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UM OLHAR SOBRE NOSSAS LETRAS: BREVES APONTAMENTOS SOBRE “TERRA À VISTA”, DE ENI ORLANDI.
Firmino Nunes de Lima (bolsista PIBIC), Maraisa Lopes (Orientadora, Campus Professora Cinobelina Elvas – UFPI)
1. Introdução
Vivemos pautados por uma naturalização do mundo letrado, cercados de discursos
disponíveis acerca de estudos e avaliações que se referem aos processos de escrita e leitura dos
brasileiros.
Dentre estes discursos, vemos figurar dados como os da Organização para a Cooperação e o
Desenvolvimento Econômico, que, de três em três anos aplica o PISA, com o objetivo de comparar a
qualidade da educação em diversos países. Nesta avaliação, em 2009, o desempenho médio dos
estudantes brasileiros de 15 anos atingira 412 pontos na esfera da leitura; o que nos deixara na 53ª
posição entre 65 países.
Outro ponto bastante enfatizado socialmente é o de que, de acordo com o Censo 2010,
realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), há uma taxa de 9,6% de
analfabetos, entre a população a partir de 15 anos, em terras brasileiras.
Mas como pensar esses indicadores a partir de um viés discursivo?
2. Procedimento Metodológico
Ao iniciarmos este trabalho, assumimos como nosso objetivo uma compreensão teórica sobre
a institucionalização da língua portuguesa no Brasil, partindo da leitura da obra „Terra à Vista‟, de Eni
Orlandi. Optamos por realizar uma revisão de literatura, pois, de acordo com Noronha e Ferreira
(2000), os trabalhos de revisão podem ser caracterizados como estudos que analisam a produção
bibliográfica em determinada área temática, dentro de um recorte de tempo.
Isto posto, estabelecemos nosso recorte e nos lançamos à leitura e compreensão de nosso
material. Realizamos discussões em grupo, bem como procedemos à escrita de nossos
apontamentos.
3. Resultados e Discussão
Ao propormo-nos a realizar um trabalho de revisão de literatura sobre a institucionalização da
língua portuguesa no Brasil, selecionamos a obra “Terra à vista”, de Eni Orlandi, pois logo em seu
título vemos figurar a primeira fala sobre o Brasil, que expressa o olhar inaugural, atestando nas
letras a nossa origem.
Quando pensamos a institucionalização de nossa língua, somos remetidos ao fato de que o
discurso das descobertas domina a nossa existência como brasileiros, já que ele se estende ao longo
de toda nossa história, produzindo e absorvendo sentidos. Assim, seu produto mais eficaz é
reconhecer apenas o cultural e desconhecer (apagar) o histórico, o político, efeitos de sentidos que,
até hoje, nos submetem ao espírito de colônia. Nem índios, nem europeus, somos produzidos por
uma fala que não tem um lugar, mais muitos. E muito aqui é igual a nenhum. Desse lugar vazio
fazemos falar as outras vozes que nos dão uma identidade. As vozes que nos definem. Europeu
falando de índio produz brasilidade. Nós, quando falamos do que os europeus dizem de suas
descobertas, falamos do discurso de nossa origem (ORLANDI, 2008).
Desse modo, notamos que a presença do outro como constitutiva da fala de qualquer sujeito
é garantida pelo princípio geral da linguagem – dialogismo – e que, o sujeito da linguagem é
determinado por sua relação com a exterioridade. Relação que se dá pela diferença, num movimento
entre um e outro, em que relações podem ser apreendidas, compreendidas. Numa relação sem
hierarquia, tampouco de iguais separados entre si, claramente.
Segundo a autora, é interessante observar que a noção de civilização caminha junto à noção
de cultura, já que, geralmente, para expressar o orgulho de sua civilização e de sua natureza,
emprega-se a palavra cultura.
Quando pensamos essa divisão entre civilização e cultura, vemos funcionar uma contradição.
Nós brasileiros somos singulares, temos um outro – o Português, o Italiano, Francês, etc. – mas não
somos o outro constitutivo de nenhuma nação. Basta, como afirma Orlandi (2008), observarmos o
fato de que somos ditos a partir da formulação “Os portugueses descobriram o Brasil”, o que permite
pensar que nossos antepassados eram os portugueses e o Brasil era apenas uma extensão de terra,
em que havia selvagens arredios que faziam parte da terra e que, quando descobertos, foram alvo de
catequese por parte dos portugueses, civilizados e dotados de cultura. Nossos índios são, desde o
começo, marcados por um apagamento, sendo retirados de seu lugar de direito em nossa história. É
como se não constassem, como se fossem „transparentes‟; como se houvesse uma ruptura histórica
que passou do índio para o brasileiro por meio de um “salto”.
É relevante notarmos que o “outro” que elegemos como contraponto de nossa identidade é o
europeu, tanto como nosso antepassado, quanto como nosso imigrante. Há, ainda, consoante Orlandi
(2008), mais um “outro” em nossa história; um outro que, pelo viés do senso comum, entrou pela
porta da cozinha: o negro, quando do processo da escravidão. Importante, também, é percebermos
que quando falamos do Brasil como um local de mistura de raças, excluímos o índio; além dos
negros, são os europeus e os orientais que constam na nossa memória.
A presença do índio apenas aparece como consistente quando de seus embates com o
branco, o que acabara por demandar a criação do Sistema de Proteção ao Índio, que colaborara para
a pacificação de nossos indígenas, produzindo um apagamento de sua cultura, anulando qualquer
forma de resistência.
Para Orlandi (2008), ao acompanharmos o discurso de conversão – um diálogo que põe na
boca do índio as palavras do branco, ou melhor, as palavras que o branco deseja ouvir do índio,
mostra uma dessimetria fundamental: a voz do índio é dominada pela do branco, construindo assim a
imagem do branco, para o branco, através do índio.
É preciso dizer que a dimensão linguística é uma das diferentes dimensões de apagamento
do índio na sociedade brasileira. Sabe-se que os missionários estudaram a língua com finalidades
utilitárias de evangelização, favorecendo a criação das línguas francas. Além disso, por meio da
prática religiosa-colonizadora, fora produzida a “disciplinarização” das línguas dos povos colonizados.
Os missionários disciplinaram o tupi instituindo o tupi jesuítico, instalando o seu poder de
controle sobre os índios e o seu poder de negociação com o governo português; utilizando essa
língua disciplinada para a catequização, que aculturava o índio religiosamente ao mesmo tempo em
que o adaptava linguisticamente (ORLANDI, 2008).
À medida que falam da língua, os missionários, viajantes e os pesquisadores produzem saber
sobre o Novo Mundo, tornando-o legível pela cultura europeia, construindo um imaginário; criando
uma história para o índio, que vai sendo passada a limpo pela catequese e pela colonização.
Ainda sobre isso, Orlandi (2008) assevera que os relatos ilustram os conhecimentos práticos
das experiências do estrangeiro no Brasil, bem como os costumes dos habitantes do Novo Mundo.
Sua autoria não era baseada na observação direta dos fatos, mas na obtenção de dados por fontes
relatadas, sendo escritos por terceiros.
Parece-nos relevante dizer que a relação do europeu e do brasileiro com a história é
diferente. E é justamente desse lugar, do qual as relações podem ser diferentes, que as reimpressões
intervêm. Faz parte da relação do brasileiro com sua história que o discurso europeu explique a sua
origem, que explique sua identidade.
Desde a catequese, os padres se colocavam como intérpretes da relação dos índios com a
colonização, ao mesmo tempo em que salvavam a alma do índio, controlavam as formas de contatos
dos índios com a civilização ocidental. O índio era argumento da retórica colonial, que servia a padres
e a governantes, às vezes partidários, às vezes em confronto.
Salutar se faz lembrarmos que, nós, brasileiros, tivemos que nos acomodar em uma língua
que veio da Europa: o português. E essa acomodação se faz com dificuldades que vão sendo
passadas a limpo pelo nosso discurso sobre a língua portuguesa (brasileira).
De acordo com Orlandi (2008), o fato de termos em nossa origem as línguas indígenas, com
suas especificidades, está presente de várias maneiras em nossa relação com o português brasileiro.
Mas não se trata apenas só de origem, mas sim de convivência contínua e atual, em que as marcas
do contato e os processos de influência linguística são vivos e atuantes.
Assim, a ideia do sujeito de ser livre de toda determinação concreta é uma ilusão: a ilusão
discursiva do sujeito. Essa ilusão é própria de uma sociedade como a nossa em que o sujeito é ao
mesmo tempo livre e disciplinado.
4. Considerações
Procurando compreender a institucionalização da língua portuguesa em solo brasileiro,
percebemos que muitos são os pontos a serem observados, no entanto, ressaltamos o papel do forte
apagamento do índio em nossa terra e em nossa língua; fato que nos é naturalizado por meio de um
imaginário de constituição de nosso país contado pelo branco, consoante seu viés dominador.
5. Referências
NORONHA, D. P. ; FERREIRA, S. M. Revisões de literatura. In: CAMPELLO, B. S.; CONDÓN, B. V.; KREMER, J. M. (orgs.). Fontes de informação para pesquisadores e profissionais. Belo Horizonte: UFMG, 2000.
ORLANDI, E. P. Terra à vista: Discurso do Confronto. Velho e Novo Mundo. São Paulo: Cortez; Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2008. Palavras-chave: Terra à Vista. Língua Portuguesa. Imaginário.