Upload
phamtu
View
212
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
Universidade de São Paulo
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
Departamento de Geografia
Um estudo sobre o municipalismo: o caso de Morungaba
Trabalho de Graduação Individual
Joaquim Calmon Millan
Orientador: Prof. Dr. Ricardo Mendes Antas Jr.
São Paulo, Outubro de 2012.
Trabalho de Graduação Individual apresentado ao Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Bacharel em Geografia, sob orientação do Profº. Drº. Ricardo Mendes Antas Jr.
Resumo:
Este trabalho buscou, a partir da escolha do município de Morungaba, realizar um estudo sobre o municipalismo brasileiro na atual configuração do pacto federativo. Centrando-se na área de finanças municipais, buscou-se a articulação pertinente entre conceitos estruturantes da Geografia, como a escala e território para, a partir deles, desenvolver um estudo de caso no qual focado em analisar as transformações recentes do território municipal por meio de um estudo do desenvolvimento regional. Em um segundo momento buscou-se conhecer e debater a atuação do governo municipal, tendo como base a execução orçamentária do exercício 2005/08.
Palavras chaves: território, município, autonomia.
“-Não Tem nome nem lugar. Repito a razão pela qual quis descrevê-la: das inúmeras cidades imagináveis, devem-se excluir aquelas em que os elementos se juntam sem um fio condutor, sem um código interno, uma perspectiva, um discurso. É uma cidade igual a um sonho: Tudo que pode ser imaginado pode ser sonhado, mas, mesmo o mais inesperado dos sonhos é um quebra cabeças que esconde um desejo, ou então seu oposto, um medo. As cidades, como os sonhos são construídas por desejos e medos, ainda que o fio condutor de seu discurso seja secreto, que suas regras sejam absurdas, as suas perspectivas enganosas, e que todas as coisas escondam uma outra coisa. – Eu não tenho desejos nem medos – declarou o Khan –, e meus sonhos são compostos pela mente ou pelo acaso. -As cidades também acreditavam ser obra da mente ou do acaso, mas nem um nem o outro bastam para sustentar suas muralhas. De uma cidade, não aproveitamos as suas sete ou setenta maravilhas, mas as respostas que dá às nossas perguntas. -Ou as perguntas que nos colocamos para nos obrigar a responder, como Tebas na boca da Esfinge.
Ítalo Calvino.
SE FÔSSEMOS INFINITOS Fôssemos infinitos Tudo mudaria Como somos finitos Muito permanece.
B. Brecht.
1
Conteúdo Apresentação ................................................................................................................................ 2
Histórico municipal: .................................................................................................................. 4
Capitulo I: Pressupostos teóricos. ................................................................................................. 9
A Escala como ponto de partida: Conceituação e escolha do município de Morungaba ......... 9
O espaço geográfico: ............................................................................................................... 13
As pequenas cidades: .............................................................................................................. 16
O Município na Geografia : Um território ............................................................................... 20
O município enquanto ente federado: .................................................................................... 26
Capitulo II: Aprofundamento empírico. ...................................................................................... 33
O Estado de São Paulo e a área de estudo: ............................................................................. 33
Morungaba e a dinâmica da divisão territorial do trabalho: .................................................. 54
Receitas e Despesas: A atuação do governo municipal de Morungaba ................................. 67
Considerações finais: ................................................................................................................... 82
Bibliografia: ................................................................................................................................. 86
2
APRESENTAÇÃO
Emancipando‐se de Itatiba no dia 28 de fevereiro de 1964, Morungaba é hoje um município
que conta com uma população de aproximadamente 12,952 habitantes (SEADE‐2010) em uma extensão
territorial de 146,5 km2, sendo 84% da população residentes da área urbana do município. Localizado a
noroeste da cidade de São Paulo, a aproximadamente 100 quilômetros da capital, é cortado pela
Rodovia Constâncio Cintra, SP 360, também conhecida como Rodovia das Estâncias, que é a principal via
de acesso ao município, e a partir dele, o caminho para conexão com as demais cidades da rede urbana.
Também é servido por uma rede de estradas municipais que o ligam a Campinas (MGB – 030) e
Bragança Paulista (MGB 020) ‐ estradas recentemente asfaltadas ‐ entre outras de terra batida que
atravessam a zona rural, conectando os bairros rurais do município a outros bairros rurais de municípios
vizinhos, e consequentemente as cidades limítrofes. Faz fronteira com os municípios de Campinas,
Pedreira, Amparo, Tuiutí, Bragança Paulista, Itatiba e Valinhos.
Morungaba está situada em uma área de relevo levemente acidentado, no que pode se
identificar como limite ou área de transição da formação Serra da Mantiqueira e a Depressão Periférica
Paulista. É o Contraforte Ocidental da Mantiqueira, formado por um conjunto de morros e colinas
atravessados por rios como o Rio do Peixe e o Jaguari, este, o marco da divisa entre os municípios de
Morungaba e Amparo. Esse conjunto de morros e colinas é atravessado por eixos serranos, como a
Serra das Cabras, situada na porção oeste do município, em sua divisa com o município de Campinas.
Outros eixos serranos, por sua vez, também são divisores naturais, como o que se ergue na divisa entre
Morungaba e Amparo, onde as altitudes se elevam consideravelmente após a travessia do rio Jaguari, e
de Itatiba, que também se separa do município por um pequeno conjunto serrano.
Cada uma dessas unidades morfológicas, serras, morros e pequenos vales fluviais, possui
formas de ocupação do solo distintas. Esse processo de ocupação foi detalhadamente descrito Wanda
Navarra em tese de 1977, na qual se ocupa em observar as transformações nessa área como
consequência dos processos de decadência da atividade cafeeira durante as décadas de 30, 40, 50, e 60,
e também da recente urbanização dos anos 70. À época, o café já começava a abandonar as áreas
serranas, deixando para trás apenas os matacões expostos em meio aos campos. A agricultura, o café
inclusive, concentrava‐se nas áreas de morros menos íngremes e os vales eram ocupados pelo plantio
de arroz, feijão, batata e milho ‐ gêneros ligados à subsistência.
A área de estudo é uma fração da Região Administrativa (RA) de Campinas que, em sua
totalidade, é composta por 90 municípios organizados em sete Regiões de Governo (RG), a saber: RG de
Bragança Paulista, RG de Campinas, RG de Jundiaí, RG de Limeira, RG de Piracicaba, RG de Rio Claro e RG
de São João da Boa Vista. Esse conjunto de 47 municípios encerrados pela área de estudo delimitada
forma um grupo característico da heterogeneidade dos municípios que compõem a RA de Campinas, e
3
também, em parte, da complexidade e dinamismo do Estado de São Paulo. O conjunto estudado
representa, nos dias atuais, 10% dos habitantes do Estado, 13% do total de estabelecimentos industriais
e 11% do PIB de São Paulo (SEADE).
Nas palavras de Zoraide Miranda, a RA de Campinas, na qual se insere a nossa área de estudos,
caracteriza‐se:
(…) pela presença de um setor industrial dinâmico, com indústrias de ponta,
um setor agrícola bastante diversificado e com alto índice de mecanização,
um setor moderno de comércio e serviços, a presença de Universidades e de
Institutos de Pesquisa e a existência de um mercado de trabalho qualificado
e dinâmico. (…) Os vários municípios da região têm uma base econômica
importante e dinâmica, tanto industrial, quanto agrícola, não se
configurando, portanto, uma estrutura regional caracterizada pela presença
de um município rico cercado de “municípios‐dormitório” pobres. (…) é
bastante heterogênea, apresentando municípios em diferentes graus de
desenvolvimento e urbanização e com diferentes vocações econômicas
(MIRANDA, 1996, p. 6).
Ao privilegiar a heterogeneidade em sua descrição a autora chega a propor uma regionalização
da RA de Campinas, agrupando os municípios de acordo com índices de qualidade de vida, renda, grau
de urbanização, conurbação, densidade populacional, entre outros, para formar grupos de municípios
com características em comum. Em sua visão o município de Morungaba se assemelharia a outros,
como Pedreira e Jaguariúna, devido a características predominantemente agrícolas, baixa densidade
populacional, e um menor grau de urbanização. Os outros grupos propostos são de municípios com
altos índices de urbanização e densidade populacional que se dividem entre concentrações de alta
renda, como Valinhos e Vinhedo, e de baixa renda, como Hortolândia e Sumaré. Esta dinâmica regional
deverá ser aprofundada ao longo do Capitulo II.
Morungaba, não diferente da maioria das pequenas cidades, caracteriza‐se por um ritmo
menos acelerado em relação as grandes e médias cidades, e um cotidiano relativamente pacato.
Embora de base econômica industrial, ainda conserva muitos aspectos da ruralidade. É uma
aglomeração pequena que, como boa parte das cidades brasileiras, se organizou ao redor da área
cedida para o levantamento da capela que homenageia Nossa Senhora da Conceição, em um topo de
morro suave, próximo ao ribeirão que abaixo desemboca no Jaguari. A essa configuração característica
podemos atribuir a importância da presença da igreja como agente modelador das cidades, que atua
durante todo período que precede o Estado laico como legitimadora da existência das cidades e vilas,
que só adquirem tal status após a construção de uma capela.
Ao redor da capela constituiu‐se o núcleo original que se mantêm sem muitas alterações, de
maneira geral os bairros mais antigos conservam um caráter estritamente residencial e há concentração
de estabelecimentos de serviço ao longo das vias principais. Ao longo da década de oitenta, e ainda
hoje, surgem novos bairros residenciais através de loteamentos que assentam a população, que cresce
4
em um ritmo lento se comparada às cidades mais dinâmicas do entorno, duplicando entre 1970 e o ano
2000. Essa “nova” cidade se estabelece nos bairros que surgem como o Brumado, o Cachoeirinha, e O
Clube de Campo. É possível, ao transitar por esses bairros, perceber o surgimento de áreas mais ou
menos valorizadas e diferentes padrões de ocupação do espaço. A margem direita da rodovia, onde está
a Igreja da Matriz, constitui um reduto de mais alta renda, onde crescem os novos bairros, como o Clube
de Campo e o Vila Mariana, nos quais, fazendo uso de um sobrevoo virtual, podemos avistar algumas
tantas piscinas e jardins. À margem esquerda encontraremos também bairros antigos como o St.
Antônio e o São Benedito, e bairros recentes como o Brumado, que resulta de um loteamento para
construção de casas populares. Os galpões industriais encontram‐se, invariavelmente, próximos à
rodovia, em ambos os lados. Esta, por sua vez, concentra grande parte dos estabelecimentos comerciais
voltados ao que entendemos como um turismo de passagem, uma vez que a Rod. Constâncio Cintra é a
ligação da capital com municípios de vocação turística, como as estâncias de Serra Negra e Águas de
Lindóia, e possui um fluxo considerável de veículos. É também no trecho urbano da rodovia que a
paisagem tem maior dinamismo, pois se adapta a essa modalidade turística.
HISTÓRICO MUNICIPAL:
O distrito de Conceição da Barra Mansa foi criado em 29 de junho de 1888, resultando da
marcante expansão do processo de ocupação do território paulista ao longo do século XIX. É nesse
período que se dá a transição de um pequeno assentamento pioneiro voltado à subsistência (a Barra
dos Mansos surge ainda no começo do século), à organização de uma estrutura produtiva relacionada
ao café, que se consolida quase exclusivamente em torno do migrante italiano. Diferente de Itatiba,
Campinas, Amparo, e outras cidades mais antigas da região, a ocupação tardia do sitio onde surgirá
Morungaba a coloca em uma janela temporal onde a escravidão já está quase extinta. Não que o negro
não tenha feito e faça parte da vida desse núcleo, como a igreja de São Benedito, o bairro de mesmo
nome e uma tradição antiga e já esquecida de festa de devoção a esse padroeiro nos permitem indicar.
A lavoura cafeeira se organiza através do colonato e o pequeno núcleo urbano vai se constituindo de
maneira acessória à atividade agrária, reunindo os serviços diretamente relacionados a essa produção,
como casas de comércio e moradia de trabalhadores volantes. A presença dos chamados ‘Empórios’
comerciais era o grande fator de formação de núcleos populacionais, bairros rurais e distritos, onde se
encontravam, além de parte da força de trabalho, os víveres e demais mercadorias necessárias à
produção agrícola.
Morungaba é então, e seguirá sendo, até 1964, um distrito do município de Itatiba, e está
sujeita, portanto, à uma racionalidade externa ‐ vinculada a uma atividade exportadora, o café ‐ ao
mesmo tempo que desenvolve uma existência quase autóctone, marcada pela tendência ao isolamento,
dada a precariedade das vias de conexão com as demais cidades da região. A vida urbana do distrito
5
ainda é um reflexo da organização agrária, que mescla atividades de subsistência em pequenas
propriedades organizadas em torno do trabalho familiar; médias propriedades que, contando com mão‐
de‐obra temporária e com o trabalho familiar, se voltam à produção do café, para fins comerciais, à
produção de gêneros alimentícios, para o abastecimento local; e grandes propriedades, onde prevalece
a pecuária e o reflorestamento em uma ocupação menos intensiva e marcada pelo trabalho assalariado.
Essa estrutura foi assim descrita por NAVARRA (1977), em tese que aponta, já na década de 60,
a ampliação do setor formado por proprietários rurais de origem urbana ‐ que praticamente dobra no
período de 1956 a 66 ‐ e o surgimento de condomínios, ainda de caráter rural. A expansão do núcleo
urbano passa a atuar como fator de fragmentação da malha fundiária, assim como as principais
estradas, caracterizando uma seletividade espacial orientada pelo processo de urbanização, que vai
transformando lentamente a paisagem da região de Itatiba ‐ Morungaba. A autora destaca também a
importância que começa assumir, como uma vertente de transformação, a estrada que liga Itatiba à
Serra Negra, passando por Morungaba e Amparo, que foi e é tão cara ao município estudado, por ser
sua principal via de conexão e a primeira a ser asfaltada, em um momento de ‘quebra’ do isolamento
que marcava a cidade.
Ainda na década de 60, a indústria já é um fenômeno marcante em muitas das cidades das
Regiões de Governo de Campinas, Bragança e Jundiaí, com grande destaque para Campinas, em torno
da qual orbitam várias economias menores, e Jundiaí, ambas se constituindo em verdadeiros polos
industriais dinâmicos, com capacidade de organizar as economias de seu entorno, ao abrigar as
indústrias que serão as motrizes daquele sistema, com destaque para a nascente indústria química e a
indústria do plástico. Mais próximo a Morungaba destacam‐se os municípios de Amparo, Bragança
Paulista, Itabira e Itatiba (da qual ainda é distrito), todos com mais de 100 estabelecimentos industriais,
e Pedreira, que apesar de não possuir tantos estabelecimentos, se avizinha às demais pelo número de
pessoas empregadas na indústria (todos na faixa de 2.000 pessoas) 1.
Essa primeira etapa de industrialização da região é o resultado de um processo econômico de
acumulação que até esse momento já dura quase cem anos. A atividade cafeeira transforma esses
territórios, articulando‐os através de um conjunto de próteses ‐ as redes de transporte, comunicação e
eletricidade ‐ que resultam da fixação do capital agroexportador ao espaço geográfico. É esse processo
de fixação que permite o aprofundamento da divisão territorial do trabalho e a implantação e expansão
de uma base produtiva diversificada. Da economia agrária se fortalecem a economia urbana, e a
indústria, que em um primeiro momento serve à atividade primária, e posteriormente passa a ser
fomentada pela urbanização e consequente fortalecimento dos mercados consumidores. É o momento,
nas regiões satélites de Campinas e Jundiaí, da expansão de uma industrialização baseada em bens de
consumo e no uso intensivo de mão de obra, enquanto a base industrial desses municípios polares se
complexifica. As chamadas economias de aglomeração (conjunção de infraestrutura, mão de obra e
1 Dados extraídos dos censos industriais do IBGE – 1960, 1970, 1975.
6
solidariedade setorial2) orientam o processo de metropolização. A metrópole, via de regra, é organizada
pela cidade de São Paulo, embora seja possível associar a estes centros regionais algumas de suas
características. Na década de 60 já é possível falar em uma região metropolitana formada pela capital e
os municípios do ABC que, em conjunto com o polo petroquímico de Cubatão e a sempre estratégica
cidade de Santos (que não fazem parte da região metropolitana de São Paulo), concentravam grande
parcela da atividade industrial do estado de São Paulo, principalmente as indústrias mais modernas, de
transformação e de bens de consumo3. É fundamental reconhecer a existência dessa metrópole
concentrada, pois será a sua transformação um dos novos processos transformadores da região.
Morungaba, que virá a se emancipar em 1964 (década marcada pela criação de diversos novos
municípios), começa a conhecer um verdadeiro processo de urbanização durante as décadas de 60/70.
A superação da condição de núcleo comercial organizado pela vida agrária se dá a partir da ruptura
dessa lógica pela irradiação da indústria que descrevemos acima. Surge a Morungaba Industrial
(primeiramente sacarias, depois tecidos), que pelos próximos trinta anos, juntamente com a empresa
Fiação Alpina (que surge no final da década de 70), serão as principais do município, sendo a segunda
responsável por mais de mil postos de trabalho ao longo do décade de 80. Organiza‐se uma frente de
extração de areia às margens do rio Jaguari, uma olaria e alguns outros pequenos empreendimentos,
como a extração do granito abundante na forma dos já mencionados matacões. Tem início aí uma
verdadeira especialização desse aglomerado populacional e um princípio de desligamento desse núcleo
da atividade primária, consolidando‐se assim um processo de urbanização legítimo. Em NAVARRA
encontramos uma descrição apropriada sobre o estágio de desenvolvimento em que se encontra o
município por ocasião de sua emancipação:
Pesquisa realizada para o Plano Diretor de Morungaba, no ano de 1967,
mostrava que de 557 pessoas entrevistadas (25% da população da cidade),
37% tinham vindo de fora; o maior número provinha de Itatiba, Bragança e
Campinas, havendo ainda uma porcentagem reduzida de elementos
procedentes da região da Grande São Paulo, de Minas Gerais e de outros
estados. O Relatório apresentado pelos pesquisadores do Plano Diretor
informa ainda que grande parte da mão de obra utilizada nas pedreiras é
proveniente do norte do país, de Minas Gerais, de Bragança Paulista e da
zona rural de Amparo, e que a indústria de sacaria existente na cidade
contava "com certo número" de operários procedentes de Itatiba (1977, p.
201).
A indústria têxtil no município de Morungaba se desenvolve primeiramente como
complemento da atividade cafeeira. Segundo o Censo IBGE de 1970, a cidade possuía 16
estabelecimentos industriais, entre indústria têxtil, mineral extrativa e produção de alimentos, que
ocupavam 368 pessoas. À época o município possuía cerca de 5.000 habitantes, dos quais 2.800 viviam
no núcleo urbano.
2 A complementaridade entre os diversos setores da economia que possibilita a ampliação da capacidade produtivas. 3 “(…) em 1970, somente a cidade de São Paulo e sua área metropolitana participavam com, respectivamente, 24 e 34% do emprego industrial do Brasil” (Diniz e Grocco – 1996 – pg. 77)
7
O lento processo de urbanização tem sequência junto com uma pequena diversificação da base
industrial, que faz parte do aumento da complexidade da economia de toda a região. As políticas
industrializantes adotadas pelo Brasil na segunda metade do século XX, durante o período do nacional
desenvolvimentismo, impulsionaram o surgimento de novos setores industriais e o modelo de
substituição de importações fomenta um processo de industrialização mais complexo, embora ainda
carente de um setor de bens de produção robusto (carência essa que ainda nos acompanha). A
construção de um setor petroquímico e metalúrgico capaz de estruturar uma nova planta produtiva é
resultado de uma forte política de intervencionismo estatal e configura a base da industrialização do
Estado de São Paulo nas décadas de sessenta e setenta.
Como resultado do modelo de substituição de importações no território
brasileiro, dá‐se o início do forte processo de metropolização, que perdura
como traço do urbano até a década de 1980. As grandes cidades captam
para seus espaços população e atividade produtiva. No entanto, em meados
dos anos 1980, embora essas cidades permaneçam como centro de
decisões, anunciam‐se novos espaços dinâmicos, contudo, conservando‐se
uma lógica seletiva e com forte expansão dos circuitos da economia urbana
(HOLANDA p. 1).
Neste sentido, o processo de desconcentração relativa da Área
Metropolitana de São Paulo conjuga‐se com a expansão de cidades de porte
médio do próprio interior de São Paulo, especialmente dentro de um raio de
aproximadamente 300 km, principalmente na faixa intermediária aos
grandes eixos viários compreendidos pela Anhangüera‐Bandeirantes e pela
Castelo Branco, onde está a maioria das cidades de porte médio do estado
de São Paulo (DINIZ; GROCCO, 1996, p. 86).
Dentro desse cenário de dinamização econômica e consolidação do que Sposito (2007) chama
de eixo rodoviário de desenvolvimento, a região de Campinas e Jundiaí passa por um intenso processo
de dinamização. Esquematicamente podemos assumir a configuração da rede de infraestrutura de
transporte e comunicação como determinante na formação dos eixos de desenvolvimento. O sistema
formado pelas rodovias Anhanguera e Bandeirantes, que articula a porção noroeste do estado de São
Paulo, é a via que ligará um conjunto de médias cidades, que se tornam o principal lócus da produção
industrial após o processo de desconcentração ocorrido ao longo das décadas de 80 e 90. A ligação São
Paulo – Campinas, que alguns já veem como uma conurbação, demonstra um aspecto importante da
nova organização espacial do estado. Hoje em dia, percorrendo principalmente a Rod. Anhanguera, é
possível observar o tecido urbano descontínuo que se formou ao longo do trajeto.
Em Morungaba, a década de oitenta foi marcada no município pela chegada de outro tipo de
estabelecimento industrial. A somar‐se à têxtil, a indústria de matérias plásticas, de couro, e a
metalúrgica, começam a formar um perfil industrial um pouco mais diversificado; o emprego na
indústria também cresce ‐ segundo o Censo de 1980, já são 738 vínculos empregatícios, ou seja, 16,5%
da população urbana, que é de aproximadamente 4.500 habitantes. Até a segunda metade dos anos 90
8
serão quase 3.000. O começo da década de 90 é marcado por uma guinada nas políticas públicas no
âmbito federal e a abertura do mercado brasileiro funciona como um xeque ao parque industrial mais
atrasado, de caráter fordista. A falência da Morungaba Industrial em 1998, marca um período de revisão
dos rumos que as políticas municipais propõem à cidade. A busca pela ampliação do potencial turístico
do município, como uma renovada estratégia para o desenvolvimento, surge como alternativa a um
modelo de industrialização que se mostra desgastado. A aquisição da massa falida da Morungaba
Industrial pela empresa Valisere, três anos após o fechamento das portas, é um grande alívio para a
cidade, e demonstra um novo momento de recuperação e modernização da economia industrial
nacional.
A fragmentação da malha fundiária, o surgimento de diversas propriedades de veraneio e
condomínios residenciais, alguns de alto padrão, como o condomínio “A Montanha” e o “Veredas do
Paraíso” evidenciam uma refuncionalização do município. Atualmente, uma breve pesquisa em sites de
vendas de imóveis da região nos permite perceber essa refuncionalização, marcada tanto pelos
proprietários absentistas de pequenas chácaras, sempre anunciadas como uma segunda residência,
como pelos condomínios residenciais de mesma finalidade.
A elevação à condição de estância climática (1994) como estratégia de desenvolvimento do
governo municipal reitera essa dupla vocação, mas é preciso ressaltar certa incompatibilidade entre as
atividades turística e industrial. Em 2004 o município, buscando a atração de novas indústrias para
diversificar e ampliar seu parque, que oscila em torno de 30 estabelecimentos e 2500 empregos, cria o
seu primeiro e único distrito industrial, investindo recursos próprios nesse novo projeto. Passados já
quase dez anos, o distrito industrial ainda não está em operação e continua consumindo parte do
orçamento do município que, aos poucos, investe em desapropriações para ampliação do acesso, em
ligação com a rede elétrica e outras estruturas para o pretendido parque.
Procuramos nesse primeiro momento apresentar o município de Morungaba em seu processo
de desenvolvimento, criando familiaridade do leitor com o objeto de estudo. Muitos dos pontos
levantados deverão ser retomados e aprofundados.
9
CAPITULO I: PRESSUPOSTOS TEÓRICOS.
A ESCALA COMO PONTO DE PARTIDA: CONCEITUAÇÃO E ESCOLHA DO MUNICÍPIO DE MORUNGABA
A escolha de se trabalhar com o município de Morungaba aponta, primeiramente, o desejo de
fazermos um recorte que permita a articulação de esferas complementares da formação sócio espacial
brasileira, de modo a relacioná‐las a noção de espaço enquanto totalidade aberta e dinâmica, inserida
em outra totalidades.
A cidade é uma totalidade dentro de duas outras totalidades – o mundo e a
formação sócio‐espacial – que por sua vez se expressam e se concretizam na
cidade” (ARROYO 2006 p. 82).
Ou ainda,
Em nosso ponto de vista, um caminho seria partir da totalidade concreta
como ela se apresenta nesse período de globalização – uma totalidade
empírica – para examinar as relações efetivas entre a Totalidade‐Mundo e
os Lugares. Isso equivale a revisitar o movimento do universal para o
particular e vice‐versa, reexaminando, sob esse ângulo, o papel dos eventos
e da divisão do trabalho como mediação indispensável (SANTOS 2009a p.
115).
Desse intuito, e como um reflexo frente às indagações do professor Milton Santos4 sobre as
dificuldades metodológicas de enfrentamento dessas estruturas complexas que se tornaram as cidades,
e dos desafios de se trabalhar com a noção de totalidade, surge a opção de trabalharmos com uma
cidade local5, uma paisagem compacta, e portanto apreensível.
A micro escala aparece para o projeto como uma possibilidade de expandir os horizontes da
pesquisa, uma vez que se apresenta como um modo operacional, e metodológico, de abordar o objeto
na sua dinâmica com a totalidade. Responde ao desejo de trabalharmos de modo essencialmente
qualitativo, no sentido de permitir a descrição dos processos de reordenamento territorial, sobretudo
em seu aspecto heterogêneo, salientando neste sua abrangência. Tal escolha segue um caminho já
aberto em outras disciplinas como a História e a Sociologia mas, mais do que isso, busca revisitar a
4 “Nos dias atuais tornou‐se praticamente impossível realizar um estudo global aprofundado, extensivo e detalhado de uma cidade. Primeiro, pelo tamanho que adquiriram estes enormes objetos; segundo pela multiplicidade de variáveis que influem na sua vida (locais, extralocais, de diferentes origens e qualidades) e, também, pela rapidez das transformações que conhecem. Que fazer? Devemos nos limitar a fazer estudos locais ou nos repetir na senda de estudos parciais setorizados ou parcelizados, como o das habitações chamadas subnormais, ou do feijão comparado com as horas de salário? Sem dúvida tais estudos são necessários, mas, à proporção que nos aprofundamos em detalhes ou aspectos, menos capazes nos tornamos de entender este detalhe ou aspecto, já que não dispomos da noção do todo.” (SANTOS 2009b pg.114‐115). 5 “A cidade local é a dimensão mínima a partir da qual as aglomerações deixam de servir às necessidades da atividade primária para servir às necessidades inadiáveis a população, com verdadeira ‘especialização do espaço’ ”(SANTOS 2008 p.87)
10
tradição geográfica pois, de alguma maneira, segue os passos trilhados pelas monografias da origem da
nossa disciplina, que, em alguns momentos, são vistas como enfadonhas e com pouca capacidade de
observação dos movimentos gerais e, em outros, como possibilidade de renovação dada a precocidade
da realidade em relação a teoria, ou a necessidade constante de nos renovarmos, tentando, porque
não, olhar para trás, para o lado e para frente6. De certo que são as geografias Nomotética e Idiográfica
complementares.
A questão da escala em geografia, para além do que ela representa para a cartografia, vem
recebendo importantes considerações teóricas. Primeiramente nos referimos à conceituação proposta
pela professora Iná Elias de Castro (1997), que começa seu trabalho ressaltando a importância da
superação metodológica que rompe com a analogia entre a escala cartográfica e a escala geográfica,
uma vez que afirma que a escala cartográfica “fração que indica a relação entra as medidas do real e
aquelas de sua representação gráfica” não mais satisfaz as necessidades empíricas da Geografia, para
qual a escala passa a se tornar a “representação dos diferentes modos de percepção e concepção do
real.”
Ao fazer uma revisão da bibliografia mais recente sobre a questão do uso da escala na Geografia,
a autora explicita a inexistência de um conceito de escala próprio à ciência geográfica e, a partir das
considerações levantadas, passa a enumerar os pontos fundamentais que poderiam consolidar esse
conceito. A escala aparece como uma ferramenta de apropriação da realidade, faz parte do
instrumental necessário para a apreensão e interpretação dos fenômenos que compõe a realidade.
Na realidade, todo fenômeno tem uma dimensão de ocorrência, de
observação e de análise mais apropriada. A escala é também uma medida,
mas não necessariamente do fenômeno, mas aquela escolhida para melhor
observá‐lo. Não é possível, portanto, confundir a escala, medida arbitrária,
com a dimensão do que é observado (CASTRO 1997 p.127).
Na medida em que o conceito de escala vai ganhando corpo no trabalho da autora, aparecem
outros pressupostos que direcionam a prática das operações escalares, esclarecendo e orientando como
esse exercício, metodológico antes de tudo, se aplica, e talvez, principalmente, como não se aplica.
1) Não há escala mais ou menos válida, a realidade está contida em todas
elas.
2) A escala da percepção é sempre ao nível do fenômeno percebido e
concebido. Para a filosofia esse seria o macrofenômeno, aquele que
dispensa instrumentos.
3) A escala não fragmenta o real, apenas permite sua apreensão (p. 132).
Ao propormos um recorte da realidade nosso intuito é trabalhar a questão da autonomia
municipal; tal recorte, além de organizar a pesquisa, facilitando a observação do fenômeno em pauta,
6 “A realidade, no movimento que lhe é endógeno, é exatamente a tensão dialética sempre superável no sendo, do já‐sido e do
ainda não” (Carlos Roberto Jamil CURY, Educação e Contradição – p. 29 – Apud RODRIGUES p. 32)
11
foca e põe em prática uma das questões centrais à Geografia, que é a relação entre a produção do
espaço e a ação do Estado. O município aparece como a primeira instância do Estado, por vocação,
aquela que deveria estar mais próxima do cidadão.
No processo de produção de um espaço para alguns e não para todos, a
sociedade, escudada no poder político do Estado, organiza o território
visando utilizá‐lo de determinadas formas e para determinados fins.
Procurando maximizar a utilização do Espaço, a sociedade, ainda sob a égide
do Estado, vai aperfeiçoando cada vez mais as formas materiais e sociais de
utilização do território, e essas transformações nos meios, nas técnicas, vão
provocar consequências que levam à necessidade de reformulação dos fins
a serem atingidos. E estes se reformulam em função do jogo de interesses,
de pressões e de poder existentes entre grupos e classes sociais.
Finalmente, se é forçado a reconhecer que o espaço geográfico é o produto
da ação da sociedade, transformando o meio natural, em função de
determinados interesses e que o Estado é o veículo utilizado pela sociedade
para se chegar a estes fins (ANDRADE M. 1984, p. 19 ‐ 20).
Bernard Lepetit, em seu texto Arquitetura, Geografia, História: Usos da Escala, traz importantes
reflexões sobre as potencialidades e armadilhas da micro‐história, algumas das quais devemos levar em
conta para balizar e orientar nossas reflexões nessa investida em direção a uma ‘micro‐geografia’. Ao
questionar metodologicamente os processos de construção de conhecimento propostos dentro dessa
nova vertente da história, Lepetit é enfático sobre os riscos das generalizações e dos processos indutivos
que, na análise histórica, levam à análises circulares “que, a partir de observações particulares, induz
conclusões gerais que não podem ser confrontadas com outros dados que não os mesmos que
permitiram forjá‐las”. Ao trabalhar uma suposta oposição entre uma macro‐história quantitativa
baseada nos estudos seriais e uma nova história feita à luz do ‘microscópio’, o autor redescobre, nas
operações de escala tão caras à Cartografia e à Arquitetura, a importância das reduções nas quais essas
se baseiam. A escala nada mais é que uma escolha que busca privilegiar o objeto escolhido de modo a
torná‐lo operacional, passível de ser conhecido e representado.
O processo cartesiano de conhecimento, já se disse, ultrapassa a resistência
ligada à complexidade do objeto, dividindo‐o previamente em elementos
que são submetidos, em separado, a uma análise particular: O saber sobre o
todo passa por um saber prévio sobre suas partes. A prática em que se
inscreve a fabricação (material ou metafórica) de modelos reduzidos é
inversa. Não faz uma distinção entre as diferentes partes do objeto, mas
entre as diferentes dimensões em que ele se manifesta. Ela não pretende
estabelecer uma imagem semelhante ao objeto, mas apenas homóloga a
ele. Nesse caso, mesmo se não passa de ilusão –ou seja, se o saber é
incompleto ‐ , o conhecimento do todo precede o das partes. O modelo
reduzido tem ainda um atributo: constrói e manifesta sua artificialidade. Por
isso não é um homólogo passivo do objeto, mas resultado de uma
experimentação, controlável, renovável, modificável em função dos
parâmetros escolhidos e de pontos de vista particulares. Ele expõe ao
12
mesmo tempo seu caráter calculado, seu poder de inteligibilidade e sua
natureza artificial (LEPETIT 1996 p. 213).
Em síntese, podemos partir da suposição que a escala possui quatro campos
fundadores: O referente, a percepção, a concepção e a representação. Esses
campos definem pois uma figuração do espaço que não é somente uma
caracterização de um espaço em relação a um referencial. Mas uma
figuração de um espaço mais amplo do que aquele que pode ser apreendido
em sua globalidade, ou seja, é a imagem que substitui o território que ela
representa. Nesse sentido a escala é a escolha de uma forma de dividir o
espaço, definindo uma realidade percebida/concebida, é uma forma de dar‐
lhe uma figuração, uma representação, um ponto de vista que modifica a
percepção mesma da natureza deste espaço, e, finalmente, um conjunto de
representações coerentes e lógicas que substituem o espaço observado. As
escalas, portanto, definem modelos espaciais de totalidades sucessivas e
classificadoras e não uma progressão linear de aproximações sucessivas
(CASTRO 1997 p. 136).
A pequena cidade de Morungaba aparece, para esta pesquisa, como um modelo reduzido da
experiência de gestão pública. Menos complexa que os grandes centros urbanos e seus gigantescos
aparelhos administrativos, é um caminho mais seguro para abordar o objeto primeiro dessa pesquisa. Já
em relação ao risco das análises circulares, que realmente existe, não é um ponto central para esta
pesquisa, que se exime de propor generalizações, uma vez que o seu objetivo maior é, através do
aprofundamento na análise da questão do gasto público e de outras faces do exercício da autonomia,
produzir um conhecimento capaz, principalmente, de reforçar os laços locais, aproximando, através da
análise de sua atuação, o governo municipal e os munícipes. O que propomos é a exploração da
potencialidade do governo local através do reconhecimento de suas atribuições, principalmente pela
análise de sua atuação.
Em síntese, recortes espaciais, tomados como pontos de partida operatórios
adequados, permitem perceber, na medida em que a escala de observação
define o fenômeno, o que nele é visível e as possibilidades para sua
mensuração, análise e explicação. Esta abordagem do real se faz,
necessariamente, a partir de relações de grandezas visíveis de uma mesma
realidade (MERLEAU‐PONTY, 1964 Apud. CASTRO 1997).
É com esta intenção que se justifica a opção de se trabalhar na escala do município, de forma a
permitir um movimento de análise/síntese que seja capaz de articular os eventos apresentados,
buscando uma totalização. Morungaba seria um modelo reduzido de cidade que permite o
conhecimento de alguns mecanismos de gestão, de forma abrangente, o que em outras opções de
escala ‐ cidades médias e metrópoles – talvez ficassem escamoteados, dado a complexidade crescente
do objeto. É importante dizer que o objeto de estudo, a autonomia analisada através da qualidade do
gasto público será, possivelmente, influenciada por essa escolha, já que as pequenas cidades tendem à
uma menor autonomia, ou capacidade de gasto.
13
O ESPAÇO GEOGRÁFICO:
A dinâmica do incessante processo de produção e reprodução do espaço geográfico é
determinada pela constante e inalienável interação entre os sistemas de ações e de objetos que o
compõe. Ao propor este conceito, Milton Santos relata o aperfeiçoamento de suas conceituações
anteriores, dando ênfase à imbricação entre os dois sistemas, da qual resulta o espaço produzido ‐
interação entre o homem e natureza.
O espaço é formado por um conjunto indissociável, solidário e também
contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados
isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá. (…)
Sistemas de objetos e sistemas de ações interagem. De um lado, os sistemas
de objetos condicionam a forma com se dão as ações e, de outro lado o
sistema de ações leva à criação de objetos novos ou se realiza sobre objetos
preexistentes. É assim que o espaço encontra a sua dinâmica e se
transforma (SANTOS 2009a p. 63).
O sistema de objetos seria formado pela associação de dois conjuntos a princípio distintos: os
objetos naturais e os artificiais (coisas e objetos). Portadores de uma intencionalidade, um ou diversos
usos resultantes do processo de apropriação e transformação de um ou mais materiais, os objetos
artificiais seriam resultantes da ação teleológica do Homem, são a cristalização do trabalho humano,
mediador universal das relações de produção e reprodução da existência humana. Como acumulação de
trabalho cristalizado, podemos também entendê‐los como trabalho morto. O valor deve ser visto,
segundo a teoria marxista, sobre o duplo valor de uso / valor de troca. O espaço, como condição
universal e preexistente do trabalho é, antes de tudo, valor de uso. O texto de Wanderley Messias da
Costa e Antônio R. de Moraes (1993) é um esforço de síntese da relação entre o trabalho ‐ ou processos
de valorização que dele resultam ‐ e o espaço.
Em qualquer época e em qualquer lugar, a sociedade, em sua própria
existência, valoriza o espaço. (…) Cada Modo de Produção terá, assim, o seu
modo particular de valorização. (…) Assim, a relação sociedade–espaço é,
desde logo, uma relação valor‐espaço, pois substantivada pelo trabalho
humano (MORAES & COSTA, p.122 e 123).
O universo dos objetos artificiais é extremamente amplo e contém uma variedade cada vez maior
de exemplares das mais diferentes características, finalidades e níveis de complexidade. Já os objetos
naturais (coisas) seriam aqueles que teriam uma existência independente do homem, mas que, no
constante processo de conhecimento, apropriação, e artificialização da natureza, já se encontram na
condição de objetos humanizados ‐ conhecidos e estudados de maneira sistêmica, apropriados e
transformados através da técnica, já na condição de um segunda natureza. A base natural, ou conjunto
de coisas, é vista por Moraes e Costa como uma parcela do valor do espaço, a segunda parcela seria
justamente o conjunto de objetos construídos.
14
Para os geógrafos, os objetos são tudo que existe na superfície da Terra,
toda herança da história natural e todo resultado da ação humana que se
objetivou. Os objetos são tudo que esse extenso, essa objetividade, isso que
se cria fora do homem e se torna instrumento material de sua vida, em
ambos os casos uma exterioridade (SANTOS 2009a p. 73).
Por ação, Santos entende um processo, que culmina em um ato, ou comportamento orientado e
normativamente regulado, que busca incidir sobre a realidade. Os homens, através dos objetos, de
maneira a realizar um determinado projeto, transformam a situação em que se inserem. A ação está
conectada de um modo umbilical à uma finalidade, e como explicita Antas Jr. (2004) se realiza
necessariamente através da técnica e da norma. A ideia de norma, que retomaremos ao analisar o
conceito de território, diz respeito também à construção dos objetos, como resultado de uma sucessão
de processos normativos. Antas Jr. explicita essa ideia ao expor a extensa normatização necessária para
a construção de uma ponte, por exemplo, desde o processo de concepção à execução desse objeto,
para que realize sua finalidade. Para operar dentro dessa base conceitual é fundamental atentar à
relação entre o comando e a realização das ações. A ideia de comando pressupõe a projeção de um
universo menor sobre um conjunto maior, e a diferença entre essas duas grandezas, ou a distância entre
o comando e a realização da ação, acaba por determinar sua escala.
Valendo‐se da conceituação de Bernward Joerges e Ingo Braun, Milton Santos define três tipos
de agir: técnico, formal e simbólico, que, por sua vez, definem três ordens paralelas e inseparáveis,
sendo que as ações se caracterizariam pelo arranjo específico destas variáveis.
Esses objetos e essas ações são reunidos numa lógica que é, ao mesmo
tempo, a lógica da história passada (sua datação, sua realidade material, sua
causação original) e a lógica da atualidade (seu funcionamento e sua
significação presentes) (SANTOS 2009a P.77).
(…) objetos não agem, mas, sobretudo no período histórico atual, podem
nascer predestinados a um certo tipo de ações, a cuja plena eficácia se
tornam indispensáveis”. São as ações que, em última análise, definem os
objetos, dando‐lhes um sentido. Mas hoje, os objetos “valorizam”
diferentemente as ações em virtude de seu conteúdo técnico. Assim,
considerar as ações separadamente não da conta de sua realidade histórica.
Uma geografia social deve encarar, de modo uno, isto é, não separado,
objetos e ações “agindo” em concerto (SANTOS 2009 p. 86).
O conceito de forma conteúdo encerra, para Santos, qualquer possibilidade de dissociação entre
ações e objetos. As formas, ou objetos artificiais, só podem ser vistas separadas de seu conteúdo de
maneira incompleta, pois, em realidade, os objetos são a concretização das ações, seja através de sua
apropriação, seja de sua produção. A construção de objetos embute neles a racionalidade do presente,
que os acompanha enquanto uso, virtualidade/potência, rugosidade (inércia dinâmica) ou ainda o
prático‐inerte (o poder de controle do objeto sobre sua utilização). Os objetos são, no presente, o
caminho do passado ao futuro.
15
O espaço geográfico para Milton Santos é a forma‐conteúdo de base
sartreana, onde as formas não existem por si só, mas são dotadas de
conteúdo, de significado através da ação humana em relação ao seu
entorno (Braga R. 2007 p. 70).
A forma e o conteúdo somente existem separadamente como "verdades
parciais,", abstrações que somente reencontram seu valor quando vistos em
conjunto (R. Liderou, 1984, p. 32) A relação entre o continente e o
conteúdo, entre a forma e o fundo, é muito mais do que uma simples
relação funcional. Como nos lembra G. Simondon, "ela difunde uma
influência do futuro sobre o presente, do virtual sobre o atual. Pois o fundo
é o sistema das virtualidades, do potencial, das forças em movimento,
enquanto as formas são o sistema da atualidade". Nós sabemos que, se as
formas constituem o sistema da atualidade, é somente porque as ações
nelas existentes são sempre atuais, e desse modo as renovam. O enfoque do
espaço geográfico, como o resultado da conjugação entre sistemas de
objetos e sistemas de ações, permite transitar do passado ao futuro,
mediante a consideração do presente (SANTOS 2002 p. 100).
Santos concebe o espaço como uma acumulação de tempos desiguais onde as diversas
temporalidades (que se expressam através de um conjunto de objetos, resultado de uma família de
técnicas) se conjugam, em um conjunto que evolui de maneira sincrônica, onde o conjugar dessas
racionalidades que as formas carregam em si produz um imbricamento único. A análise de um conjunto
de objetos não deve se esquivar de reconhecer a diversidade de temporalidades presentes ali, pois dela
deriva a singularidade dos arranjos, do local.
A reconstrução dos sistemas sucessivos é um dado fundamental quando se
busca uma explicação para as situações atuais. E isso implica uma
identificação exata das periodizações em diferentes níveis ou escalas assim
como o isolamento (com fins metodológicos) dos fatores dinâmicos próprios
a cada nível ou escala. Seja, e em que caso for, temos de levar em conta,
direta ou indiretamente, o papel da acumulação do capital à escala mundial
e suas diversas repercussões nas diversas escalas geográficas: a do país, a da
região, a das sub‐regiões, a das cidades e dos lugarejos (SANTOS, 2002 pg.
256).
(…) o desenvolvimento histórico é também uma progressiva e desigual
acumulação de trabalho na superfície da terra. Essa acumulação, que
desnaturaliza o espaço vai também complexiza‐lo. As desigualdades naturais
da superfície da terra, sobrepõem‐se as desigualdades da alocação de
trabalho (SANTOS, 2009a).
O espaço não é, para Milton Santos, o pano de fundo da atividade humana, e sim a condição, o
meio e o produto de sua realização. Pode e deve ser também um caminho para seu autoconhecimento e
emancipação; nas palavras de Moraes e Costa:
M. Santos não está, porém, diretamente preocupado com o processo em si
da produção do espaço, (…) mas no resultado material (social) de tal
16
processo (o espaço construído) e sua ação sobre o movimento da totalidade
social (p. 125).
À nossa pesquisa, suas conceituações oferecem chaves interpretativas para as transformações da
realidade estudada. O dinamismo desta deve ser compreendido necessariamente através da
compreensão das finalidades dos novos objetos, do resultado da imbricação entre estes e os ‘velhos’
objetos, na construção dos lugares e das intencionalidades que carregam. Se esse caminho é demasiado
complexo para a compreensão dos movimentos mais gerais, será muito importante, dentro do
microcosmos que ‘isolamos’, como uma forma de orientar o olhar sobre os objetos/ações e seus
pressupostos normativos, que são resultado direto da atuação do governo municipal, como o distrito
industrial e as melhorias urbanas.
Outro ponto fundamental é a noção de espacialidade, que deriva de uma conceituação de espaço
relacional, onde “um objeto só existe em contato com o outro” (BRAGA R. 2007 pg. 69). É importante
dizer que as conceituações de um espaço relacional não são excludentes às ideias propostas por Santos
que expusemos até aqui, para quem:
O espaço geográfico é visto como “a matéria por excelência”, “segunda
natureza” (com base em Marx) ou natureza humanizada ou artificial. É a
relação homem/natureza ou homem/espaço mediatizada pelo trabalho e a
produção de mercadorias (o espaço é também mercadoria) (BRAGA R. p.
69).
Os pressupostos de um espaço relacional são as bases para o conceito de valor no espaço
trabalhado por Moraes e Costa. Por valor no espaço devemos entender a importância que assumem
determinadas porções do espaço, como o território de um município, em relação a um conjunto de
objetos mais amplo que ele. Essa relação é vista pelos autores principalmente sobre o imperativo da
circulação, dos deslocamentos. Em suma, ela se exprime através das distâncias, porém, mais imperativo
que elas, há o tempo necessário para percorrê‐las. Esse tempo manifesta a virtualidade do valor de cada
espaço. Em se tratando da busca pelo entendimento da forma como o município de Morungaba se
desenvolve, ou como o seu espaço (território) se transforma, esses pressupostos sobre o entendimento
geográfico do espaço são parte essencial do processo explicativo, pois é sobre esse espaço em
movimento que o governo municipal atua, e essa atuação, dadas as suas prerrogativas, é um importante
condicionante desse movimento.
AS PEQUENAS CIDADES:
A importância das cidades locais na configuração da rede urbana brasileira ‐ que embora seja
secundaria no que diz respeito à alocação da população urbana no país, é expressiva em termos
17
territoriais (área) e no numero total de municípios ‐ é ainda um tema pouco explorado. No ano de 2000,
83% dos 5.507 municípios existentes no Brasil possuíam população urbana inferior a 20 mil habitantes
(Melo N. 2005); no estado de São Paulo, 49,3% da área total está sob a administração de municípios
com menos de 20.000 habitantes. Esses são fatos que reiteram a importância da pesquisa de uma
temática que, embora não seja central na geografia hoje, já conta com contribuições importantes. No
referencial metodológico se destacam trabalhos de Corrêa, Damiani, Santos, Silva e Sposito; para um
panorama geral de um movimento de ‘ressurgimento’ das pequenas cidades consultar CARVALHO ;
MEDEIROS.
A importância do estudo das cidades é inegável. Embora preceda ao sistema capitalista a
cidade vem, desde o pré‐capitalismo, assumindo uma posição central na organização do espaço do
Homem. Ao modo de produção capitalista, desde sua fase inicial, podemos atribuir a crescente
importância não só das cidades como, principalmente, de uma rede de cidades articuladas que sediam
os principais centros de comando da organização produtiva global, onde vive a maior parcela da
população planetária, caracterizando um momento de consolidação do urbano como traço fundamental
da organização humana.
Para trabalharmos com a análise de uma pequena cidade como Morungaba, procuraremos
primeiramente ressaltar a importância do urbano na atualidade, relacionando as transformações do
18
espaço urbano aos movimentos gerais da sociedade. A partir daí, nossa proposta é observar as
transformações em uma cidade, buscando realçar as particularidades das pequenas cidades.
Ao reafirmar a importância das cidades e de seu estudo ao longo da história, Harvey nos lembra
que:
Com muita frequência, no entanto, o estudo da urbanização se separa do
estudo da mudança social e do desenvolvimento econômico, como se o
estudo da urbanização pudesse, de algum modo, ser considerado um
assunto secundário ou produto secundário passivo em relação a mudanças
sociais mais importantes e fundamentais. (…) Por essa razão, parece
conveniente investigar o papel que o processo urbano talvez esteja
desempenhando na reestruturação radical em andamento nas distribuições
geográficas da atividade humana e na dinâmica político‐econômica do
desenvolvimento geográfico desigual dos tempos mais recentes (HARVEY
2006 p. 166).
Ou seja, o estudo de uma cidade, que por sua vez se relaciona ao entendimento de um
conjunto de cidades da qual esta faz parte, se torna um instrumento para o conhecimento do
movimento geral da constante transformação da sociedade, ou melhor, de uma formação sócio‐
espacial, e dessa em um movimento global do Modo de Produção. Harvey sugere que voltemos a nossa
atenção para a grande importância dos novos aspectos do urbano. O crescimento das cidades, o
surgimento de novas cidades, e os processos de valorização e de destruição criativa dos espaços
existentes, são vistos pelo autor como possibilidade de aplicação/destruição de um capital global
flutuante, que busca meios de se realizar lutando contra a queda tendencial das taxas de lucro. Assim, a
expansão do urbano é uma marca do atual período do capitalismo, pois possui função específica e de
grande importância na lógica desse modo de produção.
No contexto da globalização, caracterizado por Santos como o período da unicidade técnica
(um conjunto de técnicas que envolve o globo) e da unidade do motor (a mais valia global), que
qualificam a transição da internacionalização rumo à globalização efetiva (2000 p.18), o processo de
mundialização dos lugares oferece ao estudo de base local a possibilidade de se relacionar e, portanto,
investigar, os processos mais gerais como, por exemplo, a dinâmica das reestruturações do modo
capitalista de produção, em suas novas manifestações. Em relação às pequenas cidades não é diferente:
Assim se desdobra a questão das pequenas cidades: se são a face menos
moderna do processo modernizador, a análise é a da simultaneidade dos
processos implicados. Enquanto as temporalidades e as espacialidades
diversas são tidas como inerentes, sendo que as grandes cidades
concentrariam os elementos dinamizadores e/ou, a rigor, não se pode falar
do mais ou menos inserido numa dinâmica econômico social, que se realiza
de modo diferencial (DAMIANI 2006 p.137).
Esse processo de mundialização dos lugares de que nos fala Santos, diz respeito a uma nova
forma de presença do urbano, muito mais disseminado. Essa disseminação resulta, dentre outras coisas,
19
da quebra de uma hierarquia rígida da rede de cidades, pois o meio técnico cientifico informacional
possibilita o contato direto entre as pequenas e médias cidades e a metrópole. Esse alargamento do
urbano é visto por Damiani como parte de um processo de expansão da produção sobre todo o
território, configurando uma rede urbana heterogênea em uma constante produção de centralidades e
periferias. É a manifestação da expansão do urbano de que nos fala Harvey, dentro da importância que
ele explicita para este processo na dinâmica global do modo capitalista de produção. Neste cenário, as
pequenas cidades tem, como consequência dessa possibilidade de contato direto com a metrópole e
com o mundo, sua centralidade potencial também alargada, o que de certa forma resulta em um
processo de negação das pequenas cidades baseadas em processos majoritariamente locais (DAMIANI
pg146).
Estamos diante de um momento de análise das pequenas cidades, principalmente as que se
encontram em regiões altamente dinâmicas, através de um processo de inserção em uma ordem global
onde as determinações externas incidem de maneira cada vez mais intensa.
Quanto mais pequeno o lugar examinado, tanto maior o número de níveis e
determinações externas que incidem sobre ele. Daí a complexidade do
estudo do mais pequeno (SANTOS, 1985 – apud CARVALHO; MEDEIROS
p. 1).
É sempre bom buscar entender que esses equilíbrios que se dissolvem tiveram, também, em
sua origem, a incidência de uma racionalidade externa, como a colonização voltada a agro‐exportação o
foi na transformação da área estudada, passando de um equilíbrio original, e assim por diante, em um
processo de equilíbrio dinâmico, onde o espaço é visto como uma totalidade aberta, onde futuros
equilíbrios se estabelecerão como consequência de heranças do passado (o nosso presente) e resultado
dos processos que estão por vir. Da mesma maneira como hoje vemos diversos aspectos de uma inércia
dinâmica (o passado) e buscamos também ver as potencialidades, ou o devir, que o presente encerra.
Os processos de transformação do modo de produção se caracterizam, via de regra, pelo
surgimento de novas formas e objetos, bem como pela refuncionalização das formas e objetos já
existentes. O estudo da urbanização atravessa um caminho de reconhecimento da organização da
cidade em face da produção, justamente através do reconhecimento das novas formas e objetos, e suas
refuncionalizações.
As condições pré‐existentes, heranças de situações passadas, são formas,
isto é, resultam de divisões do trabalho pretéritas. As novas divisões do
trabalho vão, sucessivamente, redistribuindo funções de toda ordem sobre
o território, mudando as combinações que caracterizam cada lugar e
exigindo um novo arranjo espacial. (SANTOS 2005)
Um dos motivos da complexidade do estudo das cidades é sem dúvida a multiplicidade de
atores envolvidos. A qualquer organização de uma forma de governo devemos pressupor uma coalizão,
sem a qual tal iniciativa rapidamente se dissolveria. Em relação às pequenas cidade podemos, pelo
20
menos a priori, supor alianças menos complexas, mais facilmente identificáveis, e localmente
enraizadas, que nos centros de maior expressão. Seguindo o raciocínio proposto por Harvey, seria
possível perceber, dentro do conteúdo classista que se busca identificar nas políticas públicas
municipais, a reprodução das relações capitalistas de produção.
Dever‐se‐ia considerar a urbanização um processo social espacialmente
fundamentado, no qual um amplo leque de atores, com objetivos e
compromissos diversos, interagem por meio de uma configuração especifica
de práticas sociais entrelaçadas. Em uma sociedade vinculada por classes,
como a sociedade capitalista, essas práticas espaciais adquirem um
conteúdo de classe definido, o que não quer dizer que todas as práticas
espaciais possam ser assim interpretadas. (…) Mas, sob o capitalismo, o
amplo leque das práticas de classe, em associação com a circulação do
capital, a reprodução da força de trabalho e das relações de classe, e a
necessidade de controlar a força de trabalho permanecem hegemônicos
(HARVEY 2006 p. 170).
Ou seja, no município de Morungaba, ou em qualquer outra cidade, a maneira que atua o
governo municipal é o resultado da composição da aliança necessária à instituição desse governo. Suas
possibilidades de atuação serão determinadas pela maneira como este governo se relacionará com um
conjunto de determinações externas (mais fortes nas pequenas cidades), e também da conciliação da
pressão que advém das demandas internas. O estudo da autonomia municipal significa para essa
pesquisa a análise da capacidade do município em interferir em seus próprios rumos, como também em
favor de quem o faz, pois o faz dentro de um pressuposto da contradição capital‐trabalho.
O MUNICÍPIO NA GEOGRAFIA : UM TERRITÓRIO
O estudo da autonomia municipal pressupõe o entendimento do processo de descentralização do
exercício do poder estatal, que tem seu marco principal na Constituição de 1988. Essa se propõe, entre
tantas outras coisas, a reaproximar a política à vida cotidiana, ou o Lugar7 ao Território.
Seguindo a lógica de minimizar as atividades do Estado central em
detrimento de instâncias subnacionais (e mais tarde privadas), fato que se
intensificou na década de 90, os constituintes de 88 trabalharam a nova
Constituição via dois caminhos: procuravam atender às demandas dos
movimentos sociais, sindicatos e partidos políticos, em um momento de
transição política marcada pela abertura democrática e tentavam, ao
7“O lugar é também, segundo inspiração sartreana, o espaço da existência e da coexistência. O lugar é o papável, que
recebe os impactos do mundo. O lugar é controlado remotamente pelo mundo. No lugar, portanto, reside a única possibilidade de resistência aos processos perversos do mundo, dada a possibilidade real e efetiva da comunicação, logo da troca de informação, logo da construção política.” (Souza 2005)
21
mesmo tempo, se comprometer com os Estados e Municípios em lhes
garantir a descentralização dos recursos provindos dos tributos, significado
um aumento substancial de suas receitas (MIRANDA, 2009).
A superação da excessiva centralização política que caracterizava o momento anterior, a
ditadura militar, se dá através de um novo regime de partilha do poder. As municipalidades passam, ao
menos na letra da lei, a gozar de uma autonomia que, embora já formalizada em alguns momentos da
história constitucional do Brasil é, de fato, inédita. Em realidade:
O federalismo triádico brasileiro se destaca por ser o único a reconhecer a
autonomia plena dos seus entes federativos (União, Estados e Distrito
Federal, Municípios) que, articulados através de instrumentos inerentes às
políticas territoriais e regionais, acompanham os movimentos do contexto
socioeconômico‐político (ANDRADE, 2010).
A escala municipal é a escolha que permite a diferenciação, e portanto o reconhecimento das
especificidades contidas no âmbito regional. O município, por se tratar de um conjunto coeso e único,
fundado em uma base normativa, e delimitado por uma fronteira contínua, circunscrevendo uma
determinada área, forja um território, na acepção clássica do conceito, o território estatal8, que é,
segundo Milton, essencialmente um território usado. “O território são formas, mas o território usado
são objetos e ações, sinônimo de espaço humano, espaço habitado.” (SANTOS ‐ 2005). O município é,
segundo Gallo, a escala de realização da vida, da realização da ação planejadora. Dentro do pacto
federativo brasileiro o município é a escala da materialização, enquanto as instâncias federal e estadual
são essencialmente administradoras (e planejadoras). Quando da realização do planejamento
infraestrutural, a materialização (incremento de capital ao espaço) se dá na escala municipal. “É nesta
escala que o dinheiro público para investimentos em infraestruturas, independente de sua natureza
(municipal, estadual ou federal) se materializará em objeto técnico." Apesar de se constituir em um
território dotado de autonomia, os municípios são também conteúdo do estado federal do qual fazem
parte e, por fim, da União.
Uma unidade política é o conjunto do território nacional (país), ou regional
(o estado), ou local (o município), essa compartimentação exige a criação de
uma estrutura de poder para cada uma dessas escalas. A união entre as
várias escalas, dada pelas relações entre si e com as outras, garante a
coesão do território e assegura a integração desse conjunto (CATAIA 2003
Pg.2).
São os termos de regulação dessa relação que entendemos por pacto federativo. Esta inserção
em outro universo autônomo e mais amplo, o Estado Federal, e a simultânea relação de parte‐todo com
esta unidade ainda mais ampla e soberana, que é o Estado Nacional, impõe ao município uma condição
de autonomia relativa.
8 O conceito de território e suas múltiplas acepções vem sendo objeto de discussão frequente na geografia contemporânea. O conceito vêm sendo renovado e a muito extrapola a relação entre um Estado e uma porção do espaço terrestre para se expandir à noção que engloba todo e qualquer espaço definido e delimitado por uma relação de poder (Souza 1995 pg. 111)
22
Observa‐se, assim, que o termo Município serve para designar um grau
mínimo de autonomia concedida a uma determinada localidade, que lhe
permita resolver os problemas que afligem a sua população, ou seja, requer
não somente a possibilidade de um governo local, como também de
recursos mínimos para a execução de políticas próprias. Onde a autonomia
não possuir limites, estar‐se‐á diante de uma cidade‐estado; quando a
autonomia for demasiadamente restrita, não haverá condições para o
exercício efetivo do autogoverno (CORRALO 2006 p. 111).
A opção pelo estudo do ente municipal se baseia na convicção de sua potencialidade para as
soluções das questões locais, e da aproximação entre o cidadão e a vida política.
Verifica‐se que o Governo local é a esfera de Governo que, de uma forma ou
de outra, está mais apto a responder às demandas de sua população, ou
pelo menos o que sofre as pressões mais diretamente. Contudo, não
podemos deixar de mencionar que o Governo local é limitado para
solucionar sozinho determinados problemas, que extrapolam a sua esfera
governamental, necessitando de ajuda das outras esferas governamentais:
estadual e federal. E mesmo para os problemas que são da competência do
Governo municipal, este não tem recursos suficientes para solucioná‐los
diante de sua complexidade (MELO I. 2003 p. 52 ).
Assim, a partir das ideias de Melo, começamos a nos aproximar do paradigma atual da
autonomia municipal que, na visão de muitos, é reflexo de um desequilíbrio entre as obrigações
constitucionais resultantes do modelo pós 88, e a real capacidade de atuação dos municípios. A opção
escalar (a pequenina Morungaba) se justifica pela intenção de explorar alguns dos aspectos englobados
pela noção de autonomia municipal, que, conforme conceituada por Carneiro & Teixeira, se assentada
sobre quatros pilares: A autonomia política, a autonomia legislativa, a autonomia administrativa e a
autonomia financeira.
O território é um recorte político do espaço geográfico, nas palavras de CATAIA (2003) é uma
concreção do espaço geográfico, e, como tal, deve ser estudado na superação da fragmentação da
ciência geográfica. O objeto da geografia deve ser construído:
(…) e tal construção remete à unidade da geografia, à integração das
diferentes partes ou ramos hoje dispersos. Os conceitos devem dizer
respeito ao objeto da disciplina e não aos ramos ou partes. Se o objeto da
geografia é um só – o espaço geográfico – os conceitos são transgeográficos,
pois os encontramos e deles necessitamos em todas as “partes” da
disciplina geográfica (p. 2).
Assim, a análise de atuação do governo municipal, da maneira que propomos, envolve um
diálogos necessários com a ciência política, com o direito, e com a economia tributária e fazendária;
esse esforço interdisciplinar é quase obrigatório, pois só o conhecimento dos mecanismos de atuação
do estado nos permitirá uma aproximação qualitativa da mesma.
23
O recorte territorial é uma maneira de operar com este conceito central da geografia através
do viés da política, uma das forma de exercício do poder. Idealmente, por ser o nível de gestão mais
próximo do cidadão, a municipalidade aparece como o caminho natural para o exercício da cidadania e
para a configuração de relações de poder mais voltadas à participação do que à representação.
É, segundo Cataia, um compartimento do poder, e portanto encerra uma vida política própria:
Homens e coisas distribuem‐se pelo território de maneira desigual segundo
as distintas compartimentações do poder. O território é um compartimento
do espaço geográfico, politicamente distinto daqueles que o cercam e
define a existência física das entidades jurídicas, administrativas e políticas,
por isso todo território é um compartimento do poder (CATAIA p. 72).
Como um compartimento, o território encerra um conjunto normativo que resulta da sua
atuação enquanto ente federativo. A esse conjunto de normas, Milton Santos, e posteriormente Antas
Jr, associam a ideia de densidade normativa, que evidentemente varia de município para município,
sempre, é claro, tendo em vista a superposição dos 3 níveis de conteúdo normativo, federal, estadual,
municipal, e outros, como o do direito internacional. Este é um aspecto central do exercício da
autonomia; suas limitações veremos mais adiante.
Da mesma maneira, como um recorte no espaço, as fronteiras encerram um determinado
conjunto de objetos, ou quantidade de trabalho morto, embora o conceito de um conjunto de objetos,
como já dito anteriormente, pressupõe o imbricamento das ações nos objetos “…materialidades
animadas pelas ações e estas condicionadas pelas materialidades.” (CATAIA 2003). A esse conjunto
associa‐se a noção de densidade técnica, que é fundamental no tocante ao papel ou inserção de um
determinado território no processo de divisão territorial do trabalho. Da ideia de densidade técnica
derivam várias outras, como a de densidade informacional e a de fluidez. São as variações entre esses
conjuntos de densidades que determinam o papel que esse território ocupará dentro do sistema das
atividades produtivas. Milton & Silveira exploram bem essa questão ao tratar dos chamados espaços
luminosos e espaços opacos, que assim o são do ponto de vista de um racionalidade hegemônica, que
interessa apenas a um grupo limitado de atores. (pg. 264). Do ponto de vista do cidadão comum, o
espaço opaco pode ser o de realização da vida em seu próprio tempo, que não a dos atores
hegemônicos.
Do ponto de vista desses atores, os territórios são vistos como norma, pois suas atribuições
definem sua apropriação. Aos outros que compõe o quadro geral da sociedade, o território de todos, é o
território normado. Normado por nós mesmos, através da criação dos territórios e territorialidades. Um
território pressupõe um conteúdo normativo a ele atribuído, já uma territorialidade pressupõe um
conjunto de práticas. Embora ambos os autores citados, Cataia e Antas Jr., esclareçam em seus
trabalhos, a, por assim dizer, quebra de monopólio do território normado ‐ Cataia, ao explicitar como os
agentes hegemônicos produzem de fato novos territórios, ou territórios alienados, e Antas Jr., na
direção da quebra do monismo jurídico, ao explicitar que em relação a esses atores, também devemos
24
percebê‐los como produtores de conteúdo normativo próprio, exercendo territorialmente (em território
alheio) um poder próprio.
A organização do território pressupõe uma rede que o conecta, tanto internamente como
também em um arranjo espacial de diversos territórios, formando redes de cidades, conjuntos de
unidades federativas, blocos de países e assim por diante. A noção de rede, conforme conceituada por
Santos (2009a), assume pelo menos três sentidos: a polarização de pontos de atração e difusão; a
projeção concreta de linhas de relações e ligações e, por fim, uma projeção abstrata.
A ideia de uma rede de cidades, principalmente pelo recorte regional, se baseia nos dois
primeiros sentidos. De um ponto de vista tradicional, o estudo de uma rede de cidades consiste na
identificação dos pontos de irradiação de inovações, as cidades que polarizam e a partir das quais se
hierarquizam as redes urbanas. Concomitantemente, a história da hierarquização da rede urbana, e de
suas polaridades, é a história da produção de um espaço humanizado. A construção das cidades e a
criação e desenvolvimento da rede de cidades de São Paulo resulta da construção de linhas concretas de
relações e ligações, dos caminhos pelo vasto território dos Sertões da província, que de fato são muito
anteriores à presença portuguesa. É, nas palavras de Milton Santos, um momento de Império dos dados
naturais; o engenho humano era limitado, às vezes, subordinado às contingências da natureza (onde) as
redes se formavam com largo componente de espontaneidade.(2009a p. 264).
Em um segundo momento, denominado por Santos de técnico‐cientifico, resultado do avanço e
disseminação da técnica e da capacidade de intervenção/transformação que o Homem conquista, leva à
consolidação e ampliação dessas redes, que passam cada vez mais a servir a necessidade de
deslocamentos dos homens e da circulação das coisas, necessidades essas que não param de crescer.
O terceiro e atual momento é o da crescente autonomização das redes. É o período da rede
como uma projeção virtual, que se vale cada vez mais dos avanços técnicos, notadamente na área de
telecomunicações, para, a partir de pontos de suporte (servidores, satélites, mainframes e etc.) conectar
um mercado global, em uma sociedade também cada vez mais global. O dado natural passa, em um
aspecto, a ser sobrepujado pela técnica. O entendimento da atual conformação da rede urbana no
estado de São Paulo parte da leitura da superposição desses três momentos, da percepção da inércia
dinâmica de cada uma dessas temporalidades.
Quanto ao processo de organização espacial da produção, Santos e Silveira (2001), entre outras
obras possíveis do professor, trabalham os conceitos de circuitos espaciais de produção e círculos de
cooperação. De maneira resumida, a formação dos circuitos espaciais de produção é o resultado do
alargamento possível da estrutura produtiva, mediado pela técnica, enquanto potencialização da divisão
espacial do trabalho. Isso explica, por exemplo, como um produto final pode ser o resultado da soma de
diversas etapas de trabalho, às vezes distantes milhares de quilômetros umas das outras. Ao
reconstruirmos os processos de produção de uma dada mercadoria, da matéria‐prima ao produto final,
podemos perceber o quão global são esses processos. Dessa maneira, é possível a associação, ou
25
solidariedade produtiva, entre localidades diversas, onde o local aparece como uma etapa de inserção
em um processo produtivo global. Cada uma destas etapas Santos denomina de momentos.
Atualmente, a acelerada circulação de informações e mercadorias conforma, para além de um mercado
global, uma estrutura produtiva também global, promovendo assim o que o autor denomina de um
acontecer solidário.
A noção, aqui, de solidariedade, é aquela encontrada em Durkheim e não
tem conotação moral, chamando a atenção para a realização compulsória
de tarefas comuns, mesmo que o projeto não seja comum (2009a p.166).
A essa noção de solidariedade Milton denomina três formas desse acontecer, o acontecer
homólogo, o complementar e o hierárquico:
O acontecer homólogo é aquele das áreas de produção agrícola ou urbana,
que se modernizam mediante uma informação especializada e levam os
comportamentos a uma racionalidade presidida por essa mesma informação
que cria uma similitude de atividades, gerando contiguidades funcionais que
dão os contornos da área assim definido. O acontecer complementar é
aquele das relações entre cidade e campo e das relações entre cidades,
consequência igualmente de necessidades modernas da produção e do
intercâmbio geograficamente próximo. Finalmente, o acontecer hierárquico
é um dos resultados da tendência à racionalização das atividades e se faz
sob um comando, uma organização, que tendem a ser concentrados e nos
obrigam a pensar na produção desse comando, dessa direção, que também
contribuem à produção de um sentido, impresso na vida dos homens e na
vida do espaço. (2009b)
São as características desse acontecer que determinam, além da inserção de um determinado
território dentro da divisão espacial do trabalho, o próprio processo de produção do espaço nesse
território, sua organização. Os aconteceres homólogo e complementar constroem um tipo de
solidariedade espacial que Milton formula através da ideia de horizontalidade, onde predominam forças
localmente centrípetas em oposição ao acontecer hierárquico, onde o domínio é de forças centrífugas.
Há, sem dúvida, um centripetismo, neste último caso, mas é um centripetismo do outro (2009b). Essas
são as chamadas verticalidades.
Retomando o que vínhamos expondo, o estudo da autonomia municipal se relaciona com a
conformação espacial de seu território, com esse conjunto de objetos e ações organizados e definidos
por uma unidade territorial ativa. O exercício dessa autonomia se dá pela proposição de normas que se
materializarão enquanto objetos e ações. Esse conjunto, por sua vez, é consequência e condição de uma
inserção em outros territórios e de um papel definido dentro de uma rede de territórios.
26
O MUNICÍPIO ENQUANTO ENTE FEDERADO:
Como já dissemos, a existência do município enquanto um ente federado autônomo, se dá
regulamentada pelo texto constitucional, que através do artigo 30, determina suas competências9. Ao
assumir essa condição, o município passa a possuir uma autonomia relativa, que, segundo Carneiro &
Teixeira, se assenta sobre o princípio da autonomia política, legislativa, administrativa e financeira,
como já dissemos.
A autonomia política consiste basicamente no autogoverno, no direito de eleger diretamente o
seu prefeito e vice, além dos vereadores que compõe a câmara municipal. É preciso ter em mente que o
direito ao exercício pleno do autogoverno, nos termos em que se dá hoje, é uma conquista da
constituição de 88. O princípio da autonomia política e auto‐organização também enquadra o direito à
promulgação de Lei Orgânica Municipal que, até 88, eram uniformes para cada um dos estados da
federação. A possibilidade de constituição de Lei Orgânica Municipal (LOM) própria é vista pelos autores
como um instrumento ainda não bem assimilado pelos municípios e seus governantes, mas de grande
potencial, uma vez que permite, até certo ponto, a criação de uma ‘Constituição’ própria, orientada às
vocações da municipalidade.
A autonomia legislativa diz respeito à capacidade de legislar além da constituição de leis
orgânicas. É um ponto certamente polêmico que exige maiores explicações. De grande tradição
centralizadora, o federalismo brasileiro permite, nesse ponto, pouca autonomia aos estados e
municípios. A repartição de competências entre União, Estados, Municípios e Distrito Federal se
organiza da seguinte maneira: Competências privativas da União, competências comuns da União, dos
Estados, dos Municípios, do Distrito Federal, e, finalmente, as competências concorrentes10. No rol das
competências concorrentes, porém, cabe aos municípios legislar sempre em obediência às normas
gerais da União, de maneira que, dependendo do grau de especificidade dos textos das normas gerais,
esses podem, e muito comumente o fazem, exaurir o espaço normativo pertinente ao assunto
9 Art. 30. Compete aos Municípios:
L ‐ legislar sobre assuntos de interesse local; II‐ suplementar a legislação federal e a estadual no que couber; III ‐ instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei; IV ‐ criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual; V‐ organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial; VI‐ manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; <Redação dada pela Emenda Constitucional n° 53. de 2006) VII ‐ prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população; VIII ‐ promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano; IX‐ promover a proteção do patrimônio histórico‐cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.
10 Competência que se exerce, simultaneamente e sobre a mesma matéria, por mais de uma autoridade ou órgão.
27
(KAUFMANN). A noção jurídica de antinomia é o que rege a questão dos conflitos entre normas
jurídicas, conforme a esquematização proposta por REBELLO (2008) sobre os critérios de dissolução dos
impasses do exercício legislativo, que acabam por determinar a autonomia legislativa das
municipalidades:
(…) os critérios de solução das antinomias são: o cronológico, o hierárquico
e o da especialidade. Pelo critério cronológico, vale o conhecido brocardo
lex posterior derogat legi priori, ou seja, a lei mais nova derrogará a anterior
dando ao sistema jurídico a possibilidade de atualização. (…) critério
hierárquico, segundo o qual o aplicador ou intérprete da norma usa a norma
hierarquicamente superior, concretizado pelo brocardo lex superiori derogat
legi iriferiori. Por isso se diz que determinada lei é inconstitucional quando
se contrapõe a regra prevista na carta maior, que sobre ela prevalece. Há
também o critério da especialidade descrita por lex specialis derogat legi
generali, ou seja, a norma especial derroga a norma geral. Entende‐se neste
caso que a norma especial já abarca as descrições da norma geral, fato que
no debate das duas, aquela prevalece sobre esta.
A noção de autonomia administrativa dá conta de como os municípios irão organizar suas
atividades e prestar os serviços públicos. (CARNEIRO; TEIXEIRA). É de fato um campo fértil para diversas
iniciativas, já que suporta a liberdade de organizar a prestação dos serviços públicos municipais, bem
como a formação do quadro de pessoal. Diz respeito à capacidade de criar novas secretarias ou esferas
de participação social, por exemplo. O guarda‐chuva da autonomia administrativa também engloba a
possibilidade de implantação de um programa de orçamento participativo, ou de conselhos gestores,
com graus de autonomia a serem decididos pelo próprio município. Tais conselhos poderiam ser o
âmbito de novas formas de repartição do poder, como um estruturação distrital, de que São Paulo, com
a iniciativa da criação das subprefeituras, é um exemplo.
Por fim, a questão da autonomia financeira, tão cara aos pequenos municípios, se explica pela
sua composição e execução orçamentária, que em diversos pontos é o resultado direto de
obrigatoriedades constitucionais, e possui também, em alguns aspectos, certa flexibilidade e autonomia,
evidentemente relacionada à capacidade de reunir recursos. É o fiel da balança, por assim dizer, “a
distância entre intenção e gesto.” 11, o mediador, por assim dizer, entre as obrigações (determinada pela
repartição das competências no âmbito do pacto federativo), intenções (planos de governo) e o
exequível. Aqui ainda não há espaço para discutir essa relação, que é deveras complexa, mas podemos
imaginar as intenções mais humanistas e as mais egoístas, as mais profundas, ou as mais externas,
altruístas ou sujeitadas, e assim por diante.
Tanto as receitas quanto as despesas podem ser entendidas de duas maneiras. A começar por
sua natureza, ambas podem ser classificadas enquanto correntes e de capital. São receitas correntes as
11 Trecho do poema Fado Tropical, de Francisco Buarque de Hollanda e Ruy Guerra.
28
receitas tributárias (arrecadadas pelos municípios), por transferência, tanto constitucionais (que são
repasses compulsórios como o Fundo de Participação dos Municípios) quanto voluntárias (como os
convênios), as receitas patrimoniais, entre algumas outras, que diferem em natureza das receitas de
capital, que são aquelas referentes à atuação do estado como um dos organizadores/reguladores da
vida econômica, em um exercício ativo de controle e mediação. As receitas de capital são as
provenientes do papel do município como um dos agentes de uma sistema econômico dado, como um
patrimonialista, que aliena seus bens, faz ou participa de operações de crédito, amortiza empréstimos, e
assim por diante. Outra maneira, complementar, e que servirá melhor à pesquisa, é classificar as
receitas quanto às suas origens. Dessa forma, podemos analisar como diferentes tipos de municípios
constroem a sua receita; assim entendemos como a ideia de autonomia financeira se aplica de maneira
distinta a partir dessa composição, dada um tipologia municipal.
Para entender essa composição e sua variação deveremos primeiramente conhecer essas
origens. Um primeiro aspecto, e um dos principais, talvez, por ser um campo de atuação diferencial
possível, seria o campo das receitas tributárias, composta pelos impostos de competência municipal,
taxas, e contribuições de melhorias. A distribuição do direito à tributação é um dos aspectos definidos
na nossa Carta Magna, de modo que não é possível a geração de um novo imposto sem uma alteração
da mesma. As competências tributárias são definidas, segundo Tristão, pela teoria tradicional das
Finanças Públicas, e obedecem os seguintes preceitos gerais. À União cabe o direito de arrecadar os
tributos que requerem certo grau de centralização, como os impostos sobre a renda, e também os que
afetam a política do país como um todo, bem como os impostos sobre o comércio exterior. Aos estados
federais competem os impostos sobre a circulação e o consumo. Aos municípios, por sua vez, os
impostos sobre os bens imóveis, pois dessa maneira evita‐se uma migração como decorrência de
diferentes taxas tributárias. Dessa forma, são tributos de competência municipal:
Impostos municipais – Constituição de 1988
IMPOSTO FATO GERADOR CONTRIBUINTE
ISS A prestação por empresa ou profissional autônomo de serviço constante da lista (CTN)
O prestador do serviço
IPTU A propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis
Proprietário do imóvel, o titular do domínio útil ou seu possuidor
ITBI I ‐ a transmissão inter‐vivos da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis por natureza ou acessão física; II ‐ a transmissão inter‐vivos, de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição.
O adquirente ou beneficiário
Organização ‐ TRISTÃO ‐ 2003
À receita tributária somam‐se as receitas por transferências intergovernamentais, que podem
ser de duas naturezas, voluntarias ou constitucionais, como já dissemos. As transferências
constitucionais servem, a princípio, para prover recursos aos municípios, no caso de execução de
29
políticas nacionais, como a educação e a saúde. São instrumentos que buscam a superação da
disparidades entre as fontes de arrecadação e as competências concorrentes. Quanto às transferências
voluntárias, que podem ser tanto convênios quanto acordos, ajustes ou emendas parlamentares, o
condicionamento é, ou deveria ser, a realização da ação que é objeto do convênio. É importante
destacar o seu caráter eminentemente político, pois ao contrario das transferências constitucionais
regulamentadas em lei, e de critérios técnicos, os convênios e emendas possuem um caráter mais
personalista, por assim dizer.
Cabe também explicitar o que seriam esses critérios técnicos, ao menos para as principais
transferências legais, como o FPM, e a cota parte do ICMS:
Fundo de Participação dos Município
Adaptado pelo autor a partir de TRISTÃO ‐ 2003
Percebe‐se que o critério do FPM adota uma descriminação positiva frente aos municípios
menores, que de maneira presumida tem bases econômicas mais simples e um menor poder de
arrecadação (como quase tudo, há exceções).
Quanto ao ICMS, é um imposto de competência estadual, por se tratar de um imposto sobre a
circulação de mercadorias. Sem muitos aprofundamentos (é um imposto controverso e cheio de
tecnicalidades), o ICMS é, via de regra, com algumas tantas exceções como a compra de combustíveis,
cobrado na fonte, ou seja, recolhido pelo estado produtor da mercadoria. A constituição de 88
determina que 25% do ICMS recolhido seja destinado aos municípios e, nessa distribuição, rateado
segundo os seguintes critérios: “75% dos recursos sejam rateados proporcionalmente ao valor
adicionado gerado no próprio município e que os restantes 25% sejam distribuídos segundo critérios
estabelecidos em lei estadual.” (TRISTÃO) Assim sendo, municípios que sejam grandes produtores de
mercadoria terão um reflexo na composição de sua receita com direito a uma elevada cota parte do
ICMS. Os outros 6.25% da arrecadação total do ICMS serão distribuídos de acordo com lei estadual; em
resumo, a legislação paulista determina esse repasse segundo critérios que privilegiam o município
gerador, somente para dizer que poderia ser alvo de uma política de redistribuições de recursos, mas
não o é. De maneira esquemática e reduzida é assim que se constitui a receita municipal:
a) capita is b) Municípios não capita is c) Municípios não‐capita is , com
população superior a 156.216
habitantes :
‐ 10% dos recursos do FPM ass im dis tribuídos :
. Inversamente proporcional à renda per
. Diretamente proporcional à população
. Limites máximos e mínimos de dis tribuição
Composição: 22,5% do IR e IPI
‐ 86,4% dos recursos do FPM que são
dis tribuídos segundo o tamanho da
população, com l imites máximos e
mínimos. O Rateio é regress ivo e
beneficia com maior proporção os
municípios com menor população.
‐ 3,6% dos recursos do FPM de acordo
com os mesmos cri térios apl icados
aos municípios capita is .
30
Organização Joaquim Millan
Em seguida, tratemos da questão das despesas, que deve primeiramente ser vista sobre o
prisma da superposição de competências legislativas. Regulado primeiramente na esfera federal, o gasto
dos município deve atender a um conjunto de normas definidas pelo governo federal, e nesse sentido, a
lei de responsabilidade fiscal é sem dúvida marco fundamental. A lei complementar nº 101 dispõe sobre
diversos aspectos do gasto público e reconhecer a alta normatização do gasto público é fundamental
para que saibamos que, ao olhar uma execução orçamentária de um município como o de Morungaba,
estamos diante de uma estrutura de gastos regulamentada, tanto no que diz respeito à prestação de
contas, quanto a parâmetros alocativos obrigatórios, por exemplo.
Conforme dissemos, as despesas também podem ser vistas de ao menos duas maneiras, por
natureza e por função. Por natureza podem ser divididas também em correntes e de capital, sendo as
receitas correntes as de manutenção da maquina pública e referentes às prestações de serviços
realizadas pelo governo municipal. As receitas de capital, por sua vez, dizem respeito aos investimentos
do poder público para ampliação dos serviços ofertados, direta ou indiretamente. Do ponto de vista da
análise geográfica do desempenho/atuação do governo municipal, as despesas correntes dirão respeito
à capacidade do município de incentivar a expansão da capacidade produtiva do território através de
investimentos infraestruturais ou prestação de novos serviços; as despesas correntes se relacionam ao
custo da maquina pública mas também aos serviços que essa já presta. Para ampliar o universo da
pesquisa buscamos trabalhar preferencialmente com a análise do gasto por função, que permite uma
discussão mais aprofundada sobre alguns temas. Como maneira de fazer uma primeira discussão
ISS
IPTU
ITBI
Taxas
Contribuição de Melhoria
FPM (cota parte)
ITR (Cota‐Parte)
Transferencias de recuros SUS
Transferencias de recuros FNAS
Transferencias de recuros FNAD
Convênios
ICMS ( cota‐parte)
IPI ( cota‐parte)
IPVA ( cota‐parte)
FPEx ( cota‐parte)
Transferências Constitucionais
União
Transferências Constitucionais
MultigovernamentaisFUNDEB
Receitas municipais
Receita tributária
Transferências Voluntárias
União
Transferências Constitucionais
Estado
Transferências Voluntárias
EstadoConvênios
31
estandardizada sobre a qualidade do gasto, para assim trabalharmos o nosso grupo de municípios, nos
pautaremos na classificação do gasto público proposta por Rezende. De maneira geral, baseado na
teoria do bem público, Rezende propõe uma classificação do gasto de acordo com a natureza do bem a
que ele se destina. Os bens são classificados entre públicos, semi‐públicos, e privados, e novamente
recorreremos a uma apresentação esquemática da proposta teórica. (tabela gastos)
Organização do autor ‐ Fonte: REZENDE
Tal classificação, baseada na natureza do bem, servirá, a princípio, para mapear o gasto público
de acordo com uma tipologia a saber: o predomínio do gasto mínimo é tido, em hipótese inicial, como
um indicador de tendência da minimização do papel do governo municipal, seja por insuficiência de
capacidade de arrecadação, de modo que o orçamento não comporta outros tipos de gasto, seja como
uma política pública de não intervenção. A tendência à socialização, ou predomínio do gasto social, seria
uma forma de indicar outro padrão alocativo, que poderia responder novamente ao exercício da
autonomia, através de políticas socializantes, ou também uma realidade distinta, que responderia
diretamente a uma determinada composição da arrecadação. Por sua vez, o predomínio do gasto
econômico é visto, ainda baseado em REZENDE, como tendência ao intervencionismo econômico, um
papel agressivo da política pública assumindo papéis que deveriam ser da iniciativa privada.
De uma maneira geral, a aproximação às propostas de Rezende deve levar em conta certa visão
do papel do estado, proposta pelo autor, que varia entre o mínimo, o social e o interventor,
principalmente como método para análise de preferências alocativas ao longo do tempo. Seu trabalho
se centra, sobretudo, na discussão sobre os impactos da legislação descentralizadora de 88 nas
tendências de gastos de municípios e estados. A transposição dessa proposição à distribuição espacial
dos gastos, utilizando o município como unidade básica, é um caminho que visa analisar a natureza do
gasto de acordo com a inserção do município em um cenário da divisão espacial do trabalho.
Entendendo, como dissemos acima, o espaço como condição e produto do trabalho, a divisão espacial
Gasto Mínimo (Gm) Gasto Social (Gs) Gasto Econômico (Ge)
bens públicos puros bens semipúblicos bens privados
* legislativo * educação e cultura * agricultura
* judiciário * saúde e saneamento * comunicações
* administração e planejamento * assistência e previdência * desenvolvimento regional
* defesa e segurança * habitação e urbanismo * energia e recursos minerais
* indústria, comércio e serviços
* relações exteriores
* trabalho
* transporte
O gasto mínimo (Gm ) corresponde à parcela de
gastos governamentais em políticas públicas
considerada como de domínio exclusivo do
governo. Estas envolvem a provisão de bens e
serviços que se enquadram na categoria de bens
públicos puros, os quais não podem ser
provisionados por mecanismos de mercado,
representando campos de domínio exclusivo do
governo.
O gasto social (Gs ) corresponde à parcela do
gasto em políticas públicas destinada à
provisão de bens e serviços meritórios ou do
tipo quase‐públicos. Tais bens, devido a seus
graus de exclusão e divisibilidade relativa ao
consumo, permitem que o governo não
assuma posição monopolista, abrindo portas
para a entrada de mecanismos de mercado
para a alocação de tais recursos.
O gasto econômico (Ge ) corresponde à
parcela do gasto que diz respeito a atividades
econômicas nas quais, tecnicamente, o
governo não teria necessidade de se
envolver. Contudo, na prática, o governo
desempenha tais atividades dada a
necessidade de regulação de mercados; ou,
ainda, em casos de intervenção direta
desempenhando atividades empresariais.
32
do trabalho, como componente geográfico do trabalho, é o principal condicionante da produção do
espaço. A relação entre a distribuição espacial do gasto público, um dos elementos de atuação do
Estado sobre o espaço enquanto agente privilegiado, e o arranjo territorial, os elementos que ele
encerra, o território enquanto norma, é a base para analise da atuação do governo municipal enquanto
gestor do território, produtor de normas que regulam as relações dos outros agentes sociais com o
espaço (ações essas que se materialização no espaço produzido por estes) bem como ele mesmo um
produtor de objetos que compõe o conjunto daquele território.
33
CAPITULO II: APROFUNDAMENTO EMPÍRICO.
O ESTADO DE SÃO PAULO E A ÁREA DE ESTUDO:
O desenvolvimento econômico das cidades do interior paulista12 resulta de um processo de
espraiamento urbano de múltiplas determinações. As novas características do modo de produção pós‐
fordista, ou flexível, permitem, e ao mesmo tempo obrigam, um processo de desconcentração
industrial, que é talvez o principal agente desse dinamismo.
A expansão do meio técnico cientifico informacional possibilita ao capital e às mercadorias uma
grande fluidez. Assim, as atividades produtivas, perseguindo as novas possibilidades desse meio menos
viscoso, passam a se realocar sempre em busca de melhores condições para obtenção do lucro,
configurando, segundo Milton Santos, o processo de materialização da norma global em forma local.
As grandes aglomerações características do período fordista se apresentam como
deseconomias, tanto por seus altos custos ‐ terrenos valorizados pela pressão dos investimentos
imobiliários – como por dificuldades de deslocamento, e assim por diante. Por sua vez, a integração
remota entre plantas produtivas e centros de gerenciamento, permitida pela revolução tecnológica e
pela a ampliação da infraestrutura e do apoio/planejamento estatal, permite e encoraja esse novo
cenário. É o momento em que, como nos descreve o professor Milton Santos (2005), a região passa a
crescer mais que a metrópole, o que não significa que esta deixe de crescer e de ser o centro de
comando da atividade produtiva. O processo de realocação do parque produtivo é também o de sua
renovação, como nos mostram os dados de produtividade analisados por ele.
O deslocamento da atividade industrial é acompanhado também por uma reestruturação da
alocação populacional, das demais atividades produtivas, dos centros de serviços, e das novas e velhas
formas do morar (bairros residências, condomínios fechado, bairros verticais, etc). O quadro organizado
por Ester Limonad ilustra bem essa nova organização espacial do espaço metropolitano; é possível, a
partir dele, compreender como essa urbanização vai se tornando mais dispersa, não que isso signifique
em algum momento o esvaziamento das áreas centrais, mas, pelo contrário, apenas somam‐se à essas
novas áreas de influência direta.
12 Importante dizer que o crescimento das cidades médias é um fenômeno que se verifica em diversas áreas de dinamismo
econômico do Brasil, notadamente na região Centro Sul e Nordeste.
34
Fonte: LIMONED 2006
Como complemento da explicação dessa nova morfologia urbana, é preciso reconhecer onde se
realocam as funções que não mais fazem parte da metrópole do séc. XXI. A expansão e complexificação
da rede urbana paulista se conforma a partir dos eixos de desenvolvimento descritos por Maria
Encadernação Sposito (2006), que são, a rigor, os mesmos eixos de penetração das atividades
capitalistas que organizaram primeiramente o território, ao longo dos séculos XIX e XX, por onde
penetravam as relações capitalistas de produção e se escoava a produção da época. Hoje esse eixos
conectam essa nova metrópole, como também o faziam outrora, porém a rede urbana que esses eixos
articulam está de fato renovada. As modernas rodovias são a base do deslocamento de mercadorias e
pessoas, e as infovias (redes de transporte de informação em altíssima velocidade por meio de fibras
óticas) são o meio de comunicação preferencial das ordens dos centros de comando que organizam
esses fluxos.
35
Fonte: SPOSITO 2006
Esses serão os dois elementos que permitirão a interpretação das transformações na nossa
área de estudo. Existe uma reestruturação da atividade produtiva no estado de São Paulo que, a grosso
modo, é caracterizada como um processo de desconcentração da atividade industrial, processo este que
fomenta uma nova morfologia urbana, tanto na metrópole quanto no espaço organizado por ela. A
cidade fragmentada e dispersa e os eixos de desenvolvimento são a expressão dessa reorganização.
Como já foi dito, nossa pesquisa se baseia no reconhecimento desse dinamismo a partir do
recorte de uma área de estudo formada pelas Regiões de Governo de Bragança Paulista, Campinas e
Jundiaí, conjunto formado por 47 municípios. Também como já explicitamos, buscaremos balizar o
estudo da questão da autonomia municipal em alguns pontos que julgamos fundamental. O primeiro
deles é uma análise da dinâmica regional para a qual tomaremos o município como unidade básica da
análise. Assim, localizaremos a área de estudo dentro do Estado de São Paulo; primeiramente, dentro de
sua divisão política, e depois, dentro do quadro natural, que deverá ser caracterizado brevemente,
tomando como principal elemento as compartimentações geomorfológicas do terreno.
A partir daí esboçaremos uma análise da dinâmica da área de estudo, para a qual tomaremos
como primeiro fato fundamental, a distribuição do homem e suas variações, aglomerações, e o grau de
urbanização das municipalidades. Em seguida, faremos a apresentação da rede de transportes que
articula esse conjunto de territórios. O terceiro ponto a ser abordado é a distribuição das atividades
36
produtivas e suas variações. Dessa maneira poderemos explorar a relação singular/particular
caracterizando o município na rede de cidades a qual pertence.
O singular, precisamente como singular, é conhecido de modo seguro e
verdadeiro, tanto quanto mais rica e profundamente se descobrem suas
mediações com o universal e o particular. Há, evidentemente, casos nos
quais o conhecimento do singular, mediante aspectos isolados e puramente
abstratos, é possível e suficiente; mas, nesses casos, trata‐se, geralmente,
mais de um reconhecimento (no sentido da identificação) do que de um
conhecimento (LUCAKS, apud Silva 1986 p. 49).
A cartografia, quando orientada segundo o princípio geográfico de inter‐relação dos elementos
que constituem o espaço, deve buscar, na correlação entre estes, uma forma de realizar a sua pré‐
disposição à síntese. A organização de uma dinâmica regional responde primeiramente à uma
articulação de objetos geográficos diversos, que são a materialização da relação necessária entre as
diversas porções do espaço, que permitem a realização da vida.
Orientando essa incursão cartográfica, que busca localizar a distribuição das atividades
humanas, fazendo uma leitura da divisão espacial do trabalho, estão dois princípios básicos da geografia
humana, conforme proposta por Jean Brunhes (1972): o da atividade e o da conexão. A atividade dá
conta do entendimento do dinamismo perpétuo que caracteriza, para Brunhes, a geografia Física,
Biológica e Humana, todas estas em relação, moldando umas às outras. O autor identifica duas forças
principais, entre muitas, responsáveis por animar e modelar esse sistema: a energia solar e a gravidade.
A todos os fatos que escapam da influência humana, ele indica a possibilidade de um estudo sistêmico
do imbricamento dessas forças. Com relação aos fatos humanos devemos buscar observá‐los, e acima
de tudo explicá‐los, em um processo de conexão de múltiplas determinações, como problemas
complexos.
Nesse primeiro mapa de localização da área de estudos podemos observar, através das
compartimentações administrativas do território, um pouco do histórico da formação do município de
Morungaba. Apesar de limítrofe aos municípios de Campinas e Bragança Paulista, Morungaba faz parte
da Região de Governo da Jundiaí. A isso podemos relacionar o histórico do desmembramento que deu
origem aos municípios da região. Morungaba emancipa‐se de Itatiba em 1964, que por sua fez havia se
emancipado de Jundiaí em 1857. Conforme apresentamos, ambas essa datas marcam o momento de
consolidação de uma atividade produtiva, o café, no interior paulista, e posteriormente a
industrialização, seletiva e progressiva, deste interior. À parte de toda a discussão sobre o surgimento
de novos municípios ‐ como são amparados legalmente, quais os critérios técnicos e políticos para o
surgimento de novas municipalidades ‐ podemos dizer, via de regra, que o dinamismo econômico possui
um caráter fragmentador, gerando novas divisões políticas.
As Regiões Administrativas e as Regiões de Governo, são, como nomeadas, compartimentações
administrativas do território, não conform uma escala de ação do poder público e sim um âmbito
37
potencial de cooperação e antes de tudo uma divisão de caráter organizacional. O fato de Morungaba
fazer parte da Região de Governo de um município não limítrofe, quando faz fronteira com dois
municípios sedes de Regiões de Governo, sinaliza, além do vinculo histórico, já mencionado, a não
superação desse aspecto umbilical. O município permanece de fato mais ligado à Itatiba, sendo a
rodovia Constâncio Cintra, que parte de Jundiaí e passa por Itatiba, Morungaba, Amparo, e região das
estâncias, a sua principal via de acesso. Não se integrou ao processo de expansão da metrópole de
Campinas, que formou a Região Metropolitana de Campinas, composta por mais 18 municípios
contíguos, dentre eles Itatiba. E de forma inusitada, também não faz parte da região de governo
Bragantina, que é formada por municípios notadamente mais semelhantes à Morungaba, como
veremos mais adiante.
Assim, este mapa de localização da área de estudo no interior das compartimentações
administrativas do Estado de São Paulo, em nosso entendimento, começa a dar pistas dos critérios de
formação das Regiões de Governo, que apresenta um predomínio do caráter histórico, em detrimento
de uma compartimentação por identidade, e também de como se formam as Regiões Metropolitanas,
por processos de aglutinação e integração produtiva. Importante ressaltar também que as Regiões
Metropolitanas, frente as Regiões de Governo, são de fato um aprofundamento que visa uma
integração administrativa para coordenar o enfrentamento de questões comuns, como o transporte,
saneamento, entre tantos outros. Mas, para além disso, possuem conselho propositivo e deliberativo
formado por representantes dos municípios, representantes do Estado nos campos funcionais de
interesse comum, e também um fundo comum de recursos provenientes das municipalidades
integrantes, ou seja, diferentemente das Regiões de Governo, são um instância de ação política, embora
de reconhecidas limitações.
38
39
Tramita hoje na assembleia legislativa do estado de São Paulo projeto de lei que visa incluir
Morungaba à RMC; tal projeto é resultado da iniciativa da prefeitura do município que solicitou sua
inclusão junto ao conselho gestor da RMC, por julgar compartilhar dos mesmos problemas das demais
cidades da região. O projeto já possui aprovação das comissões responsáveis dentro da assembleia e, do
ponto de vista dessa pesquisa, reitera o caráter político, e às vezes subjetivo/personalista que direciona
questões como os convênios municipais, a alocação de verbas por meio de emendas parlamentares, e
outros aspectos. De uma maneira geral interessa dizer que a constituição de Regiões Metropolitanas,
assim como Regiões Integradas de Desenvolvimento e Convênios Intermunicipais, são instrumentos de
gestão que operam na escala regional e acenam com a ampliação da potencialidade da autonomia
municipal. A capacidade de mobilizar recursos e expandir a escala de atuação da municipalidade para a
região é um benefício adquirido por estes instrumentos de gestão, porém, saber realmente a quem
atende essa ampliação da escala da atuação dos municípios é uma discussão que foge aos propósitos
dessa pesquisa.
O próximo mapa apresenta a rede de cidades estudas e também a rede hidrográfica e a
altimetria. Assim, buscamos primeiramente familiarizar o leitor com os municípios já mencionados
anteriormente, e também expor um primeiro desenho dessa rede de cidades. A informação da
altimetria busca apresentar duas unidades geomorfológicas básicas que fazem parte da forma como
entendemos a área de estudo.
A Noroeste, notadamente na cidade de Campinas, e nos municípios a Norte e Oeste deste,
podemos perceber baixas altitudes bem como pouca variação das mesmas. São áreas de campos e
morros suaves que apresentam uma porção desse território como de fácil ocupação. MONBEIG (1957),
ao discutir a importância da posição da cidade em seu estudo sobre a metodologia geográfica de
abordagem destes objetos, indica, sobre a geomorfologia do estado de São Paulo, a importância que os
terrenos fracamente ondulados do período Permiano tem sobre a formação da rede urbana paulista. É
no grande arco formado pelos terrenos desse período que se localizam uma série de cidades das mais
velhas do estado: Itararé, Faxina, Itapetininga, Sorocaba, Campina, as duas Moji, Casa Branca, e mesmo
Mococa. (pg. 39). Das cidade mencionadas por MONBEIG, três fazem parte de nossa área de estudo,
Campinas, Moji Mirin e Mogi Guaçu. Assim, estes terrenos de relevo mais suave são áreas de ocupação
antiga e passado vinculado às atividades agrícolas.
A Leste é possível perceber a área de contato com a Serra da Mantiqueira, com altitudes
elevadas e com variações. É a porção da área de estudo marcada por um relevo mais diversificado, para
o qual podemos estender a descrição oferecida por Navarra (1977) ao sítio das cidades de Itatiba e
Morungaba. Um relevo onde se misturam serras, morros e planícies fluviais como as de Morungaba,
Amparo, Monte Alegre, Lindóia, Socorro, entre outras. Percebe‐se também a importante relação da
localização das cidades com a rede hidrográfica, e vale lembrar como a água é um fator fundamental
dos assentamentos Humanos. Fundamental é também observar a singularidade do sítio do município de
40
Morungaba que, dentro desse conjunto da unidade de relevo mais diversificada, se encontra ‘separado’
de alguns municípios limítrofes por obstáculos naturais, que são as formações serranas.
41
42
Dando continuidade à nossa caracterização, o próximo elemento a ser apresentado é a
presença do Homem. Já falamos do importante contingente populacional que habita a região. É
importante agora realçar o dinamismo desse conjunto populacional. A estrutura desta rede de cidades
vêm de fato se alterando, e o crescimento das cidades é uma expressão disso. Como podemos ver no
gráfico abaixo, temos em um período de 30 anos um acréscimo de população de 122%, um crescimento
robusto e bem acima do conjunto do Estado de São Paulo, que no mesmo período cresceu ‘apenas’ 65
%. Além disso, é possível constatar uma alteração no padrão de distribuição dessa população, como
demonstra o caso de Campinas, cuja taxa de concentração populacional cai, dos 31%, de 1980, aos
então 24%, em 2010. Isso nos aponta que sim, devemos olhar para essa dinâmica populacional e
reconhecer um processo de desconcentração metropolitana de Campinas, bem como a consolidação de
uma rede de cidades formadas por cidades médias, que assumem uma importância maior. Nestes 30
anos, nove cidades ultrapassaram a barreira dos cem mil habitantes, e hoje temos, nessa faixa
demográfica, um total de quatorze cidades.
No gráfico, onde cada uma das cores representa um município, podemos bem observar essa
evolução demográfica e a diminuição da importância relativa de Campinas, que está na base de cada
uma das barras. (Gráfico pop.)
Fonte: Dados SEADE organização do autor
Considerando a totalidade de nossa área de estudo também percebemos, no próximo mapa,
como se distribui essa população por toda a área, e assim, começaremos a visualizar o significado
contido dentro do conceito de eixo de desenvolvimento. Veremos de maneira articulada a distribuição
dessa população e o fenômeno da urbanização, que é um tanto heterogêneo na área que delimitamos,
podendo variar de 50 a 100 % da população dos municípios vivendo em área urbana.
0
500.000
1.000.000
1.500.000
2.000.000
2.500.000
3.000.000
3.500.000
4.000.000
4.500.000
19801990
20002010
Área de estudo ‐ Evolução demográfica
43
Por tratar‐se de um mapa, podemos perceber a articulação espacial dessa propriedade de
nossas unidades de estudo, os municípios. Assim, é pertinente observar como o fenômeno da densidade
e da urbanização se articulam com os outros fenômenos já apresentados, e também observar a maneira
com que estes se distribuem espacialmente. (Mapa População)
44
45
No período estudado, Morungaba passa de uma população 6 para 12 mil habitantes, crescendo
pouco abaixo da média de 120% da região, o que a coloca em uma posição intermediária, certamente
não entre as mais dinâmicas, como é o caso de Itupeva e Paulínia – cidades limítrofes de Campinas que
cresceram na casa dos 300%, saltando, respectivamente, de 10 para 42 e 20 para 82 mil habitantes. A
dinâmica populacional dessas duas cidades começa a nos indicar um pouco sobre como se deu esse
novo arranjo populacional. Itupeva limítrofe à Campinas e à Jundiaí, cortada pela rodovia dos
Bandeirantes, passou, no período, por transformações intensas, crescendo muito rapidamente e
vivendo a intensificação do processo de industrialização de alto rendimento. Ocorre uma rápida
urbanização, uma vez que nesse período o município passa a ter 88% de sua população vivendo em
áreas urbanas, ante 33 % da década de 80, configurando um espaço urbano de baixa densidade.
A questão da morfologia urbana, as características destas aglomerações, densas ou dispersas,
são questões de difícil abordagem dentro da metodologia que propomos. Seguindo indicações
metodológicas, conforme apontadas por Ricardo Ojima (2007), um estudo capaz de investigar essas
morfologias urbanas, para além de dados estatísticos de densidade ‘cru’, como o que utilizamos aqui,
implica em trabalhar a partir de outra escala, utilizando como unidade básica de análise, não o
município, como fazemos nessa pesquisa, e sim os setores censitários. Existem, para além deste dado de
densidade, outras possibilidades que nos apontariam morfologias urbanas muito distintas dentro de
uma mesma densidade. É uma discussão que abre as portas sobre o impacto sócio‐ambiental de formas
de urbanização distintas, mais ou menos fragmentadas e verticalizadas, ou espraiadas, cada uma com
um impacto diferente sobre o meio.
Para nossa pesquisa utilizaremos não indicativos empíricos para se referir à questão da
morfologia urbana, e sim apontamentos teóricos como os propostos por Maria E. Spósito (2007), para
quem a aglomeração Metropolitana de Campinas, e as não metropolitanas, de Jundiaí e Mogi Mirim ‐
Moji Guaçu, se estruturam de forma bastante mais dispersa do que as aglomerações mononucleadas
citadas (p.9) tendendo a polinucleação.
Desconsiderando os municípios criados ao longo da década de 90, como Vargem, Estiva Gerbi,
Tuiutí, Hortolandia, Holambra e Engenheiro Coelho, outros dois municípios, com variação de população
para o período abaixo de 50%, são os de Pedra Bela e Jundiaí, bem distintos entre si. Aos municípios
recentes vale apontar, primeiramente, uma anomalia estatística, já que o crescimento foi considerado a
partir da década de 80. Assim sendo, é possível repartir esse grupo de municípios recentes em dois,
Hortolândia e Holambra, que apesar de recentes, crescem na média do conjunto, 40% em um decênio,
sendo Hortolândia uma cidade de mais de 100.000 habitantes, e Holambra uma cidade pequena, de
10.000 habitantes, porem com um PIB Per capta da ordem de R$ 40.000,00, que deve ser considerado
muito expressivo, apresentando‐nos um PIB três vezes maior que o de Morungaba, para o ano de 2008.
Outro grupo seria o de municípios recentes ou antigos, e de dinamismo populacional e econômico
realmente baixos, como Vargem, Tuiutí e Engenheiro Coelho, todos essencialmente rurais (taxa de
46
urbanização abaixo de 50%) e Estiva Gerbi, que por sua vez surgiu como um município de características
urbanas, sendo um distrito emancipado de Mogi Guaçu. São todos municípios com sede com menos de
20 mil habitantes. O dado mais interessante parece ser o baixo crescimento de Jundiaí, de 40%, mas se
observarmos atentamente o mapa de variação de população para o período, veremos que os municípios
de seu entorno, como Louveira, Itupeva, Campo Limpo Pta. e Jarinu, crescem, todos, acima de 200% no
período, o que indica de fato a consolidação de um aglomerado urbano no entorno da cidade. Também
devemos fazer uma leitura do dinamismo desse municípios próximos a Jundiaí como uma expansão da
região da Grande São Paulo, sendo difícil nesse momento identificar qual seria o fator preponderante.
O próximo mapa, de evolução da urbanização para o período de 1980/2010, busca identificar o
e localizar esse processo de urbanização. Veremos com clareza a reminiscência de alguns municípios de
caráter rural, que podemos afirmar, com certa margem de segurança, serem facilmente identificáveis, já
que encontram‐se agrupados e fazem parte da porção territorial em contato direto com a Mantiqueira,
ademais de permanecem, de certa forma, alheios ao dinamismo populacional, caracterizando‐se por
serem áreas de ocupação de baixa densidade.
O segundo aspecto marcante, oposto a esse, é a consolidação da aglomeração metropolitana
de Campinas, mais destacada, e também a de Jundiaí. Tal fato se demonstra nitidamente ao
observarmos a transição, para configurações claramente urbanas, dos municípios do entorno destes
dois polos dinâmicos, que hoje não mais fazem fronteira com municípios com grau de urbanização
abaixo de 80 %, como faziam durante a década de 80 e 90.
Outro fato que se destaca diz respeito aos municípios da região Leste da área de estudos, que
também passam por um processo intenso de urbanização. Bragança Paulista, Joanópolis, Piracaia,
Nazaré Paulista e Atibaia. Todas estas municipalidades passam da casa dos 90% de população urbana e
possuem um perfil econômico especializado na prestação de serviços e, notadamente Atibaia, na
atividade agrícola. Apesar de serem municípios em área de relevo mais montanhoso, assemelhando‐se
assim ao grupo de municípios de baixo dinamismo que mencionamos anteriormente, estes municípios
da Região de Governo de Bragança Paulista encontram‐se, de certa maneira, em uma posição
privilegiada quanto à rede de transportes, o que parece ser uma explicação plausível para esta
particularidade. (Mapa Urbanização)
47
48
O próximo aspecto da organização da área de estudos que buscaremos apresentar é
justamente a sua infraestrutura de transportes, fazendo uso de uma abordagem histórica e seguindo,
mesmo que ainda de maneira flexível, a proposição teórica de Jean Brunhes, que entende que os
primeiros fatos da Geografia Humana que devemos observar são justamente o homem e sua fixação ao
território, ou como ele põe as casas e os caminhos. Conforme mencionado, a organização das redes que
articulam o território obedece, necessariamente, a um processo de evolução da técnica e da fixação de
trabalho no espaço.
Em um primeiro momento, quando falamos sobre a preponderância da espontaneidade no
traçado da rede de caminhos, devemos ter em mente a organização espacial do território paulista, tal
como ele era até meados de 1850, antes da revolução ferroviária. Apesar de existência de uma
cartografia desse período capaz de nos apresentar essa organização, daremos preferência a
apresentação esquemática proposta por Caio Prado : (Mapa Caminhos)
Fonte: PRADO 1966
Ao defender a importância do sítio geográfico dos Campos de Piratininga (a futura São Paulo),
Caio Prado discorre sobre a singularidade destes campos abertos, com água abundante e
principalmente bem articulado com outras porções do território, dotada de diversos caminhos ‘naturais’
e já bem conhecidos dos indígenas. A posição geográfica do sítio era ímpar, pois era o centro do sistema
hidrográfico. O autor destaca, particularmente, a importância do Caminho do Mar, por ser a conexão
com a cidade de Santos, o ponto de contato com o exterior, assim como os vales dos rios Paraíba e Tietê
49
que, embora nem sempre navegáveis, são ainda caminhos naturais importantíssimos. O relevo também
assume um papel determinante na estruturação destes caminhos naturais, sendo a Mantiqueira, a Serra
do Mar e a Serra de Paranapiacaba, os principais obstáculos geográficos. À nossa área de estudo
interessam principalmente o caminho para o Sul de Minas e o caminho para o centro do Brasil, o
Caminho dos Guayazes ou Goiases. O primeiro é uma rota antiga de travessia da Serra da Mantiqueira e
conexão secundária com o Sul do território das Minas, e o segundo um caminho que, margeando a
Serra, para quem sai de São Paulo, e tomando o rumo Noroeste, chega, passando por Jundiaí, pela
região de campos naturais de Campinas, e atravessando as duas Mogi, até as minas de Goias.
Esse é um primeiro momento, o segundo é o que Santos (2009ª) denomina de técnico‐
científico, onde uma série de próteses, notadamente as ferrovias, é instalada, encurtando distâncias e
articulando o território. É quando, após a expansão da monocultura canavieira, durante o ciclo do café e
principalmente, conforme aponta Alfredo (2003), a partir da constituição e disseminação da
propriedade privada do solo, veremos um primeiro processo significativo de urbanização do estado de
São Paulo, constituindo uma rede urbana mais articulada e interdependente:
É no momento em que se estabelece a terra como mercadoria, na sua
independência autorreferente que realiza‐se um processo de urbanização
da sociedade brasileira. Nesta independência estabelecem‐se não só os
pequenos sítios, as cidades, como também desenvolvem‐se as estruturas
viárias. Contudo, o que queremos destacar é que a partir da formação e
reprodução da propriedade privada da terra, com sua consecutiva
internalização no espaço urbano, toma‐se possível realizar uma
interpretação mais profunda ‐ mesmo que só a partir de São Paulo ‐ do
processo de urbanização brasileiro (p. 11).
A malha ferroviária, financiada por capitais externos e internos, é a expressão de uma nova
realidade regional, de um território integrado, e de uma produção consolidada através de uma mescla
de atividades capitalistas e não capitalistas que se articulam. A escravidão e o colonato são os regimes
de trabalho que organizam essa grande produção, e as cidades, mesmo que secundárias quanto à
organização do trabalho, se disseminam como os entrepostos comerciais necessários para a organização
das atividades agrárias. A consolidação da propriedade privada, como já dito, é fator fundamental, e os
negócios referentes ao comércio de bens imobiliários se tornam também uma importante fonte de
geração e acumulação de riquezas, principalmente na cidade de São Paulo.
50
Fonte: Sito web da Associação Nacional de Preservação Ferroviária
Podemos perceber, portanto, como esse primeiro sistema técnico avançado, que é a ferrovia,
se assenta sobre os caminhos naturais que primeiramente articulavam o território; assim, os ramais
ferroviários irão possibilitar uma aceleração sem igual aos fluxos circulantes. Os entroncamentos
ferroviários darão impulso determinante às cidades de Jundiaí e Campinas, mas principalmente à São
Paulo, que como já dissemos é o centro histórico dessa organização, cidade a qual todas as outras
passam a ser tributárias.
Apesar da evolução da rede urbana paulista estar associada ao ciclo econômico do café, o
principal fato urbano, na organização do estado, é a formação da cidade compacta com periferia
apresentada no quadro de Ester Limonad. A cidade de São Paulo se industrializa e se transforma
rapidamente, passando de uma vila com menos de 20.000 habitantes, em meados do século XIX, a
principal cidade industrial do pais já na década de 30.
A pesquisa de Navarra, citada anteriormente, aponta, com relação à rede urbana do interior
paulista, especificamente essa mais antiga e associada ao café, que vemos nomeada nas estações e
entroncamentos das estradas de ferro Paulista e Mogiana, as graves consequências das sucessivas crises
deste produto de exportação. As décadas de 30 e 40 são marcadas pela diminuição do contingente
populacional de algumas dessas cidades, pela crise econômica que durará até a década de 50, quando o
município de Itatiba, no qual se centra a pesquisa supracitada, tem novamente um acréscimo
populacional, de 1500 habitantes em dez anos, chegando a 17.000 habitantes. Ao mesmo tempo que no
município, pela primeira vez, a população urbana supera a população rural, lembrando que Itatiba é
51
uma dessas cidades que na década passada superou a marca dos 100.000 habitantes. Navarra associa
essa recuperação econômica e processo de urbanização a uma influência direta da região metropolitana
de São Paulo, que organiza, a seu redor, uma agricultura voltada agora ao consumo interno e uma
industrialização também relacionada à expansão do mercado nacional.
Também é importante marcar, na medida em que rumamos em direção à apresentação do
atual sistema técnico de integração territorial, o meio de deslocamento de mercadorias e pessoas, o
aspecto central da organização espacial do trabalho no território ‐ a importância que terá o automóvel.
A década de 50 é o período de substituição do modal ferroviário pelo rodoviário como resultado direto
de uma política nacional. Sem entrar nos méritos da importância do automóvel para a consolidação da
industrialização brasileira das décadas de 50 a 70, quando a indústria metal mecânica assume papel
fundamental, o dado é que os investimentos estatais priorizam o modal rodoviário na mesma medida
em que ignoram as necessidades de investimentos para integração e modernização da malha
ferroviária. Assim, em 1974, as rodovias já carregavam 68,6 % do total volumétrico de bens
transportados no estado de São Paulo, em comparação aos 34% que carregava em 1940 (Katinsky pg. 92
in Motoyama 1994).
A constituição do eixo rodoviário entre São Paulo e Campinas tem dois momentos iniciais, um
de pavimentação da antiga estrada de chão que ligava as duas cidades, dos anos 40 até 1953, quando se
torna a primeira rodovia pavimentada e duplicada do país. O segundo é o da criação da
Desenvolvimento Rodoviário S.A. (DERSA) empresa paraestatal destinada a construção e manutenção
de auto‐estradas, em 1968, e também da construção da Rodovia dos Bandeirantes, entre 1976/78,
consolidando assim a formação desse eixo rodoviário expresso.
No mapa a seguir, em que buscamos caracterizar esta rede de transporte, estão presentes as
quatro principais rodovias da região: Anhanguera/Bandeirantes, a rodovia Fernão Dias (SP/BH) e a
rodovia Dom Pedro I, que conecta campinas ao eixo SP/RJ. Tomamos como fato principal para
caracterização dessa malha rodoviária o critério da administração das rodovias, que podem ser públicas
(municipal, estatal ou federal) ou concedidas à iniciativa privada. Tal fato foi tido como critério por
acreditarmos que são as rodovias hoje concedidas à iniciativa privada as principais vias de
deslocamento, uma vez que não temos no Estado rodovias tidas como estratégicas a ponto de serem
mantidas sob a administração estatal. O Estado não faz questão de administrar, mas apenas de
regulamentar estes importantes sistemas técnicos. A discussão sobre o modelo de concessão ou
privatização das rodovias federais e estaduais é bastante pertinente, pois a tributação que os pedágios
impõe à circulação são pagos por todos nós, assim como o foram os investimentos da implantação
desses objetos; o fato é que os leilões de concessão e a disputa das concessionárias pelos trechos
leiloados, demonstra a lucratividade destes empreendimentos, e portanto sua importância frente aos
fluxos de pessoas e mercadorias. Assim, sem ter que acessar estatísticas de fluxo, acreditamos estar
sinalizando quais seriam as principais rodovias dessa rede.
52
Veremos também a estreita relação entre o traçado das rodovias e a malha ferroviária, ou o
que restou dela, que hoje também está sob administração da iniciativa privada, porém não foi capaz de
recuperar sua importância no transporte de cargas e pessoas frente a concorrência do modal rodoviário.
Da mesma maneira, percebe‐se a importância do aeroporto de Vira Copos, o segundo principal no
transporte de carga do país, bem como uma série de pequenos outros aeroportos que demonstram
outras centralidades secundárias dentro desse sistema urbano. Mas, principalmente, como a atualidade
do sistema de transportes da região forma um conjunto de objetos que possibilita as ações que se
sucedem cotidianamente no território. Como falamos, essa rede resulta de diversos processos
econômicos, político e sociais que se materializam enquanto formas conteúdo, uma expressão da
sucessão de famílias de técnicas sobrepostas em um esforço de subjulgar a espontaneidade que
prevalecia outrora. Mas, mesmo assim, enfrentado alguns dos mesmos condicionantes, como o quadro
natural que conforma os traçados das principais rodovias, assim como o fazia em relação aos caminhos
primeiros.
Outro ponto fundamental, para nós o principal, é a situação do território de Morungaba dentro
desse quadro que mostramos, localizado dentro de um quadrilátero formado pela rodovia SP‐340 a
Leste, que liga Campinas à Moji Mirin e Mogi Guaçu, ao Sul pela rodovia Dom Pedro I e a Leste pela
rodovia Fernão Dias. Apesar de próximo a estas rodovias modernas, o município não esta em contato
direto com nenhuma delas, sendo a principal conexão através da Rod. Constâncio Cintra com a Dom
Pedro I, quinze quilômetros de estrada de pista simples, com poucos pontos de ultrapassagem,
atravessando uma pequena serra. De fato é essa a rota normal de escoamento da produção do
município, porém nos indagamos, como é possível constatar através de periódicos locais, o significado
de uma possível ampliação ou melhoria deste acesso rodoviário. (Mapa transportes)
53
54
MORUNGABA E A DINÂMICA DA DIVISÃO TERRITORIAL DO TRABALHO:
Após essa primeira caracterização da área de estudos procuraremos nos aprofundar na
dinâmica da divisão territorial do trabalho. Para isso, será feito um exercício de localização das principais
atividades econômicas que animam a região. Buscaremos reconhecer dentro dessa dinâmica regional a
existência de compartimentações internas possíveis, ou regionalizações.
Valendo‐nos, novamente, das bases de dados da fundação SEADE, buscaremos, dentro da
metodologia de classificação das informações ofertadas pela fundação, manipular esses dados,
tentando, através da distribuição espacial dessas informações, perceber particularidades e
singularidades de certos municípios ou agrupamentos de municípios no interior da nossa área estudada.
Esse é o caminho que propomos como subsídio para análise da atuação municipal, uma vez que
assumimos como tese a ideia de que as características da municipalidade devem ser tidas como um
condicionante de sua atuação, pois tem relação direta e inalienável com a capacidade financeira de cada
uma das municipalidades.
Os principais dados utilizados são o Valor Adicionado em cada uma das atividades produtivas,
dentro de uma separação simplificada entre Indústria, Agricultura e Serviços. Observaremos também a
distribuição do emprego em cada uma destas áreas das atividades produtivas para um conjunto menor
de municípios. A ideia de dinamismo nos é central, para tentarmos uma aproximação do movimento da
realidade; dessa forma, estes dados serão comparados pela sua evolução no tempo, além de sua
distribuição no espaço. É de fato um esforço para visualizar a evolução temporal de sua distribuição no
espaço. Dessa forma tentaremos caracterizar os territórios municipais a partir de sua inserção em uma
divisão espacial do trabalho, criando os parâmetros para a caracterização do município de Morungaba.
O primeiro mapa busca caracterizar a atividade industrial. Nosso intuito é observar, de maneira
articulada, quatro parâmetros/indicadores que entendemos como passíveis de realizar essa leitura da
atividade industrial. São eles: o valor adicionado na atividade industrial, para o ano de 2008; a
participação desse valor no total do valor adicionado para o período; a variação do valor adicionado no
período de 1999 a 2008, onde buscamos observar justamente o dinamismo a que nos referimos; o
quarto e último indicador selecionado, dentre os muitos possíveis, é a produtividade do emprego
industrial no ano de 2008. Com esses indicadores, buscaremos analisar as características principais do
tipo de atividade industrial instalada nas municipalidades.
Partindo da análise mencionada por Santos, no livro A economia política da cidade, ‐ e em
outros trabalhos mais estruturados ‐ podemos classificar a atividade econômica entre 3 circuitos da
economia: o circuito inferior, o circuito superior e o circuito superior marginal. Todos os três participam
da atividade econômica das cidades modernas de forma complementar, em uma dinâmica complexa e
de imbricações múltiplas.
55
Para não nos alongarmos muito, partiremos de uma definição dos circuitos da economia
conforme apresentada em trabalho de Silvana Cristina da Silva, sobre a participação da mão‐de‐obra
imigrante nos circuitos inferiores da economia paulistana:
Grosso modo, o circuito superior incorpora as grandes empresas, em ramos
de atividades modernas, que usam alta tecnologia e capital intensivo,
geralmente apresentam alta creditização; o circuito inferior caracteriza‐se
pelo uso de mão‐de‐obra intensiva, tecnologia não moderna, baixa
produção, relações de trabalho não formais (sem registros em órgãos
oficiais e sem assinatura em carteira em geral), não há financiamento
bancário e os produtos apresentam baixo valor agregado; já o circuito
superior marginal incorpora as empresas intermediárias, ou seja, aquelas
que possuem características do circuito superior e do inferior (SILVA S. p. 5).
A estruturação da rede urbana que estamos observando se baseia nessa complexa dinâmica
complementar entre os circuitos da economia. As cidades recebem esses circuitos cada uma à sua
maneira, e é justamente esse arranjo que, acreditamos, pode definir um papel a um determinado
município dentro desta dinâmica da divisão espacial do trabalho. Poderemos visualizar a articulação
espacial entre o grande centro industrial e de alta produtividade, formado principalmente pela região
metropolitana de Campinas e a cidade de Jundiaí e arredores. É o eixo de desenvolvimento das rodovias
Anhanguera e Bandeirantes, onde grande parte dos municípios tem na produção industrial uma grande
parte do total do valor adicionado nas atividades produtivas, à exceção dos dois grandes centros
Campinas e Jundiaí, cujas economias, classificadas pela Fundação Seade como multi‐setoriais, e apesar
da muito expressiva produção industrial, não tem na indústria sua principal atividade.
O item variação nos permite observar a expansão espacial da atividade industrial que começa a
chegar a municípios que ainda não atingia, como Tuiutí, Jarinu, Atibaia, Nazaré Paulista, e mais algumas,
onde, apesar da variação alta, ainda temos um baixo valor adicionado e baixa produtividade. Assim,
podemos arriscar uma interpretação desse movimento como um processo de expansão dos circuitos
inferiores e marginais da economia, que começam a se alocar para além da áreas mais dinâmicas.
Importantíssimo dizer que, um olhar mais atento para cada município, permitiria, com mais precisão,
classificar o que de fato ocorre ‐ para além destas tendências possíveis de serem observadas à escala
regional.
Voltando nosso olhar à Morungaba, foco principal de nossa pesquisa, veremos que a variação
do valor adicionado no período (159%) segue um pouco abaixo da média da área de estudo, que é
bastante elevada (202%). Assim vemos que a cidade participa, porém de maneira secundária, do
processo de dinamização da atividade industrial; o aumento do número de estabelecimentos também
nos diz a mesma coisa, já que a cidade passa de 22 à 30 estabelecimentos, num acréscimo de 30 %,
frente à uma variação média de 66 % para a região. (Caracterização da Atividade Industrial)
56
57
Seguindo o caminho apontado por Santos (2005), nos propomos a identificar os capitais
industrias que animam esta atividade, no município estudado. Como já abordado no momento de
apresentação de Morungaba, a indústria têxtil e de produtos plásticos são, de fato, as mais importantes
para a economia da municipalidade. Ambos estes setores se enquadram dentro do que definimos como
o circuito superior marginal da economia, por serem atividades que compartilham de alguns dos
processos modernos do circuito superior, mas são notadamente indústrias que produzem produtos de
baixo valor agregado e beneficiam matérias primas oriundas de outros setores econômicos. O circuito
superior, por vezes, se caracteriza como uma atividade residual, pela sobrevivência de setores menos
modernos da indústria, porém, também atua como um polo de inovações, respondendo às demandas
incapazes de suscitar atividades totalmente modernas.
É possível também assinalar a modernização de alguma das atividades industriais do município,
como no caso do ressurgimento de uma das três indústrias ligadas ao ramo dos têxteis em Morungaba.
A compra da massa falida da Morungaba Industrial, icônica ao desenvolvimento do município e que
modelou a paisagem urbana durante as décadas de 60 e 70, com sua vila operária típica, ilustra bem
essa modernização. Assumindo parte do maquinário e contando com uma mão de obra local existente,
a empresa Valisere é uma empresa que atua em escala nacional e possui algumas fábricas pelo interior
de São Paulo, podendo ser considerada uma empresa moderna, assim como também o são as empresas
Maliber, que possui uma unidade de tinturas de tecidos, integrada remotamente a planta de Itatiba, e a
Fiação Alpina, especializada na produção de tecidos, mas o circuito superior da economia é marcado por
rentabilidades mais altas e capitais fixos de maior valor dos que caracterizam a atividade têxtil no
município, que melhor seria caracterizada como pertencente ao circuito superior marginal. A indústria
de matérias plásticas é de fato uma atividade intermediária, representada, no município, pela empresa
Greco e Guerreiro, cujo lema “Seu produto nossa embalagem”13 bem destaca seu caráter secundário na
cadeia produtiva.
Outro ramo industrial é o de produtos alimentícios, esse, sem dúvida, na maneira que se
manifesta em Morungaba, um integrante do circuito inferior da economia. Baseada em processos
artesanais, as duas principais empresas, Doçes David e Companhia das Ervas, representantes didáticos
desse circuito, estariam mais vinculadas ao que já mencionamos como turismo de passagem. Porém,
vale destacar, à título de curiosidade, o fato da empresa de temperos ser hoje um pequeno exportador
consolidado, que atinge diversos mercados e assim parece passar por um processo de inovação que
demonstra certa sofisticação.
Do ponto de vista da autonomia municipal, que é onde queremos chegar, é importante frisar
como cada uma destas atividades contribui com a vida tributária do município. Apresentamos abaixo
um gráfico de contribuição dos setores da economia para arrecadação do ICMS, no ano fiscal de 2009:
(Gráfico ICMS)
13 http://www.grecoeguerreiro.com.br/
58
Fonte: Dados SEADE organização Joaquim Millan
A partir deste gráfico é possível dimencionar a importância, para a economia tributária do
município, de cada uma das atividades produtivas, verificando a grande concentração da atividade
econômica na indústria têxtil. Assim, começamos a introduzir a questão da agropecuária e dos serviços,
que serão apresentadas da mesma maneira que o foi a atividade industrial. É importante frisar que a
contribuição de cada uma das atividades para arrecadação do ICMS já começa a apontar para o peso de
cada uma delas, bem como para a composição do setor de serviços local. Para Morungaba, este setor
está relacionado diretamente, como podemos ver, ao comércio em geral, atacadista, supermercados, e
outros, não se destacando nenhuma atividade dos ditos serviços superiores, e sim apenas centros
comerciais nos quais se realizam o consumo dos bens duráveis e não duráveis, sem a especialização em
nenhum ramo da prestação de serviços voltados a outros mercados, que não o estritamente local. O
fato de estas atividades de consumo local gerarem ICMS ‐ um imposto sobre a circulação ‐ não indica
que o município esteja fornecendo bens e serviços a outros municípios, mas apenas que os bens ali
consumidos são produzidos em outras localidades, e que sua comercialização local gera ICMS.
Quanto ao mapa que apresentaremos para caracterizar o setor serviços, podemos perceber,
dentre os grupos de municípios que se destacam pela expressividade do setor sobre o total do valor
adicionado, a importância dos centros multi‐setorias de Campinas e Jundiaí, que se distinguem, a
princípio, pela produtividade do setor. Para essa distinção é preciso considerar que, enquanto Campinas
possui maior complexidade econômica e aproximadamente 190.000 vínculos empregatícios no setor,
Jundiái possui apenas 60.000 vínculos. Tal fato apontaria não uma necessária distinção quanto a
produtividade dos serviços, em cada uma das localidades, e sim que Campinas possui uma economia
urbana mais complexa, abrigando uma diversidade de atividades maior no setor, mesclando atividades
da baixa e alta rentabilidade. O município é de fato o principal polo tecnológico, com grande
concentração de indústrias de inovação e tecnologia, além de importante complexo educacional.
Portanto, fazendo uso da interpretação proposta por Santos, percebemos que a modernização da
economia induz à expansão dos circuitos marginal e inferior da economia, pois a modernização acarreta
1% 2%
4%5%
6%
7%
75%
Morungaba ‐ ICMS Arrecadado ‐ Total (Em reais de 2009)
Indústria ‐ Produtos Alimentícios
Supermercados
Comércio Atacadista
Comércio ‐ Outros
Indústria ‐ Produtos de Plástico
Agricultura, Pecuária e Outros Produtos Animais
Indústria ‐ Têxtil
59
também um processo de segmentação da economia, o desenvolvimento de diversos ramos
complementares aos setores mais modernos, fruto da necessidade de superar a queda de empregos,
que é consequência do modelo poupador de mão‐de‐obra que caracteriza esta nova fase.
Portanto, a modernização de atividades é simultânea à expansão de formas
econômicas menos modernas que abrigam uma parcela da ‘pobreza’
urbana, permitindo a existência de um setor econômico diferenciado do
setor de capital (SANTOS 2005 p. 92).
O setor de serviços é onde encontramos uma maior importância relativa quanto ao valor
adicionado em todas as municipalidades da área de estudo, sendo o menor índice de participação o de
42%, que ocorre nas cidades de perfil altamente industrial. Isso demonstra uma baixa participação
relativa, uma vez que a elevada produção industrial mascara essa importância. Percebemos também
essa ‘pouca importância’ relativa ao observarmos que são estes municípios, os que fazem fronteira a
Noroeste com o município de Campinas, como Hortolândia, Sumaré, Paulínia e Jaguariúna, os que
possuem o maior índice de produtividade do emprego nos serviços. O setor de serviços, de uma maneira
geral, é fator fundamental da vida urbana. Para as cidades essencialmente agrícolas, a importância do
setor de serviços também se faz perceber como valiosa fonte de vínculos empregatícios, embora sejam
essencialmente empregos de baixa produtividade.
A situação de Morungaba bem demonstra o que acabamos de colocar, onde cada emprego no
setor de serviços está relacionado a um valor adicionado de aproximadamente R$ 13.500,00 anuais,
pouco mais de R$ 1.000,00 ao mês (SEADE 2010). Essa informação nos aproxima da realidade do
município, uma vez que, como podemos observar no gráfico abaixo, o setor é o que mais emprega no
município, diferentemente do que ocorre nos municípios de industrialização vigorosa, como Louveira,
Valinhos, Vinhedo e Itatiba. Morungaba, com 80,6 % dos vínculos empregatícios no setor de serviços no
ano de 2009, e com a baixa produtividade que apresentamos, caracteriza‐se por ser um município onde
a maioria dos cidadãos empregados está obrigado a viver com uma renda mensal inferior a dois salários
mínimos. (Gráfico empregos / Mapa serviços )
Fonte: Dados SEADE organização do autor
0%
50%
100%
Participação dos Vínculos Empregatícios por Setor ‐2009
Agropecuária Indústria Construção Civil Serviços Comércio
60
Assim vamos nos aproximando da caracterização do município escolhido dentro deste contexto
regional altamente dinâmico. Conforme visto até aqui, é possível ratificar o modelo esquemático
proposto por SPOSITO, no tocante à caracterização dos eixos de desenvolvimento, uma vez que
Morungaba se caracteriza como um dos municípios que estariam dentro das chamadas áreas opacas,
com uma inserção precária nesta dinâmica dos eixos de desenvolvimento, embora mais dinâmica que os
61
municípios de caráter rural mais marcado, como Tuiutí, Monte Alegre, Pinhalzinho, Pedra Bela e
Socorro, que em diversos aspectos se mantém alheios a esta dinâmica de desenvolvimento que
buscamos observar.
As proposições teóricas de MIRANDA Z., que apresentamos durante a introdução, também se
confirmam, uma vez que cada vez mais percebemos a heterogeneidade dentro do grupo de municípios
estudados. Porém, a ideia de eixos de desenvolvimento destaca a distribuição espacial destas unidades,
e assim podemos observar as áreas de maior e menor valor no espaço, dentro de um plano de
virtualidades determinadas por um espaço relacional, que resulta de um processo histórico de
acumulação e cristalização do trabalho no espaço. Podemos acompanhar a efetivação desta virtualidade
através da dinâmica das atividades produtivas, e da orientação seletiva dos processos de fixação e
desenvolvimento das atividades mais modernas e lucrativas, dentro da gama de territórios municipais
que observamos.
Por fim, o mapa de caracterização da atividade agropecuária nos permite ver que sim, a
preponderância das cidades de Mogi Guaçu e Moji Mirin, no total do valor adicionado da região, é um
fenômeno mais recente, que se pode observar através da variação da participação do valor adicionada
em algumas das cidades de caráter mais rural. As duas principais cidades da região Norte de nossa área
de estudos se destacam na produção da laranja, com um valor adicionado de aproximadamente 215
Milhões de reais, e respondem, no total do valor adicionado na agropecuária, por aproximadamente
20% do total da área de estudo. Esta é a agricultura de alta tecnologia e rendimento. Importante
destacar que, no mapa que apresentamos, o alto número de vínculos empregatícios, em outros setores
da agropecuária (gêneros alimentícios tradicionais) que convivem com estes setores modernos, está de
certa forma mascarando a rentabilidade e produtividade da produção de laranjas.
O que nos chama a atenção, do ponto de vista do município estudado, é o conjunto de
municípios ‐ do qual Morungaba participa ‐ onde podemos observar a variação positiva do valor
adicionado na atividade agropecuária. Por ser também a região que se destaca ‘negativamente’ nos
demais aspectos abordados ‐ baixa produtividade industrial, baixo dinamismo populacional, e assim por
diante ‐ devemos perceber, através da atividade agropecuária, a função que estas cidades ocupam
dentro deste ordenamento territorial, para assim, através das variações, observar o dinamismo desse
ordenamento e as refuncionalizações de que falávamos, buscando expor as chaves interpretativas que
orientam esse trabalho.
62
63
Essa variação positiva dá a entender alguma transformação qualitativa na organização da
atividade agropecuária (lembrando que a quantidade pode e deve ser vista como uma qualidade).
Assim, diferente do que acontece com a laranja e a cana ‐ commoditys que organizam outro setores
agrícolas importantes do estado ‐ vemos a organização de um setor agropecuário que se baseia na
produção de gêneros alimentícios de consumo direto, como a batata, o milho, feijão, e frutas em geral.
Esse eixo, que se desenvolve a Leste do município de Campinas, é complementado pelos municípios de
caráter agrário a Norte do Município, como Moji‐Mirim e Mogi Guaçu, Engenheiro Coelho, Artur
Nogueira, e áreas tradicionais como Atibaia e Bragança, fornecedores de gêneros alimentícios para todo
este complexo urbano. Também se destacam os municípios a Leste de nossa área de estudo, como
Nazaré Paulista, Piracaia e Joanópolis, também pela alta variação do valor adicionado na atividade
agropecuária, assim fazendo parte desse processo de transformação, ou especialização.
Um olhar mais focado sobre o município de Morungaba, no que diz respeito a esta
modernização, permite perceber um aumento da produtividade do emprego, mas não da quantidade de
vínculos empregatícios, de modo que essa modernização não produz, necessariamente, uma alteração
da qualidade de vida ou da organização no campo. Poderíamos imaginar, sem nos comprometermos
com esta tese, que essa modernização possibilita perceber o aumento mais expressivo da rentabilidade
do que da produção, como é possível percebermos por alguns itens, como a lenha, a laranja, o milho e o
feijão, que tem no período de 1995 a 2008 uma inflação do preço de venda (produção/valor adicionado)
na casa dos 400%. Dessa variação de preços finais se deduz uma ampliação do mercado consumidor,
que criaria pressão inflacionária como resultado da maior integração com as áreas de consumo. Assim,
seguimos na hipótese apresentada, e ressaltamos que esta nova integração com mercados
consumidores mais distantes é, do ponto de vista do consumidor local, prejudicial, pois interfere no que
seria uma das virtudes das cidades locais, onde a proximidade com áreas produtoras permitiria uma
redução do custo de vida.
Dessa forma acreditamos ser possível contextualizar Morungaba no seio das transformações
mais gerais que percebemos na área estudada. Foi possível constatar que, embora se transforme como
o resto da rede urbana, a cidade obedece a ritmos mais lentos, semelhantes a outros municípios da área
de estudo que também participam de maneira precária desse processo de modernização. Também não
é a mais rural ou mais distante de uma racionalidade hegemônica facilmente identificável nos
municípios que se transformam mais rapidamente. Encontra‐se em uma situação intermediária, vivendo
um pouco de ambas as situações, e destaca‐se talvez, de maneira distinta de outra cidades de perfil
semelhante, como Cabreúva, por não passar por um processo de urbanização abrupto, mas sim lento e
gradual.
Buscamos identificar movimentos dos quais o município participa, movimentos que possuem,
como vetores, a industrialização secundária ou marginal, e que, por sua vez, se expandem sobre um
grupo de municípios localizados nas áreas opacas de que nos fala SPOSITO. Vimos como uma parcela
64
reduzida da população se beneficia desta situação, uma vez que a indústria, apesar de ser a principal
atividade econômica com relação à produção, não o é do ponto de vista do emprego. Observamos
também, com certa atenção, a questão da agricultura e dos serviços, que embora de relativa
expressividade ‐ os serviços pela geração de empregos e a agricultura por um traço de modernização ‐
não são grandes dinamizadores capazes de alavancar transformações sociais. Assim buscamos
caracterizar o atual momento do município, vendo como este se encaixa dentro da rede urbana
estudada.
Ao longo do tempo, cada lugar é alvo de sucessivas divisões do trabalho.
Mas esse mesmo lugar, visto num corte temporal, isto é, num momento
dado, acolhe simultaneamente várias divisões do trabalho. Como estas não
se realizam independentemente dos fluxos, superpõem‐se nele também
diversos circuitos da produção. Criam‐se, assim, solidariedades entre
elementos novos e herdados. Formas antigas de armazenagem convivem
com modernas formas de cultura e com novas formas de transporte e
assinalam, a cada momento histórico, distintas combinações técnicas e
sociais do trabalho (SANTOS e SILVEIRA p. 144).
Agora tratemos de observar, mesmo que brevemente, como esta base econômica se relaciona
com um determinado quadro social. Para isso nos basearemos Índice de Paulista de Vulnerabilidade
Social (IPVS) da fundação SEADE. O IPVS é um indicador composto que articula renda, escolaridade e o
ciclo de vida familiar (idade de e gênero do chefe de família). A metodologia proposta pelo SEADE,
aplicada sobre os dados do censo IBGE de 2000, classifica, segundo a articulação dos indicadores
selecionados, a população em cinco categorias, de nenhuma vulnerabilidade à muito alta
vulnerabilidade social.
Observaremos, primeiramente em mais um mapa comparativo, a questão da produção de
riquezas, que sintetiza as três atividades econômicas básicas que apresentamos até aqui, articulando
assim a questão do Produto Interno e a da vulnerabilidade social. Assumimos como um pressuposto
teórico que a produção de riquezas se assenta, entre outros pilares, na questão da desigualdade social,
que é a base da relação capital‐trabalho. Vejamos a situação de Morungaba, que, classificada no ano de
2006 como um município de alta vulnerabilidade social (grupo 5) possuía no ano de 2000 mais de 50%
de sua população entre as classes 5 e 6 do índice proposto.
65
Fonte e organização SEADE ‐ Mapa da Vulnerabilidade Social – 2000
Ou seja, a base econômica analisada anteriormente tem relação direta com a questão da
vulnerabilidade, e Morungaba, comparada com a média do estado de São Paulo, encontra‐se em
situação de alta vulnerabilidade e, como veremos a seguir, assemelha‐se a outros municípios de base
econômica também similar. De uma maneira geral, os municípios de baixa densidade populacional e
fraco dinamismo econômico são também os municípios que possuem grande parcela da população em
condições de vulnerabilidade social. Os municípios que se caracterizam pela grande produção de
riquezas possuem situações de desigualdade social mais complexa, onde tanto a riqueza quanto a
pobreza se fazem presentes, em uma gama maior de situações, tanto intermediárias quanto extremas.
Isto posto, é possível associar a questão da baixa produtividade, que buscamos demonstrar
através do PIB per capta, com um quadro geral de vulnerabilidade social. Faz‐se necessário observar,
também, através da representação do numero absoluto de pessoas vivendo em condições de
vulnerabilidade alta e muito alta, como o pressuposto da relação entre a pobreza e riqueza se
demonstra, e como a alta produtividade não está ligada à uma melhoria generalizada da condição de
vida, e sim à complexificação e segmentação das economias urbanas, como falávamos anteriormente.
Assim, os municípios de grande produtividade são também formados por arranjos complexos, onde a
segregação sócio espacial se faz necessariamente presente, sendo possível falar em uma disseminação
‘democrática’ da vulnerabilidade. (Mapa PIB e IPVS)
66
67
RECEITAS E DESPESAS: A ATUAÇÃO DO GOVERNO MUNICIPAL DE MORUNGABA
Retomando o caminho proposto nos aprofundamentos teóricos, o esforço de caracterização do
território de Morungaba, através da análise de sua historicidade, da descrição dos objetos que o
caracterizam, da busca do entendimento da relação de singularidade e particularidade com o quadro
natural, das transformações desse sistema de objetos e ações, dentro de um quadro mais amplo que foi
a área de estudo, e também as condições de vida de sua população, deverá agora servir de subsídio à
análise da atuação do governo municipal. Para isso, o caminho é o de conhecer a composição
orçamentária do município e sua execução para o período de 2005 a 2008, que encerra uma gestão do
governo municipal.
Como dissemos também no Capitulo I, a composição da receita municipal deverá ser observada
a partir da origem dos recursos, que podem ser esquematizados de maneira simplificada em receitas
próprias e receitas de transferência (constitucionais ou voluntárias). Por acreditarmos na relação direta
entre o ordenamento espacial que buscamos descrever e a vida financeira destes entes autônomos que
são os municípios, seguiremos trabalhando sobre os em cima de mapas como os anteriores, que
representam os 47 municípios selecionados.
A participação das receitas tributárias, na composição geral dos orçamentos municipais,
aparenta não seguir a mesma lógica de distribuição espacial que vínhamos observando para elementos
como o Produto Interno ou a aglomeração populacional, que demonstravam uma clara aglutinação em
algumas porções do espaço (notadamente nas áreas ganhadoras dos eixos de desenvolvimento). Para
melhor compreendermos este fenômeno de aparente desvinculação da receita tributária destes
elementos que tomamos como característicos dos municípios de economia de intenso dinamismo,
seguiremos o caminho interpretativo proposto por Tristão, que aponta quatro perfis de municípios,
segundo sua capacidade de arrecadação, em uma tipologia que relaciona o porte e o perfil econômico
das cidades com sua capacidade de arrecadação.
A maior máquina de arrecadação, onde também o percentual de participação das receitas
tributárias na composição geral do orçamento é maior, é o município de Campinas, que no período
observado (2005/08) arrecada expressivos 2.9 Bilhões de Reais, ou 37,5% de sua receita total. Descrito
por Tristão como um dos tipos de bons arrecadadores, os grandes centros metropolitanos se destacam
na arrecadação do imposto sobre serviços (ISS), que capturam a dimensão da complexidade da vida
econômica destes grandes centros.
Os outros municípios que no nosso mapeamento tem grande destaque na arrecadação, como
também previsto pelas tipologias propostas na pesquisa citada, são as cidades turísticas. Assim,
arrecadam acima de 30% de suas receitas totais, os municípios de Atibaia, Águas de Lindóia e Serra
68
Negra. O primeiro, muito próximo de São Paulo e Campinas, destaca‐se pela presença de condomínios
residenciais fechados, que servem, principalmente, como bem descrito na pesquisa de MIGLIORANZA
(2005), ao turismo de 2º residência para classe média e alta. Outro ponto que a autora levanta em sua
pesquisa, que analisa o município de Valinhos, é a atuação do governo municipal que, através de
estratégias de zoneamento, busca incentivar essa modalidade turística. MIGLIORANZA é enfática ao
destacar o pouco benefício que esta modalidade de turismo traz aos moradores nativos da região, e
também os muitos benefícios que traz aos cofres municipais, através da arrecadação do IPTU, como
podemos ratificar. Os outros dois municípios, apesar da baixa expressividade econômica, são destinos
turísticos tradicionais do estado, e estão entre as estâncias turísticas mais antigas.
A participação das receitas oriundas das transferências constitucionais do governo estadual é a
que tem a relação mais direta com a questão da produtividade, uma vez que todas estas transferências
são baseadas no sistema de cota parte, e que como já explicamos, nos casos da partilha do ICMS e do
IPI, seguindo lei estadual, privilegiam, ao invés de uma potencial capacidade distributiva, um caráter
‘meritório’. Assim, o mapa da participação das transferências estaduais em muito se assemelha a outros
que vimos, como o do Produto Interno Bruto, por exemplo. Porém, desta vez, na contramão do que
indica a pesquisa de Tristão, que aponta os municípios com alto índice de participação da quota parte
do ICMS como mau arrecadadores, devido a menor participação das receitas tributárias nos totais
arrecadados, o que percebemos é que são estes também municípios com grande capacidade de
arrecadação. O que de fato ocorre, neste grupo no qual se destacam os municípios de Louveira, Paulínia
e Jaguariúna, é que possuem uma elevada renda tributária per capta, apresentando‐se como ‘bons’
arrecadadores e detentores das maiores receitas per capta da área de estudo.
Finalmente vamos ao grupo de municípios de grande dependência da cota parte de Fundo de
Participação dos Municípios, no qual se enquadra Morungaba, com um índice de participação de 35%,
que é alto, mas não muito, o que a coloca, como já dissemos, em uma faixa intermediária, ou de
transição. Importante notar que os municípios com grande participação da cota parte do FPM são, ao
mesmo tempo, os municípios com as menores receitas per capta. Tal fato, que será melhor analisado
quando começarmos a ver também as despesas destes municípios, indica, em nosso entendimento, a
importância do critério distributivista que o governo federal adota na repartição do FPM. Comparando
estes dois dados veremos que a ‘intervenção’ do governo federal se faz no sentido de evitar uma
situação que seria ainda mais calamitosa para estas pequenas cidades ou, nem tão pequenas assim, mas
de baixo dinamismo econômico e com grandes parcelas da população em condições de vulnerabilidade
social. (Mapa Receitas)
69
70
Alheios às discussões de caráter econométrico e orientação perversa, como a proposta por
GOMES e MAC DOWAL, acreditamos ser importante, na contra mão dos autores, destacar a
transferência da renda ‘produzida’ nos grandes centros para as regiões periféricas do país. A proposta
dos autores, ao nosso ver, é um tanto ingênua, uma vez que as grandes empresas e corporações se
valem da totalidade do território nacional e, também, dos espaços muito além destas fronteiras, para se
apropriar da riqueza gerada pela venda do trabalho e apropriação dos recursos. Enquanto os autores
defendem a tese de que a transferência de renda do governo federal para os governos municipais e dos
municípios ‘potentes’ para os ‘frágeis’ é um desserviço à evolução das atividades econômicas,
acreditamos na importância da descentralização do gasto público e no fortalecimento dos municípios,
dadas as potencialidades deste ente da federação, tão mais próximo ao cidadão. Uma discussão
qualitativa sobre a descentralização, como a proposta por Maria do Livramento M. Clementino, nos
obriga a mencionar quais seriam os princípios que deveriam orientar esse processo de descentralização.
Um política de fortalecimento local, sob uma visão plural, como a proposta pela autora, passa
necessariamente por uma transformação de aspetos cruciais do controle do gasto público, e para além
de uma análise da autonomia financeira veremos que a questão da realização do gasto público esbarra
em outros aspectos do exercício da autonomia municipal. A questão que a autora levanta como central,
diz respeito a baixa capacidade de controle social e gerencial do gasto público no Brasil, que seriam os
caminhos a serem seguidos para o fortalecimento do processo de descentralização do gasto, conforme
ocorrem em diversos países de economia desenvolvida, e principalmente de indicadores sociais muito
positivos, como podemos observar na tabela abaixo:
Fonte CLEMENTINO 2000 (p. 163)
Ao invés de um modelo pautado no controle social do gasto, o caminho brasileiro se organiza
em torno da hiper‐regulação normativa, multiplicação das autorizações prévias, regras uniformes, e
manutenção de princípio da autoridade na decisão do gasto. O modelo que se oporia a este é baseado
no princípio do controle por resultados, na utilização de mecanismos de controle combinados e
coordenados entre si, na qualidade do controle como um principio de orientação alocativa dos gastos, e
71
no controle social do gasto exercido pela cooperação e negociação. Segundo a autora, seria possível um
processo de descentralização do gasto público com um grande ganho de eficiência e superação das
limitações relacionadas à baixa capacidade administrativa das municipalidades.
A prevalência de formas combinadas de descentralização e controle do
gasto público minimizará paulatinamente os efeitos perversos da perda de
eficiência gerencial e da falta de capacidade institucional de prover os bens
sociais por parte das burocracias locais de baixa qualificação: normativos,
hiper‐reguladoras, multiplicadoras de autorizações prévias e autoritárias no
processo de decisão do gasto (CLEMENTINO 2000 p. 165).
Importante ressaltar que o controle social do gasto é uma questão que se pauta no exercício da
autonomia política e administrativa que possibilitam a criação de formas ainda pouco exploradas como
os Orçamentos Participativos, as unidades distritais com autonomia (como o projeto original das sub‐
prefeituras da cidade de São Paulo) entre outros. A consolidação de experiências de gestão alternativa é
um processo que já dura ao menos vinte anos e vêm acumulando experiências. No ano de 2004 haviam,
segundo Avritzer, 170 experiências de orçamento participativo em curso em gestões municipais pelo
país.
Para nós, inclusive pela proximidade com o município estudado, interessa citar o trabalho de
José Reinaldo Braga, que relata a experiência do Orçamento Participativo implantado na cidade de
Campinas, na gestão 2001/04. A primeira etapa foi a criação de dois níveis de organização, por temas e
por distritos; esta organização resultou na criação de comitês onde representantes elegidos de maneira
direta passavam integrar o Comitê de Orçamento Participativo. É importante frisar que apesar de não
possuir autonomia política, as decisões do COP ganhavam força de Lei a partir de um arranjo político
particular, que permitiu a consolidação dessa estrutura. A segunda etapa foi o congelamento dos gastos
de custeio com a finalidade de ampliar a capacidade de investimentos do município. Essa verba de
investimentos passou então a ser controlada pelo comitê.
A análise realizada por Braga nos permite comparar, através da distribuição espacial dos gastos,
tomando como unidade os distritos municipais, a oposição entre a racionalidade das despesas
administrados pelo COP, e as despesas do programa de saneamento realizado pela empresa de
saneamento do município, a SANASA (empresa de capital misto da qual a prefeitura possui 99% do
capital acionário). A gritante oposição entre a concentração de gastos nas áreas centrais e valorizadas
que caracteriza a atuação da SANASA e os gastos eminentemente sociais e infraestruturais realizados
pelo COP, nas regiões periféricas do município, permite destacar a potencialidade do controle social do
gasto, conforme proposto por CLEMETINO.
Em nossa análise da questão das despesas municipais de Morungaba, não será possível realizar
esta análise da distribuição espacial dos gastos dentro do território municipal, devido à dificuldade de
72
organizar estes dados. Nos propomos, ao invés dessa análise intra urbana, realisar uma análise intra
regional, nos moldes que fizemos anteriormente, quando do intuito de caracterizar o município. Assim
será possível nos aproximar da questão da capacidade do município de determinar sua participação
dentro de um processo de espacialização das atividades produtivas, também, ao comparar os gastos dos
diversos municípios que compõe a área de estudo, buscar uma referência para a análise dos gastos
efetuados pelo município de Morungaba.
Como já destacado no capitulo I, os gastos serão analisados primeiramente por sua natureza,
neste caso destacando os gastos de capital, aqueles que são referentes à expansão dos serviços públicos
e que são entendidos no contexto dessa pesquisa como um indicativo da capacidade de investimento
dos municípios. É uma discussão a respeito do que Milton Santos (2005) entende como a apropriação
dos capitais comuns, que diz respeito aos capitais produzidos pela totalidade da sociedade que se
colocam à disposição do processo produtivo. Dentro de um contexto que Santos denomina como a
guerra dos lugares, o uso que se faz desse capital social geral, do qual os capitais municipais são uma
parte, é um mecanismo de transferência dos custos das empresas à sociedade.
David Harvey, ao falar do momento da transição do administrativismo, que caracterizava a
governança urbana em um período anterior do capitalismo, rumo ao empreendedorismo que
caracteriza a fase atual, também está a discorrer sobre a transferência deste capital em direção às
grandes empresas, que fazem uso destas benfeitorias apropriando‐se desse esforço coletivo. Mas o
quadro não está completo sem a figura da concorrência inter urbana, ou a guerra de que nos fala Milton
Santos, que de fato amarra a todos os territórios dentro deste processos.
Este é um lado que podemos considerar perverso da descentralização política, uma vez que a
mesma autonomia que deveria prover soluções locais para problemas também locais é um modo de
atirar todos contra todos dentro de um modelo de desenvolvimento, o que André Fischer nomeia como
a política da cenoura, em alusão à tentativa de atrair o ‘asno’ do desenvolvimento. Assim, o que orienta
as políticas públicas, é a necessidade de incorporar ao território municipal vantagens comparativas,
buscando atrair as empresas.
Dentre as várias possibilidades do agir, conforme falamos, um agir técnico, normativo ou
simbólico, as políticas de atração das empresas atravessam estas três possibilidades. À questão do gasto
público também devemos buscar reconhecer este caráter. Ao nos utilizarmos da metodologia proposta
por Rezende, a intenção é de, primeiramente dentro do quadro regional, buscar dimensionar o esforço
da atuação dos governos municipais dentro deste processo de fomento às atividades econômicas.
Assim, através da porcentagem dos gastos econômico, social e mínimo, poderemos fazer algumas
constatações.
Primeiramente, ao analisar a participação do gasto mínimo sobre o total das despesas
municipais, é possível constatar o custo relativo de produção do que Rezende nomeia como bens
73
públicos puros, os que são de domínio exclusivo do estado e que não poderiam ser provisionados por
mecanismos de mercado. Dentro deste grupo de despesas estão os gastos com a administração e
planejamento, o legislativo, o judiciário e a defesa e segurança. Perceber o custo relativo de provisionar
estes bens públicos puros nos permite perceber o custo relativo da máquina municipal no total das
despesas municipais, dando, assim, elementos para o debate específico das pequenas municipalidades.
Como poderemos notar no mapa a seguir, a participação do Gasto Mínimo no total das despesas
municipais é significativamente maior em municípios como Santa Barbara do Oeste, Várzea Paulista e
Bragança Paulista, onde a rubrica administração e planejamento é a maior responsável por este elevado
percentual do gasto, e não nas menores municipalidades, como seria de se esperar.
O mais importante é, talvez, destacar o baixo percentual do gasto mínimo, nos municípios que
integram o grupo de baixo dinamismo econômico e alta participação do FPM na composição de suas
receitas. Quanto a este grupo, o que podemos observar é a alta participação dos gastos econômicos,
que demonstra o esforço por parte do governo municipal em promover atividades nas quais não
necessitaria se envolver. Para um entendimento deste fenômeno, buscando compreender que
característica da atividade econômica dos governos municipais ele aponta, nos debruçaremos sobre a
execução orçamentária do município de Morungaba, buscando uma compreensão qualitativa desse
fenômeno, que é, até aqui, apenas uma constatação estatística.
Antes, sigamos a observar o mapa proposto. A questão do gasto social aponta para uma maior
capacidade de transferência desse capital comum, diretamente a bens de caráter semi público, que
subsidiam o bem estar social, como educação e cultura, saúde e saneamento, assistência e previdência,
habitação e urbanismo. Diferentemente do Gasto Econômico, e de forma semelhante ao gasto mínimo,
podemos enxergar uma distribuição espacial heterogênea de ambas estas formas de gasto, que, de
maneira resumida, nos leva a entender que a tendência à minimização e à socialização (prevalência
deste tipo de gasto sobre os demais) não possuem uma relação direta com as características que
analisamos até aqui, não obedecendo às aglutinações espaciais que vimos quanto a outros fatores. À
esta característica do gasto público devemos buscar outras explicações, e provavelmente assumir que a
tendência à minimização ou à socialização, são características próprias à cada gestão municipal,
devendo variar de acordo com a orientação política de cada uma das gestões, que se define dentro do
pacto de poder que leva este ou aquele partido, este ou aquele representante ao poder. Essa variação
também colabora com a tese do exercício da autonomia, uma vez que a variabilidade das preferências
alocativas não obedece apenas ‘determinações’ como o tipo de município, ou sua capacidade de
arrecadação, de modo que as preferências alocativas, apesar de obedecerem algumas tendências, só
podem ser analisadas com coerência se o fizermos caso a caso.
74
75
A tendência ao intervencionismo econômico aparece claramente associado ao que Spósito
chama de áreas opacas, dentro do conjunto de municípios selecionados que compartilham, entre outras
características, uma baixa receita per capta, dependência do FPM, baixo PIB, e alta vulnerabilidade
social. Assim, parece ser possível perceber que a estes municípios, os esforço de ativação da economia,
além de custar mais caro, é menos eficiente, formando o que poderíamos identificar como um ciclo
econômico vicioso, e de consequência sociais severas. Ao observarmos a distribuição espacial dos gastos
econômicos de capital, que dizem respeito a uma análise do gasto por natureza, e não mais por função,
claramente veremos o que significam, do ponto de vista das empresas, as ditas áreas luminosas, que
assim o são a partir do ponto de vista dos agentes hegemônicos. Os gastos de capital, como já falamos,
dizem respeito aos esforços de ampliação dos serviços prestados pelos governos municipais e, ao
observarmos a distribuição destes investimentos, agora de forma absoluta, podemos reforçar a ideia
desse círculo vicioso, uma vez que a expansão das atividades e serviços dos governos municipais é um
atrativo às empresas. Numa simplificação, o que vemos neste quarto quadrante do mapa são as
cenouras de que nos fala André Fischer.
Por fim, observemos como essas tendências ou constatações se apresentam na exceção
orçamentária de Morungaba. Dos 85 milhões de reais que o município gastou durante a gestão 2005/08,
13% (R$ 11.790.608,00) foram despesas que classificamos como gasto econômico, 65% (R$
55.826.588,00) são despesas com gastos sociais, e por sua vez, 20% (R$ 17.567.944,00) foram despesas
com gastos mínimos. Tais gastos tiveram a seguinte distribuição ao longo da gestão 2005/08:
Fonte. Seade ‐ Organização: Joaquim Millan
Pelo gráfico, é possível perceber a diminuição do gasto econômico ao longo da gestão, bem
como a ampliação do gasto mínimo. Ao buscar as rubricas responsáveis por esta variação, é possível
constatar que, durante o anos fiscal de 2007, existe uma significativa elevação dos gastos com
0,00
5.000.000,00
10.000.000,00
15.000.000,00
20.000.000,00
25.000.000,00
2005 2006 2007 2008
Despesa Municipal
(Em reais de 2009)
Preferencias alocativas gestão 2005‐2008
Total Ge
Total Gs
Total Gm
76
administração e planejamento, ao mesmo tempo que uma sensível diminuição, dentro do grupo de
gastos econômico, da rubrica de transportes.
Essa análise, focada apenas nos gastos econômicos, permite constatar a elevada participação
dos gastos com transporte durante a gestão analisada. Dos R$ 11.790.608,00, gastos, R$ 7.381.307,00
ou 63%, foram gastos em despesas com transporte. Essa constatação nos levou a busca de informações
que explicassem este gasto excessivo. O primeiro passo, seguindo o caminho que traçamos até aqui, foi
comparar o gasto econômico per capta de Morungaba com os demais municípios da área estudada. Daí
resultou a constatação de que o município possui o maior gasto econômico per capta do grupo de 47
municípios, R$ 1.060,00 para o período de quatro anos. Seguindo a ideia do controle social do gasto, e
através dos mecanismos que as políticas de transparência impuseram às municipalidades, foi possível
levantar a origem de parte destes gastos. Assim, para o ano contábil de 2006, o município de
Morungaba registra contratos para a compra de combustível no valor R$ 719.086,89, bem como 17
contratos para a prestação de transporte escolar, todos com vigência de 6 meses ou menos, no valor
total de R$ 453.340,00. É importante lembrar que à época, o município possui 10.900 habitantes, e, em
2006, um total 2.589 alunos matriculados. As duas rubricas somam aproximadamente R$ 1.170.000,00,
ou 5 % do total da receita arrecadada. Para fins de referência, um município como Valinhos, com uma
população de 98.000 habitantes, gastou em transporte, no mesmo ano de 2006, a quantia total de R$
3.496.000,00.
Se observamos o gráfico das preferências alocativas para um grupo selecionado de municípios
contíguos à Morungaba, vemos, além da diferença na capacidade de gasto entre esse grupo proposto,
que captura um pouco da complexidade da área de estudo, a desproporcionalidade dos gastos
econômicos no município estudado.
Fonte. Seade ‐ Organização: Joaquim Millan
R$ 0,00
R$ 500,00
R$ 1.000,00
R$ 1.500,00
R$ 2.000,00
R$ 2.500,00
R$ 3.000,00
R$ 3.500,00
Preferencias alocativas 2005/08: Média anual por hab.
Total Ge
Total Gm
Total Gs
77
Observando essa questão das preferências alocativas, para um período mais extenso que o da
gestão 2005/08, percebemos que esse padrão de gasto antecede à gestão analisada, e parece se
transformar, como dissemos, entre os anos de 2007 e 2008:
Fonte. Seade ‐ Organização: Joaquim Millan
Não cabe a esta pesquisa ir além da constatação do que aparenta, dada a sua anormalidade,
ser um indício de mau aplicação do dinheiro público. Tampouco pouco caberia comparar os contratos
assinados pela prefeitura de Morungaba com os de outras municipalidades, pois não se trata de uma
investigação de cunho jornalístico ou policial, e sim de uma pesquisa que busca analisar a vida do ente
municipal. Na verdade, o que esse breve exercício se propõe é percorrer um caminho que siga os
preceitos levantados, ou seja, que permita uma aproximação da vida econômica e política do município.
Dando sequência à questão do gasto econômico veremos que os outros itens, no qual a
municipalidade empenhou seus gastos como forma de incentivar a atividade econômica, foram
prioritariamente as atividades econômicas urbanas (R$ 3.935.837,00) e, de forma secundária, os
incentivos à atividade agropecuária (R% 473.464,00).
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Morungaba ‐ Preferencias alocativas 2002/08
Total (Ge)
Total (Gs)
Total (Gm)
63%
33%
4%
Morungaba ‐ Gasto Econômico ‐ 05/08
Transporte
Indústria, Comércio e Serviços
Agricultura
Fonte. Seade ‐ Organização: Joaquim Millan
78
Conforme mencionamos, a gestão de 2005/08 tendeu, de forma clara, a um esforço pela
promoção da atividade econômica, embora a questão dos transportes, que participam de forma intensa
nesse percentual de gastos, talvez devesse ser entendida como uma anomalia. A gestão analisada, como
podemos perceber no segundo gráfico de distribuição temporal destes gastos, seguiu de certa forma
uma tendência que a antecedia, e aparentemente executou, ao longo do mandato, uma alteração desse
padrão de gasto, como é possível perceber pela tendência à minimização das despensas, devido ao
fortalecimento dos gastos com administração e redução dos gastos com transporte.
Fonte. Seade ‐ Organização: Joaquim Millan
A questão do gasto social nos permite perceber a quase supremacia dos gastos com educação e
saúde, que apesar de serem serviços para os quais o município recebe cotação orçamentária destinada a
estes gasto, como as transferências do FNS (Fundo Nacional da Saúde) e FUNDEB (Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação),
são funções que fazem parte das ditas competências concorrentes, que são obrigações das três esferas
governamentais. Em texto que debate o ônus dos gastos de competência das outras esferas de governo,
BREMEAKER (2002) ressalta o peso destes gastos sobre os orçamentos municipais. Em uma questão que
interessa particularmente ao caso de Morungaba, por tratar do transporte de estudantes, o autor
relembra que seria de responsabilidade de governos estaduais prover transportes ao alunos
matriculados em sua rede de ensino, porém não é difícil entender, como, através da pressão direta dos
munícipes, tais gastos recaem sobre o governo municipal. No caso de Morungaba, seriam 980 alunos a
menos a transportar, dos 2.589 alunos matriculados em 2006.
0
500.000
1.000.000
1.500.000
2.000.000
2.500.000
3.000.000
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
Despesa Municipal com Transporte
Despesa Municipal com Transporte ‐ Total de Despesas Municipais ‐Transporte (Em reais de 2010)
79
Fonte. Seade ‐ Organização: Joaquim Millan
Podemos perceber também a baixa capacidade de investir em questões essenciais, como
cultura, esporte, e lazer, que são bens que deveriam ser majoritariamente oferecidos pelo governo
municipal.
A autonomia municipal seria redefinida, juntamente com a redefinição da
alocação de recursos. A esse nível municipal deveria, por exemplo, caber
uma autonomia de gastos em tudo o que tivesse relação com a vida cultural
redefinida, para abranger todos os aspectos concernentes à realização de
uma vida decente e digna para todos, naquilo que dependa de soluções
essenciais, imediatas, inadiáveis, a serem reclamadas dos poderes locais.
Cultura, educação, saúde, moradia, transporte, atendimento às
necessidades elementares, lazer. Tais questões deveriam poder ser
resolvidas no nível estritamente local (SANTOS 2007 pg. 150).
A questão do gasto mínimo, por sua vez, demonstra o relativo baixo custo do legislativo, frente
às afirmações ideologizadas/ideologizantes como as de GOMES; MAC DOWAL, e também ao grande
peso dos custos de administração, que englobam as despesas com o executivo municipal; ademais, se
observarmos os contratos celebrados pelo município, na área de planejamento, constatamos custos
significativos para o período, com a contratação de empresas que prestam assessoria governamental e,
à época, trabalhavam na elaboração do plano diretor do município.
Fonte. Seade ‐ Organização: Joaquim Millan
47%
28%
16%
4%4% 1% 0%
Morungaba ‐ Gasto Social ‐ 05/08Educação
Saúde
Urbanismo
Assistência Social
Previdência Social
Cultura
Desporto e Lazer
83%
9%8%
Morungaba ‐ Gasto Mínimo ‐05/08
Administração
Legislativo
Encargos Especiais
80
O pano de fundo para a questão das despesas municipais é a discussão sobre as escalas de ação
do estado. SANTOS (2007) defende, de saída, que o entendimento da ação estatal, e também a sua
orientação, devem responder à duas escalas temporais, o curto e o longo prazo. O longo prazo seria
aquele dos chamados grandes desígnios, ou dos grandes projetos, da formulação de um projeto de
inserção na rede mundial de países, um projeto internacional, e o de definição de um projeto nacional,
para que sejam atingidos os ideais proclamados de liberdade, justiça e bem estar para a população, do
crescimento econômico adequado, da paz e do progresso social (p. 135). Não raro, tais projetos se
mostram conflitantes, e percebe‐se, ao longo de nossa história, a supremacia do projeto internacional,
que por vezes não mais é que um ‘projeto’ de sujeição às determinações econômicas globais, ou ainda,
nas palavras de Santos, do planejamento do subdesenvolvimento.
Deste antagonismos resulta um dialética que rege o chamado curto prazo, que é o que Santos
chama de adaptação cotidiana dessa tensão. Estas escalas temporais determinam por sua vez escalas
geográficas de ação, assim, as políticas de longo prazo competem aos governos federais e estaduais,
enquanto que as políticas de curto prazo são do escopo dos poderes locais. Como essa própria leitura já
permite constatar, a questão da autonomia municipal vai justamente se conformando com a função da
adaptação e não da determinação, às vezes atuando somente de forma reguladora. Ao governo
municipal cabe reger o local, que se confunde com o cotidiano, ou com uma visão de cotidiano.
Trata‐se de um equívoco. Há um cotidiano que se adapta à lógica
hegemônica dos propósitos do Estado e das grandes firmas. Mas este é o
cotidiano cego, preconceituoso, submisso à razão instrumental, pela qual a
individualidade murcha e a obediência se impõe como natural.
Há, porém, um outro cotidiano, aquele pelo qual o homem redescobre a
consciência e busca ampliá‐la. Este cotidiano não se defende apenas pela
letra de uma Constituição federal, mas igualmente (e mais frequentemente)
pelas regras da convivência no lugar mesmo em que se vive. Essa
consciência do homem, que faz dele um verdadeiro cidadão ou nele
alimenta a vontade de sê‐lo, também faz parte dos desígnios fundamentais
e do longo prazo, porque diz respeito à própria essência humana (SANTOS
2007 p. 136).
Nossa pesquisa se propõe justamente a conhecer e iluminar caminhos para a prática desse
outro cotidiano. A pesquisa das despesas municipais, e a discussão teórica sobre as formas de controle
social do gasto público, devem atuar como indicadores para esse cotidiano, enquanto reforço da prática
e da cidadania, e em suma, visando a ampliação dos horizontes dessa cidadania.
A questão das escalas de ação parece ser central quando observamos a diversidade de
municípios que compõe a rede de cidades estudadas e as sub regiões que à compõe, que não chegamos
a nomear, uma vez que, para tanto, seria preciso uma base mais extensa de dados e um olhar mais
disciplinado e voltado para o regional, o que não consta em nossa pesquisa, já que buscávamos a escala
81
municipal. Isto posto, e de modo a encerrar este debate sobre a questão da autonomia municipal, talvez
seja obrigatório mencionar alguns mecanismos de atuação destes governos, que devemos apontar
como relativamente recentes, e de grande potencialidade, como as questões das RIDE’s (Regiões
integradas de desenvolvimento) e principalmente a questão dos consórcios municipais.
Santos argumenta sobre a importância de uma escala regional de atuação do estado, para além
das instâncias meramente administrativas que hoje existem. Defende o direito dos cidadão à uma voz
regional, a criação de câmeras representativas para a regulação da vida regional, para que assim este
benefício se estenda para além das Regiões Metropolitanas. É importante aproveitarmos os 25 anos que
nos separam do texto citado para expormos as limitações que até hoje se fazem presentes, no que diz
respeito as RM’s, experiências que ainda não atingiram seu real potencial. Nabil Bonduki, em entrevista
de 2012, relata os diversos desafios que enfrentam as RM’s, principalmente na dificuldade de suplantar
a autonomia municipal para algumas questões específicas, a saber: cuidar do transporte coletivo, uso do
solo, meio ambiente, saneamento. São questões e serviços que funcionam como redes, obviamente
ultrapassando limites municipais. Bonduki é claro quanto a legitimidade do processo de
descentralização dos últimos 30 anos, mas aponta sérias questões no que diz respeito à delimitação
clara de competências dos entes federativos.
Nesse caso existe uma diferença entre a figura da RM e das entidades regionais propostas por
Santos, uma vez que as conurbações impõe uma outra delimitação de competências, exatamente pelas
questões levantadas por Bonduki. Porém, como vimos no caso de Morungaba, tão pouco são objetivos e
declarados os critérios de inserção dos municípios nas RM’s, o que torna a questão um tanto complexa,
inclusive para o aprofundamento jurídico da existência das RM’s uma vez que a nossa legislação
praticamente desconhece a figura da região metropolitana (BONDUKI).
Outra questão levantada por Bonduki, que exige aprofundar as ideias propostas por Santos, é a
de criação de assembléias pluripartidárias, que se mostram nas experiências de RM’s como a de São
Paulo, um constante desafio a ser superado. A proposição de um federalismo cooperativo, alicerçado
em relações horizontais, parece ser um caminho para a questão da pouca autonomia municipal.
Conforme mencionamos, as figuras das RIDE’s e dos consórcios aparecem como uma tentativa de
adequação das escalas de ação dos governos, porém, são uma exclusividade dos governos que possuem
iniciativa para se engajar na construção destes arranjos políticos.
82
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
A questão da análise da autonomia municipal, abordada insistentemente ao longo da pesquisa,
é o que nos permite qualificar e avaliar o exercício das gestões municipais. A questão da despesas
parece ser central, à medida que buscamos conhecer o funcionamento destas máquinas
administrativas. Todo o esforço feito até aqui, foi o que nos permitiu – não chegar a uma constatação
deveras especulativa sobre tal ou qual gestão deste ou daquele município –, e sim educar o olhar para
reconhecer as limitações e potencialidades do ente municipal. Encerramos esta pesquisa cientes de que
percorremos apenas uma pequena parte do estudo da questão da autonomia e, também, de que não
seguimos necessariamente por todos os caminhos que indicamos ao longo da estruturação do texto.
Grande parte das questões relativas ao exercício da autonomia política (como a Lei Orgânica Municipal),
e da capacidade normativa (Plano Diretor) do ente municipal, não foram exploradas, sendo preteridas
pelo exercício da autonomia financeira, embora sejam questões profundamente imbricadas.
Trabalhar com a questão do levantamento de dados e da prática cartográfica é, antes de tudo,
um exercício metodológico que julgamos como parte integrante, se não estruturante, da geografia. O
caminho feito, primeiro da observação e descrição, posteriormente da conceituação, e em seguida
dessa prática metodológica, foi o encontrado para o estudo das cidades como o problemas complexos
que são.
Observando a atuação do governo municipal de Morungaba, à luz de uma bibliografia que se
ocupa, de maneira competente, em descrever a atualidade das formas de relação entre o estado e o
grande capital, podemos entender alguns dos preceitos discutidos pelos autores. A ideia de alienação
dos territórios, conforme exposta por Cataia, ao explicar a maneira como os lugares, ao voltarem suas
políticas públicas à atração das empresas, terminam por se tornarem reféns das políticas destas; e a do
empreendedorismo municipal, de que nos fala Harvey, alicerçado na concorrência intermunicipal, ideia
esta que vem ao encontro da realidade estudada. A atuação do governo municipal aparenta estar cada
vez mais ligada ao fomento das atividades econômicas, em um projeto político de transferência do
capital social geral às empresas e grupos rentistas. Ao menos é o que indicam alguns dos dados
levantados.
O governo municipal, como pólo normativo que é, buscou valorizar seu território,
majoritariamente com o intuito de promover a atração de capitais industriais, através da criação de um
distrito industrial e, também, ao fomentar a atuação do mercado imobiliário através da elevação à
condição de instância turística, que beneficiaria a pequenos grupos rentistas e a ‘saúde’ fiscal da
municipalidade.
83
A questão das pequenas cidades aparece, por sua vez, como uma particularidade no que diz
respeito ao padrão de gastos públicos, que se revela a partir da constatação do alto esforço dos
municípios com menores populações e orçamentos em fomentar atividades econômicas. O auto índice
de participação dos gastos econômicos, justamente nas regiões de baixa densidade (populacional e
técnica), demonstra um caráter duplamente perverso, no que diz respeito à concorrência
intermunicipal, pois nestes casos, o esforço maior atinge resultados menores. Assim as pequenas
municipalidades reafirmam uma condição periférica geral, com exceção de Holambra, a única pequena
municipalidade de economia altamente produtiva, dentre os 15 municípios com menos de 20.000
habitantes da área de estudo.
Com relação à caracterização geral da área de estudo, aparece, de maneira clara, dentro da
estratégia locacional das empresas mais modernas, a importância da questão da influência das
concentrações populacionais, e da questão infraestrutural do transporte. As áreas concentradas que se
desenvolvem a partir da infraestrutura de transporte, na forma de eixos de desenvolvimento, terminam
por exercer o que PIRES (2006 p. 49) coloca como uma polarização territorial. Assim, as médias cidades
se desenvolvem no entorno das já consagradas metrópoles regionais de Jundiaí e Campinas, e o
dinamismo do desenvolvimento desse entorno acaba por ratificar a importância da concentração
técnica e populacional dos município polares da região. Dessa forma, a rede urbana de cidades médias
se desenvolve de forma complementar a estes centros históricos do desenvolvimento da região.
O ritmo lento com que o território de Morungaba se transforma reforça sua condição
periférica, apesar da proximidade do eixo de desenvolvimento altamente dinâmico que descrevemos, e
de estar sob o raio de contato direto com as duas principais cidades do estado, na região mais rica do
país. O município se insere nessa rede urbana, provavelmente como uma reserva de valor imobiliário,
lócus das atividade industriais menos modernas, e um possível fornecedor de bens alimentícios, embora
de pequena expressão. Ao nos remetermos a ideia do acontecer na municipalidade, seria possível falar
em um acontecer homólogo ao conjunto de cidades, no que diz respeito ao desenvolvimento destas
duas atividades, que assim se desenvolveriam como horizontalidades. Entendemos a atividade turística
muito mais relacionada às atividades do mercado imobiliário que ao desenvolvimento de uma rede de
serviços que possibilitaria alguma transformação social, como é possível observar pela preponderância
do que chamamos de turismo de passagem e de turismo de segunda residência. Dessa forma, não existe
uma rede hoteleira ou de prestação de serviços a esses turistas. O turismo poderia ser visto, neste caso,
como uma verticalidade, onde os capitais imobiliários apenas se valorizam, numa prática que
desestruturaria coesões horizontais.
A atuação do governo municipal, aparentemente não propõe uma alternativa a essa situação.
Parece claro não haver iniciativa significativa que busque romper com esta condição, e prevalece, até
onde foi possível observar, o cotidiano cego e submisso de que nos falou Santos (2007). Ao atuar de
modo a privilegiar apenas alguns setores da economia urbana, o governo municipal desvela seu
84
conteúdo classista, pois atua majoritariamente em benefício de alguns, os que detêm a terra e os meios
de produção.
Quanto as limitações do que foi possível observar, é importante frisar que, apesar da
familiaridade com o município, a pesquisa foi desenvolvida de forma remota, através das informações
disponibilizadas pelo governo municipal e por órgãos como a Fundação Seade e o IBGE. Dessa forma,
diversos pontos que poderiam ser tratados com muito mais qualidade, através de práticas de campo, do
contato direto com a população, e com os gestores, não puderam ser desenvolvidos da maneira
desejada.
Ao longo da prospecção em busca de iniciativas do governo municipal nos deparamos com
algumas que talvez devessem ser mencionadas. Entre elas devemos destacar a parceria com a
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Sobre esta parceria podemos falar de dois momentos,
ambos anteriores à gestão na qual nos focamos. Durante a gestão 2001/04, da prefeita Maria Cecília
Pretti Rossi (PSDB), foram estabelecidos duas parcerias com a universidade, ambas descontinuadas pela
gestão Luvaldo André Flaibam (PV). O primeiro item da parceria foi a acessória técnica da universidade
para a elaboração do plano diretor, que não foi executado, sendo apenas publicado no ano de 2006. A
segunda parceria, que acredito deva ser mencionada, por seu caráter inovador, era para a implantação
da infovia municipal, que seria uma maneira de democratizar o acesso da internet a todos os munícipes,
de maneira subvencionada, em uma iniciativa em associação com a iniciativa privada e a universidade.
Tal parceria também foi descontinuada após a troca de governos.
A escala utilizada nos beneficiou não pelo que obscurece, e sim, evidentemente, pelo que torna
visível. Acreditamos ter percorrido, no que diz respeito a este estudo do município de Morungaba, uma
trajetória alicerçada nos conceitos de escala, espaço, e território, assim nos aproximando de um espaço
habitado e banal, das relações cotidianas, e por fim do exercício da cidadania. A questão municipal foi
vista através do levantamento das atribuições desse ente federativo e, também, quando possível, das
áreas cinzentas das relações federativas brasileiras, onde por vezes a falta de definições mais explícitas
faz com que as responsabilidades sejam ‘transferidas’ entre os entes da federação, criando
desequilíbrios entre competências e capacidades.
Ao falarmos de cidadania estamos claramente o fazendo de forma incompleta, mas o que se
buscou foi destacar as limitações e potencialidades da relação entre governos municipais e munícipes.
Ao destacar a questão das pequenas cidades tentou‐se, em última instância, observar o que Santos
denomina como uma seletividade espacial da cidadania, onde este exercício, uma vez que a cidadania,
para além de um direito, deve necessariamente ser vista pelo viés da prática, e por conseguinte está
limitada pela localização do indivíduo no espaço. Onde o acesso aos bens de sobrevivência e os que
extrapolam este sentido limitado da existência, como a informação, a cultura e educação, estão, por sua
vez, limitados pela localização dentro de um arranjo social e espacial altamente segmentado. Assim,
morar na periferia é condenar‐se duas vezes à pobreza (SANTOS 2007 p. 143) pois a dificuldade de
85
acesso aumenta de forma diretamente proporcional as limitações dessa inserção, uma vez que o
aumento das distâncias dificulta ainda mais o acesso a bens que já eram inacessíveis. Quanto às
pequenas cidades, dentro dessa rede urbana altamente dinâmica, parece importante retomar a ideia da
criação de sucessivas centralidades e periferias, de que nos fala Damiani, pois são assim, como
periferias, que estas se inserem nessa rede urbana.
À superação dessa situação de precariedade Santos atribui a necessidade de um discurso e,
consequentemente, de uma prática territorial competente, e nós buscamos, ao observar a análise de
uma gestão municipal, reconhecer quais seriam as limitações e potencialidades do ente municipal frente
a essa necessidade. Foi nesse sentido que lançamos mão de descrições um tanto minuciosas, chamando
atenção para a limitação de atuação dos governos municipais dos espaços e territórios periféricos em
comparação aos de supremacia da racionalidade hegemônica, dos atores hegemônicos que nos fala
Santos (embora mesmo esses territórios sejam apenas parcialmente inseridos nessa lógica). Deste
modo, a área de estudo possibilitou observar um conjunto complexo de municípios, onde esses espaços
da racionalidade e do fazer dos agentes hegemônicos e das corporações internacionais, em suma, da
realização da multiplicação ampliada do grande capital, estavam lado a lado com os espaços da exclusão
e das precariedades. Tal fato poderia e deveria ser observado em diversas escalas, e acreditamos que,
de certa forma, também conseguimos jogar luz, para além da ‘diversidade’ ou desigualdade
intrarregional, e também na direção das desigualdades intraurbanas.
Quando Santos fala desse discurso territorial competente, o faz de maneira propositiva,
destacando a possibilidade de aplicação desse capital comum, administrado pelo estado, na criação,
ampliação e distribuição geográfica desses fixos territoriais públicos, ou sociais, responsáveis pela
garantia aos direitos básicos e ao desenvolvimento da cidadania, principalmente por uma prática
educacional de orientação humanística, pela ‘criação’ do morador‐cidadão em oposição ao proprietário
consumidor.
A isso buscamos acrescentar a ideia da potencialidade do lugar enquanto o espaço do encontro
e da realização da vida, e portanto, o âmbito possível de resistência aos processos de sujeição aos quais
somos submetidos. A ideia de controle social do gasto público e das formas de autonomia
administrativas citadas buscam destacar a potencialidade da municipalidade e do Lugar. A alocação de
recursos, quando coordenada pelos cidadãos, organizados e envolvidos na vida política, acaba, por
vezes, possibilitando que o ente municipal veja o município como um todo, e assim o faça evoluir de
maneira socializante e inclusiva. Por fim, buscamos expor como a questão da descentralização do gasto
público poderia, através de uma visão pluralista como a apresentada, ser um propulsor desse progresso
necessário, caminhando na direção de uma sociedade, como nos fala SANTOS, onde o homem é o
sujeito, e não o objeto. (2007 P. 102).
86
BIBLIOGRAFIA:
ALFREDO, Anselmo: A CONSTITUIÇÃO DO ESPAÇO URBANO DE SÃO PAULO (BRASIL) ASPECTOS SOBRE A
PROBLEMÁTICA INDÍGENA NA RELAÇÃO CONTRADITÓRIA CIDADE CAMPO. Geousp nº 13 (2003).
Disponível em:
http://www.geografia.fflch.usp.br/publicacoes/Geousp/Geousp13/Geousp13_Anselmo_Alfredo.htm
ANDRADE, Manuel Correia de: PODER POLITICO E PRODUÇÃO DO ESPAÇO. Recife: Fundação Joaquim
Nabuco – Editora Massagana, 1984.
ANDRADE, Reinaldo Santos: PACTO FEDERATIVO BRASILEIRO: MESORREGIÕES, RIDES E CONSÓRCIOS
PÚBLICOS. Vol. XIV, núm. 331 (17), 1 de agosto de 2010
ANTAS Jr., Ricardo Mendes: ELEMENTOS PARA UMA DISCUSSÃO EPISTEMOLÓGICA SOBRE A
REGULAÇÃO NO TERRITÓRIO”. GEOUSP ‐ Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 16, 2004
ARANTES, Otacilia Beatriz Fiori: UMA ESTRATÉGIA FATAL. In: A CIDADE DO PENSAMENTO ÚNICO:
DESMANCHANDO CONSENSOS. Editora Vozes, Petrópolis 2002.
ARROYO, María Mónica: DINÂMICA TERRITORIAL, CIRCULAÇÃO E CIDADES MÉDIAS. In: SOBARZO, Oscar,
SPOSITO, Eliseu Savério & SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão (organizadores). CIDADES MÉDIAS:
PRODUÇÃO DO ESPAÇO. São Paulo: Expressão Popular, 2006.
AVRITZER, Leonardo. EXPERIÊNCIAS NACIONAIS DE PARTICIPAÇÃO SOCIAL. São Paulo – Editora Cortez –
2009
BONDUKI, Nabil. Entrevista. (em) Revista nº 10 SOLUÇÕES PARA AS METRÓPOLES. São Paulo ‐ 2012
BRAGA, José Reinaldo. CAMPINAS ENTRE O FEITO FETICHIZADO E O FAZER COLETIVO NA DEFINIÇÃO DOS
INVESTIMENTOS PÚBLICOS: LIMITES E POSSIBILIDADES ‐ Artigo encaminhado aos Anais do XI Encontro
Nacional de Economia Política. 2006.
BRAGA, Rhalf Magalhães. O ESPAÇO GEOGRÁFICO: UM ESFORÇO DE DEFINIÇÃO ‐ Geousp ‐ Espaço e
Tempo, São Paulo, Nº 22, 2007
BREMAEKER, François E. J. de. PACTO FEDERATIVO COM JUSTIÇA SOCIAL. Séries Estudos Especiais nº38.
Rio de Janeiro – 2002
BRUNHES, Jean. GEOGRAFIA HUMANA. Editora Fundo de Cultura, Rio de Janeiro ‐ 1972
CLEMENTINO, Maria do Livramento M. FINANÇAS PÚBLICAS NO NÍVEL LOCAL DE GOVERNO. Cadernos
Metrópole – n. 4 ‐ São Paulo ‐ 2000
CARNEIRO, José Mario Brasiliense & TEIXEIRA, Marco Antonio Carvalho. OS PASSOS LENTOS E FIRMES
DA DESCENTRALIZAÇÃO: QUARENTA ANOS DE POLÍTICA LOCAL (1969 – 2009) Disponível em
www.oficinamunicipal.org.br/arquivos/Artigo%20Politica%20Local.pdf
CARVALHO, Antonio Alfredo Teles de & MEDIROS, Dhiego Antonio de: A PROPÓSITO DA “REVANCHE”
DAS CIDADES DE PEQUENO PORTE NA GEOGRAFIA URBANA BRASILEIRA – NOTAS PRELIMINARES.
87
Pesquisa em desenvolvimento no Núcleo de Estudos Josué de Castro do Departamento de Geografia da
Universidade Estadual de Alagoas – UNEAL (Campus I – Arapiraca). Disponível em:
http://www.dge.uem.br/semana/eixo1/trabalho_51.pdf
CATAIA, M. TERRITÓRIO NACIONAL E FRONTEIRAS INTERNAS. A FRAGMENTAÇÃO DO TERRITÓRIO
BRASILEIRO, tese de doutorado apresentado à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,
Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP), 2001.
CATAIA, M. A alienação dos territórios frente aos processos da globalização econômica. Mimeo, 2003.
CATAIA, M. A RELEVÂNCIA DAS FRONTEIRAS NO PERÍODO ATUAL: UNIFICAÇÃO TÉCNICA E
COMPARTIMENTAÇÃO POLÍTICA DOS TERRITÓRIOS. Scripta Nova. Universidad de Barcelona. Vol. XI,
núm. 245 (21), 1 de agosto de 2007
CASTRO, Iná Elias de. (1997) SOLIDARIEDADE TERRITORIAL E REPRESENTAÇÃO. NOVAS QUESTÕES
PARA O PACTO FEDERATIVO NACIONAL. Território, Rio de Janeiro, v.1, n.2, p33‐42, jan./jun., Relume ‐
Dumará, 1997.
CORRÊA, Roberto Lobato: GLOBALlZAÇÃO E REESTRUTURAÇÃO DA REDE URBANA: UMA NOTA SOBRE AS
PEQUENAS CIDADES . Revista TERRITÓRIO, ano IV, nº 6, jan./jun. 1999. Disponível em:
www.revistaterritorio.com.br/pdf/06_5_correa.pdf
CORRALO, Giovani. AUTONOMIA MUNICIPAL COMO UM DIREITO FUNDAMENTAL NA CONSTITUIÇÃO
BRASILEIRA. Tese de doutorado apresentada à Universidade Federal do Paraná – UFPR. CURITIBA, 2006.
DAMIANI, Amélia Luisa: CIDADES MÉDIAS E PEQUENAS NO PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO.
APONTAMENTOS BIBLIOGRÁFICOS. In: América Latina: Cidade, campo e turismo. CLACSO. 2006
DINIZ, Clélio Campolina & CROCCO, Marco Aurélio. REESTRUTURAÇÃO ECONÔMICA E IMPACTO
REGIONAL: O NOVO MAPA DA INDÚSTRIA BRASILEIRA. Nova Economia,Belo Horizonte ‐ v. 6 ‐ n. 1 ‐ jul.
1996.
GEORGE, Pierre: OS MÉTODOS DE GEOGRAFIA. São Paulo. Difusão européia do livro. 1972.
HARVEY, David. A PRODUÇÃO CAPITALISTA DO ESPAÇO. São Paulo: annablume, 2006.
HOLANDA, Virginia Célia Cavalcante de . URBANIZAÇÃO BRASILEIRA: UM OLHAR PELOS INTERSTÍCIOS
DAS CONFIGURAÇÕES ESPACIAIS SELETIVAS. Texto disponível em:
Http://www.fundacaosintaf.org.br/arquivos/File/ARTIGOS/ARTIGO%20DE%20vIRGNIA.pdf
KOSIC, Karel: DIALÉTICA DO CONCRETO. Rio de Janeiro, PAZ E TERRA, 1969.
LENCIONI, Sandra: UMA NOVA DETERMINAÇÃO DO URBANO: O DESENVOLVIMENTO DO PROCESSO DE
METROPOLIZAÇÃO DO ESPAÇO. In: Dilemas Urbanos: novas abordagens sobre a cidade. Editora
CONTEXTO.
LENCIONI, Sandra. REESTRUTURAÇÃO URBANO‐INDUSTRIAL NO ESTADO DE SÃO PAULO: A REGIÃO DA
METRÓPOLE DESCONCETRADA. In: SOUSA M. A. A. et al (orgs.) Território – Globalização e
Fragmentação, São Paulo: Hucitec/Anpur ‐ 1996
LEPETIT, Bernard. POR UMA NOVA HISTÓRIA URBANA. São Paulo, Edusp ‐ 1996
88
LIMONAD, Ester. URBANIZAÇÃO DISPERSA MAIS UMA FORMA DE EXPRESSÃO URBANA? Revista
Formação, nº14 volume 1 – 2006. Disponível em
http://www4.fct.unesp.br/pos/geo/revista/artigos/Limonad.pdf
Lúkacs, G. PROLOGÓMENOS A UNA ESTÉTICA MARXISTA (SOBRE LA CATEGORIA DE LA
PARTICULARIDAD), Ed. Grijalbo, Barcelona, 1969.
MELO, N. A. REDE URBANA E PEQUENAS CIDADES: SEUS LIMITES E POSSIBILIDADES NO SUDESTE
GOIANO.Projeto de pesquisa, Uberlândia, 2005. Mimeo
MELO, Ismail Barra Nova de. ESPAÇO MUNICIPAL : GOVERNO E ORÇAMENTO PARTICIPATIVO. – Rio Claro
2003.
MERLEAU‐PONTY, M. LE VISIB/E ET L'INVLSLBLE. Galimard, Paris, 1964
MIGLIORANZA, Eliana. CONDOMÍNIOS FECHADOS: LOCALIZAÇÕES DE PENDULARIDADE: UM ESTUDO DE
CASO NO MUNICÍPIO DE VALINHOS, SP. Dissertação de Mestrado em Demografia apresentada ao
Departamento de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de
Campinas – 2005
MIRANDA, Elflay. DESCENTRALIZAÇÃO, FEDERALISMO E PACTO FEDERATIVO: NOTAS SOBRE O CASO
BRASILEIRO. In: Revista Cesumar ‐ Ciências Humanas e Sociais Aplicadas v. 14, n. 2, jul./dez. 2009, p.
377‐390.
MIRANDA, Zoraide Amarante Itapura de. A GESTÃO AMBIENTAL MUNICIPAL E O ‘DESENVOLVIMENTO
SÓCIO‐ESPACIAL SUSTENTÁVEL’ – A EXPERIÊNCIA DE CAMPINAS. ‐ Artigo elaborado com base no projeto
de pesquisa apresentado por essa pesquisadora ao Instituto de Economia ‐ IE/UNICAMP. 1999
MOLINA ,Silvia & PEREIRA, Elisa Carlos. A TERRITORIALIDADE NO CIRCUITO DAS FRUTAS: O CONCEITO DE
TERRITORIALIDADE COMO FERRAMENTA PARA IMPLEMENTAR AS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO
ECONÔMICO DO CIRCUITO DAS FRUTAS. Instituto de Estudos Agrários e Combate à Pobreza – INAGRO.
Publicação digital, disponível em
http://www.inagrodf.com.br/revista/index.php/SDR/article/viewFile/32/33
MONBEIG, Pierre. NOVOS ESTUDOS DE GEOGRAFIA HUMANA BRASILEIRA. Difusão européia do livro –
São Paulo – 1957
MORAES, Antonio Carlos: IDEOLOGIAS GEOGRÁFICAS: ESPAÇO , CULTURA E POLÍTICA NO BRASIL. Hucitec
MORAES, Antonio Carlos Robert & COSTA, Wanderley Messias da: GEOGRAFIA CRÍTICA: A
VALORIZAÇÃO DO ESPAÇO. São Paulo. EDITORA HUCITEC, 1993.
MOTOYAMA, Shozo. TECNOLOGIA E INDUSTRIA NO BRASIL. São Paulo, Editora Unesp – 1994.
NAVARRA, Wanda Silveira: USO DA TERRA EM ITATIBA E MORUNGABA. PERMANÊNCIA E MUDANÇA NA
ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO AGRÁRIO (1956‐1966). São Paulo : Inst. de Geografia/USP 1977
OJIMA, Ricardo. DIMENSÕES DA URBANIZAÇÃO DISPERSA E PROPOSTA METODOLÓGICA PARA ESTUDOS
COMPARATIVOS. Revista Brasileira de Estudos de População. Dez. 2007. Vol.: 24 n.2
PIRES, Elson Luciano Silva. MUTAÇÕES ECONÔMICAS E DINÂMICAS TERRITORIAIS LOCAIS:
DELINEAMENTO PRELIMINAR DOS ASPECTOS CONCEITUAIS E MORFOLÓGICOS. In
89
PRADO Jr, Caio. A EVOLUÇÃO POLÍTICA DO BRASIL. Brasiliense, São Paulo ‐ 1969
REBELLO, Adriano Muniz. PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO MUNICIPAL: LIMITES LEGAIS DE ATUAÇÃO.
2005, 14f. Trabalho individual (Administração estratégica de políticas publicas e projetos urbanos) –
Programa de Pós‐graduação m Gestão Urbana, Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Londrina.
Disponível em :
http://www.universia.com.br/materia/img/ilustra/2005/ago/artigos/planejamentomunicipal.doc
REZENDE, Flávio da Cunha: DESCENTRALIZAÇÃO, GASTOS PÚBLICOS E PREFERÊNCIAS ALOCATIVAS DOS
GOVERNOS LOCAIS NO BRASIL (1980‐1994). Dados vol. 40 no. 3 ‐ Rio de Janeiro 1997. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011‐52581997000300005
RODRIGUES, Maria Lúcia Estrada: PRODUÇÃO DO ESPAÇO E EXPANSÃO INDUSTRIAL. São Paulo:
Edições Loyola, 1983.
SANTOS, Milton. POR UMA GEOGRAFIA NOVA: DA CRÍTICA DA GEOGRAFIA A UMA GEOGRAFIA CRÍTICA.
São Paulo: Edusp. 2002.
SANTOS, Milton. POR UMA OUTRA GLOBALIZAÇÃO. Rio de Janeiro: Record, 2000.
SANTOS, Milton. O RETORNO DO TERRITÓRIO. In: DEBATES: TERRITÓRIOS Y MOVIMENTOS SOCIALES.
OSAL253 ‐ [AÑO VI Nº 16 E N E RO –ABRIL ‐ 2005]
SANTOS, Milton. O ESPAÇO DO CIDADÃO. São Paulo: Edusp, 2007
SANTOS, Milton. DA TOTALIDADE AO LUGAR. São Paulo: Edusp, 2008
SANTOS, Milton. A NATUREZA DO ESPAÇO. São Paulo: Edusp, 2009a
SANTOS, Milton. POR UMA ECONOMIA POLITICA DA CIDADE. São Paulo: Edusp, 2009b
SANTOS, Milton & SILVEIRA, Maria Laura. O BRASIL, TERRITÓRIO E SOCIEDADE NO INÍCIO DO SÉCULO
XXI. Rio de Janeiro: RECORD, 2001.
SILVA, Armando Corrêa Da. O ESPAÇO FORA DO LUGAR. São Paulo: HUCITEC. 1978.
SILVA, Armando Corrêa Da. DE QUEM É O PEDAÇO? ESPAÇO E CULTURA. São Paulo: HUCITEC 1986
SILVA, Silvana Cristina da Silva. O CIRCUITO INFERIOR COMO ELEMENTO DE INTEGRAÇÃO DOS
TERRITÓRIOS: O CASO DOS TRABALHADORES BOLIVIANOS NO BRASIL Disponível em
http://www.nilsonfraga.com.br/anais/SILVA_Silvana_Cristina_da.pdf
SOBARZO, Oscar, SPOSITO, Eliseu Savério & SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão (organizadores).
CIDADES MÉDIAS: PRODUÇÃO DO ESPAÇO. São Paulo: Expressão Popular, 2006.
SOUZA, Maria Adélia Aparecida de, DEBATES: TERRITÓRIOS Y MOVIMENTOS SOCIALES. OSAL253 ‐ [AÑO
VI Nº 16 E N E RO –ABRIL ‐ 2005]
90
SPÓSITO, Maria Encarnação Beltrão. NOVAS FORMAS DE PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO NO ESTADO
DE SÃO PAULO. In REIS, N.G.; TANAKA, M.S. (org.) Brasil, estudos sobre a dispersão urbana. São Paulo ‐
FAUUSP/FAPESP, 2007,p. 7‐28.
TRISTÃO, José Américo Martelli. A ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA DOS MUNICÍPIOS BRASILEIROS. UMA
AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO DA ARRECADAÇÃO. 2003. Tese de doutoramento FGV