Um Itinerário do Pensamento de edgar morin

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Um Itinerrio do Pensamento de Edgar MorinMaria da Conceio de Almeidaano 2 - n 18 - 2004 - 1679-0316

UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS UNISINOS Reitor Aloysio Bohnen, SJ Vice-reitor Marcelo Fernandes de Aquino, SJ

Instituto Humanitas Unisinos Coordenador Incio Neutzling, SJ

Cadernos IHU Idias Ano 2 N 18 2004 ISSN 1679-0316 Editor Incio Neutzling, SJ Conselho editorial Drnis Corbellini Laurcio Neumann Rosa Maria Serra Bavaresco Vera Regina Schmitz Responsvel tcnica Rosa Maria Serra Bavaresco Editorao eletrnica Rafael Tarcsio Forneck Reviso Lngua Portuguesa Mardil Friedrich Fabre Reviso digital Rejane Machado da Silva de Bastos Impresso Impressos PortoUniversidade do Vale do Rio dos Sinos Instituto Humanitas Unisinos Av. Unisinos, 950, 93022-000 So Leopoldo RS Brasil Tel.: 51.5908223 Fax: 51.5908467 [email protected] www.ihu.unisinos.br

UM ITINERRIO DO PENSAMENTO DE EDGAR MORIN1Maria da Conceio de Almeida2

Estudos sobre O Mtodo de Edgar Morin. Parabenizo os organizadores desse evento professores Jos Roque Jungues e Incio Neutzling pela iniciativa de oportunizar o debate sobre as idias de um dos expoentes mais expressivos do pensamento mundial contemporneo. Um intelectual que quer, deseja e provoca, sem trgua, o reencontro entre cincia e humanismo, entre a cultura cientfica e a cultura humanstica. Um intelectual cujas idias representam uma sntese aberta, mas, ao mesmo tempo radical, a respeito do papel social e tico do conhecimento diante da agonia planetria deste incio de sculo. Como Ren Descartes, Edgar Morin pode ser considerado um divisor de guas na histria do conhecimento. Se o Discurso sobre o Mtodo de Descartes inaugurou, no sculo XVII, a chamada cincia moderna, O Mtodo de Edgar Morin comea a construir uma cincia da complexidade. Portanto, oferecer um espao de discusso sobre idias, ao mesmo tempo inovadoras e instigantes, no se constitui um artifcio de requinte intelectual para um punhado de iluminados. Denota, mais propriamente, a sintonia com a incerteza e a perplexidade em que vivemos hoje, no s no domnio do conhecimento cientfico, mas tambm no espao do cotidiano de nossas vidas. Para Edgar Morin, o debate sobre o conhecimento no poderia constituir um domnio privilegiado para pensadores privilegiados, uma competncia de experts, um luxo especulativo para filsofos, mas uma tarefa histrica para cada um e para todos. A epistemologia complexa de-

UNISINOS pelo convite para proferir esta palestra no Ciclo de

Minhas primeiras palavras so de agradecimento

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Palestra no Ciclo de Estudos sobre O mtodo de Edgar Morin, promovido pelo Instituto Humanitas UNISINOS. So Leopoldo, RS, 14 de abril de 2004. Antroploga. Doutora em Cincias Sociais pela PUCSP. Professora dos Programas de Ps-Graduao em Educao e em Cincias Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Coordenadora do Grupo de Estudos da Complexidade GRECOM/UFRN. Membro da Associao para o Pensamento Complexo, dirigida por Edgar Morin (Paris). e-mail: [email protected]

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veria instalar-se, seno nas ruas, ao menos nas mentes, mas isso exige, sem dvida, uma revoluo mental3. Por pensar como Morin, me solidarizo com os organizadores deste evento que se estende at novembro de 2004. Em segundo lugar, manifesto meu desatino em ter aceitado falar sobre o tema de hoje. Mesmo tendo sido informada pelo professor Jos Roque sobre o assunto de que deveria tratar, somente quando tive em mos o flder de divulgao do evento, pude aquilatar o desatino que cometi e o risco que assumi. Reconstruir o itinerrio do pensamento de Morin uma tarefa quase impossvel. Por isso, refiz logo o ttulo da palestra substituindo o itinerrio por um itinerrio. Mesmo assim, sei que, certamente, muitos dos palestrantes deste Ciclo poderiam, melhor do que eu, circunscrever a cosmologia das idias de Morin. Mas j que assumi uma misso maior do que eu, procurarei dar conta do recado da melhor maneira que posso. Essa ressalva no um artifcio de retrica. uma maneira de afirmar uma das convices do pensamento complexo: a incompletude, o inacabamento e a parcialidade de todo conhecimento, isto , tudo o que dito, dito por um sujeito-observador que compreende o mundo do lugar que ele ocupa, da maneira como ele percebe, das informaes que ele julga pertinentes. Por isso, mesmo que todos tenhamos acesso s mesmas informaes, cada um de ns as organiza conforme alguns modelos de pensar e viver, como ressaltam Humberto Maturana, Boris Cyrulnik e Edgar Morin. Para Morin, esse fato decorre justamente da natureza subjetiva do conhecimento. Disso resulta que so muitas as maneiras de traar um itinerrio das idias de um autor, e nenhuma delas corresponde exatamente ao fluxo e dinmica das idias daquele autor (embora alguns itinerrios possam ser mais complexos do que outros). Em sntese, estamos, ainda e sempre, no domnio das interpretaes, como assinala Umberto Eco. por isso que Michel Foucault pergunta sobre como construir a unidade de uma obra, e que Octavio Paz diz que nenhuma obra contm o autor por inteiro. O fsico dinamarqus Niels Bohr, um dos criadores da fsica quntica, apresenta um argumento-sntese importante a respeito da relao entre o sujeito e o fenmeno do qual trata. Diz Bohr que no possvel afirmar isto assim, sendo mais correto afirmar isso que posso dizer sobre tal coisa ou fenmeno. Atenta ao argumento de Bohr, organizei em trs cenrios as informaes que permitem compreender os caminhos incertos das idias de Morin. Comeo por apresentar, de uma perspectiva telescpica (portanto ampla, mas difusa), a construo mestia desse homem.3MORIN, Edgar. O Mtodo 3. O conhecimento do conhecimento. Traduzido por Juremir Machado da Silva. Porto Alegre: Sulina, 1999. p. 38.

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Nascido a 8 de julho de 1921, filho do Sr. Vidal Nahoum e de Luna Beressi, Edgar Morin tem dificuldade de se definir por uma rea especfica do conhecimento. Pudera! Essa dificuldade est marcada j na sua nascena e emerge na infncia, quando o pequeno Edgar precisa dizer qual a sua origem e, mais precisamente, de onde viera seu pai Da Salnica. Ento grego? perguntavam. No, porque Salnica era turca, quando ele nasceu Ento turco? No, ele era de origem espanhola... Ento espanhol? No... tentava explicar. Essa ausncia de origem unitria o acompanha at hoje e se constitui numa experincia que facilita sua atitude transdisciplinar. Nos meios de comunicao de massa, tanto quanto nas vrias instituies por onde passa, referido, ora como socilogo, ora como filsofo, ora como antroplogo. possvel atribuir um pertencimento particular e unitrio a Edgar Morin? Certamente no. Licenciado em Histria, Geografia e Direito, ele mais propriamente, como por vezes anuncia, um contrabandista de saberes, um arteso sem patente registrada, porque transita livremente por entre as arbitrrias divises, entre as cincias da vida, do mundo fsico e do homem. Quer rejuntar o que o pensamento fragmentado da super-especializao disciplinar fraturou. movido por vrios demnios, como confessa no livro Meus Demnios, no qual expe as circunstncias sociais, familiares e polticas que delinearam seu caminho intelectual. Uma mesma obsesso, um mesmo apelo intelectual, uma mesma razo apaixonada move E. Morin: a reforma do pensamento. Alertando para o perigo das generalizaes, e no caminho de Adorno e Gdel, reafirma que a totalidade a no-verdade e que a complexidade movida pela dinmica da incompletude. Sem abrir mo da disciplina intelectual e do rigor, Edgar Morin tem por hiptese a tragdia do inacabamento da cultura, do sujeito, das idias, do conhecimento. Da porque as verdades absolutas e as explicaes finalistas so vigorosamente questionadas e discutidas na magnitude de uma obra aberta, que abarca desde uma reflexo matricial acerca do mtodo at ttulos considerados, como Sociologia, Antropologia, Poltica, Educao, escritos de conjuntura, livros scioautobiogrficos, romances, cinema e imaginrio, cultura de massa. Como o legendrio deus Ssifo, Edgar Morin se atribuiu a misso (ou o castigo?) de, corajosamente, fazer rolar as diversas pedras do conhecimento montanha acima, buscando religar os saberes, mesmo que, como Ssifo, tenha visto, tantas vezes, as pedras carem de volta at o cho.

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Ao contrrio de pensadores que, desencantados com a universidade, optaram por investir fora dela suas energias cognitivas, ele luta contra o imobilismo e a esclerose do pensamento dentro e fora da academia. Sua crtica incisiva, e quase cruel, burocratizao do saber e alta cretinizao que comprometem a cincia, indissocivel de sua autocrtica que, por vezes, excessivamente rigorosa, o faz tomar para si equvocos produzidos por outros. Longe de afirmar a cincia como o nico discurso original, diz que por vezes h mais criatividade numa taverna popular do que num coquetel literrio. A julgar pela polifonia temtica e pela repercusso mundial das suas idias, estamos diante de um pensador que abriu mo dos confortveis limites disciplinares para se lanar tarefa herclea e incerta, mas, inadivel, de fazer dialogar os conhecimentos, condio sine qua non para enfrentarmos os desafios de toda ordem que nos espreitam neste incio de sculo. Morin um pensador inclassificvel, mltiplo, um eterno estudante. Um intelectual que o jornal La libre Belgique chamou de um humanista sem fronteiras. Um intelectual que politiza o conhecimento. Um homem para quem s pode haver cincia com conscincia, conforme o ttulo de um de seus livros. Um pensador que expe suas incertezas, acredita na boa utopia e na reforma da universidade e do ensino fundamental; que defende publicamente suas polmicas posies diante dos conflitos e das guerras; que se rende democracia do debate para rever suas posies e argumentos, porque se ope frontalmente polcia do pensamento. Morin tem, de forma persistente, lanado as bases para uma tica planetria que se inicia na tica individual, uma auto-tica. Prope uma confederao das idias, ou uma civilizao das idias. um homem que no se esconde nas palavras, mas que se expe perigosamente por meio delas. Para ele, o pensamento um combate com e contra as palavras. A auto-tica, dir no livro Meus Demnios, exige-me que no dissimule a subjetividade nos meus escritos, que no me arvore em proprietrio da verdade objetiva, que deixe que o leitor me veja, incluindo as fraquezas e mesquinharias, mesmo correndo o risco de dar aos meus adversrios motivos para me ridicularizarem. Um intelectual a quem incomoda o culto sua personalidade, ainda que, por vezes, no o consiga cont-lo. Fao um esforo constante, diz, para no me pr num pedestal... porque a esttua exterior, a que se mostra aos outros, vem da esttua interior, daquela que, inconscientemente, se esculpe para si. Essas palavras de Morin no se encerram num jogo de linguagem, no uma mera figura de retrica. Quem leu os livros O dirio da Califrnia; Vidal e os seus; O dirio da China (indito); Meus Demnios; Um ano Ssifo; Amar, chorar, rir e compreender

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e O X da questo: o sujeito flor da pele, sabe bem das desavenas intelectuais, dos conflitos tericos, das alegrias, dores, contratempos, decepes, leituras e acasos, que cercam sua vida. Numa palavra, sabe bem das condies de emergncia, metamorfose e aparecimento das noes centrais e perifricas de que se vale Edgar Morin para reorganizar o conhecimento em metapatamares mais complexos. Isso faz uma diferena crucial entre Morin e um estilo de intelectual que se mostra pela metade. Ler os cinco volumes de O Mtodo, livros densamente povoados por conceitos, noes e pensadores de diversas reas do conhecimento, tendo ao lado e por suporte o desvelamento das condies emocionais e polticas nas quais ele se encontra imerso, equivale a dessacralizar a cincia, a facilitar a compreenso da linguagem tcnica, a destituir a falcia do poder do saber envolta pelo vu da obscuridade e do segredo. Equivale, sobretudo, a reintroduzir o sujeito no conhecimento e o conhecimento no sujeito. Mesmo se considerarmos apenas os Mtodos, so fartos os enunciados carregados ora de ira, ora de afetos, ora de perplexidade, ora de incertezas. Seja qual for o tom ou a colorao das iras e afetos que aparecem em sua obra o sujeito, encarnado nas idias, quem fala sempre. E por inteiro. No Mtodo I, diz quase no final da introduo:Por que falar de mim? No decente, normal e srio que, quando se trata da cincia, do conhecimento e do pensamento, o autor se apague atrs de sua obra e se desvanea num discurso tornado impessoal? Devemos, pelo contrrio, saber que a que a comdia triunfa. O sujeito que desaparece no seu discurso instala-se, de fato, na torre de controle. Fingindo deixar um lugar ao sol copernicano, reconstitui um sistema de Ptolomeu cujo centro o seu esprito.

Essas palavras de Morin sobre a comdia do intelectual que pensa proferir um discurso impessoal, expem uma concepo de narrativa da cincia que no comum e, muitas vezes, desautorizada pela polcia do pensamento. E, mesmo que Montaigne e alguns pensadores nmades da cincia e da filosofia tenham exercitado uma escritura onde o autor aparece, , sem dvida, Edgar Morin quem inaugura, na cincia, uma forma radical (e mesmo perigosa) de expor o intelectual por inteiro. bvio que, a esse respeito, seus livros incomodam a comunidade cientfica. E muito. Isso porque, de certa forma, expem e desnudam pedaos de todos ns trancafiados a sete chaves. Alguns de seus livros seus dirios em especial chocam at os que convivem mais de perto com ele. Quanto mais aos que, instalados na torre de vigilncia cognitiva, aguardam uma frase intempestiva ou a descrio de um acontecimento inslito, para comprometer a imagem de Edgar Morin.

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Certamente, Edgar Morin sabe bem que sua maneira de ser e escrever lhe confere um bilhete de entrada para a arena onde esto os lees famintos. Entretanto, no penso que se trata de uma atitude excntrica para direcionar as luzes do palco para si. mais adequado afirmar que se trata de pr a vida nas idias e as idias na vida como diz ele, e de fazer dos textos uma tapearia na qual o intelectual est por inteiro, mesmo que no por completo. Esse estilo cognitivo, que bricola viver e conhecer, pode ser destacado como um dos fios centrais que tecem o itinerrio do pensamento e da obra de Edgar Morin. Para situar o destaque dado ao sujeito cognoscente e sua relao com as experincias que o constri, importante sublinhar que, em Meus Demnios, Morin fala das obsesses cognitivas com as quais tem convivido; como foram transformandos em conhecimento suas emoes fundamentais, como ira, ternura, resistncia; e como esses sentimentos impulsionaram focos importantes de sua maneira de ver/conhecer/compreender o mundo. Nos livros mais afeitos antropologia, poltica e sociologia, e sobretudo nos Mtodos 3, 4 e 5, argumenta fundamentalmente, a propsito da relao de indissociabilidade entre o sujeito que conhece e o fenmeno que ele quer explicar, entender, compreender. Para ele, o processo cognitivo a conjugao (em dosagens sempre variadas, tanto do individual quanto do coletivo e do histrico) de trs domnios de aptides que constituem o propriamente humano: pulso, razo e emoo. a conexo entre esses trs domnios que constitui uma certa estrutura da qual os conhecimentos acumulados e as informaes que nos chegam so retotalizados, significados, compreendidos, avaliados, julgados. De forma recorrente em todos os seus escritos, Morin sublinha as armadilhas do processo de percepo e decodificao do mundo, da informao e dos fenmenos, armadilhas essas que so produzidas pelo sujeito e retroagem sobre ele. Mesmo que sejam abundantes as referncias e os exemplos aludidos pelo autor, para circunstanciar essas armadilhas, me limito aqui a enunciar apenas duas delas, porque julgo emblemticas para explicitar: na primeira referncia, as armadilhas da percepo; na segunda, a metamorfose de uma situao particular num objetivo de conhecimento. Vamos primeira referncia. Na primeira parte do livro Para sair do sculo XX, Morin relata o fato de ter presenciado uma coliso entre um carro e uma motocicleta, numa avenida de Paris. A descrio do acidente bastante matizada, para os fins que nos interessam aqui, sumario apenas o seguinte: Morin viu, e se dizia testemunha, do fato de que um carro bateu numa motocicleta, quando, na realidade, foi o motoqueiro que, avanando o sinal, operou a contraveno e da o choque entre os dois veculos. Se perguntarmos por que

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Edgar viu o oposto do que ocorreu, podemos responder: motivado por uma dosagem desmesurada de emoo, que mobilizou crenas anteriores a respeito de outras situaes, o observador foi vtima da armadilha da percepo. Por conseqncia, sua retina no enviou a informao correta, ou, se a enviou com exatido, o seu crebro viu o acidente com base em um conjunto de valores e atitudes que caracterizam a nossa sociedade e contra os quais Edgar se coloca: o fato de que o grande sempre explora o pequeno, de que a sociedade capitalista se funda na desigualdade das condies de vida em favor dos mais poderosos, etc., etc. Em sntese, Edgar Morin olhou uma coisa e viu outra, porque, por um lado, o processo de observao e percepo contm sempre a possibilidade da armadilha, e, por outro, porque somos sempre passveis de extrapolar para outros domnios premissas, proposies e explicaes que nem sempre so fecundas em seus movimentos de generalizao e transposio. Da decorrem dois argumentos importantes, insistentemente reiterados na obra. Primeiro: o limite entre o falso e o verdadeiro, entre o erro e a verdade, entre o real e o imaginrio quase nenhum. Segundo: toda cognio, todo conhecimento, toda percepo se do motivados, impulsionados e regidos pela emoo. importante assinalar que a emoo no pode ser entendida unicamente como um estado de esprito que produz satisfao, contentamento, prazer, mas como uma mobilizao cognitiva que inclui tambm os estados de fria, rebeldia e descontentamento. tambm sob esses estados emocionais que produzimos nossas mundovises, nossa compreenso do mundo, tanto quanto, mais especificamente, nossas teorias e interpretaes dos fenmenos. Da porque a tomada de conscincia de que pulso, emoo e razo, caminhando juntas, podem propiciar ao sujeito do conhecimento uma certa alquimia mental, capaz de transformar as pulses de morte em pulses de vida; a ira e o descontentamento em proposies harmonizadoras e mobilizantes; as situaes traumticas em ferramentas do conhecimento. Para ilustrar esse argumento, enuncio a segunda referncia prometida anteriormente. Volto outra vez a Edgar Morin, para aludir a uma importante referncia entre as vrias contingncias psico-afetivas de sua vida, presentes em parte de sua obra. A referncia a seguinte: Edgar tinha nove anos, quando morreu sua me Luna Beressi, fato que s veio a saber alguns dias depois por seu pai, Vidal, enquanto Minou brincava do lado de fora do cemitrio Pre Lachaise. Conta Morin como passou a

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chorar apenas na sua privacidade em sua cama, debaixo dos cobertores e nunca em pblico4. Foi certamente a dor intensa e a incompreenso da morte prematura de Luna, sua me aluso feita por ele prprio, em sua obra vrias vezes , que o levou, anos mais tarde, a investigar e refletir sobre o tema da morte, como um domnio epistemolgico importante para a compreenso da cultura, do surgimento da arte e do imaginrio, tanto quanto para entender a condio de emergncia e complementaridade entre a conscincia objetiva e a conscincia subjetiva nos humanos. No fosse essa duradoura emoo causada pela dor, pelo sentimento da falta, pela surpresa da perda e, acima de tudo, pelo segredo que teve talvez o gosto amargo da traio, Edgar Morin no teria escrito O homem e a morte ou, o teria feito mesmo assim, mas motivado por outra obsesso cognitiva ou emoo fundamental. O que importa reter dessa referncia o fato de que, para Morin, o sujeito do conhecimento sempre impulsionado por um sentimento, por uma estrutura organizacional da sua psique, quando empreende qualquer investimento cognitivo, mesmo que disso no tenha conscincia. Da por que crucial nos perguntarmos por que temos interesse por esse ou aquele tema; por que tratamos as coisas de uma forma e no de outra; porque assumimos tais ou quais posturas epistemolgicas, determinadas teorias, certas hipteses e uma determinada forma de nos acercarmos do problema que queremos conhecer. Importa tambm reter e problematizar a possibilidade de transformar situaes ansiognicas em cognio fecunda e ampliada. Penso que a segunda referncia feita a Morin (a morte prematura da me) mostra bem como uma situao traumtica pode se transformar na condio de emergncia para um ato criador, e como o conhecimento da produzido pode retroagir e redimensionar o que, partida, se constitui apenas numa contingncia negativa. Mas esse movimento de retroao transformadora no se d espontaneamente nem de forma mecnica. Para operar uma tal metamorfose, duas condies precisam ser satisfeitas. Em primeiro lugar, trata-se de transformar uma experincia individual numa questo mais ampliada, quer dizer, problematizar a complexidade do que parece ser um fato unicamente pessoal. Em segundo lugar, trata-se de dialogar com os diversos conjuntos de informaes tatuados na nossa experincia como sujeitos premiados por uma complexa biologia, informaes essas que so passveis de se constiturem num problema crucial a ser investigado. Certamente essas duas4 A descrio dessa circunstncia da vida do autor, em uma forma narrativa extremamente forte e bela encontra-se no livro Vidal e os seus, publicado pelo Instituto Piaget, Lisboa (Portugal).

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condies foram satisfeitas no caso do trauma vivenciado por Morin pela perda de sua me, o que tornou possvel sua pesquisa sobre o lugar e o significado da morte no paradigma humano. Essas consideraes feitas a respeito da construo scio-psico-cognitiva do sujeito do conhecimento podem ser retotalizadas se observarmos, no Mtodo 3, o captulo que o autor dedica existencialidade do conhecimento. Ali, desmembrados em dois tpicos (A psique e Obsesses cognitivas e alegrias da certeza), Morin dialoga com os objetos da psicanlise (sobretudo com as idias de Freud, Lacan e Bishot) e com os argumentos da objetividade, da certeza e da verdade to fartamente defendidos pelo racionalismo. Discute uma psicanlise do conhecimento, fala das psicoses que determinam vises de mundo especficas que impem sentidos s informaes, acontecimentos, situaes. Seja na sua forma manaca ou esquizofrnica, esses estados do ser parasitam e modelam interpretaes marcadas ora pelo exagero racional da coerncia, ora pelo exagero de conceber as contradies e as incertezas. De forma contundente mostra como a obsesso pela certeza e a verdade so uma resposta ansiedade vital. No h no autor uma recusa verdade, mas pondera ele quedeve-se distinguir a idia de verdade do sentimento da verdade. A idia de verdade corresponde a uma resoluo da alternativa verdadeiro/falso sem que necessariamente estejamos envolvidos...O sentimento da verdade traz a dimenso afetiva/existencial para a idia de verdade e pode tanto se apropriar da idia de verdade quanto lhe obedecer.

claro que a idia de verdade liga-se ao sentimento de verdade, uma vez que no h conhecimento desligado dos interesses do sujeito. Mas a supremacia do sentimento de verdade sobre a idia de verdade suscita, segundo Morin, uma dupla possesso: apropriao da verdade (eu tenho a verdade) e possesso pela verdade (perteno verdade). Como o sentimento de verdade est ligado certeza, ter-se-ia uma reificao da verdade escondida debaixo da capa impermevel da racionalizao e da coerncia. J aqui importante sintetizar algumas das pontas do mesmo fio que permite a Morin caminhar pelo labirinto do conhecimento e tecer o seu itinerrio intelectual: em primeiro lugar, a mestiagem entre vida e obra; em segundo lugar, uma aposta no sujeito, o que significa sublinhar a indissociabilidade entre sujeito e conhecimento; em terceiro lugar, uma aposta fundamental concernente ao conhecimento do conhecimento, o que supe uma psicanlise do conhecimento. Prossigamos nas escolhas de pistas e indcios que nos aproximem da cosmologia das idias morinianas, para indicar, agora, as matrizes das quais

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parte Morin para tratar do conhecimento e da cultura. Trs matrizes constroem as condies bioantropolgicas do conhecimento e da cultura para o autor: uma biologia fundamental; uma animalidade; e, por fim, uma humanidade do conhecimento. A biologia do conhecimento ensina que todo ser vivo auto-eco-organizador, isto , necessita extrair informaes do exterior, mas as processa por si, em si e para si. Tendo por base essa aptido dos sistemas vivos, Morin discute como o processo de produo de conhecimento depende sobretudo do sujeito. Cada um de ns trata por si as informaes que nos chegam. Ningum aprende por ningum. A animalidade do conhecimento emerge do interior da biologia do conhecimento. Ela nos permite compreender que algumas das caractersticas da cultura e conhecimento humanos (como estratgias cognitivas, ao desinteressada ou intencional) se encontram de forma lata no mundo animal e se complexificam no domnio do humano. A humanidade do conhecimento manifesta-se no processo de construo das sociedades humanas, mas mantm (agora em novos patamares de complexidade) as caractersticas gerais da biologia e animalidade do conhecimento. Com base nessas trs matrizes do conhecimento e nas pesquisas de Mac Lean, diz Morin que o sujeito constitudo no s por um crebro biemisfrico, mas tambm trinico, isto , que contm trs feixes de informao: o primeiro, reptlico, responsvel pelo cio, pela agresso e pela fuga; o segundo mamfero, responsvel pela afetividade; e o terceiro propriamente humano, portador de um neocrtex que faz emergir a inteligncia lgica e conceitual. Essas trs matrizes (biologia/animalidade/humanidade), tanto quanto as trs faces do nosso crebro (reptlico/mamfero/racional) dialogam entre si, por vezes se indistinguem, por vezes se excluem. Mas tanto a indistino como a excluso so atos que denotam a regresso em complexidade. a complementaridade entre as trs matrizes referidas e entre as faces do nosso crebro que constitui a complexidade humana. Passemos agora segunda parte desta exposio, com o objetivo de contextualizar a reorganizao do conhecimento empreendida por Morin. Morin: o arteso do conhecimento complexo O que hoje se convenciona chamar de paradigma da complexidade no nasce numa disciplina, nem em lugar determinado. possvel, entretanto, identificar alguns dos ingredientes da sopa cognoscente da qual se originou a complexidade. Para Edgar Morin, Gaston Bachelard (1884-1962) em O novo esprito cientfico quem usa pela primeira vez a palavra complexida-

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de na acepo de um modo de conceber da cincia. Mas no s. Para Morin, o artigo de Weawer (colaborador de Shannon na teoria da informao) escrito em 1948, na Scientific American, com o ttulo Cincia e Complexidade; as proposies de Von Neumann, com a teoria dos autmatos; de Von Foerster, com a noo de auto-organizao dos sistemas em relao a seus ambientes; de H. A. Simon, com o artigo Architecture of complexity; de Henri Atlan, com o livro Entre o cristal e a fumaa, onde expe o conceito de auto-organizao pelo rudo e a afirmao do limite tnue entre o vivo e o no-vivo; e ainda as pesquisas de Hayek e seu artigo The Teory of complex phenomena, se constituem no fermento propcio para a reorganizao do conhecimento cientfico ora em curso5. Numa sntese arrojada diz Morin:Na poca contempornea, o pensamento complexo comea seu desenvolvimento na confluncia de duas revolues cientficas. A primeira revoluo introduz a incerteza com a termodinmica, a fsica quntica e a cosmofsica. Essa revoluo cientfica desencadeou as reflexes epistemolgicas de Popper, Kuhn, Holton, Laktos, Feyrabend, que mostraram que a cincia no era a certeza, mas a hiptese, que uma teoria provada no o era em definitivo e se mantinha falsificvel, que existia o no-cientfico (postulados, paradigmas, themata) no seio da prpria cientificidade.A segunda revoluo cientfica, mais recente, ainda indetectada, a revoluo sistmica nas cincias da Terra e a cincia ecolgica. Ela no encontrou ainda seu prolongamento epistemolgico (que os meus prprios trabalhos anunciam)6.

Certamente aos nomes j citados podemos acrescentar os de Norbert Wiener com suas descobertas na ciberntica, dos matemticos franceses Benit Mandelbrot e Ren Thom, criadores, respectivamente, do conceito de fractais e da teoria da catstrofe7 e do bilogo chileno Humberto Maturana com a crtica 5 6 7MORIN, Edgar e LE MOIGNE, Jean-Louis. A inteligncia da complexidade. Traduo Nurimar M. Falci. So Paulo: Peirpolis, 2000. p. 46-7. MORIN e LE MOIGNE, op. cit., p. 206. importante acentuar a revoluo permitida por Ren Thom e Benit Mandelbrot na Matemtica. Segundo I. Stengers, Thom defende uma forma de matemtica nmade, cuja vocao seria no a de reduzir a multiplicidade dos fenmenos sensveis unidade de uma descrio matemtica que os pudesse submeter ordem da similitude, e sim de criar a inteligibilidade matemtica de sua diferena qualitativa. A queda de uma folha, ento, no seria mais um caso muito complicado de queda de objeto pesado galineano, mas deveria suscitar sua prpria matemtica. Na matemtica fractal de Mandelbrot, a revoluo est no fato de suscitar novos modelos de compreender o mundo: Compreender, significar, criar uma linguagem que abra a possibilidade de encontrar as distintas formas sensveis de reproduzi-las, sem por isso submet-las a uma lei geral que forneceria suas razes e permitiria manipul-las. (STENGERS, I. A inveno das cincias modernas. So Paulo: Editora 34, 2002., p. 189 e 190).

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noo de objetividade e a afirmao de que o observador interfere na realidade observada. Nas pesquisas ligadas etologia e, em especial, etologia humana, substancial a importncia das pesquisas de Boris Cyrulnik. Argumentando contra os determinismos de qualquer ordem (sejam eles biolgicos, genticos, sociais, geogrficos ou ecolgicos), Cyrulnik oferece uma farta agenda de argumentos e noes para a cincia da complexidade. A indissociao entre natureza e cultura (somos 100% inato e 100% adquirido); as noes de corpo poroso e de ambigidade do domnio pr-verbal, bem como sua crtica ideologia dos cientistas que se escondem nas descobertas das pesquisas, so alguns dos investimentos desse mdico e etologista para uma cincia em construo. No conjunto dessas enunciaes originariamente dispersas por vrios domnios de saberes e reas do conhecimento, o nome de Ilya Prigogine (1917-2003) merece destaque. As noes de bifurcao como o que da ordem do acontecimento novo; de flutuao como o que est por se configurar ou se constitui numa possibilidade (no-tendncia); ou ainda os argumentos de que a condio humana consiste em aprender a lidar com a ambigidade; que a irreversibilidade e o no-determinismo so as marcas do nosso tempo; e que a instabilidade e a incerteza requerem que faamos nossas apostas, vo configurar uma matriz instigante que, aos poucos, penetram de forma inesperada em diversas disciplinas cientficas. Distante do imobilismo, Prigogine prope lutar contra os sentimentos de resignao ou impotncia. Para ele, as recentes cincias da complexidade negam o determinismo; insistem na criatividade em todos os nveis da natureza. O futuro no dado8. O contexto de emergncia da complexidade se constri, pois, medida que comeam a se dissolver os quatro pilares da certeza que sustentaram a cincia clssica, conforme sintetiza Morin. Observemos a discusso desses quatro pilares segundo Morin. O primeiro pilar a ordem e postula um universo regido por leis deterministas (Newton). O segundo o princpio da separabilidade. Esse princpio aconselha a decompor qualquer fenmeno em elementos simples como condio para analis-lo (Descartes no Discurso sobre o Mtodo). O princpio da separabilidade foi o maior responsvel pela especializao no comunicante. Separou os grandes ramos da cincia e, no interior de cada um deles, as disciplinas. Separou as cincias das tcnicas, a filosofia da cincia, e assim por diante, at configurar uma parcelarizao generalizada do

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PRIGOGINE, Ilya. Carta s futuras geraes. In: ASSIS. Edgar de; Almeida, Maria da Conceio. (Org.) Cincia, razo e paixo. Belm: EDUEPA, 2001. p. 16.

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saber. Conforme Morin, isoloram-se os objetos de seus meios, o sujeito de objeto. O terceiro pilar diz respeito ao princpio de reduo, que fortalece o princpio da separabilidade. Por um lado, supe que os elementos de base do conhecimento se circunscrevem aos domnios fsicos e biolgicos, deixando em plano secundrio a compreenso do conjunto, da mudana e da diversidade. Por outro, tende a reduzir o cognoscvel quilo que mensurvel, quantificvel, formalizvel, segundo o axioma de Galileu: os fenmenos s devem ser descritos com a ajuda de quantidades mensurveis. A reduo ao quantificvel condena morte qualquer conceito que no se traduza por medida. Ora, nem o ser, nem a existncia, nem o sujeito conhecedor no podem ser matematizados nem formalizados9. O princpio da reduo, baseado em conceitos-mestres e domnios privilegiados e determinantes, explica o humano pelo biolgico, o biolgico pelo qumico. Assim, a depender do domnio da especialidade do cientista, esse princpio subsume o humano ao domnio do meio ambiente, ou das estruturas psquicas, ou da histria, da gentica, e assim por diante. O quarto pilar no qual se assentava a cincia clssica era o da lgica indutiva-dedutiva-identitria, que se identifica com a razo. Por essa lgica, tudo o que no passa pelo crivo da razo expurgado da cincia. O princpio aristotlico da identidade exclui o que variante e contraditrio. Esse princpio privilegia a ordem e o que infervel em um sistema de premissas. Uma tal lgica, diz Morin, estritamente aditiva e no pode conceber as transformaes qualitativas ou as emergncias que sobrevm das interaes organizacionais. Ela fortalece o pensamento linear que vai da causa ao efeito10. A julgar pelo pragmatismo, normatividade e hermetismo desses quatro pilares do conhecimento, se poderia supor que eles permaneceriam inabalveis para sempre. Suposio equivocada: a cincia do sculo XX, em meio ao conjunto desordenado de seus avanos, provoca um abalo ssmico que os atinge: Os quatro pilares so, desse modo, sacudidos pelo surgimento da desordem, da no-separabilidade, da no-redutibilidade, da incerteza lgica11. Em meio ao big-bang dos avanos do conhecimento e crise dos princpios que norteavam a cincia clssica, coube a Edgar Morin assumir o desafio de religar e fazer dialogar o que, partida, se constituam em revolues dispersas por domnios9 MORIN e LE MOIGNE, op. cit., p. 96. 10 Idem, idem, p. 98. 11 Idem, idem, p. 103.

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disciplinares. Se, pois, as cincias da complexidade no tm patri-maternidade definida, o mtodo complexo tem, em Edgar Morin, seu artfice e construtor. Para empreender uma investida de tal dimenso, Morin abre mo de sua formao disciplinar para, sistemtica e obstinadamente, penetrar em territrios dispersos e grvidos de fragmentos de complexidade. De que metier Morin faz uso para isso? Se possvel identificar as ferramentas morinianas, estas so a migrao conceitual e a construo de metforas. Migrao conceitual de um domnio para outro, o que garante a ressignificao e ampliao de conceitos e noes, originariamente disciplinares; construo de metforas, que permitem religar homem e mundo; sujeito e objeto; natureza e cultura; mito e logos; objetividade e subjetividade; cincia, arte e filosofia; vida e idias. Com base nesse metier, melhor dizendo, nessas ferramentas, Morin tem, sobretudo a partir dos anos 1970, formulado incansavelmente os argumentos, as premissas e os fundamentos de uma cincia nova fundamentos, premissas e argumentos que devem alimentar uma reforma do pensamento. O problema da complexidade no nem concebido nem formulado nos meus escritos antes de 1970", diz Morin no livro Cincia com Conscincia. No s na biologia, na teoria da informao e na ciberntica que nosso contrabandista dos saberes vai buscar os fios para tecer o exerccio do pensamento complexo. Tambm da fsica retira princpios e leis que funcionam como operadores que transversalizam as cincias da vida, do mundo fsico e do homem. Assim, a noo de entropia agrega-se a outras tantas para exemplificar que tanto a desordem como o rudo e o acaso esto no interior e no exterior de qualquer fenmeno, o que lhes possibilita permanentes reorganizaes, ou seja, novas ordens que se desordenam e reordenam sem cessar. Esse argumento, facilmente aceito em se tratando de fenmenos fsicos, climticos ou ecolgicos, encontra terreno de ressonncia extremamente frtil no mbito dos fenmenos sociais e dos sistemas de idias. importante assinalar que Morin no se ocupa em transpor modelos, mas em potencializar operadores cognitivos que facilitem a compreenso da complexidade, porque permitem reconhecer, no fenmeno singular, ao mesmo tempo sua originalidade e sua macroidentidade. Numa sntese arrojada a esse respeito, diz Ilya Prigogine: H uma histria cosmolgica, no interior da qual h uma histria da matria, no interior da qual h uma histria da vida, na qual h, finalmente, nossa prpria histria12.

12 PRIGOGINE, Ilya. Do ser ao devir. In: Nomes de deuses Entrevistas a Edmond Blattchen. Traduzido por Maria Leonor F. R. Loureiro. So Paulo: Unesp; Belm, PA: Editora da Universidade Estadual do Par, 2002. p. 26.

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Esse argumento de Prigogine talvez constitua a chave para compreender toda a obra de Edgar Morin. A fecundidade da construo do Mtodo por Edgar Morin est no fato de tentar religar, no domnio da cincia, o que j se encontra direta ou indiretamente interconectado no mundo das materialidades e das topologias imaginrias. Longe, pois, das transposies mecnicas de conceitos, oriundos da biologia, da fsica ou da teoria da informao, trata-se mais propriamente de aproximar, relacionar, fazer dialogar e buscar pontos de confluncia entre as complexas singularidades da matria e do esprito, mesmo que no se deva descuidar dos perigos da extrapolao indevida das metforas. Esse desafio se encontra objetivado no conjunto dos cinco mtodos que se complementam e tm incio em 1977, data de publicao do primeiro volume. Trata-se de um mtodo capaz de absorver, conviver e dialogar com a incerteza; de tratar da recursividade e dialogia que movem os sistemas complexos; de reintroduzir o objeto no seu contexto, isto , de reconhecer a relao parte-todo, conforme uma configurao hologramtica; de considerar a unidade na diversidade e a diversidade na unidade; de distinguir, sem separar nem opor; de reconhecer a simbiose, a complementaridade e, por vezes, mesmo a hibridao, entre ordem e desordem, padro e desvio, repetio e bifurcao, que subjazem aos domnios da matria, da vida, do pensamento e das construes sociais; de tratar do paradoxo como uma expresso de resistncia ao dualismo disjuntor e, portanto, como foco de emergncias criadoras e imprevisveis; de introduzir o sujeito no conhecimento, o observador na realidade; de religar, sem fundir, cincia, arte, filosofia e espiritualidade, tanto quanto vida e idias, tica e esttica, cincia e poltica, saber e fazer. Aberto e em construo, o mtodo proposto por Edgar Morin se distancia de uma pragmtica e expe princpios organizadores do pensamento complexo. No permite inferir um protocolo normativo, nem uma metodologia de investigao. Imbudo do poema de Antonio Machado, para quem o caminho se faz ao andar, Morin no oferece ao conhecimento cientfico uma tbua de mandamentos, mas insufla o cientista a, de posse de princpios fundamentais e gerais, ensaiar seus prprios caminhos tcnicos e metodolgicos no fazer cincia, educao e pesquisa. O carter inaugural desse mtodo reside no fato de se tratar de uma proposio capaz de ser acionada por qualquer rea do conhecimento. Esse fato, longe de configurar um modelo universal e unitrio que dilui a distino entre reas disciplinares e domnios cognoscentes, permite o dilogo entre eles. Sem uma bssola que indica uma direo pr-definida, Edgar Morin se torna o caminhante do poeta Machado; recusa a ortodoxia qualquer que seja ela; empreende, ao longo de sua

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vida, uma Odissia do pensamento. Como Ulisses, ferido algumas vezes na sua caminhada. Mas sua cicatriz, no se encontrando na perna, aloja-se nos pores de sua alma e reabre-se a cada vez que assiste aos desmandos provocados pela tecnopoltica do pensamento, pelas atrocidades das to selvagens guerras modernas. Como o Ulisses da Odissia, que se confundia com os habitantes dos lugares por onde passava, Edgar Morin sabe transitar pelas diversas searas do conhecimento e matizar a relao indissocivel entre amor, poesia e sabedoria, conforme o ttulo de um de seus livros. A aposta na educao Consciente de que a construo de uma sociedade mais justa e igualitria s possvel por meio de uma nova e complexa compreenso do mundo, Morin tem apostado, nos ltimos anos, na reforma do sistema educacional. Os livros Os sete saberes necessrios educao do futuro (Cortez), A cabea bem-feita (Bertrand Brasil) e A religao dos saberes (livro organizado por ele e publicado pela Bertrand Brasil) mostram seu investimento prioritrio na educao. No contexto das apostas educacionais empreendidas, importante no perder de vista algumas das questes fundamentais e maiores sugeridas por Edgar Morin, que tem sido identificado como o protagonista central da Reforma do Pensamento e da Educao. So trs as metaquestes que devemos resguardar: 1. A reforma da universidade no se reduz a uma reforma pragmtica, ela subentende uma reforma paradigmtica. (As outras duas questes so formuladas como perguntas) 2. Deve a universidade adaptar-se sociedade ou a sociedade a ela? 3. De onde partiro ou devem partir as propostas de reforma? A essa questo Morin pondera que, embora reconhea a necessidade de transformar a estrutura hegemnica da academia, importante investir, tambm, em iniciativas marginais. A aposta de Edgar Morin numa educao para a complexidade permite enunciar uma agenda de mltiplos princpios, que sintetizo assim: 1. Pensar a educao como uma atividade humana cercada de incertezas e indeterminaes, mas tambm comprometida com os destinos dos homens, mulheres e crianas que habitam nossa terra-ptria; 2. praticar uma tica da competncia que comporte, ao mesmo tempo, um pacto com o presente sem esquecer nosso compromisso com o futuro; 3. buscar as conexes existentes entre o fenmeno que queremos compreender e o seu ambiente maior; 4. abdicar da ortodoxia, das fceis respostas finalistas e completas; 5. exercitar o dilogo entre os vrios domnios das especialidades; 6. deixar emergir a complementaridade entre arte, cincia e literatura; 7. transfor-

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mar nossos ensinamentos em linguagens que ampliem o nmero de interlocutores da cincia. Cultivar esses sete princpios talvez seja um bom exerccio para religar nas teorias, nos conhecimentos e na cincia, os laos indissociveis da teia da vida. Edgar Morin: da Europa para a Amrica Latina A expanso das idias de Edgar Morin no se restringe ao continente Europeu. Alguns focos multiplicadores de uma cincia da complexidade se espalham pela Terra Ptria. Na Europa, um desses focos a Ctedra para a Transdisciplinaridade, situada na Universidade de Valladolid, na Espanha, e dirigida por Emilio-Roger Ciurana. No continente sul-americano, merece destaque a Ctedra Itinerante Unesco Edgar Morin para o Pensamento Complexo, em Buenos Aires, sediada na Universidade de El Salvador e dirigida por Ral D. Motta. No Brasil, em 1992, ligado aos Programas de Ps-Graduao em Cincias Sociais e em Educao, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), comeou a funcionar um grupo de estudos sobre a obra do pensador francs. Com o passar do tempo, o Grupo Morin amplia seu horizonte de referncia e, em 1994, criado o Grupo de Estudos da Complexidade GRECOM. As idias de Edgar Morin e outros pensadores da complexidade esto presentes em monografias de graduao e especializao, dissertaes e teses defendidas na UFRN13. O GRECOM, considerado por Edgar Morin como o primeiro grupo de complexidade da Amrica Latina, mantm estreitos contatos com o Complexus (PUCSP), coordenado por Edgard de Assis Carvalho, com o Instituto de Estudos da Complexidade (Rio de Janeiro); NIIC (Uninove, So Paulo); Ncleo de Estudos Transdisciplinares (Recife), alm de outros espaos acadmicos e no-acadmicos que investem no pensamento complexo. Ligado Associao para o Pensamento Complexo, presidida por Edgar Morin, o grupo recebeu a visita do pensador francs, em Natal, por trs vezes (1998, 1999 e 2003). Na sua segunda visita UFRN, Edgar Morin recebeu o ttulo de doutor honoris causa. Em outubro de 2003, participou da comemorao dos dez anos do GRECOM, ocasio em que estiveram presentes vinte e cinco grupos, representando nove estados brasileiros.

13 A histria e produo cientfica do GRECOM so os temas tratados no livro Ciclos e Metamorfoses: uma experincia de reforma universitria, publicado pela editora Sulina (Porto Alegre, RS), 2003.

ANEXOPrincipais obras de Edgar Morin, em ordem cronolgica e indicao das tradues em portugus s 1946, LAn zro de lAllemagne, La Cit Universelle, Paris. s 1951, Lhomme et la mort, Le Seuil, Paris. s s s s s s s s s s s s

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O homem e a morte, Europa-Amrica, Lisboa, Portugal, 1988. O homem e a morte, Imago, Rio de Janeiro, Brasil, 1997. 1956, Le Cinma ou Lhomme Imaginaire, Minuit, Paris. O cinema ou o homem imaginrio, Portugal, Grande Plano, 1997. 1957, Les Stars, Le Seuil, Paris. As estrelas de cinema, Livros Horizonte, Lisboa, 1980. 1959, Autocritique, Le Seuil, Paris. 1962, Chonique dun te, (em colaborao com Jean Rouch), Interspectacle, Paris. 1962, Lsprit du temps, Grasst, Paris. Cultura de massa no sculo XX O esprito do tempo, vol. I Neurose e vol. II Necrose, Florence Universitria, Brasil, 1977. 1965, Introduction une politique de lhomme, Le Seuil, Paris. Introduo a uma poltica do homem e Argumentos Polticos, Brasil, 1969. 1967, Commune en France: la mtamorphose de Plozvet, Fayard, Paris. 1968, Mal 68: La Brche (en collaborations avec Claude Lefort et Cornelius Castoriadis), Fayard, Paris. 1969, Le Vif du sujet, Le Seuil, Paris. O X da Questo O sujeito flor da pele, Artmed, Porto Alegre, 2002. 1969, La Rumeur dOlans, Le Seuil, Paris. 1973, Le Paradigme Perdu: la nature humaine, Le Seuil, Paris. 1975, O enigma do Homem Para uma nova antropologia, Zahar, Rio de Janeiro. O paradigma Perdido: a natureza humana, Europa-Amrica, Lisboa, Portugal, s.d. 1974, LUnit de lhomme, Le Seuil, Paris. A unidade do homem, Cultrix, Brasil, 1982. 1977, La Nature de la Nature, Le Seuil, Paris. O Mtodo I A natureza da Natureza, Europa-Amrica, Portugal, 1987. O Mtodo 1, Sulina, Porto Alegre, 1999. 1980, La vie de la vie, Le Seuil, Paris. O Mtodo II A vida da vida, Europa-Amrica, Portugal, s.d. O Mtodo 2, Sulina, Porto Alegre, 2000.

Cadernos IHU Idias s 1981, Pour sortir du XX sicle, Nathan, Paris. s

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Para sair do sculo XX as grandes questes do nosso tempo, Nova Fronteira, Brasil. 1982, Science avec Conscience, Fayard, Paris. Cincia com Conscincia, Europa-Amrica, Portugal, 1984. Cincia com Conscincia, (edio revista e modificada pelo autor) Bertrand Brasil, Rio de Janeiro, 1996. 1983, De la nature de lURSS, Fayard, Paris. Da Natureza da URSS Complexo totalitrio e o novo imprio, Europa-Amrica, Portugal, s.d. 1984, Sociologie, Fayard, Paris. Sociologia A sociologia do microssocial ao macroplanetrio, Europa-Amrica, Portugal, s.d. 1985, O problema epistemolgico da complexidade. Europa-Amrica, Portugal (debate realizado em Lisboa, dez. 1983). 1986, La Connaissance de la Connaissance, Le Seuil, Paris. O Mtodo III O conhecimento do conhecimento, Europa-Amrica, Portugal, 1987. O Mtodo 3, Sulina, Porto Alegre, 2001. 1987, Penser LEurope, Gallimard, Paris. Pensar a Europa, Europa-Amrica, Lisboa, Portugal, 1988. 1984, Vidal et ses siens, Le Seuil, Paris. Vidal e os seus, Instituto Piaget, Lisboa, Portugal, 1994. 1990, Introduction la pense complexe, ESF, Paris. Introduo ao pensamento complexo, Instituto Piaget, Lisboa, Portugal, 1991. 1991, Les Ides, Leur habitat, Leur vie, Leurs moeurs, leur organisation, Le Seuil, Paris. O Mtodo IV as Idias: a sua natureza, vida, habitat e organizao, Europa-Amrica, Portugal, s.d. O Mtodo 4 as Idias: a sua natureza, vida, habitat e organizao, Sulina, Porto Alegre, Brasil, 1998. 1991, Un noveau commencement (em colaborao com Gianluca Bocchi e Mauro Ceruti), Le Seuil, Paris. 1993, Terre-Patrie (en collaboration avec Anne Brigitte Kern), Le Seuil, Paris. Terra-Ptria (em colaborao com Anne Brigitte Kern), Instituto Piaget, Lisboa, Portugal, 1993. Terra Ptria, (em colaborao com Anne Brigitte Kern), Sulina, Porto Alegre, Brasil, 1996. 1994, Mes Dmons, Stock, Paris. Meus Demnios, Europa-Amrica, Lisboa, Portugal, 1996. Meus Demnios, Bertrand Brasil, Rio de Janeiro, Brasil, 1997. 1994, La complexit humaine, Flammarion, Paris. 1995, Une an Sysiphe, Le Seuil, Paris. Um ano ssifo. Europa-Amrica, Lisboa, Portugal. 1996, Pleurer, Aimer, Rire, Comprendre, Arla, Paris. 1997, Amour, Posie, Sagesse, Le Seuil, Paris. Amor, Poesia, Sabedoria, Bertrand Brasil, Rio de Janeiro, Brasil, 1998. Amor, Poesia, Sabedoria, Instituto Piaget, Lisboa, Portugal, 1999.

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s 1997, Plante, laventure inconnue, Mille et Une Nuits, Paris. (en

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collaboration avec Christoph Wulf). Planeta uma aventura desconhecida. Unesp, So Paulo, 2003. (em colaborao com Christoph Wulf). 1998, Quels savoirs enseigner dans les lyces Articuler les Savoirs Lenseignement de la posie (textes choisis) (em parceria com Yves Bonnefoy), Paris: Centre National de Documentation Pdagogique, Centre National de Documentation pdagogique, Paris. Complexidade e Transdisciplinaridade a reforma da universidade e do ensino fundamental, EDUFRN, Natal, Brasil, 2000. 2000, Nul ne connit le jour qui nitra. (avec Edmond Blattchen), Alice, Paris. Ningum sabe o dia que nascer. Nomes de Deuses. Entrevistas a Edmond Blattchen. Traduo Maria Leonor F. R. Loureiro. So Paulo: Unesp; Belm: Editora da Universidade Estadual do Par, 2002. 2000, A cabea bem-feita: pensar a reforma reformar o pensamento. Bertrand Brasil, Rio de Janeiro. Repensar a reforma reformar o pensamento: a cabea bem-feita. Instituto Piaget, Lisboa, Portugal, s.d. 2000, Os sete saberes necessrios educao do futuro. Cortez, So Paulo. Os sete saberes para a educao do futuro. Instituto Piaget, Lisboa, Portugal, s.d. 2001, A religao dos saberes jornadas temticas idealizadas e dirigidas por Edgar Morin. Bertrand Brasil, Rio de Janeiro. 2001, O desafio do sculo XXI: religar os conhecimentos, Instituto Piaget, Lisboa, Portugal. 2001, La Mthode 5. Lhumanit de lhumanit. Lidentit humaine. Seuil, Paris. O Mtodo 5. Sulina, Porto Alegre, 2002. 2002, Em busca dos fundamentos perdidos textos sobre o marxismo. Maria Lucia Rodrigues e Edgard de Assis Carvalho (Org.) Sulina, Porto Alegre. 2002, Educao e complexidade: os sete saberes e outros ensaios. Maria da Conceio de Almeida e Edgard de Assis Carvalho (Org.). Cortez, So Paulo. 2003, Educar na era planetria o pensamento complexo como mtodo de aprendizagem pelo erro e incerteza humana. (Em colaborao com Emilio R. Ciurana e Ral D. Motta). Traduo Sandra Trabucco Valenzuela. Cortez, So Paulo.

O tema deste caderno foi apresentado no Ciclo de Estudos sobre O mtodo de Edgar Morin, dia 14/04/04.

TEMAS DOS LTIMOS CADERNOS IHU IDIAS N. 01 A teoria da justia de John Rawls Dr. Jos Nedel. N. 02 O feminismo ou os feminismos: Uma leitura das produes tericas Dra. Edla Eggert. O Servio Social junto ao Frum de Mulheres em So Leopoldo MS Clair Ribeiro Ziebell e Acadmicas Anemarie Kirsch Deutrich e Magali Beatriz Strauss. N. 03 O programa Linha Direta: a sociedade segundo a TV Globo Jornalista Sonia Montao. N. 04 Ernani M. Fiori Uma Filosofia da Educao Popular Prof. Dr. Luiz Gilberto Kronbauer. N. 05 O rudo de guerra e o silncio de Deus Dr. Manfred Zeuch. N. 06 BRASIL: Entre a Identidade Vazia e a Construo do Novo Prof. Dr. Renato Janine Ribeiro. N. 07 Mundos televisivos e sentidos identirios na TV Profa. Dra. Suzana Kilpp. N. 08 Simes Lopes Neto e a Inveno do Gacho Profa. Dra. Mrcia Lopes Duarte. N. 09 Oligoplios miditicos: a televiso contempornea e as barreiras entrada Prof. Dr. Valrio Cruz Brittos. N. 10 Futebol, mdia e sociedade no Brasil: reflexes a partir de um jogo Prof. Dr. dison Luis Gastaldo. N. 11 Os 100 anos de Theodor Adorno e a Filosofia depois de Auschwitz Profa. Dra. Mrcia Tiburi. N. 12 A domesticao do extico Profa. Dra. Paula Caleffi. N. 13 Pomeranas parceiras no caminho da roa: um jeito de fazer Igreja, Teologia e Educao Popular Profa. Dra. Edla Eggert. N. 14 Jlio de Castilhos e Borges de Medeiros: a prtica poltica no RS Prof. Dr. Gunter Axt

N. 15 Medicina social: um instrumento para denncia Profa. Dra. Stela Nazareth Meneghel. N. 16 Mudanas de significado da tatuagem contempornea Profa. Dra. Dbora Krischke Leito. N. 17 As sete mulheres e as negras sem rosto: fico, histria e trivialidade Prof. Dr. Mrio Maestri.