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    DADOS DE COPYRIGHT

    Sobre a obra:

    A presente obra disponibilizada pela equipeLe Livrose seus diversos parceiros, com oobjetivo de oferecer contedo para uso parcial em pesquisas e estudos acadmicos, bem como simples teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura.

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    Sobre ns:

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    "Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no mais lutando por

    dinheiro e poder, ento nossa sociedade poder enfim evoluir a um novo nvel."

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    Ficha Tcnica

    2012 byLeanne HallTodos os direitos reservados.

    Traduo para a lngua portuguesa: copyright 2012, Texto Editores Ltda.

    Ttulo original: This is ShynessDireo editorial:Pascoal Soto

    Editora:Mariana RolierProdutora editorial:Sonnini RuizAssistente editorial:Carolina Pereira da Rocha

    Preparao de texto:Paula JunqueiraReviso:Tulio Kawata e Entrelinhas Editorial

    Capa:Gabinete de ArtesIlustrao de capa:Axel Sande

    DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAO NA PUBLICAO (CIP)(Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Hall, LeanneUm mundo chamado Timidez / Leanne Hall; traduo: Elisa Nazarian. So Paulo : Leya, 2012.

    ISBN 97885804454971. Fico australiana I. Ttulo.

    12-02582 CDD 823ndices para catlogo sistemtico

    1. Fico : Literatura australiana 823

    TEXTO EDITORES LTDA .[Uma editora do grupo Leya]

    Rua Desembargador Paulo Passalqua, 8601248-010 Pacaembu So Paulo SP

    www.leya.com

    http://www.leya.com/http://www.leya.com/
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    O LEO DE CHCARA OLHA MEU DOCUMENTOde identidade com expresso sombria, o rosest tingido de roxo pelo luminoso de non bem acima de ns. Esfrego meus braos nus. temperatura deve ter cado 5 graus nos ltimos minutos.

    Neil se agita atrs de ns, logo depois das portas vaivm. Ainda est com sua camisa trabalho, e tudo nele parece hesitante e suado. Faz um movimento como se fosse intervirdizer alguma coisa. Arregalo os olhos, tentando lhe enviar uma mensagem teleptica: Deicomigo. Est tudo sob controle.

    O leo de chcara olha do alto de sua pilastra de concreto com olhos de co farejador. Estrabalhando muitas noites seguidas. Endireito as costas dentro de uma camiseta justa dema

    Ele sabe que a velha licena de motorista de minha me uma brincadeira. Eu sei que esabe que uma brincadeira. Ele sabe que eu sei que ele sabe. Est s tentando fazer o strabalho.

    Qual o seu signo? ele pergunta finalmente. Previsvel. Leo. Qual o seu?Isso faz com que ele d um sorriso cansado. No um sujeito to duro. Sua jaque

    acolchoada lhe confere um volume que ele no tem. Eu no acredito nessas coisas, sabia? Voc parece estar com frio. Quer que eu lhe traga um caf? No, obrigado. Entre e aproveite ele me devolve a licena com um olhar

    cumplicidade.Neil me conduz para dentro do calor do bar. As portas batem atrs de ns e solto um suspi

    de alvio. Bem-vinda ao Hotel Diabtico, princesinha.A mo de Neil repousa um segundo a mais no final das minhas costas. Estou to contente p

    ter conseguido entrar, que s dessa vez resolvo deixar ele se safar com diminutivos idiotas. Ento, voc vai at o bar?

    Neil bate uma continncia e sai em busca de bebidas. Flexiono as mos. As palmas trazemarcas de meia-lua onde afundei minhas unhas.

    Passo por uma mquina de cigarros e por outro conjunto de portas vaivm at o bprincipal. Por dentro, o lugar menor do que eu esperava, mas movimentado. Fico feliz ever que Rosie j conseguiu uma mesa livre em um canto. Abro caminho at l e me espremem um banquinho alto.

    Rosie aperta o meu brao. Estou to contente por voc ter conseguido entrar! Pensei quvoc fosse um caso perdido.

    Estava tudo sob controle eu disse, estragando o efeito ao tentar atirar minha bolsa mesa e errando por mais de um quilmetro. Curvo-me para peg-la do cho, tentando n

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    encostar no carpete imundo. Quando me endireito, o lugar balana e quase caio do banco. Efoi feito para pessoas com pelo menos 30 centmetros a mais do que eu. Na casa de Nedividimos em trs duas garrafas de vinho branco. Normalmente no bebo. Tenho que ir cocalma ou vou acabar fazendo papel de boba. No quero que Neil e Rosie pensem que nconsigo acompanh-los na bebida.

    Isto aqui no o que eu esperava Rosie avalia o lugar com desconfiana. Pelo modcomo est vestida, d para ver que esperava que Neil nos levasse a algum lugar mais elegan

    Seu vestido frente nica seduz perigosamente. Rosie... eu aponto para seu peito. Ops! ela faz cara de espanto e puxa seu vestido para cima. Obrigada, amiga. Voc quase deixou que todos vissem. Como se voc pudesse falar alguma coisa... Sua camiseta encolheu na lavagem?Ponto para ela! Eu comprei essa camiseta para irritar minha me, mas, em vez disso, ela m

    pediu emprestada. Louca ninfomanaca um estilo comum em nossa casa. Senhoras! Neil coloca na mesa uma jarra de cerveja e copos. Ele est nos olhando co

    um ar esquisito de garanho. O que vocs acham do Diabtico?O que eu acho? O bar est cheio de avs, ternos e idiotas. As paredes so verde-vmito

    esto decoradas com antigas placas esportivas. A mesa ensebada e o assento de vinil do mbanco est rasgado. Eu no me incomodo com coisas rsticas, estou acostumada com elas, mNeil est parecendo to satisfeito consigo mesmo que daria para pensar que nos levou papassar uma noite em Paris.

    Tem um... clima Rosie toma um gole de cerveja e d um sorriso falso para ele. Acho qela gosta do Neil. Provavelmente, a nica vez na histria do universo que algum se senatrada por ele. Talvez eu devesse deix-los a ss.

    Bebo um pouco da cerveja e ela borbulha de um jeito desagradvel em meus lbios. Eu neao menos gosto de cerveja. Ponho meu copo de volta na mesa. Cinco minutos antes de tornarpeg-lo, uma promessa. Olho de esguelha o relgio detrs do bar, mas os ponteiros estparalisados na hora errada. Devem ser pelo menos dez horas. Tenho uma prova segunda-feie deveria passar todo o fim de semana estudando, mas hoje estou em uma misso esquecimento. Normalmente, digo no aos convites de Neil, mas no quero ficar em casa. Nquero ouvir minha me chegando tarde com o seu encontro da internet a reboque, rindbbada. No quero tomar o caf da manh enquanto algum mala passeia pela nossa cozinha de meias como se fosse o dono.

    Disperso a minha ateno, enquanto Neil sussurra alguma coisa ao ouvido de Rosie e ela alto. No sei como ela suporta t-lo sentado to perto. Neil fica roando acidentalmente sbrao no meu, o que me leva a imaginar que ele ainda acredita ter chance. Eu me afastenvolvendo os braos em torno da minha bolsa e apoiando o queixo nela.

    O lugar est mais calmo. Os nicos bagunceiros so um grupo de terno, jogando um jogcom bebidas na mesa ao lado. A mesa deles est forrada de copinhos. Um dos ternos me peolhando e pisca. Pervertido. Eu sou jovem o bastante para ser sua filha. Viro o rosto.

    E, ento, eu o vejo.

    Sentado do outro lado do balco, aonde a luz quase no chega, sozinho. Um jovem, n

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    muito mais velho do que eu, de pele plida e cabelos escuros todo bagunado. Ele brinca coalguma coisa pequena e prateada no balco, revirando-a nas mos. Os pelos do seu antebraso densos, abaixo das mangas enroladas da camisa. Antebraos fortes, lbios carnudos. Serimprovvel que ele escapasse inclume com seu ridculo topete de cowboyurbano, mas eescapa.

    Volto-me novamente para Neil e Rosie. A ltima coisa que um garoto to bonito precisa dmais uma menina o observando.

    Rosie e Neil esto rindo e olhando como se esperassem que eu participasse da piada, entsorrio. Rosie est com os dentes da frente manchados de batom. Bebo novamente minhcerveja e resolvo me concentrar na conversa. Esto falando alguma coisa sobre o trabalho drecepcionista. No suporto falar de trabalho.

    Mas, ento, no consigo evitar: tenhoque olh-lo novamente.O rapaz no bar termina sua bebida, inclinando a cabea para trs para esvaziar o copo. S

    olhar vagueia pelo ambiente como se esperasse algum. Prendo a respirao e mordo lbios.

    Ele me v.Seus olhos encontram os meus e sinto um formigamento percorrendo do meu estmago at

    dedos dos ps e das mos. Encaro de volta. Um segundo, dois segundos, trs. Provavelmeneu no conseguiria desviar os olhos mesmo se quisesse.

    Por fim ele pisca e quebra a ligao entre ns. Levo um choque de desapontamento. Ele levanta e enfia a carteira no bolso do jeans.

    Oi! Neil se aproxima tanto que posso sentir seu hlito de cerveja. Ele aperta meu bra Rosie diz que voc a pessoa mais sensvel a ccegas que ela j conheceu. verdade?

    Empurro a mo de Neil para longe e me inclino ao redor dele, tentando ver o que o garo

    est fazendo. Ele est indo embora? Por que iria embora depois de me olhar daquele jeito?Aquele menino lindo caminha lentamente em direo nossa mesa com a cabea abaixadEle mais alto do que eu achava e est lindo com um jeans preto justo e uma camisa xadrvintage. Eu me endireito e tiro o cabelo dos ombros.

    Neil espeta o dedo duro em minha barriga sem avisar. Pare com isto! rosno, estapeando-o agressivamente. Detesto que encostem no m

    estmago. Uma de minhas mos atinge a cabea de Neil, mas ele no para. Ele me d um soce eu me dobro, tentando proteger a barriga. Sinto o banco se levantar e se inclinar para o ladem cmera lenta. Tento agarrar a borda da mesa, mas tarde demais, estou caindo.

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    dois

    J ESTOU NA METADE DO CAMINHO QUANDOpercebo que no tenho ideia do que vou dizerela. Ela est deitada no cho do bar, o cabelo espalhado como um halo negro. O rapaz dcabea raspada est deitado ao lado dela. Pode ser que ele vomite de tanto que ri. A garota levanta sobre os cotovelos com uma expresso assassina no rosto.

    Minha sombra inclinada parece agourenta at para mim. Ela me olha diretamente com olhmaquiados por um forte contorno de delineador. De perto, parece cem vezes melhor.

    Pisco. Para comear, por que vim at aqui?Apavorado, esqueo de mim mesmo e fao aquilo que sei melhor: uivo.Cada gota de desejo e desespero no bar da frente e pode acreditar, em uma noite de sext

    feira tem muito disso no Diabtico sugado para os meus pulmes. Meu corpo tremenquanto o som corre por dentro de mim. O estreo do bar estremece e para. Todos os rostdo lugar se voltam para mim.

    Termino com alguns ganidos curtos, agudos e fico quieto.Algum da cidade d uma risadinha nervosa. Os clientes habituais voltam a assistir

    futebol na televiso fixada sobre o bar. No como se fosse a primeira vez que isacontecesse.

    Voc um idiota a garota diz com uma voz que poderia entrar em minhas costelaschegar ao meu corao. O

    piercingde brilhante incrustado na curva do seu nariz brilha.

    Vim ao bar hoje noite porque em casa as paredes estavam me sufocando. Pensei que fosencontrar Paul ou Thom por aqui. Uivar para estranhos enfurecidos no fazia parte do mprograma.

    Faz parte da minha natureza respondo, e por incrvel que parea a garota ri. Ela afastabrao do rapaz como se fosse pouco mais do que um fiapo.

    Eu estava falando com Neil, no com voc ela diz. Vai me ajudar a levantar?Oh! Estendo a mo e a coloco em p. Ela leve como uma pluma.

    Posso lhe oferecer uma bebida?

    Ela hesita e olha para os seus amigos. A ruiva rechonchuda de vestido brilhante olha. rapaz Neil se levanta com as mos e os maxilares cerrados. Levanto as mos e recuEntendi tudo errado.

    Vou deix-la sossegada. Aproveite a noite. Claro ela enrola o cabelo em uma trana. Voc pode me oferecer uma bebida.Eu contenho minha surpresa e a levo at meu lugar de costume no balco. Percebo que

    mais velhos nos observam, admirando a menina. Mostro dois dedos a Robbie, o barman. Ebate com a mo no estreo para que volte a funcionar e nos serve duas cervejas. Dispensa

    meu dinheiro. Cervejas de compaixo. Ou de boa sorte. Seja o que for, vou precisar delas. Sou o MeninoLobo.

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    Ela aperta minha mo rapidamente. Acho que isto tem alguma coisa a ver com o uivo, certo? Certo pouso meu copo no balco, mas no sei o que fazer com as mos. Ela me dei

    nervoso. Acho que nunca vi uma pele to macia e bronzeada. Suas plpebras esto besuntadcomglitterverde.

    Ento, voc uiva para todas as mulheres?Afundo a cabea. O que devo responder a isso?

    Hei, estou s brincando. Ela toca no meu brao. Nunca ouvi nada como aquilo. Com que voc faz? Na verdade, no sei. Por um segundo, achei que tinha batido a cabea com muitafora e estava ouvindo coisa Voc ainda no me disse seu nome.Ela olha para a prpria camiseta e depois para mim.

    Meu nome MeninaSelvagem, mais do que bvio, no ?No confio em mim para olhar para onde ela est olhando, mas dou uma passada de olh

    apenas o suficiente para ver as palavras MENINA-SELVAGEM estampada em seu peito. Bom, mas qual o seu verdadeiro nome? Bom, MeninoLobo, qual o seu? Todos me chamam de MeninoLobo. Pode perguntar a qualquer um dos locais aqui. Ento vou cham-lo assim e voc me chama de MeninaSelvagem. Simples.Eu no sei se sua inteno, mas seus joelhos batem nos meus a cada vez que ela muda d

    posio no banquinho. Est usandoshortse meia-cala branca, e qualquer um que ache olhcastanhos um tdio precisa mandar examinar a cabea. Sua pele to aveludada que ela npode ser daqui.

    No sei se estou olhando demais para ela ou de menos. Os ns dos meus dedos estbrancos em torno do copo de cerveja. Nunca fui muito de falar, mas, quando sinto o espaentre ns, ela no seu banquinho e eu no meu, me d vontade de preench-lo.

    De onde voc , MeninaSelvagem? ela se ilumina quando a chamo desse jeito. Plexus.Eu sabia. Do outro lado do rio.Fui uma vez a Plexus quando ainda estava no ginsio. Eu me lembro de que havia um parqu

    de diverses inativo de frente para a praia. Thom, Paul e eu atiramos pedras pelo porttrancado, tentando atingir uma esttua de palhao at que acabamos enjoando e pegando o trede volta para casa. Isso foi h muito tempo.

    E os seus amigos? fao um gesto com a cabea na direo deles. MeninaSelvagem volta para eles e acena.

    Trabalho com eles. Neil mora aqui perto, por isso que estou deste lado da cidadQuanto Rosie, no estou bem certa.

    Neil me fulmina com os olhos por cima do copo, enquanto Rosie procura distra-lo com umconversa fiada e cigarros. No quero partir para a briga, mas no existe a menor chance de eceder meu lugar junto a MeninaSelvagem para que ele fique satisfeito.

    Parece que Neil seu f.

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    Ele velho o suficiente para ser meu... para que isso seja assustador. MeninaSelvaged um longo gole. Ele meu supervisor no trabalho. Tenho pena dele. Est no call centermais de dez anos. No costumo sair com ele.

    Ento, voc no uma turista no lado escuro?Ela franze o nariz. to bonitinho que me d vontade de pensar em todas as maneiras qu

    conheo para fazer com que ela fique com esse ar intrigado. O que voc quer dizer com isso?

    Voc sabe que este bar fica em Timidez, no sabe? Sei. Neil disse que o subrbio vizinho a onde ele mora. Neil tambm contou que aqui o sol nunca nasce?Ela ri alto e com descontrao. De fato, ela no tem ideia. s vezes, eu me esqueo de que

    maioria dos forasteiros no se preocupa com o que acontece por aqui. Espero at que surisada diminua.

    Voc est falando srio, no est?Concordo com um aceno de cabea.

    Nunca nasce? Nunca, jamais? Agora no d para perceber, porque noite em todos os lugares. Mas, durante o di

    quando voc atravessa a Rua Cinza, a Escurido se abate sobre voc. Como se algum tivesse diminudo as luzes? Por toda Timidez. Escurido total.Ela apoia a cabea na mo. Pode-se perceber que ela se esfora para acreditar em mim

    tentando decidir se sou louco ou no. Um de seus dedos se enrola em um cacho de cabelosum punhado de pulseiras escorrega at seu cotovelo. No tenho certeza de quanto tempconsigo ficar ao lado dela sem toc-la.

    E a Lua? Deve vir alguma luz da Lua. A Lua nunca me deixa ser... estou prestes a dizer mais coisas, mas paro. No queaborrec-la com detalhes da minha vida. Ela termina a cerveja de uma vez e bate o copo dvolta.

    Vamos MeninaSelvagem desce do banco e pendura sua enorme bolsa vermelha sobre uombro.

    O qu? Voc me ouviu. Enjoei do bar, ento vamos embora. Para onde? Leve-me para onde a noite comea. Leve-me para a Rua Cinza. Mas agora voc no vai conseguir ver nada. noite em toda a cidade.Ela d de ombros. Mal alcana o meu ombro, mas d para sentir que, em uma discusso, e

    seria dura. Olho ao redor. Ainda sem sinal de Paul ou Thom. Voc est esperando algum? S os caras da minha banda posso me encontrar com Paul e Thom em qualquer noite d

    semana. Eles no deram certeza de que estariam aqui eu me levanto e termino a cervejRobbie me acena com a cabea. Atravessamos o lugar em direo porta. No olho para tr

    mas sei que os amigos da MeninaSelvagem esto observando cada passo que ns damos.

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    trs

    MENINASELVAGEM FICA NO MEIO DA Rua Cinza com os braos abertos como se fosse umlder religiosa. Usa os dedos para tentar encontrar uma brecha no ar. Uma sirene aumentadiminui a distncia como um comprido e prolongado assobio de apreciao.

    Eu a desafio: Voc no vai achar nada. No h nada a eu seguro sua bolsa cor vermelho-bombeiro.Atrs de MeninaSelvagem, o lado oeste da rua funciona normalmente. Casas de pizzas qu

    trabalham at tarde anunciam seus produtos com luzes que piscam. Pessoas carregam sacolde compras pela calada sem olhar para trs. um corredor comum de lojas, entulhado negcios de imigrantes esperanosos: mercearias asiticas, lojas de kebabs, barbeir

    antiquados, uma loja vendendo roupas para dana do ventre.A Rua Cinza , na verdade, duas meias ruas costuradas juntas com trilhos de bond

    descendo para o centro como uma cicatriz. A fronteira entre dois mundos. Fazia tempo que no vinha para c. Parece que estive saltando entre minha casa e o Diabtico a vida todThom e Paul aparecem para ensaiar e depois vamos tomar uma cerveja. Quando precicomer, saio para arrumar alguma coisa. Nada mais complicado do que isso.

    O lado leste da Rua Cinza uma confuso. As lojas que no esto protegidas com tapumesto com as vitrines quebradas e tm o interior forrado de latas de bebidas, bitucas dcigarros e vidros quebrados. Os grafites se espalham por todas as superfcies disponveis. cheiro de urina, fogo e lixo espalhado paira no ar. Quando voc olha para cima, o cu pareco mesmo do oeste, mas todas as luminrias da rua esto quebradas.

    MeninaSelvagem grita: Quando foi que isso aconteceu?As pessoas passam, olhando a menina que grita no meio da rua. Em Timidez, normalment

    ningum fica parado na rua conversando em altos brados. Suspiro e caminho at o meio da rupara que no precisemos berrar um com o outro.

    Faz trs anos mais ou menos. Deve ter levado um tempo at que algum notasse.

    primeira coisa foi que o sol parou de surgir na plenitude. Ao meio-dia ele se punha ao lestSurgia cada vez menos a cada dia. At que acabou no aparecendo mais.

    E com o outro lado tudo bem? A Rua Cinza a fronteira. Deste lado: Timidez. Do outro lado: Panwood. O que foi que causou isso? No sei. Ningum sabe.MeninaSelvagem rumina sobre isso por um tempo, antes de tornar a falar. Mudo a bolsa de

    de brao. mais pesada do que parece.

    Voc sabe alguma coisa sobre os deuses gregos? ela pergunta. No muito.

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    Os deuses gregos so como os mortais: esto sempre bbados, bravos e se atracam ucom os outros. Supe-se que Apolo, o deus do Sol, dirige sua carruagem de fogo pelo ctodos os dias.

    MeninaSelvagem continua falando enquanto volta para a calada sem prestar ateno na ruPara sorte dela, os carros j no passam por aqui. Se eu no responder, talvez ela fique quiee possamos continuar andando.

    Ento, ser que Apolo ficou enjoado de dirigir sua carruagem? ela disse. Ser que e

    est em greve por um salrio melhor?Devolvo a bolsa a ela, que a enfia por debaixo do brao, ainda perseguindo sua linha dpensamento.

    Ser que ele est recebendo seguro-desemprego e fumando baldes de maconha o dia todoEu teria sorrido, mas com o canto do olho posso ver bolas de sombra adejando em postes

    eletricidade, apinhando-se nos cabos de energia como uvas. Eles esto solta esta noitmuitos deles. Ando rpido, esperando que MeninaSelvagem acompanhe meu ritmo. Supulseiras fazem barulho a cada passo.

    Todos tm suas teorias eu digo. Sou levado loucura ao ouvir as pessoas falanbesteiras sobre a Escurido. No me preocupo em pensar nas razes, apenas lido com ela. Svoc no gosta da noite, v embora.

    Dirijo MeninaSelvagem para a avenida. Talvez possamos parar na Lupe para um kebaAcho que MeninaSelvagem gostaria de ir Lupe. Ambas tm encarnada aquela coisa malude deusa.

    S existe uma maneira de eu acreditar em voc. MeninaSelvagem volta o rosto pamim. Suas bochechas esto vermelhas. Vamos ficar ao ar livre a noite toda. Voc me mosto lugar e verei por mim mesma se o sol aparecer pela manh.

    No uma boa ideia mesmo ao dizer a frase, um lado meu acha que uma grande ideiH muito tempo que ningum acha minha vida interessante. Eu poderia fazer com que ela fospor algumas horas.

    Por que no? ela vasculha dentro da bolsa sem diminuir o passo e tira de l seu celula Pronto. Meu celular est desligado. Mame no pode me ligar. No que ela se importe se vou voltar hoje para casa.

    Voc vive com a sua me?Um olhar aflito lampeja pelo rosto de MeninaSelvagem antes que ela levante o queixo.

    Vivo, e da?Fico imaginando onde que algum aprenderia tanto sobre mitologia grega. Arrisco n

    escuro. Em que escola voc est? O que faz voc pensar que eu ainda estou na escola? D para ver. Voc tem alguma coisa de chave de cadeia.Quando quero, tambm posso ser contundente. Ganhei muita prtica no Diabtico, tentand

    conseguir algum respeito dos frequentadores. difcil quando alguns dos antigos sujeitos lembram de mim bebendo limonada com framboesa ali com o meu pai.

    Isso besteira. Eu estava no bar com amigos do trabalho, entendeu?

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    Ns j no discutimos que Neil quer ser mais do que amigo?Percebo que ela gosta disso, apesar de sua irritao.

    Southside ela finalmente admite. Colgio Feminino Southside.No conheo esse colgio. O ensino mdio um pesadelo distante. Larguei logo depois q

    meus pais fugiram para o campo. Ento, isso mostra que voc tem o qu? Dezessete anos? ... e quantos anos voc tem?

    Dezoito. Quase dezenove.Em nove meses. Ahhhhh! ela grita. To idoso, no ? To maduro. Olhe, no quero me responsabilizar por algum... de fora, no por estas bandas.Damos uma parada. MeninaSelvagem me olha com as mos no quadril. Seu cabelo qua

    estala com a eletricidade.Isso frustrante. Qualquer cara agarraria a chance de passar algum tempo com uma garo

    como ela. Mas Timidez no um lugar comum e eu no sou o cara mais normal. Encaro sombro direito em vez de seu rosto para que a coisa fique mais fcil. Seria melhor para ndois se eu a acompanhasse at os limites de Panwood e a pusesse num txi. Seria melhor se no pensasse em segurar sua mo e quisesse lhe mostrar meus lugares preferidos em Timidefalando durante horas at que mal pudssemos manter os olhos abertos.

    Sei me cuidar. Pelo amor de Deus, mame e eu vivemos em um conjunto habitacionaestou acostumada a me cuidar. No preciso que voc me proteja.

    Eu acreditaria nela tambm, se ela soubesse contra o que estava se protegendo. Esta noiestou com aquela sensao de formigamento que surge antes de alguma encrenca. Ultimamentem andado calmo demais. Sem brigas, sem invases, sem raptos. Arrisco um olhar pa

    MeninaSelvagem. Seus olhos so enormes e brilhantes com lgrimas de crocodilo esperana. Como uma criana. No faz muito que ela passou dessa fase.Abro a boca para dizer mais alguma coisa como protesto, qualquer coisa, m

    MeninaSelvagem mais rpida. Ela se dobra como se algum lhe tivesse dado um soco. Tenho que ir ela diz.

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    PRECISO FAZER XIXI.Em um segundo estou brigando com MeninoLobo e, para ser honesta, gostando muito diss

    no outro, sinto como se meus rins estivessem prestes a explodir. Nem mesmo me preocupo etentar esconder minha dor. No devia ter tomado aquela cerveja a mais, mas queria umdesculpa para conversar com MeninoLobo. Pobre controle da bexiga, eis a uma maneira dimpressionar um homem.

    Tenho que achar algum lugar aonde ir.MeninoLobo por fim percebe o que quero dizer. As pernas cruzadas devem ter dado a pista

    Quem voc, uma menina de seis anos? Devia ter ido no bar.

    Procuro me arrastar ao longo da calada e justificar minhas funes corporais ao mesmtempo.

    Quando eu estava no bar no precisava ir, seno eu teria ido, no ?MeninoLobo suspira e levanta as mos.

    Vamos atravessar a rua e descobrir algum lugar ele avalia o lado saudvel da Rua Cinatrs de opes.

    Calculo que me restem cerca de trinta segundos antes que eu caia em desgraa. No htempo para comear a pedir em cada loja. Agachar em uma viela comea a me parecer bomquando vejo um pequeno prdio comercial na prxima esquina. Cambaleio em sua direo.

    Olhe, tem um banheiro logo aqui.O toalete um desses automatizados, vizinho a uma loja de convenincias iluminada p

    energia nuclear. Por alguma razo, a loja est protegida por uma grande gaiola de metal comse tivesse problemas ortodnticos.

    Voc no pode entrar ali MeninoLobo diz horrorizado. Queria ver ele me impedArrasto-me em direo porta.

    De jeito nenhum. Provavelmente, drogados andaram usando o lugar. MeninoLobo agarmeu brao e me afasta do toalete, que, devo admitir, parece ter sido desenhado por cyborgs.

    Conheo um bar aqui perto onde voc pode usar o banheiro. A que distncia? Do outro lado da rua. No mximo um minuto de caminhada.De um jeito ou de outro, consigo acompanhar MeninoLobo, ainda que no possa, de fat

    ficar com o corpo reto. Atravessamos a Rua Cinza e pegamos uma rua estreita de mo nipara Panwood. Como MeninoLobo disse, no demora muito para que paremos em frente a umporta comum, o nico obstculo uma imensa parede de tijolos.

    Voc no disse que tinha escada. Isso pode ser demais para mim.

    MeninoLobo apenas revira os olhos e me pega pelo cotovelo novamente, arrastando-mpela escada.

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    tudo culpa sua. Se eu continuar falando, talvez pare de pensar na urgncia que estsentindo. Se no tivesse me oferecido cerveja, agora no estaramos com esse problemQualquer um poderia pensar que voc estivesse tentando embebedar esta pobre, indefesforasteira menor de idade...

    A escada termina de repente em um vestbulo escuro e o mesmo acontece com a minhlenga-lenga. Todos os rudos foram sugados do ar, substitudos por um silncio delicioso. Uhomem de preto surge do nada, no estilo ninja, para abrir a porta para ns. Do outro lad

    outro garom nos cumprimenta e nos introduz no ambiente.O bar muito elegante: janelas enormes fazem um arco em dois lados do aposento, lustrnegros, bancos de couro, um bar em acrlico iluminado como a nave me. Fico perplexa, esilncio. Em Plexus no h nada que chegue perto disso. O garom gesticula de maneicomedida para que o acompanhemos. Sinto-me como uma participante involuntria de umerformanceartstica de algum.Todas as mulheres do lugar se viram e encaram MeninoLobo, medida que atravessamos

    bar, passando os olhos por mim sem interesse. Minhas bochechas esto vermelhas, ento solo cabelo para cobrir o meu rosto. MeninoLobo coloca a mo em minhas costas enquanandamos, mas mais como se ele estivesse ajudando uma criana a atravessar a rua do quoutra coisa.

    MeninoLobo senta-se em uma das poltronas prxima a uma janela em arco e a uma baixmesa de centro de vidro. O garom espera uns poucos e agonizantes segundos enquanto mrecuso a sentar, antes de me oferecer o cardpio e ir embora.

    Assim que o garom se retira, MeninoLobo aponta para o outro lado do aposento. V em direo entrada, mas vire esquerda antes de chegar ao fim. Voc ver u

    corredor.

    Jogo os cardpios na mesa. Para chegar ao banheiro, tenho que atravessar um longo caminhsobre o carpete, longo o suficiente para que cada pessoa tenha a chance de me avaliar; agono sou ofuscada pelo MeninoLobo. Todas as mulheres ali so magras como um cabiddevastadoramente sofisticadas e todos todos esto vestidos de preto.

    Ando to ereta quanto consigo, puxando minha camiseta para baixo para cobrir minhbarriga de marshmallow. O carpete to espesso que sinto como se estivesse andando eareia movedia.

    Ainda bem que o banheiro fcil de achar. O primeiro cmodo est forrado com espelhde Hollywood, aquele com luzes em volta, cada um deles com sua prpria penteadeirabanquinho. Tudo em tons de framboesa e dourado, e brilha. Uma mulher se senta em frenteum dos espelhos, arrumando o cabelo. Corro para uma das cabines.

    Fao xixi por mais tempo do que acho humanamente possvel e, ento, um pouco mais. Mcrebro quase trava de tanta fora para segurar. Dou descarga e sento na tampa fechada dvaso sanitrio para dar um tempo e reunir meus pensamentos. Minha cabea descansa nparede fria ao meu lado. O banheiro gira em movimentos lentos quando fecho os olhos.

    Eu me imagino atravessando a Rua Cinza de dia. Poderia a noite cair docilmente sobre mcomo uma cortina de veludo? Ou o dia se tornaria escuro em um piscar de olhos? De fato n

    preciso assistir ao nascer do sol para saber que Timidez diferente. como se houvesse um

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    camada fina de esttica sobre tudo impedindo-me de ver o que est acontecendo de verdadAs pessoas aqui andam com passos rpidos, como se tivessem medo de suas prprisombras. At MeninoLobo parece nervoso. Talvez esteja preocupado que sua namorada surpreenda saindo com outra garota. Talvez j tenha se enjoado de mim e esteja procurandum jeito educado de me dar o fora.

    Amanh restaro apenas dois dias antes que eu tenha de voltar para a escola, com todmundo olhando, falando e rindo. Como se fosse hoje. No sei o que pior: os olhares de pen

    ou de desprezo.Empurro esses pensamentos para longe. Estou aqui para me divertir, no para chafurdar nminha misria.

    A sala de maquiagem agora est vazia, ento, no sinto vergonha de encostar o rosto npapel de parede aveludado. Um lustre espalha fragmentos de luz pelo cmodo. Sento em udos frgeis banquinhos das penteadeiras de mrmore e olho o meu reflexo.

    O que estou fazendo, deixando o bar com um completo estranho, o mais estranho destranhos que j conheci? No tenho ideia se o ar de perigo que envolve MeninoLobo sparte de uma afirmao de moda ou se real.

    Sorrio para mim mesma.Ele to gostoso.Se as meninas da escola pudessem me ver sentada neste bar com um garoto to gostos

    morreriam de inveja. uma pena, mas parece que fui arrastada de costas por uma cerca. Esqueci de trazer minh

    bolsa para o banheiro, ento, no d nem para retocar minha maquiagem. Resolvo dar umajeitada no cabelo, no que est mais arrepiado, e limpar o delineador borrado debaixo domeus olhos.

    Tenho que voltar a ser a MeninaSelvagem que no tem medo de nada. A MeninaSelvagesem passado.Algo cintila na ltima penteadeira. Quando chego mais perto, vejo um carto de crditogo

    solitrio. Ser que andaram cheirando cocana por aqui? Passo meu dedo pela bancada. Eslimpa.

    O carto um pouco menor do que o normal. OBanco do Futurodeve ser uma empresa Timidez, porque nunca ouvi falar nela. No h um nome no carto nem qualquer assinatura nfaixa branca de trs. No pode ser da mulher que estava aqui h pouco porque ela estavsentada na penteadeira mais perto da porta. Olho em volta e me sinto idiota. A nica pessoque est me olhando so uma dzia de verses espelhadas de mim mesma. Enfio o carto nbolso traseiro do meushorts.

    ***

    As rvores do lado de fora arranham o vidro com seus dedos cheios de galhos como quisessem entrar. Olho para fora da janela, alm do cmodo refletido, para a escuridFlutuamos acima das construes nossa volta, navegando em um oceano de tinta negra. Bena borda do oceano h um grupo de prdios mais altos que me lembram o Plexus Common

    Os prdios esto salpicados de janelas acesas; logo acima deles, repousa uma lua che

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    amanteigada.Desvio meus olhos da noite. O lugar parece uma cena de bar produzida com cuidado pa

    um filme, engenhoso demais, perfeito demais para ser real. Sou a pessoa mais nova aquMesmo se eu fosse maior de idade, ainda seria a mais jovem em quilmetros.

    Desmancho-me na cadeira, esperando que ela me esconda em seus braos altos. Quecontar a MeninoLobo sobre o misterioso carto, mas no quero que ningum oua e me faentreg-lo. preciso ser muito estpida ou estar muito bbada para deixar o carto de crdi

    largado desse jeito. As pessoas ainda olham para ns, bem provvel que estejam imaginana razo de MeninoLobo estar saindo com algum como eu, quando lgico que ele poderescolher uma das mulheres daqui. O estranho que at os homens o admiram. Gostoso comele , eu posso ver que a camisa de MeninoLobo est quase esfiapada em alguns lugares e eparece que no come, dorme ou tem um comportamento adequado j h algum tempo. maneira como todos daqui olham para ele, voc poderia achar que eles tambm querem estvarados de sono e famintos.

    O que este lugar? O Asa do Corvo MeninoLobo est estranhamente confortvel neste ambiente opulent

    Seu rosto muito doce, mas o restante, o cabelo e os msculos, pertencem a um homem mavelho. Um pouco alm, no ?

    Pensei que voc fosse me mostrar Timidez. Isto aqui vai ajud-la a entender as coisas.No vejo como que ficar sentada com um monte de pessoas com cortes de cabelo estilos

    vai me ajudar. Provavelmente, elas nunca tiveram que se esforar para nada. So o tipo dpessoas que no sabe o que de fato querer alguma coisa e no conseguir t-la. O tipo pessoas para quem mame trabalha, limpando suas casas e lavando suas roupas. Sou

    primeira a admitir que minha me um pouco ridcula suas roupas so muito apertadas, smaquiagem muito carregada , mas voc deveria ver o jeito com que, s vezes, seus clientfalam com ela.

    Quero ir embora. No gosto daqui.O garom para e coloca teatralmente dois drinques em nossa mesa.

    Voc no pediu... comeo a dizer para ele. Obrigado diz MeninoLobo, voltando-se em seu assento.Um homem de cabelos prateados com culos de aros negros quadrados nos acena do ba

    MeninoLobo lhe responde com um gesto masculino de cabea. Por favor. Vamos tomar um drinque aqui e depois voltaremos para Timidez. Confie e

    mim.No quero saber se ele confivel. No se pode acreditar em ningum neste mund

    Estamos todos aqui para cuidar de ns mesmos e nada mais. assim que vejo: se uassaltante invadisse o nosso prdio, eu bloquearia o nosso apartamento comigo e mamdentro e azar de todos os outros do nosso andar. Se ele arrombasse o nosso apartamento, no tenho muita certeza de que eu levaria uma bala por mame ou vice-versa. Quando chegaesse ponto estamos todos por conta prpria. Depois que voc percebe isso, a vida fica ma

    fcil.

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    Como que todo mundo conhece voc? Sua banda famosa? Talvez.MeninoLobo parece incomodado. Todos os outros msicos que conheci morriam de vonta

    de me contar sobre suas bandas. Quando MeninoLobo mencionou isso pela primeira vez fiquei decepcionada. Todo mundo da minha idade quer ser cantor, modelo ou ator. Imagine umundo onde as pessoas idolatrassem enfermeiras, cientistas ou ambientalistas. Mas pemenos ele no est enchendo o saco sobre isso. Talvez ele goste de msica pelas raz

    certas. Como que vocs se chamam? Piscadas Longas.No ouvi falar neles, mas no me surpreende. Meu gosto por msica bem incomu

    Prefiro as mais antigas, mais classudas. No vejo realityshowse no tenho ideia da lista ddiscos mais vendidos ou do tipo de sapato que est na moda esta semana. Ento, d paimaginar que tenho muito o que conversar com as outras garotas da escola.

    Por que que vocs tm esse nome? As piscadas longas acontecem pouco antes de voc adormecer, quando sua mente lu

    contra o sono e suas plpebras esto pesadas. As piscadas longas... MeninoLobo demonstrSeus olhos so mesmo de um incrvel azul rtico e seus clios so criminalmente longos.

    Por que voc lutaria contra o sono? adoro dormir. Ir para o trabalho direto da escolatentar escrever dissertaes depois disso, tem algo a ver com isso.

    Porque aterrorizante. O rosto de MeninoLobo se fechou. como se uma nuvem tivesparado sobre sua cabea. Sempre que vou dormir, no sei se vou voltar a acordar.

    Dou um gole no meu drinque e estou prestes a lhe dar uma dura por essa declaraestranha, quando quase espirro tudo o que tenho na boca. Deve haver pelo menos quat

    limes neste troo. Mas, como o cara de cabelos prateados ainda est olhando para ns, mforo a engolir e levanto o copo num gesto favorvel em sua direo. Trata-se de uma beencenao, se que posso falar assim.

    Eu me inclino para trs na cadeira e vejo sua face impassvel em um momento de descuidEle no pareceria to cruel se cortasse a barba e os cabelos com mais frequncia. No estoreclamando. Amo o trecho deKing Kong, a verso de 1930 em preto e branco, em que o KinKong segura a atriz Fay Wray com seu punho peludo no topo do edifcio Empire State. Todmundo deseja estar, secretamente, nas garras de um grande animal? Ou sou s eu? No tenhcerteza de que fosse funcionar no meu caso, no entanto. No sou pequena e loira como FaWray.

    Ento, o que h de to interessante neste lugar?MeninoLobo inclina-se para a frente e baixa a voz:

    Aquele sujeito que nos pagou os drinques? Bom, eu no o conheo e tambm duvido qele conhea a minha banda.

    O drinque melhora depois que me acostumo com ele, ainda mais se no deixo que fiqumuito tempo na boca.

    As pessoas gostam de conhecer os locais. Isso lhes d crdito. Acenar para mim, co

    certeza vai render uma transa para aquele sujeito hoje noite.

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    Locais... pessoas que vivem em Timidez? . So fceis de perceber. Procure pelo tom da lua.MeninoLobo olha em torno do ambiente. Aponta com cuidado com a mo abaixada na altu

    da cintura. Est vendo aqueles dois ali? A garota de cabelo cacheado e o rapaz de cavanhaque?Acompanho seu dedo. A garota de cabelo cacheado uma boneca de porcelana com cal

    de exrcito. O rapaz de cavanhaque parece meio engolido em um enorme macaco preto.

    pele deles to luminosa que posso ver uma teia de veias azuis sob a superfcie, mesmodistncia. Agora d uma olhada neste grupo aqui.Dois casais avanando na faixa dos trinta esto sentados em uma mesa redonda. A

    mulheres so esquelticas, plidas e esto vestidas de preto. Os homens tm quase a mesmaparncia, mas com o cabelo mais curto. Uma das mulheres me pega olhando e encara volta, com um sorriso nos cantos da boca. Ela sabe, com certeza, que sou menor de idade. lcool zune pelo meu corpo. Este lugar est cada vez mais estranho.

    No tm o tom da lua, mas uma quantidade absurda de maquiagem e roupas de grife. Elso o povo do armazm convertido. Fingem que esto encarando o lado escuro da cidade, mno atravessam a Rua Cinza nem mesmo se seu co wolfhound de raa pura atravesscorrendo a rua e mijar em um sem-teto.

    No de estranhar que eu no possa decodificar este lugar. Aqui as regras so diferenteacontecem coisas sobre as quais eu nada sei. Deve ser essa a sensao que se tem em um paestrangeiro: confusa, excitante e insegura ao mesmo tempo. Mexo-me no assento e sinto pontas afiadas do carto de crdito afundarem em mim.

    Achei uma coisa no banheiro eu digo.

    MeninoLobo inclina-se para a frente, interessado por um milsimo de segundo, antes de sdistrado por algo sobre o meu ombro. Ou algum.Uma mulher est parada ao p de nossa mesa, a cabea pendida no ngulo exato para qu

    seus cabelos brilhantes fiquem balanando em torno do seu rosto. Um colante bronze grudadna pele tem um zper que vai do umbigo at a garganta. Ela minscula e linda e quero qualquer jeito ser exatamente igual a ela.

    Jethro ela sorri para MeninoLobo e me ignora. Eu sabia que era voc.Jethro?

    Jethro? digo em voz alta.A mulher vira-se para mim. Seu cabelo desce em concha sobre suas orelhas num corte li

    como o da atriz de filmes mudos Louise Brooks. Nunca me acostumei a cham-lo de MeninoLobo.MeninoLobo no devolve o sorriso.

    MeninaSelvagem, esta Ortolan. Ortolan, MeninaSelvagem.

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    ORTOLAN SE JUNTA NOSSA MESA, PUXANDO um cubo de couro que pensei que fosdecorao e no um assento. Quando a olho mais de perto, percebo que a mulher que estavno banheiro. Ela se empoleira no cubo com um coquetel na mo. Sua cintura to fina que epoderia circund-la com as minhas mos. Que espcie de nome Ortolan?

    Como est voc, Jethro?MeninoLobo empurra sua cadeira para trs e cruza os braos, tenso da ponta das botas at

    alto da cabea. Bem. Como vai a banda?

    Bem. Vocs se apresentaram recentemente? No.Ortolan reage com entusiasmo, como se MeninoLobo tivesse dito alguma coisa mui

    interessante. Olho para ela, para ele e de novo para ela. Estou sentindo uma vibrao estrancomo... Ortolan parece velha demais para MeninoLobo, mas quem sabe o que acontece neslugar? Termino meu drinque com um gole, contraindo o rosto. Talvez no tenha sido apenminha emergncia fisiolgica que nos trouxe aqui esta noite.

    Como vai a loja? MeninoLobo olha em torno, como se a resposta no lhe interessasse. Est indo bem. Estou sempre ocupada, ento isso uma coisa boa.H uma nova pausa embaraosa. O sorriso de Ortolan escapa, enquanto ela brinca com o p

    do seu clice em vez de conversar. De sbito, sinto pena dela. Ela est fazendo um esforisso mais do que posso dizer de MeninoLobo. O que deu nele?

    Que tipo de loja voc tem? pergunto. Os olhos de Ortolan so do mesmo tom de cinque sua roupa de mulher gato.

    Eu desenho roupas. Uau! No de estranhar que ela parea to incrvel. Esta uma das suas? apon

    para seus trajes. Se eu tivesse o corpo dela, tambm andaria com roupas colantes.Ortolan assente.

    No fique to impressionada. s uma loja pequena e eu mesma costuro tudo. Voc cidade, MeninaSelvagem? Para seu crdito, ela diz meu pseudnimo ridculo sem um pingde sarcasmo. Mas uma coisa MeninoLobo me chamar de MeninaSelvagem, outra ouvesse nome da boca de um adulto. Fiquei vermelha.

    Parece bvio? um elogio. Eu daria tudo para ter uma pele to deslumbrante como a sua.

    , parece que todos aqui poderiam dar conta de comer um ou dois pedaos de carne.A risada de Ortolan parece ser verdadeira.

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    Para ser honesta, acho este lugar um pouco pretensioso, mas encontro vrias das minhclientes deste jeito. Tenho algumas clientes assduas que me convidam para sair e boaceitar, s vezes.

    Eles so do tipo que olham fixamente. Eu me sinto em uma vitrine. Eles tm inveja da sua juventude. Vocs dois so como criaturas exticas da terra

    uventude.Nunca entendi toda essa merda de esses-so-os-melhores-anos-da-sua-vida. Se isso

    melhor que d pra ficar, ento, talvez eu queira desistir j. Deixe-me ir para o ostremeluzente do mundo adulto. Que piada. Eles no se lembram de como a vida era confusa quando tinham a sua idade.Quase me esqueci de MeninoLobo e de seu mau humor, mas evidente que est entediad

    ou irritado com a nossa conversa, porque se levanta de repente, todo agitado e resmungOrtolan olha para cima surpresa.

    Desculpe-me, tenho que... vou...Ele sai sem terminar a frase. Ortolan coloca seu copo vazio na mesa de centro. Seus olh

    brilham como uma estrada depois da chuva. H um silncio que se alastra e parece qningum vai preench-lo a no ser eu. Eu tenho que perguntar:

    Isto aqui um caso passado? No Ortolan tenta controlar as lgrimas. Fico aliviada. Se ela o tipo de mulher co

    quem MeninoLobo gosta de sair, no tenho nenhuma chance. Parece que isto tudo que ela tepara dizer, mas devo parecer confusa o bastante para que ela sinta que precisa explicar.

    Pode-se dizer que sim. Eu costumava sair com o irmo mais velho de MeninoLobo. Hmuito tempo.

    S isso? No razo para que ele seja to grosseiro. No seja dura demais com ele. Foi uma situao difcil. Sempre que vejo Jethro, por umilsimo de segundo penso que seu irmo. Sempre fico feliz em v-lo, mas...

    Estico o pescoo tentando encontrar MeninoLobo. Descubro-o no bar, falando com o sujeique pagou pelos nossos drinques. Desde que ele no saia sem mim... Volto-me mais uma vpara Ortolan, seu rosto ainda est plido e triste.

    Ento, voc cresceu em Timidez tambm? Cresci. Mas sa aos vinte anos e vivi por alguns anos no exterior. Voltei quando ouvi sob

    a Escurido. Voc voltou para c? Para viver na Escurido? Bem, perto o bastante. Moro logo depois da divisa, em Panwood. Todos acharam que

    era louca de voltar. No posso explicar, mas eu sabia que tinha de voltar. Era a coisa certaser feita.

    No posso imaginar algum querendo voltar a Plexus. Depois que eu for embora nvoltarei at que tenha me tornado alguma coisa. Uma pessoa diferente que no cair naquearmadilha nunca mais.

    E aqui voc um sucesso. Quero dizer, voc tem sua prpria loja. Deve ser to bom!

    No acho que eu faria as mesmas roupas em outro lugar. Se preciso de inspirao, tudo

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    que tenho que fazer andar pelas ruas. Voc deveria passar na minha loja algum dia. Tenhalgumas peas que ficariam timas em voc.

    Eu gostaria respondo sinceramente. primeira vista, pensei que Ortolan seria friareservada, mas no poderia estar mais errada a respeito dela.

    Ortolan tira um celular de um bolso que eu nem tinha notado em sua cintura. Desculpe-me. S estou vendo se a bab ligou ela abre o celular com um estalido. N

    Estou imaginando coisas.

    Voc tem um filho? no posso deixar de parecer surpresa. Ortolan ri como se estivesacostumada que as pessoas se surpreendessem com aquilo. Uma filha. No costumo deix-la sozinha noite, ento fico um pouco ansiosa. Quer v

    uma foto? seu rosto vibra. No consigo imaginar o rosto de minha me se iluminando comodela em qualquer ocasio que fale a meu respeito. Ortolan me passa sua carteira aberta.

    Sua filha posa com uma espada de papelo em uma mo e uma tocha na outra. Est usanduma tnica grande demais e um capacete ondulado feito de papel-alumnio. Sua expresso esa meio caminho entre um sorriso bobo e uma expresso de batalha feroz. Eu me lembro dbrincar fantasiada quando era pequena. Passava horas criando fantasias diferentes representando cenas com meus brinquedos de pelcia.

    Ela uma graa. Como se chama? Diana.Uma sombra estende-se ao longo da mesa.

    Ns duas voltamos os olhos para MeninoLobo, sombreando-nos. Seus olhos esto escurossigo sua linha de viso at a carteira de Ortolan e a foto de Diana. O rosto de MeninoLobo contorce e ele parece prestes a falar, mas, em vez disso, recua e chuta com fora a mesa dcentro, virando-a de ponta-cabea com um estrondo. Ele para apenas por um moment

    parecendo to chocado quanto ns, depois se vira e corre.

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    seis

    CHEGO RUA CINZA CORRENDO,as botas batendo no concreto, o sangue martelando no mcrnio. A sarjeta quase me faz tropear, estou to desesperado para ir embora! Estosufocando, cuspindo nuvens de bafo e no por estar correndo. Um uivo quase fora secaminho entre os meus lbios e tenho que cerrar os dentes para mant-lo sob controle.

    O banheiro e a loja de convenincias incandescente oscilam vista. A luz queima meglobos oculares. Eles devem estar fazendo uma ligao clandestina. Ningum tem taneletricidade legalmente.

    Preciso de escurido.Deixo as duas sozinhas um minuto e Ortolan tem que contar a MeninaSelvagem cada mnim

    detalhe de sua vida.H sombras hospitaleiras na prxima travessa. Os jardins comemorativos so mais para

    frente, na encosta que se estende at o rio. A Cidade dos rfos fica direita. Os altoedifcios esto salpicados de luz. Meus passos desaceleram gradualmente at que descubro uterreno vazio.

    Sento sobre cascalhos e torres com grama seca, enfiando meus dedos nas pedras e sentinterra suja sob minhas unhas. Absorvo o ar da noite, inalando cada respirada o mais fundpossvel. Quando noite em toda a cidade, fica mais frio em Timidez, ainda que no d paficar mais escuro aqui. No justo que Ortolan mostre MeninaSelvagem a foto de sua filhquando eu nem mesmo a conheo. Ser que elas tambm falaram sobre Gram?

    Aos poucos meu sangue esfria, meu corao fica mais lento. A Escurido um cobertpesado que me mantm escondido.

    Enfio a mo dentro do bolso e apanho meu isqueiro, fechando os olhos como se estivesfazendo um pedido. O metal frio e macio em contato com os meus dedos. s vezes, acho quLupe tem razo: meu irmo no est longe. Posso v-lo se eu me concentrar. Ele sai descurido, tornando-se rapidamente visvel. Cabelos despenteados, uma tatuagem de guia nbceps. Est encostado no seu Valiant fumando, apertando os olhos sob a forte luz do sol. Ati

    sua bituca no cho: Vamos embora, Pequeno J.O cascalho ressoa. Meus olhos se abrem. Na extremidade do terreno h uma mancha rosa

    escurido e duas pernas brancas. Um par de botas pretas caminha na minha direo.MeninaSelvagem caminha com cuidado. Seus olhos esto grandes na escurido, grand

    demais. Ela para a certa distncia, usando sua bolsa como escudo. Oi. Como que voc me achou? falei nervoso. O que eu deveria fazer era me desculpa

    mas as palavras certas no esto vindo.

    Perguntei para algumas pessoas. Voc tem uma aparncia bem diferente, ento no fdifcil ach-lo.

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    Vocs foram expulsas do bar? No. Fingimos que foi um acidente. A mesa nem quebrou.Isso foi sorte. Chutei como se quisesse mand-la para o outro lado da sala. MeninaSelvage

    no se aproxima. Eu a assustei. Eu mesmo fico assustado quando chego a esse ponto. Ortolan est brava? No. Mas est preocupada com voc. Ela me mandou que viesse sua procura.No sei o que dizer. A noite est beirando o fracasso. No quero que MeninaSelvagem v

    para casa, mas no posso culp-la se decidir partir. Mas no consigo lhe pedir que fiquFicar com raiva e depois correr atrs no vai ajudar. Ela no parece ser o tipo de garota qugosta disso.

    No me incomodo que voc tenha ficado nervoso. No preciso saber o motivo. S precisaber que voc est... a salvo. Estou me arriscando aqui. Do mesmo jeito que voc aqcomigo.

    No sou perigoso. No mato gatos para me divertir, se isso que voc est perguntandTambm no mordo as pessoas.

    O rosto de MeninaSelvagem relaxa um pouco. A no ser que peam com gentileza, certo?Franzo minhas sobrancelhas. Estou sempre a meio passo atrs dela. No sei por que ela es

    brincando comigo depois do que aconteceu. Eu no acreditei nela quando disse que nprecisava saber por que eu fiquei nervoso. Talvez Ortolan j tenha dito a ela. Eu engulo eseco. No quero falar sobre isso. No quero nem pensar a respeito.

    Tivemos um mau comeo eu disse. Afasto a ideia de que seria mais fcil mand-la pacasa.

    Eu ainda quero que voc me mostre Timidez.

    MeninaSelvagem se aproxima e se senta perto de mim, com sua bolsa prxima a ela. Visua mo para cima para me mostrar algo. Um carto de banco. Ela o estende, gesticulandpara que eu o pegue.

    Eu estava comeando a lhe contar, antes de Ortolan aparecer. Achei-o no banheiro do Ado Corvo.

    O carto no se parece com nada que eu tenha visto antes e nunca ouvi falar no Banco dFuturo. J faz algum tempo que no vejo um carto de banco. Uso dinheiro vivo, comomaioria dos outros locais. No restou nem uma agncia de banco em Timidez.

    O que voc acha? a voz de MeninaSelvagem est ansiosa. Se formos investir no futuro, ento eu diria que estamos fodidos.MeninaSelvagem sorri. Seus dentes so brancos e perfeitos como pastilhas de menta.

    Essa piada foi boa, lobinho. Tome cuidado ou vou acabar pensando que voc tem senso humor. O que eu queria dizer era: voc acha que ele funciona? Podemos us-lo?

    Acho que sim. Viro o carto de novo na minha mo. No consigo ver algum motivo paque ele no funcione. Voc no pensou em entreg-lo no bar?

    Voc nunca perguntou a si mesmo: o que eu faria com um milho de dlares?Tento no pensar demais em dinheiro, se posso evitar. Ganho algum dinheiro fazend

    mixagem em outras bandas e, aos poucos, vendi as melhores peas do mobilirio da minh

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    casa. Sei que se atravessar para Panwood e for ao banco, o que s fao quando estodesesperado, algum, provavelmente mame, ter depositado bastante dinheiro na minhconta.

    Na verdade, no. Eu sim. Penso muito nisso. MeninaSelvagem ruboriza com entusiasmo. s veze

    comeo com dez mil dlares e, ento, penso em um milho. Duvido que haja um milho de dlares nessa conta. Talvez, essa pessoa tenha ido

    falncia e por isso que largou o carto por l. Ainda assim, devamos ver se funciona.Dou de ombros. De qualquer modo, o carto no traz nenhum nome, o que tornaria mui

    difcil achar o dono. Ento melhor voc assin-lo.MeninaSelvagem encontra uma caneta em sua bolsa sem fundo e apoia o carto nas minh

    costas para assin-lo. Tento ignorar o leve toque do seu cabelo balanando contra o mpescoo. Ela j no tem mais medo de mim. Quando termina, ela se agacha minha frente.

    Tem mais alguma coisa que eu tenho que perguntar, antes de irmos mais longe. Seu roscora. Voc tem namorada?

    O qu? Se eu sair com voc hoje noite, ser que eu vou, voc sabe, ser estapeada por algum?Balano a cabea. No sei se devo me sentir insultado ou lisonjeado.

    Est bem. MeninaSelvagem se levanta. Algo ficou decidido entre ns. A propsitno vou cham-lo de Jethro. Para mim voc MeninoLobo e assim que vou cham-lo.

    Para mim tudo bem. No gosto de ser chamado de Jethro. o meu nome de antes dEscurido, antes de tudo mudar. Um nome usado por meus pais e por outras pessoas que ain

    no seguiram em frente. No h sentido em querer que a vida seja como antes.

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    ANDAMOS RPIDO PELAS RUAS DE TRSde Timidez, mas no tanto que me impea de quamorrer congelada. Puxo meu suter para mais junto de mim. Mame me mataria se soubesque sa hoje noite sem uma jaqueta. curioso como ela se preocupa com pequenas coiscomo essa, mas nunca repara no que realmente importa.

    Estou feliz por ter encontrado MeninoLobo. Eu estava mais preocupada com ele do que eandar sozinha pelas ruas srdidas. No me surpreenderia se ele tivesse uma histria pessopesada. Quando uivou no bar, o som me atravessou direto. Ele me fez pensar em todas coisas miserveis que j vi, como quando voc v um brinquedo abandonado na caladsendo chutado e ficando sujo.

    Dou uma olhada nele. Andamos lado a lado, ele olha para a frente e seu lindo rosto serenooutra vez. J difcil imaginar que ele seja o garoto que vi sentado no terreno baldio hpoucos minutos, olhando para mim como se estivesse se afogando. difcil imaginar que eseja o mesmo garoto que vi furioso, e que chutou uma mesa. Problemas de famlia podem fazisso com voc. Sou a rainha de perder a calma. Se fosse to grande e alta como MeninoLobprovavelmente pareceria to assustadora quanto ele pareceu. Sinto como se tivssempassado por uma espcie de teste que a noite nos preparou. No vejo o que poderia dar erraddepois disso.

    Olhando superficialmente, Timidez no to diferente de Plexus. As casas estreitas desrua esto aglomeradas. As pessoas cultivam sofs, bicicletas e concretos nos seus jardins dfrente em vez de rosas. O conforto surrado familiar.

    Voc est me levando para um caixa eletrnico, certo? No preciso. Tenho dinheiro o bastante para a noite toda. Quero dizer, horas. Mas este no o ponto. Consegui este carto e estou louca para esbanjar algum dinheiro. Como que voc vai usar um caixa eletrnico se no sabe a senha do carto?Bato na testa. Uma senha. Devo estar pirando. Meu rosto queima com a certeza absoluta

    que mereo um prmio em idiotice.

    S posso dizer, em minha defesa, que neste lugar tudo realmente confuso e qnormalmente eu no bebo o que quer que seja aquela coisa asquerosa que bebemos no Asa dCorvo e...

    No se preocupe com isso. MeninoLobo pe de lado o meu constrangimento com uleve gesto de mo. Tenho uma ideia de onde podemos usar o carto.

    Onde? Um lugar muito secreto. MeninoLobo levanta as sobrancelhas. Algumas das minh

    tendncias dramticas o devem estar influenciando. Eu no me importo que ele tenh

    problemas de fato, isso no pior do que algum que religioso demais , mas agradepor ele no estar de mau humor agora.

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    A rea residencial gradualmente se transforma em uma rea semi-industrial com prdioenormes. Passamos por uma revendedora de automveis, um atacadista de frutas e udepsito de nibus da cidade-fantasma. A rua mais larga e as brechas mais espaosas entre prdios permitem que o vento passe por elas, soprando poeira e sujeira por entre nosstornozelos. Timidez deve estar at a boca de antros de pio, cassinos ilegais, humcomerciantes de diamantes e... fico sem ideia de lugares onde gastar dinheiro sujo. Sestivssemos na cidade, bom, eu poderia pensar em milhes de maneiras. MeninoLobo pa

    em um prdio comum de tijolos com um luminoso em non de uma garrafa de boliche. Vamos jogar boliche? No consigo disfarar o desapontamento na minha voz. Jogboliche no irado. O hallda cancha de boliche escuro, ainda que uma das portas esteaberta e deixe passar o vento. Tem certeza de que este lugar est aberto? Eu preferiria irum rinque de patinao, se estamos explorando alternativas medocres de divertimento.

    Tenha pacincia. MeninoLobo me olha com ar exasperado. As pessoas esto sempre mdizendo que falo demais. Decido manter minha boca fechada por alguns minutos.

    Em vez de nos dirigirmos para a entrada principal, entramos em uma passagem ao lado dprdio. Uma extensa pea de grafite multicolorida cobre toda a parede lateral: MULEQUEVANCEM. Algum se esqueceu de conferir a grafia. Nossos passos ecoam na vie

    silenciosa. MeninoLobo fica esquadrinhando os telhados do nosso lado, como se esperasque um invasor mascarado viesse balanando em uma corda. Eu deslizo minha mo edireo a ele, que d um aperto reconfortante.

    O beco se abre em um estacionamento cercado por uma srie de prdios apagados cosadas de incndio precrias. Uma nica e fraca luz de rua ilumina a rea. O espao todo esto deserto que espero a qualquer momento que bolas de feno irrompam no meio dele. EngulA insegurana faz bem, certo?

    Acho que aqui por perto.Atravessamos o lugar de mos dadas. A ltima vez que dei a mo a algum, provavelmentfoi para minha me, antes de ficar velha o bastante para me envergonhar disso. Meus dedesto quentes e espero que minha mo no esteja suada.

    Voc nem sabe aonde estamos indo? Sei aonde estamos indo. Aquele velho no bar, aquele que nos ofereceu um drinque, e

    estava tentando me impressionar com todas essas coisas undergroundque ele conhece. Ele mcontou sobre este lugar e me disse onde era. Estamos procurando uma porta verde.

    Como aquela? aponto para a parte detrs do prdio. Uma porta verde ao lado de ummontanha de sacos de lixo lustrosos.

    MeninoLobo larga minha mo e aperta a campainha. A etiqueta manuscrita abaixo do botfoi apagada pela chuva. Nada acontece. MeninoLobo aperta a campainha novamente. Ps movimentam por detrs da porta

    Estamos procurando a feira grita MeninoLobo, acercando-se da porta. Noto que h umcmera de vigilncia sobre ns e fao o possvel para parecer respeitvel. Mas, ao contrriser que eu deveria tentar parecer suspeita?

    A resposta abafada e breve.

    Senha.

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    MeninoLobo sussurra a senha na porta, praticamente beijando a pintura descascada. No consigo ouvir voc.MeninoLobo revira os olhos.

    PRNCIPE. DAS. TREVAS ele repete mais alto.Eu bufo.O trinco se mexe e a porta se abre para dentro. Entramos devagar em um corredor escuro.

    dono da voz um homem magro e alto vestido como uma mocreia obesa em um casament

    Ele no se parece com um assassino do machado, mas voc nunca sabe. Suasenhatem trs palavras eu digo para disfarar meu nervosismo. O homem me lanum olhar de desprezo. Est mais maquiado do que eu e impossvel adivinhar sua idade. Supele e seu cabelo so exatamente do mesmo branco marmreo. O corredor de concreto friosem enfeites. Ns estamos em uma parte do prdio que nunca deve ser vista pelo pblico.

    Quem mandou voc? Gary responde MeninoLobo.O rosto do homem perde um pouco do seu ar atormentado. Gary deve ser um favorito.

    Sou Sebastien gesticula com um dedo curvado para que o sigamos pelo corredodestrancando a porta ao seu final com uma chave que traz pendurada no pescoo. Faz com qentremos primeiro, antes de fechar a porta atrs de ns.

    Meus olhos se esforam para se adaptar escurido. Posso enxergar uma parede coprateleiras esquerda e alguma coisa descendo do teto. A nica luz vem de nove ou danelas pequenas no nvel do cho.

    A voz desencorpada de Sebastien to seca e frgil como sua pele. Bem-vindos feira. Vocs encontraro uma grande variedade de artigos vend

    contrabandeados ou no. Por favor, me avisem se estiverem procurando artigos especializad

    e eu os encaminharei seo apropriada. No lido com drogas, mas tenho um scio que posindicar se for isso o que vocs procuram. No consigo enxergar nada cochicho para MeninoLobo. Hum, Sebastien? D para conseguirmos um pouco de luz aqui, cara?H um suspiro dramtico seguido por vrias passadas que ecoam. Sebastien acende u

    isqueiro. Comea a acender as velas de um grande candelabro com um ar ressentido, seupunhos de renda adejando perigosamente perto das chamas. MeninoLobo o ajuda, usando sprprio isqueiro para acender os pavios. Logo o aposento cintila com a luz das velas.

    maior do que eu previra. H dzias de bicicletas penduradas acima da cabea, prateleircheias de latas sem etiquetas, uma pilha de colches, uma impressionante coleo de espadde samurais e manchetes afixadas na parede. Lates cheios de itens variados tnis, fogos dartifcio, objetos com o formato de limo que parecem granadas de mo salpicam a sala. Sexistem armas expostas abertamente aqui, fico imaginando o que Sebastien quer dizer coartigos especializados.

    Vocs aceitam cartes de crdito? Querido, eu no estou operando num mercado de pulgas responde Sebastien. Sim,

    lgico que eu trabalho com cartes. Este o maior negcio em mercado negro de Timide

    Tenho um movimento maior do que todas as outras chamadas feiras juntas.

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    MeninoLobo vagueia por algumas prateleiras e pega uma lata, cheirando-a codesconfiana.

    Gary disse que voc tinha equipamento musical. No ltimo canto, esquerda.Sebastien se dobra em uma cadeira antiga por detrs de uma escrivaninha com uma d

    luzes, pegando ostensivamente um livro e nos ignorando. MeninoLobo perambula para o cande trs.

    Eu me curvo para espiar por uma das janelas no nvel do cho. Do outro lado h ucomprido cmodo muito iluminado com pessoas do tamanho de palitos de fsforo na outextremidade. As propores esto todas erradas, como se eu estivesse espiando um quadrPisco. s quando h um estrondo baixo e algo vem rolando na minha direo que percebestar olhando para a pista de boliche, por detrs dos pinos.

    Quando chego ao fundo da sala, MeninoLobo est olhando respeitosamente uma parede dvioles e no quero interromper esse momento.

    Nossa, cara! ele assobia por entre os dentes. Ele conseguiu uma Les Paul Custom! Uma o qu?Para mim todos os violes parecem iguais, apenas com ligeiras variaes de formato e co

    MeninoLobo se inclina para a frente e acaricia um violo negro como se fosse um cavapuro-sangue. O violo balana de leve no gancho. possvel ter cimes de um violo?

    Um Gibson Les Paul Custom de 1957. No lindo?Para mim eleparece um violo. Um violo negro com cordas, com as coisas que seguram

    cordas no lugar e aqueles pedacinhos arredondados no final do cabo. Eu vejo MeninoLobolhar o violo, seu desejo mudou seu rosto. Isso adorvel, mas eu preferia que ele olhaspara mim desse jeito.

    Bom, vamos compr-lo. Estamos aqui para gastar dinheiro, no ? Eu j tenho um violo. Sei, mas voc no tem esseviolo. Quanto eles custam? No. MeninoLobo vira as costas. No preciso de um violo to bom. No toco t

    bem. Isso ridculo... eu comeo, mas MeninoLobo coloca a mo na frente do meu rosto. Nem tudo abre uma brecha para discusso, minha jovem.Bato na sua mo, sorrindo com o seu tom professoral. Ando ao longo da parede, afagando o

    instrumentos conforme passo por eles. Talvez eu compre um e me junte sua banda. Voc toca violo? Isso no importante, ? Minha aparncia combina com isto.Paro em uma coleo de ukuleles, aquelas guitarras havaianas de quatro cordas. Um deles

    rosa-shockingestranhamente ridculo e custa somente cinquenta dlares. Eu o puxo da parede dou umas arranhadas para experiment-lo. MeninoLobo se recosta em um lato cheio fones de ouvido, com os braos cruzados em expectativa. Limpo a garganta.

    No conheo nenhuma corda, portanto o som que fao assumidamente terrvel. Mas

    entusiasmo tem que servir para alguma coisa, certo? Canto acompanhando meu dedilh

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    dissonante, inventando as palavras medida que prossigo.

    Oh, estou to s na noite,Estou to desgrenhada,

    No tem luzEstou com o blues de Timidez

    Uso sapatos de salto alto,

    A lua brilha to radiante,Estou to uivante na noite.

    Hora do grande final. Esmerilho o ukulele com o maior empenho.

    Calas! To! Apertadas!Noites Inacabadas!

    Aa-uooooooooo!

    Tento um uivo, mas acaba saindo mais como um grito de cano alpina. Compenso coalgumas arremetidas de hard rocke alguns gestos de metaleiros, antes de agradecer.

    MeninoLobo aplaude lentamente. Ele est tremendamente impressionado, claro. Maimportante, ele parece ter esquecido tudo o que diz respeito a Ortolan, que o deprimiu tanto nprimeiro lugar a que fomos. Ele to doce quando sorri. Eu quero v-lo fazendo isso mavezes.

    Isso um original?Pouso o ukulele e tiro o cabelo do rosto.

    Oh, no, isto um coverde uma das suas. Voc no reconheceu?Sorrimos um para o outro. Eu me sinto genuinamente idiota, no como antes no bar com Nee Rosie, quando eu apenas fingia muito bem que estava me divertindo. MeninoLobo paregostar quando me fao de boba. Isso bom. Eu no sou o tipo de garota que fica ali parada pservir de enfeite e no estou interessada em algum que queira isso.

    Ento, estou dentro? Passei no teste? Voc pode participar da minha banda qualquer dia. Mas melhor irmos embora antes q

    Sebastien nos expulse por estarmos bbados e bagunceiros.Sebastien levanta os olhos quando nos aproximamos de sua escrivaninha. No d

    demonstrao de ter ouvido nada. Sem motivo, meu corao golpeia como se estivesquerendo arrebentar o peito. Hora de testar o carto. No sei se estou me sentindo enjoada oexcitada.

    Boa escolha diz Sebastien sorumbtico, quando lhe estendo o ukulele rosa. E isto tambm MeninoLobo mostra a ala de uma guitarra, que eu no o vi pegando. Sessenta e cinco dlares, por favor.Esfrego o carto do futuro entre os meus dedos para dar boa sorte e o estendo a Sebastie

    que o passa diretamente pela mquina, movendo-se com uma eficincia entediada.

    Nada acontece. Prendo a respirao. Olho para MeninoLobo e ele est calmo. Seus olhoazul-marinho sob aquela luz, se prendem aos meus um momento a mais do que o necessrio

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    nosso segredo passa entre ns.A mquina faz um barulho e cospe um recibo.Sebastien me estende uma caneta, e eu assino o pedao de papel com a mo nervosa.

    carto funciona. Uma parte minha esperava que fosse falso. Obrigado, cara. MeninoLobo me d o ukulele e cumprimenta Sebastien, que inclina

    cabea ligeiramente e volta na mesma hora para o seu livro.Meus ps me levam para fora da primeira porta e pelo corredor. Estou tremendo toda. Sei

    que vou fazer com esse carto. Empurro a porta externa em torpor, mal percebendo o ar frio apressando ao meu encontro. Amanh posso ir at uma agncia de viagens e comprar umpassagem de avio para algum lugar, qualquer lugar. No vou ter que ir para a escola segunda-feira. Nunca mais vou ter que voltar. O carto meu meio de fugir da confuso eque estou.

    O estacionamento ainda est deserto. MeninoLobo tira o ukulele das minhas mos e prendeala nele. Ele tem os dedos speros que os meninos tm, mas suas mos so geis. Passaala sobre a minha cabea e sob um brao para que o instrumento fique pendurado nas minhcostas. Fico parada, sem respirar. Tudo ser diferente de agora em diante.

    Temos um nome para pessoas como Sebastien. Sua mo se demora no meu ombrajustando a ala. No que ele tenha exatamente pulado em cima de mim, depois quperguntei se ele tinha namorada. Ele no sabe o que essa pergunta significa?

    ? Ns os chamamos de cogumelos porque eles funcionam bem no escuro. Algumas pesso

    fizeram da Escurido um verdadeiro negcio. Como Ortolan?Sua mo sai do meu ombro. Praga. No devia ter tocado no nome dela.

    Acho que sim. Nunca pensei nisso desse jeito, mas . Ele me d um tapinha no braUm tapinha amigvel. Vamos sair daqui. Est com fome?

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    oito

    A AVENIDA SATURNLIA EST DESERTAcomo sempre. A viso da Cidade dos rfos no finda rua o suficiente para manter a maioria das pessoas a distncia. As rvores que margeiaa avenida nada mais so do que madeira morta no cho. Num intervalo de poucas semanas ugalho pesado se quebra e cai na calada, levando o que quer que seja, ou quem quer que sejno percurso.

    A escurido densa nesta parte de Timidez. A rua de concreto, no de asfalto, e estoda marcada por centenas de fissuras e buracos. Ningum mais se preocupa em consertruas, ou com faris, ou sinais de trnsito. Meu corpo pressiona contra a escurido como se estivesse vadeando em guas profundas. At MeninaSelvagem est quieta.

    A maioria dos Sonhadores vive por aqui. Eles no tm medo de viver perto da Cidade drfos. Os Moleques no se metem com eles. As casas dos Sonhadores so feitas de recortde papel, com sacadas e telhados rendilhados e decorados. Empurre as silhuetas da meia-noe elas cairo.

    Thom e eu invadimos uma casa Sonhadora uma vez. Achamos uma janela quebrada estendemos nossas camisas sobre as pontas dos vidros para podermos entrar. Andamos ptoda a casa sem dizer uma palavra. No havia mveis, ou aparatos de luz, ou espelhos, ocarpetes. Apenas um assoalho de tbuas nuas e teias de aranha, uma escada de madeira qudava para o andar de cima e poeira por toda parte. Num dos menores quartos do primeiandar havia uma cama. No cho, duas almofadas de sof, cobertas com lenis desarrumadocomo se o ocupante tivesse sado s pressas.

    S tenho uma razo para vir a esta parte da cidade, que a de visitar Lupe. Todo mundconhece Lupe e sua van. As pessoas a procuram pelo melhor kebabde Timidez, e para obtrespostas para suas perguntas. Mesmo antes da Escurido, meus pais me preveniam para nfalar com ela, mas, depois que Gram morreu, o tranco foi forte demais. Lupe me disse coisque eu queria ouvir. No me importava se eram verdadeiras ou no. Ela me disse que Grano estava de modo algum distante, apenas do outro lado da cortina. Isso foi antes d

    Escurido ou antes que percebssemos que a Escurido se aproximava. s vezes, acho quesol deve ter comeado a falhar por aqui na mesma poca em que Gram nos deixou.

    Apresso o passo. Estou ansioso para ver a vande Lupe brilhando na noite como um caralegrico. Com certeza, Lupe est na minha lista de coisas a serem feitas em Timidez. Eu sepor instinto, que MeninaSelvagem vai gostar dela. Agora que pensei em comida, no consiimaginar nada diferente.

    Olhe sussurra MeninaSelvagem, apoiando-se em mim, assustada. Levo um momento paenxerg-lo.

    Um homem cambaleia pela rua a cerca de cinquenta metros, vindo em nossa direo. Teum andar clssico de Sonhador, arrastando uma perna em seguida da outra, indeciso em meio

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    caminhada. As mangas de seu pulver pendem soltas como se ele no tivesse braos. Sonhador explico. como um culto por aqui. Tudo o que eles querem dormir

    sonhar. Quando comeam, tomam um monte de plulas para poder dormir mais tempo e sonhmais, mas, depois de um perodo, no precisam mais de drogas, conseguem dormir pelo tempque quiserem. Esto convencidos de que os sonhos que so a verdadeira realidade.

    O Sonhador passa por ns sem parecer registrar que estamos aqui, com o olhar fixo ealgum lugar do horizonte. Ele quase totalmente desprovido de cor, como se tivesse sid

    submetido a lavagens por muitas vezes. Uma alma perdida. MeninaSelvagem estica o pescopara continuar observando-o. No podemos culp-los, no ? Nos sonhos, pode-se fazer o que der vontade, ser que

    voc quiser. Quando se est dormindo, tudo pode acontecer, tudo pode ser consertado orevertido.

    Ela fala como algum que tem domnio sobre seus sonhos. Voc deveria ouvir algum rock-sonhador. At eu durmo com ele.MeninaSelvagem continua andando perto e isso um pretexto para eu colocar meu brao e

    volta de seus ombros. O que voc vai fazer com o carto, agora que sabe que ele funciona? Vou pegar um avio e voar para algum lugar muito, muito distante. Para onde voc vai? Ah, acho que para a ndia. Talvez.As nicas coisas que sei sobre a ndia so que est apinhada de gente, todos querend

    encontrar algum espao, e que o sol me fritaria num prazo de trinta segundos. Voc tem famlia l? Por que voc diz isso? MeninaSelvagem fica subitamente agitada.

    No sei. Voc parece meio mestia. Droga, ela me olha. porque o seu cabelo tescuro e a sua pele...MeninaSelvagem sai de debaixo do meu brao.

    Por que no pergunta para a minha me? Ela diz que no sabe, mas pessoalmente acho qela s est escondendo de mim.

    Eu arruinei o momento.Quando eu era mais novo, costumava imaginar como seria se tivesse outros pais. S pod

    ser um erro eu ter aqueles que eu tinha. Eu no era nada do que os meus pais queriam que efosse. Gram tambm no, mas achvamos que isso no o incomodava tanto.

    MeninaSelvagem deveria saber que um pai e uma me no so necessariamente melhores dque s uma me.

    Meus pais foram dos primeiros a deixar Timidez quando as coisas ficaram difceis. Mpai quer conforto e dinheiro. Quer que toda a sujeira e o barulho do mundo sejam mantidfora da sua casa. Ele estabelece todas as regras, mas malevel. Nunca levanta um dedo,no ser para mandar e-mails. Assumo uma pose de fisiculturista. Parece que mame andoconfraternizando em segredo.

    MeninaSelvagem sorri. Ela sabe o que estou tentando fazer. Ela me agarra e me vira pa

    trs, apontando o fantasmagrico Sonhador, flutuando na escurido.

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    V aquele cara? Com certeza meio zumbi. Estamos quase chegando vande Lupe. Nexiste nenhuma rvore nesse trecho da Avenida Saturnlia. Provavelmente, os Molequusaram-nas para suas fogueiras.

    Moleques, avancem diz MeninaSelvagem como se lesse os meus pensamentos. O qu? eu estou assustado.Ela mostra um cartaz colado ao lado de um antigo armazm. O cartaz est brilhante e nov

    em comparao parede de tijolos que h por baixo. O Doutor Gregory se preocupa, diz

    longo da borda inferior. O rosto bronzeado com dentes suspeitamente brancos de DoutGregoryest acima doslogan. O Doutor Gregory se preocupacom dinheiro, se voc querminha opinio.

    Algum pintou duas letras com spray sobre o rosto do Doutor Gregory. Uma caligrafprimria, tremida e irregular.

    M. A. Exatamente como o grafite perto da pista de boliche. Moleques Avancem.Ela mais esperta do que eu pensava. Ou est menos bbada. Nesse caso, estou ainda ma

    impressionado por sua apresentao com o ukulele.MeninaSelvagem vai em direo ao cartaz:

    Quem so os Moleques?Antes que eu responda, uma pequena forma escura cai do cu e aterrissa na cabea del

    Dedos compridos e peludos tentam alcanar seus olhos. Digna de respeito, MeninaSelvageno grita, mas se agita de um lado para o outro, com o ukulele balanando s suas costas. animal desgruda do cabelo dela, cai no cho e sai correndo. Vou socorrer MeninaSelvagemas ela me empurra, apontando atrs de mim.

    Eu me viro, e l esto eles: os Moleques.Cinco deles se espalham em arco nossa frente, suas bicicletas jogadas no cho atrs dele

    Se eu estivesse concentrado nos arredores, em vez de em fazer MeninaSelvagem sorrnovamente, teria ouvido suas rodas antes que chegassem. Reconheo o Moleque mais alto nmesma hora, um garoto conhecido como o Elfo. magricelo de cabelos loiros, finos e lisospele da cor de uma rosquinha crua. Ao lado dele h dois meninos e duas meninas de idadvariadas. Uma delas est com a mo no bolso, o que provavelmente significa uma faca. Todtm um pedao de fita plstica de interdio da polcia em torno da cabea, como bandanas.

    O Elfo empurra o Moleque menor para a frente. No pode ter mais de sete anos. Manchescuras de baba decoram a frente do seu bluso de basquete, que para ele enorme.

    Diga a eles, Baby. Passe a bolsa! exige Baby com uma voz fina. Est escondendo. Ns sabemos.MeninaSelvagem ri. No a culpo. Baby mal alcana a sua cintura. O trsio agora es

    pousado em seu ombro, lambendo as patas e chilreando, mostrando uma boca cheia de dentcariados. Estava relaxado. Devia ter perguntado a MeninaSelvagem se ela estava levandUma bolsa grande como aquela tem que ter alguma coisa.

    Volte correndo para a mame, garotinho. O Macaco no se engana. Baby xinga e faz caretas, evoluindo para um acesso de raiv

    ou uma crise de choro. A bandana cai em seus olhos. Olha para o Elfo, procurando um

    orientao.

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    Oua, sua franguinha da Cidade cor de coca-cola o Elfo solta as palavras devagar, um jeito que qualquer um pode ver que estava inquieto , entregue a bolsa. E trate Baby coum pouco de respeito.

    Os Moleques esto agitados, arrastando os ps e contraindo os braos. Fico pensando equem poderia vir ajudar o Elfo se eu pulasse sobre ele e o fizesse calar sua grande boca. terceiro garoto, um Moleque de mais ou menos doze anos, parece estar drogado alm da cone no ser problema. Ele perambula, chutando a esmo pela rua. A Menina-da-Faca parece s

    a nica outra lutadora entre eles, e provavelmente a segunda em importncia. O problemaque MeninaSelvagem no sabe que ningum se mete com o Elfo, no importa como ele chame. Ela comea a tentar atingir Baby com a bolsa.

    Eu. No. Vou. Dar. Porra. Nenhuma. Para. Vocs. Pivetinhos.Baby se abaixa e desvia, mas permanece com os olhos fixos em MeninaSelvagem.

    Sua boca um pesadelo, garota. O Elfo parece quase impressionado, mas eu o vemover os dedos discretamente, acenando para que a Menina-da-Faca v em frente. Se vofosse local, eu poderia convid-la a se juntar ao meu grupo.

    Entregue para ele digo a MeninaSelvagem com uma voz sem emoo.Ela me olha embasbacada.

    O qu? Entregue sua bolsa. Eles no vo pegar o que voc est pensando. Bom cachorro. O Elfo me encara com olhos de um azul-escuro. Sinto uma onda de cal

    subindo do estmago. Se eu estivesse sozinho, certamente tentaria fazer alguma coisa. Perdi vista os outros dois, o garoto e a garota. Viro-me e vejo ambos atrs de mim, a uma distncpreocupante.

    Cheguem mais perto e eu acabo com vocs digo a eles. No preciso levantar a voz. Fi

    com dez metros de altura quando estou puto. Uuuuuii a menina franze os lbios, fingindo estar assustada. O garoto chapado ri alguma coisa que s ele pode ver.

    MeninaSelvagem entrega a bolsa a Baby. D para perceber que ela detestou fazer isso. Babcoloca a bolsa no cho e remexe dentro dela com dedos ossudos e sujos. Ele precisa de ubanho. Posso sentir o cheiro dele daqui. Ele passa por cima do celular e da carteira MeninaSelvagem e tira um pacote de goma de mascar, um saquinho de jujubas e uma cartede pastilhas para a garganta, jogando-os para a Menina-da-Faca que junta tudo com uma mna frente do seu pulver.

    Baby termina de saquear a bolsa e a chuta no cho para MeninaSelvagem. Fica paradprximo ao Elfo, ansioso por um elogio que no vem.

    Acho que terminou, mas ento o Elfo abre a boca. Revista fsica.O trsio pula do ombro de Baby e chega aos ps de MeninaSelvagem feito um relmpag

    Ela olha para o animal com repugnncia. Ele coloca uma pata sobre o seu p e depois a outrProcura ao redor de seu tornozelo e depois sobe por suas pernas, devagar. Estica seus longdedos em seus bolsos doshortse, ento, sobe mais. As pernas de MeninaSelvagem treme

    visivelmente, mas ela ainda est de p. MeninaSelvagem fica quieta, respirando audivelmen

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    pelo nariz. Sigo seus olhos at a Menina-da-Faca, que tirou a faca do bolso e a segudespreocupadamente como se fosse descascar mas.

    O trsio termina a revista e no encontra nada. Corre de volta para Baby, pulando cofacilidade do cho para o ombro do Moleque.

    Obrigado pela transao, meninos e meninas. O Elfo sorri com malcia e se afasta parasua bicicleta. Pego a bolsa de MeninaSelvagem do cho.

    No sei por que voc se mete com coisas pequenas digo tardiamente. Quando o Elfo n

    responde, passo meu brao em torno dos ombros de MeninaSelvagem e a levo embora.

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    dependncias de visitas da cozinha. Agora, ela tilinta atravs da cortina e coloca uma xcaraum pires na minha frente.

    Isso vai fazer as coisas melhorarem tudo o que diz, antes de voltar para a cozinhMeninoLobo assente, ento tomo o ch. Est quente e tem a cor de mas verdes. Se fbruxaria, no vou reclamar, porque sou tomada pela calma quase instantaneamente. Mcorao volta ao normal e minhas pernas param de arder.

    Examino a van. As paredes esto forradas com vinil rosa preso por botes de cristal. U

    guarda-loua lotado de fotos, esttuas e loua ocupa um lado da van, oposto porta. Sobele, prateleiras esto sobrecarregadas de livros e LPs. H alguma merda muito louca aqui: ucrnio sorridente em um basto, uma fileira de luzes no formato de flores de ltus, um mao pimentas secas pendurado em um canto, penas de pavo em um vaso, uma caixa coborboletas espetadas, um microscpio enferrujado, jarros de conservas de sabe-l-deus-qu.

    Termino de beber o meu ch. MeninoLobo est com a cabea nas mos e parece incapaz me olhar nos olhos. A mesa toda revestida de fotos recortadas de revistas velhas, coberpor uma grossa camada de verniz. Eu me debruo sobre alguns dos meus astros de cinemantigos preferidos. Lupe tem bom gosto em se tratando de filmes. Talvez nem tanto quantodecorao de interiores.

    Lupe faz barulho com pratos e facas na cozinha e MeninoLobo ainda est em silncio. Eparece exausto e seus lindos olhos azuis piscam como se s tivesse energia para isso. Quecuidar de seu rosto cansado nas minhas mos.

    Voc est dando as piscadas longas digo a ele. Desculpe-me ele resmunga. Pelo qu?

    Estamos a salvo. Vi meu primeiro Sonhador. A parte onde fui atacada pelo Ewok foi bizarrmas mal posso reclamar quando o que eu estava buscando era o bizarro. E aqui estava preocupada de que a noite seria s bares elegantes e desinteressantes. Vou lhe contar umcoisa: quando eu estava correndo daqueles pivetes foi a nica hora nesta noite que consegesquecer o que estava tentando esquecer o dia todo.

    Foi minha culpa. Eu devia ter perguntado se voc estava levando. Voc est bem?Sinto todos os pontos da cabea para ver se o abjeto animalzinho de fato me sangrou co

    suas garras. Ainda estou com a minha bolsa, meu celular, minhas chaves e o carto mgico dbanco. Eu no tinha me atrevido a checar o carto at que ficamos fora da vista dos MolequeAinda no tinha tido uma chance de pensar com clareza sobre os meus planos em relaoele.

    Checo por debaixo da mesa e minhas coxas nem mesmo esto arranhadas. Estou bem, de verdade.Fui atacada por um macaco e um bando de fedelhos com bicicletas incrementadas e eles n

    levaram a nica coisa valiosa que trago comigo. O pivete que remexeu na minha bolsa mtinha idade para entrar na escola e estava apavorado, seu lbio inferior tremia como se efosse cair no choro. Consigo ver o lado divertido, mas MeninoLobo ainda parece abalado.

    Eu deveria t-los visto. Deviam estar nos seguindo j h algum tempo.

  • 7/24/2019 Um mundo chamado Timidez - Leanne Hall.pdf

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    Os macacos ou os pivetes? Os macacos. O nome deles trsio. So a infantaria dos pivetes. Localizam alvos, obt

    informaes e seguem as pessoas. Podem ir a lugares que ningum pode. Aquele que atacvoc, caiu de um telhado.

    O trsio no se parecia com nenhum macaco que eu tivesse visto. Em primeiro lugar, epequeno demais, seus olhos protuberantes eram do tamanho de um pires e ocupavam quatoda sua cabea, suas mos eram enormes e seus dedos nodosos. Queria poder tomar u

    banho para me livrar da sensao dos seus dedos roando no meu rosto. Uns olhos to grandes eu digo e no tenho certeza de estar me referindo aos garotos aos macacos.

    A noite traz vantagens para aqueles olhos grandes. As palavras soam estranhas, vindda boca de MeninoLobo como um provrbio. Lembre-se, se voc vir um trsio, os molequno vo estar longe.

    De alguma maneira, em meio ao meu cansao e minha fome, algumas peas do quebrcabea se encaixam.

    Moleques? Moleques como em M-O-L-E-Q-U-E-S avancem, certo?MeninoLobo concorda. Agora, o grafite faz mais sentido.

    Voc ficou com medo eu digo. Estvamos em desvantagem, claro, mas nenhum deltinha mais do que quatorze ou quinze anos.

    Desculpe-me. Eu deveria ter chegado antes. Eles no tinham o direito de revist-daquele jeito... isso foi inesperado. Mas reconheci o lder daquela gangue, um sujeichamado Elfo. Todos por aqui sabem que ele no boa coisa.

    Eu no culpo voc eu disse, sinceramente. Eles estavam mesmo s interessados nujubas?

    Se tivesse ido atrs do carto do banco, Baby teria recebido uma boa palmada na bunda. Os Moleques so loucos por acar e fizeram com que o trsio tambm ficasdependente. Estavam todos altos, completamente surtados. D para perceber quando olha nolhos deles.

    Havia algo estranho na maneira com que os Moleques se moviam, seus olhos se mexiapara l e para c e suas mos se contraam. Em Plexus, h muitos drogados, mas nenhum tovem. mesmo possvel que o acar provoque isso neles? Em altas doses, sim. Fazem qualquer coisa para consegui-lo. Em geral, eles no d

    importncia para quantidades pequenas, mas talvez a noite esteja devagar. Ou eles estentediados. MeninoLobo contrai o cenho. Eu no deveria ter deixado que revistassevoc.

    Eu queria me