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1 UM MODELO EM FOCO: A LEITURA DO TEXTO LITERÁRIO PELO VIÉS DO ESTUDO DO MITO EM MACHADO DE ASSIS Objeto de aprendizagem colaborativa (OAC) Professora PDE: Míriam Zafalon Orientador: Professor Doutor Aécio Flávio de Carvalho O presente trabalho é passível de melhoria e reformulação. Como pesquisadora, tenho consciência de que este material apresenta lacunas. Entretanto, as referências bibliográficas postas a serviço dos professores poderão servir como base para que possam suprir as eventuais brechas. Sabemos que mesmo os melhores materiais didáticos não farão um professor ser melhor. Personalizar o material teórico é tarefa do professor e dessa forma ele poderá trabalhar com eficiência. Literatura é algo difícil de definir mas, pode-se afirmar que “literatura é literatura”. Entender essa expressão, aparentemente enigmática, pressupõe ter a clareza de que não se ensina literatura para que nosso aluno passe no vestibular, ou para que conheça dados biográficos de alguns autores, ou ainda, para repassar características de uma escola literária; enfim, a literatura não pode ser vista como uma ferramenta apenas destinada a fins práticos, sejam eles quais forem. O professor que ensina literatura pratica tal ação para que seu aluno “viva”, para que ele próprio, professor, “viva”. Literatura é vida e nela estão concentradas as grandes verdades humanas. Literatura é a arte de criar uma realidade própria, transpondo para o papel os sonhos e fantasias pessoais, tornando-os reais; é a imitação da palavra (mimese); é a criação de uma supra-realidade. Essa imitação da vida real, essa “realidade literária” busca, muitas vezes, no mito, uma possibilidade de reflexão sobre a existência, o cosmos, as situações mundanas e as relações sociais. E de que forma o mito contribui para a universalização de uma obra literária? O mito faz parte daquele conjunto de fenômenos cujo sentido é pouco nítido, difuso. O mito se “atualiza” geração após geração, através de sua incidência em obras de muitos

UM MODELO EM FOCO: A LEITURA DO TEXTO LITERÁRIO … · Fui trair meu grande amigo Mas vou limpar a mente Sei que errei ... Helena de seu marido (embora, aparentemente, ela siga Páris

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UM MODELO EM FOCO: A LEITURA DO TEXTO LITERÁRIO PELO VIÉS DO

ESTUDO DO MITO EM MACHADO DE ASSIS

Objeto de aprendizagem colaborativa (OAC)

Professora PDE: Míriam Zafalon

Orientador: Professor Doutor Aécio Flávio de Carvalho

O presente trabalho é passível de melhoria e reformulação. Como

pesquisadora, tenho consciência de que este material apresenta lacunas.

Entretanto, as referências bibliográficas postas a serviço dos professores poderão

servir como base para que possam suprir as eventuais brechas. Sabemos que

mesmo os melhores materiais didáticos não farão um professor ser melhor.

Personalizar o material teórico é tarefa do professor e dessa forma ele poderá

trabalhar com eficiência.

Literatura é algo difícil de definir mas, pode-se afirmar que “literatura é

literatura”. Entender essa expressão, aparentemente enigmática, pressupõe ter a

clareza de que não se ensina literatura para que nosso aluno passe no vestibular,

ou para que conheça dados biográficos de alguns autores, ou ainda, para

repassar características de uma escola literária; enfim, a literatura não pode ser

vista como uma ferramenta apenas destinada a fins práticos, sejam eles quais

forem. O professor que ensina literatura pratica tal ação para que seu aluno “viva”,

para que ele próprio, professor, “viva”. Literatura é vida e nela estão concentradas

as grandes verdades humanas.

Literatura é a arte de criar uma realidade própria, transpondo para o papel

os sonhos e fantasias pessoais, tornando-os reais; é a imitação da palavra

(mimese); é a criação de uma supra-realidade. Essa imitação da vida real, essa

“realidade literária” busca, muitas vezes, no mito, uma possibilidade de reflexão

sobre a existência, o cosmos, as situações mundanas e as relações sociais. E de

que forma o mito contribui para a universalização de uma obra literária? O mito faz

parte daquele conjunto de fenômenos cujo sentido é pouco nítido, difuso. O mito

se “atualiza” geração após geração, através de sua incidência em obras de muitos

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autores pelo mundo. A obra de Machado de Assis recupera mitos antiqüíssimos,

conferindo-lhes atualidade na investigação das camadas profundas da alma

humana, ajudando a entender o homem de hoje e a desvelar a hipocrisia social; a

leitura do mito em Machado de Assis nos coloca em contato com o ser humano

naquilo que ele possui de mais nobre e mais mesquinho e, nessa aventura,

acabamos conhecendo nossas próprias misérias e virtudes.

LEIA MAIS

Este OAC se justifica pela necessidade de comprovar que a perenidade da

obra literária, aqui representada por alguns contos machadianos, pode ser o

produto da recorrência às instituições mitológicas que perduram desde as heróicas

epopéias gregas até os dias de hoje.

Machado de Assis foi sensível às angústias do ser humano e utilizou essa

matéria como conteúdo de reflexão literária. O presente trabalho explorará um

pouco mais da obra desse autor, enveredando-se, principalmente, pelo caminho

da investigação do “mito”. Para tanto, apresentaremos alguns contos

machadianos, que poderão dar sustentação à tese de que a obra desse autor é

permeada, em vários momentos, pela presença do pensar mítico como ferramenta

para a construção de uma prosa sagaz e de alta expressividade. Temos a

curiosidade de desvendar nessas narrativas outras leituras, diferentes das tantas

que já foram feitas, assim como rastrear atentamente essas histórias, que

pertencem ao século XIX, no intuito de encontrar vestígios de mitos milenares e

constantes na prosa.

Julga-se de assaz importância para os estudos literários uma focalização

especial na teoria da estética da recepção, corrente que concebe o leitor como

entidade coletiva, ou seja, o indivíduo leitor “atualiza” a obra segundo o horizonte

de expectativa que compreende suas experiências sociais acumuladas e a partir

disso constrói uma nova visão da realidade. A leitura e análise dos referidos

contos de Machado de Assis a partir da teoria recepcional possibilitará uma troca

com o texto, observando-se a experiência estética e seu efeito no leitor.

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Este OAC apresenta os seguintes objetivos:

§ Explorar a obra machadiana procurando novas leituras de alguns dos

contos mais conhecidos do autor;

§ Pesquisar as características do Machado de Assis contista através da

leitura e análise dos contos propostos;

§ Perceber a recuperação de mitos no processo formador da estrutura

semântica dos contos analisados;

§ Estudar os contos tendo em mente a literatura como forma de comunicação

e interação, conforme estabelece a “estética da recepção”.

Bibliografia consultada

AGUIAR,Vera Teixeira de; BORDINI, Maria da Glória. Literatura: a formação do leitor – alternativas metodológicas. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1993. BARBOSA, Francisco de Assis. Machado de Assis em miniatura. São Paulo: Melhoramentos, 1957.

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1997. BRAYNER, Sônia (org.). O conto de Machado de Assis. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1981. ELIADE, Mircea. Mito e realidade. São Paulo: Perspectiva, 1972. JAUSS, Hans Robert. A história da literatura como provocação à teoria literária. Trad. Sérgio Tellaroli. São Paulo: Ática, 1994. KLEIMAN, Ângela B. Oficina de leitura: teoria e prática. São Paulo: Pontes, 2004. LARROSA, Jorge. Pedagogia profana: danças, piruetas e mascaradas. Trad. Alfredo Veiga Neto. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. PARANÁ/SUED/SEED,DCE – Diretrizes curriculares da rede pública de educação básica do estado do Paraná. LÍNGUA PORTUGUESA, Curitiba, 2006. ROCCO, Maria Tereza Fraga. Literatura e ensino: uma problemática. São Paulo: Ática, 1992. ROCHA, Everardo P. G. O que é mito. 4. ed. São Paulo: Brasiliense, 1985.

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SCHWARZ, Roberto. Um mestre na periferia do capitalismo: Machado de Assis. 3.ed. São Paulo: Editora 34, 1997. ZILBERMAN, Regina. Estética da recepção e história da literatura.São Paulo: Ática, 1985 RECURSOS DIDÁTICOS

SÍTIOS CONSULTADOS http://www.machadodeassis.org.br

O sítio “Espaço Machado de Assis” é um site elaborado pela Academia

Brasileira de Letras que traz muitas informações sobre esse escritor. O site

oferece biografias, bibliografias, adaptações, teses e monografias, depoimentos,

conferências, obras digitalizadas, fontes e referências entre outros materiais. É

uma boa referência para todos que quiserem saber um pouco mais sobre vida e

obra desse notável escritor brasileiro.

http://www.discoverybrasil.com/guia_conspiracao/mito/index.shtml

Este sítio mostra diversos temas relacionados aos mitos, explicando o que é

mito, mito urbano, lenda, além da exemplificação de todos esses elementos.

Apresenta textos bem escritos e riqueza de imagens. Embora não apresente

grande aprofundamento, o site é uma boa opção por sua clareza e objetividade.

Para o trabalho com a recuperação dos mitos da obra moderna de Machado de

Assis, torna-se de assaz importância pesquisar e conhecer, ao menos

basicamente, alguns dos mitos e figuras mitológicas constantes no imaginário

popular e que perduram há milênios, passados de geração a geração, através da

literatura.

SONS

“MULHERES DE ATENAS”

Intérprete: Chico Buarque

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Compositor: Chico Buarque

Nessa canção, o compositor versa sobre aspectos da sociedade ateniense

do período clássico e retoma alguns episódios e personagens da mitologia grega.

A letra faz alusão aos famosos poemas épicos Ilíada e Odisséia, ambos atribuídos

a Homero. Há uma tentativa, nos textos modernos, de substituir a autoridade da

tradição épica pela criatividade e inspiração do autor. Porém, os traços da

narrativa épica, assinalados pela permanência das características míticas, ainda

se encontram na articulação narrativa do romance. Do mítico ao ficcional, ou, por

outras palavras, da epopéia ao romance moderno, desenha-se um percurso que

passa pelo “mimético” e pelo “histórico”, construindo uma concepção realista do

indivíduo através dos padrões míticos.

O gênero épico encontra força na narrativa homérica, sendo assim

perpetuado. Homero deu enredo a feitos heróicos extraídos da experiência e da

imaginação, marcando sua presença através dos séculos, em meio às narrativas

que o homem tem produzido. A música “Mulheres de Atenas” propõe uma

atualização do antigo mito das mulheres servis e submissas, mito esse tão

amplamente intensificado por grande parte da literatura universal, desde os

tempos antigos até a contemporaneidade. A letra de Chico Buarque ainda faz

referência a Helena de Tróia, personagem da Ilíada, que poderia, em alguns

aspectos, ser assemelhada a personagem machadiana Rita, do conto “A

cartomante”, resgatando da história homérica a tríade amorosa que é revisitada no

conto machadiano. Tanto na narrativa grega quanto no conto machadiano, a

personagem feminina é tratada como objeto de prazer, “coisa” a ser possuída,

adquirida, sendo de algum modo impelida à traição; de forma bastante efetiva na

Ilíada e um pouco mais velada em “A cartomante”, as mulheres fazem parte dos

sonhos e pensamentos, são desejadas e retiradas de sua posição de fidelidade,

para cederem aos desejos de novos parceiros.

Mirem-se no exemplo

Daquelas mulheres de Atenas

Vivem pros seus maridos

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Orgulho e raça de Atenas

Quando amadas se perfumam

Se banham com leite, se arrumam

Suas melenas

Quando fustigadas não choram

Se ajoelham, pedem imploram

Mais duras penas, cadenas

(...)

Quando eles embarcam soldados

Elas tecem longos bordados

Mil quarentenas

E quando eles voltam, sedentos

Querem arrancar, violentos

Carícias plenas, obscenas

(...)

Quando eles se entopem de vinho

Costumam buscar um carinho

De outras falenas

Mas no fim da noite, aos pedaços

Quase sempre voltam pros braços

De suas pequenas, Helenas

(...)

Disponível em: www.mundocultural.com.br

“AMOR PROIBIDO”

Intérprete: Cartola

Compositor: Cartola

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Essa é uma das mais belas letras do cancioneiro brasileiro e aborda a

temática da separação entre o casal que se ama por viverem o dilema do “amor

proibido”. A linda letra de Cartola poderá servir como recurso para rememorar o

antigo mito do “amor proibido”, e estabelecer a ponte com o conto “Uns braços” de

Machado de Assis, confirmando a recorrência e permanência da estrutura mítica

repassada de geração a geração a partir da literatura e também da música.

Sabes que vou partir

Com os olhos rasos d'água

E o coração ferido

Quando lembrar de ti

Me lembrarei também

Deste amor proibido

Fácil demais

Fui presa

Servi de pasto

Em tua mesa

Mas fique certa que jamais

Terás o meu amor

Porque não tens pudor

Faço tudo para evitar o mal

Sou pelo mal perseguido

Só o que faltava era esta

Fui trair meu grande amigo

Mas vou limpar a mente

Sei que errei

Errei inocente

(...)

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Disponível em: http://letras.terra.com.br/cartola/88702/

VÍDEOS

Dom

Direção: Moacyr Góes

O filme apresenta uma releitura da obra “Dom Casmurro”, de Machado de

Assis. Bento (Marcos Palmeira) é um homem cujos pais, apreciadores de

Machado de Assis, resolveram batizá-lo com esse nome em homenagem ao

personagem homônimo do livro Dom Casmurro. Tantas vezes foi justificada a

razão da homenagem que Bento cresceu com a idéia fixa de que seria o próprio

personagem e destinado a viver, exatamente aquela história. Até chamava sua

amiga de infância no Rio de Janeiro, Ana (Maria Fernanda Cândido), de Capitu.

Seus amigos, conhecedores do seu sentimento de predestinação, lhe apelidaram

de Dom. Bento e Ana separaram-se quando a família do menino mudou-se para

São Paulo. Já adulto, Bento foi trabalhar como engenheiro de produção e vinha

freqüentemente ao Rio. É lá que Dom reencontra sua Capitu e dali renasce o

romance da infância, só que, agora, avassalador.

O filme “Dom” é uma ótima opção para se mostrar aos alunos uma releitura

moderna da obra Dom Casmurro de Machado de Assis. Verifica-se na obra

fílmica uma adaptação aos tempos atuais, porém preservando a famosa questão

da dúvida sobre a traição de Capitu. Juntamente com a leitura e análise dos

contos machadianos, a obra Dom Casmurro é um dos referenciais mais

importantes da ficção de Machado, sendo, portanto imprescindível a leitura desse

romance, especialmente no ensino médio, quando o professor estiver trabalhando

as escolas Realistas. Contrapor obra escrita à obra fílmica é sempre uma

atividade de criatividade e que aguça o interesse dos alunos pelo material

artístico.

Referência: DOM. Direção de Moacyr Gões. Brasil: Warner Home Vídeo, 2003.

(120min)

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Tróia

Direção: Wolfgang Petersen

Na Grécia antiga, a paixão de um dos casais mais famosos da História,

Páris, príncipe de Tróia (Orlando Bloom), e Helena (Diane Kruger), rainha de

Esparta, gera uma guerra que destruirá toda a civilização troiana. Páris sequestra

Helena de seu marido (embora, aparentemente, ela siga Páris por vontade

própria), o rei Menelau (Brendan Gleenson), e esta afronta não pode ficar impune.

O irmão de Menelau, o poderoso rei Agamenon de Micenas (Brian Cox),

igualmente sente-se desonrado o que faz com que todos os esforços da nação

grega sejam reunidos em prol do resgate de Helena, culminando com uma guerra

sangrenta.

Na verdade, Agamenon precisa garantir a supremacia de seu reino, e sua

ganância torna-se a mola propulsora mais importante que o move em busca da

cunhada raptada. O rei de Tróia, Príamo (Peter O'toole) e sua fortaleza jamais

invadida por outras nações são defendidos pelo filho mais velho, o valente

príncipe Heitor (Eric Bana). A derrota dos troianos é atribuída à força e sagacidade

do grego Aquiles (Brad Pitt), um homem praticamente invencível.

Aquiles, embora ataque Tróia sob o comando do rei Agamenon, luta pela

sua glória individual, para ser lembrado e consagrado pelas gerações vindouras e

não tem lealdade a ninguém, pois é arrogante e rebelde. Por amor a uma mulher,

Páris inicia o processo de devastação de Tróia, fazendo padecer milhares de

inocentes e corroborando para a busca infinita de poder e honra.

O filme “Tróia” é bastante pertinente a este OAC uma vez que traduz em

linguagem fílmica os mitos eternizados pela epopéia “A Ilíada”, de Homero, e que

tão bem se vêem reconstituídos nos contos machadianos propostos para análise

nesse projeto. Os mitos do triângulo amoroso, do sonho e do amor proibido,

constantes na épica homérica e também nos contos “A cartomante”, “A chinela

turca” e “Uns braços” são mais uma vez recuperados na produção cinematográfica

Tróia. É interessante que haja esse diálogo entre a literatura moderna e a épica,

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passando pela versão produzida para o cinema, abrindo ainda mais o leque de

possibilidades de reintegração dos mitos milenares ao cotidiano humano.

Referência: TRÓIA. Direção de Wolfgang Petersen. EUA: Warner, 2004. (165min)

PROPOSTAS DE ATIVIDADES

Apresentaremos três “estratégias de leitura” que propõem trabalhar a

leitura literária centrando essa ação na experiência do leitor com a leitura,

relacionando o cognitivo com o emotivo, objetivando a fruição do texto,

construindo sentidos e relacionando-os com a realidade do leitor. Para isso o

professor deverá apresentar alguns contos de Machado de Assis, focando sua

temática, sua relação com o “mito” e seu caráter universal e atemporal. As obras

selecionadas também devem estar de acordo com a maturidade dos alunos,

causando assim, uma interação efetiva. Sobretudo, objetiva-se demonstrar aos

alunos que os mitos ainda são a melhor fonte para conhecer o percurso do

pensamento do homem, além de ser uma forma de demonstrar como a história da

humanidade era vista pelos antigos. Cercados pelas lendas que os envolvem, os

mitos trazem consigo um legado ancestral que vai sendo renovado conforme são

recontados e revisitados pelas obras da modernidade.

11.. AAnnáálliissee ddoo ccoonnttoo ““AA ccaarrttoommaannttee””

Objetivo específico: conhecer o conto “A cartomante” e analisá-lo sob o viés do

estudo do mito do triângulo amoroso.

“A cartomante” é a história de um triângulo amoroso formado por Vilela,

Camilo e Rita. Vilela e Rita reencontram um grande amigo dele, Camilo; com o

tempo, Rita e Camilo envolvem-se amorosamente. Ela procura uma cartomante

para certificar-se de que o amante a ama e recebe uma resposta afirmativa. Mais

tarde, Camilo recebe um aviso para que vá com urgência à casa de Vilela e teme

ter sido descoberto em sua traição. O tílburi em que viaja pára em frente à casa da

cartomante e ele resolve, enquanto espera a desobstrução da rua, ir consultá-la.

Ela o tranqüiliza e ele sai confiante. Ao chegar à casa do amigo, encontra a

amante morta e é assassinado por Vilela.

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Incentivar os alunos para que leiam esse conto e, após a leitura, instigá-los

para que apresentem suas primeiras impressões: gostaram ou não? Por quê? Que

sentimentos a leitura lhes despertou? A partir dessa conversa inicial, sugerir aos

alunos que analisem cada um dos personagens do conto, incitando-os à

percepção da sagacidade do autor ao compor esses personagens, a fina ironia

com que elabora sua linguagem; através de texto escrito produzido na própria sala

de aula, os alunos caracterizarão os personagens psicologicamente, atribuindo a

importância que julgam que cada um deles tem para a formação da narrativa,

como parte inicial do processo de avaliação da atividade.

Trazer para os alunos a informação de que o tema do “triângulo amoroso”

não é novo; muito ao contrário, já é um “mito” internalizado e constante em várias

outras obras. Sugerir a pesquisa desse mito (“o triângulo amoroso”) dentro da

literatura brasileira e universal. Essa pesquisa será apresentada como prova de

que na literatura, quase tudo que se lê, já foi escrito de diferentes formas, em

diferentes tempos, por diferentes autores. Os alunos trarão para a classe as

informações que conseguiram sobre o mito do “triângulo amoroso”, contarão

sucintamente as histórias que abordam esse tema, os autores que privilegiaram

esse tema. Como mediador, o professor deve mostrar-lhes como cada uma das

obras encontradas aborda a mesma temática de maneiras diferentes,

contextualizando situações sócio-culturais diversas.

Um outro mito, muito interessante, também ocorre no texto “A cartomante”:

é a recorrência à figura enigmática da “cartomante’, que, na mitologia grega, é

incorporada pelas Pitonizas. Os gregos davam o nome de Pitonisas a todas as

mulheres que tinham a profissão de adivinhas, porque o deus da adivinhação,

Apolo, era cognominado de Pítio, quer por haver matado a serpente-dragão Píton,

quer por ter estabelecido o seu oráculo em Delfos, cidade primitivamente chamada

Pito. A Pitonisa era a sacerdotisa do oráculo de Delfos, ela divulgava seus

oráculos uma vez por ano, no começo da primavera. Mas antes de se sentar na

trípode, a Pitonisa se banhava na fonte de Castália, jejuava três dias, mascava

folha de loureiro, e com religioso recolhimento, cumpria várias cerimônias.

Terminados esses preâmbulos, Apolo prevenia a sua chegada ao Templo e ela

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era conduzida à trípode pelos sacerdotes. Assim que desvendava o oráculo caía

em uma espécie de transe, que algumas vezes durava muitos dias. A princípio

existiu uma única Pitonisa, mas com o tempo, o grande número de consultas que

eram regularmente feitas, exigiu o recrutamento de novas Pitonisas. Para atingir a

grande honra de ser sacerdotisa, isto é, Pitonisa, era necessário satisfazer

algumas condições consideradas essenciais, como ser pura, haver recebido uma

educação simples e jamais haver conhecido o luxo, vestindo-se com recato. De

preferência as Pitonisas eram recrutadas entre as famílias pobres, porque,

acreditavam os gregos que a riqueza era incompatível com a elevada missão da

Pitonisa. Essa habilidade apresentada por essa personagem mitológica aparece

em nossas vidas para dizer que o dom da profecia é inerente a todas as mulheres.

Só as mulheres trazem consigo os mistérios do sangue menstrual, da gravidez e

do parto. Esses elementos separam claramente o homem da mulher. A Pitoniza

(ou cartomante) vem ainda nos dizer que nosso futuro depende de nossas

escolhas pessoais. O padrão de energia básica de nossas vidas é

preestabelecido, mas podemos alterá-lo como nos aprouver.

A revisitação desse elemento mitológico se torna visível através da

elaboração na personagem título do conto. A “cartomante” reinterpreta o mito da

antiga função de prever o futuro que as Pitonizas exerciam nas histórias gregas. O

professor poderá apresentar informações sobre esse mito através de slides

produzidos especialmente para essa aula e até mesmo de trechos de filmes que

recuperam esse dado mitológico.

Para finalizar essa atividade, o professor poderá pedir aos alunos que

elaborem um novo final para o conto, tentando não perder de vista o elemento

surpresa, nem escapando da coerência narrativa que o texto original contempla. O

processo de avaliação dessa estratégia contará com as atividades de produção de

textos escritos e de pesquisa, sempre com conceituação individual.

22.. AAnnáálliissee ddoo ccoonnttoo ““AA cchhiinneellaa ttuurrccaa””

Objetivo específico: conhecer o conto “A chinela turca”, percebendo em sua

linguagem a atualização do mito do sonho, através da análise de sua estrutura.

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Esse conto tem algo de “fantástico” que o torna sedutor aos olhos do leitor.

Trata-se da narrativa sobre o bacharel Duarte, jovem que almeja encontrar uma

linda dama num baile, Cecília, alguém por quem ele já cultiva uma grande atração.

Quando está quase pronto para sair, recebe a visita de um amigo de seu pai, o

major Lopo Alves, a quem precisa dar atenção respeitosa. O major vem mostrar-

lhe um livro que escreveu e começa a lê-lo, enquanto Duarte está ansioso para

sair e encontrar sua pretendida. A leitura é totalmente enfadonha, além de

completamente inconveniente naquele momento. Lá pelas tantas, o major levanta-

se e vai embora de repente. Instantes depois, chega um homem que diz ser

policial e dá voz de prisão, acusando-o de ter roubado uma “chinela turca”. Duarte

é levado para um local desconhecido, onde sofre tortura psicológica. Fica sabendo

que a história da chinela é na verdade um pretexto, a chinela metaforiza o coração

de uma moça que teria sido conquistado por ele. Recebe a informação de que terá

que se casar com uma linda jovem que o aguarda, assinar a doação de seus bens

para ela e, em seguida, suicidar-se tomando veneno. O (falso) padre que faria seu

casamento, o motiva a fugir pulando a janela. Ele é perseguido pelos homens que

o prenderam mas consegue escapar e voltar para casa. E então, Duarte acorda do

pesadelo que teve enquanto o major Lopo Alves lia sua obra, ainda a tempo de

ouvir o último parágrafo.

O professor poderá fazer a leitura inicial, em voz alta para os alunos.

Quando terminar, deve questioná-los imediatamente sobre suas impressões

iniciais sobre o texto. Provavelmente eles ainda não estarão totalmente certos de

que a história se desenvolve em dois níveis: há uma história dentro da história,

correndo paralelamente à ação do texto. Questionar os alunos para que percebam

e encontrem no texto o momento em que o autor, sutilmente, sai da primeira

narrativa e vai à segunda. Após essa verificação, propor aos alunos que

escrevam sobre a importância do recurso adotado pelo autor nessa narrativa para

conferir-lhe um sentido especial, ou seja, como o expediente do “sonho” contribuiu

para que esse conto se estruturasse e se distinguisse. Pedir aos alunos para que

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exponham suas conclusões sobre o recurso utilizado por Machado de Assis (por

escrito e oralmente para os que quiserem).

Explicar aos alunos que o sonho é um tipo de mito que explica como o

mundo funciona ou que nos transmite uma “versão” de mundo. Isso tudo acontece

porque os seres humanos têm uma mitologia pessoal (crenças, valores) que

estabelece um vínculo do indivíduo com a sociedade. Os sonhos podem

demonstrar os conflitos existentes entre essa mitologia pessoal e o mundo que

nos cerca, utilizando imagens e símbolos que exploram o impacto emocional das

experiências vividas.

O professor poderá trazer para os alunos, através de slides na tv pendrive, a

lenda de Morfeu, o deus dos sonhos. Segundo a mitologia, Morfeu era filho de

Hipnos, deus do sono. Morfeu tinha a habilidade de assumir qualquer forma

humana e aparecer nos sonhos das pessoas, como se fosse o ente amado por

elas.

Quando o indivíduo não conhece o original, o real, o genuíno, o verdadeiro,

ele acredita no falso como se fosse o verdadeiro. O mito do sonho, encarnado na

história universal na pele de Morfeu, é um novo conceito da "verdade". Quando

dormimos, podemos nos tornar semelhantes a deuses, personagens heróicos ou

nos tornarmos outras pessoas, com habilidades e forças especiais. Desta forma,

descemos ao sombrio e misterioso mundo ditado pelos deuses e retornamos na

possibilidade de resgatar uma condição mais divina de viver. Para um processo de

autoconhecimento é de assaz importância que cada um descubra o mito que está

vivendo e, com certeza, o sonho é um instrumento importantíssimo nesse

processo. Através do sonho, o inconsciente é capaz de liberar o desejo reprimido.

A partir das informações sobre mito e sonho, voltar ao conto “A chinela turca” para compreender melhor o que representa o último trecho do texto: “o melhor drama está no expectador e não no palco”. Os alunos perceberão que o personagem central, Duarte, se conscientiza do poder da imaginação e da fantasia que está em cada pessoa, tudo graças ao pesadelo que teve. A proposta final dessa atividade é a montagem de uma encenação que envolva grupos formados pelos alunos. Cada grupo preparará sua versão teatral do conto, incluindo cenário, figurino e maquiagem. Os grupos montarão seus roteiros, tendo o conto machadiano como base, mas podendo utilizar de

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criatividade, alterando espaço, tempo e outros elementos, desde que se preserve a idéia central. O professor auxiliará nesse roteiro, na elaboração das falas das personagens, na expressividade que cada personagem deve demonstrar. Serão marcados alguns ensaios, inicialmente só com leituras dramáticas evoluindo até os ensaios gerais. A apresentação das encenações poderá ser feita, inclusive, para outras turmas da escola. A avaliação contemplará a participação dos alunos nas exposições sobre o conto e sobre o mito do sonho. Ainda como parte da avaliação, verificar-se-á a responsabilidade, criatividade e espírito de equipe que os alunos mostraram durante a atividade de encenação, sendo atribuídos conceitos individuais para todas as etapas dessa estratégia.

33.. AAnnáálliissee ddoo ccoonnttoo ““UUnnss bbrraaççooss”” Objetivo específico: conhecer o conto “Uns braços”, atualizando nele o mito do “amor proibido”.

O conto retrata a história de uma paixão proibida, de um desejo muito forte.

Inácio, empregado do senhor Borges, é um garoto de quinze anos. Ele mora na casa do patrão e acaba se apaixonando pela esposa de Borges. Dona Severina, moça de vinte e sete anos, tenta fugir do entendimento de que é o objeto do amor do rapazola, mas ela própria se sente irresistivelmente atraída por ele. O jovem não a encara, mas observa com avidez os braços dela, enquanto ela o serve nas refeições. Ela percebe o interesse de Inácio e passa, então, a mostrar os braços mais desnudos. Num domingo em que o marido não está em casa, ela vai até o quarto de Inácio e, cheia de sustos e cuidados, o beija enquanto ele dorme. Ele acorda pensando que teve um sonho. Dias depois ele é dispensado de suas funções, e se afasta definitivamente daquela paixão proibida. Solicitar aos alunos que leiam o conto e em seguida ativem os seus conhecimentos prévios. Através de conversa informal, questioná-los quanto à temática do texto: pode ocorrer o fato do texto na vida real? Um jovem pode se apaixonar por uma mulher casada, mais velha, e vice-versa? Conhecem algum caso verídico? Já aconteceu com vocês? Explicar aos alunos que “amores proibidos” são uma temática bastante recorrente nas obras literárias, nos filmes, nas músicas. Enfim, a arte sempre contemplou esse assunto. Oferecer aos alunos textos que contem histórias mitológicas que possuam a temática do amor proibido, através de slides na tv pendrive, produzidos pelo próprio professor e/ou que sejam encontrados na Internet. A primeira poderia ser a história de Cupido e Psique. Vênus, a mãe de Cupido, sentia ciúme de Psique por achá-la bonita. Pediu ao filho que a flechasse para que ela se apaixonasse pelo

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homem mais feio do planeta. Quando Cupido se aproximou da moça, encantado por sua beleza, acabou ferindo a si mesmo e ficando apaixonado por Psique. Pediu a Zéfiro (o vento oeste) que a levasse para um maravilhoso palácio e passou a visitá-la todas as noites, mas em forma invisível, pois essa era a condição para que os dois pudessem ficar juntos, ela não poderia vê-lo. Ela era muito curiosa e, certa noite, quando ele estava dormindo, Psique pegou uma lamparina e o observou, vendo que era um lindo ser. Uma gota de óleo caiu no braço dele e o fez acordar e ir embora dali. Cupido rogou a Zeus que permitisse a sua união a Psique, e então o deus dos deuses mandou buscá-la e deu a ela o néctar que a tornaria imortal para poder viver com Cupido. Quando Vênus viu que seu filho estava tão feliz e apaixonado, abençoou o casal. Outro exemplo do amor proibido na mitologia, também oferecida aos alunos como parte da atividade é a história de Édipo. O professor trará em slides a história do filho de Laio e Jocasta, reis de Tebas, Édipo, que foi abandonado num bosque ao nascer, pois o oráculo de Delfos profetizou que ele mataria o pai e se casaria com a mãe. Um pastor encontrou a criança ainda viva e o levou para Corinto onde foi adotado pelo rei Políbio. Quando adolescente, Édipo ouviu também a profecia do oráculo e, desesperado, resolveu fugir para longe daqueles que ele julgava serem seus pais biológicos. Enquanto fugia encontrou um ancião, desentendeu-se com ele e matou-o. Era seu pai, Laio. Chegou a Tebas, encontrou a cidade sob o domínio de uma esfinge que deveria ser decifrada para que todos fossem libertados. Édipo decifrou o enigma e casou com a rainha viúva da cidade, como prêmio por livrar a cidade da peste. A viúva era Jocasta, sua mãe. Com ela teve quatro filhos. Uma nova peste assolou Tebas e dessa vez, Édipo descobriu que era ele o causador das tragédias profetizadas. Jocasta matou-se, todos os seus filhos tiveram destino trágico e Édipo morreu misteriosamente num bosque sagrado, depois de ter furado os próprios olhos. Lidos os textos mitológicos, o professor poderá promover um debate no qual os alunos farão a ponte de ligação entre o texto “Uns braços” e as referências mitológicas apresentadas, analisando as condições de produção do conto de Machado de Assis (dimensões de época, espaço, características daquele momento). Pedir aos alunos que tragam para uma próxima aula, outros exemplos de amores proibidos nas artes: músicas, contos, filmes. O material será apresentado e formará o corpus de uma coletânea que será devidamente catalogada, organizada e que terá como título: “O amor proibido nas artes”. Essa produção será elaborada em forma de livro, através da contribuição de todos os alunos da turma, contando com ilustrações dos mesmos e poderá ser divulgada para as demais turmas e corpo docente, servindo como avaliação final dessa

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atividade de leitura, sendo atribuídos aos alunos conceitos individuais por sua participação ativa nos debates e coleta de materiais sobre a temática proposta.

RECURSOS DE INVESTIGAÇÃO INVESTIGAÇÃO DISCIPLINAR Nossa proposta de investigação disciplinar é entender como o mito é

elaborado modernamente, especificamente na obra machadiana. O homem

moderno, tanto quanto o homem da antiguidade, não é só racionalidade, é

também subjetividade, repleto de anseios e de desejos. O mito no homem

contemporâneo manifesta-se de forma abrangente, incorrendo em todos os

aspectos da vivência (economia, arte, crença). O importante é saber que o ser

humano pode escolher seus próprios modelos de vida a partir de protótipos

apresentados; sendo assim, cada um vivencia o mito da maneira que possa

vincular aos valores que julga necessários para sua vida.

A obra machadiana reflete a presença de um indivíduo integrado ao seu

tempo e ao seu espaço, através de assuntos universais e atemporais, destituindo

o ponto de vista de que o espírito nacional estaria contido apenas em obras que

retratam uma determinada temática local. A narrativa de Machado, segundo

Schwarz (1997), mostra pontos de vista que refletem o funcionamento da

sociedade brasileira, apresentando o viés histórico-social com maestria, em

detrimento do assunto de primeiro plano. Dessa forma, os textos machadianos

apresentam sempre “segundas intenções”, ou seja, a matéria local é base para

uma perspectiva universalista que particulariza uma dinâmica histórica. No que se

refere aos contos, Machado de Assis procura examinar a permanência dos valores

hipócritas em detrimento dos valores éticos, identificando o homem acomodado às

conseqüentes perdas morais a que está sujeito nesse estado de coisas.

Como contista, Machado de Assis é um narrador que prende a atenção de

seu leitor. Seus contos refletem indivíduos incapazes de uma felicidade completa,

impotentes perante a realidade que os circunda, incapazes de modificarem seus

destinos, dotados de vidas insípidas e mesquinhas. Brayner (1981) afirma que o

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Machado contista apresenta um visão distanciada e abrangente da sociedade do

Segundo Império e da Primeira República, destilando sua ironia e partilhando suas

observações com o leitor. Essa ironia aparece na reflexão sobre os hábitos sócio-

culturais da sociedade do Rio de Janeiro e também na análise da própria natureza

humana, dotada de limitações e vícios. É visível a preferência de Machado pela

descrição do psiquismo humano e pela exposição dos valores sociais que são

promotores de comportamentos equívocos.

A obra machadiana inova quando abandona a descrição, só servindo-se

desse expediente quando provoca reações psicológicas nos seus personagens.

Interessa-lhe enfatizar a intimidade dos sentimentos de seus personagens e o

conhecimento da vida social. Isso provoca a apreensão da incoerência entre o

“ser” e o “parecer”, ou seja, a oposição entre o interior do indivíduo e o que ele

aparenta diante do mundo externo, expediente que torna a narrativa de Machado

sempre atual e pertinente a outras épocas. Essa pertinência também é habilitada

porque a literatura machadiana se pauta muito na simbologia, de uma forma geral,

e um dos recursos que transmite o universalismo nos contos machadianos é a

recorrência do “mito”.

O pensamento mítico teve início na Grécia e nasceu do desejo de

dominação do mundo, para afugentar o medo e a insegurança. O mito é um tipo

de verdade gerada pela intuição, não necessitando de provas para ser aceito. A

primeira manifestação histórica é o mito que surge nas sociedades primitivas.

Como uma necessidade de explicar para si mesmo sua origem e sua vida, o mito

é sempre uma história com personagens sobrenaturais, os deuses. Nele, os

homens são objetos passivos da ação dos deuses que são os responsáveis pela

criação do mundo (cosmos), da natureza, pelo aparecimento dos homens e pelo

destino .

Vários textos reforçam que mito é uma narrativa tradicional de conteúdo

religioso, que procura explicar os principais acontecimentos da vida por meio do

sobrenatural. Na verdade, o mito é uma narrativa especial que mostra as

contradições e inquietações de uma sociedade, dando margem à reflexão sobre a

existência humana no mundo. Para Rocha (1985), o mito tem sentido múltiplo e

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abrangente e pode ser usado em variados contextos, podendo designar desde a

representação clássica da mulher amada até a interpretação de um “pop star” do

mundo midiático.

O mito aparece e funciona como mediação simbólica entre o sagrado e o

profano, condição necessária à ordem do mundo e às relações entre os seres. À

medida que é adaptado à esfera e às dimensões da vida humana, manipulado e

elaborado conscientemente pelos indivíduos, o mito se dilui em suas

características originais para tornar-se lenda, saga, epopéia, fábula, história, conto

e novela. A necessidade de emoção e afetividade fazem o homem moderno

recuperar o mito, ainda hoje, no seu cotidiano. Através do mito se narram

acontecimentos e ainda se explicam questões que a racionalidade não consegue

abarcar. O mito aplicado a uma temática manifesta um conflito existencial, a

eterna angústia que causa a reflexão sobre a condição do homem no mundo. A

mensagem trazida pelo mito é indireta, implícita, subjetiva, distante da obviedade.

Não se comprova a veracidade de um mito, no entanto, ele é eficaz e tem valor

social, pois manifesta o inconsciente coletivo.

Um mito não se esgota através de suas interpretações, ao contrário, criam-

se novos mitos a cada explicação dada. Por isso, nas palavras de Rocha (1985) “o

mito flutua” (p.95). O mito não tem alicerces firmes, não possui definições sólidas,

se pauta em interpretações e interpretar não significa ter certeza.

As artes e os meios de comunicação imortalizam e projetam os mitos. No

mundo atual, os veículos de comunicação de massa exercem um papel importante

na permanência e na criação dos mitos, sem que as formas tradicionais de

transmissão tenham sido abandonadas. Com relativa freqüência, aparecem, nos

jornais diários, notícias e reportagens relativas aos mitos. A ficção radiofônica,

televisiva e cinematográfica tem incorporado mitos tradicionais e modernos em

suas produções. Em uma época mobilizada pela indústria da propaganda e do

consumo, o cinema surge como uma indústria do mito. Personagens como Super-

Man, James Bond e Marilyn Monroe fazem parte desse grupo de seres coroados

com a “vida eterna”, convidados a adentrar o Olimpo holywoodiano. Muitos de nós

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respiramos e vivemos o mito, temos o desejo de fazer parte do mito e entender o

mundo como um palco onde não há coadjuvantes, todos são atuantes e estrelas.

Propõe-se trabalhar o mito em alguns contos de Machado de Assis, tais

como, por exemplo, “A chinela turca”, “A cartomante”, “Uns braços” e outros que

perpassam um caminho entre o clássico e a alegoria, como representação das

vicissitudes humanas, cuja simbologia reflete, entre outras coisas, a futilidade

genérica do ser humano e a profunda compreensão das estruturas sociais. Todo

texto é uma mistura de escritura/leitura, uma rede de conexões. E a partir da

noção de intertextualidade, as relações entre obras literárias são compreendidas

como um procedimento natural de reescrita dos textos. Chamando de mito “um

conjunto narrativo consagrado pela tradição e que manifestou, pelo menos na

origem, a irrupção do sagrado, ou do sobrenatural, no mundo, mas que, num

período avançado pôde tomar uma significação abstrata, pretendemos analisar

como Machado de Assis utilizou os mitos tradicionais na composição de alguns de

seus personagens e enredos, modernizando-os, adaptando-os ao seu tempo, mas

também mantendo-os na sua imortalidade.

Para a realização dos estudos propostos, utilizar-se-á como fundamento

teórico a estética da recepção. Conforme essa teoria, cujos principais divulgadores

foram Wolfgang Iser e Hans Robert Jauss, o leitor deixa de ser passivo, revela-se

um ser capaz de emitir juízos e reflexões sobre o que leu. A estética da recepção

valoriza a fruição como meio de trazer o gosto pela leitura, sem se afastar da

dimensão histórica da obra, mas podendo ser inferida pelas condições de

recepção que variam com o passar do tempo.

A estética da recepção estabelece a historicidade da literatura em 3 planos:

1. A obra pertence a uma série literária na qual ela deve ser situada. Cada obra

deixa questões que serão retomadas pela obra seguinte.

2. A obra pertence a um corte sincrônico que deve ser recuperado, coexistindo

com elementos simultâneos e não simultâneos em qualquer momento da história.

Livros produzidos na mesma data, podem não ser contemporâneos, alguns

atrasados, outros adiantados para seu tempo.

3. A história literária se liga à história geral, sendo determinada e determinante.

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A teoria de Jauss serviu para reconstruir os horizontes de expectativas dos

leitores, assim, a história literária não renunciou ao essencial: a reconstrução e a

contextualização. Permite-se dizer que a história literária é uma justaposição de

textos fragmentados, ligados a cronologias diferenciais. Segundo Aguiar e Bordini

(1988), através do processo de recepção, o leitor compara a obra lida com a

tradição da cultura em que está inserido e se prepara para novas leituras e

rupturas com os esquemas estabelecidos.

Fundamentado na estética da recepção, esse OAC buscará a manifestação

do mito nos contos machadianos, verificando na linguagem a relação com a

consciência mítica, evidenciando as questões que refletem o ser humano e sua

existência. A intenção é seguir as pistas que os contos fornecem através de uma

atitude de interação entre texto e leitor, ambos cercados pelos horizontes

históricos, comprovando a perenidade da obra machadiana, que continua e

continuará, provavelmente por muitas épocas, contribuindo para o alargamento

dos horizontes de expectativas de seus leitores.

PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR

OO ccoonntteexxttoo hhiissttóórriiccoo nnooss ccoonnttooss mmaacchhaaddiiaannooss

Nesse tópico, pretende-se investigar o contexto histórico-político-cultural do

século XIX, pano de fundo para a obra de Machado de Assis. A ficção

machadiana demonstra a mentalidade peculiar que dominava o Brasil, naqueles

fins de século XIX: a tentativa de conciliar os valores da modernidade com o meio

ainda marcado pelas relações de poder patriarcais. Machado resiste ao discurso

capitalista, mas também não manifesta desejo pela volta dos tempos passados.

Volta seu olhar crítico para os poderosos procedimentos de exclusão, típicos

daquela sociedade, formada de uma restrita elite burguesa, retratando as

vivências, características e conflitos peculiares. Os textos machadianos dialogam

com a singularidade do local da cultura brasileira, respeitando as diferenças, e

criticando os discursos autoritários.

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Para a verificação desses pontos relativos à mentalidade do século XIX, a

análise dos contos “A cartomante”, “A chinela turca” e “Uns braços” poderá ser de

grande valia. Os conceitos machistas quanto à postura das pessoas na sociedade

patriarcal, sempre afirmando na submissão feminina e o castigo para o não

cumprimento de todas as regras sociais pré-estabelecidas; o prazer pela vida na

corte, festas, aparência e conquistas volúveis são tópicos que afloram na leitura

da obra de Machado de Assis, e sobretudo dos contos ora citados, constituindo

um exercício de aprendizagem da criatividade e sagacidade que o autor tão bem

soube utilizar. Através de recursos estilísticos e da fina ironia que lhe é peculiar,

Machado desvela em seus contos as misérias do homem de seu tempo, e, mais

do que isso, universaliza uma linguagem que está muito acima da realidade.

Através dos quadros que expõe, mostra um mundo degradado cujos heróis são

fragmentados, embora se possa reconhecer neles, em vários momentos,

rememorações dos antigos heróis que constituíam o mundo da totalidade.

CONTEXTUALIZAÇÃO Aqui apresentaremos a proposta de observar como a figura feminina

emerge no contexto do estudo do mito. Como o mito se manifesta na figura da

mulher? Qual seria o roteiro de atualização do mito feminino? A partir da obra

machadiana entramos em contato com várias personagens femininas de destaque

para a elaboração das tramas. Uma delas é a Rita, personagem que compõe o

triângulo amoroso do conto “A cartomante”. Olhando para essa personagem mais

atentamente, consegue-se verificar que ela apresenta muitos pontos em comum

com a célebre Helena de Tróia, personagem da Ilíada que tornou-se um mito até

hoje recorrente na composição de vários outros personagens femininos da

literatura. Essa personagem é sinônimo de perfeição especialmente por causa da

sua inigualável beleza física. Na Rita, do conto “A cartomante” temos, sem

sombra de dúvida, um exemplo concreto da manifestação do mito de Helena,

numa versão moderna, mas com o fascínio de uma bela mulher.

Rita e Helena são duas mulheres sedutoras, cada qual a seu modo, e que

são apreciadas pela sua beleza. Quanto à Helena, deusa entre as mulheres,

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considerada a mulher mais linda do mundo, detentora do coração de Páris, sua

beleza encanta a todos. Mas a sedução vai além da beleza, e tanto o Camilo do

conto de Machado quanto Páris da épica homérica apaixonam-se completamente,

arrebatadoramente, cada qual por sua encantadora mulher.

Deve-se levar em conta também que Helena seria, segundo os desígnios

divinos, a eleita como recompensa de Páris. Apesar de levar uma vida feliz com

Menelau, sob a influência e feitiço de Afrodite, Helena ter-se-ia apaixonado pelo

príncipe troiano, que a persuadiu a fugir com ele, levando-a para Tróia. Helena é

uma peça, como outras personagens épicas, no jogo desenhado pelos deuses, e

move-se segundo os desígnios destes. Ela é um instrumento de um Destino

transcendente à sua vontade mas que também a diviniza. Quanto à Rita, ela tem o

livre arbítrio, toma suas decisões independentemente da vontade de entidades

supremas, como os deuses mitológicos, o que confere a ela uma relativa e

aparente independência.

A beleza de Rita, de certa forma como a beleza de Helena, torna-se

responsável pela paixão que cega Camilo; vê-se aí o retorno à raiz lendária e

épica, revisitando o mito universal da beleza feminina como motivadora do

rompimento dos valores e instituições pré-estabelecidos. Helena é julgada

“culpada” por ser tão bonita, pois por essa razão, Páris não pensa racionalmente,

põe sua vida e seu país em perigo em nome da paixão que ela desperta em seu

coração. Rita é julgada “culpada” por ser tão bela e agradável, obrigando Camilo a

trair a confiança do próprio amigo para viver essa paixão.

Quando um conto moderno revisita temas, situações ou personagens da

antiguidade, transpondo a tradição para uma situação moderna, isso não significa

a modernização do passado, mas a busca de uma imagem autêntica dele. É

justamente aí que reside a legitimidade do encontro entre a bela Helena e a

sedutora Rita.

RECURSOS DE INFORMAÇÃO SUGESTÕES DE LEITURA

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MMuurrmmúúrriiooss nnoo eessppeellhhoo

Flávio Aguiar

“Murmúrios no espelho” é uma obra que apresenta os contos de Machado

de Assis, diferenciando-os do romance. Mostra que o romance representa toda a

sociedade, enquanto que o conto representa uma pequena parte desse todo, uma

parte especialmente peculiar, de onde se pode extrair grande significado. Nessa

obra, Flávio Aguiar procura mostrar a volubilidade dos valores éticos e morais,

sagazmente criticada por Machado de Assis.

Essa é uma obra que poderá ser amplamente utilizada pelo professor de

literatura do ensino médio quando trabalhar com as escolas Romântica e Realista

e com as obras de Machado de Assis. É um apoio teórico para a introdução dos

contos machadianos nas aulas de literatura, que dará ao professor um referencial

mais consistente quanto à obra machadiana.

Referência: AGUIAR, Flávio. Murmúrios no espelho: breve discussão do conto machadiano. In: Contos. 11. ed. São Paulo: Ática, 1985.

LLiinngguuaaggeemm ee mmiittoo

Ernst Cassirer

“Linguagem e Mito” de Ernst Cassirer é uma análise da moderna pesquisa

sobre as conexões entre linguagem e mito. Sua atualidade insuperada decorre

não só do rico material etnológico, do rigor científico do processo de indagação,

como do modo de ser das formas simbólicas, no plano do mito e da linguagem. Do

ponto de vista do autor, um dos maiores representantes do pensamento kantiano,

a arte, a linguagem e a ciência se tornam símbolos, não de um real existente, mas

cada uma delas gera e parteja o seu próprio mundo significativo.

A literatura moderna não tem se privado do fascínio pelo elementar e

arcaico, numa tentativa de readquirir uma unidade sintética. Para tanto, a

revalorização, a recorrência ao mito é ponto fundamental, pois através do mito a

arte literária encontra sua síntese.

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Os mitos, como as lendas, não podem ser compreendidos fora de seu

contexto geral; o contexto tem caráter decisivo para a compreensão do mito,

através de sua referência sociológica e também do próprio ato de narrar. O mito é

uma força cultural totalmente ativa nas sociedades e na literatura.

A obra de Machado de Assis é rica na recorrência a mitos e esse é um

ponto instigante para iniciar um trabalho em sala de aula com os contos e

romances machadianos. A recuperação da trajetória de personagens e histórias

mitológicas na elaboração da ficção de Machado, pode ser um artifício bastante

eficiente para despertar nos alunos o interesse pela obra de nosso mais célebre

escritor. O livro “Linguagem e mito”, de Cassirer, auxiliará o professor de literatura

a entender melhor como o mito e a linguagem estão fraternalmente ligados e

como isso se revela e se atualiza na escritura dos clássicos da nossa literatura.

Referência:

CASSIRER, Ernst. Linguagem e mito. São Paulo: Perspectiva,1972.

AA eessccoollaarriizzaaççããoo ddaa lleeiittuurraa lliitteerráárriiaa –– oo jjooggoo ddoo lliivvrroo iinnffaannttiill ee jjuuvveenniill

Organização: Aracy Alves Martins Evangelista

Heliana Maria Brina Brandão

Maria Zélia Versiani Machado

Nesta obra encontram-se aspectos que interessam à formação dos

professores no que diz respeito à interação com os processos de produção,

circulação e recepção da obra literária. Trata-se de um material que tem objetivo

de subsidiar a prática dos professores de Português, que lidam com a leitura

literária para crianças e jovens; enfatiza que o indivíduo que se descobre “cidadão”

é conduzido ao exercício ativo da leitura.

Um dos objetivos básicos da escola é a formação de um leitor crítico da

cultura, seja ela verbal e/ou não verbal. O que se tem visto é que o professor,

muitas vezes, atrapalha essa interação, ditando as regras que considera as mais

convenientes, utilizando as estratégias mais maçantes, com estudos intermináveis

de características de escolas literárias e de biografias de autores que não tem tido

outro objetivo além da informação em si mesma. A obra “A escolarização da

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leitura literária – o jogo do livro infantil e juvenil” reflete sobre essas práticas

fossilizadas e sugere aos professores repensar maneiras que exijam uma

participação ativa e interessante dos alunos, durante as aulas de literatura. É um

texto de importância capital para um desempenho consciente dos professores de

literatura.

Referência:

EVANGELISTA, Aracy Alves Martins; BRANDÃO, Heliana Maria Brina;

MACHADO, Maria Zélia Versiani (Org.). A escolarização da leitura literária – o jogo

do livro infantil e juvenil. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.

NOTÍCIAS

Série brasileira – Capitu

Em homenagem ao centenário de morte de Machado de Assis, o maior

expoente literário brasileiro, a Rede Globo apresenta de 9 a 13 de dezembro a

série Capitu, uma releitura da obra Dom Casmurro, a qual eternizou a dúvida

sobre uma suposta traição da esposa de Bento Santiago.

Essa superprodução contará com a presença de atrizes já consagradas na

TV, como Maria Fernanda Cândido e Eliane Giardini, mas também contará com

caras novas na televisão brasileira: Michel Melamed, atuando como Bento

Santiago, Pierre Baitelli como Escobar e Letícia Persiles, como Capitu, entre

outros.

Será uma oportunidade de reler uma das obras machadianas mais

importantes, dessa vez sob o viés da produção televisiva, analisando as

semelhanças e diferenças com a obra original e, sobretudo, verificando como a

linguagem da dramaturgia adaptou o texto publicado em 1899 e se houve uma

preocupação em manter a magia da dúvida, da reflexão que a imortalizaram.

Dom Casmurro é uma obra trabalhada nas escolas de ensino médio, pela

maioria dos professores de literatura. É um texto que oportuniza um estudo

intenso sobre os recursos lingüísticos empregados na escrita, em especial

demonstrando a fina ironia machadiana; além disso pode ser visto como um

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panorama legítimo da realidade social do século XIX. Machado de Assis

desempenhou conscienciosamente sua tarefa, sua função de escrever, acreditou

na literatura brasileira, foi genial e exemplar em sua atuação literária.

Notícia na íntegra disponível em:

http://comercial.redeglobo.com.br/prog_mini/capitu_intro.php

Acessado em 05/12/2008

DESTAQUES

TTrriiâânngguulloo aammoorroossoo

O conto moderno, mais especificamente, a narrativa de Machado de Assis,

pode ser, em muitos momentos, prova viva da presença do clássico, através de

mitos, temáticas, caracterização de personagens e outras especificidades que

recuperam a tradição épica. O triângulo amoroso é um mito amplamente utilizado

na literatura e também nas comunicações midiáticas. O tema do “triângulo

amoroso” não é novo; muito ao contrário, já é um “mito” internalizado e constante

em várias outras obras. Podemos encontrar o tema do triângulo amoroso em

outras obras do próprio Machado, por exemplo em Sofia, Cristiano Palha e

Rubião, do romance Quincas Borba; Bento Santiago, Capitu e Escobar, do

romance Dom Casmurro e Virgília, Lobo Neves e Brás Cubas do romance

Memórias Póstumas de Brás Cubas. Mas esse tema vem de muito mais longe. Na

mitologia grega, o triângulo amoroso já era representado através das figuras de

Zeus, Hera e Sêmele. Conta a mitologia que Zeus se apaixonou pela bela Sêmele

e prometeu atender a qualquer desejo seu. Ela engravidou e foi instigada pela

esposa do amante, Hera, a dizer a ele que desejava vê-lo em seu aspecto normal.

Zeus atendeu ao seu pedido e, ao mostrar-se em todo o seu esplendor divino,

Sêmele morreu carbonizada pelos raios que dele emanavam. O pai dos deuses

conseguiu, entretanto, salvar o filho e guardá-lo em sua própria coxa, onde ele

completou seu desenvolvimento.

Um triângulo amoroso não implica necessariamente relacionamento sexual,

podendo ser de caráter amigável. Se contarmos com relacionamentos

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homossexuais ou bissexuais, as combinações possíveis são várias. Na maior

parte das vezes, ao envolver sentimentos de traição, ciúme ou amor não

correspondido, ou num contexto monogâmico, o triângulo amoroso é considerado

de forma negativa por uma das partes. Não se deve confundir, contudo, este

conceito com ménage à trois, que se refere a uma relação sexual envolvendo três

pessoas. O triângulo amoroso é um dos temas mais explorados pelo universo

ficcional em óperas, romances, canções e persiste desde os modelos épicos até

os dias de hoje.

SSoobbrree MMaacchhaaddoo ddee AAssssiiss

Falar sobre Machado de Assis é fazer considerações sobre um homem que

teve uma vida simples, toda ela dedicada ao ofício de escrever. Ele tornou-se um

exemplo para os jovens de hoje, por seu intenso amor ao trabalho, o que mais

marca a sua existência.

Machado de Assis viveu por e para sua obra literária, foi profissional

honesto, preocupando-se em ser exemplar. Seus pais eram paupérrimos. O pai,

Francisco José de Assis, era pintor e dourador de profissão. A mãe, Maria

Leopoldina Machado de Assis, era portuguesa, e, segundo alguns biógrafos,

possivelmente branca, de olhos azuis, como a maioria das mulheres da ilha de

São Miguel. Ela ajudava na cozinha, lavava e engomava na casa da comadre,

madrinha de Machado, Dona Maria José de Mendonça Barroso, viúva do

Brigadeiro Barroso, casal rico dos quais os pais de Machado eram agregados.

Após a morte de sua esposa, quando Machado ainda era bem pequeno,

Francisco casa-se novamente, com uma mulata de nome Maria Inês, que trata o

menino com a bondade de uma verdadeira mãe. Machado teve uma infância feliz,

ajudou sua madrasta em pequenos trabalhos, sobretudo após a morte do pai,

nunca foi um peso para ela. Aliás, as mulheres foram de capital importância para a

vida de Machado, cada uma delas de seu modo especial, todas tiveram uma

parcela de contribuição para sua formação como pessoa e como escritor. Talvez

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por isso, elas estejam tão presentes e tão atuantes como personagens em suas

obras, formando uma rica galeria de tipos femininos.

Sem nunca ter freqüentado uma universidade ou ter ido à Europa, Machado

tornou-se o maior literato de seu tempo e hoje é festejado e homenageado por sua

contribuição ímpar à literatura brasileira e mundial. Ele compôs uma obra que foi

muito além da inspiração: precisou de muita labuta, de muita “transpiração”, indo

na contramão da cultura do espontâneo e do improviso que hoje dominam grande

parte da literatura brasileira.

Trata-se de um autor que não se encaixa na pauta nacionalista, apesar de

dar atenção à tradição local, uma vez que sua produção dialoga com grandes

nomes da literatura universal, como Dostoievski, Freud e Jorge Luis Borges

tornando-se ele também autor de uma literatura universalizante, totalmente

desprovincializada.

Foi um escritor precoce, uma vez que aos quinze anos já publicava

poeminhas na imprensa, mas ao mesmo tempo foi tardio, pois somente após os

quarenta anos de idade, sua obra realmente ganhou relevância. Machado era um

jovem pobre e de grandes ambições intelectuais, tendo consciência de seu valor e

por isso se esforçando para se afirmar como escritor valorizado pelo cânone de

sua época.

Encontra-se na ficção machadiana uma profunda dimensão histórica que

deixa claro que o autor não pretende se alienar ou se omitir dos problemas de seu

tempo, fazendo uma obra coerente com suas posições políticas, sempre

atentando para a responsabilidade individual em seu intrínseco esquema moral.

Seus personagens não se isentam das escolhas, nem da culpa pelo que fazem.

Machado de Assis compõe o clássico da literatura brasileira por excelência,

um clássico sempre mesclado pela atualidade. Mas um dos críticos literários mais

austeros do panorama brasileiro, Eduardo Frieiro sobrepõe o homem ao escritor:

A obra-prima de Machado de Assis não foi Dom Casmurro, nem Brás Cubas, nem Quincas Borba. A grande obra do mestiço Joaquim Maria, filho do povo, proletário cem por cento, mas de gostos aristocráticos (no melhor sentido), a sua proeza hercúlea foi transformar-se no cidadão bem qualificado, no funcionário modelar, no marido de Carolina, no escritor de nome, no presidente da Academia, na maior figura literária de seu tempo.

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Grandíssima façanha moral e intelectual. O homem Machado de Assis vale mais, é muito mais interessante como obra de arte, do que os livros admiráveis que deixou. (BARBOSA, 1957, p. 56)

PARANÁ

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Em 2008 homenageia-se Machado de Assis, o mulato de origem humilde

que é o mais universal dos escritores brasileiros, lembrando o centenário de sua

morte. Várias atividades artísticas e culturais têm ocorrido por todo o Brasil

durante este ano, pois, o governo brasileiro decretou o Ano Nacional de Machado

de Assis.

Em 2007, já aconteceram alguns eventos que compuseram a intensa

programação de homenagens ao nosso maior expoente literário. No mês de maio,

o Grupo Delírio Cia. de Teatro, paranaense, apresentou o espetáculo “Capitu -

Memória Editada”, no Sesc Arsenal, uma adaptação feita por Edson Bueno a partir

da obra Dom Casmurro. Na peça de 90 minutos, Bentinho, já na velhice, relata a

história de amor que viveu com Capitu. O espetáculo é bastante interativo, através

de um diálogo instigante com a própria obra literária, com os personagens e com o

público.

Assim como no romance, o espetáculo mistura verdades e mentiras,

protegendo a inesgotabilidade das interpretações mais diversas, numa clara

amostragem de que a obra machadiana está no potencial de inspirar batalhas

entre os intérpretes. Ainda é importante ressaltar que o foco do diretor centrou-se

na ótica da personagem feminina, Capitu, trazendo uma nova releitura para esse

clássico já consagrado. No elenco: Janja, Regina Bastos, Luiz Carlos Pazello,

Elder Gattely e Marcelo Rodrigues.

A leitura da obra de Machado de Assis constitui-se num exercício de

aprendizagem da criatividade e sagacidade que o autor tão bem soube utilizar.

Através de recursos estilísticos e da fina ironia que lhe é peculiar, Machado

desvela em seus contos e romances as misérias do homem de seu tempo, e, mais

do que isso, universaliza uma linguagem que está muito acima da realidade.

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Através dos quadros que expõe, mostra um mundo degradado cujos heróis são

fragmentados, embora se possa reconhecer neles, em vários momentos,

rememorações dos antigos heróis que constituíam o mundo da totalidade.

Na adaptação feita por Edson Bueno, os atores convidam a platéia a

discutir pontos essenciais do texto escrito em simultaneidade com a apresentação

das cenas, motivando os que não conhecem ainda a obra original a lerem e os

que já leram, discutirem sobre a validade dessa adaptação para o teatro.

“Capitu – Memória Editada” conquistou os prêmios de melhor peça adulta,

melhor direção e melhor texto/roteiro, no 15º Festival de Teatro de Curitiba (FTC),

que aconteceu recentemente. Os atores e espetáculos paranaenses foram

reconhecidos com o Troféu Gralha Azul, uma promoção do Centro Cultural Teatro

Guaíra (CCTG).

Também as faculdades e universidades paranaenses promoveram durante

o ano de 2008 debates, comunicações e palestras acerca da obra machadiana,

como homenagem ao centenário de morte de Machado de Assis, mas

principalmente, como forma de enaltecer a grandeza e originalidade de sua obra.

A maioria das Semanas de Letras e eventos sobre literatura propuseram a análise

de textos machadianos e sua contribuição para a formação da literatura brasileira.

Assim ocorreu durante o CONALI (Congresso Nacional de Linguagens em

Interação), evento promovido pela Universidade Estadual de Maringá e durante o

Seminário de Estudos Lingüísticos e Literários, estruturado pela Faculdade de

Filosofia e Letras de Jandaia do Sul, entre tantos outros eventos.