificação das primeiras formações (estruturas) que
Gr
Revisão da Literatura
8
marcaram as primeiras grandes abordagens ao Jogo do ponto de vista
colectivo (Lobo, 2008).
Uma primeira disposição (ver Figura 2) verificou o recuo de um dos nove
atacantes pela necessidade verificada em preencher a lacuna entre o defesa
recuado e a linha avançada. Assim sendo, a disposição era de um guarda-
redes, um defesa, um defesa-médio e oito avançados (1-1-1-8).
Figura 2. Representação da Estrutura 1-1-1-8.
Já na década de 70 do século XIX viu-se reforçada esta tendência,
fazendo recuar um segundo avançado e deixando na linha da frente apenas
sete jogadores, como se pode perceber pela Figura 3. Isso significava a
existência de dois médios colocados entre o defesa recuado e a linha de
avançados com ordens para defender quando o adversário atacasse formando
o dispositivo 1-1-2-7 (Morris, 1981; Galeano, 2003; Castelo, 2004; Lobo, 2008).
Figura 3. Representação da Estrutura 1-1-2-7.
Gr
Gr
Revisão da Literatura
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Em último, por intermédio duma outra disposição, o 1-2-2-6 (ver Figura
4), afirmou-se a época dos dois defesas (Castelo, 2004: 70). Segundo Morris
(1981), foi a partir deste momento que o Jogo de Futebol deixou de ser o jogo
de «penetração solitária» para se transformar num «jogo de passagem».
Quando outrora se corria para trás e para a frente, os jogadores eram
agora obrigados a espalharem-se no espaço de jogo, adquirindo assim
especial importância não só o sentido defesa/ataque como também o sentido
da largura e da profundidade da equipa. O Jogo passou a centrar-se mais no
colectivo, sobretudo ofensivamente, traduzido na acção do passe.
Defensivamente, obteve-se a resposta na distribuição em campo dos jogadores
com a presença de um guarda-redes, dois defesas, dois médios e seis
avançados (Morris, 1981; Castelo, 2004).
Decorridos poucos anos, gradualmente se percebeu o despoletar de
cada vez maiores preocupações defensivas, traduzidas pelo recuo sucessivo
de jogadores no terreno de jogo, na organização de jogo das equipas
(Enciclopédia Mundial de Futebol, s.d.).
Figura 4. Representação da Estrutura 1-2-2-6.
Para fazer frente ao aperfeiçoamento do «jogo de passagem» que
acarretava beneméritas vantagens para quem atacava, e igualmente inculcava
enormes dificuldades em quem defendia, rapidamente urgiu nas equipas em
defensivamente anulá-lo e ofensivamente potenciá-lo, chegando-se ao recuo
de um dos seis avançados e assim fazer nascer uma nova posição…o médio
centro.
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Com esta alteração e com a pretensão de tentar equilibrar o jogo
posicional em campo das equipas, apareceu uma estrutura em forma de
pirâmide que se espalhou por todo o mundo e que perdurou durante cinquenta
anos.
Reconhecido por sistema clássico, o 1-2-3-5 (apresentado na Figura 5)
configurava uma pirâmide constituída por um guarda-redes protegido por dois
defesas e três médios, com cinco avançados. Pela primeira vez se
concretizava a distribuição dos jogadores pelos três sectores (defensivo,
intermédio e ofensivo) da equipa e passava a existir um evidente maior
equilíbrio entre a defesa e o ataque, uma vez que cinco avançados quando a
atacar se viam confrontados com cinco jogadores adversários (os três médios
auxiliavam os dois defesas), incrementando a eficiência da «marcação
individual»9 (Castelo, 2004).
Figura 5. Representação da Estrutura 1-2-3-5 (Sistema Clássico ou em Pirâmide).
O Futebol encerrava assim uma fase em que, com o jogo de passe,
paulatinamente se foi alterando a ideia central do Jogo com mais
manifestações individuais para mais manifestações colectivas (Guilherme
Oliveira, 2004).
9 Interprete-se como «defesa individual». A organização defensiva de uma equipa está relacionada com a interpretação do conceito de «marcação». Na generalidade, «marcação» é entendido como “uma acção que tem como «alvo» um jogador adversário” (Amieiro, 2005: 201). Trata-se do exacerbar da lógica subjacente à «defesa homem-a-homem» em que a referência de posicionamento é a única referência-alvo. O adversário directo é assim a referência que baliza esta forma de defender (muitas das vezes substituída pelo adversário atribuído pelo treinador) (Amieiro, 2005).
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2.1.2. As primeiras grandes (r)evoluções operadas p elos «Grandes
Napoleões»
Em 1925, fruto de uma nova alteração na lei de fora-de-jogo, reduzindo
de três para dois jogadores oponentes que o atacante podia ter entre si e a
linha de baliza contrária quando recebia a bola, o Jogo viria a atravessar outro
significativo período evolutivo (Guilherme Oliveira, 2004; Jónatas et al., 2006).
A era do sistema clássico aproximava-se, por sua vez, do fim.
Se alguém contribuiu para o fim da era da pirâmide que tinha vindo,
durante vários anos, a aperfeiçoar-se e consolidar-se no Futebol, foi um
treinador visionário de seu nome Herbert Chapman.
Chapman, treinador do Arsenal de Londres na década de 30 do século
XX, criou uma inovadora disposição dos jogadores no campo – o sistema WM
–, uma formação em 1-3-2-2-3, correspondente à Figura 6 mais à frente
representada, que dava indícios de se desdobrar para além dos sectores
fundamentais que ainda hoje são referência na organização colectiva do jogo.
Para obter esta estrutura em WM, Chapman converteu o médio centro
num terceiro defesa (defesa central), não podendo este participar nas acções
ofensivas da equipa, devendo antes ficar entre os dois defesas vigiando e
marcando individualmente o avançado centro adversário (Morris, 1981;
Castelo, 1994). Adicionalmente, fez recuar dois dos cinco jogadores de ataque
ocupando posições que seriam designadas de interiores assim como os dois
médios ala flectiam no terreno para desenhar um quadrado a meio-campo
(Jónatas et al., 2006; Lobo, 2008).
Com este «sistema de jogo» passou a exprimir-se na manifestação do
jogo uma evidente superioridade do colectivo sobre o individual, ao
proporcionar-se uma ocupação de todo o campo mais equilibrada pela
equidade numérica entre defesas e atacantes (Castelo, 2004). Tornando-o num
jogo mais colectivo do que o até então praticado, o resultado final passava a
ser fruto das relações que os jogadores assumiam entre si e não como o
somatório de funções individuais levadas a cabo no jogo (Guilherme Oliveira,
2004).
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Figura 6. Representação da Estrutura 1-3-2-2-3 (WM) de Chapman.
Paralelamente, não a nível de clubes mas de selecções nacionais, um
outro treinador teve um impacto profundo na história do Futebol mundial –
Vittorio Pozzo. Como treinador foi uma figura muito importante ao dominar o
Futebol mundial nos anos 30 do século XX, tornando-se (entre outros títulos)
bicampeão mundial pela selecção da Itália, com duas conquistas consecutivas,
1934 e 1938.
O treinador italiano revelar-se-ia enormemente influenciado pela paixão
e natureza física do Jogo, que em muito contrastava com a maneira como a
maior parte dos continentais jogavam (História do Futebol, 2003).
As ideias de Pozzo assentavam essencialmente num jogo sem bola com
uma defesa segura, partindo rápido para o contra-ataque no momento do
ganho da posse da bola, com um jogo rápido e em profundidade, e um ataque
constituído por jogadores com reconhecidas capacidades técnicas (Rias et al.,
1998, cit. Guilherme Oliveira, 2004).
Sem se revelar inovador na distribuição dos jogadores em campo,
utilizando o sistema em pirâmide, Pozzo demarcou-se por ser o precursor do
contra-ataque e das trocas de posição dos avançados (Sebastián, 1996, cit.
Guilherme Oliveira, 2004), sabendo manter a unidade dos jogadores, a quem
transmitia confiança e segurança (Castro et al., 2006).
Por último, liderada por Hugo Meisl, existiu uma outra equipa a que
apelidaram de equipa maravilha, ou melhor, de wunderteam.
O onze maravilha da Áustria confiava nas sublimes capacidades
desenvolvidas nas ruas e repudiava os aspectos mais físicos do jogo,
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conseguindo um percurso notável desde 1931 ao conhecer somente duas
derrotas durante os três anos seguintes (História do Futebol, 2003).
A criação de Meisl cedo mostrou que o seu pensamento ultrapassava os
desenhos no papel, sendo o médio centro e o avançado centro com
movimentos de recuo no terreno os grandes construtores do jogo ofensivo da
equipa e em que os interiores eram os principais finalizadores. Esta era uma
equipa de elevada propensão atacante, não fosse o próprio Meisl o célebre
autor da frase, «a melhor defesa é um bom ataque», chegando a colocar seis
jogadores em fases finais de construção ofensiva com a subida no terreno por
parte do médio centro (Lobo, 2008) (Figura 7).
Figura 7. Representação da Estrutura da Wunderteam de Meisl.
Com a morte prematura de Meisl em 1937 e devido à Segunda Guerra
Mundial que impediu a realização dos Mundiais de 1942 e 1946 foram
necessários quase vinte anos, até 1953, para se assistir a uma nova alteração
na norma vigente até à data nos «sistemas de jogo» adoptados.
Todavia, ninguém ficara indiferente às ideias de Meisl centradas num
futebol ofensivo, inspirando treinadores futuros, assim como a Pozzo e
Chapman que acabaram, cada um com a sua obra, por revolucionar
ideologicamente o Jogo, passando-o de uma índole individualista para uma
orquestração mais colectiva, compreendendo cada jogador funções a
desempenhar no campo e no jogo em prol do colectivo (Guilherme Oliveira,
2004).
Assim, estes três treinadores podem bem ser denominados os «Grandes
Napoleões» do Futebol em tempo de guerra na Europa (História do Futebol,
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2003). Todos eles foram inovadores, triunfantes e diferentes na forma como
pensaram o jogo e colocaram as suas equipas a jogar.
Com estes treinadores passou a perceber-se a verdadeira dimensão que
o Futebol reclamaria para si no sentido do melhor entendimento de Jogo no
que à sua riqueza organizacional diz respeito, deixando de parte uma filosofia
que vigorou durante anos e que é facilmente perceptível nas palavras do
treinador uruguaio Alberto Suppici, Campeão do Mundo em 1930: “Não
tínhamos quadro negro, nem falávamos de sistemas de jogo. (…). No campo,
havia uma breve troca de ideias e quem dirigia a equipa era o capitão” (in
Castro et al., 2006: 50).
2.1.3. Do «sistema estático» (estrutura de jogo) ao «sistema táctico»
(dinâmica de jogo)
Dos anos 30 aos anos 50, o WM dominou e era considerado quase
perfeito, em que a visão táctica do jogo continuava demasiado rígida ao nível
posicional (Lobo, 2008). Gustav Sebes e a selecção húngara mudaram esse
curso dos acontecimentos.
Em 1953, a Hungria foi jogar a Inglaterra e os oitenta e um anos de
invencibilidade da Inglaterra em casa perante equipas estrangeiras chegou ao
fim, com uma vitória por 6-3 para a Hungria. Um mês depois, desta vez na
Hungria, nova vitória por uns contundentes 7-1 (História do Futebol, 2003).
Sebes operou uma mudança profunda na concepção táctica da época,
sendo dada aos jogadores liberdade para experimentarem, impondo uma
dinâmica (mobilidade) dos jogadores e da equipa até então inexistente nas
equipas da época, de tal maneira que a sua estrutura assumia contornos
distintos aquando do momento ofensivo e do momento defensivo.
Em retrospectiva, o treinador da selecção húngara conhecedor da
rigidez posicional do WM assente em fortes «marcações individuais»,
potenciou na sua equipa a capacidade de criação de espaços no momento de
ataque percebendo a necessidade da equipa estar bem posicionada para
defender quando não tinha a bola.
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Lobo (2008) refere que o falso ponta de lança recuava no terreno, dando
passos atrás no campo para ser acompanhado pelo seu marcador directo e era
nesse momento que a bola entrava nos espaços vazios, nas costas da defesa
inglesa, convertendo o WM em um MM. Já em posições defensivas, os
húngaros adoptavam o UM, com a subida dos extremos e o recuo dos
interiores e do avançado centro (Jónatas et al., 2006) (ver Figura 8).
Imbuída por ideias que manifestamente exaltavam um jogo de ataque, a
equipa húngara de Sebes chegava a movimentar-se no campo de maneira a
que, aquando do recuo do ponta de lança, os dois interiores avançavam no
terreno para formar uma dupla de avançados centro e que juntamente com os
dois extremos indiciavam, segundo Castro et al. (2006) e Lobo (2008), uma
transição do WM para uma estrutura que viria a surgir poucos anos mais tarde:
o 1-4-2-4 (um guarda-redes, quatro defesas, dois médios e quatro atacantes).
Com um jogar assente em constantes alterações posicionais, a par de
outras tantas qualidades dos seus jogadores, a equipa húngara e o seu
treinador Gustav Sebes revolucionaram um período de «antítese» ao seu
futebol praticado. Juntos opuseram-se ao estaticismo posicional que até então
vigorava com a dinâmica (entenda-se, mobilidade) da equipa e dos jogadores,
dinâmica essa que passou a ser um aspecto fundamental do Jogo.
Figura 8. Representação das Estruturas MM e UM da Hungria de Gustav Sebes.
No Continente Americano também se foram processando modificações
no Jogo, fruto de anos e anos de Futebol (já) vivido, pensado e praticado. De
destacar a selecção brasileira nos Mundiais de 1958 e 1962 com as suas
inovações no que aos «sistemas de jogo» diz respeito e à sua capacidade de
Equipa a atacar - MM
Gr
Equipa a defender - UM
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conjugar as características e capacidades dos jogadores ao posicionamento
por eles apresentado durante o jogo (Guilherme Oliveira, 2004), cujas
estruturas de jogo se encontram representadas na Figura 9.
Foi no Mundial de 58 que o campeão Brasil se apresentou com a já
mencionada inovação posicional representada pelo 1-4-2-4. Comparativamente
à estrutura magiar (húngara) esta estrutura promove a descida de um dos
interiores para a posição de médio e um dos médios centro para o lado do
stopper e assim criar uma linha de quatro defesas, com dois centrais (Jónatas
et al., 2006).
Para Castelo (2004), com este «sistema de jogo» o Brasil demonstrou
uma vantagem: rapidez de transformar uma forte defesa num forte ataque,
aliado à mobilidade dos jogadores para desta forma criar situações de
superioridade numérica. O mesmo autor acrescenta que, pela primeira vez na
história do Futebol o número de jogadores a constituírem o sector defensivo
superava o número de jogadores do sector avançado.
Quatro anos mais tarde, no Mundial de 62, o Brasil sagrava-se
novamente campeão com um 1-4-3-3 em que a linha média passava a ser
constituída por três jogadores e a linha avançada somente com três. Esta
estrutura derivava da utilizada no mundial anterior, com a adaptação do falso
extremo (esquerdo) a um constante auxílio na zona intermediária (Jónatas et
al., 2006).
Figura 9. Representação das Estruturas 1-4-2-4 (Brasil de 1958) e 1-4-3-3 (Brasil de 1962).
Os inícios da segunda metade do século XX parecem indiciar uma
revolução ao nível das manifestações do jogar em que as ideias que o
Gr Gr
Revisão da Literatura
17
treinador tinha sobre o jogo que pretendia para a sua equipa se conjugam cada
vez mais e melhor às características e capacidades dos seus jogadores. Por
outro lado, parecem igualmente rumar na prossecução dos objectivos
preconizados pelo próprio Jogo, ou seja, a procura do golo e da vitória.
Puskas, um dos melhores jogadores da história do Futebol e o mais
famoso do Futebol húngaro recorda que “éramos os melhores do nosso tempo,
o que nos permitia fazer muitas mudanças durante o jogo, mover-nos por todos
os lados, e ficar com a bola a maior parte do tempo. Simplesmente, um goleiro,
três defensores, dois meio campistas e cinco atacantes” (in Castro et al., 2006:
51).
Todavia, à semelhança da evolução (ou involução) verificada até então,
outros treinadores e equipas procuraram outros «caminhos», sustentados em
estruturas cuja dinâmica privilegiava primeiramente um maior rigor defensivo
em detrimento de um maior pendor ofensivo. Um exemplo empírico desta
tendência pode ser dado com o Campeonato do Mundo de Inglaterra, em 1966,
em que todas as equipas reforçaram o seu sector defensivo ao apresentarem
superioridade numérica dos defesas face aos avançados utilizados (Godik &
Popov, 1993).
Os mesmos autores sublinham também que as equipas e os jogadores
se distinguiam pelas suas valências físicas, agudizando a luta pelo domínio do
meio campo. Por isto, não surpreende o Futebol exibido pela campeã,
Inglaterra, ter sido apelidado de «futebol industrial» onde todos os jogadores
trabalhavam muito…em que o trabalho dominava sobre o jogo a produzir.
Assente nesta filosofia de jogo de grandes cautelas defensivas, novas
estruturas de jogo passaram a desenhar-se em campo como foram os casos
do 1-5-3-2 (1 guarda-redes, 5 defesas, 3 médios, 2 avançados) ou o 1-5-4-1 (1
guarda-redes, 5 defesas, 4 médios, 1 avançado), em que se tornava evidente a
superioridade do número de jogadores do sector defensivo em relação ao dos
sectores intermédio e avançado. O «libero» passava a assumir um papel
determinante na equipa ao jogar nas costas dos 2 defesas centrais e
desempenhar funções de cobertura aos seus companheiros (Castelo, 2004;
Jónatas et al., 2006).
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Assim reinou Helenio Herrera, reconhecido mundialmente por ter
introduzido a palavra «catenaccio» no léxico do futebol (ver Figura 10). Por
detrás de uma estratégia de «não arriscar» estava a pressão para obter
resultados. Em 1964 e 1965 consagrou-se campeão europeu com o Inter de
Milão e tornou a equipa num símbolo do princípio de que o «1-0», com o golo
marcado no contra-ataque era o resultado ideal (História do Futebol, 2003).
Figura 10. Representação das Estruturas 1-5-3-2 (1-1-4-3-2) e 1-5-4-1 (1-1-4-4-1)
(Catenaccio) de Helenio Herrera.
Os finais da década de 50 e a década de 60 revelaram-se determinantes
para a evolução do Jogo com o aparecimento de novas ideias que
evolucionaram a componente táctica e o aparecimento de jogadores muito
dotados tecnicamente (Guilherme Oliveira, 2004).
Com os jogadores a abandonarem a noção estática de posição para
adquirirem uma noção que engloba uma maior abrangência e exigência de
funções, via-se incrementado o dinamismo dos jogadores e do próprio jogo,
sendo dada maior liberdade à criatividade desses jogadores para ser
manifestada em jogo, algo que até então não acontecia.
Chegámos a uma fase da história do Futebol em que o jogar em 1-4-2-4
ou em 1-4-3-3 (etc.) parece carecer de um enquadramento conceptual e
operacional da organização do jogo das equipas como estruturas do jogo
(entenda-se, organização estrutural) das equipas. Quando outrora, p.e., jogar
em 1-4-3-3 implicava uma elevada correlação entre a estrutura (de jogo) e as
funções a cumprir pelos jogadores e pela equipa assim como as características
específicas resultantes desse jogar («sistema estático», pobre em interacções
Gr Gr
Revisão da Literatura
19
ou funcionalidade colectiva), marcando a diferença a capacidade individual dos
jogadores; com a evolução ocorrida neste período, estes «sistemas» passaram
a estar sujeitos a uma grande dinâmica funcional, colectiva e individual, de
forma a (até) se poderem converter em outras estruturas (Guilherme Oliveira,
2004).
Aliás, “uma mesma estrutura gera dinâmicas diferentes e por isso, um
«jogar» diferente. A evidenciar esse facto, percebemos que existem inúmeras
equipas que partem de uma mesma estrutura mas a organização das relações
dos jogadores nos vários momentos são díspares” (Silva, 2008: 28).
Partindo da lógica que tem vindo a ser apresentada, surge a explicação
do termos distinguido o conceito de estrutura e de sistema10 (de jogo).
Pertinentemente, Guilherme Oliveira (2004: 26) justifica o denominar-se
“organização estrutural à disposição inicial dos jogadores em campo (1-4-2-4,
1-4-4-2, 1-4-3-3…) e sistema (táctico) de jogo ao conjunto da organização
estrutural, da organização funcional, da dinâmica, que a equipa consegue ter
em jogo, e das respectivas características específicas que lhe dão sentido,
evidenciando uma determinada forma de jogar”.
2.1.4. Um Acentuar de diferenças…
À medida que a segunda metade do século XX avançava, começava-se
a perceber, cada vez mais, um acentuar das diferenças entre duas
«correntes»: a táctico-técnica11 e a táctico-física12.
Contextualizando, Pereni & Di Cesare (1998) lembram que enquanto a
maioria dos clubes do norte europeu se concentravam nas capacidades
atléticas, interpretação metódica do desempenho e na disciplina táctica
10 A equipa e o seu jogar devem ser entendidos como um sistema (de sistemas) (Garganta & Gréhaigne, 1999; Teodorescu, 2003; Guilherme Oliveira, 2004; Silva, 2008; …). Segundo a observação e reflexão sobre décadas de desenvolvimento do conceito de sistema em diferentes ramos da ciência, Durand (2002) reconhece que as noções de inter-relação (dos seus elementos) e de totalidade são duas condições sine qua none que resultaram das definições produzidas. Um sistema é, portanto, “um todo dinâmico cujos elementos estão ligados entre si e que tem interacções” (Bertrand & Guillemet, 1994: 46). Desta forma, Gaiteiro (2006) observa o sistema como uma estrutura viva que se não apresentada sob a forma de jogar (interacções) vê a sua natureza desvirtuada e a estrutura destruída. Por isso, ao se entender a equipa como sistema, confere-se-lhe capacidade para se «deformar», ultrapassando o estaticismo da estrutura. 11 Manifestação de um Jogar (colectivo) apoiado fundamentalmente nas dimensões táctica e técnica, sendo a dimensão física um suporte destas e não a geradora do processo (Guilherme Oliveira, 2004). 12 Manifestação de um Jogar (colectivo) apoiado fundamentalmente nas dimensões táctica e física, tendo a técnica um papel secundário (Guilherme Oliveira, 2004).
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20
vulgarmente caracterizadas pelo exemplar auto-controlo para assim alcançar o
sucesso; outros – geralmente menos dotados do ponto de vista físico –
enveredaram por diferentes soluções, utilizando as habilidades de drible e
condução de bola e criatividade; de facto, o seu jogar resultou essencialmente
da sua imaginação e improvisação (sempre caracterizadas por um certo
cuidado táctico) em detrimento de rígidos esquemas de jogo a exibir.
O surgir da mais significativa e recente «inovação» táctica – a dinâmica
(mobilidade) da equipa e dos jogadores – veio servir como tónico para, dentro
desta realidade existente, fazer passar o Jogo por uma nova (r)evolução, não
só na lógica das ideias como da sua pretensão de concretização no jogar das
equipas propriamente dito (Enciclopédia Mundial de Futebol, s.d.; Pinto, 1996;
Lovrincevich, 2002). Algo que até hoje ainda perdura.
Da dinâmica de jogo que as equipas começavam a apresentar à
necessidade em potenciar as capacidades físicas dos jogadores para garantir o
êxito individual e colectivo tácticos das equipas foi um «ápice» e desta relação
se «modernizaram» os processos de treino, o jogador e o Jogo (Lovrincevich,
2002).
Aquilo que era outrora o Futebol como uma prática lúdica e de prazer
para quem o jogava, independentemente de se conquistar ou não a vitória, com
o pretendido e necessário desenvolvimento do Jogo, foi-se alterando face às
tentativas por parte dos seus interventores em compreender como o melhorar
(Guilherme Oliveira, 2007).
O mesmo autor, num pertinente brainstorming sobre a história, vem de
encontro ao que temos vindo a expor. Este recorda que, no «início», o Futebol
era um Jogo fundamentalmente técnico e em que procurou evolucionar o
jogador tecnicamente, tentando que essas melhorias implicassem melhores
desempenhos tanto individuais como colectivos. Vivia-se num período em que
o paradigma científico era o pensamento mecanicista13 (Guilherme Oliveira,
2007).
13 Reconhecido também como método de pensamento cartesiano ou analítico, que «corta em partes» (Bertrand & Guillemet, 1994); ou «paradigma da simplificação» em que, se conhecendo bem as partes se conhece o todo (Morin, 2003). Tendo Descartes (século XVII) como principal precursor, procurou “apresentar uma descrição precisa de todos os fenómenos naturais num único sistema de princípios mecânicos” (Capra, 1982: 57).
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Para que se compreenda este pressuposto, importa focar que durante
esse período que faz corresponder àquilo que Garganta (1999) identifica como
as duas primeiras fases (de três) do direccionamento da investigação
académico-científica, a dimensão técnica foi o principal alvo em estudo e a
dimensão física emersa como factor dominante do rendimento, abordagens
estas sob uma perspectiva mecanicista (Pinto, 1996). Quanto aos aspectos
tácticos e estratégicos só adquiriram maior interesse posteriormente (Garganta,
1999).
Mais tarde (sobretudo a partir dos finais dos anos 60 e inícios dos anos
70 do século XX), com a intenção de uma evolução contínua, compreendeu-se
que o Futebol não era apenas um jogo técnico, também era táctico e físico.
Todavia, a operacionalização continuava a manifestar-se de uma forma
mecanicista, em que a separação entre o físico, o técnico e o táctico era
indiscutível (Guilherme Oliveira, 2007).
Perante tal conjuntura, salvo raras excepções (Argentina, Holanda e
Brasil), o Jogo passou a caracterizar-se por uma constante elevada intensidade
sob ponto de vista físico, e como se passou a sobrevalorizar jogadores dotados
de qualidades correspondentes a esse tipo de Futebol (em detrimento dos
tecnicamente mais dotados), o Jogo passou a ser sobretudo não sofrer golos e
não deixar jogar os adversários (Guilherme Oliveira, 2004).
Relativamente a este problema que se passou a equacionar, para além
do já descrito sobre a década de 60, recordámos um início da década de 70
aparentemente não muito distinto. A exemplo disso, Galeano (2003) lembra o
Mundial de 70, em que o Brasil foi um digno vencedor, e já se havia imposto no
mundo a mediocridade do Futebol defensivo, com toda a equipa atrás,
armando o «ferrolho»14, e na frente um ou dois homens a jogar sós. Já haviam
sido proibidos o risco e a espontaneidade criadora.
Quanto ao supracitado como aparentemente não muito distinto referimo-
nos a uma outra concepção de jogo que fez «finca-pés» na demarcação da sua
14 Precedente ao «Catenaccio», foi uma estrutura de jogo concebida e sistematizada pelo treinador austríaco Karl Rappan ao serviço da selecção Suíça nos anos 30 (século XX). Esta estrutura baseada na marcação individual obteve excelentes resultados ao aumentar a protecção das zonas próximas da própria baliza, reforçando o sector defensivo através da colocação de um «defesa-vassoura» (posição que posteriormente evoluiria para «libero») nas costas dos outros defesas garantindo uma cobertura eficaz (Lovrincevich, 2002; Castro et al., 2006; Jónatas et al., 2006).
Revisão da Literatura
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diferença para com aquela se vinha emancipando. Mais concretamente, face a
um Futebol de expectativa esta concepção defendia um Futebol de iniciativa;
em oposição a um Futebol estruturado para não sofrer golos, um Futebol
dinâmico na procura do golo.
Os anos 70 e inícios dos anos 80 assinalaram, portanto, essa concepção
de jogo, reescrevendo a confirmação da dinâmica, da mobilidade de jogo, sem
colocar em causa a ordem (organização) da equipa. Duas equipas o
personificaram: Ajax e Holanda.
Na opinião do antigo treinador do Ajax e selecção da Holanda, Rinus
Michels (2003), a frase «Futebol Total» foi desenvolvida num período em que o
Ajax estava a jogar o seu melhor futebol. No entanto, é possível que outras
equipas na história do futebol, como os húngaros, ou mesmo os austríacos, no
passado, a «Wunderteam», jogassem um futebol que poderia ser chamado de
«Futebol Total». Segundo este entendimento, e inter-ligando o que até então
foi desenvolvido neste ponto da revisão literária, diferentes «sistemas de jogo»
(leia-se, estruturas de jogo), podem servir perfeitamente os intentos de uma
mesma filosofia de jogo reproduzindo diferentes formas de jogar.
Cruyff (2002) lembra que, quer no Ajax quer na selecção holandesa, se
jogava com uma extraordinária liberdade, mas uma liberdade dentro de uma
ordem. Havia liberdade para qualquer um, mas só para um jogador e, quando a
tinha, pelo menos cinco jogadores tinham de aguentar-se e cobrir as suas
costas, ocupando espaços vagos. Complementando, Galeano (2003) ressalva
o facto de chamarem à selecção holandesa de «Laranja Mecânica», mas que
nada tinha de mecânico aquela obra da imaginação, que desconcertava a
todos com as suas trocas (de posição) incessantes.
Ao encontrar jogadores capazes de mudar de posições com muita
facilidade (História do Futebol, 2003), tanto em largura como em profundidade,
o seu sistema envolvia o movimento activo e participação não só dos jogadores
que interrompiam com sucesso o ataque adversário, mas sim a totalidade dos
jogadores da equipa como um todo (Pereni & Di Cesare, 1998). Resumindo,
todos atacavam e todos defendiam, estendendo-se e encurtando-se como um
leque, e o adversário acabava por perder as suas pegadas frente a uma equipa
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onde cada um era onze (Galeano, 2003). Era o preconizar e materializar da
importância de objectivar o jogar à luz do paradigma sistémico15.
O «Futebol Total» foi o progenitor de uma série de «inovações» que em
muito enriqueceram qualitativamente o Jogo, sobretudo pela concepção
apresentada. Se para Lovrincevich (2002) foi através deste que se começou a
eliminar a concepção e colocação estática do futebolista e que ao nível das
diferentes dimensões conexas ao Jogo (física, técnica e táctica) não se
advertiam diferenças de rendimento entre os dez jogadores que se situavam
em campo, Lobo (2005) esclarece o seu porquê na noção de missão de
defender e de atacar nunca poderem ser compartimentos (leia-se, momentos)
estanques, mas, pelo contrário, precisarem de ter uma interligação plena, ao
ponto de a capacidade de distinguir esses dois momentos ser reduzida ao
mínimo espaço temporal, quase imperceptível.
Entendemos assim que, pela dinâmica (mobilidade) da equipa
referenciada pelos diferentes autores relativamente ao «Futebol Total» cujos
feitos maravilharam o mundo pelo Futebol exibido, estava indiciado aquilo que
no presente viria a ser um aspecto chave das grandes equipas – a necessidade
de promover a «indivisibilidade dos momentos16 do jogo» (ataque, defesa,
transições) quanto ao investimento colectivo de não descaracterização
organizacional do jogar pretendido. Para isso parece fulcral toda a equipa e
jogadores (respectivamente) se envolverem nesse jogar – um «todo
inquebrantável» segundo Frade (1985) – que, sendo específico, solicita certos
e determinados requisitos das dimensões técnica, física, psicológica e (mesmo)
estratégia sob alçada da dimensão táctica17, na procura de levar a efeito uma
organização de jogo de qualidade na articulação dos momentos de jogo.
15 “Os paradigmas são estruturas de pensamento que de modo inconsciente comandam o nosso discurso” (Morin, 2002: 17). A sistémica ou teoria geral dos sistemas rompe com o entendimento preconizado pelo racionalismo cartesiano (pensamento mecanicista). De acordo com Morin (2003), a virtude sistémica passa por se centrar na noção de sistema, não como uma unidade elementar discreta, mas uma unidade complexa, um «todo» que não se reduz à «soma» das suas partes constituintes. 16 Momento, entendido como tempo ou ocasião em que algo acontece (Freitas, 2006), existindo uma ordem arbitrária e não uma lógica ininterruptamente sequencial implícita no conceito de «fases», apresentada por diversos autores, em que p.e., aquela equipa que está a defender, quando recupera a bola, passa a atacar e de imediato a outra equipa passa a defender (Guilherme Oliveira, 2004; Silva, 2008). 17 Em primeiro lugar, fazemos menção ao termo táctica provir do grego «taktikee» (colocar em ordem as coisas) (Cervera et al., 2008). Neste sentido torna-se lógico entender que a componente táctica parece ocupar um lugar central no sentido da concretização de um corpo de ideias de jogo (Fernandes, 2003), em que “o táctico é tudo o que nós queremos que aconteça, é completamente contextualizado, não é um táctico abstracto, por isso é o táctico daquela equipa e outra equipa terá um táctico diferente” (Guilherme Oliveira, 2006: vi). Daí se compreender que Frade (2005b) lhe denomine de «supra dimensão», porque o táctico é uma relação, uma verificação da organização que, para se
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24
Com o seu «carrossel mágico» no Futebol passou a ser fundamental,
“não a distribuição dos jogadores desta ou daquela maneira, mas a dinâmica
necessária para criar permanentemente situações de vantagem, numérica ou
posicional nas zonas de disputa de bola, quer em situações defensivas quer
em situações ofensivas. Noções como solidariedade, polivalência, «pressing»18,
compensações, coberturas, equilíbrio, etc. começam a fazer parte da
terminologia do Futebol” (Pinto, 1996: 52-53).
Suportando-nos em Cappa (2004) poderíamos referir que, enquanto que
as alterações à «lei do fora-de-jogo» deram origem à primeira grande inovação
(táctica) no Jogo, com a dinâmica de jogo (onde o «pressing» também se pode
incluir pela inter-relação com a necessidade de impor – ofensivamente – uma
forma de jogar) ocorreu a segunda grande inovação (táctica) no Jogo.
A primeira – «lei do fora-de-jogo» – inequivocamente influenciou o Jogo
pela verificação do repetido «desarmonizar» e necessidade de «harmonizar»
os sectores que padronizavam o Jogo nas diferentes épocas. A segunda – a
dinâmica (mobilidade) – porque a zona de intervenção dos jogadores adquiriu
outra grandeza, em que os deslocamentos dos jogadores no campo passaram
a adquirir «novos» significados, passando a existir um maior comprometimento
em termos de funções do que propriamente em termos de posições (Frade,
1985), ao que acrescentamos o facto das organizações estruturais evoluírem
em sincronia com estas evidências de concepção.
Lovrincevich (2002) relembra que os anos 70 do século passado
assinalaram ainda o aparecimento de uma estrutura de jogo que, juntamente
com o 1-4-3-3, é ainda muito utilizada na actualidade, referindo-se ao 1-4-4-2
(1 guarda-redes, 4 defesas, 4 médios e 2 avançados). Derivada da primeira,
esta estrutura surge do recuo de um dos avançados para a linha intermédia
para a fortalecer com quatro jogadores aumentando a racionalização do grande
espaço de jogo e, de acordo com Castelo (2004), permitindo uma distribuição
manifestar é necessário “dar ao pedal (dimensão física), é preciso refrear os ânimos (componente psico-emocional) e é preciso ser feito em função de um obstáculo (componente estratégico-congnitiva)”. (Frade, 1998: 3-4). 18 Em primeira instância, devemos perceber que o «pressing» está associado à organização defensiva adoptada pela(s) equipa(s), quer seja através da «defesa individual», «defesa homem-a-homem», ou «defesa à zona» tendo para cada uma implicações diferentes na manifestação do jogar. Em segunda instância, o «pressing» deve ser entendido como uma acção (individual/colectiva) no sentido de colocar sob forte constrangimento espaço-temporal a equipa adversária e, em particular, o portador da bola, para assim induzir o erro e a recuperação da bola para poder atacar (Amieiro, 2005).
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25
equilibrada e de fácil compreensão das diferentes funções a desempenhar
pelos jogadores dos diferentes sectores da equipa.
Em ligação com o que vínhamos a destacar acerca da dinâmica que
passou a fazer parte do jogo das equipas, esta estrutura de jogo apresentou
diferentes variantes para o quarteto intermédio – como podemos depreender
pela Figura 11 – que tornavam as funções e posições diversificadas para os
jogadores em campo, diversificando em nosso entender o próprio jogar da
equipa, sendo estas: o 1-4-4-2 «em linha» (tradicional), o 1-4-4-2 em «rombo»
(losango), 1-4-4-2 «em quadrado» (Lovrincevich, 2002).
Figura 11. Representação da Estrutura 1-4-4-2 (respectivas variantes).
Com a inclusão desta(s) estrutura(s) de jogo, Lobo (2008) apresenta-nos
uns finais da década de 70 (do século XX) em que passa a existir uma
prevalência de jogadores na zona do meio campo, em detrimento do sector
defensivo e do ofensivo, concentrando aí o jogo e em que as equipas
procuravam jogar tanto em largura como em profundidade. De suma
importância está, nas palavras do mesmo autor, o facto do Jogo estar, em
muitos casos, ligado a fortes «marcações individuais», todavia novos conceitos
de «defesa à zona»19 interligados com o «pressing» e o encurtar de espaços
surgiram como novas tendências em expansão.
Consideramos de suma importância a não verificação empírica efectiva
por parte das equipas naquela época da utilização da «defesa à zona», uma
vez que para muitos desse tempo assim como no presente (Morris, 1981;
Pereni & Di Cesare, 1998; Lovrincevich, 2002; Castro et al., 2006; Jónatas et
19 Conceito abordado mais aprofundadamente no ponto 2.1.5. da respectiva revisão literária.
1-4-4-2 «em quadrado»
Gr
1-4-4-2 «em rombo »
Gr
1-4-4-2 «em linha»
Gr
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26
al., 2006; Godik & Popov, 1993; …) haviam equipas que «marcavam à zona»,
todavia o entendimento apresentado acerca desta forma de defender diverge
daquele que nos parece ser o mais indicado para a «defesa à zona».
Exemplificando, atente-se a Rinus Michels (cit. Amieiro, 2005) ao
pretender que a sua equipa assim que perdesse a posse da bola, cada jogador
deveria rapidamente aproximar-se do adversário que estivesse mais próximo
de si (na zona em que se encontrava momentaneamente) para o «marcar».
Para este treinador esta tratava-se de uma «marcação à zona» porque cada
jogador não ficava responsável pela marcação do mesmo jogador adversário
(«marcação individual» levada a cabo por muitas das equipas na altura).
O entendimento de «marcação à zona» passava (e para muitos ainda
passa) por cada jogador da equipa, ocupando sua/uma posição dentro da
estrutura de jogo adoptada, cobrir uma «zona» que lhe correspondesse e que,
segundo Ramos (2005), pela «referência de posicionamento» ser o «adversário
directo» (o adversário mais próximo da zona de intervenção de cada jogador a
defender dentro da estrutura de jogo), faz desta uma «defesa-a-homem»20.
Procura-se no fim de contas, que as estruturas de jogo – dentro do sistema de
jogo caracterizador das equipas – «encaixem» uma na outra, em que a
referência defensiva tem (ainda) uma aproximação à dimensão individual ao
invés da dimensão colectiva que a «defesa à zona» (vai) preconiza(r).
2.1.5. …«novas» (re)organizações (estruturais) no e spaço e no
tempo rumo ao presente!
Com o Jogo a adquirir um desenvolvimento ramificado em diferentes
ideologias e consequentes formas de expressão, juntamente com diversas
metodologias de preparação (treino) que exacerbavam mais ou menos essas
mesmas ideologias, foram-se apresentando ao mundo «novas» organizações
estruturais no sentido de servirem os intentos dinâmicos (colectivos e
individuais) pretendidos pelas diversas equipas.
20 “Mescla de «marcações homem-a-homem» com «marcações individuais» e que não deve ser confundida com a «defesa à zona»” (Ramos, 2005: 2).
Revisão da Literatura
27
Os inícios da década de 80 do século XX viriam a trazer consigo algo de
extrema importância para a concepção e conjectura do Jogo, resultado daquilo
a que Lovrincevich (2002) classificaria de «triunfo do conceito de bloco
colectivo sobre o individualismo». Segundo o autor, passou a observar-se um
Futebol «polifuncional» em que o jogador abandona o papel associado a um
«posto específico».
Este entendimento parece subentender o jogador como um elemento
também ele «polifuncional» (Valdano, 2002), em resultado de estar a cada
momento do jogo ao serviço da dinâmica de inter-relações que expressam o
jogar de uma equipa. De acordo com Frade (1985), tem a ver com o construir
(e comunicar) (n)um espaço de acção em função da própria equipa e da equipa
adversária.
Por outro lado, é nesta década que se afirma a estrutura de jogo
representada na Figura 12 – 1-3-5-2 (1 guarda-redes, 3 defesas, 5 médios e 2
avançados) – estrutura essa passível de se desdobrar em diferentes variantes
(1-3-4-1-2, etc.) consoante a filosofia mais ofensiva ou mais defensiva de cada
treinador. Ao ser utilizada, passou a reconhecer-se a necessidade de estruturar
a zona intermédia do terreno de jogo com mais jogadores (Lovrincevich, 2002;
Castelo, 2004).
Figura 12. Representação da Estrutura 1-3-5-2.
Foram sobretudo as equipas do sul da América que se notabilizaram
com estas disposições em campo, nomeadamente as selecções da Argentina e
do Brasil. Parreira (2002) lembra que no Brasil sempre existiram extremos, mas
nos anos 80, de repente, passaram a utilizar-se jogadores que faziam mais do
1-3-5-2
Gr
Revisão da Literatura
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que somente dar amplitude e cruzar a bola. O mesmo é evidenciado por
Capinussú & Reis (2004) e por Castelo (2004), denominando-os de «alas».
Os inícios da última década do século XX ficaram marcados por uma
equipa do Barcelona – o «Dream Team» – que maravilhou o mundo com o
Futebol espectacular que exibiu, treinada por um dos treinadores mais
marcantes da história recente do Futebol, Johan Cruyff. A sua importância
adquiriu maior impacto por estar associado a um período em que o Futebol se
encaminhava decididamente para uma atitude defensiva edificado numa
confrontação eminentemente táctico-física entre as equipas.
Acérrimo defensor de um Futebol de ataque e de jogadores
tecnicamente muito evoluídos para se jogar Futebol de elevada qualidade,
apresentou um «sistema de jogo» constituído por uma «defesa a 3»21.
Cruyff apresentou ao mundo um jogar sustentado numa estrutura de
jogo em 1-3-4-3 (1-3-1-2-1-3) (ver Figura 13) que, para muitos treinadores
(Barreto, 2003), para além de ser uma estrutura (e sistema) de jogo «evoluída»
para se jogar, é também das mais difíceis.
Figura 13. Representação da Estrutura 1-3-4-3 (1-3-1-2-1-3) (Dream Team) de Cruyff.
Mourinho (2003) apresenta-nos como duas das principais dificuldades
associadas a esta estrutura: i) a necessidade dos 3 jogadores da defesa terem
que conseguir garantir a amplitude ofensiva do jogo à semelhança dos 3
jogadores avançados quando a equipa tem a posse da bola; ii) a
obrigatoriedade dos 3 jogadores da frente terem que realizar pressão (zonal)
alta e o losango do meio-campo ter que se adaptar na perfeição à posição da 21 Esta «defesa a 3» distingue-se daquelas defesas que se vêm constituídas por três defesas centrais ou em que um dos seus elementos corresponde ao tradicional «libero».
Gr
Revisão da Literatura
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bola quando a equipa perde a posse da bola para que a defesa possa jogar
somente com 3 jogadores.
Valdano (2002), no sentido das dificuldades apresentadas por Mourinho,
faz uma análise ao Barcelona treinado por Cruyff não hesitando em mencionar
que, quando «a melhor equipa ofensiva do mundo» devia defender arruinava o
registo global, porque libertava bastantes espaços uma vez que quando o
adversário vencia a primeira e povoada linha de pressão encontrava-se com
um «latifúndio» para desfrutar.
Dadas as particularidades desta estrutura de jogo e as exigências que
lhe estão implícitas, chega-se à conclusão de que no Futebol actual a top, 3
defesas para uma amplitude de 70 metros são poucos (Valdano, 2002;
Mourinho, 2003; Cruyff, 2004). Não obstante, Cruyff apresentou uma exímia
forma de utilizar o espaço do campo para ofensivamente produzir um Futebol
de espectáculo, exigindo dos jogadores uma elevada capacidade de
posicionamento.
Quase similar à época de Cruyff surgiu um outro treinador que
surpreendeu o mundo do Futebol com a capacidade demonstrada pela sua
equipa em não se tornar defensivamente vulnerável ao adversário.
Arrigo Sacchi e o seu Milão marcariam a viragem dos anos 80 para os
anos 90 com a «defesa à zona pressionante», uma inovação (táctica) no Jogo
de extrema importância. Segundo Maturana (s.d., cit. Valdano, 2002), com
Sacchi tornou-se possível fazer da «defesa a arte de atacar».
A diferença da «defesa à zona»22 para a «zona pressionante», de acordo
com Amieiro (2005: 48), “está somente na pressão, isto é, na agressividade
com que se atacam os espaços e o portador da bola para provocar o erro e
assim recuperar a posse de bola”. Valdano (2002) e Lobo (2008) lembram o
Milão de Arrigo Sacchi como uma equipa astuta, dinâmica e generosa, que
22 Amieiro (2004: 31-32) sintetizou como sendo (aconselha-se a leitura integral do seu trabalho monográfico): “i) os espaços são a grande «referência-alvo» de «marcação»; ii) a grande preocupação é, por isso, «fechar como equipa» os espaços de jogo mais valiosos (os espaços próximos da bola), para assim condicionar a equipa adversária; iii) a posição da bola e, em função desta, a posição dos companheiros são as grandes «referências de posicionamento»; iv) cada jogador, de forma coordenada com os companheiros, deve fechar espaços, de acordo com a posição da bola; v) a existência permanente de um «sistema de coberturas sucessivas» é um aspecto vital, o qual é conseguido pelo escalonamento das diferentes linhas; vi) é importante pressionar o portador da bola para assim este se ver condicionado em termos de tempo e espaço para pensar e executar; vii) é a ocupação cuidada e inteligente dos espaços mais valiosos que permite, por arrastamento, «controlar» os adversários sem bola; e viii) qualquer «marcação próxima» a um adversário sem bola é sempre circunstancial e consequência dessa ocupação espacial racional”.
Revisão da Literatura
30
cerrava sem tréguas os caminhos do centro do campo para submeter o rival a
um estreito sem saída em que a linha lateral era como uma parede, ao mesmo
tempo que a defesa se adiantava massivamente (entenda-se, colectivamente)
para aumentar a zona de impedimento do rival e em que o fora-de-jogo era
como um precipício.
Com este treinador o espaço e o tempo via-se sobremaneira reduzido
para o adversário poder jogar quando a equipa não tinha a bola e assim
recuperava-a mais rapidamente mantendo a equipa organizada.
Passava-se a compreender a importância de uma forma de defender
que não deturpasse a forma como se pretendia atacar. Daí Valdano (2002)
oportunamente frisar que quem se preocupa em «marcar ao homem» corre por
onde o adversário quer, convertendo o «marcador» num prisioneiro, ao passo
que as equipas que se preocupam em «zona» repartem de forma racional o
espaço e o esforço. O jogador passa a «governar o sítio que melhor se adapta
à sua capacidade pessoal». Acrescentando que, uma vez recuperada a bola,
se fará o ataque desde o «sítio dos hábitos» (Valdano, 2002).
Percebamos com isto que, defendendo «zona (pressionante)», o(s)
jogador(es) se encontra(m) correctamente posicionado(s) face à estrutura
adoptada pela equipa para melhor poder(em) atacar.
Numa fase histórica em que a dinâmica se demarcava como sendo a
última grande inovação táctica no Jogo, Valdano (1998, cit. Amieiro, 2005) vem
admitir a «defesa à zona» associada ao «pressing» proporcionada por Sacchi,
como uma (r)evolução na forma de ver, entender e conceber o Jogo.
No mesmo seguimento, Lillo (2003) é do entendimento de que a equipa
capaz de passar de uma mentalidade defensiva a uma ofensiva, e vice-versa, o
mais rápido possível, é uma grande equipa e o Milão de Sacchi parece-lhe um
excelente exemplo.
Através da «zona pressionante» passou a melhor compreender-se um
«todo» (organização de jogo) indissociável às suas «partes» (organização
ofensiva, defensiva e transições), na medida em que se passa a ter como
premissa fundamental defender-se de uma determinada forma para se atacar
como se pretende (Amieiro, 2005).
Revisão da Literatura
31
Então, o momento ofensivo passa a fazer parte do momento defensivo e
por consequência o mesmo se passa quando a equipa se encontra no
momento ofensivo, ou seja, o momento defensivo passa a ser considerado.
Trata-se da «indivisibilidade dos momentos do jogo» que mencionámos
anteriormente na revisão.
Chegados ao tempo presente, aquelas estruturas apresentadas pela
literatura foram (e algumas ainda são) as que, de certo modo, serviram de
«silhueta» das equipas durante a história do Futebol. Como vimos, essas
estruturas de jogo foram-se alterando fruto de múltiplos ponderáveis
associados ao Jogo como são os regulamentos, as ideias de jogo do treinador,
as características dos jogadores, os processos de preparação, entre outros.
Na actualidade vários são aqueles que nutrem uma predilecção por
certas estruturas em detrimento de outras (Grip; 2003; Irvine, 2003; Wotte,
2004; Lee; 2005; Mourinho, 2005; Sanchez, 2005; Dowie, 2006; Peacock,
2006; Barlow, 2007; Lobo, 2008). Lobo (2008: 208) esclarece-nos: “É o grande
duelo que marca o futebol actual em termos tácticos. 4x4x2 versus 4x3x3. Um
choque de estruturas e suas respectivas variantes. Menos equilibrado, o 3x5x2
surge como uma terceira via menos utilizada, sobretudo na versão de três
defesas, diferente de três centrais e dois laterais (cinco defesas, portanto, em
5x3x2). (…) O 4x2x3x1 é quase um compromisso entre os dois sistemas.
Dando, a atacar, dinâmica de profundidade aos alas, desenha-se facilmente o
4x3x3. Pedindo que seja mais o médio centro ofensivo a entrar desde trás
como um segundo avançado, aproxima-se mais de um 4x4x2.”.
Mourinho (2005: 5) parece complementar a posição anterior, quando
questionado para o jornal «O Jogo» acerca dos últimos anos não terem existido
grandes inovações tácticas: “Tal como o futebol está, neste momento, é muito
difícil que a inovação surja de forma abrupta ou visível, observável a olho nu
(…)”. E acrescenta que, “uma forma de inovação actualmente é uma equipa
estar preparada para jogar de diferentes maneiras. Por exemplo: estive dois
anos no F.C. Porto; no primeiro ano trabalhámos um determinado modelo e no
segundo já estávamos num outro modelo e já éramos capazes de no mesmo
jogo utilizar duas formas completamente distintas. (…) Hoje o futebol é mais
Revisão da Literatura
32
isto do que o surgimento de uma equipa que de repente aparece a jogar no
sistema 2x7x1 ou 3-não-sei-quê (…)”.
2.1.6. «Multiplicar» e «Subtrair» «linhas»…resultad o da plasticidade
(estrutural) dos jogares das equipas
Hoje, o termo «linha» facilmente se encontra por entre o vocabulário dos
treinadores de futebol (e não só). Senão, a exemplo, atentemos ao proferido
por dois treinadores de reconhecimento público: i) Aragonês (2005b: 14), então
seleccionador de Espanha, refere que o que mais lhe agradou na exibição da
sua equipa foi a «rapidez na circulação da bola e que a equipa foi sempre
capaz de juntar as linhas»; ii) Rijkaard (2005: 2), então treinador do FC
Barcelona, após uma derrota sofrida aponta que «a realidade é que não
jogámos bem e que deixámos muito espaço entre linhas».
Após termos dissertado sobre a «filogénese» das estruturas de jogo,
procuramos reunir neste ponto argumentos para uma melhor compreensão do
jogar se alicerçar estruturalmente em «linhas» (transversais e/ou longitudinais),
podendo estas variar em número consoante as equipas e/ou os momentos do
jogo (organização defensiva, ofensiva e respectivas transições).
Sem dúvida alguma que é controverso o debate sobre a existência de
mais ou menos «linhas» pré-estabelecidas na organização de jogo de uma
equipa, visto ser diverso o entendimento e relevância atribuídos a esta questão,
quer por treinadores quer por outros que se (pre)ocupam com o fenómeno
Futebol.
Sanz (2004) apresenta-nos desde logo uma compreensão de formação
(estrutura) como a posição de partida que adoptam os jogadores de uma
equipa, crendo não existirem formações fora de 3 linhas. E quando se fala de
uma formação 3-3-3-1 ou 3-1-3-3 ou 4-2-3-1, não acredita ser assim. São 3
linhas (defesa, meio campo e avançados) e nada mais, aparte o guarda-redes
claro (Sanz, 2004).
Partilhando da mesma ideia está Pino (2003b) que, apesar de enunciar
primeiramente a existência da multiplicação de linhas numa equipa,
Revisão da Literatura
33
posteriormente admite a existência de somente 4. Na base deste aparente
paradoxo conceptual está a sua identificação prévia de que na actualidade as
diversas linhas da equipa se mantêm muito juntas reduzindo-se o espaço de
jogo e consequentemente o tempo para se jogar (Pino, 2002a). Pino (2002b)
adjudica o reconhecer no 1-4-2-3-1 (ou seja, 5 linhas se contarmos com o
guarda-redes) o sistema (estrutura) prevalecente na actualidade em Espanha,
em que esta «distribuição táctica» apresenta o «duplo pivot», ou seja, os 2
homens que formam a linha situada à frente dos defesas.
Já mais tarde, o autor denuncia que jogar com 4 defesas, 4 médios em
rombo e 2 avançados (um deles mais recuado em relação ao outro) se tem
vindo a defender como uma distribuição 1-4-1-2-1-1-1, quando na realidade se
trata de um 1-4-4-2, porque a equipa não tem 7 linhas de jogo mas sim 4, como
todas (Pino, 2003b).
Ao referirmo-nos como aparente paradoxo fizemo-lo porque, na
realidade, o autor anterior admite que o Jogo evoluiu muito assim como as
disposições das equipas – em que as 4 linhas se mantêm bem definidas – e o
que se introduziram foram diversas variantes por entre a colocação de cada
uma dessas linhas (Pino, 2003b).
Em nosso entender, a terminologia não deve ser um entrave à
compreensão da realidade, mas muitas vezes é-o e, por isso, parece-nos
importante esclarecer que a utilização das 4 linhas supracitadas pelo autor
dizem respeito aos sectores da equipa (guarda-redes, defesas, médios e
avançados), segundo entendimento apresentado por Teodorescu (2003) e
Castelo (2004). No entanto, Castelo (2004) refere que para cada sector há um
número variável de jogadores.
É com base nessa variabilidade que diferenciamos «sector» de «linha».
Como apresentaremos mais à frente, um «sector» pode ser constituído por
mais de uma «linha» e por isso apresenta-se, nas palavras de Castelo (2004:
54) como um «âmbito grupal», determinado por diferentes atribuições
funcionais e operacionais. Assim sendo, tanto «sector» como «linha», devem
subentender uma interpretação dinâmica, mutável e aberta.
Revisão da Literatura
34
Pino (2003b) chega a realçar a tendência em se colocarem dígitos a
cada situação variável de jogadores dentro de uma linha (leia-se, sector)
poderia levar-nos a dizer que todas as equipas jogam com um 1-1-1-1-1-1-1-1-
1-1-1, porque, claro, é impossível que os jogadores de cada linha de jogo (leia-
se, sector de jogo) estejam a formar uma linha exactamente recta e paralela a
uma linha de meta. Contudo, embora compreendamos esta evidência, urge-nos
a necessidade de voltarmos a (re)focar a questão para o facto do Jogo, em
analogia, se assemelhar não a um conjunto de fotografias pontuais
sobrepostas mas sim a um filme contínuo e fluído. Neste seguimento, a
utilização da referência «linha» deve enquadrar-se no «padrão organizativo»23
que é o jogar de uma equipa. As «linhas», multiplicando-se ou subtraindo-se
por afastamento ou aproximação, apresentam-se como uma regularidade,
tornando-se uma referência estrutural e estruturante no jogar das equipas.
Portanto, subentendamos a organização estrutural como um meio para
atingir um fim e não um fim em si mesma, em que, como nos avança Flores
(2004) e Sotos (2004): uma vez que a bola começa a mover-se, dentro das
posições iniciais tudo se vai alterando em função do que lhe acontece, sendo
certo que tudo no desenvolvimento do jogo se adapta ou se relaciona em
função dessa posição inicial ou das demais variantes de jogo que se produzam.
Pino (2003a) fala de já não se jogar no «posto» (posição), mas sim
«jogar-se desde o posto». Neste sentido está a observação de hoje os
extremos jogarem mais recuados no terreno, porque na dinâmica ofensiva do
futebol actual é mais importante chegar à posição do que estar na posição
(Pino, 2004). O tempo e o espaço no jogo das equipas parecem ter adquirido,
porventura, um outro significado e uma outra significância.
Analogamente, Cruz (2002: 169-170) ilustra-nos bem esta «nova»
possibilidade: “Resulta que, nesse mundo globalizado, a noção de tempo e
espaço é alterada. O tempo representa a velocidade do que está ocorrendo.
Mudanças bruscas. É a característica do processo. Além disso, ele contém a
força de desorganizar, de manter em desordem, tanto o território quanto os
23 “Configuração de relações característica de um sistema particular” (Capra, 2000: 76). Segundo o autor, enquanto a estrutura envolve quantidades e se relaciona com a medição, a substância; o padrão envolve qualidades porque está relacionado com o mapeamento, a forma (Capra, 2000). O jogar da equipa, sendo um sistema de sistemas que interactuam entre si, carece de uma compreensão análoga.
Revisão da Literatura
35
indivíduos. (…). Também o conceito de espaço não corresponde mais a lugar,
pois este pressupõe a não-mobilidade no antigo conceito. O que conta agora é
o não-lugar. Do lugar como ideia de algo fixo, imóvel, centrado, com uma
identidade constante, passamos à experiência de novas especializações no
sentido de deslocamento, de não-lugares, de indivíduos descentrados, de
identidades mutantes. (…). Tanto um como o outro se tornaram plurais, se
deslocando com muita rapidez, influindo, tanto na produção do conhecimento
quanto nas manifestações artístico-culturais (Jogo).”.
Reportando-nos ao Futebol, o espaço e o tempo físicos do jogo, sendo
constituintes da dinâmica de interacções dos jogadores, são instituídos por
essa mesma dinâmica que lhes atribui o seu significado (Tavares, 1997).
Talvez por estas razões faça sentido a análise feita por Mourinho (in
Oliveira et al., 2006: 193) ao pretendido para o jogar da sua equipa: “Campo
grande a atacar, linhas juntas a defender; (…); uma estrutura fixa em termos
posicionais e uma estrutura móvel, ou seja, há jogadores que têm posições
fixas no campo e há outros que, pela sua dinâmica, têm mobilidade, apesar de
ter que haver sempre um equilíbrio posicional.”.
Inter-relacionando com a nossa temática, Queiroz (2003a) aponta alguns
aspectos que consideramos importantes: (1) a distribuição dos jogadores no
campo, a estrutura, dá-nos uma racionalidade no funcionamento da equipa que
nos permite fazer coisas mais intensas em menos distâncias porque todos
estão imersos numa ordem e desfrutam de uma coordenação e uma coerência;
(2) o rendimento do jogador tenderá a subir quando lhe é dada a oportunidade
de jogar na(s) zona(s) que melhor se adapta(m) às suas capacidades; (3) um
jogador que se movimenta por zonas que lhe são estranhas, quer as posições
do seu corpo, quer a sua adaptação às trajectórias da bola, quer a sua análise
de cada situação, não são as mesmas que quando se sente cómodo; (4)
quando há trabalho, ordem e sistematização de movimentos, a posição média
obtida de fracções de tempo de um jogo estará muito próxima da estrutura
inicial que tenhamos preparado.
Revisão da Literatura
36
Em opinião concorrente está Flores (2004) enfocando a estrutura como
uma referência fundamental porque, de alguma forma, marca uma maneira de
ocupar o terreno de jogo, aproximando cada jogador do lugar que deve ocupar.
Todavia, os dois treinadores colocam hierarquicamente menor
relevância às estruturas de jogo a utilizar quando comparadas àquilo que são
as ideias e a funcionalidade que se pretendem para o jogar das suas equipas.
Parece fazer sentido o apresentado, pois não é difícil reconhecer que
durante o jogo existem muitas variações fruto do movimento dos jogadores e
que implicam uma alteração na estrutura que se diz utilizada pela equipa (p.e.,
quando no sector da defesa se verifica a subida de um dos laterais pelo seu
corredor, ocorre alteração na estrutura) (Flores, 2004; Aragonês, 2005a).
Ressalva-se assim a noção de plasticidade (do jogar), que analogamente
extrapolamos da obra desenvolvida por Silva (2008), uma vez que o jogar
(colectivo) apresenta mudança de forma e tamanho (aumento/redução de
amplitude/profundidade da equipa quando em jogo) em termos estruturais e
funcionais.
Como exemplo dessa plasticidade que compromete a(s) estrutura(s)
como parte(s) umbilicalmente ligada(s) a um «todo» maior que é o jogar da
equipa, atentemos às considerações de Mourinho (in Oliveira et al., 2006: 192-
193) para o momento ofensivo: “Quero uma alta circulação de bola e, para que
isso aconteça, tem que existir um bom jogo posicional, isto é, todos os
jogadores têm de saber que em determinada posição há um jogador, que sob o
ponto de vista geométrico (estrutural) há algo construído no terreno de jogo que
lhes permite antecipar a acção.”.
Já em relação ao momento defensivo, quando reconhece que a sua
defesa avança e liberta 40 metros nas costas para o adversário explorar, o
mesmo justifica-o com o observar mais os seus centrais reduzirem o espaço à
sua frente do que terem que recuperar defensivamente o espaço que fica atrás
deles - «uns vêm o copo meio vazio, outros o meio cheio» - em que toda a
equipa realiza os movimentos verticais de pressão mantendo as linhas juntas,
para a equipa ser compacta e não existir jogo no espaço entre a defesa e o
guarda-redes (Mourinho, 2003).
Revisão da Literatura
37
Pode-se em suma depreender que a distribuição estrutural dos
jogadores tem implicações no jogar pretendido para a equipa, sem que o jogar
se esgote, obviamente, nessa mesma distribuição.
Ao consultar a Figura 14, Mourinho (2004) dá-nos outro excelente
exemplo a respeito do desdobramento dos diferentes sectores da equipa em
múltiplas linhas e nas implicações que tal incute no jogar das equipas,
lembrando que um A.C. Milão com «zona pressionante» em largura constituído
por 3 linhas (4-4-2) teve sucesso frente a um F.C. Porto com «zona
pressionante» em profundidade constituído por 6 linhas (2-2-1-2-1-2). Apesar
da presença de um igual número de jogadores nos 3 sectores (4-4-2), pela sua
diferente distribuição geométrica no campo, conduz de imediato a
funcionalidades e dinâmicas de jogo diferentes.
Figura 14. Representação da Estrutura 1-2-2-1-2-1-2 do FC Porto (Mourinho) e
da Estrutura 1-4-4-2 do AC Milão (Ancelotti).
2.1.7. Estratégia e Estrutura(s) de jogo…variar sem deturpar!
Como já vimos anteriormente, analisar a organização estrutural de jogo
de uma equipa resumindo-se ao seu figurino (1-4-4-2, 1-4-3-3, etc.) seria
redutor perante aquilo que o próprio Jogo nos oferece. Importa correlatar a
organização estrutural de jogo ao(s) jogo(s) da(s) equipa(s) enquanto
sistema(s), entendendo-a como um referencial (posicional) que se entranha
nas funcionalidades e dinâmicas pretendidas para esse(s) mesmo(s) jogar(es).
Neste seguimento, Amieiro (2005) não esconde que, embora o mais
importante seja a dinâmica colectiva da equipa, esta necessita de uma base
estrutural que a sustente. Admite ainda que, se o pretendido é tornar padrão
1-4-4-2
Gr
1-2-2-1-2-1-2
Gr
Revisão da Literatura
38
regular o jogar, tem de se decidir por uma estrutura, pois dela também
dependem as funções de cada jogador na equipa (Amieiro, 2005). Isto porque,
a dinâmica do jogo (de uma equipa) “é uma funcionalidade organizada a partir
de uma estrutura” (Silva, 2008: 27).
Quanto à utilização – e respectivos critérios subjacentes – de uma ou
mais estruturas de jogo por parte das equipas, a literatura revela um
entendimento plural e não consensual. No entanto, procuramos organizar
diferentes entendimentos de acordo com uma fundamentação lógica e
pertinente para o estudo em questão.
Em primeiro, apresentamos a vaga de opinião, representada em
exemplo por Aguirre Onaindía (2002), de que existem muitas variantes tácticas
em função do golo e que na actualidade é muito difícil que uma equipa jogue
toda a temporada de uma maneira e até mesmo durante todo o jogo, porque
face ao resultado se deve mudar.
Perceba-se que, se atentarmos à realidade empírica que o fenómeno
(Futebol) oferece, estas ocorrências são mais episódicas do que propriamente
uma regularidade (padrão). Portanto, pensamos que outros argumentos devem
emergir no cerne desta problemática, nomeadamente os que se fazem
relacionar com a componente estratégia24 que, segundo Tadeia (2008), está
muito imbricada na forma como se vencem (grandes) competições.
Santos (2006: 16) quando questionado sobre a eventual alteração da
estrutura da equipa para o jogo contra um adversário responde: “Em termos
estruturais, vamos continuar iguais. Com uma ou outra variante, mas sem
modificar o que é a estrutura essencial da equipa.”. Bento (2006b: 23) vai mais
além em resposta à possibilidade de alterar tacticamente a equipa devido a
lesão de um dos seus habituais titulares ao referir que o jogador “não vai jogar
mas a estrutura mantém-se.”.
24 «Estratagema de circunstância», espécie de aposta tendo em conta o que se julga vai ser a «batalha» (próximo jogo)
que está para acontecer (Frade, 2004a). Quando há uma deficiente leitura da realidade do jogo do adversário e
porventura também alterações na própria equipa para poder criar dificuldades ao adversário pode-se comprometer a
identidade da própria equipa, devendo subjugar-se esse lado estratégico àquilo que é a organização do jogo da própria
equipa (Frade, 2004b; Oliveira et al., 2006). Estratégia e táctica parecem formar parte de um mesmo conjunto e
complementam-se concorrendo para o êxito das operações (Cervera et al., 2008).
Revisão da Literatura
39
Sobre as legítimas razões de privilegiar uma estrutura de jogo em
detrimento de várias diferentes, Bento (2006a: 3) evoca que “O Sporting
escolheu um caminho: ter jogadores para um sistema de jogo (inclua-se,
estrutura de jogo). Acreditamos nele, temos a convicção de que é o melhor
para as características dos elementos do plantel. (…). Ser mais ou menos
previsível não decorre de ter poucos ou muitos sistemas. A dinâmica dos
jogadores, essa sim, é que faz diferença. Confundi-los é que não, e isso
acontece quando se quer ser muito imprevisível com variações tácticas.” E
acrescenta ainda mais tarde que: “Nós estamos preparados para defrontar
qualquer sistema, não abdicaremos do nosso em função do adversário.”
(Bento, 2007b: 16).
Outros treinadores, apesar de não se regerem por uma só estrutura de
jogo, parecem concorrer à ideia evidenciada de que a forma de jogar da própria
equipa (onde se incluem as estruturas de jogo utilizadas) tem uma importância
atribuída hierarquicamente superior às alterações eventualmente a processar
em prol da forma de jogar do(s) adversário(s).
Ferreira (2007a: 2) esclarece ao proferir que “Vamos defrontar um
adversário novo, com uma estrutura táctica diferente. Não é necessário
regressar a nada (passar do habitual 1-4-3-3 para 1-4-4-2), porque isso
implicaria a solidificação de processos e métodos (…) mas pode passar antes
pela alteração de um ou dois jogadores.”. A complementar, refere: “Jogar em 4-
3-3 ou 4-4-2 depende sempre dos jogadores disponíveis para isso, mas o
método não vai mudar. Agora, tendo jogado a época toda em 4-3-3 rotinou
posições, estruturas e combinações de ataque, trabalhou (a equipa) para o 4-3-
3” (Ferreira, 2007b: 3).
Porém, o mesmo treinador não deixa de referir que a movimentação da
sua equipa se alicerça num «sistema» base que se desdobra em
«subsistemas» (Ferreira, 2008). Já Jesus (2008b) aponta a possibilidade da
sua equipa expor em campo, no mesmo jogo, dois «sistemas», elogiando a
capacidade dos jogadores saberem cumprir mais do que uma posição.
Por último, apresentamos Mourinho (2005), então treinador do Chelsea,
que nos refere a possibilidade e necessidade de uma equipa apresentar
Revisão da Literatura
40
«nuances estratégicas» que podem ter repercussões tácticas posicionais (note-
se, alterações na estrutura) de maneira a melhorar táctico-culturalmente a
equipa. Assim, Mourinho (2007b: 36) afirma que, dependendo “da forma dos
jogadores, dos adversários e do seu sistema e da minha avaliação em cada
caso (…) a intenção é dupla, a de usar o 4-3-3 e o 4-4-2, (…) em que (…)
concluímos que conhecemos os dois sistemas muito bem”. O técnico remata
ainda dizendo conhecer igualmente bem as fragilidades (dos «sistemas») e,
como tal, também “a maneira de as compensar e até esconder dos
adversários”.
O diversificar a disposição dos jogadores, mexendo na estrutura
parcialmente – p.e., invertendo o triângulo do meio campo de uma dupla mais
recuada para uma dupla de médios interiores com um pivot nas suas costas –
parece surgir de uma finalidade e de um processo de preparação e não por
acaso25. Ou seja, como é possível descobrir por entre as posições
supracitadas, é necessário conhecer e para conhecer é necessário que se
torne hábito.
Quando se constata a existência de treinadores que em função do
adversário se socorrem, de jornada para jornada e mesmo durante os noventa
minutos, de alterações na estrutura de jogo, colocando mais um defesa central,
tirando-o para fazer entrar mais um avançado, etc. (Oliveira et al., 2006), face à
linha de pensamento apresentada até aqui, parece fazer sentido que: “O mais
importante numa equipa é ter um determinado modelo de jogo, um conjunto de
princípios de jogo, conhecê-los bem, interpretá-los bem, independentemente de
ser utilizado este ou aquele jogador. Nós analisamos o adversário, procuramos
posicionar-nos nalgumas zonas mais importantes do campo em função dos
seus pontos fortes e fracos. Mas isto são detalhes posicionais. Não «mexem»
com os nossos princípios, nem sequer com o nosso sistema. (…). Por vezes,
partimos para alguns jogos completamente alheados e ignorando o que vai ser
o comportamento do adversário. Apostando e potenciando aquilo que é nosso.
E que fique bem claro que os sistemas que a minha equipa apresenta ao longo
da época são definidos e operacionalizados logo desde o início. (…) Se em
25 “Comportamento errático e fruto da sorte. Sequência de acontecimentos em que nenhum deles ocupa a mesma posição que já ocupara anteriormente.” (Stacey, 1995: 545).
Revisão da Literatura
41
dois anos e meio no Porto só por duas vezes alterei a estrutura (…) por alguma
razão foi.” (Mourinho, in Oliveira et al., 2006: 162).
Por outro lado, admita-se a existência de diferentes equipas que
apresentam formas de jogar praticamente «isomorfas»26 tendo por base a
utilização de estruturas de jogo «isomorfas». Em sintonia está Faria (2007),
corroborado por Irvine (2003) e Barlow (2007), constatando existirem algumas
equipas em 1-4-4-2 no futebol inglês que apresentam dinâmicas colectivas
muito semelhantes umas das outras e em que, p.e., os comportamentos dos
dois avançados muitas vezes são idênticos.
A contrastar estão algumas equipas de «rendimento superior», pois se
analisarmos equipas como o Arsenal e o Manchester United o mesmo não se
verifica, sendo mais móveis, flexíveis e adaptáveis (Queiroz, 2003b; Irvine,
2003). Irvine (2003) refere que essas equipas possuem jogadores que jogam
em áreas onde não se espera que eles joguem e em que se assistem equipas
a jogar em 1-4-4-2 com jogadores a jogar longe da linha lateral em vez de
jogarem sempre amplos, ou com jogadores a jogarem em espaços nas costas
dos avançados, ou a fixarem-se logo em frente dos defesas.
Reconhece-se então que, fruto da dinâmica de interacções que se
pretende para a equipa, a mobilidade dos jogadores em campo traduz
alterações na estrutura a nível do seu posicionamento de base. São várias as
vezes em que a estrutura de jogo possibilita que jogadores surjam em espaços
livres do campo, assim como há equipas que promovem trocas de posições
entre jogadores levando a que a estrutura de jogo não se «deforme»
significativamente.
Pegando, a exemplo, nas trocas de posição supramencionadas, Faria
(2002) orienta a questão como algo a ver com a cultura de jogo e com o jogo
da própria equipa, assim como as posições ocupadas e com os
comportamentos que cada jogador tem num determinado contexto posicional.
Acrescenta também que, quanto maior a identificação de um jogador com o
modelo de jogo e com os comportamentos subjacentes a essa organização de
26 “O isomorfismo é uma qualidade que dois ou vários sistemas possuem quando têm propriedades comuns. Fala-se, pois, de isomorfismo quando se encontram as mesmas formas, as mesmas estruturas e as mesmas operações em dois ou vários sistemas.” (Bertrand & Guillemet, 1994: 58).
Revisão da Literatura
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jogo mais será capaz de trocar de posição com outro jogador e de certa forma
realizar os seus comportamentos, porque está identificado com os
comportamentos a realizar nessa outra posição (Faria, 2002).
O «todo» tem assim que o ser na(s) sua(s) «parte(s)». Frade (2005a)
refere que o jogador («parte») apresenta um conhecimento auto e hetero do
jogar («todo»), em que pelo acrescento de qualidade ao jogo da equipa, esta
permite que o jogador adquira também ele uma qualidade superior.
Depreende-se então que, ao requerer-se uma elevada mobilidade no
sentido de se verificarem permutas de posição entre jogadores na dinâmica do
jogo de uma equipa, é possível potenciar a plasticidade desse jogar, mas é
também algo que requer elevada compreensão do jogar pretendido e que
requer elevada cultura táctica dos jogadores, pela necessidade de
compreenderem posicionamentos e funções que se associam a essas mesmas
trocas.
“É então necessário compreender a noção de estrutura como o modelo
estabelecido e permanente das relações entre os elementos de uma
organização.” (Bertrand & Guillemet, 1994: 67). Pelo discorrido, é perceptível
que todos os treinadores sustentem estruturalmente o seu jogar, dispondo os
jogadores no terreno segundo uma disposição de base, a partir da qual se
expressam as funcionalidades que traduzem a dinâmica do jogo da sua equipa.
De realçar também que certos treinadores procuram produzir «nuances»
nas suas estruturas, não se limitando a uma estrutura de jogo única, de
maneira a servir de referência ao posicionamento colectivo e individual a ter-se
no jogar da equipa. Essas «nuances» podem ser igualmente resultantes da
estratégia para defrontar o (próximo) adversário.
Por fim, Bertrand & Guillemet (1994) referem que é frequente pensar-se
na estrutura organizacional como fixa e imutável no tempo, mas não se
esqueça que esta estrutura é dinâmica, que evolui no tempo e reage às
mudanças no seu meio. Analogamente, reconhecemos o mesmo entendimento
para o fenómeno Futebol quanto à organização de jogo de uma equipa.
Revisão da Literatura
43
2.2. «Viver o Presente, estudando o Passado, prepar ando o Futuro»:
“Estará tudo inventado? Só o passado está inventado. Se pretendemos afirmar o presente e conjugar o Futebol no futuro, quase tudo está por inventar. Está por inventar cada jogo que se joga, com a sua história única e resultado imprevisível…” (Garganta, 2006: 23).
O modelo tem a ver com o que o jogador tem (ou passa a ter) na cabeça e no corpo. Porque é mesmo um background cultural, por isso é que eu digo que o futebol tem uma
história, mas tem também uma geografia (Frade, 1998: 4).
Neste ponto da revisão, mantendo o fio condutor até aqui apresentado,
pretendemos rever algumas considerações associadas ao modelo de jogo e
seus respectivos princípios, enquadrando-as com a componente estrutural do
jogar. Neste «novo capítulo» imergimos nas premissas associadas ao plano da
concepção do jogar, procurando configurar o que determina um jogar
organizado funcional e estruturalmente na tradução de uma dinâmica de jogo
idealizada.
2.2.1. …modelo de jogo e estrutura de jogo, não sen do sinónimos,
(ainda) se (con)fundem?!
Antes de aprofundarmos algo que foi despoletado na revisão
bibliográfica relativamente à capital importância atribuída ao modelo e
princípios de jogo no jogar da(s) equipa(s), destacamos a necessidade de
distinguir (conceptualmente) modelo de jogo e estrutura/«sistema» de jogo para
assim facilitarmos a compreensão, e respectiva articulação de sentido, para
com a organização estrutural em estudo.
Como já o evidenciámos, naquela que é a conjuntura global do
fenómeno Futebol – dos media até aos treinadores – existem contradições
conceptuais que, per si, surtem num discurso «distorcido» alusivo ao quadro da
análise e da discussão do Jogo, isto quando se deveria contribuir para uma
maior coerência e melhor compreensão do mesmo. Durante a própria feitura da
revisão da literatura fomos apresentando algumas evidências em que, p.e., se
sinonimizaram modelo de jogo, sistema de jogo e estruturas (tácticas) de jogo,
sendo diferentes uns dos outros.
Revisão da Literatura
44
Não obstante, lembramos Popper (2009) ao defender que, mais do que
nos atarmos a rigores terminológicos, resulta melhor fazê-lo em relação às
ideias e aos entendimentos a extrair de determinados conceitos. Procuramos
então perceber que, pese embora as diferenças entre os termos/conceitos
supramencionados, é mas aquilo que os une do que aquilo que os separa.
Atestando primeiro a diferenciação entre modelo de jogo e estrutura de
jogo, Santos (2007: 7) é peremptório ao dizer: “Para mim, sistema (englobe-se
a estrutura) e modelo não são a mesma coisa”. No seguimento, Bento (2006c:
9) faz o enquadramento de estrutura de jogo como “apenas um desenho que
se escolhe para a equipa, de modo a que, a partir desse facto, seja erguida.”; e
o do modelo de jogo como “algo que construímos em função dos clubes que
treinamos, da ideia de jogo que defendemos, do entendimento que existe do
jogo (Jogo), da cultura do clube, história e objectivos que tem (…)”.
Pelo descrito, a ordem de grandeza do modelo de jogo subjuga aquela
que se verifica para a estrutura de jogo (Gaiteiro, 2006). Talvez por isso, o
próprio Bento (2006c: 9) adiante que o “sistema de jogo está englobado no
modelo de jogo”. Assim, parece ser através do que se define em termos de
modelo que se determina a dinâmica a empreender na(s) estrutura(s) de jogo
utilizada(s) para que o jogar se manifeste.
Atestando esta segunda premissa encontramos primeiro Jesus (2008a:
18) ao dizer que a sua equipa “vai ter um modelo de jogo, mas não ter um
sistema (incorpore-se a estrutura) definido”. O próprio complementa: “Hoje,
jogámos assim (4x4x2 em losango), no próximo jogo podemos apresentar um
4x3x3 (…).”. Em segundo, Queiroz (2003b) expande a perspectiva para o facto
de não se dever dizer somente que se joga em 1-4-4-2 quando se observam
diferentes equipas a jogar, porque é possível apresentar princípios diferentes
na abordagem do 1-4-4-2.
Parece resultar daqui a inexistência de um só modelo, uma só forma de
«pensar» e fazer surgir o jogo. O jogo pode ter mais ou menos linhas, pode
privilegiar mais a largura ou a profundidade, pode querer apostar em pressão
alta ou baixa, etc. (Frade, 2005a). Converge-se numa aquisição não tanto do
Jogo mas sim do jogar, no alcançar de determinada forma de manifestação
Revisão da Literatura
45
desse Jogo, com uma lógica muito própria e subjacente a um processo de
obtenção desse jogar (Frade, 2005a).
Retém-se então que, mesmo perante duas equipas com duas estruturas
de jogo consideradas «isomorfas» (a exemplo e simplificando, um 1-4-3-3)
resultarão dois futebóis distintos um do outro, porque as ideias que configuram
aquilo que se pretende como dinâmica de jogo para cada uma dessas equipas
serão, quase certamente, diferentes.
Acrescentamos também que, mesmo que essas ideias sejam
semelhantes, os intérpretes são diferentes nas duas equipas – ninguém é cópia
idêntica de outrem – o que torna o jogar de cada equipa num jogar singular em
termos de manifestação. Uma singularidade paradoxalmente resultante de uma
significante diversidade que é intrínseca a esse jogar.
Acaba-se desta forma por dar significado à expressão: «Futebol não há
só um, o meu e mais nenhum!» (Frade, 2004b; Sousa, 2007).
2.2.1.1. Porque para que um jogar («ser») se manife ste, um modelo
(«espírito») tem que «animar» uma estrutura («corpo »)!
Anteriormente na revisão inferimos que o jogar de uma equipa apresenta
«padrões organizativos» que, como tal, conferem à componente estrutural do
jogar da equipa capacidade para se «deformar».
Em sintonia, Tavares (1997) assemelha-nos uma equipa a uma estrutura
moldável, a uma espécie de material dúctil orgânico e fluído. Garganta (2006:
25), por sua vez, apresenta-nos a equipa como “um concerto de cumplicidades,
expressas na vinculação a uma visão, a um modelo, a um ideal”. Modelo esse
que Silva (2008) entende como uma conjectura que configura as interacções
colectivas e individuais de uma equipa.
Guilherme Oliveira (2003), Carvalhal (2003), Frade (1985, 2004b)
consequentemente explicam que conjecturar passa por se criar mentalmente
aquilo que se quer que aconteça durante o jogo.
Todavia, depreender que o modelo (de jogo) é algo que visa uma ideia,
uma projecção de algo que se quer ver a acontecer e por isso não se esgota no
Revisão da Literatura
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presente – o «aqui e agora» tem sempre em vista o futuro como elemento
causal (do comportamento) (Frade, 2004b, 2005a) – não é suficiente. Importa
aditar que o modelo de jogo apresenta adaptabilidade e mutabilidade através
da «flecha do tempo», assim denominada por Cunha e Silva (1999).
Na base do anteriormente mencionado parece estar Rego (1997)
quando expõe as interacções sistémicas entre elementos como sendo mútuas
ou recíprocas, modificando o comportamento dos elementos do sistema, de
maneira a criar-se uma «entidade ou unidade global nova».
Guilherme Oliveira (2008) ajuda-nos a esclarecer entendendo não ser
adequado dizer-se «modelo de jogo adoptado» devendo antes dizer-se
«modelo de jogo criado», uma vez que se trata de uma «criação dialéctica»
entre treinador e jogadores a todo o momento. O próprio denomina-a de
«dialéctica em espiral», pois o treinador transmite as ideias que quer para os
jogadores assumirem em termos de jogo, os jogadores recebem as ideias e
reconstroem-nas.
Suportando-nos no raciocínio do autor, apresentámos como exemplo um
dos comportamentos que um treinador quer para a sua equipa no momento de
transição ofensiva ser: a bola quando recuperada no meio campo defensivo
chegue em condições de continuidade a um dos extremos da equipa de
maneira a aproveitar o espaço existente nos corredores, potenciando situações
de 1x1 em movimentos de profundidade. Agora, ao estar numa equipa em que
os jogadores têm a capacidade receber e passar a diferentes distâncias e
trajectórias com elevada qualidade e os extremos apresentam uma mesma
qualidade de receber a bola e orientá-la para os fins pretendidos pelo treinador,
então a sua transição ofensiva tenderá a ser muito rápida. Todavia, nessa
equipa os dois extremos são substituídos por outros dois jogadores que não
dominam com qualidade a recepção da bola face a passes muito rápidos em
trajectórias longas, então a equipa, neste caso, vai provavelmente procurar
essa mesma transição sustentada em mais passes para fazer com que a bola
chegue a esses extremos de uma forma mais facilitada, resultando numa
transição ofensiva tendencialmente mais lenta.
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Portanto, o pretendido é o mesmo para as duas equipas mas a
compreensão do comportamento, a capacidade, são distintas (Guilherme
Oliveira, 2008). O modelo é assim reconstruído pela interpretação das ideias
através da interacção dos jogadores no jogar (efectivo).
Um outro exemplo da «dialéctica» entre os diferentes agentes que
resulta na recriação do modelo é-nos dado por Mourinho (in Oliveira et al.,
2006: 177): “Na passagem da época de 2002/2003 para a época de 2003/2004,
houve um aspecto que para mim foi muito importante: após o sucesso da
primeira época, em que ganhámos tudo o que havia para ganhar, tive «medo»
da segunda. Tive medo relativamente à abordagem da época por parte dos
jogadores, sobretudo a nível mental, psicológico, ao nível da motivação, do
comportamento, do crescimento no bom ou no mau caminho (…). E a principal
preocupação que me ocupou na operacionalização para manter o grupo «sob
controlo» foi «ampliar» o meu modelo, fazê-lo evoluir para um modelo de jogo
mais rigoroso.”. Tal alteração acabou por implicar também a própria alteração
da organização estrutural da equipa de 1-4-3-3 para 1-4-4-2 (com o sector
médio em losango).
Esta constatação da realidade é também analogamente avançada por
Castro (2002: 162) noutro domínio: “A rotina parece-nos aprisionar, nos sufocar
através da imposição do seu ritmo: rotina de trabalho, de estudo, de
relacionamentos interpessoais, (…). Mas a rotina guarda em si um componente
dialógico27 e inovador, que está sempre a refazê-la, criando-a no interior de
suas acções. Apesar de sua forma ser uma constante, seu conteúdo é sempre
diverso e não-linear. Por mais que seja sempre igual, é também sempre
diferente. Na rotina, o mesmo (e conhecido) é também, ao mesmo tempo, um
esforço pelo diferente e casual.”. Essa não-lineariedade28, a par da
imprevisibilidade e da aleatoriedade, são reconhecidas por Garganta & Cunha
e Silva (2000) como integrantes de um fenómeno complexo que é um jogo de
Futebol. 27 Princípio que entende fenómenos como “ordem e desordem, natureza e cultura”, não em oposição mas como simultaneamente “concorrentes, antagónicos e complementares”, mantendo a “dualidade no seio da unidade” (Almeida, 2002: 29). 28 Característica de sistemas que apresentam «sensibilidade às condições iniciais», ou seja, pequenas alterações podem sofrer uma escalada até à mudança radical do comportamento (Stacey, 1995). Enquanto que num efeito linear se conduz a uma pequena variação dos resultados, num efeito não linear o resultado é imprevisível e pode variar enormemente (Battram, 2004).
Revisão da Literatura
48
Há assim a necessidade de conjecturar uma organização dinâmica
colectiva (ordem) que se venha a traduzir pela equipa, em que, segundo Frade
(2005a), a eventual aleatoriedade que num ou noutro momento possa existir
surja no ceio dessa ordem.
Acerca da necessidade de definir aquilo que se pretende como o jogar
da equipa, Tamarit (2007) evoca primeiramente o facto do futebol ser um
fenómeno que para além de construído (e em construção) ser igualmente
determinístico29, em que cada treinador pensa o seu e o contexto em que se
insere lhe outorga singularidades, pois como se reconhece, nenhum contexto é
igual a outro.
A personificar, Silva (2008) descreve que aquele treinador que idealiza a
sua equipa a jogar em circulação de bola a partir do seu meio campo estar
condicionado a um modelo de jogo distinto daquele outro que tem como
idealizado jogar fundamentalmente apostado em transições defesa-ataque
após ganho da posse da bola no seu meio campo.
O modelo (de jogo) passa a perceber-se como um conjunto de
referências colectivas e individuais (Lobo, 2008), como o conhecimento daquilo
que se tem de fazer em todas as circunstâncias do jogo (Guilherme Oliveira,
2003). Modelo de jogo não é unicamente um sistema de jogo, não é o
posicionamento dos jogadores, mas sim, a forma como esses jogadores se
relacionam entre si e como expressam a sua forma de ver o futebol (Portolés,
2007, cit. Tamarit, 2007).
Queiroz (2003b) complementa os autores anteriores mencionando que,
quando se observam diferentes equipas a jogar, é-nos possível identificar qual
delas pertence a determinado clube fruto de um modelo de jogo existente e que
não se esgota no se jogar em 1-4-4-2 porque, relembrando o autor, é possível
jogar em 1-4-4-2 com diferentes abordagens fruto de contemplações de
princípios de jogo distintos para esse 1-4-4-2.
A concepção de jogo do treinador, as capacidades e as características
dos jogadores, os princípios de jogo, as organizações estruturais e a
organização funcional são, de acordo com Guilherme Oliveira (2004), aspectos
29 Segundo Phelan (2001) um sistema é determinístico na medida em que não envolve elementos de acaso.
Revisão da Literatura
49
que interagem e que se devem ter em consideração na criação de um modelo
de jogo para uma equipa.
É com base nos princípios de jogo constituintes do modelo de jogo
criados para uma equipa que se permite «animar» o «corpo» estrutural
representado pela equipa para que o jogar se manifeste. No próximo ponto,
procuraremos aprofundar a contextualização da organização estrutural face
aos princípios de (inter)acção que caracterizam o jogar da(s) equipa(s).
2.2.2. … princípio(s) de jogo e estrutura(s) de jog o, que relação?!
O jogo que resulta do confronto entre duas equipas tem sempre uma
configuração parecida apesar de ser um sistema extremamente sensível às
condições iniciais, ou seja, um sistema caótico30, é o que nos alega Cunha e
Silva (2002, 2003).
Partamos da ideia de que um jogo é um sistema (constituído por
subsistemas ou microsistemas31) cujo comportamento varia não linearmente
com o tempo, ou seja, um sistema dinâmico não-linear, e admitindo que o
resultado dependerá da forma como se joga, como se vai jogando. Todavia,
essa dependência altera as regras do jogo, porque o contributo da incerteza,
do acaso, se incompatibiliza crescentemente com qualquer regra (Cunha e
Silva, 1999, 2002).
Porventura podemos perscrutar que as condições do jogo são
simultaneamente deterministas (p.e., regras de jogo) e aleatórias (incertezas do
jogo) (Rego, 1997). Por outro lado, podemos reconhecer que nos sistemas
adaptativos complexos (como é o caso do futebol) parece existir uma dialógica
«ordem-desordem-reorganização» que, de acordo com Almeida (2002),
qualifica o movimento da complexificação dos sistemas.
30 Sistema instável (Phelan, 2001). O caos reconhece o acaso aparente que existe em muitos fenómenos, aceitando a imprevisibilidade inerente, em que esse acaso ocorre no âmbito de restrições, no interior de padrões ou limites gerais (Daft & Lengel, 2001). 31 O sistema descrito é aquele que compreende a interacção entre duas equipas, ou seja, um sistema maior àquele que compreende o jogar de cada uma das equipas. Quanto ao jogar de uma equipa podemos considerá-lo de subsistema desse sistema, que apresenta também ele sub-subsistemas consoante a escala do jogar (p.e., o sector defensivo é um (sub-)subsistema do (sub)sistema equipa/colectivo). Idiossincrasia extensível ao domínio da(s) estrutura(s) de jogo adoptada(s) pela equipa.
Revisão da Literatura
50
Morin (2003) relega a ordem para tudo o que é repetição, constância,
invariância, tudo o que pode ser aplicado sobre a salvaguarda de uma relação
altamente provável; e relega a desordem para o que é irregularidade, desvio
em relação a uma estrutura dada, aleatório, imprevisibilidade. A “desordem
como o ruído e o acaso estão no interior e no exterior de qualquer fenómeno, o
que lhes possibilita permanentes reorganizações, ou seja, novas ordens que se
desordenam e reordenam sem cessar” (Almeida, 2002: 27-28).
Por conseguinte, Daft & Lengel (2001) referem não só que o mundo
caótico possui um padrão global estável apesar de localmente imprevisível,
mas também que os sistemas caóticos apresentam «desordem no interior da
ordem». A esse padrão global podemos denominar de «atractor estranho»32
(Cunha e Silva, 1999; Daft & Lengel, 2001.).
Associando à problemática em estudo, a estrutura supõe uma
regularidade, uma ordem e não um ponto de partida ou de chegada, pois esta
tem importância na medida em que se apresenta como referência posicional na
qual a equipa alicerça o seu jogo, comportando-se como uma espécie de
«atractor» (Gaiteiro, 2006).
É com base na identificação de regularidades existentes nas
irregularidades do jogar de uma equipa que nos levam a estabelecer uma forte
conexão deste fenómeno com a «teoria dos fractais33». Isto porque, fractais são
estruturas que apresentam uma variabilidade muito grande mas apresentam
uma regularidade ao longo das escalas, porque obedecem ao princípio de
«invariância de escala» (Cunha e Silva, 2003). Mandelbrot (1992, cit. Cunha e
Silva, 1999) esclarece o conceito dizendo que, quando aumentado ao tamanho
original, um pedaço de fractal deveria parecer-se com o todo ainda que tivesse
de sofrer pequenas variações. Toma-se assim a «parte pelo todo e o todo pela
parte» (Cunha e Silva, 1999), exemplo de uma «homotetia interna» (Cunha e
Silva, 2002, 2003). 32 Este conceito tem a sua origem na teoria do caos. Segundo Battram (2004: 172) trata-se de “um conceito matemático complexo, que explica o comportamento de sistemas dinâmicos usando a ideia de «espaço de fase» – um espaço matemático imaginário, que representa todas as possibilidades de uma situação”. Cunha e Silva (1999: 107) refere que o «espaço de fase» é “um espaço conjectural que permite representar num ponto todas as características (as dimensões de todas as variáveis) do sistema num momento”. 33 Deriva do latim «fractus» que significa fragmento (fractura) que é irregularidade e os fractais constituem-se como uma geometria que pretende explicar a irregularidade dos fenómenos (visíveis) (Cunha e Silva, 2003). Fractal compreende a propriedade de fracturar em modelos semelhantes, à medida que se vai ampliando ou repetindo. A dimensão fractal mede o constante grau de irregularidade de um modelo caótico (Stacey, 1995).
Revisão da Literatura
51
Porventura não se estranha então a vontade expressa por Cunha e Silva
(1999, 2003) de um treinador pretender no seu íntimo ser o «Deus de
Laplace», controlando cada jogo e esperando que as atitudes dos seus
jogadores fossem previstas e articuladas com uma certeza absoluta, e de que
as propriedades topológicas dos movimentos que eles levassem a efeito
fossem as menos variáveis. Todavia, o mesmo autor adverte que a máxima
estereotipia conduz à mínima variabilidade e adaptabilidade (Cunha e Silva,
1999, 2003).
Entenda-se assim que “as equipas funcionam num registo de uma
termodinâmica do não-equilíbrio34, pois só assim é possível desenvolver
mecanismos de auto-organização35 que criem estrutura e sentido a partir da
aleatoriedade” (Garganta & Cunha e Silva, 2000: 6). Admitamos então o que
nos permite entrever a «teoria dos fractais» de que para um fenómeno como
um jogo de Futebol há um padrão irregular que apresenta certas regularidades
(invariantes) e por isso carece de uma modelação (construção) que contemple
essa realidade.
Incumbe-se ao treinador a oportunidade de conjecturar uma determinada
organização para a(s) sua(s) equipa(s), organização que não estereotipe
(«robotize») os comportamentos/movimentos dos jogadores como se fosse
«Laplace», mas sim que lhes proporcione incorrer «in place»36, pelos próprios e
pela equipa (re)conhecido.
O individual (o jogador), na representatividade das posições que ocupa e
sua respectiva funcionalidade em jogo, deve concorrer ao entendimento de que
“um corpo (jogador) móvel é um corpo estático num meio móvel, num espaço
fluído.” (Cunha e Silva, 1999: 163), em que os “lugares por onde passa
organizam-se sob forma de um mapa”, um «corpo cartografante» que se refaz
globalmente ao ocorrerem determinadas alterações pontuais, “transformando a
sua condição «geométrica» numa estrutura viva” (Cunha e Silva, 1999: 27-28).
34 Estado em que o comportamento é facilmente alterado devido a pequenas perturbações ao acaso para uma forma qualitativamente diferente. Implica instabilidade, caos, comportamento fractal (Stacey, 1995). 35 Subentende o caminho para uma forma nova e adaptativa de trabalho em equipa, na qual os indivíduos se gerem a si próprios no interior de fronteiras definidas, ou seja, emerge ordem da auto-organização (Battram, 2004). 36 No sentido de «no lugar» (tradução). Faz repto à ideia de lugar como «não-lugar», ideia já evidenciada anteriormente na literatura em que a posição estabelece um invariável vínculo com as variações em si impostas pela matriz tempo e espaço.
Revisão da Literatura
52
Socorremo-nos de Valdano (2002) para nos elucidar, na medida em que
este reconhece existirem treinadores que quadriculam o terreno de jogo como
se este fosse um tabuleiro de xadrez, procurando converter os jogadores nas
respectivas peças. Advirta-se, todavia, que o jogo de qualidade «tem
demasiado jogo para ser só ciência mas, por outro lado, é excessivamente
cientifico para ser só jogo», ou seja, é algo que não se controla e que é tanto
mais rico quanto mais a individualidade, a contingência, o detalhe, do jogador
aparecer (Frade, 1998, 2005a).
Rego (1997: 18) adianta-nos que “o homem (individual) quer em
movimento quer em situação de jogo deve ser sempre considerado como um
sistema aberto e dinâmico e como tal, um fenómeno total e complexo”. Noutra
escala, ao reportarmo-nos à equipa (colectivo), é inevitável compreender a sua
maior dimensão. Talvez por isso faça sentido a posição de Mourinho (2007a:
45) que apresentamos: “uma coisa é um desporto individual com um homem a
ser preparado para um determinado objectivo e outra é um desporto colectivo
em que um homem, por si só, nada vale. (…) No Futebol, temos de perceber
que onze homens à procura de um objectivo é completamente diferente de um
homem à procura de um objectivo”.
Cabe então ao treinador a posse de um conjunto de ideias de como quer
que a sua equipa jogue, definindo para a mesma os comportamentos
desejados para os jogadores de maneira a que estes tenham um referencial
que os direccione para a manifestação de um jogar, de uma identidade
(Freitas, 2006). Identidade essa que se revê na regularidade da organização
preconizada pela equipa (Amieiro, 2004, 2005).
Já Garganta & Gréhaigne (1999) acrescentam que existe uma
convergência nas acções da mesma equipa, operando como colectivo
organizado de acordo com uma lógica particular, em função de regras e
princípios (Teodurescu, 2003). Frade (2005a) identifica nos princípios de jogo o
contexto (o suporte) do jogar, resultando os mesmos da manifestação
verificada das efectivas características dos jogadores ou da permanente
confrontação que se tem com os adversários.
Revisão da Literatura
53
Frade (1985) parece complementar, ao indagar que a ordem
(organização) de um todo (sistema) transcende o que pode ser oferecido pelo
«conjunto» das suas partes quando estas são consideradas isoladamente
umas das outras.
Sendo constituintes do modelo de jogo criado para a equipa, Guilherme
Oliveira (2003, 2004) e Queiroz (2003b) compreendem então os princípios de
jogo como um conjunto de padrões de comportamento táctico-técnicos que se
querem ver traduzidos pela equipa para os diferentes momentos do jogo
(organização ofensiva e defensiva e respectivas transições ofensiva e
defensiva).
Como o próprio termo indica, «princípio» (de jogo) vai de encontro a um
início e não um fim, ou seja, é fruto de uma «fabricação» inacabada. A
corroborar estão Frade (2005a) e Guilherme Oliveira (2008) entendendo-o
(princípio de jogo) como um início de um comportamento que se quer ver
assumido pela equipa colectivamente e pelos jogadores individualmente.
Por outro lado, importa relembrar que o desenvolvimento do jogo
decorre duma interacção entre uma dimensão mais previsível, induzida por sua
vez pelas leis e princípios do jogo (Cunha e Silva, 2003) e uma dimensão mais
imprevisível, materializada a partir da autonomia dos jogadores, que
introduzem a diversidade e singularidade espácio-temporal dos acontecimentos
(Couto, 2006). Guilherme Oliveira (2008) adianta que esse comportamento do
jogador tem de se inserir dentro de um padrão de jogo, isto é, dentro de uma
organização predeterminada.
Se nos atermos ao facto de que a estrutura de jogo não se dissocia
daquilo que é a dinâmica depreendida para a equipa, ou seja, resultante
daquilo que está definido como modelo de jogo da equipa, então os princípios
de jogo contemplados pelo modelo, ao (sobre)determinarem-se como
invariantes do jogar da equipa, surgem como um «atractor».
De acordo com Guilherme Oliveira (2004), os princípios de jogo
apresentam uma configuração e uma organização fractal uma vez que se
fazem representar como as invariâncias do Modelo, independentemente da
escala (principio, sub-princípio, sub-sub-princípios, …), sendo sempre
Revisão da Literatura
54
representativas do todo. Por outro lado, independentemente do momento do
jogo, os comportamentos podem assumir várias escalas: colectiva
(comportamentos que toda a equipa tem que assumir); inter-sectorial
(comportamentos alusivos à interligação entre diferentes sectores); sectorial ou
grupal (comportamentos que um sector ou grupo de jogadores devem assumir
em função da situação); e individual (comportamentos que determinado jogador
deve assumir numa determinada situação do jogo) (Guilherme Oliveira, 2004).
De acordo com Castelo (2004), através dos princípios de jogo cria-se
uma «linguagem táctica comum» no cerne da equipa, suportada pela
implementação de um conjunto de linhas orientadoras do pensamento táctico
dos jogadores. Diz também que o “princípio do jogo marca o sentido táctico
fundamental da acção dos jogadores perante a situação do jogo,
independentemente do sistema (entenda-se, estrutura) aplicado” (Castelo,
2004: 187).
Todavia, procuramos dar um exemplo de como a(s) estrutura(s) de jogo
se fundem com os princípios de jogo para a expressão do jogar. Silva (2008)
explana que para concretizar, no momento ofensivo, um grande princípio como
a manutenção da posse da bola através da sua circulação em amplitude, uma
equipa deve adoptar um jogo posicional colectivo que permita circular em
amplitude, ou seja, com os jogadores a darem largura em detrimento da
profundidade.
Visando a articulação de sentido com os sub-princípios, a autora admite
o seguinte: “os jogadores da linha média distribuídos em toda a largura do
campo e os avançados a procurarem a bola fundamentalmente perto da linha
lateral. Deste modo, esta relação Específica dos médios com os avançados
(escala intersectorial) é um sub-princípio” (Silva, 2008: 61).
Guilherme Oliveira (2004) conclui que, se a configuração e o
escalonamento dos princípios de jogo for fractal, a interacção dos diferentes
princípios de jogo através da sua auto-organização criada promove uma
«homotetia interna» que evidencia a identidade da equipa. O exemplo anterior
acaba por ir de encontro a tais premissas.
Revisão da Literatura
55
Ainda um outro exemplo se pode extrair das aulas de Metodologia de
Futebol por nós frequentadas, em que um sub-sub-princípio de jogo
relativamente ao momento ofensivo prognosticava o «timing» de definição em
situação de finalização próximo da baliza adversária. Clarificando, numa última
fase de construção ofensiva era pretendido que os jogadores definissem 3
diferentes «linhas» de finalização, não sendo essa definição obrigatoriamente
ao encargo dos mesmos jogadores e em zonas obrigatórias.
Pelo descrito, este sub-sub-princípio parecia promover regularmente
trocas posicionais entre jogadores e movimentações com critério e sentido
posicional para que se garantisse o «timing» certo de resposta ao passe
realizado para concluírem as jogadas. Então, estruturalmente, subentende-se
um acompanhamento do comportamento pretendido, ou seja, a sub-estrutura
representada pelos jogadores que formam o grupo que define, nessa última
fase de construção ofensiva, «deforma-se» para que se garanta o que é
pretendido em termos de jogo.
Ao passarmos desta escala mais «micro» para uma escala mais
«macro», ou seja, não nos confinarmos apenas àquele grupo de jogadores
envolvidos na concretização das situações de finalização mas respeitarmos
agora a equipa na sua totalidade, reequacionamos a questão procurando a
realidade que melhor se coadunasse com tais comportamentos privilegiados.
Pelo que temos vindo apresentar, inferimos que tais comportamentos
deveriam associar-se mais a uma equipa que procure uma circulação de bola
apoiada, com aproximações ao último terço do terreno com os jogadores bem
posicionados em relação à posição da bola e apresentando, por articulação,
uma estrutura de jogo com várias «linhas» (transversais e longitudinais) de
maneira a fazer chegar regularmente vários jogadores a zonas de
concretização.
Por outro lado, inferimos que tais comportamentos para o momento
ofensivo deveriam associar-se menos a uma equipa que mal recupere a bola,
«lança» de imediato um ataque à baliza contrária, uma vez que a propensão
para colocar vários jogadores disponíveis a definirem - concentrada e
Revisão da Literatura
56
atempadamente - as «linhas» de finalização seria bem menor
comparativamente à equipa anterior.
Visto ser a estrutura que corporiza os comportamentos que se querem
ver traduzidos pela equipa colectivamente e pelos jogadores individualmente,
independentemente da organização estrutural que se venha a privilegiar,
parece haver uma forte ligação da estrutura e da sua respectiva organização
face à dinâmica que os princípios incutem.
Metodologia
57
3. Metodologia
3.1. Objectivos do estudo
O sujeito deve permanecer aberto, desprovido de um princípio de resolubilidade nele mesmo; o próprio objecto deve permanecer aberto, de um lado sobre o sujeito, e do outro sobre o seu
meio, o qual, por sua vez se abre necessariamente e continua a abrir-se para lá dos limites do nosso entendimento (Morin, 2003: 65).
Chegados a este ponto do estudo, como consequência lógica à seriação
de informação elaborada na nossa revisão da literatura, apresentamos aqueles
que são os objectivos condutores do nosso trabalho.
Este estudo tem então como objectivo geral:
- sistematizar um quadro de ideias, através do cruzamento da
informação obtida na revisão da literatura e daquela resultante da inquirição, de
modo a aferir o entendimento de organização estrutural/posicional face àquilo
que se perspectiva como organização do jogar de uma equipa de Futebol.
Destro deste, podemos designar como objectivos específicos:
- explorar os entendimentos de estrutura de jogo (organização
estrutural), sistema de jogo e modelo de jogo;
- indagar sobre a importância da organização estrutural no jogar
representativo de uma equipa;
- perspectivar a organização estrutural de acordo com a dinâmica de
articulação dos momentos de jogo;
- inferir acerca das implicações resultantes de um exacerbar ou descurar
organizacional estrutural/posicional no jogar das equipas;
- identificar eventuais organizações estruturais de jogo a serem
utilizadas no futuro face às tendências evolutivas do Futebol a nível mundial.
Metodologia
58
3.2. Material e Métodos
What we discover by doing research is just how complex the world is. When we answer some questions, we raise others. And no matter how well thought out we think our project is at the
beginning, there always are those unanticipated twists and turns along the way that lead us to rethink our positions and question our methods and to let us know that we are not as smart as
we think we are. (Strauss & Corbin, 1998: 55)
3.2.1. Caracterização da Amostra
Como já o referimos, este trabalho pretende incidir sobre uma
população-alvo cuja área de ligação ao fenómeno Futebol fosse diversa, mas
que compreendesse uma interligação profunda, em primeira instância, com o
conhecimento em Futebol e, em segunda instância, com o entendimento
respeitante à(s) estrutura(s)/«sistema(s)» de jogo.
Nesta perspectiva, quer a selecção quer a caracterização da nossa
amostra vão de pleno encontro ao que Ghiglione & Matalon (2000: 58)
advertem: “uma amostra representativa da população em estudo pode ser
pouco prática, porque, por exemplo, certos grupos estariam insuficientemente
representados ou porque certas relações seriam difíceis de evidenciar. (…). É
necessário substituir a noção global de representatividade por uma noção mais
ampla, a de adequação da amostra aos objectivos estabelecidos (…)”.
Pensamos que a seguinte amostra, pela possibilidade em aprofundar as
questões envolventes à temática e pelos diferentes ângulos que pode abarcar,
poderia sobremaneira ir de encontro aos objectivos por nós estabelecidos.
Então, como inquiridos constituintes da nossa amostra estão:
� Agostinho de Oliveira – treinador (adjunto) da Selecção Nacional A
Portuguesa;
� Luís Freitas Lobo – jornalista, analista de Futebol, cronista do jornal
desportivo «A Bola»;
� André Vilas Boas – observador de jogo, elemento da equipa técnica do
Inter de Milão.
Metodologia
59
3.2.2. Recolha de Informação
3.2.2.1. Construção e realização das entrevistas
Para responder ao implicado nos objectivos por nós delimitados torna-se
fundamental a escolha de um instrumento para recolher as informações nesta
fase do estudo. Assim surge o inquérito por entrevista como a ferramenta que
melhor se adequa à natureza qualitativa deste estudo.
Bogdan & Biklen (1994), Quivy & Campenhoudt (2003), Ghiglione &
Matalon (2005), estão conformes com a orientação da entrevista semi-directiva
como aquela que permite ao entrevistado falar livremente/abertamente, com o
seguimento de ideias e de palavras que lhe convier, dando-lhe autonomia para
moldar o conteúdo.
Como o que pretendemos é a obtenção das ideias dos entrevistados,
esta surge como um instrumento, mais do que válido, capaz de potenciar a
obtenção junto dos entrevistados das suas opiniões e crenças sobre o que é
inquirido.
Pretende-se com a entrevista semi-estruturada aprofundar um
determinado domínio (temática visada) ou verificar a evolução de um domínio
já conhecido (Ghiglione & Matalon, 2005), sendo possível através da recolha
de informação provinda dos próprios entrevistados que possibilitam ao
investigador desenvolver intuitivamente uma ideia sobre a maneira como os
entrevistados interpretam certos aspectos (Bogdan & Biklen, 1994).
Assim procedemos à realização de um significativo conjunto de questões
que permitam perfilhar vários ângulos de abordagem à organização estrutural,
ângulos esses subordinados a uma lógica sistémica que julgamos ser a mais
ajustada face ao fenómeno em causa, o Futebol. Desta maneira, torna-se
possível respeitar as conjecturas pessoais e as concepções particulares de
cada entrevistado, garantindo, com a diversidade e o carácter aberto das
questões constituintes da temática, uma recolha de informação mais passível
de identificação e associação com o pretendido para este estudo.
Esse guião de entrevista passou por várias reformulações, passando
cada revisão pela análise do orientador, até à obtenção do guião final a utilizar.
Metodologia
60
Terminada esta fase de construção passámos à sua aplicação, tendo
sido os inquéritos realizados entre os dias 29 de Julho a 14 de Setembro de
2009.
Os inquéritos foram realizados em locais escolhidos por mútuo acordo
entre as partes envolvidas. A entrevista a Agostinho de Oliveira realizou-se na
sua própria residência em Guimarães e a entrevista a Luís Freitas Lobo
ocorreu nas instalações da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto.
Já a entrevista a André Vilas Boas foi conseguida por correspondência
electrónica, uma vez que esta foi a forma possível e mais viável encontrada na
altura para garantirmos a sua inclusão no estudo e darmos continuidade ao
mesmo em virtude de conseguirmos cumprir os seus prazos de conclusão e
entrega. Realce-se que, como o período correspondente à recolha de
informação coincidiu precisamente com a altura de início da época desportiva,
vários foram os compromissos profissionais envolvendo jogos fora do país por
parte de André Vilas Boas que, conjuntamente com compromissos profissionais
de nossa parte, conduziram inevitavelmente à impossibilidade de o
entrevistarmos pessoalmente.
Antes da entrevista, a todos foi dado a conhecer a natureza do estudo.
As entrevistas realizadas «in vivo» foram gravadas com autorização dos
entrevistados através de um gravador Sony e depois transcritas através do
programa Microsoft Office Word 2003 de forma a reproduzir o argumentado por
cada entrevistado e documentar os dados para posterior análise e discussão.
Antes da entrevista, a todos foi dado a conhecer a natureza do estudo.
As entrevistas realizadas «in vivo» foram gravadas com autorização dos
entrevistados através de um gravador Sony e depois transcritas através do
programa Microsoft Office Word 2003 de forma a reproduzir o argumentado por
cada entrevistado e documentar os dados para posterior análise e discussão.
3.2.2.2. Análise e interpretação das entrevistas
Concluída a recolha de informação, ou mais concretamente, concluída a
transcrição dos «depoimentos» dos inquiridos, dá-se início a um outro
momento que é o da análise e respectiva interpretação dos enunciados.
Recorre-se neste caso à análise de conteúdo.
Metodologia
61
Por análise de conteúdo entendamos, segundo Bardin (2004), um
conjunto de instrumentos metodológicos que se aplicam a diversificados
«discursos». Quivy e Campenhoudt (2003: 227) complementam, referindo que
o “lugar ocupado pela análise de conteúdo na investigação social é cada vez
maior, nomeadamente porque oferece a possibilidade de tratar de forma
metódica informações e testemunhos que apresentam um certo grau de
profundidade e de complexidade, como, por exemplo, os relatórios de
entrevistas pouco directivas”.
A análise de conteúdo adequa-se assim a respostas a perguntas abertas
de inquéritos cujo conteúdo é de imediato identificável por temas (Bardin,
2004). Visto estar imbricado neste estudo um objecto complexo – centrado num
domínio específico do Futebol – do qual é pretendido extrair uma
sistematização aprofundada de ideias, o conhecimento derivado do conteúdo
das entrevistas torna-se fundamental. Ghiglione & Matalon (2005: 185)
acrescentam mesmo que uma “análise de conteúdo não tem sentido se não for
orientada para um objectivo. Procurar saber o que existe num texto, sem mais,
não tem outra resposta que o próprio texto.”
A análise conteúdo tem como fim inferir de acordo com uma plataforma
lógica explanada sobre mensagens cujas características foram enumeradas e
sistematizadas (Vala, 1986).
Surge então a formulação de categorias de análise, de maneira a se
adaptarem ao problema e conteúdo a analisar, como central na exequibilidade
da análise de conteúdo (Ghiglione & Matalon, 2005). Por categoria entenda-se
o que é composto por um termo-chave que indicia a significação de um
conceito e de outros indicadores que descrevem o seu campo semântico que
quer apreender (Vala, 1986).
Relativamente ao momento de construção do sistema de categorias,
Vala (1986) refere ser possível um processo a priori ou a posteriori. A priori,
associa-se à detecção de uma presença ou ausência de categorias no corpus37
que foram definidas antes desse corpus, a partir do quadro teórico
desenvolvido pelo investigador. A posteriori, surge em resultado da exploração
37 “O corpus é o conjunto dos documentos tidos em conta para serem submetidos aos procedimentos analíticos” (Bardin, 2004: 90). O corpus é “constituído pelo discurso de um certo número de pessoas, todas interrogadas segundo a mesma técnica” (Ghiglione & Matalon, 2005). A técnica, neste caso, é o inquérito por entrevista.
Metodologia
62
do corpus estabelecendo o quadro categórico que releve a problemática e o
conteúdo em análise (Vala, 1986).
Este procedimento possível a posteriori tornou-se fundamental neste
estudo. Compreenda-se que esta temática permeabiliza a construção dos
conteúdos por parte dos entrevistados de uma forma tanto singular como
diversa, pela incontornável subjectividade implícita nos seus «testemunhos».
Por outro lado, é uma problemática que estabelece conexões com várias outras
dentro do fenómeno Futebol, sendo difícil um carácter exploratório da mesma
que exponha o conhecimento produzido estruturado em «compartimentos»
ausentes de conexões e interligações que são necessárias de se efectivarem.
Portanto, não só mas também pelas limitações38 que o nosso estudo
encetou, não adicionámos novas categorias mas reformulámo-las no sentido
de melhor as organizar para com o próprio corpus de estudo gerado e para que
se pudessem mais facilmente identificar com o quadro bibliográfico por nós
engendrado.
Assim, apresentamos a nossa organização por categorias,
compreendendo duas grandes categorias, sendo que a primeira categoria se
ramifica em duas subcategorias e a segunda categoria em quatro
subcategorias:
C1 – Organização de Jogo
SC1.1 – Modelo de jogo
SC1.2 – Organizações estruturais de jogo
C2 – Organização estrutural (posicional) do jogar
SC2.1 – Organização ofensiva
SC2.2 – Transição defensiva
SC2.3 – Organização defensiva
SC2.4 – Transição ofensiva
Como justificação da definição de tal sistema categorial deveu-se a
tentativa de aproximação, como já o evidenciámos, a uma categorização
coerente e congruente com um paradigma sistémico que sustente o fenómeno
Futebol e mais concretamente o jogar das equipas, desenvolvido em revisão
bibliográfica. Para tal, urgiu a necessidade de apresentar uma ordenação de 38 Ver ponto seguinte.
Metodologia
63
categorias e subcategorias em respeito com uma condição «fractal» face a um
fenómeno dinâmico complexo como é o Jogo.
Quanto às duas grandes categorias não mais são do que constituintes
de um mesmo «todo», sendo a primeira categoria (C1 – Organização de Jogo)
de escala maior à segunda categoria (C2 – Organização estrutural [posicional]
do jogar) e esta última passível de constituir-se como «parte» de um «todo»
que a primeira possa representar. Adiante-se, portanto, que é objectivo da
primeira categoria enunciar propriedades implícitas ao Jogo e ao jogar singular
das equipas, nomeadamente pelo facto da organização ser um conceito que
“não se reduz a algumas regras estruturais” (Silva, 2008), que possam
estabelecer conexões com a especificidade que a segunda categoria encerra,
visto ser esta última o principal motivo de realização deste trabalho.
Assim, na Organização de Jogo (C1) incorre-se no perceber a
importância da organização no Futebol a top e apresentar o que se entende por
cada um dos momentos de jogo que se encontram convencionados no Futebol
(organização defensiva e defensiva e respectivas transições).
Dentro desta categoria encontramos o Modelo de jogo (subcategoria
SC1.1) e as Organizações estruturais de jogo (subcategoria SC1.2).
A pertinência do Modelo de jogo (subcategoria SC1.1) como «parte»
integrante das subcategorias recai no facto de que, para além de se
compreender nos parâmetros pressupostos pela Organização de Jogo
(categoria C1), estabelece os fundamentos que sustentam o Jogo como um
sistema de sistemas (Silva, 2008) dinâmico e complexo. Segundo Guilherme
Oliveira (2004) é o Modelo que estabelece a operacionalização de uma
concepção que visa o plano da organização das ideias e dos comportamentos
que se pretendem ver traduzidos para a equipa no seu jogar. Sem a presença
desta subcategoria não faria sentido a abordagem à nossa temática.
Quanto à subcategoria Organizações estruturais de jogo (SC1.2) é
nossa pretensão realizar um primeiro enquadramento com a organização
estrutural, focando genericamente questões que se prendem com a percepção
de estrutura de jogo, sua importância no jogar das equipas e variabilidade
presente e futura de utilização de determinadas estruturas.
Metodologia
64
Na categoria Organização estrutural (posicional) do jogar (C2), o
principal objectivo passa por se dar maior contextualização, especificidade e
consequente profundidade à abordagem já estabelecida.
No seguimento do desenvolvido nas anteriores categorias procuram-se
as inter-relações e interacções necessárias com aquilo que a estrutura de jogo
de uma equipa representa no jogar da própria equipa, sistematizando-se
aspectos e ideias que aprofundem o conhecimento.
A própria formulação das subcategorias vem servir como complemento à
sua grande categoria de referência e à lógica de ideias precedentemente
desenvolvidas, estimando confluir as particularidades do comportamento
organizacional da estrutura de jogo no respeito pelos diferentes momentos de
jogo - Organização ofensiva (SC2.1), Transição defensiva (SC2.2),
Organização defensiva (SC2.3), Transição ofensiva (SC2.4) - entrevendo uma
inter-acção entre os quatro momentos invariavelmente identificativa («fractal»)
do jogar que se perspectiva.
De acordo com Ghiglione & Matalon (2005), uma vez concluído o
trabalho de definição de categorias, torna-se oportuno analisar a entrevista.
Bardin (2004) concorrendo com os anteriores autores, apresenta-nos três tipos
de unidades de análise a considerar: a unidade de registo; a unidade de
contexto; e a unidade de enumeração.
Por unidade de registo entenda-se o segmento de conteúdo mínimo
tomado em consideração, como p.e. uma «frase», colocado numa determinada
categoria (Ghiglione & Matalon, 2005). A unidade de contexto, por sua vez,
corresponde a um segmento de mensagem maior comparado ao da unidade de
registo (Vala, 1986), promovendo uma melhor significação da unidade de
registo (Bardin, 2004). E, por último, a unidade de enumeração é aquela que
procede à quantificação, ou seja, tem a ver com diversos modos de contagem
que podem ser realizados (Bardin, 2004).
As unidades de contexto parecem-nos ser as mais ajustadas para as
pretensões deste trabalho, porque são as que melhor convergem com as
seguintes pretensões que temos para este estudo:
- incutir um carácter exploratório e não de confirmação de enunciados;
Metodologia
65
- promover a complementaridade e não a subjugação a certas reduções
que possam advir pelo respeito estrito de determinadas unidades de análise;
- e procurar as premissas anteriores face a uma amostra seleccionada
no critério da heterogeneidade da forma como a temática poderia ser sensível
a cada um dos seus elementos.
3.2.2.3. Limitações encontradas
Antes de iniciarmos a apresentação e discussão dos resultados urgiu-se-
nos a criação de mais um ponto neste capítulo, reservado exclusivamente às
limitações encontradas nos procedimentos metodológicos adoptados.
Evidenciamos antecipadamente a plena consciencialização de nossa
parte quanto à verificação de certas ocorrências menos positivas traduzidas
numa espécie de incumprimento de certos requisitos normativos da
investigação académico-científica. Assim, passamos a apresentar aquelas que
foram as principais limitações com as quais nos deparámos.
Relativamente ao ponto “Recolha de Informação” (3.2.2.) reconhecemos
que a amostra compreendida poderia (e deveria) ser mais ampla, isto se as
condições de realização fossem outras, nomeadamente o tempo para
tratamento dos dados e a disponibilidade dos respectivos elementos
seleccionáveis uma vez que os inclusos na amostra são representativos de
uma classe anexa ao fenómeno em estudo (Futebol a top) cujo contexto
profissional exige (outros) compromissos de elevada responsabilidade, o que
torna a acessibilidade aos mesmos, de certo modo, bastante reservada.
Ainda dentro deste ponto, mas concentrando-nos na parte da “realização
das entrevistas”, duas entrevistas apresentaram aspectos particulares a
destacar por não convergirem totalmente com as directrizes específicas
associadas àquilo que deve corresponder uma entrevista semi-directiva ou
semi-estruturada.
Uma das entrevistas, fruto de uma solicitação do próprio inquirido, não
se procedeu por orientação de um guião pré-estabelecido que conduzisse a
própria entrevista, ou seja, acabou a própria entrevista por assumir contornos
próximos a uma entrevista tipo não-directiva. No entanto, realçamos o esforço
em depreender junto do inquirido as questões essenciais perante o discurso
Metodologia
66
por si construído, concedendo ao mesmo liberdade e autonomia para
expressar as suas ideias e concepções.
Numa outra, porém, deparámo-nos mesmo com a impossibilidade de
seguir certas directrizes específicas implicadas na realização de uma entrevista
semi-estruturada, nomeadamente o facto de não ter sido uma entrevista «in
vivo», «in loco», uma vez que o entrevistado se limitou à resposta, via correio
electrónico, a questões pré-estabelecidas, algumas delas omissas de resposta
por parte do entrevistado. No entanto, a disponibilidade e o esforço revelados
pelo próprio foram considerados um impulso suficiente e plausível à sua
inclusão no estudo, mas sobretudo o seu discurso resultante foi reconhecido
como um contributo enriquecedor para a “discussão” a produzir sobre tal
problemática.
Por último, pela interacção legítima de todos os procedimentos que este
capítulo encerra, compreende-se a reorganização das categorias pré-
estabelecidas no domínio da análise das entrevistas. Todavia, não se interprete
essa reorganização como uma adaptação face às limitações encontradas, mas
uma forma encontrada de melhor compreender o corpus resultante para uma
apresentação e discussão dos resultados mais lógica e interligada.
Análise e Discussão das Entrevistas
67
4. Análise e Discussão das Entrevistas
Pela apresentação e discussão das entrevistas neste estudo
entendemos o capítulo de confluência entre aquilo que foi desenvolvido na
revisão bibliográfica, o sistema categorial criado em virtude dos objectivos
pretendidos e o enquadramento possível da informação obtida da amostra
seleccionada.
Neste espaço vemo-nos confinados a interpretar, associar e comparar,
com a intenção de contribuir para uma investigação orientada para o
conhecimento.
4.1. (C1) Organização de Jogo
“A organização abrange simultaneamente um estado e um processo, podendo dizer-se que ela implica a ideia de uma forma de optimização dos componentes de
um sistema e do seu arranjo” (Garganta, 1997: 138)
A categoria “Organização de Jogo” contempla em si duas subcategorias:
� SC1.1 – Modelo de jogo
� SC1.2 – Organizações estruturais de jogo
A presença destas duas subcategorias surge de uma necessidade já
evocada: garantir uma abordagem sistémica na categorização acerca da
temática. Assim, compreendendo a “Organização de Jogo” como uma
realidade situada numa escala macro, as subcategorias “Modelo de jogo” e
“Organizações estruturais de jogo” não se dissociam da realidade anterior mas
sim coexistem (são «parte») em identificação profunda com a categoria.
É sabido que o conceito de organização pré-existe ao conceito de
organização de jogo, em que este último confere uma especificidade própria
pelo contexto em que se insere. Nesta medida, faz sentido compreender a
organização na especificidade deste contexto e saber até que ponto o «Futebol
jogado» carece de organização.
Embora oferecendo-nos ideias que sendo diferentes se tornam
complementares, os nossos entrevistados vão de encontro ao que
desenvolvemos em revisão relativamente à necessidade da organização de
Análise e Discussão das Entrevistas
68
jogo se edificar num princípio «dialógico» com respeito à «indivisibilidade dos
momentos de jogo», momentos esses que estão convencionados na literatura
– organização ofensiva e defensiva e transição ofensiva e defensiva.
Luís Freitas Lobo (Anexo III) desde logo realça que o jogo se trata de um
confronto entre duas organizações (equipas), vencendo quem se desorganizar
menos em função da organização adversária.
Agostinho Oliveira (Anexo II), por seu turno, coloca mesmo a
legitimidade da ordem-desordem e desordem-ordem num jogo, na constatação
de uma equipa se «alimentar» não só dos procedimentos dos seus jogadores
mas também dos procedimentos do adversário.
Chegando a questionar se todos os treinadores pensam em como gerir
organização e caos, ordem e criatividade, André Vilas Boas (Anexo IV) aponta
que a “equipa que deseje ser competitiva no meio onde está inserida deve
obrigatoriamente ser organizada no seu todo.”
É constatável que num jogo, as duas equipas, os dois sistemas, as duas
estruturas, que visam o confronto entre si numa competição utilizando
diferentes formas de conseguir os objectivos pretendidos, definam uma
organização colectiva (e individual) reconhecível à própria equipa (e
jogadores).
No sentido de melhor contextualizarmos a organização de jogo, vejamos
o que os entrevistados têm a dizer quanto à organização de acordo com os
momentos de jogo.
“O jogo é um contínuo de acção. (…). A tua intenção como equipa é
organizares em regime de transito defesa-ataque, é organizares-te para ir para
o ataque não é? Mas (…) pode fazer com que a esta situação de ataque
imediato, passes a ter que reagires mentalmente e rápido para uma situação
defensiva. (…).” Agostinho Oliveira (Anexo II)
“Vejo sobretudo o jogo como o controlo dos espaços e por isso acho que as
equipas devem ser equilibradas nesses quatro momentos que referiste, por
isso não acredito, nem nunca escrevi, em equipas de ataque ou equipas de
defesa, futebol atacante ou futebol defensivo, porque é uma forma de definição
que, desde logo, quebra o jogo que por natureza é inquebrantável…” Luís
Freitas Lobo (Anexo III)
Análise e Discussão das Entrevistas
69
“…o que é atacar sem defender ou transitar? O que é defender sem atacar ou
transitar? (…) não há organização ofensiva sem pensamento em equilíbrio
defensivo e antes desse equilíbrio sem ideia de transição. Tal como não há
organização defensiva sem pensamento ofensivo e sem ideia de exploração de
uma transição ofensiva. Na organização do jogar contam os momentos de jogo
sem dúvida, mas conta também a relação constante que há entre uns e
outros.” André Vilas Boas (Anexo IV)
Pelo descrito, parece existir um entendimento semelhante entre os
entrevistados de que os momentos de jogo devem ser interpretados como
«partes» em interacção num «todo» que é o jogar de uma equipa,
profundamente inter-relacionáveis porque o meio (o Jogo) é instável e não-
linear o que obriga cada equipa a procurar auto-organizar-se face a esta
natureza do contexto. Como tal, sendo cada momento uma «parte» do mesmo
«todo», fará mais sentido que haja um comportamento organizacional da
equipa congruente na passagem de uns momentos para os outros.
A este respeito da equipa ser organizada como um «todo», André Vilas
Boas (Anexo IV) define esse todo como o jogo e o seu modelo, assim como a
estrutura e a sua funcionalidade. Por sua vez, Luís Freitas Lobo (Anexo III)
remete para a noção de organização “uma série de ligações e de sectores,
linhas ou comportamentos no jogo que faz com que depois a equipa esteja
sempre equilibrada, que esteja sempre ligada, que tenha sempre um
comportamento orgânico em campo”.
No depoimento de Agostinho Oliveira (Anexo II) encontramos, porém,
uma advertência relativamente ao enquadramento feito em relação aos
momentos. O entrevistado, suportando-se no carácter dissipativo39 de um jogo
de Futebol, em que a organização de uma equipa “será sempre uma
organização que sobrevive…da fragilidade da outra…”, ou seja, aquilo que a
nossa equipa (equipa/jogadores) é capaz de fazer também depende muito
daquilo que o adversário (equipa/jogadores) é capaz de fazer, faz menção ao
plano do individual/jogador no intuito de ser este quem decide/age
determinando as (con)sequências do jogo. 39 Fonseca et al. (2001) entendem por processo dissipativo o estado em que se dá troca de energia e informação entre o sistema e o meio envolvente, em que dessa dissipação pode emergir um novo padrão ordenado de comportamento. O entrevistado fez a analogia do jogo entre duas equipas com o conceito de «estrutura dissipativa» da autoria de Ilya Prigogine.
Análise e Discussão das Entrevistas
70
Desta forma, desde a qualidade do passe e recepção, p.e., às
movimentações e posicionamentos adoptados, é ao jogador que cabe
determinar a fluidez e sentido de um jogo, servindo isto para a própria equipa
como para a equipa adversária.
Este parêntesis testemunhado pelo anterior entrevistado é muito
importante, porque se relaciona com algo por nós observado em revisão
relativamente à sobredeterminação do jogar fruto dos jogadores utilizados e
interacções que os mesmos estabelecem entre si, em que qualquer alteração
nestas duas condições verificadas resulta numa alteração desse mesmo jogar.
A ressalva do entrevistado quanto à enumeração de aspectos que implicam no
desempenho individual dos jogadores, estando implicitamente conexo ao tipo
de interacções que se estabelecem no jogar, torna-se um pertinente
complemento.
Relativamente ao avançado pelos entrevistados sobre os momentos de
jogo, servimo-nos apenas de breves citações no sentido de os caracterizar e
criar uma linha condutora para aquilo que serão as categorias posteriormente
retratadas.
“ «Amplitude e Profundidade (…) Criação e aproveitamento dos espaços». (…)
Quando desequilibras obrigas a quê? A atraíres uma nova marcação. Se atrais
uma nova marcação libertas um novo espaço.” Agostinho Oliveira (Anexo II)
“…organização ofensiva será quando a equipa está em posse de bola no meio
campo adversário já numa fase de construção/definição da jogada;” Luís
Freitas Lobo (Anexo III)
“Organização Ofensiva: o modo como (…) potencio os meus princípios de jogo
para poder criar um determinado número de oportunidades de golo que me
permitam vencer o jogo.” André Vilas Boas (Anexo IV)
“ «Desorganizado, preparar para ocupar posições que se tem que assumir». É
exactamente isso, porque quando passas de uma situação para a outra, este
espaço mental de reagir em relação a, é talvez a coisa mais importante nas
transições.” Agostinho Oliveira (Anexo II)
Análise e Discussão das Entrevistas
71
“…perceber também que falar em transição é um conceito demasiado vago,
porque há várias formas de fazer uma transição. (…) todas estas diferenças de
formas de transição são que fazem com que a equipa esteja ou não
devidamente organizada depois desses tais momentos defensivos ou
ofensivos.” Luís Freitas Lobo (Anexo III)
“Transição Defensiva ou ataque-defesa: acções conjuntas tomadas após a
perda imediata da posse de bola. Também dependente das nuances
estratégicas para o jogo, como por exemplo transição para bloco ou transição
para pressionar e limitar o adversário de um modo imediato.” André Vilas Boas
(Anexo IV)
“…não teres a posse da bola e teres atitudes: vais procurar a bola, vais
pressionar o adversário, vais bascular no sentido da pressão, vais tentar retirar
a bola.” Agostinho Oliveira (Anexo II)
“…organização defensiva seria não ter a bola, estar num momento de tentativa
de recuperação com as linhas mais baixas.” Luís Freitas Lobo (Anexo III)
“Organização Defensiva: o modo como eu potencio os meus princípios de jogo
de modo a ter uma unidade compacta que me permita reduzir a um mínimo a
criação de oportunidades por parte do adversário.” André Vilas Boas (Anexo IV)
“Quando recuperas, o colectivo, que é que tem de fazer? Campo grande. Se
recuperas e imediatamente como primeira opção tens uma linha de passe mais
distanciada, mais profunda, ou então sair a jogar mais pela certa…Acontece
que a falta de colaboração global condiciona o tempo de execução.” Agostinho
Oliveira (Anexo II)
“…até nos comentários, «a equipa não está a fazer bem as transições»; «uma
equipa não é forte nas transições», mas que tipo de transições? É uma
transição individual? É uma transição apoiada entre linhas? É uma transição
em segurança? Eu posso fazer uma transição defesa-ataque fazendo um
passe atrasado.” Luís Freitas Lobo (Anexo III)
“Transição Ofensiva ou defesa-ataque: acções conjuntas, tomadas
imediatamente a seguir à conquista da posse de bola, onde se podem
potenciar, de acordo com o que se pretende em termos estratégicos, uma
transição para posse (entenda-se, para manutenção da posse de bola e
Análise e Discussão das Entrevistas
72
passagem a organização ofensiva) ou uma transição mais vertical para
explorar a desorganização do adversário.” André Vilas Boas (Anexo IV)
Antes de mais importa realçar que os pontos de vista apresentados
revelam noções diferenciadas entre os entrevistados quando especificamente
confrontados com aquilo que envolve os momentos de jogo. Enquanto
observamos que as diferenças entre Luís Freitas Lobo e André Vilas Boas
recaem sobre a sua perspectiva pessoal sobre o que se deve entender por
cada um dos momentos, da parte de Agostinho Oliveira, pela forma como
explanou o seu discurso, tornou-se necessário recorrer ao seu próprio
enquadramento de ideias – noções relacionais entre os padrões de
comportamento colectivo e os elementos estruturais do jogo como o espaço e
tempo – alusivo aos quatro momentos para daí extrairmos o teor lógico aqui em
causa.
Independentemente das diferenças, a organização de ideias dos
entrevistados, sobretudo por parte de Agostinho Oliveira e Luís Freitas Lobo,
parece-nos antever o jogar de uma equipa de acordo com o que nos é revelado
por Frade (1998: 14), ou seja, entender o jogar (o «todo») como um conjunto
de “dinâmicas embora não-lineares mas onde se instalam correspondências,
ou seja, a defesa é a tábua de chamada para o ataque, o ataque é o ponto de
referência para a defesa”.
De Agostinho Oliveira apercebemo-nos das necessárias concertações
colectivas para traduzir determinadas intenções específicas do momento em
que a equipa se encontra e faz menção às ligações existentes entre os
momentos.
De Luís Freitas Lobo podemos relevar que, independentemente de
especificar as intencionalidades próprias que os momentos singularmente
podem assumir, os momentos se encontram articulados e devem conter
sempre uma certa organização, chegando a complementar que “as melhores
equipas são aquelas que conseguem sempre estabelecer nós entre uns e
outros, até ao ponto de tu muitas vezes não conseguires distinguir…” (Luís
Freitas Lobo, Anexo III).
Análise e Discussão das Entrevistas
73
Já de André Vilas Boas (Anexo IV) destaque-se a referência às “acções
conjuntas” para os momentos de transição da defesa para o ataque e do
ataque para a defesa, à “unidade compacta” em referência à organização
defensiva e aos “princípios de jogo”, que quanto a nós inferem para uma noção
colectiva de perspectivar o jogar de uma equipa e tudo aquilo a que essa noção
está afecta.
O jogar é interacção porque é colectivo e o colectivo resulta das
individualidades em inter-relação permanente. Portanto, a interacção confere
uma articulação de sentido entre os momentos de jogo, uma articulação não
descaracterizadora de uns com os outros por necessidade desse jogar que se
pretende.
O próximo ponto, em que discorremos sobre o Modelo de jogo, é sem
dúvida uma «tábua de chamada» para melhor compreender que, conforme as
ideias associadas a cada momento de jogo e as relações que as mesmas
estabelecem na interligação entre os quatro momentos, daí resultará um jogar
diferente de um outro em que essas ideias e relações sejam diversas,
implicando interligações entre os momentos igualmente diversas.
4.1.1. (SC1.1) Modelo de jogo
“Cada pessoa trás dentro da sua cabeça um modelo mental do mundo, uma representação subjectiva da realidade externa…” (Toffler, 1970, cit. por Tavares, 2003)
…há uma realidade na componente de exteriorização de determinado tipo de modelos. Podes ter a certeza daquilo que te vou dizer, é que é mais feita na influência do jogador para o modelo do que do modelo para o jogador. (Agostinho Oliveira, Anexo I)
O modelo de jogo surge então equacionado desde cedo nesta
problemática, junto dos entrevistados, por parecer ser um conceito fundamental
na concepção e construção do jogar das equipas, ou seja, também na sua
organização.
Por um motivo de encadeamento lógico das ideias procurou-se saber
inicialmente por parte dos inquiridos o que entendem por este conceito.
Pela especificidade que o contexto selecções nacionais de Futebol
encerra, Agostinho Oliveira apresenta um quadro discursivo que pronuncia
aspectos que terão importância em serem discutidos mais à frente neste ponto,
mas que não se focam concretamente no conceito de Modelo de jogo. No
Análise e Discussão das Entrevistas
74
entanto, são várias as citações que permitem inferir relevância atribuída a este
conceito pelo próprio: “Eu tenho que modelar…”; “...e modelas a perspectiva de
uma estrutura baseada em função…”; “…tudo muito bonito desde que o
treinador tenha modelado para o efeito…” (Agostinho Oliveira, Anexo II).
Sobre o que se pode entender por modelo de jogo, Luís Freitas Lobo
(Anexo III) faz uma analogia com o que se entende por filosofia de vida. O
inquirido afirma que as “pessoas têm uma forma de estar na vida, têm
determinados princípios, (…) valores de comportamento, de relações entre as
pessoas…”. Num sentido semelhante incorre André Vilas Boas (Anexo IV), ao
entender o modelo de jogo como um “conjunto de princípios de jogo que
constituem a base do teu Jogar e que é o único referencial pelo qual deves
iniciar a construção do teu modelo de treino.”
Por parte de todos se percebe que o modelo se associa a dinâmicas
idealizadas sobre o que se quer ver traduzido pela equipa nos diferentes
momentos, dinâmicas essas que se associam à realidade dos princípios de
jogo.
“Ora bem, há situações, tu tendo a posse da bola ou não tendo a posse da
bola, que deves organizar para que possas começar a criar os princípios na tua
equipa.” Agostinho Oliveira (Anexo II)
“No Futebol é um pouco a mesma coisa sobre que valores tu gostas de
defender! Gostas de defender o quê? Um Futebol de passe curto, que privilegie
a posse, que dê largura à equipa (…) Ou preferes antes viver de outra forma,
de uma forma mais acelerada, de um passe mais longo, procurando bolas em
profundidade, (…) chegar o mais rápido possível à baliza adversária…” Luís
Freitas Lobo (Anexo III)
“Tudo o que tu defendes e tudo o que tu queres como jogo para a tua equipa.
(…) O modelo e os princípios que defendes para a tua equipa estão (…)
intimamente ligados entre si…” André Vilas Boas (Anexo IV).
A forte representatividade dos princípios para expressão de um jogar
depreende-se então de todos os inquiridos. Então, parece fazer-se relegar
Análise e Discussão das Entrevistas
75
extrema importância ao modelo de jogo por aquilo que o mesmo contempla e
representa na identificação do jogar de uma equipa, depreendendo-se,
portanto, que a ordem de grandeza abrangida pelo modelo de jogo é superior
àquela que se resume aos «arranjos» estruturais considerados no jogar de
uma equipa.
Entretanto, ao papel que assiste ao modelo de jogo na organização do
jogar de uma equipa parecem entrelaçarem-se certos pressupostos contidos na
relação estabelecida pelos inquiridos entre os princípios de jogo constituintes
do modelo e a funcionalidade a ver traduzida por uma equipa. Atentemos às
relações estabelecidas pelos entrevistados.
“…por vezes vê-se jogadores que no domínio técnico até nem têm grande
capacidade, mas o tipo de funcionalidade (…), a maneira como ele é solidário
no jogo, a maneira como ele interpreta, a maneira como ele funciona no regime
articulado…eu costumo dizer, «os dois centrais nunca serão os dois melhores
centrais, mas sim os que proporcionam a melhor articulação entre eles», a
maneira como se regem entre eles…” Agostinho Oliveira (Anexo II)
“…o princípio é o início, é um princípio, é algo para começares a jogar,
começares a pensar, para começares a decidir, dá-te as bases para tu tomares
decisões. Se cada espaço corresponde a uma posição e cada posição
corresponde a uma missão/função em campo, ela pede depois determinadas
características para colocar em prática e depois das características,
determinada capacidade de decisão, de pensamento, para colocar em prática
essa função definida pelo jogador, porque cada posição depois pode ter
dinâmicas diferentes conforme a filosofia e ideia do treinador…” Luís Freitas
Lobo (Anexo III)
“Total enquanto for possível ser aplicada pelos jogadores que tens à
disposição. A funcionalidade de uma equipa é articulada pelos jogadores
portanto são eles que têm de estar capacitados para pensarem e decidirem
sobre ela.” André Vilas Boas (Anexo IV)
Análise e Discussão das Entrevistas
76
Parece então convergir-se no sentido de perspectivar os princípios de
jogo como princípios de acção, de interacção, nomeadamente porque
estabelecem as ligações entre os jogadores da equipa face ao que se pretende
para os quatro momentos de jogo. Daí resulta uma forte ligação com a
funcionalidade do jogar uma vez que esta se expressa através do(s)
jogador(es), tornando o modelo de jogo como algo construído e em construção
como havíamos apresentado em revisão.
Em virtude do supramencionado por parte dos entrevistados parece
também existir uma clara relevância auferida às características dos jogadores
aquando da operacionalização do modelo de jogo.
André Vilas Boas (Anexo IV) não só admite uma forte ligação entre o
modelo de jogo e seus princípios com as características dos jogadores tidos à
disposição como nos dá um excelente exemplo empírico dessa constatação:
“construção longa do Moretto (…) direccionada para o Cardozo. Primeiro bola
conquistada de cabeça e segundo bola na profundidade no movimento
explosivo do Saviola entre os defesas (…). Tenta inverter o cenário agora:
Saviola primeiro bola e Cardozo na profundidade após movimento
explosivo...impossível!”
Luís Freitas Lobo (Anexo III), identificando primeiramente a
representatividade de um tipo de Futebol natural oriundo da parte do jogador e
de um Futebol fabricado como aquele que resulta da interferência das ideias do
treinador, explana: “Penso que o maior erro que se pode cometer é pedir a
jogadores rápidos que só caminhem e pedir a jogadores que só gostam de
caminhar que voem, portanto, é algo contra-natura, não é? Deve-se respeitar
as condições naturais do jogador para ele depois colocar melhor em prática as
funções que se lhe espera.”
Deixamos Agostinho Oliveira (Anexo II) para último pela especificidade
do contexto em que o entrevistado desenvolve a actividade, uma vez que todo
“o trabalho, porque efectuado de mês a mês, no espaço que vai por vezes a
um período de 8 dias, estabelece critérios de interferência diferenciada de
qualquer tipo de trabalho efectuado nos clubes”, tendo sempre o cuidado em
particularizar as questões a essa realidade.
No concernente então a esta questão, apesar de convergir com o
apontado pelos restantes, o entrevistado parece assumir uma maior
Análise e Discussão das Entrevistas
77
evidenciação da importância atribuída às características dos jogadores nesse
contexto (selecção). Algo que se aceita por essa impossibilidade em
rapidamente consolidar aspectos compreendidos por um modelo de jogo como
acontece num contexto de clube.
Agostinho Oliveira (Anexo II) esclarece ao dizer que “por vezes não
partes da estrutura pretendida, mas aquela a que a matéria-prima que dispões
te permite.” Complementando e aprofundando refere: “…modelas a perspectiva
de uma estrutura baseada em função do tipo de representatividade de cada
jogador nos seus respectivos clubes. Pretende-se estruturar colocando as
peças de modo a fazer o seu maior aproveitamento e por vezes arrastas e
promoves a estrutura na proximidade do tipo de características que residem no
jogador.”
Todo o corpus de argumentação presente nesta subcategoria tem
evidente conexão àquilo que adiantamos em revisão, ou melhor, que a
concepção de jogo do treinador, os princípios de jogo, a organização funcional,
as organizações estruturais, as capacidades e as características dos
jogadores, são aspectos que interagem na criação de um modelo de jogo para
uma equipa (Guilherme Oliveira, 2004), acrescentamos, de um jogar para a
equipa.
4.1.2. (SC1.2) Organizações estruturais de jogo
“A dimensão posicionamento é, a par da constituição da equipa para a competição, as questões de fundo que mais fascinam a larga maioria dos adeptos desta modalidade, bem como, dos jornalistas desportivos que o comentam e rescrevem. Não é por acaso, que se
promove longas discussões sobre estes dois assuntos.” (Castelo, 2004: 53)
Através de um primeiro enquadramento sumário com o conceito de
organização de Jogo e o que este implica no jogar das equipas, procuramos
agora um melhor relativizar das organizações estruturais.
Não faria sentido iniciar a análise e a discussão deste ponto sem nos
reportarmos à significância atribuída à organização estrutural, ao nível da
disposição «táctica» dos jogadores, no futebol praticado por uma equipa.
Análise e Discussão das Entrevistas
78
“O dilema absorve discussões e leva a perspectivar, e obedecendo às
características de cada um dos jogadores componentes, a projecção para
outros quadros de modelação estrutural… O Ferguson o que fez neste último
jogo da Champions, quem é que pôs lá? O Rooney. Na ala, a trabalhar
tacticamente, pôs o ponta-de-lança.” Agostinho Oliveira (Anexo II)
“Eu atribuiu-lhe muita importância. Muitas vezes oiço dizer que «o importante é
a dinâmica». Eu acho que não, acho que importante é o jogo posicional, o
importante é onde começamos a correr, o importante é onde estamos para
iniciar determinada acção. Portanto, o mais importante é os jogadores estarem
bem colocados posicionalmente para darem dinâmica depois às funções que
cada um tem e à filosofia de jogo global. A base é o jogo posicional, estarem
nos sítios certos, a casa táctica, isso dá-lhes referências de passe, da criação
de linhas de passe, e dá-lhes também o ponto de referência (…) onde eles
regressam quando aquela jogada acaba.” Luís Freitas Lobo (Anexo III)
“A organização estrutural da tua equipa está dentro do modelo de jogo que tu
pretendes para ela. Dentro do modelo de jogo estão os teus princípios
fundamentais, ou seja, os pilares da tua organização. Se o que tu queres ver
potenciado é a execução dos princípios que defendes e ao mesmo tempo fazer
com que cada um seja capaz de exprimir ao máximo as suas qualidades então
é importante que os «distribuas» da forma mais adequada no campo. A palavra
distribuí-los ou colocá-los pode parecer redutora ou limitadora, porque o futebol
é dinâmica e é movimento, mas eu entendo a organização estrutural como o
ponto de partida a partir do qual surgirão as ideias que eu defendo.” André
Vilas Boas (Anexo IV)
Agostinho Oliveira, apesar de não concretizar profundamente a sua
posição relativamente a esta questão uma vez que se concentra mais na
capacidade de decisão/execução e nas qualidades implícitas ao
individualmente evidenciado pelos jogadores como aquilo que mais determina
o decorrente num jogo, vai reconhecendo no seu discurso a necessidade de
estruturalmente/posicionalmente sustentar as ideias sobre o jogar que se
pretende para as equipas. O exemplo dado pelo entrevistado denota, não
obstante se poderem processar alterações ao nível da estrutura de jogo
durante o próprio jogo, uma clara importância atribuída aos jogadores
Análise e Discussão das Entrevistas
79
individualmente assumirem determinadas posições e colectivamente
espelharem um figurino visivelmente identificável em jogo.
Por seu turno, as opiniões dos outros dois entrevistados é bastante
interessante pelo facto de convergirem quanto à organização estrutural servir
como um ponto referencial de partida para a equipa e os jogadores
desenvolverem desde aí as dinâmicas subjacentes ao seu jogar.
Acrescentamos, porém, alguns pontos não comuns a todos os
entrevistados que nos parecem enriquecer a discussão.
Um deles advém de André Vilas Boas (Anexo IV), que face ao carácter
caótico intrínseco ao Jogo, considerar suficiente que de uma determinada
distribuição estrutural dos jogadores possa resultar um certo tipo de jogo (um
padrão).
Um outro, de certo modo relacionado com o apresentado pelo anterior
entrevistado, é-nos concedido por Agostinho Oliveira (Anexo II): “Inclusive a
própria equipa pode estar estruturada de modo a que a peça, aquela peça
poder ficar fora da estrutura (…) no Inter (…) o Ibrahimovic estava fora de toda
aquela estrutura, mas com hipóteses diferenciadas no benefício da estrutura
(fora da estrutura, mas com missão…) porque ele era uma peça à parte no
domínio de algo como p.e. o Drogba não o fazia no Chelsea. O Drogba era
uma componente da peça colectiva quando havia necessidade da peça
colectiva.” O entrevistado, fundamentando-se na premissa do futebol ser
«dissipativo», justifica-o como sendo uma espécie de anarquia estrutural que
até possibilita, numa recuperação da bola, que seja o elemento solto a
promover, p.e., um contra-ataque tendo mais gente para poder finalizar.
Embora reconheçamos tal possibilidade consideramos que essa
«liberdade» concedida deve estar pré-estabelecida na equipa para que a
própria equipa a reconheça e a potencie caso compreenda produtividade num
comportamento desta natureza. Essa espécie de desordem passa a estar
compreendida na ordem que pré-existe (colectiva e individualmente) permitindo
a auto-organização do colectivo, da equipa, do jogar.
Reconhecida a importância em estruturar a equipa para que daí se
expressem as dinâmicas constitutivas do jogar de uma equipa colocamos
agora a tónica na adequação ou não da variabilidade da estrutura de jogo
Análise e Discussão das Entrevistas
80
atendendo à realização de vários jogos por uma equipa, procurando os
aspectos relevantes nas concepções evidenciadas pela nossa amostra.
Curiosamente, todos os inquiridos incorreram numa abordagem que
permitiu a ramificação da questão em dois pressupostos: (1) o pressuposto que
implica a variabilidade da estrutura de jogo naquilo que é o jogar identificativo
da própria equipa durante um jogo; (2) o pressuposto propriamente dito que
implica a variabilidade constante de determinada organização estrutural de jogo
para jogo.
Em resposta ao primeiro pressuposto, os entrevistados apresentam o
que entendem ser os critérios de selecção da(s) estrutura(s) de jogo para a(s)
equipa(s).
“…na formulação de estruturas que tenho em vista…porque nós temos que nos
preocupar com o adversário...a grande preocupação está em que tu tenhas
uma equipa que se saiba adaptar a determinado tipo de situações, variáveis,
tanto posso jogar num 4-3-3 como jogar num 4-4-2.” Agostinho Oliveira (Anexo
II)
“…a estrutura inicial, a casa táctica inicial, onde os jogadores regressam, onde
os jogadores começam a correr, mas depois durante o jogo é fundamental que
eles consigam desenhar outros sistemas, porque de outra forma não
ocupariam os espaços da forma mais correcta conforme o jogo lhes pede nos
diferentes momentos. Portanto, o melhor sistema é aquele que desenha mais
sistemas ao longo do jogo, ou melhor, a melhor estrutura é aquela que vai
desenhando mais estruturas ao longo do jogo sem perder a referência da
inicial.” Luís Freitas Lobo (Anexo III)
“…de acordo com a experiência que fui acumulando, devem estar
contempladas um mínimo de duas e um máximo de três estruturas. Duas delas
são fundamentais e uma terceira permitir-te-á maior flexibilidade em
determinado tipo de situações. Será que um maior número de estruturas te
permitirá maior flexibilidade? Eu penso que sim, mas penso também que a
primeira organização estrutural que defendas tem que forçosamente ter pontos
comuns (em termos de disposição porque em termos de princípios isso é
indiscutível) com a segunda organização estrutural porque senão corres o risco
que os teus princípios de jogo não tenham aplicabilidade possível na segunda
estrutura.” André Vilas Boas (Anexo IV)
Análise e Discussão das Entrevistas
81
De todos eles é possível depreender objectivos distintos de um mesmo
pressuposto que todos afirmam fazer sentido, ou seja, há o reconhecimento
que a estrutura de jogo deve ser passível de se desdobrar noutras, todavia os
porquês divergem.
De Agostinho Oliveira continua-se a depreender uma coerência
evidenciada relativamente ao contexto particular das selecções compreender
somente alguns dias como período de preparação, em que a estrutura de jogo
poderá ser variável fruto da observação e estudo das características do
adversário conjuntamente com aquelas que a própria equipa poderá apresentar
pela possibilidade de selecção dos elementos que melhores soluções poderão
dar face aos problemas que o jogo tenderá a colocar.
A isto também pensamos que se deverá encadear uma pretensa
convicção da selecção desses jogadores potenciar uma maior propensão de
interacção colectiva e individual dos jogadores associada a determinados
princípios de jogo que se pretendam vir a expressar no jogar da equipa. Isto
torna o modelo de jogo, numa selecção nacional, mais extensível nos seus
princípios de jogo a poder desenvolver, podendo a própria organização
estrutural tornar-se variável fruto de todas estas condições (e não
condicionantes).
Já Luís Freitas Lobo e André Vilas Boas se confinam a outra realidade
diferente, aquela designada pelos clubes. Embora diferentes, reconhecendo
André Vilas Boas ser aconselhável apresentar mais do que uma estrutura de
jogo de base que configure outras dinâmicas relacionais entre os jogadores, os
entrevistados incorrem no sentido de, à estrutura, ser-lhe conferida capacidade
para se «deformar» convertendo-se noutras estruturas de jogo fruto da
necessidade de resposta aos diferentes momentos do jogo aquando da
confrontação com o jogar do adversário.
Quanto ao segundo pressuposto que se centra na questão propriamente
dita inicialmente colocada, ou seja, na variabilidade constante de estrutura, de
jogo para jogo, percebe-se que dois dos entrevistados – do qual o entrevistado,
em Anexo II se exclui pelas razões apresentadas no propósito anterior – não só
discordam como identificam-no como um desvirtuar daquilo que deve ser uma
das pretensões para o jogar da equipa que é a consumação da sua identidade
e não o limitar da identidade do adversário.
Análise e Discussão das Entrevistas
82
Luís Freitas Lobo (Anexo III) acrescenta que a alteração constante de
estrutura, de jogo para jogo, resulta no retirar das referências que se
pretendem para a equipa e no impedir da expressão dos princípios de jogo.
Por sua vez, André Vilas Boas (Anexo IV) apura como fundamental um
permanente evocar de determinadas inter-relações entre jogadores/posições
que podem ser postas em risco com o alterar constante da estrutura pelo forçar
dos jogadores a novas adaptações.
Analisando ainda nesta subcategoria as tendências evolutivas
relativamente às estruturas de jogo que poderão vir a surgir no futuro, enquanto
que este tópico não foi exposto ao primeiro entrevistado, fixemo-nos no
opinado pelos outros entrevistados.
“Eu penso que, cada vez mais, as estruturas no futuro vão privilegiar os
médios. (…) A questão hoje em dia não passaria pelas grandes referências de
posição que temos e nesses especialistas aqueles que eu acho que vão
mandar no futuro serão os médios, no fundo, aqueles que têm que pensar
defesa-ataque, transições. Não sei. Mas no futuro, ver uma equipa a jogar em
4-6-0, p.e., a nível de estrutura inicial não é algo tão descabido…” Luís Freitas
Lobo (Anexo III)
“Gostava de ver uma evolução no que respeita às estruturas a 3 defesas (…),
penso que há benefícios extremos quando às estruturas a 3 somos capazes de
adicionar jogadores que entendam a posse, a dinâmica e o movimento.
Podemos é ter tendência para ver surgir novos detalhes no posicionamento dos
jogadores nas estruturas actuais. (…) talvez venhamos a observar com mais
frequência um comportamento mais vertical dos pivots defensivos nas equipas
que jogam com um médio recuado ou a divisão em três linhas horizontais de
equipas que jogam com três médios centro.” André Vilas Boas (Anexo IV)
Assumido o risco em se poder incorrer num género de especulação
gratuita e sem cabimento, em nada o opinado pelos entrevistados para tal
resvalou.
A título desta espécie de antevisão concedida aos entrevistados
surgiram fundamentações que partiram claramente da análise de indicadores
Análise e Discussão das Entrevistas
83
que o Futebol actual tem vindo a fazer emergir para então perspectivarem tais
possibilidades de acordo com uma organização colectiva sempre em
consideração com os intentos funcionais e dinâmicos a ver traduzidos por uma
equipa. Aliás, ambos recordam enunciados que são parte da nossa construção
bibliográfica.
Enquanto Luís Freitas Lobo recorreu à ideia de uma estrutura de jogo
em 1-4-6-0, mas mais do que isso, à presença numa estrutura que contemple
uma dinâmica inter-relacional entre 6 jogadores médios, André Vilas Boas
recorreu àquela ideia associada a uma estrutura contemplativa de 3 defesas.
Consideramos que o sucesso na utilização destas duas estruturas passa
muito pela elevada capacidade de entender a posse de bola, a dinâmica e o
movimento destacados por André Vilas Boas (Anexo IV), ou seja, jogadores de
elevada cultura táctica, entendendo a táctica como a conjugação das demais
dimensões – técnica, física, psicológica, cognitiva, etc. – que caracterizam o
Jogo.
Fará então sentido confluir o discorrido com a necessidade dessa
estrutura expressa evidenciar, face à dinâmica de jogo pretendida, a procura de
um espaço e de um tempo total e de uma indiferenciação de estatutos e de
papeis (Frade, 1985).
4.2. (C2) Organização estrutural (posicional) do jo gar
“…estrutura de jogo actua como suporte geométrico da configuração interacional da equipa e constitui um fragmento de uma totalidade maior, o jogar.” (Gaiteiro, 2006: 190)
Para a categoria “Organização estrutural (posicional) do jogar”
contemplamos quatro subcategorias:
� SC2.1 – Organização ofensiva
� SC2.2 – Transição defensiva
� SC2.3 – Organização defensiva
� SC2.4 – Transição ofensiva
Análise e Discussão das Entrevistas
84
A esquematização das quatro subcategorias aqui visadas surge como
congruente consequência do que se perspectivou para o primeiro ponto deste
capítulo. Reportando-se a “Organização estrutural (posicional) do jogar” num
plano micro comparativamente à primeira grande categoria, esta categoria não
é de somenos importância face à anterior muito devido a ser ela mesma
representativa de uma maior especificação à temática em estudo.
Assim, para esta grande categoria pretendemos inverter a perspectiva
«fractal» implementada na categoria anterior. Procurando dimensionar esta
categoria como «parte» – com propriedades semelhantes – do «todo» que é o
jogar de uma equipa, partimos para as subcategorias com a possibilidade em
aprofundar esse enquadramento aludindo-nos aos momentos de jogo.
Os momentos de jogo encontram-se aqui desta forma esquematizados,
mas o corpo de análise e discussão que pretendemos desenvolver aponta para
as relações e interacções entre os mesmos, ou seja, pretende fraccioná-los em
vez de os dividir. Para tal, o próprio ordenamento das subcategorias procura a
facilitação da articulação entre os momentos de maneira a melhor compreender
as conexões e as implicações entre «partes» (comportamentos de jogo para
determinado momento de jogo e respectivas implicações estruturais/posicionais
da equipa) e o «todo» (o jogar propriamente dito).
A opção por uma determinada estrutura de jogo para uma equipa surge
então de um propósito, o de atribuir referências posicionais em que os
jogadores e a equipa se atenham de maneira a melhor se organizarem e
poderem dar consequência a comportamentos e dinâmicas desejadas para o
seu jogo.
De seguida, consideremos o que nos revelam os entrevistados face a
um conjunto de considerações relacionadas com a organização
estrutural/posicional de uma equipa de maneira a confrontarmos com os dados
por nós revistos da literatura.
A primeira consideração prende-se com a pertinência em existir uma
determinada distribuição posicional/estrutural colectiva da equipa em campo
que potencie cada momento de jogo.
Análise e Discussão das Entrevistas
85
“O médio por vezes na passagem acima da sua linha pelo lateral passou a ser
ele o lateral; o ala passou a ser médio\lateral; o ponta-de-lança passou a ala, a
médio ofensivo; o médio mais defensivo sobe no terreno ocupa N posições no
apoio ao ataque e por vezes, com uma grande frequência, faz todos os lugares
do sector defensivo. Interpretações e alterações da estrutura momentâneas,
acompanhadas pelo reposicionamento colectivo e fundamentalmente em
função da disposição do adversário no jogo.” Agostinho Oliveira (Anexo II)
“…eu acho que deves ter defesas que defendam e atacam e não defesas que
atacam e defendam. Deves ter avançados que atacam e defendem e não que
defendem e atacam. Com isto quero dizer o quê? Quero dizer que tendo estes
princípios nos jogadores individualmente, têm depois uma aplicação no
colectivo equilibrada para esses momentos e permitem que o defesa,
pensando primeiro em defender, sendo a primeira missão que está na sua
cabeça, esteja equilibrado no jogo, que permita equilibrar a equipa…no
momento em que a está a tentar recuperar digamos assim…” Luís Freitas Lobo
(Anexo III)
“Não propriamente. (…). Deixa-me também responder-te com as palavras
sábias de Guardiola (…): «…Vejo os jogos, e sempre foi assim desde que fui
jogador, dentro do meio-campo adversário, isto não significa que por teres mais
atacantes atacarás melhor, nem que por teres menos defesas defenderás
pior...atacarei melhor se defender bem e defenderei melhor se ataquei bem,
aos atacantes darei responsabilidades defensivas e aos defesas darei
responsabilidades ofensivas...mas é sempre o todo que me interessa...»” André
Vilas Boas (Anexo IV)
Genericamente parece existir entre os entrevistados uma convergência
no referente aos princípios de interacção que se incorporam numa determinada
estrutura (organização) de jogo se considerarem superiores a qualquer que
seja o posicionamento colectivamente (e individualmente) adoptado por uma
equipa, independentemente do momento de jogo visado. Já no que concerne à
especificidade desses princípios de interacção o mesmo não se verifica e
seriam necessários mais elementos para compreendermos mais
concretamente as concepções dos entrevistados.
Análise e Discussão das Entrevistas
86
Todavia, parece-nos ser possível tecer algumas considerações
relevantes. Seguindo uma lógica interpretativa do fenómeno que temos vindo a
apresentar, pensamos existirem dois aspectos apresentados pelos que não são
abonatórios dessa lógica.
Repare-se que Agostinho Oliveira (Anexo II) considera que os
(re)posicionamentos da equipa em campo muito se devem ao posicionamento
do adversário no jogo e que Luís Freitas Lobo (Anexo IV) dá ênfase para que
um defesa se considere primeiro defesa e depois atacante assim como um
atacante se considere primeiro atacante e depois defesa.
Em nosso parecer estas considerações não incentivam a um
entendimento do jogar de uma equipa como um «todo» singular que respeite
uma identidade própria e específica.
Primeiramente, não obstante o adversário poder infligir certos
ajustamentos na ocupação dos espaços por parte da equipa, pensamos que as
interacções dos jogadores devem construir um jogar em que as suas
interacções em todos os momentos tenham as referências, bola,
espaço/tempo, colegas e também (mas não mais determinante) adversários
que os articulem num sentido de dependerem do que é seu, ou seja, daquilo
que compreende a organização do jogar da equipa e não tanto daquilo que é
dos outros, ou seja, da organização do jogar da equipa adversária, caso
contrário o jogar da equipa estará sempre a alterar-se, a não definir
regularidades e a perder identidade.
Depois, apesar de se advertir para uma espécie de «dialógica» defesa-
atacante e/ou atacante-defesa correlacionada com o domínio dos equilíbrios a
garantir pelos jogadores/equipa entre momentos de jogo, parece-nos mais
determinante, para garantir a articulação entre momentos de jogo entendidos
como «fractais» daquilo que é o jogar da equipa, que os jogadores não
defendam e ataquem, não ataquem e defendam mas sim que joguem, que
sejam jogadores, e isso implica serem atacantes e defensores quando têm ou
quando não têm a bola porque se conseguiu criar neles e com eles um jogar
concebido segundo uma tal perspectiva sistémica complexa.
Nessa base, a interpretação dos jogadores face às diferentes situações
que um jogo promove, pela dinâmica expressa pelos momentos e a capacidade
de estes individualmente e colectivamente estarem posicionalmente e
Análise e Discussão das Entrevistas
87
funcionalmente organizados de forma a estabelecerem a melhor inter-ligação
dos momentos deve ater-se a esses princípios. Aliás, os próprios entrevistados
sustentam-no.
Luís Freitas Lobo (Anexo III), p.e., directamente refere que esta questão
deve-se mais a um “respeito pelas características dos jogadores em cada
posição” enfatizando depois que deve existir (estruturalmente) superioridade
numérica zonal, o que relega para uma forma de interacção entre jogadores.
Agostinho Oliveira (Anexo II) fala-nos de “interacções assumidas com
normalidade, dentro das exigências dos princípios e da cultura táctica!”
relativamente às eventuais alterações posicionais fruto da dinâmica imposta
pelas inter-passagens entre momentos de jogo.
André Vilas Boas (Anexo III) responde como dependendo do todo que se
tem e “o modo como o todo funciona e se inter-relaciona”.
Estas ideias vêm, de certa forma, de encontro ao que fizemos menção
na revisão quanto à dialéctica existente no jogo entre a relação espaço/tempo
↔ jogador(es)/equipa, ou seja, as interacções dinâmicas dos jogadores são
instituintes do significado que o espaço e o tempo adquire num jogo. A
estrutura de jogo representada por um conjunto de posicionamentos de base
que organizam os jogadores no espaço está assim sujeita a alterações
constantes fruto dessa caracterização do Jogo.
No seguimento do quadro teórico elaborado em que o foco se
direccionou para o plano do(s) jogador(es), uma vez que é este plano que torna
o idealizado em realizado, o interiorizado em exteriorizado, torna-se apropriado
debruçarmo-nos sobre duas «versões» em voga no sentido de
compreendermos melhor o que faz hoje um jogador associar-se mais a um
jogador de cultura e qualidade superior com desempenhos elevados: o «posto
específico» ou a «polivalência» de posições?
Tudo isto tem mais relevo quando se parece concluir que o Futebol é um
fenómeno que faz co-existir ordem e desordem, organização e desorganização,
movimento e pausa, etc. Os nossos entrevistados revelam algumas ideias
justificativas de análise e discussão.
Análise e Discussão das Entrevistas
88
“Ocupe outro tipo de posições?! Se ele interpretar bem o domínio da
posição…porque não. Normalmente na mesma área posicional. P.e., por
necessidade táctica. O ala\lateral; o trinco\central; o médio\segundo ponta-de-
lança; (…) Se ele interpreta determinado tipo de situações tu começas a ver ali,
entre outras, cultura táctica por parte daquele jogador, ou seja, ele
momentaneamente, nas exigências da equipa e nas necessidades da equipa,
ele interpretou outra posição e nunca, agora joga aqui, depois joga ali…”
Agostinho Oliveira (Anexo II)
“Penso que mais importante do que fazer várias posições é fazer a mesma
posição de formas diferentes. Isso é que eu acho que é o jogador de top. Um
jogador que joga a lateral, depois joga a médio, depois joga a lateral,
dificilmente vou ver ali uma grande referência de qualidade para uma dessas
posições. Penso que a referência de qualidade tem a ver com a especialização.
A especialização depois permite que o jogador faça a mesma posição de
formas diferentes.” Luís Freitas Lobo Anexo III)
“A polivalência para mim só faz sentido, e só existe, quando é feita dentro de
determinado sector. (…) Há jogadores que se sentem confortáveis porque são
capazes de entender, pelas relações que eles próprios tiveram com os
companheiros naquelas posições mais próximas…Depois há outra coisa, para
quem entende o jogo de uma forma dinâmica e jogado com fluidez e
movimento, a especificidade do posto tem que forçosamente contemplar a
flexibilidade, a criatividade e a troca funcional/posicional com os
companheiros…” André Vilas Boas (Anexo IV)
Face ao cenário criado parece-se evidenciar que a amostra, de todo,
não decline a «polivalência» de posições como conotação a um jogador de top.
Porém, esta carece de uma interpretação contextualizada.
Desde logo foi detectado junto de Agostinho Oliveira e Luís Feitas Lobo
que um dos entendimentos atribuídos ao termo «polivalência» – quiçá o mais
convencional – relega para o exigir por parte de um jogador que ele cumpra
posições diferentes associadas a funções diferenciadas com regularidade de
jogo para jogo ou em partes significativas de um mesmo jogo.
Todavia, tanto Agostinho Oliveira como André Vilas Boas mostram uma
outra possível atribuição de sentido à «polivalência». Para os mesmos, a
Análise e Discussão das Entrevistas
89
«polivalência» pode existir, e sem perjúrio dos seus representantes, caso esta
se vincule às necessidades da equipa e se materialize fruto de elevada cultura
táctica por parte do jogador. A acrescentar está o facto desta «polivalência» se
registar num grau de proximidade, no sentido de ocupação de uma posição
próxima àquela que naturalmente o jogador tem maior predisposição para
ocupar. No fundo, em nosso parecer, esta última interpretação remete para a
necessidade dos jogadores passarem por outras posições compreendendo as
funções subjacentes perante trocas posicionais inerentes à expressão das
dinâmicas de jogo da equipa.
Por outro lado, focamos as convergências interpretativas para com o
«posto específico». De facto, depreende-se por parte dos inquiridos uma
opinião consentânea para um jogador jogar prioritariamente numa determinada
posição naquilo que é a estrutura de jogo da equipa e que essa posição
específica contemple uma séries de posicionamentos em diferentes «lugares»
do campo de forma a permitir ao jogador estar em sintonia máxima com aquilo
que se passa no jogo e com as necessidades dinâmicas do jogar colectivo.
Agostinho Oliveira dá-nos um claro exemplo ao observar numa estrutura
em 1-4-4-2 se poder admitir que um dos dois avançados, por possuir mais
mobilidade e ser mais expansivo nos movimentos que efectua, recue num
momento de transição defensiva da sua equipa para zonas mais associadas à
intervenção dos médios do que propriamente aquelas em que se sente mais
apto e execute pressão sobre o «trinco» da equipa adversária por este ser o
principal responsável pela transição ofensiva da sua equipa.
Verifique-se pelo exemplo que a posição de referência é aquela que o
jogador tem no ceio da equipa, que é a de avançado, mas que com ela arrasta
uma série de posicionamentos no campo em virtude das necessidades
colectivas da equipa, impostas neste caso pela dinâmica numa transição.
André Vilas Boas (IV), por sua vez, reporta-se objectivamente à
especificidade do posto como contemplando flexibilidade e adaptabilidade face
a trocas funcionais/posicionais que possam processar-se.
Isto leva-nos a compreender que, por ser específica, a posição não deve
compreender uma redução ao limitar-se a certas funções, tarefas ou missões,
antes pelo contrário, deve compreender que a sua especificidade surge como
consideração articulada de tudo isso na interacção com os restantes elementos
Análise e Discussão das Entrevistas
90
(«partes») do colectivo/equipa («todo») no sentido de dar resposta às
pretensões do jogar para esse mesmo colectivo/equipa.
Por isso compreendemos e até estabelecemos uma sintonia semelhante
a ter-se para com o jogador de rendimento superior por parte de Luís Freitas
Lobo (Anexo III) quando coloca como objectivo que o jogador faça mais vezes
aquilo que faz bem e ser obrigado menos vezes àquilo que faz mal ou menos
bem. No entanto, desviamo-nos relativamente à consideração de tal objectivo
passar pela especialização do jogador passando esta por colocá-lo “na posição
onde ele tem as suas condições naturais para ele aparecer melhor” ou na
procura deste “fazer mais coisas dentro da sua posição, conhecer cada vez
mais os espaços adjacentes à sua posição”.
Em nosso entender, não sendo despropositadas antes pelo contrário,
estas considerações quando associadas à especialização, adquirem
tendencialmente uma conotação diversa daquela que entendemos ser a de
especificidade, ou seja, remete para a diferenciação/particularização, que por
sua vez incorre para a distanciação/separação, neste caso do jogador/posição
com a equipa/sistema (englobe-se a estrutura de jogo). Assim, aflige-nos tal
aproximação, porque se mutila a compreensão e articulação do «todo» naquilo
que deve ser o comportamento das «partes» e interacção das mesmas com o
«todo» levando mesmo à abstracção de sentido quando o pretendido deveria
ser o inverso. Por isso colocamos a questão: Quantas das vezes um jogador ao
passar por diferentes equipas acaba catalogado a uma determinada posição
como aquela em que rende mais e depois numa outra equipa até joga numa
posição diferente e com implicações noutro tipo de funções que antes não tinha
que cumprir e o seu rendimento acaba por ser semelhante ou até superior?
Não terá isso a ver com a reciprocidade estabelecida entre aquilo que é o
desempenho da equipa e aquilo que é o desempenho do jogador? Julgamos
que sim.
Pelo quadro de ideias prevalecente, a nosso ver deve passar a
subentender-se que a especificidade de posição («posto específico») não tem
a ver com uma definição de posição pré-estabelecida circunscrita a um espaço
de terreno restrito e a funções fechadas. E também que daí se poderá
reconhecer um género de «polivalência específica», na medida em que essa
«polivalência» sirva a dinâmica de jogo da equipa naquilo que são as
Análise e Discussão das Entrevistas
91
implicações inerentes às trocas posicionais que são parte da expressão dessa
dinâmica.
Fará sentido então compreender o jogador como em revisão da
literatura, ou seja, um elemento «polifuncional» ao serviço da dinâmica de inter-
relações que expressam o jogar de uma equipa.
Ao compreendermos mais um pouco daquilo que cada elemento
(jogador) da estrutura de jogo de uma equipa poderá comportar no sentido de o
observarmos como um «ponto» de referência móvel no tempo e no espaço,
chega-se por este caminho à altura de procurarmos compreender o sentido
atribuído às «linhas» na organização estrutural para se jogar e, mais
concretamente, na importância do seu número na distribuição em profundidade
e em largura no jogar de uma equipa.
“O interesse em fomentar linhas para «formatizar» e envolver
esquematicamente a minha equipa serão reduzidos a poucos momentos no
terreno e pouco abonatórios da dinâmica de exigência colectiva na sua
participação quer defensiva quer atacante. (…) A linha é sempre a definição de
uma interpretação, uma identificação estrutural para posicionamentos regrados
que serão sempre desajustados pela dinâmica dos adversários…” Agostinho
Oliveira, Anexo II)
“Esse é que é o ponto fundamental para se desequilibrar as equipas e as
estruturas e o jogo posicional e tudo o que está relacionado com isso, é o
espaço entre linhas. Quantas mais linhas tiveres melhor, mas aguentando a
distância.” Luís Freitas Lobo (Anexo III)
“Vejo vantagens em criar determinado tipo de linhas em determinadas
situações. (…) A este tipo de situações podes acrescentar muitas outras. Penso
que sim e penso que é na dinâmica e no movimento que estas linhas se devem
exprimir e não apenas estudando a estrutura no papel e fazendo ligações entre
as várias posições.” André Vilas Boas (Anexo IV)
É possível escoar daqui uma divisão em duas posições, dois
pressupostos distintos que pretendemos denunciar sem que daí se procurem
juízos de valor, apenas tornar cognoscível as visões e procurar discutir ideias.
Análise e Discussão das Entrevistas
92
Então, enquanto Agostinho Oliveira assume um rumo, os outros dois
entrevistados assumem outro.
Agostinho Oliveira (Anexo I) atribui pouco significado às «linhas» na
estrutura de jogo de uma equipa por associá-las a uma rigidez funcional
sobrecondicionada por regras e por isso se afastar daquilo que o próprio
depreende ser um jogo, ou seja, estar dependente daquilo que o adversário
também faz. Em acrescento, coloca um outro problema que tem a ver com um
jogador mais criativo ou com indicações de grande dinâmica colectiva abdicar
das «linhas» e rejeitá-las porque representam o que é linear.
Luís Freitas Lobo e André Vilas Boas por sua vez atribuem significado à
formação de «linhas». Apesar de André Vilas Boas (Anexo IV) frisar aspectos
que vão de encontro àquilo em que se pode incorrer na interpretação das
«linhas» como o fez Agostinho Oliveira, este parece compreender a
possibilidade e a viabilidade em se organizar colectivamente o estrutural com o
funcional na criação das dinâmicas que se querem para a equipa,
compreendendo que essas «linhas» sofram alterações, ou seja, a exemplo, o
aguentar a distância «entre linhas» que avança Luís Freitas Lobo (Anexo II)
pressupõe essa mesma necessidade das «linhas» se poderem alterar.
Assim, percebemos a hierarquização dos aspectos relevados por
Agostinho Oliveira, mas consideramos também que, independentemente da
qualidade do adversário, a própria equipa deve procurar que o seu jogo
dependa mais daquilo que dela pode fazer como equipa do que propriamente
dependa mais daquilo que a outra pode fazer, embora reconheçamos a
diferenciação em muitos dos casos entre idealizado e concretizado neste
confronto de valências. Por outro lado, também compreendemos que a
exacerbação da esquematização em campo de «linhas» é uma concepção
limitada e daí limitativa dos jogares das equipas, porque reconhecemos a
plasticidade neles inerente.
Como consequência da definição de «linhas» em virtude de determinada
distribuição dos jogadores em campo surge a formação de certas «figuras
geométricas» que têm vindo a fazer parte do discurso de muitos treinadores de
há muitos anos a esta parte, nomeadamente, p.e., as «triangulações» e os
Análise e Discussão das Entrevistas
93
«losangos», procurando junto da nossa amostra compreender o seu significado
e importância no jogar pretendido por uma equipa.
“…mas sempre da maneira como tu queres formular linhas…Sempre que tu
formulas linhas, no sentido dos triângulos e demais figuras geométricas, é a
impossibilidade que o futebol tem de ser geométrico, porque o futebol é mais
anárquico, é claro que uma fotografia do início do jogo o é, ou anda próximo
(…) Eu vou jogar em 4-4-2 e tu sabes que jogar em 4-4-2 depende
fundamentalmente de tudo aquilo que tu possas dizer aos teus jogadores, do
que os teus jogadores arrastem para a interpretação de um conveniente 4-4-2,
porque desde o movimento dos ponta-de-lança, à lateralização…tudo é
alterado geometricamente.” Agostinho Oliveira (Anexo II)
“São formas evoluídas? Eu penso que todas as formas geométricas podem ser
evoluídas em campo. Um círculo pode ser evoluído, conseguires circular de
forma a bola pelo campo, por trás, por 3 ou 4 jogadores é uma forma evoluída.
O triângulo, a triangulação, a tabela, é a base do movimento do Futebol.” Luís
Freitas Lobo (Anexo III)
“...acrescento...«mas que se devem expressar em movimento».” André Vilas
Boas (Anexo IV)
No que directamente envolveu o entendimento por parte da amostra
acerca da relevância da formação de triângulos em campo como
elemento/forma de desenvolvimento do jogo da equipa, os resultados apontam
no sentido de uma convergência entre Luís Freitas Lobo e André Vilas Boas
que, por sua vez, divergem de Agostinho Oliveira. No entanto, realce-se que a
divergência está na base de um aspecto enunciado por todos…o movimento, a
dinâmica implícita no jogo.
Enquanto que na análise de Agostinho Oliveira (Anexo II), o próprio jogo,
por ser dinâmico e por obedecer à inevitabilidade dos jogadores terem que se
movimentar em campo, deita por terra qualquer configuração geométrica que
se determine ver decalcada no campo pelos jogadores. Luís Freitas Lobo
(Anexo III) e André Vilas Boas (Anexo IV) reconhecem quase que o inverso, ou
Análise e Discussão das Entrevistas
94
seja, por ser dinâmico, o jogar de uma equipa poder expressar, p.e., a
formação de triângulos em movimento.
No entendimento de Luís Freitas Lobo (Anexo III), a própria configuração
posicional que determina a formação de um triângulo torna-se potenciadora de
movimento através da triangulação ou tabela que é possível executar entre
jogadores. Em sintonia, André Vilas Boas (Anexo IV) dá-nos um exemplo
bastante ilustrativo: “…é um facto que o comportamento a duas linhas entre
lateral e ala facilita a progressão de ambos no campo e a sua inter-relação. Se
no meio dos dois te aproximares com um médio crias um triângulo que te pode
ser decisivo na mudança da zona da bola para outro lado do campo.”
Com base nas relações estabelecidas pelos entrevistados Luís Freitas
Lobo e André Vias Boas torna-se possível, em nosso entender, não disjuntar
aquilo que é do foro estrutural, como é o caso de eventuais referências
posicionais respeitantes a configurações geométricas a traduzir em campo,
daquilo que são os pressupostos funcionais da equipa e, mais ainda, daquilo
que está definido como princípios de jogo da equipa. Pela nossa interpretação,
as configurações geométricas permitem a facilitação de articulação entre
jogadores independentemente da escala do jogar – individual, sectorial, inter-
sectorial, colectiva – que nos concentremos, porque reúnem em si a essencial
representatividade daquilo que deve compreender o jogar de uma equipa, a
interacção, a inter-relação, entre jogadores.
Talvez por isso possa fazer sentido o enquadramento da configuração
das «linhas» com um «padrão organizativo» se nos centrarmos sobre o
comportamento estabelecido pelas mesmas e entre as mesmas nos diferentes
momentos de jogo segundo uma conotação estrutural baseada na forma, ou
seja, alterável, enjeitando-se aquela outra tradicional conotação estrutural
estática e inalterável.
Todavia, acresce-se um outro aspecto enunciado por dois dos nossos
entrevistados que surge como complementar e que consideramos servir como
um aprofundar desta questão. Tanto Agostinho Oliveira (Anexo II) como Luís
Freitas Lobo (Anexo III), na pressuposição de configurações geométricas em
movimento – correspondente ao por nós entendido como «padrões
organizativos» derivados das diferentes posições/«linhas» definíveis em campo
– por respeito ao carácter dinâmico que o Jogo contém, admitem ser
Análise e Discussão das Entrevistas
95
fundamental o domínio por parte do jogadores de elementos como o passe e a
recepção e ainda mais importante se torna a sincronização dos mesmos com a
mobilidade dos jogadores.
Isto vem categoricamente de encontro a uma premissa por nós
evidenciada em revisão que tem a ver com o jogar de uma equipa solicitar as
dimensões técnica, física, psicológica e (mesmo) estratégia sob alçada da
dimensão táctica.
Os entrevistados parecem reforçá-lo ao compreenderem o jogar como
uma dinâmica colectiva cujos propósitos tácticos que se pretendem para a
equipa estarem intimamente sintonizados com elementos dos domínios técnico
(passe e recepção) e físico (mobilidade e trocas posicionais). Convenhamos
igualmente que o táctico surge como uma efectiva organização das intenções
de jogo que se pretendem, surge como uma relação congregada das demais
dimensões para que o jogar se manifeste de forma singular nessa equipa.
Na compreensão de que o jogar de uma equipa compreende uma
unicidade que não deve ser quebrada em dimensões e momentos para assim
se captar a expressão plena desse jogar e que nessa unicidade a estrutura de
jogo da equipa deve associar-se a um «padrão organizativo» colectivo, as
próximas subcategorias surgem em momento conveniente e apropriado.
A oportunidade de podermos analisar o concebido pelos entrevistados
para os quatro momentos de jogo relativamente às ideias e princípios de jogo
conjuntamente com a(s) estrutura(s) de jogo a contemplar por uma equipa
abre-nos uma porta para aclararmos a maneira como surgem articulados os
momentos de jogo face a essas concepções e relações apresentadas pelos
inquiridos.
Advertimos porém que, pelo sigilo assumido na abordagem específica
ao jogar das equipas com as quais estão envolvidos, os dados recolhidos de
Agostinho Oliveira e André Vilas Boas são subjectivamente fruto das suas
análises do fenómeno a top, contextualizando o primeiro mais com aquilo que é
a realidade das selecções e o segundo com uma legítima padronização dos
jogares das equipas de top. Nos próximos pontos procura-se sobretudo
concretizar nuances específicas dos momentos, não obstante aparentes
generalizações ou abstracções interpretáveis das unidades mencionadas, para
Análise e Discussão das Entrevistas
96
que daí se permita complementar o conceptualmente e corporativamente até
então já discutido.
4.2.1. (SC2.1) Organização ofensiva
“Eu tenho alguma dificuldade sinceramente em distinguir um primeiro, um segundo ou um terceiro momento de construção. Eu acho que eles se interligam.
Para mim o construtor de jogo é o jogador que tem a bola, seja o lateral direito, seja…não é o «10».” (Luís Freitas Lobo, Anexo III)
Neste ponto pretendemos reunir, junto dos entrevistados, um corpo de
ideias fértil ao estabelecimento de relação entre a concepção da organização
ofensiva segundo os princípios e funcionalidade pretendidos para uma equipa e
a distribuição posicional/estrutural da equipa de acordo com os
posicionamentos dos jogadores em campo.
Apesar de se reconhecerem, como convencionadas, diferentes formas
de análise para a organização ofensiva por «divisão» em fases de construção
ofensiva, contemplamos junto dos entrevistados apenas dois momentos de
maneira a tentar minimizar ao máximo uma possível interpretação de
divisibilidade/compartimentação deste momento de jogo. Então, atente-se junto
dos entrevistados às ideias associadas à organização num início de construção
ofensiva.
“…vês que o jogador está pressionado no posicionamento, rejeitando as linhas,
as chamadas (linhas) paralelas, o defesa quebrou-te mais um bocadinho
dando-te mais profundidade e tu passas pela tua defesa para que, em posse,
faças o movimento para o lado contrário e tenhas mais espaço para em
segurança organizares, …, etc., etc.”
“Agora nas componentes qualidade de passe, na qualidade de recepção e
decisão motora, muito do nosso Futebol tem que passar obrigatoriamente por
isso, pelo aperfeiçoamento das qualidades e da velocidade que temos para
aplicar as nossas decisões! Porque a equipa está toda a ser pressionada e há
ali só um espacito que está a descoberto e é esse que a gente tem, o
aproveitamento desse momento depende da qualidade deste passe, depende
da recepção a tempo e orientada, e dos níveis excelentes de execução rápida
que possuímos.” Agostinho Oliveira (Anexo II)
Análise e Discussão das Entrevistas
97
“…são esses princípios de jogo que eu gosto de ver, seja numa transição seja
numa organização ofensiva, aquele que privilegia o passe e a recepção
orientada. Acho que a velocidade tem um prestígio exagerado no Futebol
actual, mais que a velocidade deve ser sobretudo a mudança da velocidade e a
pausa e depois a mudança e para isso penso que um bom passe e uma boa
recepção são a base disso…”
“Primeiro ponto: os jogadores verem-se uns aos outros, (…) estarem quanto
mais próximos quanto mais estiverem no início de construção; e segundo
ponto, o portador da bola ter pelo menos, na pior das hipóteses, sempre duas
opções sobre o que lhe fazer, a nível de passe, a nível de temporização, a nível
de outra forma de jogar.” Luís Freitas Lobo (Anexo III)
“Tendo em conta o referencial das equipas de topo…penso que duma forma
geral tendem para construir curto a partir do guarda-redes ou para construir
fazendo o «campo grande» com os centrais em primeira fase. Enquanto
algumas dessas equipas preferem que os laterais se projectem na
profundidade de uma forma antecipada fazendo a construção dos centrais para
os médios ou os alas em movimentos interiores, há outras que preferem os
laterais em apoio utilizando a amplitude oferecida por estes para depois irem à
procura dos passes e espaços interiores.” André Vilas Boas (Anexo IV)
Em todos os exemplos dados, desde ideias pessoais defendidas a
análises do fenómeno jogado a top, torna-se possível destacar um ponto em
comum entre os entrevistados que determina muito daquilo que ofensivamente
uma equipa poderá fazer durante toda a construção do jogo ofensivo que é o
elemento passe como ligação entre os jogadores, entre sectores, no fundo, o
elo de ligação colectivo de referência. Todavia, Agostinho Oliveira (Anexo II) e
Luís Freitas Lobo (Anexo II) apontam para a importância também da qualidade
da recepção. A tudo isto se acresce o momento da utilização destes elementos
assim como a finalidade consequencial da acção da sua utilização.
Já Agostinho Oliveira (Anexo II) e André Vilas Boas (IV) são os que
permitem um melhor perspectivar dos traços estruturais da equipa face à
funcionalidade e princípios pretendidos para este momento inicial de uma
construção. Agostinho Oliveira (Anexo II), ao referir que um dos defesas recua
no campo para conceder profundidade à equipa e fazer a bola circular por este
sector com maior segurança, possibilita-nos induzir uma concomitância do
Análise e Discussão das Entrevistas
98
sector defensivo posicionado de maneira a formar mais do que uma «linha».
André Vilas Boas (Anexo III), por sua vez, consegue trasladar a escala do
sectorial (defensivo) para o colectivo, uma vez que dá o exemplo de equipas
com ideias diferentes para construírem os seus momentos iniciais de jogo
ofensivo e com funcionalidades diferentes visto que iniciam por intermédio dos
defesas centrais ou dos defesas laterais. Inequivocamente, existe do ponto de
vista posicional da equipa uma estruturação no campo ajustada às pretensões
comportamentais dinâmicas para a equipa numa construção ofensiva inicial.
Contemplando a construção ofensiva quanto à criação e definição de
situações de finalização o cenário parece apenas adquirir contornos relacionais
entre os jogadores da equipa mais complexos sem que isso desvirtue o
contínuo acompanhamento do que é concepcionalmente defendido para esses
momentos de construção com a respectiva sustentação posicional.
Os nossos entrevistados tendem a apresentar como propósito nuclear
comum a necessidade da equipa criar espaços passíveis de serem explorados
e a partir daí se construírem e definirem situações de finalização. Porém, os
entrevistados apresentam dados que merecem ser particularizados.
Agostinho Oliveira (Anexo II) ao sublinhar a importância da ocupação
dos espaços dá o exemplo: “No domínio principalmente de um 1-4-3-3, o ala
tem que servir quase sempre como segundo ponta-de-lança (…). Está o ala do
outro lado a jogar ou o lateral, aproximou o ponta-de-lança e o ala do lado
contrário faz de segundo ponta-de-lança e automaticamente em termos de
organização ofensiva libertou espaço para a entrada do lateral, para a entrada
do médio, etc., etc.”
Luís Freitas Lobo (Anexo III) aponta como prioritário a equipa conferir
largura e só depois conceder profundidade ao seu jogo, identificando depois
numa estrutura de jogo em 1-4-3-3 comportamentos como p.e., o recuo do
avançado para ocupar espaços intermédios e assim garantir uma construção
apoiada, os movimentos verticais a realizar pelos médios, a capacidade de
movimentação para zonas centrais/interiores por um dos alas.
André Vilas Boas (Anexo IV) apresenta uma panóplia de padrões de
comportamento possíveis associados à definição de situações de finalização
consoante o que se defende em termos de jogo para a equipa no momento
ofensivo. A título de exemplo para comparação focar-nos-emos somente em
Análise e Discussão das Entrevistas
99
duas delas. O entrevistado associa à definição resultante de passes curtos de
penetração para a área onde surgem os avançados a finalizar o privilegiar da
amplitude ofensiva para criação de espaços interiores e associa a uma
definição resultante de desmarcações em profundidade dos avançados nas
costas dos defesas adversários o privilegiar de uma construção eminentemente
longa ou mais directa.
Muito embora o prisma de abordagem seja diverso entre as partes
constituintes da amostra deu-se continuidade ao já supracitado relativamente
ao acompanhamento da estrutura de jogo face à dinâmica de construção
ofensiva que se pretende para as equipas. Em sintonia com o exemplo último
contemplado não só se regista a inevitabilidade da estrutura de jogo se
«deformar» pelas exigências implícitas ao momento de jogo visado, mas
também que a estrutura de jogo influi na dinâmica organizacional de relações
porque, sendo «parte» do «todo» tem interferência sobre o mesmo, ou seja, a
disposição espácio-temporal dos jogadores no campo interfere sobre o jogar –
neste caso ofensivamente – que se pretende.
4.2.2. (SC2.2) Transição defensiva
“Ainda que uma equipa não saiba onde, quando e como vai perder a bola, sabe que a vai perder. Então, deve preparar-se (organizar-se) para o momento da perda.” (Amieiro, 2005: 207)
Embora não se tenha constituído como uma das considerações da
categoria anterior, convimos que, à medida que as categorias vão sendo
abordadas, mais facilmente também se percepcionará a articulação de sentido
existente entre momentos de jogo e o grau de interferência do ponto de vista
organizacional estrutural segundo aquilo que nos é dado a conhecer pelos
inquiridos.
Atendendo ao momento transição defensiva pretendemos construir o
quadro de ideias evidenciado pelos entrevistados passível de relacionar este
momento de jogo de acordo com os princípios e funcionalidade pretendidos
para uma equipa com a estrutura posicional adoptada e suas implicações.
Análise e Discussão das Entrevistas
100
“…tu mentalmente tens que estar preparado para recuperar porque perdeste a
bola e normalmente é um grande problema das nossas equipas, da nossa
mentalidade, é que tu perdes a bola e há ali um momento que tu ficas
completamente…sem reacção. Agora se tu reagires no colectivo! É muito mais
importante isto do que outro tipo de princípio que tu possas colocar ali! É reagir
imediatamente em relação à perda de bola…” Agostinho Oliveira (Anexo II)
“Na transição ataque-defesa…impedir que a equipa recue, tentar recuperar a
bola o mais rápido possível, pelo menos mais perto do local onde a perdi.
Portanto, quanto mais me aproximar durante o jogo e mais vezes no jogo
dessa situação, do recuperar a bola no local onde a perdi ou o mais perto
possível, eu acho que faço melhor a velocidade das transições e faço melhor
os enquadramentos de todos os momentos do jogo.” “…neste processo,
portanto, estava a correr tão bem e perdeu a bola, penso que com este
posicionamento vai-te apanhar a equipa na mesma equilibrada do ponto de
vista de largura e da ocupação dos espaços. Não vai-te apanhar a equipa
«desposicionada» em termos espaciais e para dar velocidade de transição
defesa-ataque à equipa adversária, isto é, a equipa saberá perder a bola,
saberá reposicionar-se automaticamente para tapar/recuperar um espaço mais
adiantado do terreno.” Luís Freitas Lobo (Anexo III)
“Vários tipos de transição defensiva. Transição para bloco ou seja, deixamos
que o adversário «transite» porque temos uma ideia de bloco que queremos
unir o mais rápido possível, ou então, podemos ter uma transição para pressão.
Pressão essa que pode ser individual, grupal, sectorial, mais ou menos
agressiva, com maior ou menor preocupação do espaço nas nossas costas
etc...” André Vilas Boas (Anexo IV)
Pelo apresentado e fruto de complementos contínuos depreendidos por
parte dos entrevistados, dois ângulos de análise se tornam relevantes no
tocante à transição defensiva.
Um primeiro ângulo chega-nos por intermédio de Agostinho Oliveira fruto
de uma análise sobre o fenómeno de acordo com contextos específicos e por
intermédio de Luís Freitas Lobo centrado numa reflexão e concepção pessoais
face ao fenómeno analisado. O segundo ângulo proposto advém de uma
Análise e Discussão das Entrevistas
101
análise padronizada e tipificada por parte de André Vilas Boas relativamente a
este momento em equipas de rendimento superior.
O primeiro ângulo centra-se na realidade do jogar de uma equipa ter
presente todas as dimensões que já foram supracitadas em conformidade com
uma pretensão particularizada ao momento de transição defensiva, ou seja,
que a equipa se (re)posicione colectivamente o mais rapidamente possível em
campo para recuperar a bola, se possível, no imediato à sua perda. Isto parece
objectivar implicações tanto a nível táctico, como psicológico, como técnico,
como físico, nomeadamente por implicar o equacionar das condições em que
essa perda da bola ocorre e quais as interacções necessárias para solucionar o
problema nesse momento de perda da bola, parece implicar uma forte atitude
mental dos jogadores para agirem sobre o evento ocorrido de maneira a
impedirem que o adversário se organize para explorar certos espaços
concedidos uma vez que a equipa se encontrava a atacar e parece implicar a
sintonia de tudo isto com respostas motoras aliadas a recursos técnicos (p.e.,
contenção e coberturas defensivas apropriadas à situação) que permitam aos
jogadores recuperarem a bola.
Este enquadramento permite-nos equacionar a possibilidade de uma
equipa interligar momentos de forma a que a passagem de uns pelos outros
não seja linear, ou melhor, vai de encontro a algo por nós evidenciado na
revisão da literatura de que o jogo não assenta numa matriz em que os
momentos passam uns pelos outros de forma sequenciada. Então, caso uma
transição defensiva decorra com sucesso de recuperação da bola num hiato de
tempo diminuto significará que a equipa não concedeu presença efectiva à
organização defensiva (como convencionada na literatura), uma vez que
recuperada a bola a equipa passa para um outro momento de transição, passa
de uma transição defensiva para uma transição ofensiva, para um novo ataque.
Desta feita, torna-se apropriado compreenderem-se os momentos como
contíguos no sentido de todos estarem interdependentes uns dos outros e
conterem em si preocupações comuns face ao ter-se ou não a posse da bola.
Há então uma preocupação em estar defensivamente organizado no momento
ofensivo para uma mais do que certa possibilidade de perda da bola.
Por outro lado, há o reconhecimento de uma necessidade da transição
defensiva se processar colectivamente, pressupondo-se que o posicionamento
Análise e Discussão das Entrevistas
102
colectivo expresso pelos jogadores terá interferência sobre a exequibilidade
das pretensões para essa transição. Inclusive, o próprio Luís Freitas Lobo
(Anexo III) vem considerar que a dinâmica ofensiva que se pretende para a
equipa deve permitir-lhe capacidade de reorganização imediata no momento de
perda da bola, admitindo existirem certos posicionamentos-chave que devem
ser respeitados para que se potencie a ligação entre os momentos.
O segundo ângulo perspectiva a existência de vários «futebóis» fruto da
variabilidade de concepções susceptíveis de se comprometerem com o
momento de transição defensiva e também fruto da influência das
características dos jogadores de que se dispõe. Através do ostentado por
André Vilas Boas (Anexo IV) é-nos facultado um outro entendimento de
estrutura de jogo que, pelo jogar de uma equipa estar vinculado às variações
da matriz espácio-temporal, permite contemplar alterabilidade, p.e., em «sub-
estruturas» – posicionamento individual, grupal ou sectorial – de maneira a dar
«vida» às ideias de jogo que se pretendem.
Também pelo que temos vindo a sustentar até aqui e por não podermos
vislumbrar mais acerca do que está na base das premissas evocadas por
André Vilas Boas, advertimos para que, independentemente da transição
defensiva arrastar consigo um envolvimento mais ou menos colectivo por parte
da equipa, esse envolvimento deve ter ligação articulada com aquilo que se
pretende para os restantes momentos uma vez que se poderão descaracterizar
os próprios princípios e funcionalidade de um outro momento caso não se
respeite tal coerência e congruência.
4.2.3. (SC2.3) Organização defensiva
“Todos têm as suas responsabilidades, uns mais activos, outros mais agressivos, outros mais posicionais, outros mais temporais…mas todos têm que participar defensivamente.”
(Queiroz, 2003a)
À semelhança do que se verificou nas duas subcategorias anteriores,
concedemos prioridade às ideias apresentadas pelos entrevistados
relativamente aos princípios e funcionalidade associados à organização
defensiva privilegiados por uma equipa e daí antever as relações com a
estrutura posicional adoptada.
Análise e Discussão das Entrevistas
103
“…quando queres jogar em pressão alta, a importância que tem o segundo
homem da frente, o mais avançado está a fazer a pressão ao central, se o
segundo jogador atrasar o equilíbrio, se não for particularmente apto para a
tarefa…a maior parte já não chegou. Agora se este homem for pressionante e
determinado, logo que ela passe, ele está a quebrar uma linha de passe que
aquela equipa pode utilizar ou a recuperar e acabou.” Agostinho Oliveira
(Anexo II)
“…começar a defender quando ataca e começar a atacar quando defende. (…)
Muitas vezes nós quando falamos numa equipa esforçada pensamos numa
equipa a defender, nós quando pensamos em destruição pensamos numa
equipa a defender. Portanto eu acho que o conceito de destruição e esforço
não têm que estar relacionados com a organização defensiva.”
“Os jogadores têm que ter a noção da ocupação espacial que lhes permite
situações de cobertura/recuperação de bola. A organização defensiva implica o
momento em que o jogador pensa no jogo sem a bola, mas já é um tanto pré-
conceber a posse na sua recuperação e deve-se preparar para um pressing
construtivo, digamos assim, e não um pressing meramente destrutivo,
conseguir uma recuperação que ponha a equipa logo a avançar no terreno (…)
Em termos de estrutura ou em termos de linhas é evidente que uma equipa que
a defender consiga ainda estar mais compacta, ou seja, fazer o chamado
«campo pequeno», à partida está a retirar espaços ao adversário, está a cobri-
los de melhor forma, está a encurtar mais a distância entre as suas linhas…”
Luís Freitas Lobo (Anexo III)
“…o teu objectivo será primeiro, reduzir os espaços do primeiro ao último
homem (excluindo o Guarda-Redes) e depois disso será definir um
posicionamento padrão do teu bloco. Depois, entrando no mais específico,
poderias começar a definir as zonas activas ou passivas de pressão, poderias
definir as referências visuais de pressão que te vão levar a um comportamento
mais agressivo na redução de espaços…” André Vilas Boas (Anexo IV)
Depare-se que, mesmo no caso especificado por Agostinho Oliveira
(Anexo II) relativamente à acção defensiva dos dois jogadores mais avançados
de uma equipa na procura de cumprir o princípio defensivo «pressão alta»,
todos os entrevistados enveredam no sentido da responsabilidade colectiva no
momento de defender. E mais, embora admitindo situações diferentes em
Análise e Discussão das Entrevistas
104
organização defensiva, todos eles apresentam comportamentos passíveis de
se encontrarem numa equipa preparada para o efeito no sentido de, mais do
que se defender a própria baliza, se definir como grande objectivo a
recuperação da bola para se poder atacar.
Este pressuposto de recuperação da bola tem implicação imediata
naquilo que temos vindo a realçar relativamente à articulação e contiguidade
entre momentos de jogo, pois a organização defensiva da equipa passa a
conter em si a forma como se pretende depois transitar para o ataque e o
organizar. Há então uma preocupação em estar ofensivamente organizado no
momento defensivo por se reconhecer como provável a recuperação da bola.
Em correlação inequívoca está a organização estrutural do jogar da
equipa se dever perceber como um «padrão organizativo» que não se
«deforma» por completo, uma vez que contém em si posições mais fixas e
outras mais móveis que são as que infligem «deformação». Neste sentido,
incorre o avançado por Agostinho Oliveira (Anexo II) ao identificar os
movimentos de pressão ao portador da bola e respectiva cobertura defensiva
(equilíbrio) dos dois jogadores avançados numa pressão alta, o que implica de
imediato a multiplicação em duas «linhas» por parte desses dois jogadores,
p.e., numa estrutura de jogo constituída por uma dupla de avançados (1-4-4-2).
Todavia, em nada isto faz «deformar» completamente o figurino global
que parece, isso sim, continuar a representar um «padrão organizativo»
caracteristicamente semelhante à sua forma inicial (1-4-4-2) no sentido dos
posicionamentos definidores de certas «linhas» (mais recuadas) no campo.
Neste sentido parece incorrer o avançado por Luís Freitas Lobo (Anexo III)
quanto à importância da redução de espaços proporcionada pela equipa para
assim colocar a equipa adversária sob elevado constrangimento espácio-
temporal, ou melhor, que tal se verifique por necessidade da equipa encurtar a
distância entre as suas «linhas». Parecendo partilhar da mesma ideia está
André Vilas Boas (Anexo IV) chegando a representar a equipa como um bloco
com determinado posicionamento padrão no sentido deste reduzir os espaços,
identificando algumas nuances estratégicas face ao adversário, que em nosso
entender não colocam em causa a valorização colectiva.
Luís Freitas Lobo (Anexo III) ainda chega a reconhecer que aquilo que
se considera por «juntar linhas» acaba por subverter a lógica que deve existir:
Análise e Discussão das Entrevistas
105
a dos jogadores terem as referências visuais que os seus posicionamentos de
base permitem estabelecer para que depois a equipa facilmente as reconheça
durante o jogo independentemente do momento de jogo que atravesse.
No tocante a esta observação, consideramos ser oportuno frisar que nos
reportamos a propensões a verificar e daí a conexão feita ao «padrão»,
reconhecendo que a adaptabilidade a certas circunstâncias que se podem vir a
definir num jogo, pela aleatoriedade e imprevisibilidade que lhe estão implícitas,
poderão levar a que esse «padrão organizativo» global se transfigure. No
entanto, estamos em crer que quanto mais fiel a equipa for aos seus princípios
e funcionalidade defendidos para o seu jogar e mais qualidade tiverem, mais
regular se tornará esse «padrão organizativo».
4.2.4. (SC2.4) Transição ofensiva
“Não gostamos de entrar em jogos em que as transições sejam constantes, de perde-ganha porque é um jogo quase de «flippers»…Gostamos de mandar mais no jogo porque num jogo
de transições ninguém manda no jogo.” (Guilherme Oliveira, 2008: 165)
Não desvirtuando a lógica condutora até este ponto, atentemos às
unidades provindas dos inquiridos relativamente à transição ofensiva no
domínio dos princípios e funcionalidade à mesma associadas e dos
posicionamentos referenciais dos jogadores representativos da organização
estrutural da equipa compreendendo este momento de jogo.
Todos os nossos entrevistados apontam num sentido da transição
ofensiva depender do momento em que esta ocorre, nomeadamente no
respeitante à forma como o adversário se nos apresenta. Agostinho Oliveira
(Anexo II) coloca a tónica na procura de conhecer as valências das equipas
defrontadas no sentido de procurar aproveitar, no caso do adversário ser uma
equipa cuja qualidade da posse de bola no momento ofensivo seja superior à
da própria equipa, em tentar explorar os espaços concedidos nas suas costas
através de uma transição ofensiva rápida sendo necessário atrair o adversário
para o próprio meio campo colocando a equipa posicionalmente mais recuada
no terreno.
Luís Freitas Lobo (Anexo III) e André Vilas Boas (Anexo IV) são
consentâneos no reconhecimento da transição se poder realizar de diversas
Análise e Discussão das Entrevistas
106
formas estando na base desta decisão uma questão de índole estratégica,
mais concretamente com base na forma como o adversário se apresenta,
chegando o segundo entrevistado a referir que “o que tu queres ou deves
explorar está intimamente ligado com a sua «organização»”.
Em nosso entendimento esta variabilidade deve-se muito também ao
grau de desorganização que o adversário poderá conter no momento e local
em que perdeu a bola e também da forma como se reorganiza de forma a
impedir ser surpreendido nesse momento de transição defensiva.
Por isso, os dois entrevistados referem poder realizar-se uma transição
ofensiva mais directa ou objectiva com intenções claras de aproximação rápida
à baliza adversária, que não implica necessariamente o recurso a passes
longos, ou até uma transição ofensiva mais indirecta que procure a posse da
bola, o que implica dar prioridade à segurança em detrimento do risco.
Neste sentido, somos solidários à observação feita por Luís Freitas Lobo
(Anexo III) relacionada com a possível desorganização que uma equipa pode
promover num determinado momento de jogo: “há muitas equipas que para
defenderem bem comprometem depois o momento ofensivo, porque
«desposicionam» de tal forma os jogadores que depois já não conseguem
colocar em prática o momento de transição ou o momento de organização.”
Pelo que podemos depreender, a organização do jogo da equipa nesse
momento defensivo espelhou um configuração funcional e estrutural não
congruente com as pretensões da equipa face àquilo que pretende fazer a
seguir.
O entrevistado realça algo que julgamos de extrema importância para
contrariar tal comportamento colectivo da equipa que é “a forma dessa tal
«deformação», que se pode conferir em alguns momentos como
desorganização, seja sempre uma desorganização organizada” (Luís Freitas
Lobo, Anexo III). No fundo, pretende-se que a equipa não abdique de potenciar
elementos como a criatividade e a adaptabilidade nos jogadores naquilo que é
representativo do jogar da equipa, mas sem que isso interfira no que é a
ordem, a organização, a ideia colectiva referencial, porque é esta que
estabelece o elemento interacção/ligação entre os jogadores da equipa, caso
contrário seria cada jogador por si. Acrescente-se que nessa ordem, o
estrutural/posicional é «parte» valorizada e não sobrevalorizada desse «todo».
Análise e Discussão das Entrevistas
107
Para rematar contemplamos somente mais um apontamento proveniente
da inquirição feita por entrevista, suportando-nos em transcrições de Luís
Freitas Lobo e André Vilas Boas, que julgamos poder contribuir
substancialmente para a contextualização que temos vindo a tecer.
“…há um momento em que tu não aumentas a distância entre linhas mas dás
um pouco mais de largura ao teu jogo e vais aumentando-as tenuemente, fazes
com que a equipa adversária também recue um pouco e alivie um pouco a
pressão e deve nessa altura dar mais espaço ao teu portador da bola, tendo
mais espaço expõe-te menos ao risco, deve-se expor menos ao risco. É o
único momento do jogo em que muitas vezes eu penso que o jogador pode
optar mais facilmente por um passe mais longo ou médio-longo do que um
passe curto de primeira instância, porque é o momento mais perigoso para
uma equipa é perder a bola num início de transição defesa-ataque e por isso a
importância desse momento das «linhas», quando se começam a alargar, os
jogadores não perderem o contacto visual com aquele jogador que tem a bola e
deixá-lo muitas vezes com a bola e com um espaço enorme à sua frente,
portanto, existir uma aproximação…” Luís Freitas Lobo (Anexo III)
“Imagina o seguinte: ganhaste a bola mesmo à saída da tua grande área com o
teu lateral esquerdo, o teu ala do lado direito não tem ninguém perto dele e
está isolado e o teu lateral direito também já está em progressão porque
percebeu a ocasião. Como não lhe consegues meter a bola directamente
passas a bola ao teu médio centro para que ele a gire para o outro lado. No
entanto, falhas o passe e entregas a bola de bandeja ao pivot do adversário
que de imediato liberta o ponta-de-lança deles no espaço entre o teu central e
o teu lateral direito e de cara no golo. Neste caso preciso em que o adversário
está desorganizado e tu foste «cego» na procura da transição ofensiva
acabaste por ser tu próprio que te expuseste à transição ofensiva deles e
passaste a ser tu o desorganizado por não teres pensado que no teu «tal»
momento de transição ofensiva tem que estar presentes o equilíbrio defensivo
e a possibilidade de uma transição defensiva.” André Vilas Boas (Anexo IV)
Em análise ao descrito por Luís Freitas Lobo (Anexo III) pretendemos
salientar como se encontram interligados não só os momentos de jogo, mas
como se devem encontrar conjugados os princípios de jogo, a organização
Análise e Discussão das Entrevistas
108
funcional e a organização estrutural da equipa no sentido de dar expressão ao
jogar que caracteriza uma equipa.
Repare-se que existe por parte do entrevistado o reconhecimento de um
princípio que envolve os jogadores avistarem-se uns aos outros na
possibilidade de interagirem, preferencialmente primando pela segurança.
Mais, depreende a referência do posicionamento das «linhas» para que a
transição ofensiva incorra segundo essas pretensões, ou seja, o estrutural, pela
“distância entre linhas” (Luís Freitas Lobo (Anexo III), é um aspecto a ter em
conta na definição da transição e na própria determinação da eficácia e
eficiência da transição.
De André Vilas Boas (Anexo IV) destaque-se o exemplo denominado
pelo próprio de «contra-transição» que, por si só, vem ilustrar objectivamente a
forma como importa que cada momento de jogo contemple uma organização
colectiva do jogar da equipa, ou seja, uma ordem que mantenha a equipa
equilibrada em todos os seus momentos, porque as transições do ataque para
a defesa e da defesa para o ataque são incontornáveis num jogo. Então, o
exemplo permite apurar como o não respeitar determinada funcionalidade
associada a uma organização posicional/estrutural que garanta à equipa
equilíbrio entre transições da defesa para o ataque e vice-versa comprometem
a articulação entre os momentos de jogo e comprometem a organização do
jogar da equipa.
Do que acabamos de mencionar, muito embora não se deva desprezar
as características dos jogadores e o que estes podem individualmente, pela
interpretação e pela intervenção, vir a determinar durante um jogo, mais
relevante se torna aquilo que colectivamente estes podem representar na
medida em que o jogar da equipa resulta de interacções entre os jogadores
que o tornam complexo.
Portanto, só no comprometimento pelo vínculo colectivo se torna
possível uma organização da equipa em que o «padrão organizativo», em
qualquer dos momentos de jogo respeitado, seja «fractal» a essa organização.
Para isso contribui uma estrutura do jogar da equipa regular e não fixa ou
imutável, determinística e não determinante ou rígida, isto independentemente
da sua alterabilidade em resposta às dinâmicas a empreender pela equipa.
Considerações Finais
109
5. Considerações Finais
“Parece-nos importante, se não fundamental, percebermos o jogo pela sua natureza, pela sua complexidade. Se a nossa intervenção sobre ele, não for deliberadamente pensada, no sentido
de se desenvolver um método de complexidade, um método de jogo, então, não seremos capazes de pensar e conceber o próprio jogo”. Faria (1999: 31)
Apesar de em alguns pontos temáticos a convergência ter sido muito
consistente, uma primeira consideração importante tem a ver com o não
pretendermos apresentar aqui alguma espécie de generalizações, porque as
conotamos como fortemente propensas ao absolutismo na observação,
reflexão e discussão sobre os fenómenos. Se assim o fizéssemos, poderíamos
incorrer numa incongruência grosseira com aquilo explanado até então.
Pelo contrário, situamo-nos na convicta tentativa em compreender a
contextualização específica que envolve a singularidade dos jogares das
equipas, de cada um deles. É nessa convicção que esperamos ter(em) sido
específica e fundamentadamente retratada(s) a(s) estrutura(s) de jogo.
Numa ordem lógica de ideias para melhor articulação das considerações
finais, respeite-se a necessária destrinça quanto ao jogo de uma equipa,
daquilo respeitante ao modelo de jogo, sistema de jogo e estrutura de jogo.
Quanto ao modelo de jogo é-lhe conferido uma capital importância
naquilo que é o jogar pretendido pelas equipas. Afastando-se de qualquer
aproximação a uma interpretação sinónima com esquema (estrutura) a ver
traduzido neste caso por uma equipa, o modelo parece aproximar-se do plano
concepcional do jogar, sendo-lhe outorgada a organização das ideias e de toda
a contextualização específica em que o jogar de uma equipa se constrói e se
vai construindo. Nele e dele fazem parte os princípios comportamentais de jogo
que induzem às dinâmicas a ver traduzidas pela equipa, à organização tanto
estrutural como funcional na procura de atribuir à equipa uma identidade
própria e singular face às demais equipas. De tal parece também resultar uma
forte implicação das características e capacidades dos jogadores, tendo este
último aspecto sido várias vezes sublinhado pelos nossos entrevistados.
A inconsistência verificada na discussão das entrevistas quanto à
distinção entre sistema de jogo e estrutura de jogo enquanto organização
Considerações Finais
110
estrutural que uma equipa apresenta como privilegiada, permite-nos inferir ser
difícil dissociar estes dois conceitos porque parece ser mais aquilo que os une
do que aquilo que os separa.
Ao sistema de jogo parece compreender a equipa como um sistema, no
sentido de expressar um certo jogar e que se confina a uma relação directa
com a representatividade concreta daquilo que se concebe como modelo de
jogo da equipa. Surge então a interacção como elemento de categorização
sistémica, compreendendo o sistema de jogo as interacções individuais,
grupais, sectoriais, intersectoriais e colectivas verificáveis na equipa como
expressão desse jogar.
À estrutura de jogo está-lhe confinada um papel organizacional do ponto
de vista posicional da equipa no campo. E é nesta base que, desde logo, se
poderá começar a inferir acerca da importância da organização estrutural no
jogar de uma equipa.
Em resultado parece poder indiciar-se que a estrutura de jogo ou a
organização estrutural é um ponto referencial de partida para a equipa e para
os jogadores desenvolverem desde aí as dinâmicas subjacentes ao seu jogar.
Daqui parece relegar-se de imediato para o figurino rígido e estático que
habitualmente se associa às equipas jogarem em 1-4-4-2, 1-4-3-3, etc. No
entanto, à estrutura de jogo parece poder reconhecer-se capacidade desta
derivar para outras estruturas (por alteração subestrutural, p.e.) em virtude do
carácter dinâmico que o jogar da própria equipa apresenta e/ou pelas
incidências do ponto de vista posicional e funcional que a equipa adversária
poderá reclamar da equipa na ocupação dos espaços.
Desta «avalanche» da dinâmica implícita ao jogo como confronto entre
duas equipas, dois sistemas, duas estruturas, parece concluir-se ser
necessário que cada equipa se organize posicionalmente e funcionalmente
para que, ao reconhecer os posicionamentos referenciais, torne mais
determinístico o seu jogar e menos caótico, pela imprevisibilidade e
aleatoriedade que o confronto entre ambas poderia resultar se fosse fundado
numa organização das equipas ao livre arbítrio de cada jogador.
Neste sentido, dependendo sempre das características dos jogadores de
que se dispõe, que por sua vez determinam muito daquilo que poderá ser a
dinâmica da equipa, parece reconhecer-se também a inevitabilidade da equipa
Considerações Finais
111
apresentar uma certa consistência na estrutura de jogo privilegiada. A
variabilidade constante daquilo que é referência para a equipa –
posicionamentos constituintes da estrutura – tende para a incapacidade da
equipa em expressar os seus princípios de jogo na medida em que a estrutura,
por si só, possibilita determinado tipo de inter-relações entre os jogadores. Uma
mudança constante pode quebrá-las e desvirtuar o jogar que se pretende.
Curiosamente, num sentido diferente parece situar-se o contexto das
selecções, ou seja, na reciprocidade existente entre o modelo e jogadores, o
sentido jogadores-modelo adquire contornos muito sensíveis. Pelo curto
período de preparação/construção neste contexto, aquilo que o jogador
compreende na sua individualidade (cultura táctica) no padrão passível de
extrair do que ele faz no clube que representa, pode fazer ampliar o espectro
de estruturas ou subestruturas de jogo privilegiadas para os jogos. Convinha-se
porém que sempre em total articulação com a funcionalidade e princípios de
jogo que se pretendem ver no jogar da equipa.
Outra consideração final interessante tem a ver com uma unanimidade
consentida face à inexistência de estruturas de jogo como sendo mais
indicadas face a um determinado momento de jogo. Aqui prevaleceu uma
concepção de articulação entre os quatro momentos de jogo no sentido em que
as inter-passagens uns pelos outros potenciem a fluidez entre os momentos.
Para isso tem de se perceber o jogar como um «todo» e não como os
momentos per si. Neste sentido, os princípios e funcionalidade incorporados na
estrutura são superiores a qualquer que seja o posicionamento colectivo e
individual a registar pela equipa, conferindo uma propensão mais eficaz de
resposta ao carácter caótico do Jogo que inflige a que o jogar de uma equipa
lide constantemente com as relações de ordem-desordem, organização-
desorganização, equilíbrio-desequilíbrio.
Dessa articulação entre os momentos sobressaiu igualmente parecer
convergir a necessidade dos jogadores individualmente e colectivamente
entenderem o jogar na completude das dimensões – táctica, técnica, física,
psicológica, estratégica – que o constituem, compreendendo-o como um «todo
inquebrantável», um «todo» uno que confere, nos momentos de jogo,
dinâmicas na matriz espacial e temporal que infligem adaptações por parte dos
jogadores e da equipa.
Considerações Finais
112
Com relativa consistência tornou-se possível reconhecer que, face a
essa matriz espácio-temporal e ao confronto existente entre duas equipas, a
própria dinâmica do jogo da equipa sustente a sua organização estrutural não
numa rigidez posicional colectiva mas uma organização padronizada
identificativa do jogar.
Parece-nos também que as «linhas» que uma equipa faz apresentar
fluidamente em campo carecem de uma interpretação colectiva e não
individualizada das mesmas, ou seja, da «forma» resultante que se vai
alterando mas que deve apresentar regularidades ao ponto de se identificar
como «padrão organizativo» do jogar da equipa. Daí nos sugere resultar a
conotação de organização estrutural àquilo que normalmente se associa ao 1-
4-4-2, 1-4-3-3, etc.
E, por fim, parece ainda consentir-se que, dada a utilização de diversas
estruturas de jogo ao longo da história que fazem reduzir a «novidade» neste
sentido, da opinião dos entrevistados surja a identificação de um retornar das
estruturas de jogo representadas somente com 3 defesas e a identificação das
estruturas de jogo que contemplem mais médios (1-4-6, p.e.) como eventuais
estruturas de jogo a privilegiar no futuro. Considera-se que o jogo deverá
passar pela «ousadia» no sentido do elevado «conhecimento táctico» dos
jogadores acerca do Jogo. Acrescentamos que, caso a qualidade do jogador
compreenda o jogar da equipa segundo a lógica que temos vindo a apresentar
– nomeadamente quanto à indivisibilidade dos momentos e das dimensões do
jogar sem deixar de compreender a plasticidade implícita no mesmo – a
viabilidade da utilização de tais estruturas de jogo tornar-se-á sobremaneira
mais viável.
Em continuidade com o referido inicialmente neste ponto de
“Considerações Finais”, enfatizamos a nossa pretensão principal em dar a
conhecer estas «linhas de pensamento», esta possível aproximação
paradigmática de conhecimento sobre o fenómeno Futebol que, sendo
complexo e sedimentado numa natureza sistémica e «fractal», carece que cada
seu constituinte, para que seja instituinte do fenómeno, se reveja à «sua
imagem e auto-semelhança» nas propriedades do fenómeno total em si.
Considerações Finais
113
Encerrando o nosso contributo para a investigação nesta temática,
concedemo-nos a um memorando que se faz sentir tão veemente agora como
quando demos início ao estudo…
“…independentemente de todos os aspectos importantes e fundamentais que tornam
este jogo espectacular, a verdade é que uma qualquer reflexão, por mais ou menos
profunda que seja, irá sempre ser direccionada fundamentalmente para estas duas
questões: a disposição no terreno de jogo e os jogadores que o ocupam.”
(Castelo, 2004: 53)
Considerações Finais
114
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Referências Bibliográficas
124
ANEXOS
Anexos
XVII
ANEXO I
Guião da Entrevista
Organização de Jogo
• Concorda que uma equipa para ser de rendimento superior tem de ser organizada
em todos os seus momentos (atacar, defender, transitar)?
Podia esclarecer-nos o porquê da sua opinião?
• O que entende por organização ofensiva, organização defensiva, transição defesa-
ataque e transição ataque-defesa?
- Modelo de jogo
• Inicialmente, gostaria que me falasse sobre o que entende por modelo de jogo.
• Qual o papel que atribui ao modelo de jogo na organização do jogo de uma
equipa?
• Que relação lhe parece existir entre princípios de jogo e funcionalidade
pretendida para a equipa em termos de jogo?
• Na operacionalização do modelo de jogo qual a importância atribuída às
características dos jogadores?
(Compreensão particularizada segundo os momentos de jogo para posterior articulação com a
segunda categoria em análise)
• Podia mencionar quais os principais princípios ofensivos que privilegia,
atendendo à funcionalidade do jogar expresso pela equipa quando em
organização ofensiva no:
- momento inicial de construção do jogo ofensivo;
- momento de construção e definição de situações de finalização.
• Relativamente à organização defensiva podia referir os principais princípios
defensivos que privilegia para uma equipa tendo em conta a sua funcionalidade
colectiva.
• Quando em transição defesa-ataque poderia mencionar quais os principais
princípios de jogo privilegiados para este momento, elucidando-nos acerca da
funcionalidade colectiva a apresentar pela equipa?
• E, quando em transição ataque-defesa, quais os principais princípios de
jogo privilegiados para este momento tendo em consideração a funcionalidade
colectiva a apresentar pela equipa?
Anexos
XVIII
- Organizações estruturais de jogo
• Qual o papel que atribui à organização estrutural, ao nível da disposição
«táctica» dos jogadores, no futebol praticado por uma equipa?
• Considera ser mais adequado restringir-se a uma só estrutura «táctica» de jogo
ou, pelo contrário, apresentar variabilidade de jogo para jogo da estrutura
«táctica»? P.e, neste jogo a equipa jogar em 1-4-1-2-3, no próximo em 1-4-4-2, a
seguir em 1-4-2-3-1, etc.? Poderia explicar-nos o que está na base da sua
opinião?
• Que estruturas de jogo pensa poderão vir a surgir no futuro?
Organização estrutural (posicional) do jogar
• Atendendo ao discorrido anteriormente acerca da funcionalidade colectiva que se
pretende ver expressa pela equipa, parece-lhe existir alguma distribuição
(posicional/estrutural) colectiva da equipa em campo que particularmente potencie
cada momento do jogo (organização ofensiva, organização defensiva, transição
ofensiva e transição defensiva)?
• Vê alguma vantagem em se jogar com mais ou menos «linhas», longitudinais ou
transversais, para se jogar ou entende ser unicamente da preferência de como o
treinador pretende que a sua equipa jogue?
• Comente a afirmação: “Os triângulos são formas geométricas evoluídas de
posicionar os jogadores em campo.”
• Actualmente, acha que o jogador de cultura e com qualidade superior tem
elevados desempenhos num «posto específico» ou em «polivalência» de
posições? Porquê?
(Compreensão particularizada novamente segundo os momentos de jogo para
posterior articulação com o desenvolvido em “Modelo de jogo”)
• Optando por uma distribuição posicional/estrutural da equipa, poderia referir-
nos os posicionamentos dos jogadores em campo e estabelecer as «linhas» de
referência da organização estrutural da equipa no:
- momento de iniciação à construção do jogo ofensivo;
- momento de construção e definição de situações de finalização.
• Optando pela anterior distribuição posicional/estrutural da equipa, poderia
referir-nos os posicionamentos dos jogadores em campo e estabelecer as «linhas»
Anexos
XIX
de referência da organização estrutural da equipa quando em organização
defensiva.
• À semelhança do anterior, poderia referir-nos os posicionamentos dos
jogadores em campo e estabelecer as «linhas» de referência da organização
estrutural da equipa quando em transição ofensiva?
• Por último, pedimos que proceda do mesmo modo, mas tendo agora em
consideração o momento transição defensiva.
Anexos
XX
Anexos
XXI
ANEXO II
Entrevista a Agostinho Oliveira
Técnico (adjunto) da Selecção Nacional A Portuguesa
Casa do treinador em Guimarães, 29/07/2009
Antes de formalizar o início da entrevista foram feitas as apresentações e o
professor começou por referir o interesse em que esta não se tornasse uma entrevista
fixada por um guião, mas sim mais em formato de «conversa» sobre temas que
haviam sido apresentados ao entrevistado via correio electrónico.
Assim sendo, e revelando o seu entendimento sobre o fenómeno Futebol
(jogado e treinado), desde logo o entrevistado questionou a preponderância das
estruturas de jogo quando o futebol é um jogo que contém imprevisibilidade e está
muito dependente dos seus principais intérpretes (os jogadores) e daquilo que eles
decidem e conseguem executar nas diferentes situações que o jogo provoca…
Milton Cerqueira (MC): …eu estou a perceber perfeit amente isso, agora a
questão que eu coloco é: há referências, o Futebol (o Jogo) está sempre
organizado…parte-se do princípio que uma equipa…
Agostinho Oliveira (AO): Pensas tu que está organizado, não é?! Que tens uma
estrutura organizada, e logicamente e inicialmente, partes dela. Tu trabalhas
sistematicamente a tua estrutura não é? Em função de quê? Da organização,
dos teus princípios. Pronto. Mas tu sabes perfeitamente, ainda há pouco tu
concordaste que existem vários considerandos a contrariar estes princípios
todos que é, p.e., a outra equipa. Mais, a qualidade da outra equipa, …, etc.
MC: …a qualidade da outra e da nossa também, dos no ssos jogadores…
AO: …logicamente…e tu confrontas-te com esta realidade: «Não marcas daqui
a bocado vais sofrer». Não dizemos muitas vezes isso? E por vezes não
acontece? Tu vais lá, a bola bate na barra, há um contra-ataque, golo do
adversário…
MC: …sim até se tem a mania de dizer que há sempre qualquer coisa que
falhou ali, ou que não deveria estar, mas deveria t er feito. E até é muito
Anexos
XXII
bonito de se dizer, isto quando há um adversário qu e está lá, que joga e
faz…
AO: Pois é precisamente…É no âmbito da discussão e eu discuto cada vez
mais isto de ordem-desordem desordem-ordem. Vais-te alimentar nos
procedimentos de quem? Dos teus jogadores! Nos procedimentos de quem?
Do adversário. É nas cedências e fragilidades do adversário que tu vais ter que
saber aproveitar, mas para saber aproveitar, os teus conteúdos de domínio, de
sabedoria, dos teus princípios, de nível técnico individual, de nível de cultura
táctica, etc., têm que ser fortes para poderes fazer este tipo de aproveitamento
e depois tu até podes chegar até à grande área, mas chegas até lá e tens um
jogador que não finalizou, por falta de presença emocional, por falta de
trabalho, sistematização, ou, porque é este e não aquele que seria o melhor
executante, quer dizer, no tempo de aproximação, se no nível de execução…e
a legitimidade de uma linha próxima da grande área e que dali já se remata,
porque a maior parte dos golos agora, de alguma maneira, estão-se a produzir
ali, remates poderosos, bolas que favorecem o remate.
Mas, para que isso aconteça tens que educar, tens que dar condições para a
aproximação ao nível que já possuíste, mas infelizmente o cenário não é
agradável, tens um ou outro campo, uma «academiazita»…a distância para os
restantes países europeus aumenta dia após dia, cada vez ficamos mais
distantes da realidade «produtiva» dos outros países, porque o nosso atraso
em conformidade com a ausência de estruturas físicas de importância que
seria justificável, perante a grandeza futebolística que o país atingiu, implica
necessariamente tu continuares a perder um tempo precioso na
formação…mas, em Inglaterra tens 40 academias mais 56 centros de
excelência, em França idem aspas, na Alemanha, na Holanda, já na Áustria,
Espanha, e por aí fora…tens um «produto», alimenta-lo, dás-lhe educação
cívica e académica, (…), dás-lhe cultura táctica, bons espaços físicos quer em
qualidade quer em quantidade, e desenvolves o «produto» que pretendes
formar. Assim, começaste há anos a criar uma nova ordem na produção da
realidade futebolística.
E tu aqui paraste…chegas a alguns Clubes, (…), há é espaços físicos.
Alguns…tens campos, espaços. Sobram três/quatro equipas nacionais
Anexos
XXIII
próximas da realidade. Esta é a outra grande realidade, (…), essa, a que tu
pretendes para os bons procedimentos, (…), essa não existe…
O professor Agostinho pediu logo de seguida para que visualizasse uma
projecção em tv de um documento pessoal no qual tem organizado estruturalmente
aquilo que prima como conteúdos de referência para a organização e
operacionalização do jogo.
AO: …sendo jogo para jogo, tu vivenciando o treino como correspondência do
jogo e vivenciando o jogo na interdependência do treino, automaticamente o
teu diagnóstico tem que estar quase sempre presente para tu poderes formular.
Tens o treino, estás a preparar o jogo, mas chegas ao jogo, vês/identificas
diagnosticadamente realidades que não estão ainda consumadas e,
automaticamente, tu vais para o treino e estás a ver a outra equipa contra
quem vais jogar no próximo fim-de-semana, ou daqui a um mês, mas também
já estás a ver os defeitos, os problemas que a tua equipa teve, na maneira
como se ligou, na maneira como articulou os sectores, (…).
A observação reflectida do global para o analítico é proposta sempre
fundamental, na medida em que tu consegues decompor a realidade
sequencial que te falha, que fez curto-circuito e que não te deu possibilidades
de poder avançar.
MC: Essa qualidade, atendendo àquilo que estávamos a falar à pouco do
jogador decidir o momento, não está subjacente a es sa ordem que é
colectiva, a essas referências que são transmitidas aos jogadores e eles
depois dentro desse espaço, dessa ordem, terem espa ço para criar, para
melhorar e, talvez, evoluir em termos das respostas que vão dando…
AO: Logicamente (…). É por isso que o jogador tem uma valorização/evolução,
mesmo em ordem à idade, mas a etária normalmente tem sempre quase que
uma proporcionalidade em relação à evolução\competição\solicitação (níveis).
Depois, considerar as (agressões) colaterais que possibilitam definir a
capacidade «personalística» do atleta.
Aqui começas de alguma maneira a traçar o perfil do jogador e carimbá-lo/
projectá-lo na dimensão, no sector, posicionamento e área de cobertura.
Anexos
XXIV
Passarás a considerar o jogador no plano da possibilidade de resposta a
determinado tipo de exigência. Trabalhador com classe e tens a certeza que
independentemente da posição corresponde aos níveis de expectativa e
normalmente é moldável.
Ainda ontem estava a ver o Tiago, o Tiago não está, de alguma maneira, a
exemplificar aquilo como o conheceste quando o lancei na equipa de juniores
(selecção sub-18). Não, o Tiago está um jogador forte, compacto, com o
atrevimento condicionado, assumiu aquilo que eram as componentes do futebol
italiano, mas depois, para ele assumir este tipo de condições teve que alguém
o observar e dizer: «Este jogador até é capaz de corresponder a esta missão!»,
porquê? Porque ele alardeava outro tipo de condições, nomeadamente do foro
físico\táctico e técnico, que lhe possibilitavam fazer isso. E a conjugação destes
factores e à maneira como ele aceita o desafio, confronta os adversários, etc.,
conjugas força mental.
Por outro lado, por vezes vê-se jogadores que no domínio técnico até nem têm
grande capacidade, mas o tipo de funcionalidade (…), a componente
«solidariedade», a atenção, níveis de concentração, conjugam-se p.e. com o
bom desempenho e possibilitam a titularidade num qualquer clube. Quando vês
o jogador na sua individualidade hesitas, mas o seu profissionalismo, a maneira
como ele é solidário no jogo, a maneira como ele interpreta, a maneira como
ele funciona no regime articulado…eu costumo dizer, «os dois centrais nunca
serão os dois melhores centrais, mas sim os que proporcionam a melhor
articulação entre eles», a maneira como se regem entre eles. Existem razões
de outra ordem para determinados tipos de procedimento.
MC: …isso vai de encontro àquilo que se falou no pe ríodo dos
«galácticos» …
AO: Tu nas peças, na individualidade, podes não ter o colectivo,
independentemente da riqueza do individual.
MC: É um pouco na base disso, e utilizando o exempl o que agora deu em
que por vezes há jogadores em equipas que do foro d a capacidade de
execução até nem são muito bons, reconhecendo que n o domínio da
decisão até é relativamente acertada, que coloco ag ora a questão num
Anexos
XXV
patamar a top. Partindo desde já de a top todos ter em essas qualidades
reconhecidas, se não há uma importância dessa ordem colectiva e, p.e.,
partir das ideias que são do jogo de uma equipa, um a identidade que se
cria, uma equipa jogar dessa maneira e haver uma de terminada estrutura
de jogo que possa ajudá-las…
AO: … lógico, lógico…
MC: …a fazer com que…P.e., falou-se durante anos qu e o Barcelona de
Cruyff jogava de uma determinada maneira que ningué m na altura ou era
raro alguém se colocar em campo daquela forma e…
AO: …como falas do Barcelona actualmente…
MC: Outro exemplo…
AO: Mas o Barcelona actualmente, se retirares o Messi qualquer dia ou o Xavi
ou o Iniesta, és capaz de ter problemas naquela equipa porque os
desequilibradores, a ordem do desequilíbrio que determinado jogador faz em
campo, na atracção que exige imediatamente, de uma marcação que liberta
outro movimento ou uma linha de passe, (…), a rapidez com que eles
executam, o pensar e agir rapidamente, é qualidade inata dos grandes
jogadores e o investimento no colectivo, se tu o fizeres, lógico que quando tu
estiveres a chegar lá já a bola partiu há meia hora. É tentares apanhares
sempre o comboio quando ele já passou, chegas à estação atrasado, ou seja,
há uma realidade na componente de exteriorização de determinado tipo de
modelos. Podes ter a certeza daquilo que te vou dizer, é que é mais feita na
influência do jogador para o modelo do que do modelo para o jogador.
O José (Mourinho), da maneira que prepara as equipas e que adapta o
jogador, mas o José não joga no Inter como jogava no Chelsea logicamente.
Mas o José tem essa extraordinária qualidade, pode chegar lá e modelar, no
domínio da qualidade de interferência que possui, no domínio da interferência
da relação dos sectores, da interligação dos sectores, ele pode ser o mesmo
José, a pedir e a exigir aos jogadores que, mas (…) o Ibrahimovic estava fora
de toda aquela estrutura, mas com hipóteses diferenciadas no benefício da
estrutura (fora da estrutura, mas com missão…) porque ele era uma peça à
parte no domínio de algo como p.e. o Drogba não o fazia no Chelsea. O
Anexos
XXVI
Drogba era uma componente da peça colectiva quando havia necessidade da
peça colectiva. Raramente viste o Ibrahimovic a vir uma vez cá atrás fechar um
espaço ou a quebrar uma linha de passe, mas a qualidade do jogador implica
outro tipo de intervenção colectiva. E vês p.e. no Barcelona algo que até lhe
será difícil no Barcelona porque ele atinge a qualidade individual que possui
mas não atinge talvez na componente solidária que muitos daqueles jogadores
do Barcelona têm, terá que se respeitar a ordem dos «números» porque tu vês
o Xavi a fazer um nível de execução rápida em que antes de receber a bola já
tem uma linha de orientação para a própria bola o que dá velocidade ao próprio
jogo e em que tu passas de uma recepção para uma situação de transito entre
defesa-ataque imediatamente e tu ganhas essa linha o mais acima possível, tu
fazes um desequilíbrio de 2, 3 intervenções que estão projectadas sobre ti, a
qualidade de um jogador fez com que isto possa acontecer. Mas, quando toca
a reunir, tu vez um Xavi a quebrar linhas de passe, a roubar a bola, a
recuperar, tu vês o Messi a fazer o mesmo, etc., etc. O grande jogador é o que
põe os outros a funcionar, o que facilita a tarefa aos outros.
O espaço das cargas emotivas, que pesam sobre todos os jogadores ocupa
uma área muito importante no sucesso, a base da vitória, o jogar com alegria, o
jogar com a confiança, estabilidade emocional, alimento que te dá o próprio
jogo. Há aqui uma série de variantes importantíssimas no trabalho das
selecções nacionais p.e..
Todo o trabalho, porque efectuado de mês a mês, no espaço que vai por vezes
a um período de 8 dias, estabelece critérios de interferência diferenciada de
qualquer tipo de trabalho efectuado nos clubes. Por vezes não partes da
estrutura pretendida, mas aquela a que a matéria-prima que dispões te permite.
Trabalhas imenso com a estabilidade emocional e com a incidência em
algumas peças que exigem mais cuidado.
Defines a estrutura em função inteligente e programas e modelas a perspectiva
de uma estrutura baseada em função do tipo de representatividade de cada
jogador nos seus respectivos clubes. Pretende-se estruturar colocando as
peças de modo a fazer o seu maior aproveitamento e por vezes arrastas e
promoves a estrutura na proximidade do tipo de características que residem no
jogador.
Anexos
XXVII
Falamos p.e. na modelação do espaço do meio campo com as características
do número «10», as quais para a rentabilização do mesmo, tem praticamente
de se posicionar num espaço próprio. E, assim sendo, todos os restantes
componentes teriam que se posicionar de maneira diferente no espaço do meio
campo, colocando-se praticamente em paralelo e o triângulo do meio campo
invertia-se.
O dilema absorve discussões e leva a perspectivar, e obedecendo às
características de cada um dos jogadores componentes, a projecção para
outros quadros de modelação estrutural (indicava para a posição dos jogadores
interiores do triângulo do meio-campo numa estrutura em 1-4-3-3) (…).
O Ferguson o que fez neste último jogo da Champions (final disputada entre
Manchester United e Barcelona), quem é que pôs lá (referia-se à posição de
médio-ala da estrutura 1-4-4-2 utilizada pelo Manchester)? O Rooney. Na ala, a
trabalhar tacticamente, pôs o ponta-de-lança.
MC: Mas há o reconhecimento de posição de que, (…), em momentos de
perda de bola ou em que a equipa tem que estar orga nizada
defensivamente, há o reconhecimento de determinadas posições em
determinados espaços que obrigatoriamente em termos da estrutura que
a equipa monta têm que estar lá e têm que estar art iculados, senão aí é
que começa o problema?
AO: Inclusive a própria equipa pode estar estruturada de modo a que a peça,
aquela peça poder ficar fora da estrutura (…) o fora da estrutura, p.e., de um
ponta-de-lança implica-te necessariamente duas coisas: se ele for inteligente
quebra-te a linha (de passe) de atraso, a diagonal de organização ou para o
defesa central ou para o guarda-redes…um ponta-de-lança a sério fica-te fora
da estrutura e sabe ocupar os espaços fora da estrutura. Como é que ele
ocupa? Quebrando a linha de passe do lateral p.e. para o central. Está fora da
estrutura não está?! Mas ao mesmo tempo está a trabalhar colectivamente,
não está fora da estrutura…inteligente da equipa.
MC: …está enquadrado de uma outra forma…
AO: …mas está enquadrado de outra forma! Ou seja, porque anula o
posicionamento do lateral para que o transito, ou se quiseres, a posse de bola
Anexos
XXVIII
seja anulado por ali, a que ele seja obrigado a jogar numa base mais de
profundidade ofensiva e que seja passível de perder a posse da bola. Agora,
por vezes, tu não vês estes jogadores a fazer isso. Quando estão fora da
estrutura não se integram colectivamente na equipa.
Tens ali o lateral, tens este ponta-de-lança e estás aqui (ver Figura 15) numa
meia posição e o defesa central está aí, o que é que te adianta estar aqui, não
estás a fazer rigorosamente nada, estás a gerar aqui um muro, se quiseres
fazes sombra e não fazes mais nada.
Figura 15. Representação/Exemplo em estrutura em que o entrevistado apresenta a posição e movimentação do ponta-de-lança permitindo que o defesa/lateral esquerdo possa circular a bola pelo guarda-redes fazendo-a chegar ao corredor central pelo defesa central direito ou ao corredor lateral contrário através do defesa/lateral direito.
AO: Agora se este homem (ponta-de-lança) faz isto, automaticamente quebra
esta posição (ver Figura 16), tem cautelas com a subida deste e quebra a
possibilidade da equipa se organizar pelo lado contrário, estando fora da
estrutura mas trabalhando colectivamente.
Figura 16. Representação/Exemplo em estrutura em que o entrevistado apresenta a posição e movimentação do ponta-de-lança, «deslocado» da sua posição mais propensa – posição central no campo – impede que o defesa/lateral esquerdo possa circular a bola pelo guarda-redes ou pelo defesa central esquerdo, ou seja, dificulta a circulação de bola à largura e potencia a construção do adversário em profundidade.
Gr
Gr Gr
Anexos
XXIX
AO: É esse que é o sentido, da discussão que, em organização, quantas das
vezes alguma anarquia na estrutura te possibilita tu recuperares a bola e teres
mais gente a fazer golo, teres uma peça solta e ser ela a promotora de um
contra-ataque. E o futebol é fértil nisto, sempre dissipativo, não é? Para além
do trabalho que tiveste em organizar a equipa, será sempre uma organização
que sobrevive…da fragilidade demonstrada pela outra… (o professor retomou
à informação projectada na tv…)
AO: O jogo é um contínuo de acção. Nos instantes de desorganização há
organização tendendo sempre para a desordem. A tua intenção como equipa é
organizares em regime de transito defesa-ataque, é organizares-te para ir para
o ataque não é? Mas qualquer uma das incidências que estão na
interdependência de cada um destes momentos (qualidade de passe \
qualidade de recepção \ orientação da mesma \ movimentação \
posicionamento \ etc.) pode fazer com que a esta situação de ataque imediato,
passes a ter que reagires mentalmente e rápido para uma situação defensiva.
(…). Agora aqui isso é importante, tu alimentares-te no teu jogo, não teres a
posse da bola e teres atitudes: vais procurar a bola, vais pressionar o
adversário, vais bascular no sentido da pressão, vais tentar retirar a bola. E,
retirando a bola do adversário, vais ter que sair da zona de pressão do
adversário, tentar apanhar uma zona onde possas jogar melhor e equilibrar o
teu futebol, entretanto a bola passa por N situações. Ou então a visão super-
Dotada deste jogador mete a bola nas costas dos defesas centrais e aparece
uma «flecha» do outro lado e resolveu-te o jogo.
MC: Quando atrás colocou aquela questão do defesa/l ateral esquerdo que
conseguia, e isto com a equipa adversária estrutura lmente até bem
posicionada e que estava a cumprir com os seus prin cípios e p.e. até
defendem à zona e fazem um movimento pressionante d e imediato ao
lateral e este consegue meter a bola em diagonal…Re cordo-me de num
que o FC Porto jogou contra o Real Madrid se ter co locado essa questão
em relação ao Roberto Carlos, que tinha uma capacid ade extraordinária
de passe longo em diagonal para um extremo do lado contrário…
Anexos
XXX
AO: …E não só! E ser ele o sinal locomotor do outro lado quando a bola estava
deste lado que normalmente nem era pelo lateral, era pelo defesa central…
MC: Mas, no entanto, lembro-me na altura de Mourinh o, então treinador
do FC Porto, referir isso como a principal coisa qu e temia nesse jogador e
referir também que a sua equipa também tinha coisas assimiladas e como
eram muito fortes a fazer certos movimentos…Não se poderia colocar
aqui uma questão de valências colectivas de forma a poder anular isso?
AO: Logicamente. Mas tu para que te possas de alguma maneira equilibrar,
tens de ter os jogadores Mentalmente preparados para essa situação! Toda a
gente sabe!!! Vê televisão, o próprio treinador alertou e tal… «…cuidado com o
Roberto Carlos, avança muito, sobe muito e…». Então, temos que pôr um
jogador mais posicionado, um lateral \ médio(?), mais atento a toda a situação.
E a qualidade do Roberto Carlos!...bastará avisar, bastará posicionar alguém
na zona?
MC: …não pode haver um movimento demasiado acentuad o de
basculação à direita…
AO: …e depois não é só isso. O jogador que é o Roberto Carlos que está aqui,
este lateral (direito da equipa contrária) sobe-te e faz-te isto (cobertura
defensiva aproximando-se), automaticamente ou ganhas espaço aqui
(referindo-se ao espaço deixado vago pelo lateral direito com a sua subida) ou
ganhas aqui (lado esquerdo também no sector defensivo do campo) porque
este homem é obrigado também a fazer cobertura porque entretanto este
espaço entre o defesa central e o defesa lateral é enormíssimo! E não há
qualidade nestes jogadores de fazer diagonais ofensivas para te «matar» nas
costas \ no espaço aberto do lado contrário por uma disposição correcta do teu
lateral aproximando-se por dentro…? O problema é sempre este! É evidente
que isto, à medida que tu sobes com a equipa no valor intrínseco que tu
possuis em cada um dos elementos que tu tens, vai-te valorizando, a tal
valorização cultura-táctica, a capacidade, a qualidade individual, a pressão…a
força física, vai-te fazendo com que isto possa não ser possível ou pelo menos
minimizas estas questões, porque há grandes equipas a jogar contra grandes
Anexos
XXXI
equipas, possuidoras de grandes jogadores que, por vezes, fogem de todos
estes princípios.
MC: …está-se a ver também cada vez mais, com a subi da dos defesas
laterais, estes fazerem movimentos interiores, p.e. , o Daniel Alves faz
várias vezes isso…
AO: …também depende, porque sempre no trabalho lateralizado se se acentua
a importância do ala, na implicação com os movimentos do ala. O implícito está
na ocupação dos espaços, e porquê? Porque, se o ala não sabe trabalhar bem,
o espaço de profundidade do lateral é sempre difícil conseguir…espaços, ao
mesmo tempo, a libertação dos médios nos movimentos diagonais ofensivos,
libertando assim e gerindo o espaço de desgaste do lateral e ao mesmo tempo
tem que se quantificar a capacidade a nível físico destes dois homens (refere-
se novamente aos médios interiores do triângulo num estrutura 1-4-3-3 ou 1-4-
1-2-3), porque este homem a trabalhar bem e a fazer diagonais ofensivas
possibilita que, na criação do espaço lateral, seja este homem a fazê-lo,
aumentando consideravelmente a dinâmica ofensiva, a exemplo daquilo que a
gente fazia à muitos anos atrás nas nossas saídas – a 3A, a 3B, a 3C, … – ou
seja, quando o movimento do ala se envolvia para dentro na aproximação ao
ponta-de-lança era o lateral que possivelmente iria ocupar aquela posição. Mas
a grande maioria das vezes não era o lateral, era o próprio médio com
dinâmica ofensiva que possibilitava-lhe fazer a ocupação daquele espaço,
então o lateral vinha ocupar naturalmente a posição de médio, isto na
operacionalidade ofensiva…
MC: Então estamos aqui a referir, se percebi, que a omissão de um ala de
determinadas tarefas que têm a ver com o jogo, porq ue muitas vezes este
só investe ofensivamente, limita sempre a acção do outro jogador e a
equipa perde com isso? É isso?
AO: Implica-te. Escuta. Caracterizares o trabalho do ala de determinada
maneira mas não em função dos teus princípios. Imagina que tu defines dentro
dos sub-princípios tu fazes uma alternativa de trabalho na ala e tu dizes,
quando o ponta-de-lança faz esta aproximação ao lado contrário o que é que
este ala deve fazer? Normalmente, fazer o papel de segundo ponta-de-lança, a
Anexos
XXXII
bola está do outro lado. E para o outro ala, pede-se precisamente a mesma
coisa. Ora bem, se ele faz isto, cria duas alternativas, ou foi acompanhado pelo
defesa ou não foi. Se foi, logicamente libertou um espaço que é ocupado por
um lateral ou um médio na diagonal ofensiva (…). No domínio principalmente
de um 1-4-3-3, o ala tem que servir quase sempre como segundo ponta-de-
lança (…). Está o ala do outro lado a jogar ou o lateral, aproximou o ponta-de-
lança e o ala do lado contrário faz de segundo ponta-de-lança e
automaticamente em termos de organização ofensiva libertou espaço para a
entrada do lateral, para a entrada do médio, etc., etc.
Tu falas do jogador e falas na cultura táctica do jogador e o que é a cultura? É,
de alguma maneira, sistematização que ele elabora por se estar
continuadamente a jogar de uma forma semelhante num clube ou é a
adaptação mental que ele tem que ter em relação a uma nova estrutura? A
faculdade dos conhecimentos colaterais e culturais possibilita a adaptação a
uma nova cultura ou fica-se preso a uma dinâmica que está já estabelecida
anteriormente?
MC: Essa é uma boa questão! Então, até que ponto ou que
preponderância poderemos dar ao facto de modelarmos o jogo? Isto,
independentemente ou dependentemente daquilo que os jogadores terão
a acrescentar…
AO: Logicamente. Não! A modelação não tem rigorosamente nada a ver em
oposição a isto. Eu tenho que modelar, agora o que eu tenho que saber cada
vez mais é valorizar também individualmente o jogador para beneficio dele…o
tempo de execução, as saídas, a qualidade de passe, a intervenção na
recepção orientada, etc. A adaptação a novas estruturas e a inclusão de novas
atitudes estruturais ao novo modelo… seja o que for, tudo isso seja facultado a
um maior nível de execução e disponibilidade desse mesmo colectivo. É um
eterno problema. Não é de retirar à área da sistematização!
Ainda à bocado estavas a falar que, p.e., em que tu modelas em relação à
aproximação do trinco, ou do médio mais defensivo, normalmente o médio
número «6» (…) na elaboração de três jogadores, quando jogam com dois
(triângulo do sector intermédio), a gente alterna o lado que é jogada a bola e é
o médio que faz a aproximação e o outro faz a diagonal acima do nível de
Anexos
XXXIII
intervenção que este fez e fica mais na aproximação aos dois pontas-de-lança
e nesse nível de intervenção mais acima entre um, obriga-te o outro a fazer
aproximação para que, a partir desse jogador, normalmente se organize o jogo,
ou então vês que o jogador está pressionado no posicionamento, rejeitando as
linhas, as chamadas (linhas) paralelas, o defesa quebrou-te mais um
bocadinho dando-te mais profundidade e tu passas pela tua defesa para que,
em posse, faças o movimento para o lado contrário e tenhas mais espaço para
em segurança organizares, …, etc., etc.
Muito bem, a bola está do outro lado, desce-te o «8» e o «6» faz movimentos
mais acima, normalíssimo, tu começas a jogar por aí, e o futebol espanhol, se
tu vires, sai sempre por aí normalmente, está aquilo tão sistematizado e tu vês
que não é uma equipa que faz aquilo, é a selecção e todas as equipas de
Espanha. Se calhar não faz o Barcelona pela qualidade que se define nos seus
conteúdos, conteúdos de valorização que tem, a capacidade que tem na
intervenção individual, etc., torna aquilo mais rápido, mais célere, porque toda a
gente recebe bem, orienta bem e toda a agente tem rapidez na execução, (…),
e aquilo altera muita coisa, altera muita coisa no próprio jogo, porque assim
sendo muita gente da outra equipa chega atrasada. Ora bem, há situações, tu
tendo a posse da bola ou não tendo a posse da bola, que deves organizar para
que possas começar a criar os princípios na tua equipa. É a mesma coisa que
dizeres assim, um bloco médio, ou bloco alto e tu vais procurar ou diagnosticar
as qualidades dos teus jogadores, mas normalmente tu jogas com equipas que
também têm e gostam de ter a posse da bola e são soberanas no seu jogo,
(…), então, se calhar, é importante não ires para lá ter com eles porque uma
equipa que também admite que é ela que tem de tomar conta do jogo é uma
equipa que, pelo menos, deve ter alguma qualidade para o poder fazer não é?
É evidente?! Então tu és capaz de não fazer o bloco alto tão alto, ou seja,
fazeres mais baixo, para quê? Para ela (a outra equipa), na organização,
poder-te libertar 25 metros nas costas e tu poderes fazer o aproveitamento
disso. Ora, todas estas questões se fazem contra o adversário, o adversário
que tu leste, diagnosticaste e que te vai, nas fragilidades e nas virtudes,
oferecer aquilo que tu hás-de trabalhar na equipa. Uma realidade, porém, tu
tens! É que tu podes sair pelos «trincos», podes sair pela lateral, e se souberes
sair pelos lados ou souberes pelos «trincos» tens mais soluções do que só
Anexos
XXXIV
sabendo trabalhar com os jogadores mais defensivos ou, se quiseres, os
médios mais defensivos, não é verdade?
MC: Sim, sim…
AO: Se estiveres num futebol mais objectivo, se calhar, és capaz de, na maior
parte das vezes, estar a trabalhar…o futebol italiano viveu muito tempo disso
independentemente da qualidade técnica dos jogadores, viveu muito de boas
leituras, bons movimentos na frente e a bola a cair bem nas costas, e,
fundamentalmente, uma aproximação muito rápida das «segundas linhas», da
segunda onda como eu lhe chamo, a segunda onda a aproximar rapidamente.
E tu, às tantas, tinhas 2, 4, 5, 6 homens ali com 4 a marginalizar, a bater ali na
linha da grande área e mais 2 ou 3, sei lá, a fazer a aproximação, porque o que
sobrasse era ali...dois jogadores que normalmente eram dois bons meias
distância, mas tinhas uns «Pirlos» que olhavam e que estendiam bem, e que
faziam um futebol bastante objectivo, mas com a funcionalidade própria e os
argumentos que eles tinham em relação às individualidades que possuíam.
Jogadores rápidos, velozes, com bom sentido de baliza e com bons
distribuidores nas linhas mais atrasadas…
MC: …e também cultural…
AO: …logicamente.
MC: …uma vez que passaram anos e anos a jogar dessa forma…
AO: …e tu vês ultimamente umas equipas italianas e são densas, compactas,
mas muito aquém daquilo que até certa altura tu chegaste a apreciar e que nós
apontávamos como quase…entre a bola que circulava e que era uma das
armas fundamentais e a bola que se dava profundidade a ela, havia sempre
racionalidade e aproveitamento naquilo, ou seja, a bola não era metida para a
frente porque não havia solução e que aí está o problema, porque tu quando
vês algumas equipas a projectar a bola na frente é porque os argumentos que
têm já são nenhuns, quer dizer, a pressão do adversário faz-se, a qualidade do
adversário e a pressão é tanta e elas só têm uma solução que é «sacudi-la» e
enquanto o «pau vai e vem, folgam-se as costas»?! Às vezes até pode
acontecer que um contra-ataque surja, pelo falhanço de um defesa, ou um
Anexos
XXXV
ponta-de-lança que naquela altura até se movimentou bem e vai aparecer, até
pode acontecer, mas a grande verdade é que aquilo que combinava com o
futebol que podia ser, que tinha qualidade na maneira como se argumentava
na subida no terreno, mas ao mesmo tempo, nos momentos exactos, eles
sabiam colocar a bola bem distante, bem longa, tentar ferir um ou outro defesa
que subiu mais ou um bom trabalho de um ponta-de-lança e que
tradicionalmente também, como eram muito compactas, a bola entrando nas
costas dos defesas centrais com qualidade, o que é que acontecia? Acontecia
que todas as barreiras, os «autocarros de dois andares, ou três» que estavam
lá, são automaticamente quebrados pela colocação da bola, como é evidente, e
então muita gente pensa… «eu não consigo entrar lá, porque aquilo é os
«catenaccios», é as defesas super povoadas, é as boas compensações, é o
bom grau de solidariedade dos jogadores, bons profissionais…». E então como
é que eu posso? Posso só, tu trabalhando na frente bem, movimentos rápidos
e no respeito por este tipo de movimento, a bola que está atrás, com qualidade
de serviço aparecer-te redonda já nas costas dos defesas centrais…e dizemos
assim, «mas isto é uma maneira como eles trabalharam…» ou tinham
jogadores que interpretavam aquilo pela qualidade da execução, ou então
tinham alguma dificuldade. Portanto, estamos a trabalhar dentro de situações
que, por vezes, não deixam de ser o domínio dos princípios deles, que se
aplicavam a uma organização da própria equipa. Necessariamente, muito
daquilo que a gente vai facturando neste momento é fecharmo-nos nisto, nas
transições, defesa-ataque, ataque-defesa e esquecemo-nos que há uma
realidade…, muita argumentação que se tem de consubstanciar…
MC: …quando estávamos a falar da questão dos médios , de se rejeitarem
os passes paralelos, agora colocava a questão…
AO: …os posicionamentos paralelos, porque o posicionamento paralelo obriga
ou pressupõe o passe paralelo…
MC: …podendo levar a conversa para aquilo que se es tava a falar
relativamente aos italianos, a parte dos posicionam entos da equipa não
só se estender em profundidade e em largura mas tam bém manter-se com
esses posicionamentos…, não permitir um outro tipo de jogo e também
Anexos
XXXVI
não se tornar um pouco previsível? Isto, porque as equipas italianas têm
muito presente o 4-4-2 com jogadores muito em linha , posições quase
paralelas, com alguns jogadores que são móveis e as sim o jogo ficar um
pouco tipificado dessa forma de que falávamos…
AO: …mas sempre da maneira como tu queres formular linhas…Sempre que tu
formulas linhas, no sentido dos triângulos e demais figuras geométricas, é a
impossibilidade que o futebol tem de ser geométrico, porque o futebol é mais
anárquico, é claro que uma fotografia do início do jogo o é, ou anda próximo…
Eu vou jogar em 4-4-2 e tu sabes que jogar em 4-4-2 depende
fundamentalmente de tudo aquilo que tu possas dizer aos teus jogadores, do
que os teus jogadores arrastem para a interpretação de um conveniente 4-4-2,
porque desde o movimento dos ponta-de-lança, à lateralização…tudo é
alterado geometricamente.
Arrastar as geometrias programadas, ou andar próximo, retira o poder de
intervenção e não corresponde ao momento correcto de recuperação e
organização. Agora tu dizes assim, «eu vou jogar em 4-3-3, é o meu
sistema….». «O meu sistema é o 4-4-2, ou é em losango ou é em diamante, ou
…», quer dizer, isso é tudo muito bonito desde que o treinador tenha modelado
para o efeito, os jogadores tenham uma interpretação capaz de poder fazer e
corresponder aos diferentes momentos de exigência do modelo e tu saibas o
que é que pretendes e que resposta eles te possam dar. E depois temos a
equipa adversária…
Entendo que num 4-4-2 em losango há duas peças fundamentais e a gente
pode dizer que são todos…os 2 ponta-de-lança…o quarteto de médios…etc.
Eu, p.e., penso que são os dois médios laterais, pela exigência Táctica\Física
da posição, pelo tipo de cobertura de que têm que dar, principalmente, aos
laterais na perspectiva defensiva, porque normalmente eles vão ser os alas
quando não são os laterais, eles vão ser os ponta-de-lança quando o ponta-de-
lança abriu e caiu numa ala.
Ao posicionarem-se por dentro e implicando a marcação contrária, liberta muito
mais as alas e as alas podem ser depois aproveitadas pelo ponta-de-lança…se
a outra equipa encaixar, automaticamente passa a ter essa vantagem. Ora
bem, enquanto que tu ficas grudado num comportamento fotográfico do
Anexos
XXXVII
diamante, terás que admitir que qualidade de jogadores tem que haver aqui
para que isto funcione.
MC: Então pode-se reconhecer que, vamos pelo exempl o do Inter de
Milão, pelos jogadores que tem, poderá fazer sentid o que a parte
estrutural se mude de jogo para jogo porque digamos que a ideia
colectiva se sobrepõe a esta questão dos posicionam entos e desde que
eles a interpretem e porque têm jogadores com deter minadas
características que mudando a estrutura, provavelme nte vai ficar mais
enriquecido o jogar da equipa do que, p.e., um Barc elona que está
perfeitamente identificado, que tem jogadores que s ão fortíssimos
naqueles determinados comportamentos que se querem atendendo
àquelas posições que eles vão jogar?
AO: Mas será que o treinador do Barcelona Trabalhou alguns dos
comportamentos que estão ali? São bem-vindos, mas se calhar ele também
não estabeleceu aquele tipo de critério. Os jogadores imprimem
«anarquicamente» o seu selo, vão formalizar e «formatizar»
questões\soluções, que se calhar o treinador nunca as colocou, porque a
grande a maioria das situações…têm solução no jogador.
A segurança na posse da bola…se calhar tem a ver com a qualidade do
jogador…pela técnica individual que possui…pelo movimento…inteligência
táctica e pelo trabalho sistemático.
MC: …eu estou a falar disto do ponto de vista posic ional…eles poderiam
trocar mas a equipa…
AO: …hoje em dia, e perante tudo o que aparece, na formulação de estruturas
que tenho em vista…porque nós temos que nos preocupar com o adversário...a
grande preocupação está em que tu tenhas uma equipa que se saiba adaptar a
determinado tipo de situações, variáveis, tanto posso jogar num 4-3-3 como
jogar num 4-4-2. O dilema que está, e aqui tu podes falar de alguma
polivalência Dinâmica, principalmente em alguns sectores, e a gente às vezes
costuma dizer que «é muito importante que os jogadores joguem em muitas
posições», mas às vezes eles jogam em muitas posições e eles não jogam
nada a lado nenhum.
Anexos
XXXVIII
Ou seja, se as qualidades do jogador são para interpretar determinado tipo de
papel na tarefa dentro da equipa, quanto mais ele estiver sistematizado os
acordes de posicionamento e movimento táctico, de interpretação, de
aproximação, de cedência, de criação de linhas de passe, de aproximação à
zona…quanto mais ele estiver «formatizado» em função dos princípios, melhor.
Agora quantas mais vezes o jogador troca de posição, porque hoje é trinco,
amanhã é ala, amanhã é de médio não sei quê…ou seja, tens um regime de
polivalência que normalmente não privilegia o desempenho do jogador.
Falamos, isso sim, de polivalência dinâmica.
Falamos de interacções assumidas com normalidade, dentro das exigências
dos princípios e da cultura táctica! O médio por vezes na passagem acima da
sua linha pelo lateral passou a ser ele o lateral; o ala passou a ser
médio\lateral; o ponta-de-lança passou a ala, a médio ofensivo; o médio mais
defensivo sobe no terreno ocupa N posições no apoio ao ataque e por vezes,
com uma grande frequência, faz todos os lugares do sector defensivo.
Interpretações e alterações da estrutura momentâneas, acompanhadas pelo
reposicionamento colectivo e fundamentalmente em função da disposição do
adversário no jogo.
Passar de um 4-4-2 para um 4-3-3 ou de um 4-3-3 para 3-4-3, mais
mecanizada, são situações normalíssimas e preparadas por vezes com entrada
de uma unidade exterior. Outras dentro da estrutura, p.e., do 4-3-3, por
disposição do adversário (4-4-2) com 2 ponta-de-lança mais fixos de imediato o
recuo do médio mais defensivo passa a (3) centrais, os laterais sobem ao nível
dos médios (4) e os (3) da frente que já estavam lá. Ou então pela adaptação
de marcação pelo lateral.
MC: Aquilo que eu queria era colocar-lhe a seguinte questão: se, hoje em
dia, faz mais sentido, o jogador de qualidade e cul tura a top ser um
jogador que ocupe um «posto específico», uma posiçã o específica…ou
aquilo a que se possa chamar de «polivalência de po sições»?
AO: Ocupe outro tipo de posições?! Se ele interpretar bem o domínio da
posição…porque não. Normalmente na mesma área posicional. P.e., por
necessidade táctica. O ala\lateral; o trinco\central; o médio\segundo ponta-de-
lança; médio (10) fugir da pressão – recuar para servir mais recuado…
Anexos
XXXIX
MC: …é um entendimento colectivo do que deve ser em termos
posicionais…
AO: …logicamente. Se se faz o domínio da interpretação pela valorização e
muitas vezes as discussões de outro tipo de atributo que o jogador possa ter, a
humildade dele, a força dele, etc., etc. Se ele interpreta determinado tipo de
situações tu começas a ver ali, entre outras, cultura táctica por parte daquele
jogador, ou seja, ele momentaneamente, nas exigências da equipa e nas
necessidades da equipa, ele interpretou outra posição e nunca, agora joga
aqui, depois joga ali…. Ainda admito um ponta-de-lança jogar um bocadinho
mais recuado no sentido de fazer…normalmente um ponta-de-lança nunca faz
de 10, faz um 9,35, ou uma coisa qualquer, nunca chega lá…mas a posição e
tu se tens dois ponta-de-lança, aquele mais voluntarioso, normalmente com
uma dinâmica e com o raio maior de expressão, é o individuo que vai fazer a
quebra do trinco contrário, p.e. E tem ali uma dominante de posicionamentos
que têm a ver também com a posição dele mas também quando ele não tem a
posse da bola não é o segundo ponta-de-lança nem é o primeiro, mas é
normalmente o homem que está mais recuado e que tem que ter um
determinado tipo de comportamentos em relação à equipa contrária. Imagina,
se o trinco é um jogador que estende bem, o jogador perde a bola
imediatamente passa a ter a preocupação de cair sobre ele para quebrar a
possibilidade do adversário se organizar dali em qualidade.
MC: Julgo que já respondeu a quase todas as grandes questões...Havia
sobretudo o interesse em reunir informação sobre a sua experiência e
trabalho com as selecções…
Passou-se para um seguimento mais contínuo e efectivo da projecção
inicialmente apresentada pelo entrevistado.
AO: Repara! «Jogo, Organização. Cultura posicional e movimentações.
Qualidade e tipo de passe. Gestão, Diversificação do ritmo de jogo».
Ou seja, tu tens momentos em que tens necessidades de equilibrar e dar o
ritmo que tu entendes para o jogo. Estás a ganhar, interessaste que o
adversário venha ter contigo para se abrir mais um bocadinho para tu
Anexos
XL
aproveitares, tu tens que ter um ritmo de jogo completamente diferente. Mas, o
resultado, logicamente reflecte ou deve reflectir, o ritmo de jogo, mas depois
este ritmo de jogo tem a ver muito com…a qualidade e tipo de passe, qualidade
e tipo de recepção, porque caso contrário…o dinamismo dá-se em função do
momento de jogo. E da qualidade que lhe podes emprestar. E é o jogador que
determina. Esse dinamismo de acção está no complemento que é qualidade do
jogador. Se ele tem a qualidade de pôr a bola lá, se é um indivíduo com a
acuidade visual, ou seja, se estás convenientemente alargado visualmente
para que ele tenha uma leitura do jogo na sua globalidade que lhe permita
saber que naquele momento ali está a haver um desequilíbrio e solicita e
respeita o desequilíbrio. O Barcelona faz isso espectacularmente, porque a
fluidez, a rapidez entre os momentos, entre os sectores, é fundamental e é isso
que abona em função daquilo que tu queres, que tu pretendes para a tua
equipa.
Continuamos a insistir que são muito mais os tais instantes, que correspondem
às transições, ou porque tu mentalmente tens que estar preparado para
recuperar porque perdeste a bola e normalmente é um grande problema das
nossas equipas, da nossa mentalidade, é que tu perdes a bola e há ali um
momento que tu ficas completamente…sem reacção. Agora se tu reagires no
colectivo! É muito mais importante isto do que outro tipo de princípio que tu
possas colocar ali! É reagir imediatamente em relação à perda de bola…É
trabalhar este tipo de situações. Colocas a situação como princípio e
subjacente ao tipo de atitude mental.
MC: À instantes quando falávamos da questão de ter um ala aberto que
deveria aparecer como um segundo ponta-de-lança, en tão no momento
da perda da bola, se for uma reacção rápida, devem ter jogadores
próximos ou relativamente próximos para pressionar de imediato após
essa perda, é mais fácil…
AO: …O problema tem a ver na relação e na qualidade entre estações: «deu-
se sequência à segunda estação», (…) onde naturalmente a pressão sobre a
bola não é tão apertada, mas esta pressão sobre a bola pode abrandar, se
aliviares para uma zona mais fluida ou para uma zona onde a qualidade de
Anexos
XLI
transito dessa equipa te permitir que aceleres o comportamento da equipa,
automaticamente há um risco menor.
Atentámos novamente ao que vinha registado em projecção.
AO: «Desorganizado, preparar para ocupar posições que se tem que assumir».
É exactamente isso, porque quando passas de uma situação para a outra, este
espaço mental de reagir em relação a, é talvez a coisa mais importante nas
transições. A relação comportamental no respeito a tudo que é indicado e na
resposta dos comportamentos mais adequados é fundamental.
Quando recuperas, o colectivo, que é que tem de fazer? Campo grande. Se
recuperas e imediatamente como primeira opção tens uma linha de passe mais
distanciada, mais profunda, ou então sair a jogar mais pela certa…Acontece
que a falta de colaboração global condiciona o tempo de execução.
AO: (…) Mas pode ser porque um deles falhou a pressão, a importância, p.e.,
normalmente quando queres jogar em pressão alta, a importância que tem o
segundo homem da frente, o mais avançado está a fazer a pressão ao central,
se o segundo jogador atrasar o equilíbrio, se não for particularmente apto para
a tarefa…
MC: …a bola já entrou…
AO: …a maior parte já não chegou. Agora se este homem for pressionante e
determinado, logo que ela passe, ele está a quebrar uma linha de passe que
aquela equipa pode utilizar ou a recuperar e acabou. Agora a maior parte deles
não está preparado, por vezes até mentalmente, para tal tarefa…
Novo acompanhamento da informação projectada…
AO: «Transição ofensiva, Posse e Circulação da bola, qual é a transição
ataque-defesa? Mudança de mentalidade, e garantir a pressão. Às vezes
quando a gente tem o sentido do sistema, o sentido do bloco, o sentido do
trabalho, é aquilo que a equipa vai sair…é mentira! Tu tens que ter as várias
soluções, não é, sai pelo lateral, sai pelo central, sai de frente, mas não há
Anexos
XLII
nada programável ali! Tens que ir à riqueza inteligente dos jogadores, ou se
quiseres, cultura, …, porque se o médio, o trinco com que tu sais normalmente
naquela altura ficou um bocado adormecido, tu já não sais por ele, se o
lateral…por isso tens que arranjar outro tipo de solução para que, mas
programar é difícil, trabalhar com um sentido de modelação e deixar muito à
inspiração e à qualidade. Tu tens o adversário lá.
As situações a seguir, as rotinas que ajudam na decisão, primam dos nossos
princípios de jogo, estão rotinados, sistematizados no jogo. Ajuda. Mas não é o
complemento essencial.
MC: …no sentido de saber que aquelas soluções e aqu eles
comportamentos e aquela forma de estar em termos de organização que é
estabelecida para a equipa no domínio do modelo e s eus princípios, se
isso, como falamos atrás em relação ao Barcelona de ter começado a
reconhecer naquela forma de jogar, na forma de esta r e naquilo que faz, e
nós vemos o Barcelona e parece jogar com uma determ inada identidade
que não abdica, em que é raro vê-lo preocupado com um bloco muito
baixo na sua organização defensiva e a aguardar…
AO: Agora vê o Barcelona contra o Chelsea.
MC: O Barcelona assumiu muito mais o jogo do que o Chelsea. O Chelsea
jogou um pouco daquilo que é, não digo com uma iden tidade falsa, de
reconhecer nesse sentido porque…
AO: …reconheceu a qualidade do adversário. Se tu tivesses que fazer um
resultado justo não punhas o Barcelona a ganhar!?
MC: Não.
AO: Agora tu vê. A realidade das componentes individuais do Barcelona, da
estrutura colectiva que o Barcelona tem, chocou contra uma equipa que não
tão evidenciada nas particularidades, mas que foi estruturada na maneira como
jogou e como as suas peças interpretaram bem a forma de jogar do adversário,
não foi muito como é que o Chelsea joga normalmente.
Anexos
XLIII
MC: …eles fizeram isso também no primeiro jogo e no primeiro jogo…
também houve ali um pouco mais de tempo entre os do is jogos, digamos
que para aperfeiçoar o momento certo para poder ace rtar em cheio no
Barcelona…
AO: …é uma posição legítima, no conhecimento da outra equipa, …, porque
em campo é completamente diferente. Alguém trazer os vídeos e não sei que
mais, mas contra nós como é que vai ser? Porque nós temos: ou mais frágeis
ou mais capazes, ou maior capacidade de nos podermos gerir contra as
equipas contrárias.
Mas eu gostava que tu lesses ali: «não há situações pré-determinadas. São os
jogadores que decidem os cenários que tomam as decisões», da tua decisão-
acção, ou seja, só numa leitura forte que tu tenhas, e essa leitura tem
momentos que a própria sistematização não te responde…
MC: …o tal não programável, o instante, o aqui e ag ora…
AO: …e depois os outros factores que a gente enunciava. O problema é esse.
Ele decide em relação com os princípios, em conformidade com os princípios,
mas é ele que decide. É o momento da decisão. É a leitura que ele fez, é a
acção que ele vai determinar. E, depois, o momento da decisão dele vai
implicar primeiro com toda a equipa e não só com uma acção, que pode ser de
ordem defensiva com a profundidade própria que se pretende dar…mas, em
conformidade com a capacidade do outro lado que tem uma equipa para poder
estabelecer os desequilíbrios \ equilíbrios ou não (…).
Há momentos que, por má leitura, pode provocar toda uma incidência gravosa
na equipa, não é? E, a exemplo, diz-se assim: «Não! As rotinas ajudam nessa
decisão, os princípios do nosso modelo de jogo», «Eu tenho princípios,
estabelecidos…», mas depois há factores de decisão implícitos na tal leitura,
na decisão, na acção, em que tu vais interagir, através de determinado tipo de
situações proporcionado por um jogador. Deparar com uma série de acções
desencontradas.
MC: …a decisão de um afectou o todo…
AO: …e tu desmontas isto e tu vês que há uma série de acções, por má
interpretação, por má decisão, que te levam a este desfecho.
Anexos
XLIV
Nova leitura na projecção.
AO: «Técnica de Passe/Recepção. Mobilidade. Trocas posicionais.»
É fundamental, porque tu podes estabelecer os tais critérios dos losangos, dos
triângulos e os demais, mas há momentos em que o grau de mobilidade que tu
tiveres para o espaço correcto é fundamental para que a bola te saia jogável.
MC: Considera que devem existir muitas trocas posic ionais? (…) Realizar
muitas trocas posicionais, alterar muito a estrutur a, considera isso…
AO: …dentro do sector, eu sou apologista. E porquê? Muito daquilo que é a
capacidade de interpretação do nosso jogador tem a ver com a saída, e tem a
ver com as linhas de passe que tu permites ou não.
MC: …mas há troca com a estrutura à partida a se ma nter mais ou
menos…
AO: …dentro do sector e, se quisermos, dentro do espaço geográfico onde o
jogador privilegia a sua posição, não é? Porque o lateral tem um espaço que
não se confina ao espaço da grande área e da grande área até à ponta, não é?
Confina-se na capacidade que ele tem, no domínio das qualidades defensivas,
para defender o que tem para defender e primeiro tem de saber defender
porque é defesa, dentro daqueles princípios mais ou menos programáveis que
possuímos, mas depois, se for um indivíduo com capacidade de trabalhar bem
a bola, de ter qualidade para organizar bem, é um indivíduo que pode
facilmente subir na sua posição e actuar a maior parte das vezes como médio
ou próximo da zona dos médios e se ainda tiver profundidade ofensiva, se for
rápido, e quando falo em rapidez não é só na rapidez na profundidade
ofensiva, mas também na capacidade que tem em recuperar uma posição
próxima da sua. O lateral, p.e., pode ocupar numa faixa de terreno lateral todas
estas posições e ocupa-as muitas vezes no interesse que a equipa tem em que
ele o faça, pela qualidade de interpretação do mesmo. Outras vezes ordens
explícitas do treinador obrigam-no a guardar mais o espaço defensivo, …, no
entanto, alguns esquecem-se das ordens…
Anexos
XLV
MC: Mas o professor estava a dizer que, ele também tem que reconhecer
que depois há uma necessidade de voltar, ou seja, h á essa ordem
estabelecida em termos de posição…
AO: …tu não falas muito a nível do Futebol de Alta competição. Tu falas
enquanto formativo. Mas a maior parte das vezes tu tens necessidade de os
alertar para isso porque parece que se esqueceram, estás a perceber? Mas se
o lateral sobe, se o jogador de proximidade é o médio, se o adversário
recupera imediatamente a bola, o lateral está lá, quem é que deve fazer aquele
tipo de cobertura? Logicamente que primeiro é o médio e depois vai-se
organizando a equipa até chegares à última instância, mas a equipa tem que
estar sempre organizada em função das proximidades. É por isso que esse
sentido é um sentido anárquico, porque momentaneamente, a colaboração e o
efeito da cultura táctica do jogador é que vai possibilitar tu dares alguma
resposta positiva a determinado tipo de situações, nomeadamente em
desequilíbrio.
É a tal situação que, quando à bocado te falei na posição do médio no losango
ou se quiseres em qualquer sistema, o médio lateral ou médio mais interno
mas que se aproxima mais do ala, é o médio de interferência sob o plano da
profundidade ofensiva, como a gente diz, «abertura do sector», «encolhimento
do sector», «ele abriu o espaço», «ele deu profundidade ao espaço», mas, se
ele faz isto, não é o lateral que vai-lhe ocupar aquela posição! O máximo que o
lateral pode fazer é fazer aproximações à zona, entre a zona dele e a zona do
médio, para fazer o equilíbrio entre aquilo que ele tem de organizar como
médio e aquilo que ele tem de fazer como lateral.
MC: Sim.
AO: E depois… (o mesmo) a técnica do passe/recepção, a mobilidade que
levam a trocas posicionais… (retomou a leitura da projecção) «Amplitude e
Profundidade (…) Criação e aproveitamento dos espaços». Porque tu, só
mobilizando e dando dinâmica ao teu movimento é que crias um novo espaço
como é evidente. Quando desequilibras obrigas a quê? A atraíres uma nova
marcação. Se atrais uma nova marcação libertas um novo espaço. E isso, o
Messi e outros são fundamentais, porquê? Desequilibram, retiram o jogador do
equilíbrio, provocando cedências de espaços? Estás a entrar na contenção
Anexos
XLVI
directa, mas ao mesmo tempo estás a ceder continuadamente espaços que,
novamente, ou de uma maneira mais habilidosa ou mais inteligente serão
aproveitados pelos jogadores da outra equipa.
MC: Disse atrás que dentro do sector defendia as tr ocas posicionais e
indo um pouco contra aquilo que estávamos a falar, se o jogador começa
a fazer muitas trocas, p.e., com um de outro sector , já começa a estar a
jogar noutras posições que não são o forte dele?
AO: Falámos de polivalência dinâmica. Tu tens que admitir que um médio, a
maior parte das vezes, tenha que fazer aproximações à linha de finalização.
Leu, viu que não estava lá o ala e foi ocupar o lugar do ala (…). Ora bem, se tu
tens um médio com apetência natural para fazer aproximações a uma zona de
finalização, quando estás com a posse da bola e te estás a aproximar da zona
de finalização, não tem problemas rigorosamente nenhuns que esse médio te
faça a aproximação à zona de finalização, porque está incorporado no
movimento dele aquela proximidade. E depois até podemos referir quantitativos
não é, porque há treinadores que dizem «eu quero aparecer a finalizar com 4, 5
homens». É claro, porque se tens 3 homens na frente e se tens nem que seja
um lateral a conduzir, se queres atacar com 5 homens há 2 médios que têm
que interferir naquele trabalho. Nos espaços entre o ala e o ponta-de-lança,
numa diagonal, entre o médio, numa segunda linha, numa segunda onda,
logicamente têm que estar lá. (…).
Seguiram-se outros pontos presentes na projecção que, pela sua diversidade,
careceram de uma selecção criteriosa de possibilidade de enquadramento com aquilo
vinha a ser abordado até então na entrevista e fazendo jus à temática em estudo.
AO: Quando a gente pede basculação, porque se tu estiveres bem organizado
vais fechar ou reduzir o teu campo de espaço de cobertura e vais pressionar,
logicamente, ao fazeres isso vais libertar outro sector. Agora nas componentes
qualidade de passe, na qualidade de recepção e decisão motora, muito do
nosso Futebol tem que passar obrigatoriamente por isso, pelo aperfeiçoamento
das qualidades e da velocidade que temos para aplicar as nossas decisões!
Porque a equipa está toda a ser pressionada e há ali só um espacito que está a
Anexos
XLVII
descoberto e é esse que a gente tem, o aproveitamento desse momento
depende da qualidade deste passe, depende da recepção a tempo e orientada,
e dos níveis excelentes de execução rápida que possuímos. (…)
(complementou-se o raciocínio com o descrito na projecção)
MC: Sobre a importância daquilo que se fala do «jog o entre linhas». A
questão que estou a colocar, quando falámos de se « multiplicarem» as
linhas em que um 1-4-3-3 ser mais um 1-2-3-2-3, est ica-se, alarga-se…
AO: …no sentido da profundidade e da lateral…
MC: …e estávamos a falar dos italianos em que há eq uipas que os tempos
e movimentos de aproximação sobretudo quando jogam 3 linhas, à
partida ficam mais vulneráveis do que equipas que s e possa organizar de
uma outra forma (…)?
AO: O interesse em fomentar linhas para «formatizar» e envolver
esquematicamente a minha equipa serão reduzidos a poucos momentos no
terreno e pouco abonatórios da dinâmica de exigência colectiva na sua
participação quer defensiva quer atacante.
O problema das linhas é um problema também da interpretação que tu tens
como jogador, porque tu se fores um jogador mais criativo ou com indicações
de grande dinâmica colectiva tu abdicas das linhas e rejeitas pelo linear das
mesmas. A linha é sempre a definição de uma interpretação, uma identificação
estrutural para posicionamentos regrados que serão sempre desajustados pela
dinâmica dos adversários, (…).
A perspectiva das «entre linhas» e da cultura «entre linhas» aconselhada para
contrariar o adversário logicamente é muito diferente dos triângulos
imagináveis na cobertura geográfica do terreno, explica a sua existência para
uns e a sua extinção para outros.
Por último, após terminada a projecção que culminou com um diapositivo que
compactava os dados que o professor me vinha apresentando, deu-se como concluída
a entrevista.
Anexos
XLVIII
Anexos
XLIX
ANEXO III
Entrevista a Luís Freitas Lobo
Analista de Futebol
Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, 01/09/2009
Milton Cerqueira (MC): Se uma equipa para ser de to p, ser de rendimento
superior, tem que ser organizada em todos os seus m omentos – atacar,
defender, transitar da defesa para o ataque e do at aque para a defesa – e
se podia esclarecer porque é que acha que para se s er top é necessário
que a equipa esteja sempre organizada tem todos os seus momentos?
Luís Freitas Lobo (LFL): Em primeiro lugar duas definições que é importante
fazeres antes. Definição do que é uma equipa de top. Se uma equipa de top é
uma equipa que compete num campeonato e fica nos primeiros 3 ou 4 lugares
ou é um equipa que compete no mesmo campeonato e fica em 14º lugar. O
Porto pode ganhar os jogos todos e ser campeão e é uma equipa de top, o
Leiria pode ganhar só 5 e não descer de divisão e cumpre os seus objectivos e
está no mesmo campeonato. Portanto são duas equipas de top? Se calhar são,
se calhar não são! Na minha leitura, uma equipa de top é uma equipa que tem
patamares sempre altos, de nível, de top, portanto não iria enquadrar essa
segunda equipa no tal Futebol de top. E porquê? Porque é uma equipa que se
desorganiza com mais facilidade, enquanto que aquelas que se mantêm mais
organizadas são aquelas que conseguem atingir níveis mais altos de
comportamento em campo, são sobretudo equipas equilibradas que têm o
controlo, não só táctico do jogo, mas sobretudo o controlo emocional. Vejo
sobretudo o jogo como o controlo dos espaços e por isso acho que as equipas
devem ser equilibradas nesses quatro momentos que referiste, por isso não
acredito, nem nunca escrevi, em equipas de ataque ou equipas de defesa,
futebol atacante ou futebol defensivo, porque é uma forma de definição que,
desde logo, quebra o jogo que por natureza é inquebrantável e nessa natureza
inquebrantável que exactamente a noção de organização, organização global,
que é no fundo, na minha leitura, uma série de ligações e de sectores, linhas
ou comportamentos no jogo que faz com que depois a equipa esteja sempre
equilibrada, que esteja sempre ligada, que tenha sempre um comportamento
orgânico em campo, em funcionamento, isto é, da mesma forma como no
Anexos
L
corpo humano o sangue flui por todas as nossas artérias, numa equipa de
Futebol a bola também deve fluir por todas as artérias orgânicas que fazem a
equipa e isso passa exactamente pela organização. Agora, o conceito
organização é que é um conceito mais vasto. Pode-se entender como algo
estático de início, o posicionamento dos jogadores em campo, e podes depois
fazer com que seja uma organização móvel, que se vai movendo no campo,
isto é, os jogadores tenham aquilo que eu chamo uma casa táctica de origem,
que é a organização estrutural estática inicial e depois tenham uma dinâmica
de jogo mas subjacente ao ponto inicial onde começaram a correr, isto é, eles
sabem sempre onde devem regressar depois. Portanto, essa é que é a noção
de organização que eu vejo no jogo, os jogadores perceberem onde devem
começar a correr e onde depois devem regressar. Claro que esta noção de
organização para o jogador é interligada com todos os outros colegas em
campo, outra coisa será depois enquadrar essa dinâmica com a equipa
adversária e, aí assim, existe um maior risco da chamada desorganização. A
equipa perder as referências posicionais em função de outras atracções, de
outros pontos de atracção, digamos assim, que o adversário nos pode dar, isto
é, a organização do adversário. O jogo no fundo é o confronto de duas
organizações e nesse aspecto ganha quem menos se desorganizar em função
da organização adversária. Eu penso muitas vezes vendo os jogos que, talvez,
o auge de uma boa organização seja criar no adversário ou fazer com que o
adversário olhe para ti e veja uma desorganização organizada, isto é, que tu
consigas promover uma desorganização organizada na tua forma de jogar, de
forma a que o adversário pense que estás desorganizado mas manténs-te
organizado. Isso só se faz com jogadores com inteligência de jogo superior
interligada com um processo de tomada de decisões sempre correctas na
maior parte dos momentos do jogo em cada lance ao ponto dos jogadores não
estarem nas suas posições de origem, mas com isso não se desorganizarem
seja no momento da perda da bola, seja no momento de transição ofensiva,
são os momentos de maior risco, no meu ponto de vista, em que uma equipa
se pode desorganizar e ficar exposta à organização adversária.
MC: …Gostaria que me referisse o que entende então, a partir do que
disse, por organização defensiva, organização ofens iva, transição defesa-
Anexos
LI
ataque, ataque-defesa, que normalmente se ouve fala r embora se fale
desses momentos de organização ou desorganização, d ependendo do
que se vai passando no jogo, o que entende por cada um desses
momentos?
LFL: Eu penso que isso tem a ver sobretudo com pensamentos do jogador
sobre o jogo, com pensamentos da equipa sobre o jogo, com princípios de jogo
da equipa. Não tem a ver muito com o local onde estará a bola. Digamos que
uma equipa que tem que defender bem para atacar melhor, tem de atacar bem
para defender melhor, isto é, uma equipa que está numa organização ofensiva
já pensando, contemplando, o momento de perda da bola, normalmente o
momento imediato de transição defensiva, é a equipa que está desde logo com
os quatros momentos de jogo sempre subjacentes. Numa análise sintética e
dentro da organização ofensiva será quando a equipa está em posse de bola
no meio campo adversário já numa fase de construção/definição da jogada;
organização defensiva seria não ter a bola, estar num momento de tentativa de
recuperação com as linhas mais baixas. Penso, no entanto, que uma equipa de
top, para pegar também na tua primeira definição, não deve estancar tanto
estes comportamentos e por isso a importância das transições e perceber
também que falar em transição é um conceito demasiado vago, porque há
várias formas de fazer uma transição. Muitas vezes utiliza-se o termo, e até nos
comentários, «a equipa não está a fazer bem as transições»; «uma equipa não
é forte nas transições», mas que tipo de transições? É uma transição
individual? É uma transição apoiada entre linhas? É uma transição em
segurança? Eu posso fazer uma transição defesa-ataque fazendo um passe
atrasado. Estou no fundo a fazer uma transição em segurança organizando a
minha saída de bola para depois entrar na tal organização ofensiva. Portanto,
todas estas diferenças de formas de transição são que fazem com que a
equipa esteja ou não devidamente organizada depois desses tais momentos
defensivos ou ofensivos. Ora não os consigo distinguir tanto como
compartimentos estanques, eu diria que as melhores equipas são aquelas que
conseguem sempre estabelecer nós entre uns e outros, até ao ponto de tu
muitas vezes não conseguires distinguir e a maior dificuldade que muitas vezes
até vejo, falando com treinadores e até outras pessoas que pensam o futebol
digamos assim, é distinguir a transição ofensiva da organização ofensiva,
Anexos
LII
entrando muitas vezes o conceito de contra-ataque, quando o conceito de
contra-ataque, na minha opinião, já entra na organização ofensiva, isto é, um
contra-ataque é consequência de uma boa transição rápida ofensiva, de um
determinado tipo de transição que privilegia logo a passagem da bola no
primeiro toque para marcação ofensiva, diferente de uma transição em
segurança, de passe atrasado, ou apoiado entre linhas. Todos estes conceitos
penso que são importantes distinguir para depois, no fundo, os quatro
momentos estarem sempre presentes na cabeça de um jogador e há um quinto
momento que eu às vezes eu gosto de colocar que é que aquilo que o jogador
pensa quando a bola está longe ou até quando o jogo está parado, porque é
importante reflectir sobre o jogo. Muitas vezes o jogador só pensa na jogada ou
no jogo quando a bola se lhe aproxima, quando vê a bola a rolar para o seu
lado, nas outras vezes está a pensar na casa, no carro, na namorada, numa
segunda casa, numa segunda namorada. Este quinto momento invisível, que é
o pensamento do jogador quando a bola está longe do seu espaço, é que faz
muitas vezes as equipas de top, quantos mais jogadores tiveres assim aí sim
tens a tal equipa de top.
MC: Esse quinto momento, julga que p.e., se a equip a à partida tem que
estar enquadrada com um determinado entendimento do que é a ligação
desses quatro momentos, não deverá um jogador mesmo que esteja
afastado da bola, vamos pegar no exemplo dos jogado res de top, não terá
ele maior propensão para pensar dessa forma do que propriamente
outro? (…) Se ele não estiver envolvido com a jogad a, pode estar longe,
mas ele tem que ter um conjunto de comportamentos p ara que a equipa
faça…, porque se ele se afastar e estiver atento à namorada…
LFL: Exactamente! É por isso que eu digo, como te estava a referir, que esse
tal quinto momento que é o quinto momento invisível é o fundamental, é um
quinto momento que existe na cabeça de um jogador. Digamos que estes
quatro momentos que tu referiste e que nós identificamos facilmente no jogo,
as organizações e as transições, são momentos visíveis. O momento
confidencial, íntimo, do jogador está na cabeça dele, é a leitura dele sobre
todos estes momentos. Eu chamo-o um quinto momento, é um quinto momento
quase emocional, psicológico, inteligência, percepção que ele tem que ter no
Anexos
LIII
jogo e é evidente que se ele não o tiver não vai conseguir ler os tais quatro
momentos da forma que eu te referi.
MC: Entrando agora para a questão do modelo e dos p rincípios, gostaria
que me referisse o que é que entende por modelo de jogo?
LFL: Por modelo de jogo entendo uma filosofia de vida, uma forma de estar na
vida. As pessoas têm uma forma de estar na vida, têm determinados princípios,
têm determinados valores, ou seja, valores de comportamento, de relações
entre as pessoas, há pessoas mais introspectivas, mais expansivas, mas há
determinados valores que tu gostas mais de expressar, sejam religiosos,
políticos, sejam de ordem afectiva, sejam o que for. No Futebol é um pouco a
mesma coisa sobre que valores tu gostas de defender! Gostas de defender o
quê? Um Futebol de passe curto, que privilegie a posse, que dê largura à
equipa, que procure depois apoios curtos e que tenha um determinado
posicionamento em campo, p.e. dos defesas em relação aos médios que
privilegiam depois um toque de bola curto? Ou preferes antes viver de outra
forma, de uma forma mais acelerada, de um passe mais longo, procurando
bolas em profundidade, não explorando tanto o passe curto, mas mais um
ataque rápido, chegar o mais rápido possível à baliza adversária, para quê
chegarmos em trinta toques se podemos chegar em três. São duas formas de
pensar, são dois modelos, duas filosofias. O sistema é algo estático, o modelo
é a forma que nos faz viver, são os nossos valores, os nossos princípios que
depois nos fazem perante situações em concreto de tomar determinada
posição. Na nossa vida nós temos os nossos modelos e os nossos valores
depois perante situações concretas da vida, religião, relações afectivas, de
trabalho, profissionais, etc., nós tomamos as nossas decisões. No Futebol é a
mesma coisa, o jogo coloca-nos problemas constantes, em determinado
momento tu vais ter que decidir, ou decides por um passe curto de primeira
instância para o colega que está ao teu lado, ou um passe longo para um
espaço vazio para um avançado ir buscar. São formas diferentes de estar na
vida, dois princípios de jogo diferentes, e são condicionados pelo quê? Pela tal
filosofia de jogo, pelo tal modelo de jogo. Há quem prefira o tal passe mais
longo, há quem prefira o passe mais curto.
Anexos
LIV
MC: Julgando que se pode complementar face ao que f oi dito, pergunto-
lhe: Que importância dá ao modelo de jogo na organi zação do jogo de
uma equipa?
LFL: Dou toda, porque acho que a filosofia de jogo engloba todos os outros
componentes. Vejo-o como algo quase supra-natura, supra-terreno em relação
aos outros conceitos. Todos os outros conceitos têm que estar subjacentes à
tal filosofia, gosto mais de lhe chamar filosofia do que modelo, porque modelo
dá a ideia que pode ser uma coisa depois importada ao ponto de ser alterada,
«o meu modelo hoje é este e amanhã é outro», há quem diga isto, há
treinadores que dizem isto. Eu não percebo como é que a tua filosofia de vida
pode ser aqui de uma maneira e depois se fores viveres para Inglaterra lá ser
outra. Há adaptações que deves fazer, o que eu acho que é negociável não é a
tua filosofia é, digamos, a forma de a construíres, porque as circunstâncias
mudam e no caso do Futebol os jogadores mudam. Estás numa equipa em que
percebes que dificilmente vais ter uma grande posse de bola ou circulação, é
difícil começares logo a treinar essa filosofia de vida/jogo se partires logo de
uma posse de bola elevada porque não a vais ter. Portanto, tens que periodizar
essa construção de jogo a partir de patamares que se estivesses noutra
equipa, dita de top, já poderias fazer de outra forma. Se calhar, se a equipa,
noutro nível, terás de começar a construí-la primeiro, ela esconder-se dos seus
defeitos, não se expor tanto ao erro, que seria um passe de primeira instância
num bloco mais baixo, portanto, até ao jogador ganhar esses comportamentos,
ganhar essa confiança, ganhar esse índice táctico-técnico de colocar em
prática. Portanto, não é negociável a filosofia, negociável será quanto muito a
periodização da sua construção.
MC: Que relação lhe parece existir entre os princíp ios de jogo que uma
equipa tem e a funcionalidade que se quer para a eq uipa em termos de
jogo?
LFL: Mas o que é que tu queres referir com funcionalidade? Estás a referir-te
em relação a quê? Em relação às funções que os jogadores têm em campo
atribuídas pelo treinador em cada posição que ocupam?
Anexos
LV
MC: Sim, nesse sentido. Na funcionalidade, do ponto de vista posicional e
funções a desempenhar pela equipa, isto colectivame nte e depois
individualmente pelos jogadores.
LFL: A importância dos princípios de jogo é fundamental porque senão…como
o próprio nome indica o princípio é o início, é um princípio, é algo para
começares a jogar, começares a pensar, para começares a decidir, dá-te as
bases para tu tomares decisões. Se cada espaço corresponde a uma posição e
cada posição corresponde a uma missão/função em campo, ela pede depois
determinadas características para colocar em prática e depois das
características, determinada capacidade de decisão, de pensamento, para
colocar em prática essa função definida pelo jogador, porque cada posição
depois pode ter dinâmicas diferentes conforme a filosofia e ideia do treinador,
para isso são precisos os tais princípios de jogo adquiridos. Basta saber que
quando chega àquele momento o comportamento que deve ter para resolver
aquela situação dentro das suas funções é aquele. Não se trata de transformar
o jogador num robot ou de mecanizar a sua forma de jogar, mas permitir…
MC: …os princípios para a funcionalidade de uma equ ipa são
orientadores ou até que ponto…
LFL: …são orientadores, não é?!. Devem-te dar hábitos de comportamento,
devem ser um abrigo, um refúgio, uma referência, um princípio. Não devem ser
uma rotina, uma mecânica, uma estandardização, ou uma robotização do
pensamento. Tu tens que ter a caverna de pensamento aonde te escondes,
aonde tens as tuas referências, as raízes onde tu voltas e depois tens alguma
liberdade para colocar em prática aquilo que é natural em ti. Tu quando chegas
à equipa tens as tuas características naturais: mais velocidade, mais força,
mais técnica, mais táctica. Digamos que tu tens o Futebol natural, o treinador
vai-te dar o Futebol fabricado através das suas ideias, mas sem robotizar o
jogador, tem que evitar que a rotina caia na rotina. Por isso falava-te à pouco
na desorganização organizada, isto é, o jogador conseguir promover uma
desorganização mas ter sempre presente as bases que são a organização, que
são no fundo os princípios de jogo.
Anexos
LVI
MC: Esta próxima questão parece trazer algo também a acrescentar. Na
operacionalização desse modelo de jogo que se vai c onstruindo, qual a
importância que é atribuída às características dos jogadores?
LFL: É muito importante e indo um pouco de encontro àquilo que te estava a
referir antes, primeiro o Futebol natural que cada um tem dentro de si, de cada
jogador. Velocidade, potência, força, técnica, mais lento, mais rápido. Isso é
natural, existe antes de tudo, antes do jogo, existe só no contacto com uma
bola. Depois o Futebol fabricado que é o treinador olhar para o jogador, ter
subjacente a sua filosofia de jogo, ter subjacente o sistema que lhe permite
colocar melhor em prática, a forma de lhe dar dinâmica e depois encaixar as
características do jogador nessa forma de jogar. Penso que o maior erro que se
pode cometer é pedir a jogadores rápidos que só caminhem e pedir a
jogadores que só gostam de caminhar que voem, portanto, é algo contra-
natura, não é? Deve-se respeitar as condições naturais do jogador para ele
depois colocar melhor em prática as funções que se lhe espera. Há ali um
espaço de maleabilidade táctico-funcional, digamos assim, de cada posição
mas é algo que está muito limitado já pelas características inatas que um
jogador tem ou diria, pelos hábitos também com que ele já chega à equipa de
top, porque estamos a falar de equipas de top não estamos a falar de formação
nem de miúdos de 14 ou 13 anos, estamos a falar de jogadores feitos, não é?
E nesse caso parece-me que esse respeito pelas bases, pelas linhas
«caracterizantes», naturais, de um jogador é fundamental para que depois o
Futebol fabricado não seja uma contradição com as bases naturais.
MC: Agora dentro do contexto do modelo, (…), relati vamente então à
funcionalidade no momento organização ofensiva quer ia perguntar-lhe ou
se me poderia mencionar: quais os principais princí pios ofensivos (…)
que privilegia quando a equipa está organizada ofen sivamente em dois
momentos, no momento inicial de construção ofensiva ; e numa fase de
construção e definição de situações de finalização?
LFL: Seria no fundo a minha opção pessoal e aquilo que eu gostaria de ver
numa equipa de Futebol e pensando por mim, é nesse aspecto?
Anexos
LVII
MC: Sim nesse aspecto, tendo em conta a lógica que já foi colocando e eu
vou ter que o fazer para todos os momentos…
LFL: Eu tenho alguma dificuldade sinceramente em distinguir um primeiro, um
segundo ou um terceiro momento de construção. Eu acho que eles se
interligam. Eu, p.e., acho que hoje em dia uma equipa inteligente é uma equipa
que sabe perder a bola, isto pode parecer contraditório com a noção do tal
zénite do Futebol que deve ser o de ter a posse, mas uma equipa que sabe
perder a bola é uma equipa que está preparada para depois a recuperar o mais
rapidamente possível porque está bem colocada. Se calhar, esse momento a
seguir a perder a bola já é um momento de construção pré-concebida na mente
do jogador, portanto, é difícil distinguir as coisas dessa forma, pelo menos para
mim. Da mesma forma que não consigo distinguir um construtor de jogo hoje
em dia no Futebol moderno e no Futebol de top. Para mim o construtor de jogo
é o jogador que tem a bola, seja o lateral direito, seja…não é o «10». Quem
tem a bola é o construtor de jogo, se é primeira, ou segunda, ou terceira, ou a
quarta fase, em geral nós dividimos isso, primeira fase e o jogador que está é o
pivot que está a sair; a segunda fase é um momento a meio do meio campo; e
terceira fase já um momento quase de último passe, não é? Mas pegando um
pouco nisso e concedendo um pouco essas etapas, no meu ponto de vista, no
meu Futebol, eu privilegio sempre um Futebol que tenha aquilo que eu acho
que é a essência do jogo que é o passe e ligado ao passe está interligado uma
recepção orientada. Portanto, eu penso que isto é que são gestos técnicos que
depois se transformam na táctica da equipa. Gosto de dizer que a melhor
táctica de uma equipa é aquela que consegue ser a técnica dos seus
jogadores, isto é, a táctica individual de cada jogador em cada lance, saber
resolver tecnicamente mas sempre subjacente ao princípio táctico, e nesse
aspecto eu gosto sempre de ver uma equipa que construa o jogo privilegiando
a construção de uma teia de passes. Penso que a posse de bola é importante
para fazer a equipa pensar o jogo, fazer o colectivo participar e ir abrindo
espaços. O Futebol é um jogo simples, é um jogo em que uma equipa fecha
espaços e a outra tenta abrir os espaços. Penso que a melhor forma de os abrir
é com o pensamento, é com a inteligência, não é com o desgaste físico, não é
com o passe longo, não é com a força, até pode ser com a força ao minuto 90
ou 87 em que a equipa adversária está mais desgastada, acredito que esteja,
Anexos
LVIII
mas o desgaste físico tu aguentas bem, o desgaste mental é terrível. Ainda na
sexta-feira estava a comentar o Barcelona x Shaktar Donetsk e o Shaktar,
enquanto o jogo esteve numa dimensão física, resistiu bem ao Barcelona.
Quando os jogadores foram obrigados cada vez mais a pensar, e o Barcelona
teve quase 70% de posse de bola, os espaços começaram a aparecer. Não é
porque os jogadores estivessem mal fisicamente, mas eu acho que
mentalmente a equipa já estava muito cansada, porque do outro lado esteve
uma equipa que tocou, tocou, tocou, circulou, e voltava sempre ao ponto de
início. Quando a bola não entrava naquele flanco não havia problema, a bola
regressava ao defesa central e «vamos outra vez». A equipa avançava através
de um passe atrasado, normalmente para o central, e voltava a cansar a
equipa adversária. Esta é a forma que eu gosto de ver uma equipa jogar,
ganhar ou perder é outra questão atenção. Agora, o Futebol que eu gosto, o
Futebol que eu acho que deve servir de mensagem do ponto de vista estético
até e tacticamente também eficaz, porque se tem visto que também é
produtivo, embora também tenha os seus pontos fracos, mas a verdade é que
são esses princípios de jogo que eu gosto de ver, seja numa transição seja
numa organização ofensiva, aquele que privilegia o passe e a recepção
orientada. Acho que a velocidade tem um prestígio exagerado no Futebol
actual, mais que a velocidade deve ser sobretudo a mudança da velocidade e a
pausa e depois a mudança e para isso penso que um bom passe e uma boa
recepção são a base disso e no fundo seriam esses os princípios que eu
sempre privilegiaria numa equipa aonde eu tivesse alguma influência.
MC: E, relativamente à organização defensiva, que p rincípios privilegia,
identificando tanto Futebol que observa e que anali sa? Quais seriam os
principais princípios que privilegiaria?
LFL: …A organização defensiva…privilegiaria uma equipa, como te referi, que
quando tem a bola já sabe o que fazer quando a perde, isto é, começar a
defender quando ataca e começar a atacar quando defende. Em termos de
posicionamento no campo custa-me ver um defesa central que seja muito
diferente num bloco baixo ou num bloco médio. Penso que sobretudo a relação
do jogador com a bola é fundamental. Há equipas que na organização
defensiva vêm a bola como uma ameaça, quase como uma granada e
Anexos
LIX
chutando a bola para a bancada sentem um alívio. Privilegiaria uma
organização defensiva construtiva, digamos assim. Muitas vezes nós quando
falamos numa equipa esforçada pensamos numa equipa a defender, nós
quando pensamos em destruição pensamos numa equipa a defender. Portanto
eu acho que o conceito de destruição e esforço não têm que estar relacionados
com a organização defensiva. A criatividade e também a satisfação do jogo
também podem estar ligadas à organização defensiva. Se souberes defender
com uma relação amigável com a bola, se souberes depois ter uma noção de
construção com a bola, construindo, dando criatividade ao teu processo
defensivo, permite-te depois passar para os outros momentos do jogo com
outra forma, com outra cara. No fundo é esse o aspecto que eu acho
fundamental do que seria uma organização defensiva de uma equipa minha.
MC: Estou a ver que vai ser complicado responder at endendo aos outros
dois momentos porque a ligação que se tem feito ent re a parte…
LFL: …no fundo, se calhar, estou a responder a algumas perguntas já ou estou
a tocar em alguns aspectos…
MC: …isto porque, mais ou menos interligando, o enq uadramento como
está a fazer já vai respondendo um pouco…porque há uma interligação
entre os momentos. Mas pedia-lhe para que, como foi feito nas alíneas
anteriores, privilegiando agora os momentos de tran sição ataque-defesa e
depois defesa-ataque, acrescentar algo ao que tinha vindo a falar.
LFL: Está bem. Repara, no momento de transição defesa-ataque, como te
referi, eu não consigo identificá-lo de uma forma isolada. Pode ser feito de
várias formas, depende do jogo, depende da estratégia para aquele jogo,
depende do adversário, eu posso privilegiar uma transição mais rápida para um
determinado jogo, posso privilegiar noutra uma transição mais em segurança
com passe atrasado para depois se fazer mais rápido. Portanto, penso que isso
depende muito do lado estratégico. Isso não tem nada a ver com a filosofia de
jogo, ela está lá permanente, isto é o lado estratégico do jogo. Aí a transição
será sempre dependente do jogo que vou fazer.
Na transição ataque-defesa consigo-te identificar um pouco mais o que
é…impedir que a equipa recue, tentar recuperar a bola o mais rápido possível,
Anexos
LX
pelo menos mais perto do local onde a perdi. Portanto, quanto mais me
aproximar durante o jogo e mais vezes no jogo dessa situação, do recuperar a
bola no local onde a perdi ou o mais perto possível, eu acho que faço melhor a
velocidade das transições e faço melhor os enquadramentos de todos os
momentos do jogo.
MC: Uma curiosidade que me suscitou…à pouco falou n a parte da
organização defensiva que, reconhecendo que seria t anto melhor quanto
mais a equipa se sentisse confortável no momento em que não tem a
bola, está preparada para a recuperar e saber o que lhe pode fazer a
seguir. Quer-se dizer com isto que há equipas que p odem ter diferentes
abordagens... (…). Pode haver uma equipa que apliqu e em determinada
zona contra um determinado adversário e abdique um bocado daquilo
que era a sua identidade e então recua porque recon hece que o outro é
mais forte e depois sente-se um pouco desconfortáve l porque não está
preparada, (…), como se entrasse um vírus dentro da quilo que é o
organismo habitual da própria equipa…
LFL: No fundo aí está a mudar a filosofia da equipa…nesse aspecto. Quando
falaste em identidade isso é a tal filosofia, não é. Isso é o risco máximo que
uma equipa pode correr é alterar a sua identidade. Quando te referi saber
perder a bola é importante para a equipa a recuperar não é para a equipa viver
sem ela. É saber estar nos locais certos para a recuperar automaticamente.
Agora, esse tipo de equipas que tu falas também existe, mas são equipas que,
por estranho que pareça, sentem-se mais confortáveis quando não têm a bola
do que quando a têm, mas isso já é outra filosofia de vida, de jogo, já é outro
modelo. Penso que não é só uma questão de sistema ou uma questão
estratégica, há mesmo uma filosofia que privilegia não ter a bola em muitos
momentos, o perigo depois é as equipas quase ficarem, quase parecerem,
mais perigosas quando não a têm do que quando a recuperam, isto é, a equipa
faz um esforço tremendo para recuperar a bola e depois perde-a com uma
facilidade também impressionante ao fim de 2 ou 3 toques, ou então privilegia
logo tentar chegar rapidamente à baliza adversária em 3 ou 4 passes mais
longos para não «desposicionar» as suas linhas defensivas. As equipas
italianas médias-baixas, digamos assim, fazem um pouco isso. O campeonato
Anexos
LXI
italiano tem equipas infestadas dessa forma. Olhas para a cara dos jogadores
durante os 90 minutos e eles estão tranquilos, sentem-se bem. Estão a
defender alegremente durante 90 minutos. É uma filosofia de vida diferente em
que dificilmente tu vais conseguir ver uma equipa inglesa, e nem digo só feita
de jogadores ingleses, porque hoje em dia isso já quase não existe, mas as
equipas do campeonato inglês fazem a mesma coisa, e mesmo que fossem
obrigadas em algum momento do jogo a fazerem isso, com a mesma cara de
satisfação ou com o mesmo equilíbrio emocional e depois táctico no jogo. São
filosofias diferentes e no fundo vai encaixar naquilo que tu
referiste…identidade, que é fundamental, as equipas italianas têm uma
identidade muito forte para o bem e para o mal nesse ponto de vista.
MC: Fazendo um enquadramento com a organização estr utural/posicional
que a equipa apresenta, qual o papel que atribui a essa organização no
futebol praticado por uma equipa?
LFL: Estás a falar do «sistema de jogo», digamos assim, na estrutura não é?!
Naquilo que é a estrutura digamos assim, não é?! Eu atribuiu-lhe muita
importância. Muitas vezes oiço dizer que «o importante é a dinâmica». Eu acho
que não, acho que importante é o jogo posicional, o importante é onde
começamos a correr, o importante é onde estamos para iniciar determinada
acção. Mesmo o maior dos génios se não estiver no local certo para colocar em
prática a sua genialidade de nada serve. Portanto, o mais importante é os
jogadores estarem bem colocados posicionalmente para darem dinâmica
depois às funções que cada um tem e à filosofia de jogo global. A base é o jogo
posicional, estarem nos sítios certos, a casa táctica, isso dá-lhes referências de
passe, da criação de linhas de passe, e dá-lhes também o ponto de referência
(como eu te referia também numa das primeiras respostas), a casa táctica
onde eles regressam quando aquela jogada acaba. Portanto, é uma estrutura
estática mas é a nossa casa táctica desde a qual começamos correr e para
onde regressamos quando a jogada acaba. Dificilmente me vês elogiar uma
equipa porque faz muitas trocas posicionais, é um conceito demasiado vago.
Trocas posicionais mas como? O ponta-de-lança entra nas costas do extremo,
o lateral entra nas costas do extremo quando vem para dentro, há aqui uma
Anexos
LXII
pequena sociedade que pode ser criada, agora a base são jogadores
posicionais, isto é, é haver um respeito pelas posições.
MC: Considera ser mais adequado para uma equipa res tringir-se a uma
determinada estrutura ou, p.e, variar de jogo para jogo? Imaginemos,
neste jogo a equipa joga em 1-4-4-2 e para a semana , no próximo jogo,
joga em 1-4-3-3… Qual é a sua opinião?
LFL: A minha opinião é que é impossível treinar vários sistemas ao mesmo
tempo, mas é possível, e deve-se, e é aconselhado, e é obrigatório, numa
equipa de top ela conseguir desenhar vários sistemas, não de jogo para jogo,
mas no mesmo jogo. Isto é, estás na bancada com a máquina fotográfica e vais
tirando fotografias e de repente tu olhas para ali, «pá, isto é um 4-4-2 losango»,
depois de repente não, «isto é um 4-3-3» noutra fotografia, e noutra fotografia a
seguir não, «isto afinal é um 4-5-1». Há no fundo um acompanhamento dos
jogadores do jogo e da bola e do adversário e das circunstâncias que rodeiam
todos estes factores. Penso que uma equipa de top é uma equipa que
consegue desdobrar-se em vários sistemas. Tem, como te referi, e isso é
fundamental, a estrutura inicial, a casa táctica inicial, onde os jogadores
regressam, onde os jogadores começam a correr, mas depois durante o jogo é
fundamental que eles consigam desenhar outros sistemas, porque de outra
forma não ocupariam os espaços da forma mais correcta conforme o jogo lhes
pede nos diferentes momentos. Portanto, o melhor sistema é aquele que
desenha mais sistemas ao longo do jogo, ou melhor, a melhor estrutura é
aquela que vai desenhando mais estruturas ao longo do jogo sem perder a
referência da inicial.
MC: Depois da experiência daquilo que tem visto, ju lga que aquelas
equipas que vão alterando posicionalmente essa tal casa táctica inicial,
que faz alterações de jogo para jogo, se é que é po ssível estabelecer
correlação, têm tido resultados…
LFL: Não. Repara uma coisa, eu percebo a tua pergunta e acho que até posso
me ter explicado mal ou… Eu não estou a defender com isto que uma equipa
deva jogar em diferentes sistemas, nem estou a dizer que uma equipa hoje
Anexos
LXIII
deva jogar com 3 centrais com laterais a subir e amanhã joga em 4-4-2 e
depois joga em 4-3-3. Isso em vez de criar confusão ao adversário vou…
MC: …é isso. Não! Eu não percebi isso, eu percebi q ue, à partida, há uma
estrutura de referência e depois partem para outras durante o jogo,
digamos que a estrutura se torna moldável e que dep ois volta, mas é
certo que há treinadores que numa semana, e sobretu do muito fruto da
parte estratégica, que perante diferentes adversári os abdicam e se
posicionam de outras formas…E estava-lhe a pergunta r se vai
reconhecendo nessa forma de actuar resultados?
LFL: Não, não conheço sinceramente. Porque nisso reconheço sobretudo a
falta de identidade, a maior parte das vezes. Embora tu possas ter a mesma
filosofia com estruturas diferentes, é difícil, no entanto, andar a alterar a
estrutura de jogo para jogo. Estar a jogar equipas diferentes em estruturas
diferentes com a mesma filosofia, agora a mesma equipa alterar a estrutura de
jogo para jogo é complicadíssimo. No fundo, eu penso que seria sempre alterar
as casas tácticas onde os jogadores moram, retirar-lhes as referências e
impedir que eles criem os princípios de jogo para depois colocar em prática a
filosofia de jogo do treinador. Isso repara, acontece muito, mas não me parece
que alguma equipa de top o faça, portanto, há sempre um respeito por uma
estrutura base e a partir daí…o que é mais estranho é veres que são as
equipas pequenas que, se calhar, são as equipas que têm menos capacidade
individual de as colocar em prática que se adaptam mais ao adversário. Isso
dá-se no futebol italiano e o futebol português é um pouco isso. E novamente a
tal palavra que tu utilizaste, identidade. Eu acho que um dos problemas das
nossas equipas muitas das vezes é esse. Eu acho que nós hoje temos mais
equipas de estratégia do que equipas com identidade. Já o escrevi à pouco
tempo, eu penso que nós temos globalmente, cada caso depois será um caso,
numa equipa portuguesa média, 30% de identidade e 70% de maleabilidade
estratégica de jogo para jogo e muita desta maleabilidade estratégica não está
só no posicionamento de um jogador ou num princípio ou outro, está numa
alteração de estrutura e isso, sinceramente, acho que impede a médio prazo
que a equipa seja uma equipa de top.
Anexos
LXIV
MC: Só para acrescentar, que estruturas de jogo pen sa que poderão vir a
surgir no futuro (…)?
LFL: Cada vez mais as boas equipas são aquelas que ocupam melhor as
zonas de transição. O meio campo é cada vez mais o melhor sítio para
conhecer gente interessante no Futebol e para encontrar mais jogadores
durante um jogo. Eu penso que, cada vez mais, as estruturas no futuro vão
privilegiar os médios. Não acredito nas polivalências a nível de Futebol de top,
acredito em especialistas. A questão hoje em dia não passaria pelas grandes
referências de posição que temos e nesses especialistas aqueles que eu acho
que vão mandar no futuro serão os médios, no fundo, aqueles que têm que
pensar defesa-ataque, transições. Não sei. Mas no futuro, ver uma equipa a
jogar em 4-6-0, p.e., a nível de estrutura inicial não é algo tão descabido…
MC: …algo que já foi falado…
LFL: …já foi falado várias vezes e eu penso que no fundo tem a ver com a
questão da ocupação do meio campo, dos médios. Custa-me muito ver laterais
a médios, adaptados a médios, custa-me muito ver avançados sacrificados
para jogar a médio, porque acho que o médio, para ser médio é preciso saber
pensar como médio, um lateral a pensar como médio é muito difícil, porque há
ali um subconsciente de princípio de jogo que depois não se vai adaptar. Uma
noção tão global de jogo que eu acho que vai marcar as estruturas do futuro é
a especialização cada vez mais dos médios.
MC: (…) Tendo em conta aquilo que foi dito sobre a funcionalidade
colectiva, parece-lhe existir alguma distribuição, ou posicionamento,
colectiva da equipa em campo que potencie cada mome nto do jogo (…)?
LFL: Deve existir mais um respeito pelas características dos jogadores em
cada posição, isto é, eu acho que deves ter defesas que defendam e atacam e
não defesas que atacam e defendam. Deves ter avançados que atacam e
defendem e não que defendem e atacam. Com isto quero dizer o quê? Quero
dizer que tendo estes princípios nos jogadores individualmente, têm depois
uma aplicação no colectivo equilibrada para esses momentos e permitem que o
defesa, pensando primeiro em defender, sendo a primeira missão que está na
sua cabeça, esteja equilibrado no jogo, que permita equilibrar a equipa no
Anexos
LXV
momento em que não tem a bola ou no momento em que a está a tentar
recuperar digamos assim, é melhor dizer assim. Nesse momento também
deverão pensar algo exactamente ao contrário os avançados, isto é, deixar de
atacar e pensar também na defensiva, deixar o princípio do seu pensamento
para ter o inverso, portanto isso fará com que a equipa nesse momento tenha
uma exteriorização posicional mais forte para recuperar a bola que
obrigatoriamente estará nesse momento mais próxima do seu meio campo, da
sua baliza, da sua área. Em termos de estrutura, eu penso que o importante é
conseguires ter sempre uma superioridade numérica zonal em cada espaço do
relvado. Claro que há depois diferenças de cada jogo em concreto e de cada
adversário que tu defrontas, mas numa visão global, digamos assim, em que
me estás a pedir tenho dificuldade em ver alguma estrutura que seja
equilibrada, p.e., no momento defensivo, que não consiga ter 4 médios e
defesas que defendam mesmo. P.e., quando vejo treinadores a dizerem que
querem atacar mais e jogar com laterais ofensivos e com 3 centrais p.e.,
porque não ou não é melhor jogar com 4 defesas mesmo, defesas laterais que
defendam mesmo que é diferente de um lateral puro, e permitir que os médios
tenham uma liberdade mais ofensiva, não tão encarregues do momento
defensivo, jogar mesmo com 4 defesas. E tens um meio campo mais
equilibrado e tens a equipa mais equilibrada, portanto em termos de estrutura 4
médios pelo menos no momento da perda da bola e a defesa completa a
fechar os flancos penso que isso é o fundamental.
MC: …Partindo do pressuposto que esta é uma equipa de top e que
poderá perder a bola muitas vezes já no meio campo adversário, se for
um meio campo com 4, a questão é: esses 4 posiciona dos de que forma?
(…) Ao colocar-se p.e. 4 médios, se esta relação, e ntre defender-se o mais
à frente possível ou mais recuado, faz algum sentid o a questão estrutural
e da organização dos jogadores (…)?
LFL: Sim. Quando refiro 4 médios não estou a imaginar os 4 médios em linha,
estou a imaginar quanto maior o número de linhas que tu conseguires criar
melhor, porque, por princípio, conseguirás ocupar mais zonas do relvado, mais
espaços, em largura também. Mas também depende de como vai jogar o
adversário, se o adversário não der largura ao seu jogo e tiver outro tipo de
Anexos
LXVI
estratégia é evidente que o jogo vai escoar de outra forma. Agora,
fundamentalmente é teres várias linhas e sobretudo, e é fundamental, aguentar
a distância entre elas, isto é, nunca dar espaço entre linhas ao adversário.
Esse é que é o ponto fundamental para se desequilibrar as equipas e as
estruturas e o jogo posicional e tudo o que está relacionado com isso, é o
espaço entre linhas. Quantas mais linhas tiveres melhor, mas aguentando a
distância.
MC: Já vi que vê vantagem em se jogar com mais linh as, porque a
próxima questão era esta: se vê alguma vantagem em se jogar com mais
ou menos «linhas», longitudinais ou transversais, p ara se jogar ou
entende ser unicamente da preferência do treinador?
LFL: Penso que sim, mais linhas. Agora há treinadores que depois têm outra
ideia de jogo não é, que privilegiam uma distância até excessiva entre linhas e
a tal transição individual que leva os jogadores a «queimar linhas», utiliza-se
muito o termo «queimar linhas», mas são outras filosofias não é, mas parece-
me que a melhor ou que pelo menos aquela que vai de encontro ao meu
futebol seria essa e que me daria mais gosto em ganhar assim, mas isto…
como te referi ganhar e perder é outra questão.
MC: Só para comentar, porque acho que vem complemen tar um pouco, a
seguinte afirmação: “Os triângulos são formas geométricas evoluídas de
posicionar os jogadores em campo.”
LFL: São formas evoluídas? Eu penso que todas as formas geométricas podem
ser evoluídas em campo. Um círculo pode ser evoluído, conseguires circular de
forma a bola pelo campo, por trás, por 3 ou 4 jogadores é uma forma evoluída.
O triângulo, a triangulação, a tabela, é a base do movimento do Futebol. Se
estiveres sozinho com a bola se calhar tabelas a bola com a parede, portanto,
é a coisa mais primitiva que existe. Eu penso que o triângulo é uma forma
evoluída que faz regressar o Futebol às raízes exactamente. É a forma mais
simples de jogar futebol, mas também a forma mais difícil de a colocar em
prática depois em campo e exige uma sincronização perfeita passe-recepção-
passe.
Anexos
LXVII
MC: Ainda à bocado falava da questão da polivalênci a e a próxima
questão tem a ver com isso. Actualmente acha que o jogador de cultura e
com qualidade superior tem elevados desempenhos num «posto
específico» ou um jogador que cumpra uma «polivalência» de posições?
E porque é que acha isso?
LFL: Penso que mais importante do que fazer várias posições é fazer a mesma
posição de formas diferentes. Isso é que eu acho que é o jogador de top. Um
jogador que joga a lateral, depois joga a médio, depois joga a lateral,
dificilmente vou ver ali uma grande referência de qualidade para uma dessas
posições. Penso que a referência de qualidade tem a ver com a especialização.
A especialização depois permite que o jogador faça a mesma posição de
formas diferentes. Seja o defesa lateral que fica mais, marca, segura, joga mais
curto, fecha por dentro, em função do que o treinador lhe pede ou do que o
jogo lhe pede, ou então um lateral que saia a jogar de outra forma, mais
ofensivo, de forma mais de apoio e de circulação à bola ali no meio campo, que
entra mais nas triangulações no jogo dos triângulos a atacar. Cada jogo pede
posições a nível de posição, mas funções diferentes. Este é que eu acho que
deve ser o jogador de futuro, o upgrade posicional constante, fazer mais coisas
dentro da sua posição, conhecer cada vez mais os espaços adjacentes à sua
posição, não é jogar em posições diferentes. A maior parte das vezes vemos
um jogador que é um bom central e um vulgar lateral, agora penso que
devemos é especializar aquilo que ele tem de bom. O objectivo deve ser que tu
durante o jogo faças mais vezes aquilo que fazes bem e seres obrigado menos
vezes àquilo que fazes mal ou menos bem e isso passa-se exactamente pela
colocação de um jogador, pela especialização cada vez mais de um jogador,
na posição onde ele tem as suas condições naturais para ele aparecer melhor.
O futuro para mim do futebol de top, do jogador de top é a especialização.
(…) Deixa-me só referir…muitas vezes se diz, «Eu quero dois jogadores para a
mesma posição», e gente fica, «Mas o quê? Dois clones?». Portanto, se calhar,
dois jogadores mas com características diferentes para a mesma posição,
posso ter um lateral mais posicional e um lateral que saia melhor a jogar.
Nesse aspecto é preciso ver, não é que faça a mesma função, faça a mesma
posição mas de formas diferentes.
Anexos
LXVIII
MC: Aí, e percebendo em termos de funções, associam os as funções
àquilo que é o estabelecido em termos de princípios para a equipa e
depois pode é variar consoante as características q ue o jogador tem?
LFL: Claro.
MC: Vamos então para a parte final. Só para exempli ficar, optando por
uma distribuição posicional da equipa e atendendo a esses
posicionamentos, se poderia referir-nos e estabelec er as «linhas» de
referência da organização estrutural da equipa no m omento de iniciação à
construção do jogo ofensivo como falámos à pouco (… ) e no momento de
construção e definição de situações de finalização (…)?
LFL: Primeiro ponto: os jogadores verem-se uns aos outros, estarem próximos
no momento de saída de bola pelo menos, vou utilizar o teu termo, de início de
construção, de primeira fase de construção, estarem quanto mais próximos
quanto mais estiverem no início de construção; e segundo ponto, o portador da
bola ter pelo menos, na pior das hipóteses, sempre duas opções sobre o que
lhe fazer, a nível de passe, a nível de temporização, a nível de outra forma de
jogar. Se pensarmos, p.e., numa estrutura de 4-3-3, privilegiaria sempre a
existência só de um pivot. Tenho muita dificuldade em ver equipas com dois
pivots de top, uma coisa que não existe embora a história também as tenha,
mas eu gosto de ver o pivot como um farol e não lhe estou a colocar um rótulo
defensivo, estou a falar de pivot e sempre que vejo jogar dois pivots acho
sempre que pelo menos um deles deve ter um olho tapado, porque vai-lhe
tapar o espaço, a amplitude para sair a jogar. Depois, a construção de jogo
com os jogadores próximos como te referi e a importância depois de, mesmo
este 4-3-3, e estão lá três médios no fundo, independentemente aqui de criares
duas linhas de início com o triângulo, a importância de surgir aqui um quarto
homem, um quarto médio, ou um quarto jogador que ocupe um espaço
intermediário. E esse jogador é que eu acho que vai ser fundamental para ser,
em muitas jogadas, o terceiro homem que pode baralhar a equipa adversária,
penso que isso pode ser feito ou com o baixar um pouquinho do «9», do ponta-
de-lança, ou um dos alas a vir para dentro. Aí já tinhas a bola na tal segunda
fase de construção, pode ser encarada aí como a entrada no meio campo
Anexos
LXIX
adversário até meio do seu meio campo, em que novamente os jogadores se
podem ver uns aos outros mas procurando aqui já sobretudo a largura…
MC: …o campo mais amplo…
LFL: …exactamente. Abrir mais o campo, porque só depois de dar largura é
que também lhe podes procurar a profundidade, profundidade também pelo
flanco ao mesmo tempo, dependendo evidentemente do lado para onde a bola
roda, existir a basculação da equipa toda e o acompanhamento do outro
jogador mais adiantado, portanto aquele que fica mais adiantado. Se neste
caso fosse o ponta-de-lança, que tem que procurar depois os movimentos sem
bola que vão dar referências de passe, e depois existir uma coisa, não um
cruzamento para a área mas um passe para o jogador que está na área que
são duas coisas completamente diferentes.
Em todos estes momentos em que o jogador manteve a bola, o médio ter a
bola muitas vezes, isto é, tocar a bola várias vezes mas tê-la o menos tempo
possível, isso aplica-se também ao avançado que naquela altura ocupou o
espaço intermediário, e existir a tal construção apoiada que tenha o ponto de
início, de referência, o centro, mas que depois consiga facilmente reconhecer
os espaços de penetração nos flancos e se não o reconhecer no flanco, saber
regressar novamente ao centro e tentar pelo outro lado. Para isso é
fundamental, para além dos médios saberem fazer movimentos verticais, ter
pelo menos um dos alas que saiba jogar por dentro e pode inclusive permitir
abrir a faixa a um dos laterais e dar mais referências de circulação à equipa
adversária. Penso que mesmo este posicionamento e agora quando a equipa
perdeu a bola neste processo, portanto, estava a correr tão bem e perdeu a
bola, penso que com este posicionamento vai-te apanhar a equipa na mesma
equilibrada do ponto de vista de largura e da ocupação dos espaços. Não vai-te
apanhar a equipa «desposicionada» em termos espaciais e para dar
velocidade de transição defesa-ataque à equipa adversária, isto é, a equipa
saberá perder a bola, saberá reposicionar-se automaticamente para
tapar/recuperar um espaço mais adiantado do terreno. Neste posicionamento
mais arriscado, digamos assim, de um lateral poderá ser compensado com a
questão, ou seja, a utilização do, do…
Anexos
LXX
MC: …do pivot?
LFL: Do pivot ou do outro médio mais interior até, como é evidente ficar um
pouco mais recuado, a baixar mais um pouquinho quando o ala veio para
dentro. Portanto, isto numa análise muito global é uma estrutura que quando a
ver em movimento, que se moldou em várias estruturas, que soube ter a bola
para construir, que a perdeu – que é a única coisa inevitável no jogo porque o
golo é raro, portanto a maior parte das vezes perdes a bola – e soube depois
colocar-se, isto é, o chip mental «tenho a bola, perdi a bola» foi
automaticamente activado na cabeça dos jogadores e eles não perderam o
controlo.
MC: Há então o reconhecimento aí da importância das várias «linhas»
para os jogadores estarem próximos para interligare m os diferentes
momentos?
LFL: Não só de várias linhas, mas sobretudo da distância das várias linhas e
aguentar a distância entre as várias linhas. Não criar espaços entre elas onde o
adversário possa entrar. Tipo vírus, utilizando um termo que tu utilizaste há
bocado, na nossa organização. Aguentar a distância entre linhas é
fundamental…
MC: …de certa forma, já acabou por fazer a parte da transição defensiva,
penso eu…
LFL: …sim, sim…
MC: …em que reconhece sobretudo a importância posic ional dos
jogadores, embora a equipa se tenha, digamos, «defo rmado» para tentar
aproveitar os espaços e criar situações de finaliza ção, havendo sempre
referências posicionais ocupadas para o momento da perda, em que julgo
que aí as referências que colocava eram essas, com o facto de, após o
momento, os jogadores poderem-se aproximar e rapida mente colocar
pressão na zona da bola, no portador da bola, julgo que serão essas as
referências que colocaria passando agora para o mom ento de transição
defensiva?! Não sei se gostaria de acrescentar…
Anexos
LXXI
LFL: Não. Sim é exactamente isso. Estava-te a referir…a referência de pressão
não ser individualizada atenção, existe aqui uma noção colectiva…
MC: …daí a importância da distância entre «linhas»…
LFL: …exactamente. E os jogadores verem-se uns aos outros. E existir essa
noção de pequenas sociedades que existem em cada espaço do terreno, (…),
uma equipa tem que ser solidária, digamos assim, e quando digo solidária tem
a ver com perceber a ocupação dos espaços uns dos outros e a forma dessa
tal «deformação», que se pode conferir em alguns momentos como
desorganização, seja sempre uma desorganização organizada e esse é que é
o segredo das equipas de top. Porque, quando se desorganizam é só
aparentemente, não condiciona depois o momento subsequente de jogo,
porque há muitas equipas que para defenderem bem comprometem depois o
momento ofensivo, porque «desposicionam» de tal forma os jogadores que
depois já não conseguem colocar em prática o momento de transição ou o
momento de organização. Isso é que faz a equipa afastar-se da tal noção de
top. Noção de top são as equipas que conseguem fazer essa tal nuance
estratégica que os jogos às vezes pedem, de posicionamento de um jogador,
mas conseguem manter na mesma activados os seus princípios de transição,
ou seja, sobretudo a transição defesa-ataque.
MC: Quando falou da parte, não sei se dá para acres centar ou não, da
importância da superioridade numérica, se possível, nos locais da bola
para se construir o jogo ofensivo. Na transição def ensiva considera ser
desde logo importante a criação de uma superioridad e numérica nessa
pressão?
LFL: É importante, mas uma equipa não deve entrar em pânico se isso não
acontecer, não é?! Porque, como te referi, o momento de perda pode implicar
sempre um momento de desorganização posicional e momentaneamente teres
ali uma inferioridade numérica. Agora, o que eu penso é que a equipa tem que
estar preparada para reagir a esse momento e torná-lo o mais curto possível.
Aí está a velocidade das transições, portanto as equipas que as conseguirem
fazer de forma mais rápida são as equipas que estão mais próximas então do
tal top.
Anexos
LXXII
MC: Já estamos na parte da organização defensiva e utilizando a base
estrutural que estamos a falar agora, quais julga s erem as referências que
deve ter uma equipa quando está organizada defensiv amente?
LFL: As referências? Mas estás a falar em que sentido?
MC: Estamos a falar em termos de posicionamento, da s «linhas» de
referência, de uma certa organização estrutural, qu ais são as «linhas» que
deve ter, «linhas» de referência para a equipa se o rganizar de acordo com
essa estrutura, organizar-se defensivamente…
LFL: …no fundo as referências têm que ser os espaços que os jogadores
devem ocupar. Os jogadores têm que ter a noção da ocupação espacial que
lhes permite situações de cobertura/recuperação de bola. A organização
defensiva implica o momento em que o jogador pensa no jogo sem a bola, mas
já é um tanto pré-conceber a posse na sua recuperação e deve-se preparar
para um pressing construtivo, digamos assim, e não um pressing meramente
destrutivo, conseguir uma recuperação que ponha a equipa logo a avançar no
terreno, fazer uma transição defesa-ataque e não meramente um pressing
neutralizado que visa não a recuperação mas apenas o desarme ou o corte do
adversário. Em termos de estrutura ou em termos de linhas é evidente que uma
equipa que a defender consiga ainda estar mais compacta, ou seja, fazer o
chamado «campo pequeno», à partida está a retirar espaços ao adversário,
está a cobri-los de melhor forma, está a encurtar mais a distância entre as suas
linhas, depois tem que ser um pouco «camaleão» quando recupera a bola e
volta a alargar o jogo e o campo um pouco maior, mas a nível defensivo o
fundamental é, primeiro o espaço, depois ter essa maleabilidade em função de
onde «rouba» a bola e segui-la, mas nunca ser atraído por ela, isto é, muitas
vezes a maior parte das equipas que defendem perante equipas adversárias
que circulam bem a bola é serem atraídas pelo erro, quase como o «pássaro
pela serpente», a bola acaba…
MC: …mas não deve existir um enquadramento também e ntre bola-
espaço?
LFL: É. Exactamente. Mas sem te atraíres pela bola. Isto é, tu deves aguentar
a posição, deves aguentar o espaço, deves aguentar a distância entre linhas.
Anexos
LXXIII
Muitas vezes uma equipa adversária que está à tua frente a rodar a bola vai-te
fazendo dançar até ao momento em que tu te atrais pela bola para a tentar
recuperar. A maior parte das vezes o que acontece aí é que tu para tentares
recuperar a bola saíste do teu espaço, portanto, perdeste a referência inicial e
a equipa adversária aproveita então o espaço livre que acabou por ser criado
por mérito da equipa que circulou a bola, por criá-lo, e demérito da tua equipa
que foi atraída pela bola (…), foste atraído pelo movimento para ir buscar a
bola num espaço que não era o teu espaço defensivo, era o espaço da equipa
adversária ter a bola, tu, quando estavas a controlar o jogo ou a controlar a
jogada mesmo sem a bola. Portanto, em organização defensiva, o mais
importante é aguentar o espaço, enquanto aguentares o espaço e a bola não
estiver nesse tal espaço de risco tens o lance controlado…
MC: …outra coisa que talvez se possa associar com a s referências é o
falar-se em «juntar linhas». Estou a perguntar isto porque à pouco
estávamos a falar da tal distância e aproximação en tre as «linhas», às
vezes o «juntar linhas» não se pode associar, p.e., a uma equipa que joga
com muitas «linhas» e depois passam a jogar em duas ou três «linhas» e
que têm que estar ali os jogadores todos muito próx imos? (…) Sendo que
há equipas que se posicionam apostadas mais na ampl itude e outras
mais em profundidade, definindo neste sentido mais ou menos «linhas»
de acordo com a profundidade que estabelecem…
LFL: …o início da pergunta estavas a falar no termo «juntar linhas». «Juntar
linhas» é sobrepor linhas e aí…tu deves aproximar as linhas não deves juntar
as linhas. Do aproximar a juntar há ali uma subversão da ordem, quer dizer, ali
uma, começam a ficar submersas umas com as outras, portanto o que tem que
existir é uma aproximação que permita, como te referi, os jogadores verem-se
uns aos outros. A questão das linhas, são algo visível, não se desenham
exactamente dessa forma, mas é um termo que se aplica sobretudo à distância
de passe que existe entre jogadores, à visão dos jogadores uns dos outros, à
capacidade de desenharem linhas de passe, a equipa, portanto é isso, lá está
linhas de passe linhas, tem a ver com a proximidade. O juntar… muitas vezes
uma equipa, e há muitas equipas que confundem pressão com aglomeração
p.e., muitas vezes vejo equipas com muitos jogadores em determinado espaço
Anexos
LXXIV
do terreno e oiço dizer que «estão a fazer uma forte zona de pressão» e maior
parte das vezes estão a fazer uma forte zona de aglomeração porque não se
identifica ali depois uma noção de pressão ou de pressing colectiva não é, e
basta um passe vertical depois interior para se perceber que é uma mera
aglomeração portanto, e as linhas estão juntas não é? Há ali uma confusão de
linhas, até ao ponto de elas já não existirem, há um novelo de linhas quase,
portanto aproximá-las é que é fundamental e treiná-las como zona de pressão
e não treiná-las como uma zona de aglomeração.
MC: (…) Ainda recentemente colocaram uma questão re lativamente à
existência de jogadores fora da sua estrutura, que às vezes há jogadores,
sobretudo os mais avançados porque não é uma zona t ão perigosa, não
actuam em zonas próximas da baliza que nós defendem os, que há
jogadores que, também pelas suas características, à s vezes estão fora da
estrutura, trabalham colectivamente para a estrutur a, mas a equipa não
está tão posicionada…
LFL: A questão que tu te referes e a abordagem que tu fizeste tem vários
pontos algo cinzentos, isto é, o colocares um jogador fora ou alheado ou
menos participativo num processo defensivo, referiste-te no caso do avançado,
pode ser um perigo, pode ser perigoso, isto é, pode ter como consequência
depois aqueles todos, 4, 5, 6, 7, aqueles que tu achas que estão mais
entregues à missão defensiva fiquem muito mais expostos, isto é, o avançado
pode pensar apenas ¼ do jogo defensivo, se calhar aquele é o princípio, a ser
bola do adversário, p.e. se o ponta-de-lança não for pressionar o central que
sai a jogar eu acho suficiente para que a tua defesa, as tuas linhas, recuem
mais não é?! Isto é, desde logo fundamental o papel do ponta-de-lança. Se ele
o fizer permite que a tua equipa suba mais, estica as linhas da equipa, as
diferentes linhas, até estou a pensar aqui mais na recuada. Portanto, todo esse
comportamento, nunca pode existir num jogador estanque ou fora do
comportamento colectivo, só aparentemente pode parecer que está alheado e
participar menos, mas o menos pode ser o mais aqui e pode comprometer o
mais mesmo em termos depois do que é visível à organização defensiva
quando a bola está próxima da tua área, muito do que estás a sofrer depois
Anexos
LXXV
deve-se ao tal ponta-de-lança em vez de pressionar ficar a pensar na
namorada ou na casa, portanto, e não ter ido lá.
MC: E partindo então agora para uma fase de ligação de uma equipa que
estivesse em organização defensiva para a sua trans ição ofensiva, que
«linhas» de referência teria atendendo a esse momen to de transição (…)?
LFL: No fundo, volto-te a dizer a proximidade dos jogadores no momento de
saída da bola, salientar novamente a distância entre linhas… depende…Há
aqui várias noções que eu penso que na dinâmica de uma estrutura…sem
subverter nunca o sistema, tu podes, como te referi já antes, distinguir várias
formas de transição e isso eu acho que vai determinar desde logo o
posicionamento das linhas e dos jogadores no desenhar dessas linhas, nessas
sequentes linhas de passe. P.e., nesse momento de saída a primeira tentação
poderia ser alargar logo as linhas. Recuperamos a bola, neste momento já não
há tanta necessidade de aguentar a distância porque estamos em posse,
portanto, tu podes perder a bola e depois entretanto juntamo-nos outra vez,
portanto a equipa deve resistir nesse primeiro momento a alargar tanto as
linhas, isto é, deve existir de facto um ou dois jogadores que automaticamente
na minha opinião dêem largura, isto é que permitam que o campo fique
automaticamente maior em termos de possibilidade de construir a fase
atacante porque obriga também automaticamente a equipa adversária a ter
cuidados, a recuar, a ocupar bem o espaço, tem que estar ela também já num
momento de transição defensiva, de organização defensiva, e permite também
que o teu portador da bola tenha mais espaço, porque há um momento em que
tu não aumentas a distância entre linhas mas dás um pouco mais de largura ao
teu jogo e vais aumentando-as tenuemente, fazes com que a equipa adversária
também recue um pouco e alivie um pouco a pressão e deve nessa altura dar
mais espaço ao teu portador da bola, tendo mais espaço expõe-te menos ao
risco, deve-se expor menos ao risco. É o único momento do jogo em que
muitas vezes eu penso que o jogador pode optar mais facilmente por um passe
mais longo ou médio-longo do que um passe curto de primeira instância,
porque é o momento mais perigoso para uma equipa é perder a bola num início
de transição defesa-ataque e por isso a importância desse momento das
«linhas», quando se começam a alargar, os jogadores não perderem o
Anexos
LXXVI
contacto visual com aquele jogador que tem a bola e deixá-lo muitas vezes
com a bola e com um espaço enorme à sua frente, portanto, existir uma
aproximação, e isto depois é treinado e há uma forma de sair em transição que
depois tem que ser treinada, para existir essa protecção ao jogador e não
obrigá-lo, e não expô-lo, a uma situação de risco que o leve a ter que fazer um
passe de maior risco que leve à perda da bola no início de transição. Isto só é
possível com um alargar das linhas, mas de uma forma equilibrada, de uma
forma fragmentada, isto é com uns frames mais curtos. O ideal depois seria tu
fazeres esta construção curta com precisão e velocidade e permite que a
equipa alargue as linhas com uma velocidade tremenda, isto é, e que saia a
jogar com uma velocidade tremenda e sem ter a necessidade de se alargar
tanto as linhas.
MC: Julga legítimo dizer-se que quanto menos desest ruturada ou
desorganizada estruturalmente (posicionalmente) est iver uma equipa num
momento de transição mais facilmente ela faria essa transição ofensiva?
LFL: Isso é evidente que permite que uma equipa tenha uma transição mais
lúcida, digamos assim, que o portador da bola tenha mais opções sobre como
fazer a transição. Repito que há várias formas de fazer transição e depende da
que esteja adaptada para cada momento. Agora repara, o momento de
transição e sem pensarmos só na nossa equipa e sem pensar também só na
equipa adversária, mas pensarmos no jogo em abstracto, e nas duas equipas
ao mesmo tempo, o momento de transição implica sempre algo de
desorganização do jogo, que vai implicar sempre, por curtos instantes que seja,
que uma das equipas esteja desorganizada e é o momento em que tu tens que
entrar nessa desorganização dela. Conseguires na tua equipa que esse
momento de desorganização seja um momento o mais curto possível, a
mudança do tal chip mental defesa-ataque é que te faz com que sejas equipa
de top. As transições têm sempre implícito um conceito de desorganização no
jogo.
MC: Para finalizar gostaria de perguntar se tem alg uma coisa que gostaria
de acrescentar à temática que estivemos aqui a abor dar das organizações
estruturais, salientar mais algum aspecto?
Anexos
LXXVII
LFL: Sinceramente não me parece. Acho que falámos muito à volta disso,
tocámos em vários aspectos… portanto, parece-me que, não sei depois como
ficará sintetizando isto tudo, sistematizando estas ideias todas, mas acho que
conversámos sobre aquilo que é essencial, não me parece que haja aqui mais
nada de muito relevante a acrescentar.
Anexos
LXXVIII
Anexos
LXXIX
ANEXO IV
Entrevista a André Vilas Boas
Elemento da Equipa Técnica do Inter de Milão (Observador de jogo)
Correspondência Correio Electrónico, conclusão a 14/09/2009
Milton Cerqueira (MC): Concorda que uma equipa para ser de rendimento
superior tem de ser organizada em todos os seus mom entos (atacar,
defender, transitar)? Podia esclarecer-nos o porquê da sua opinião?
André Vilas Boas (AVB): Qualquer equipa que deseje ser competitiva no meio
onde está inserida deve obrigatoriamente ser organizada no seu todo. Não só...
(e só)...no seu todo que é o jogo e o seu modelo, mas também estruturalmente
e funcionalmente como equipa de rendimento superior.
Mas relativamente à própria organização do Jogar que é o que pretendes saber
eu respondo-te, o que é atacar sem defender ou transitar? O que é defender
sem atacar ou transitar? É importante que se perceba isto, não há organização
ofensiva sem pensamento em equilíbrio defensivo e antes desse equilíbrio sem
ideia de transição. Tal como não há organização defensiva sem pensamento
ofensivo e sem ideia de exploração de uma transição ofensiva. Na organização
do jogar contam os momentos de jogo sem dúvida, mas conta também a
relação constante que há entre uns e outros. O que eu te digo, e que também
discuti isso com o Daniel é: será que todos começam uma época com essa
ideia global de organização? Será que todos sabem o que realmente
pretendem para as suas equipas? Como se devem comportar, o que os
caracteriza, o que fazemos quando entramos em campo? Como geres
organização e caos e ordem e criatividade? Para mim isto é decisivo e é
precisamente a gestão do equilíbrio destas relações, que se manifestam em
comum no teu jogar, que diferencia uma equipa de rendimento superior de uma
equipa comum.
MC: O que entende por organização ofensiva, organiz ação defensiva,
transição defesa-ataque e transição ataque-defesa?
AVB: Repara a esta pergunta. Prefiro responder-te do modo mais simples
possível. Organização Ofensiva: o modo como eu enquanto treinador potencio
os meus princípios de jogo para poder criar um determinado número de
Anexos
LXXX
oportunidades de golo que me permitam vencer o jogo. Organização
Defensiva: o modo como eu potencio os meus princípios de jogo de modo a ter
uma unidade compacta que me permita reduzir a um mínimo a criação de
oportunidades por parte do adversário. Transição Ofensiva ou defesa-ataque:
acções conjuntas, tomadas imediatamente a seguir à conquista da posse de
bola, onde se podem potenciar, de acordo com o que se pretende em termos
estratégicos, uma transição para posse (entenda-se, para manutenção da
posse de bola e passagem a organização ofensiva) ou uma transição mais
vertical para explorar a desorganização do adversário. Transição Defensiva ou
ataque-defesa: acções conjuntas tomadas após a perda imediata da posse de
bola. Também dependente das nuances estratégicas para o jogo, como por
exemplo transição para bloco ou transição para pressionar e limitar o
adversário de um modo imediato. Atenção, volto a reforçar-te o que disse
acima, o teu jogar deve exprimir-se como um todo e não de um modo isolado.
MC: Inicialmente, gostaria que me falasse sobre o q ue entende por
modelo de jogo.
AVB: Um conjunto de princípios de jogo que constituem a base do teu Jogar e
que é o único referencial pelo qual deves iniciar a construção do teu modelo de
treino.
MC: Qual o papel que atribui ao modelo de jogo na o rganização do jogo
de uma equipa?
AVB: No meu modo de ver as coisas e de entender o que é uma equipa de
rendimento superior eu digo-te que tem um papel fulcral. Nele deve estar tudo.
Tudo o que tu defendes e tudo o que tu queres como jogo para a tua equipa.
Obviamente que a aplicação do que defendes cabe aos jogadores como
verdadeiros e principais protagonistas do processo e é aí que volta a ser
decisiva a tua intervenção, na gestão da sua aplicação e execução, porque não
podes «vender» uma ideia aos jogadores que eles não possam aplicar, falando
de equipas de rendimento superior obviamente. Mas também te digo. É
possível vencer sem um modelo...tal como é possível vencer construindo uma
ideia geral de jogo ao longo da semana...
Anexos
LXXXI
MC: Que relação lhe parece existir entre princípios de jogo e
funcionalidade pretendida para a equipa em termos d e jogo?
AVB: Total enquanto for possível ser aplicada pelos jogadores que tens à
disposição. A funcionalidade de uma equipa é articulada pelos jogadores
portanto são eles que têm de estar capacitados para pensarem e decidirem
sobre ela. Um exemplo muito claro e fácil de perceber: construção longa do
Moretto (no troféu de Amesterdão do Benfica) direccionada para o Cardozo.
Primeiro bola conquistada de cabeça e segundo bola na profundidade no
movimento explosivo do Saviola entre os defesas do Sunderland. Tenta
inverter o cenário agora: Saviola primeiro bola e Cardozo na profundidade após
movimento explosivo...impossível! O modelo e os princípios que defendes para
a tua equipa estão não só intimamente ligados entre si como têm que estar
intimamente ligados aos jogadores que tens à disposição porque são eles que
os executam em campo e não nós!
MC: Na operacionalização do modelo de jogo, qual a importância
atribuída às características dos jogadores?
AVB: Vital. Da mesma forma como te respondi acima.
MC: Podia agora mencionar quais os principais princ ípios ofensivos que
privilegia, atendendo à funcionalidade do jogar exp resso pela equipa,
quando em organização ofensiva no momento inicial d e construção do
jogo ofensivo?
AVB: Ora bem, relativamente ao Inter não o posso fazer como deves calcular.
Tendo em conta o referencial das equipas de topo que te queres referir penso
que duma forma geral tendem para construir curto a partir do guarda-redes ou
para construir fazendo o «campo grande» com os centrais em primeira fase.
Enquanto algumas dessas equipas preferem que os laterais se projectem na
profundidade de uma forma antecipada fazendo a construção dos centrais para
os médios ou os alas em movimentos interiores, há outras que preferem os
laterais em apoio utilizando a amplitude oferecida por estes para depois irem à
procura dos passes e espaços interiores. Pode a tua construção curta estar
limitada por um possível posicionamento alto do bloco do adversário?
Depende...repara no que aconteceu na final de Roma. O Manchester United
Anexos
LXXXII
terá pensado vamos pressionar imediatamente o Barcelona dentro do seu terço
defensivo para forçar uma perda ou forçar o jogo longo...nem uma coisa nem
outra. O Barcelona jogou facilmente «dentro» dessa pressão e conseguiu ainda
que o Manchester dispersasse o seu bloco fruto de uma distância muito grande
entre sectores que era acentuada com a escolha errada dos timings de pressão
e de um posicionamento «baixo» dos centrais do Manchester. Seria possível
ao Barcelona fazer a mesma coisa se em vez de Pique e Yaya Toure tivesse
uma dupla de centrais que não se sentisse «confortável» com a bola quando
pressionada pelo adversário? Talvez não...por isso voltamos exactamente à
questão que me colocaste há pouco na qual eu te respondi que na construção
do teu jogar tens que forçosamente ter em conta as características dos teus
jogadores para que possas potenciar, não só a funcionalidade do que idealizas,
mas também as próprias características dos protagonistas do processo.
MC: E a nível da organização ofensiva num momento d e construção e
definição de situações de finalização?
AVB: Penso que aqui e tendo em conta a natural tendência que estamos a
assistir relativamente ao posicionamento do bloco baixo por parte do
adversário, cada vez mais perto da sua própria baliza, conta sobretudo ser
capaz de manter um ritmo elevado na circulação da bola, mas atenção, eu digo
ritmo elevado na circulação de bola efectuado de um modo pensado e
racionalizado. Pensado e racionalizado no sentido de ir provocando o
adversário à abertura de determinados espaços e depois ser capaz de
entender esses espaços e explorá-los de forma correcta. Também não significa
que não deve haver espaço para a criatividade, mas significa sim que antes de
mais deve haver capacidade para o reconhecimento de determinadas
situações cabendo depois ao jogador decidir relativamente à «imagem»
situacional que encontrou. Isto relativamente à construção da oportunidade.
Relativamente à definição/ finalização depende muito do que tens estabelecido
como princípios. Se privilegias a amplitude no último terço é provável que a
criação inicial da oportunidade surja nas faixas, ou seja, haverá cruzamento e
então terias que trabalhar no movimento dos teus jogadores relativamente a
essa acção. Se privilegias a amplitude, mas apenas para criação de espaços
interiores, então a tua fase de definição deve focar-se nos passes curtos de
Anexos
LXXXIII
penetração para a área onde o teu ponta-de-lança ou os teus avançados vão
aparecer para rematar. Se no entanto privilegias a construção longa ou mais
directa terias que trabalhar em desmarcações e movimentos do teu ponta-de-
lança ou dos teus avançados para saírem na profundidade nas costas dos
defesas adversários.
MC: Relativamente ao momento organização defensiva, podia referir os
principais princípios defensivos que privilegia par a uma equipa tendo em
conta a sua funcionalidade colectiva?
AVB: Penso que, de uma forma geral, o teu objectivo será primeiro, reduzir os
espaços do primeiro ao último homem (excluindo o Guarda-Redes) e depois
disso será definir um posicionamento padrão do teu bloco. Depois, entrando no
mais específico, poderias começar a definir as zonas activas ou passivas de
pressão, poderias definir as referências visuais de pressão que te vão levar a
um comportamento mais agressivo na redução de espaços, podes também
definir a tua linha de fora-de-jogo e o comportamento que o teu bloco defensivo
deve ter tendo em conta essa referência e obviamente as decisões que tomas
relativamente a que tipo de coberturas deves ter em determinadas zonas de
campo.
MC: Quando em transição defesa-ataque poderia menci onar quais os
principais princípios de jogo privilegiados para es te momento,
elucidando-nos acerca da funcionalidade colectiva a apresentar pela
equipa?
AVB: Como te dizia há pouco podes privilegiar como equipa uma transição
para posse ou uma transição mais objectiva, mais agressiva e mais directa
(sem querer dizer «exclusivamente» de passe longo). Tendo em conta que há
fortes possibilidades que o teu adversário esteja desorganizado, o que tu
queres ou deves explorar está intimamente ligado com a sua «organização».
Por isso tem havido mais golos em transição nos últimos anos. Quando se
percebeu que havia um número importante de golos sofridos imediatamente
após as equipas perderem a bola, então o estudo do adversário passou a ser
mais dedicado e aprofundado para essa fase e determinados comportamentos,
Anexos
LXXXIV
em jogo, começaram a ser executados para potenciar a probabilidade de
sucesso nessa fase de transição.
Aproveito também para te dar um exemplo do que falávamos há bocado que
não existe nenhum momento que se possa expressar sozinho. Se não tiveres
em conta que nesse momento em que ganhas a bola é necessário haver um
equilíbrio defensivo caso a percas és apanhado numa «contra-transição» e
acabas por sofrer na pele o facto de te teres comportado de uma forma
anárquica a partir para o ataque. Imagina o seguinte: ganhaste a bola mesmo à
saída da tua grande área com o teu lateral esquerdo, o teu ala do lado direito
não tem ninguém perto dele e está isolado e o teu lateral direito também já está
em progressão porque percebeu a ocasião. Como não lhe consegues meter a
bola directamente passas a bola ao teu médio centro para que ele a gire para o
outro lado. No entanto, falhas o passe e entregas a bola de bandeja ao pivot do
adversário que de imediato liberta o ponta-de-lança deles no espaço entre o
teu central e o teu lateral direito e de cara no golo. Neste caso preciso em que
o adversário está desorganizado e tu foste «cego» na procura da transição
ofensiva acabaste por ser tu próprio que te expuseste à transição ofensiva
deles e passaste a ser tu o desorganizado por não teres pensado que no teu
«tal» momento de transição ofensiva tem que estar presentes o equilíbrio
defensivo e a possibilidade de uma transição defensiva.
MC: E, quando em transição ataque-defesa, quais os principais princípios
de jogo privilegiados para este momento tendo em co nsideração a
funcionalidade colectiva a apresentar pela equipa?
AVB: Vários tipos de transição defensiva. Transição para bloco ou seja,
deixamos que o adversário «transite» porque temos uma ideia de bloco que
queremos unir o mais rápido possível, ou então, podemos ter uma transição
para pressão. Pressão essa que pode ser individual, grupal, sectorial, mais ou
menos agressiva, com maior ou menor preocupação do espaço nas nossas
costas etc...depende do que pretendes e depende do que podes fazer ou não
com os jogadores que tens à disposição.
MC: Qual o papel que atribui à organização estrutur al, ao nível da
disposição «táctica» dos jogadores, no futebol prat icado por uma equipa?
Anexos
LXXXV
AVB: A organização estrutural da tua equipa está dentro do modelo de jogo
que tu pretendes para ela. Dentro do modelo de jogo estão os teus princípios
fundamentais, ou seja, os pilares da tua organização. Umas das decisões que
tens de tomar quando te dedicas à criação e idealização do teu modelo de jogo
é encontrar o equilíbrio entre os princípios de jogo que defendes e os jogadores
que tens à disposição sem descurar o «ambiente cultural» em que estás
inserido. Se o que tu queres ver potenciado é a execução dos princípios que
defendes e ao mesmo tempo fazer com que cada um seja capaz de exprimir ao
máximo as suas qualidades então é importante que os «distribuas» da forma
mais adequada no campo. A palavra distribuí-los ou colocá-los pode parecer
redutora ou limitadora, porque o futebol é dinâmica e é movimento, mas eu
entendo a organização estrutural como o ponto de partida a partir do qual
surgirão as ideias que eu defendo. Será suficiente a singular colocação dos
jogadores em determinada posição e em determinada estrutura para se obter
determinado tipo de jogo? Obviamente que sim considerando o carácter
caótico no qual ele se insere, no entanto, dentro da mesma estrutura tu podes
oferecer muitíssimo mais se, respeitando esse caos, foste capaz de encontrar o
perfeito equilíbrio entre o que pretendes e o que tens à disposição.
MC: Considera ser mais adequado restringir-se a uma só estrutura
«táctica» de jogo ou, pelo contrário, apresentar va riabilidade de jogo para
jogo da estrutura «táctica»? P.e., jogar hoje em 1- 4-1-2-3, amanhã em 1-4-
4-2, a seguir em 1-4-2-3-1, etc.? Poderia explicar- nos o que está na base
da sua opinião?
AVB: Eu acho que na criação de um modelo de jogo, e de acordo com a
experiência que fui acumulando, devem estar contempladas um mínimo de
duas e um máximo de três estruturas. Duas delas são fundamentais e uma
terceira permitir-te-á maior flexibilidade em determinado tipo de situações.
Vamos exemplificar, por exemplo, com o Liverpool de Benitez do seu primeiro
ano na Premiership. Duas estruturas usadas quase com a mesma frequência.
4-4-2 clássico e 4-2-3-1. Terceira estrutura usada em situações de risco (ou
seja, com resultado negativo e quando o queres inverter) 3-4-1-2.
Será que um maior número de estruturas te permitirá maior flexibilidade? Eu
penso que sim, mas penso também que a primeira organização estrutural que
Anexos
LXXXVI
defendas tem que forçosamente ter pontos comuns (em termos de disposição
porque em termos de princípios isso é indiscutível) com a segunda organização
estrutural porque senão corres o risco que os teus princípios de jogo não
tenham aplicabilidade possível na segunda estrutura.
Respondendo directamente à tua pergunta, se se deve apresentar variabilidade
entre estruturas de jogo para jogo, eu defendo que não. Mas defendo-o porque
acredito que para construir uma determinada identidade de jogo é fundamental
um constante solicitar de determinadas inter-relações entre jogadores e entre
posições e penso que isso não é possível atingir se de jogo para jogo forças os
jogadores a novas adaptações. Sou da opinião também que se mudas a
estrutura de jogo para jogo é porque não andas à procura dessa identidade
mas sim à procura de limitar a identidade do adversário que é o que se passa
com abusada frequência no campeonato italiano. No entanto, esse limitar do
adversário pode ser transformado em sucesso para a equipa que no fundo é o
objectivo mas traduz-se também em espectáculo pobre e pouco criativo.
Depende da forma como cada um interpreta o que é o futebol...
MC: Que estruturas de jogo pensa poderão vir a surg ir no futuro?
AVB: Gostava de ver uma evolução no que respeita às estruturas a 3 defesas
mas a colocação de mais um médio ou mais um avançado pode não significar
um grande salto qualitativo em termos de jogo ou maior quantidade de criação
de oportunidades, contudo, penso que há benefícios extremos quando às
estruturas a 3 somos capazes de adicionar jogadores que entendam a posse, a
dinâmica e o movimento.
Penso também que poucas novidades surgirão num futuro mais imediato. A
urgência e o carácter resultadista do futebol dos nossos tempos limitam o lado
mais criativo e acção dos treinadores. Podemos é ter tendência para ver surgir
novos detalhes no posicionamento dos jogadores nas estruturas actuais. Como
por exemplo o «quadrado magico» do Brasil de 2006 ou a «árvore de Natal» no
Milan de Ancelotti da época 2007/2008. No que respeita particularmente ao
futuro talvez venhamos a observar com mais frequência um comportamento
mais vertical dos pivots defensivos nas equipas que jogam com um médio
recuado ou a divisão em três linhas horizontais de equipas que jogam com três
médios centro.
Anexos
LXXXVII
Depois as equipas de topo surgem sempre com pequenas grandes ideias que
depois vêm «roubadas» por outros, mas que é na sua correcta aplicação que
está todo o segredo. Do Barcelona deste ano por exemplo a provocação com
bola, ou seja, não a passo enquanto o adversário não se sentir atraído a ela
deixando a sua posição para a pressionar ou pelo menos focando os seus
olhos nela e perdendo a noção do que se passa à sua volta, ou até, a
progressão no terreno de jogo como equipa utilizando sucessivamente a
combinação passe profundo - passe atrás - passe profundo.
MC: Atendendo ao discorrido anteriormente acerca da funcionalidade
colectiva que se pretende ver expressa pela equipa, parece-lhe existir
alguma distribuição (posicional/estrutural) colecti va da equipa em campo
que particularmente potencie cada momento do jogo ( organização
ofensiva, organização defensiva, transição ofensiva e transição
defensiva)?
AVB: Não propriamente. Depende do teu todo e o modo como o teu todo
funciona e se inter-relaciona. Deixa-me também responder-te com as palavras
sábias de Guardiola na sua primeira conferência de imprensa porque transmite
exactamente o modo de estar com o qual me identifico e que desejo potenciar
nas minhas equipas: “Sei o caminho que nos pode levar à vitória que é o de ser
protagonistas, de assumir e construir o jogo, de não esperar que o jogo nos
surpreenda...sou um fã absoluto de futebol de ataque simplesmente por uma
questão muito primitiva, porque quando vejo a bola dentro do meio campo
adversário estou mais tranquilo pois tenho um MEDO (a questão primitiva...)
tremendo quando a vejo perto da minha baliza. Vejo os jogos, e sempre foi
assim desde que fui jogador, dentro do meio-campo adversário, isto não
significa que por teres mais atacantes atacarás melhor, nem que por teres
menos defesas defenderás pior...atacarei melhor se defender bem e defenderei
melhor se ataquei bem, aos atacantes darei responsabilidades defensivas e
aos defesas darei responsabilidades ofensivas...mas é sempre o todo que me
interessa...”
Anexos
LXXXVIII
MC: Vê alguma vantagem em se jogar com mais ou meno s «linhas»,
longitudinais ou transversais, para se jogar ou ent ende ser unicamente da
preferência de como o treinador pretende que a sua equipa jogue?
AVB: Vejo vantagens em criar determinado tipo de linhas em determinadas
situações. Por exemplo é um facto que o comportamento a duas linhas entre
lateral e ala facilita a progressão de ambos no campo e a sua inter-relação. Se
no meio dos dois te aproximares com um médio crias um triângulo que te pode
ser decisivo na mudança da zona da bola para outro lado do campo. Outro
exemplo e de acordo com o que falávamos há pouco pode ser a divisão dos
três médios centro (imaginando uma estrutura com três médios) em três linhas
diferentes, por exemplo, Yaya Toure com a bola na posição de médio recuado,
Xavi numa linha um pouco mais à frente e Iniesta noutra linha mais à frente de
Xavi e escondido nas costas da linha de médios adversária que naquele
momento está a focar a bola. Só esta simples colocação cria uma série de
dúvidas sobre o posicionamento a adoptar, não só por parte do médio
adversário que não sabe se há-de marcar Iniesta por trás ou se há-de respeitar
um comportamento mais zonal tendo em conta os companheiros e a posição
da bola, mas também por parte do central que fica na dúvida se há-de ser ele o
responsável por Iniesta caso a bola lhe seja passada.
A este tipo de situações podes acrescentar muitas outras. Penso que sim e
penso que é na dinâmica e no movimento que estas linhas se devem exprimir e
não apenas estudando a estrutura no papel e fazendo ligações entre as várias
posições.
MC: Pedia-lhe que comentasse a afirmação: “Os triângulos são formas
geométricas evoluídas de posicionar os jogadores em campo.”
AVB: Não comento...acrescento...“mas que se devem expressar em
movimento”.
MC: Actualmente, acha que o jogador de cultura e co m qualidade superior
tem elevados desempenhos num «posto específico» ou em «polivalência»
de posições? Porquê?
AVB: A polivalência para mim só faz sentido, e só existe, quando é feita dentro
de determinado sector. Queres experimentar meter o Ibrahimovic a lateral
Anexos
LXXXIX
esquerdo? Queres experimentar o Zanetti a ponta-de-lança? Não, claro que
não. Queres experimentar o Eto’o aberto numa faixa? Queres experimentar o
Gallas como lateral esquerdo? Sim, já o fizeram.
Há jogadores que se sentem confortáveis porque são capazes de entender,
pelas relações que eles próprios tiveram com os companheiros naquelas
posições mais próximas e por aquilo que tu defendes em treino, como se
devem comportar. Depois há outra coisa, para quem entende o jogo de uma
forma dinâmica e jogado com fluidez e movimento, a especificidade do posto
tem que forçosamente contemplar a flexibilidade, a criatividade e a troca
funcional/posicional com os companheiros, portanto, essas bases, essas
experiências e essas vivências de posição serão assimiladas também nesses
momentos.
MC: Optando por uma distribuição posicional/estrutu ral da equipa,
poderia referir-nos os posicionamentos dos jogadore s em campo e
estabelecer as «linhas» de referência da organizaçã o estrutural da equipa
quando em organização ofensiva…
O entrevistado não respondeu às últimas quatro questões, envolvendo as
«linhas» de referência organizacional no enquadramento estrutural face aos diferentes
momentos, por considerar que se repetiam face ao anteriormente respondido na
entrevista e também por serem ideias pessoais que preferia guardar para si. Vontade
essa que foi respeitada.
Anexos
XC